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 915  www.actamedicaportuguesa.com Acta Med Port 2011; 24: 915-922 DOENÇAS DO MOVIMENTO INDUZIDAS POR FÁRMACOS A Importância dos Psicofármacos A presente revisão do estado da arte das doenças do movimento induzidas por fármacos (DMIF)  jus ti ca -se devido à sua alt a pre valência em ce rta s esp ecial ida des médic as e con textos clí nicos,  pel a nec ess ida de do seu enq uad ram ent o e m d iag nósticos difere nci ais , b em com o p elo s custos  pot enc iais a que con duz . O acrónimo DMIF engloba um grupo heterogéneo de síndromes neurológicas, sendo as mais  pre val ent es o par kin son ism o, a dis ton ia, a disci nes ia e a acati sia . Nos anos subse que nte s à introdução dos neurolépticos (bloqueadores dos receptores dopaminérgicos D2) na prática clínica, foram observadas as primeiras reacções distónicas agudas e, posteriormente, o aparecimento de sintomas extrapiramidais associados ao seu uso crónico. Actualmente, encontram- se descritas síndromes extrapiramidais, agudas e crónicas, como complicações do tratamento com uma vasta gama de fármacos, incluindo não bloqueadores dos receptores dopaminérgicos D2 e drogas de abuso.  Nes te a rti go é f eita um a re visão do co nhe cim ent o ac tua l da s DM IF n o qu e di z re spe ito à sua epidemiologia, siopatologia, fenomenologia, tratamento e prognóstico. J. D.: Serviço de Neurologia. Hospital de Santo António (C.H.P .) Porto. Portugal. S. C.: Serviço de Saúde Mental Comunitária-Porto/C3. Hospital de Magalhães Lemos. Porto. Portugal. Joana DAMÁSIO, Seram CARV ALHO DRUG INDUCED MOVEMENT DISORDERS Role of Antipsychotic Drugs This article reviews the current knowledge on drug-induced movement disorders (DIMD) epidemiology, pathophysiolo gy, phenomenology and treatment. This review is justied by its high prevalence in certain medical specialties, the need to include them on movement disorders etiologic differential diagnosis and the potential economical burden. The acronym DIMD refers to a heterogeneous group of neurological syndromes, the most  prevalent being parkinsonism, dystonia, dyskinesia and akathisia. Soon after neuroleptics (D2 dopamine receptor blocking agents) introduction in clinical practice, the rst acute dystonic reactions were reported. Later, was recognized that extrapyramidal symptoms could occur in association with their chronic us e. Nowadays, several non dopamine receptor  blocking drugs and drugs of abuse are recognized as potential inductors of extrapyram idal reactions. S U M M A R Y R E S U M O ARTIGO DE REVISÃO

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    Acta Med Port 2011; 24: 915-922

    DOENAS DO MOVIMENTO INDUZIDAS POR FRMACOS

    A Importncia dos Psicofrmacos

    A presente reviso do estado da arte das doenas do movimento induzidas por frmacos (DMIF) justifica-se devido sua alta prevalncia em certas especialidades mdicas e contextos clnicos, pela necessidade do seu enquadramento em diagnsticos diferenciais, bem como pelos custos potenciais a que conduz.O acrnimo DMIF engloba um grupo heterogneo de sndromes neurolgicas, sendo as mais prevalentes o parkinsonismo, a distonia, a discinesia e a acatisia. Nos anos subsequentes introduo dos neurolpticos (bloqueadores dos receptores dopaminrgicos D2) na prtica clnica, foram observadas as primeiras reaces distnicas agudas e, posteriormente, o aparecimento de sintomas extrapiramidais associados ao seu uso crnico. Actualmente, encontram-se descritas sndromes extrapiramidais, agudas e crnicas, como complicaes do tratamento com uma vasta gama de frmacos, incluindo no bloqueadores dos receptores dopaminrgicos D2 e drogas de abuso.Neste artigo feita uma reviso do conhecimento actual das DMIF no que diz respeito sua epidemiologia, fisiopatologia, fenomenologia, tratamento e prognstico.

    J. D.: Servio de Neurologia. Hospital de Santo Antnio (C.H.P.) Porto. Portugal.S. C.: Servio de Sade Mental Comunitria-Porto/C3. Hospital de Magalhes Lemos. Porto. Portugal.

    Joana DAMSIO, Serafim CARVALHO

    DRUG INDUCED MOVEMENT DISORDERSRole of Antipsychotic Drugs

    This article reviews the current knowledge on drug-induced movement disorders (DIMD) epidemiology, pathophysiology, phenomenology and treatment. This review is justified by its high prevalence in certain medical specialties, the need to include them on movement disorders etiologic differential diagnosis and the potential economical burden.The acronym DIMD refers to a heterogeneous group of neurological syndromes, the most prevalent being parkinsonism, dystonia, dyskinesia and akathisia. Soon after neuroleptics (D2 dopamine receptor blocking agents) introduction in clinical practice, the first acute dystonic reactions were reported. Later, was recognized that extrapyramidal symptoms could occur in association with their chronic use. Nowadays, several non dopamine receptor blocking drugs and drugs of abuse are recognized as potential inductors of extrapyramidal reactions.

    S U M M A R Y

    R E S U M O

    ARTIGO DE REVISO

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    Joana DAMSIO et al, Doenas do movimento induzidas por frmacos, Acta Med Port. 2011; 24(S4):915-922

    INTRODUO

    As doenas do movimento induzidas por frmacos (DMIF) englobam sndromes com fenomenologia muito distinta, sendo as mais prevalentes, o parkinsonismo, a distonia, a discinesia e a acatisia. So mltiplos os frmacos que podem induzir o aparecimento destas doenas, sendo os mais frequentes os bloqueadores dos receptores dopaminrgicos D2, como neurolpticos, an-tiemticos e antivertiginosos (ver quadro 1). Sabe-se que as DMIF so subestimadas na prtica clnica, levando a gastos desnecessrios com exames complementares e tratamentos1. O seu aparecimento acarreta m adeso ao tratamento institudo, com diminuio da qualidade de vida, recadas e hospitalizaes, principalmente nos doentes com patologia psiquitrica2. Este artigo tem por objectivo realizar uma reviso sis-temtica da literatura sobre a fisiopatologia, epidemiologia, clnica e abordagem teraputica das DMIF.

    METODOLOGIA Foi efectuada uma pesquisa sistemtica na Medline e IndexRMP da literatura escrita em Ingls e Portugus, utilizando as palavras-chave Drug induced movement disorders no perodo de 1950-2009. Foram identificados 13546 artigos, dos quais foram seleccionados 84 com base no resumo publicado. Foi completada a pesquisa com uma reviso dos principais livros de texto na rea das doenas do movimento.

    AS DOENAS DO MOVIMENTO Na abordagem clnica das doenas do movimento, deve comear-se por identificar o padro dominante de movimento: pobreza (doenas hipocinticas) ou riqueza exuberante de movimento (doenas hipercinticas)3. Numa segunda etapa deve classificar-se o tipo de doena presente (Quadro 2)3.

    AS DOENAS PSIQUITRICAS Um nmero mal definido de doentes com patologias psiquitricas e comportamentais est exposto a frmacos indutores de doenas do movimento4. Os quadros psicti-cos em geral, e a esquizofrenia em particular tm os neu-rolpticos como tratamento de primeira linha, os frmacos com maior potencial de induzir doenas do movimento. Porm, no s os doentes com psicoses endgenas so tratados com neurolpticos. Tambm os doentes com perturbaes mentais orgnicas, doena bipolar, depresso unipolar, certas perturbaes da ansiedade, perturbaes da personalidade assim como quadros psiquitricos espe-cficos da infncia, tm esta classe de frmacos includa na teraputica.

    FRMACOS E FARMACOLOGIA A introduo da cloropromazina na prtica clnica em 1954, revolucionou o tratamento das doenas psiquitri-cas5. Os neurolpticos tpicos (NT), classe a que pertence a cloropromazina, tm como principal mecanismo de aco o bloqueio dos receptores dopaminrgicos (BRD) D25. Em 1956 Cohen descreveu pela primeira vez uma reaco distnica aguda espasmos tnicos envolvendo os msculos cervicais e oromandibulares6. Com o desenvolvimento da clozapina em 1960, nasceu uma nova gerao de neurolpticos, designados atpicos (NA). Estes, tambm BRD D2, distinguem-se pela menor taxa de efeitos secundrios7. Quer os NT quer os NA tm um limiar de ocupao dos receptores D2 de 65% para efei-tos antipsicticos e de 80% para efeitos extrapiramidais7. Apesar de serem utilizados h mais de cinco dcadas, o mecanismo pelo qual os NA tm menor incidncia de efeitos extrapiramidais no totalmente conhecido. As teorias que renem maior consenso nesta explicao so: 1) Ratio de ligao aos receptores serotoninrgicos 5-HT2/dopaminrgicos D2 Os NA bloqueiam os receptores dopaminrgicos D2 e os receptores serotoninrgicos 5-HT28. Uma vez que a serotonina inibe a libertao da dopamina, o bloqueio dos receptores 5-HT2 permite libertao de dopamina suficien-te para antagonizar o efeito do bloqueio dos receptores D2, sem que ocorra perda de eficcia9. 2) Rpida dissociao dos receptores D2 Os NA apresentam uma taxa de dissociao dos recep-tores D2 mais rpida do que os NT, sendo mais precoce-mente restabelecida a normal transmisso dopaminrgica7. 3) Selectividade lmbica O bloqueio dos receptores D2 a nvel mesolmbico responsvel pelos efeitos antipsicticos, e a nvel nigro-estriatal pelos efeitos extrapiramidais9. Alguns estudos tm mostrado a selectividade dos NA pelas estruturas mesolmbicas10 no entanto, estes resultados no tm sido replicados11. 4) Agonismo dopaminrgico parcial Um dos ltimos neurolpticos comercializados, o aripiprazol, apresenta propriedades combinadas agonistas/antagonistas dos receptores D212.

    FORMAS DE APRESENTAO E ABORDAGEM GERAL DAS DMIF As DMIF podem apresentar-se de forma aguda, horas a poucos dias aps a toma do frmaco, ou tardia, no caso de utilizao crnica do frmaco. Nesta ltima, o intervalo de tempo entre o incio da administrao do frmaco e o aparecimento da sintomatologia muito varivel, estan-do descritos intervalos que variam entre quatro dias a 23 anos13. Comum ao tratamento de todas as DMIF a inter-rupo do frmaco agressor, ou mudana para outro com

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    Joana DAMSIO et al, Doenas do movimento induzidas por frmacos, Acta Med Port. 2011; 24(S4):915-922

    Quadro 1 Doenas do movimento e frmacos

    Doena do movimento Frmacos

    Distonia aguda ou tardia

    Psicofrmacos (ansiolticos, antidepressivos, antipsicticos)Antagonistas dos receptores H2 (ranitidina)Antiepilpticos (carbamazepina, felbamato, fenitona)Anti-hipertensores (antagonistas dos canais de clcio)Modificadores da motilidade gstricaTriptanos

    Acatsia

    Psicofrmacos (ansiolticos, antidepressivos, antipsicticos, ltio)Antiepilpticos (carbamazepina, etosuximida)Anti-hipertensores (antagonistas dos canais de clcio)Modificadores da motilidade gstricaTriptanos

    Parkinsonismo

    Psicofrmacos (antidepressivos, antipsicticos, ltio)Analgsicos estupefacientes (petidina)Antiarrtmicos (amiodarona)Anti-infecciosos (anfotericina B)Antiepilpticos (carbamazepina, fenitona, lamotrigina, valproato de sdio)Anti-hipertensores (antagonistas dos canais de clcio, agonistas alfa 2 centrais)Imunomoduladores (ciclofosfamida, ciclosporina, citarabina)Modificadores da motilidade gstricaOutros (dissulfiram)

    Discinesia tardia

    Psicofrmacos (antidepressivos, antipsicticos, ltio)Anticolinrgicos (trihexifenidilo)Antiepilpticos (carbamazepina, gabapentina, fenitona, valproato)Anti-hipertensores (antagonistas dos canais de clcio)Anti-histamnicos (hidroxizina)Anti-infecciosos (ciprofloxacina)Antiparkinsnicos (bromocriptina, levodopa)Hormonas sexuais (estrognios)Modificadores da motilidade gstrica

    Sndrome maligna neurolpticos Psicofrmacos (antipsicticos, ltio)Modificadores da motilidade gstrica

    TiquesPsicofrmacos (antidepressivos, antipsicticos, ltio)Antiepilpticos (carbamazepina, fenitona, lamotrigina)Antiparkinsnicos (amantadina, levodopa)

    Mioclonias

    Psicofrmacos (antipsicticos, ltio)Antiepilpticos (carbamazepina, gabapentina, lamotrigina, fenitona, valproato, vigabatrina)Anti-hipertensores (antagonistas dos canais de clcio)Anti-infecciosos (cefalosporinas, fluoroquinolonas, imipenem, mefloquina, penicilina)Antiparkinsnicos (bromocriptina, amantadina, levodopa)Imunomoduladores (clorambucilo, ifosfamida)

    Quadro 2 Principais tipos de doenas do movimento

    Doena do movimento Sinais e sintomas cardinais

    Hipocintica Parkinsonismo

    Acinesia (lentificao e fadigabilidade do movimento), rigidez, tremor de repousoe perturbao da marcha.

    Hipercinticas

    Tremor Oscilao rtmica e sinusoidal de um segmento corporal.

    Distonia Contraces musculares involuntrias de msculos agonistas e antagonistas, que provocam movimentos repetitivos e de toro e/ou posturas anmalas mantidas.

    Tiques Movimentos ou vocalizaes involuntrias e estereotipadas.

    Coreia Movimentos involuntrios breves, irregulares, abruptos e despropositados que surgem em simultneo ou sequencialmente em diferentes segmentos corporais.

    Mioclonias Abalos breves, bruscos e repentinos, tipo sacudidela.

    Acatisia Incapacidade para permanecer quieto, que se traduz por movimentos estereotipados das extremidades com o objectivo de mudar constantemente de posio.

    Discinesia (tardia) Movimentos coreicos com envolvimento da lngua e regio oromandibular

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    menor potencial indutor de DMIF.

    DISTONIA AGUDA A frequncia de reaces distnicas agudas (RDA) induzidas por frmacos varia de 2.3%14 a 94%15. Os factores de risco identificados so: gnero feminino, idade inferior a 30 anos, uso de neurolpticos de elevada potncia, atraso mental, antecedentes de electroconvulsivoterapia (ECT), consumo de cocana, infeco pelo vrus da imunodefici-ncia humana (VIH)16. Fisiopatologia - Alguns investigadores defendem que as RDA surgem devido hiperactividade colinrgica, relativa ou absoluta, a nvel dos gnglios da base1. A res-posta da maioria dos doentes a administrao de antico-linrgicos suporta esta hiptese. Outros defendem que o aumento paradoxal da actividade dopaminrgica provocado pelo bloqueio preferencial dos receptores dopaminrgicos pr-sinpticos responsvel pelas RDA1. Semiologia - conhecido que 90% dos doentes desen-volvem sintomas nos primeiros cinco dias aps a adminis-trao do frmaco14. As RDA podem surgir aps a primeira toma, em tomas subsequentes ou aps aumento de dose. Embora pouco frequente, podem ocorrer RDA repetidas aps uma nica administrao de BRD2. A semiologia varivel, apresentando-se tipicamente com envolvimento oromandibular1. Outras descries incluem distonia axial, retrocolis, distonia larngea e crises oculogiras i.e., desvio tnico, conjugado, do olhar, frequentemente associado a pensamentos obsessivos e alucinaes1. Tratamento - O tratamento deve ser urgente. Na presena de distonia larngea existe o risco de falncia respiratria, e numa reaco distnica generalizada pode ocorrer rabdomilise1. O tratamento sintomtico assenta na utilizao de anticolinrgicos injectveis e.g., biperi-deno 5 mg, ocorrendo melhoria imediata2. O clonazepam oral tem sido utilizado como tratamento de base e/ou coadjuvante1. Quando o risco de aparecimento de RDA repetidas elevado e.g., doentes dependentes de cocana ou com SIDA, deve ser efectuado tratamento preventivo com anticolinrgicos orais durante 5-7 dias17.

    ACATISIA AGUDA A incidncia de acatisia aguda (AA) em doentes tratados com NT varia de 8 a 76%18. Os factores de risco identificados so: idade avanada, deteriorao cognitiva, gnero feminino, neurolpticos de elevada potncia em alta dose ou rpido aumento de dose, dfice de ferro e esquizofrenia com predomnio de sintomas negativos19. Fisiopatologia - Alguns autores defendem que o blo-queio dos receptores dopaminrgicos D2 induz acatisia, o que suportado pela maior probabilidade de aparecimento de acatisia com elevadas doses de neurolpticos ou uso de NT. Esta teoria comprovada por estudos com tomografia de emisso de positres (PET), que demonstraram que uma

    taxa de ocupao dos receptores D2 superior a 74-82% a nvel do estriado est associada ao aparecimento de AA20. Outros propem que o antagonismo das projeces me-socorticais e mesolmbicas pelos BRD est na origem da AA21. Semiologia - Os sintomas podem surgir num interva-lo que varia entre algumas horas at seis semanas14 aps incio ou aumento de dose do frmaco. Caracteriza-se por uma sensao subjectiva de inquietao acompanhada de ansiedade, que impele o doente a mexer-se constantemente para alvio destes sintomas22. Objectivamente traduz-se por movimentos constantes das extremidades como, abanar as pernas rapidamente quando sentado ou, se em p, fazer movimentos alternados dos ps. Menos frequentemente, os doentes apresentam movimentos repetitivos das mos, tronco e respirao ofegante22. No diagnstico diferencial constam agitao psicomotora e sndrome de pernas in-quietas. Tratamento - As duas classes de frmacos mais utili-zadas so os anticolinrgicos (trihexifenidilo 1-15 mg/dia, biperideno 2-8 mg/dia) e os antiadrenrgicos (propranolol 60 mg/dia)2. Apesar de esta ser uma prtica amplamente difundida, uma reviso efectuada pela Cochrane Database concluiu pela ausncia de dados suficientes para recomen-dar a utilizao destes frmacos23,24.

    PARKINSONISMO O parkinsonismo induzido por frmacos (PIF) uma complicao frequente do uso de BRD, ocorrendo em 15%-60% dos doentes14. Estudos efectuados em consultas de neurologia e geriatria mostram que, respectivamente 56.8%25 e 51%26, dos doentes referenciados por parkinso-nismo, apresentam PIF. Os factores de risco identificados so: idade avanada, presena de sndrome demencial, gnero feminino e sndrome de imunodeficincia adquiri-da19. Fisiopatologia - O PIF e a doena de Parkinson (DP) partilham caractersticas clnicas, tendo sido propostos mecanismos fisiopatolgicos semelhantes2. Sabe-se que a dopamina existente nas clulas da pars compacta da substncia nigra actua nos receptores D2 existentes no estriado27. Na DP a leso primria a perda dos neurnios dopaminrgicos que se projectam da substncia nigra para o estriado27. No PIF, os frmacos BRD vo bloquear os receptores D2 a nvel do estriado, impedindo a ligao da dopamina endgena2. Semiologia - Habitualmente os sintomas tm inicio entre duas semanas a trs meses aps introduo ou au-mento de dose do frmaco27. Clinicamente o PIF muito semelhante DP, apresentando-se com bradicinesia, rigidez, tremor de repouso e alterao da marcha de insta-lao insidiosa. No entanto, sabe-se que no PIF o tremor menos frequente (44% vs 70%), assim como o freezing da marcha28. Habitualmente ocorre envolvimento preferencial

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    dos membros inferiores e no existe assimetria dos sinais clnicos28. A valorizao de queixas iniciais, como a lenti-ficao de movimentos, difcil em doentes com patologia psiquitrica, podendo atrasar o diagnstico. Tratamento - No tratamento sintomtico utilizam--se a amantadina ou anticolinrgicos (trihexifenidilo ou biperideno), a primeira com melhor perfil de eficcia e tolerabilidade2. No existem estudos que suportem o uso de levodopa ou agonistas dopaminrgicos sabendo-se que podem induzir ou agravar os sintomas psicticos29. Habi-tualmente ocorre melhoria 7-8 semanas aps a diminuio da dose do frmaco agressor2. Cerca de 50% dos doentes mantm a sintomatologia e alguns, aps melhoria inicial, tm recada da sndrome parkinsnica. Alguns autores de-fendem que este grupo de doentes apresenta parkinsonismo subclnico, que desmascarado pelos frmacos2.

    DISTONIA TARDIA Ao longo dos tempos, os termos distonia e discinesia tardia, tm gerado alguma confuso, existindo a tendncia para designar todas as sndromes tardias como discinesia tardia (DcT). Os estudos epidemiolgicos existentes podem estar prejudicados por este vis, encontrando-se valores de prevalncia de distonia tardia (DtT) que variam entre 0.4 a 24%30. Idade jovem, gnero masculino, aumento da dose, adio de outro frmaco BRD so reconhecidos factores de risco13. Fisiopatologia - A fisiopatologia da DtT confunde-se com a fisiopatologia da DcT. de salientar que a maioria das teorias fisiopatolgicas da DtT descreve mecanismos comuns aos da DcT. Alguns autores sugerem que, na pre-sena do bloqueio dos receptores D2, ocorre aumento da estimulao dos receptores D1 pela dopamina endgena13. Esta alterao na estimulao dos receptores dopaminr-gicos conduz a um desequilbrio entre as vias directa e indirecta ao nvel dos gnglios da base, promovendo o aparecimento da DtT/DcT13. Sabe-se que a bromocriptina (que actua bloqueando os receptores D1 e estimulando os receptores D2) benfica em alguns doentes com DtT /DcT13. Semiologia - O intervalo mdio entre a exposio ao frmaco e o aparecimento dos sintomas de seis anos, podendo ir at 23 anos13. O incio da sintomatologia ocorre na regio facial e cervical, podendo propagar-se a segmen-tos corporais contguos, numa distribuio segmentar ou, mais raramente, generalizada1. Caracteristicamente existe retrocolis e extenso axial. Tratamento - O tratamento sintomtico farmacol-gico assenta nos anticolinrgicos (trihexifenidilo e bipe-rideno)1. A tetrabenazina e reserpina, frmacos depletores dopaminrgicos, podem ser associadas aos anticolinrgi-cos, ou serem administradas isoladamente1. O baclofeno intra-tecal pode ser til nas distonias axiais, no entanto est associado a complicaes a longo prazo, como desloca-

    o do cateter, infeces ou falncia da bomba1. Quando nenhum dos frmacos atrs mencionados eficaz, podem utilizar-se NA (nomeadamente a clozapina), uma vez que existe evidncia de benefcio paradoxal aquando da reintroduo de BRD13. Esta abordagem no isenta de complicaes, uma vez que pode ocorrer agravamento da DtT. Nos doentes com distonia focal, segmentar ou gene-ralizada (em que um dos segmentos afectados provoca maior incapacidade) a toxina botulnica o tratamento de eleio1. Um estudo efectuado em 34 doentes com DtT tratados com toxina botulnica demonstrou benefcio marcado da toxina botulnica em 29 dos 38 segmentos corporais injectados31. A cirurgia de estimulao cerebral profunda do globus pallidus interno tem apresentado bons resultados, com me-lhoria superior a 87% na escala de Burke, Fahn e Marsden de avaliao da distonia32. A remisso espontnea ocorre em 0% a 14% dos casos13,33, sendo factores de bom prognstico: descontinu-ao do tratamento com BRD e durao total da exposio (exposio >10 anos tem uma probabilidade cinco vezes menor de remisso do que exposio

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    gual, apresentando-se com movimentos complexos, repe-titivos e estereotipados de mastigao, suco e protuso da lngua, conhecido como rabbit syndrome37. Na maioria dos doentes co-existem movimentos coreicos ou posturas distnicas dos membros. Pode existir envolvimento do diafragma e msculos torcicos, originando uma respirao ruidosa37. Os movimentos so exacerbados pela distraco ou stress, suprimidos pela aco voluntria do segmento corporal envolvido e desaparecem com o sono37. Tratamento - Em 37% dos doentes os sintomas desa-parecem aps a suspenso ou reduo de dose do frmaco agressor38. No entanto, frequente ocorrer agravamento da DcT uma a duas semanas aps a suspenso ou reduo da dose do frmaco, fenmeno conhecido como discinesia de retirada38. O tratamento sintomtico assenta no uso de frmacos depletores dopaminrgicos como a reserpina, metildopa ou tetrabenazina37. Um estudo randomizado utilizando a reserpina e metildopa versus placebo, mos-trou diminuio de 50% na gravidade da sintomatologia, comparando com 18% do grupo controlo37. Um estudo aberto de 526 doentes tratados com tetrabenazina, mostrou melhoria em 89%37. A amantadina e o levetiracetam esto associados a melhoria na gravidade dos movimentos37,39. Tal como na DtT, existem alguns estudos que sugerem melhoria da DcT com clozapina, em doentes resistentes aos restantes frmacos37.

    SNDROME MALIGNA DOS NEUROLPTICOS A sndrome maligna dos neurolpticos (SMN) a complicao mais grave do tratamento com BRD, com uma incidncia que varia entre 0.02-2.4%40. Os factores de risco identificados incluem desidratao, episdio prvio de SMN, agitao, administrao intramuscular de BRD41. Uma sndrome semelhante ocorre aquando da retirada sbita dos frmacos dopaminrgicos em doentes com DP. Fisiopatologia - Os mecanismos fisiopatolgicos no se encontram totalmente esclarecidos. A teoria que rene maior consenso assenta no desequilbrio entre as vias do-paminrgica nigrostriatais e hipotalmicas37. A disfuno nigrostriatal provoca rigidez e acinsia, enquanto a dis-funo hipotalmica responsvel pela febre, labilidade tensional e cardaca37. Semiologia - O SMN surge, habitualmente, 10 a 20 dias aps o incio ou aumento da dose de BRD37. Nos fr-macos de aco prolongada pode ocorrer 1 a 2 meses aps a administrao37. Habitualmente a apresentao subaguda, podendo, no entanto, ocorrer em poucas horas2. Os crit-rios de diagnstico da Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders so febre e rigidez generalizada, na presena de dois dos seguintes critrios minor: tremor, hipersudorese, alterao do estado de conscincia, disfagia, incontinncia, taquicardia, mutismo, presso arterial lbil, leucocitose e elevao da creatina cinase (CK)42. Em 30% dos doentes ocorrem intercorrncias graves, que incluem

    falncia multissistmica, arritmias e complicaes decor-rentes da imobilidade41. Os principais diagnsticos diferen-ciais so: infeces do sistema nervoso central, hipertermia maligna em doentes com miopatias (especialmente aps exposio a anestsicos halogenados) e estado de mal epilptico. Tratamento - fundamental assegurar o suporte de funes vitais, sendo frequente o internamento em unidades de cuidados intensivos. Quanto ao tratamento farmacolgico especfico, as recomendaes existentes so baseadas em sries de doentes. recomendado o uso de agonistas dopaminrgicos, sendo a bromocriptina o mais utilizado (dose de 2,5 mg pela sonda nasogstrica cada 6 a 8 horas, titulando at uma dose mxima de 40 mg/dia)43. Devem ser mantidos em dose teraputica at 10 dias aps o SMN estar controlado, e posteriormente reduzidos muito lentamente. Apesar de no ser comercia-lizado em Portugal, o dantroleno de sdio endovenoso muito utilizado, quer pela eficcia demonstrada quer pela via de administrao37. H estudos que demonstraram di-minuio da taxa de mortalidade nos doentes tratados com ECT quando comparados com os doentes tratados apenas com medidas de suporte (10.3% versus 21%)37, no entanto estes estudos tm limitaes metodolgicas que impedem a generalizao da ECT no SMN.

    OUTRAS DOENAS DO MOVIMENTO Por apresentarem menor prevalncia, sero descritos de forma mais resumida os tiques e mioclonias induzidos por frmacos.

    TIQUES Tiques so definidos como movimentos ou vocali-zaes involuntrios e estereotipados, suprimidos pela vontade durante curtos perodos de tempo44. A supresso dos tiques origina habitualmente ansiedade e desconforto crescentes, e exacerbao dos mesmos no perodo sub-sequente supresso44. Tm sido descritos vrios casos clnicos de doentes com tiques de aparecimento tardio, aps exposio a diferentes frmacos45 (Quadro 1).

    MIOCLONIAS As mioclonias correspondem a abalos breves, bruscos e repentinos, tipo sacudidela46. Ao longo dos anos, tm sido descritas em associao ao uso prolongado de diferentes classes de frmacos (Quadro 1).

    CASOS CLNICOS 1. Mulher de 24 anos, que no quarto ms de gravidez, foi observada no servio de urgncia de psiquiatria por agitao psicomotora e histeria com durao de cerca de 12 horas. A doente manifestava grande ansiedade, irritabilidade, queixas de dores musculares cervicais e dorsais, trismo e dificuldade de deglutio. Na observao

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    apresentava distonia oromandibular e cervical. Apurou-se na histria que estava a tomar metoclopramida h trs dias. Colocou-se a hiptese de distonia aguda induzida pela metoclopramida. Foi administrado biperideno (4 mg) com reverso parcial do quadro em 30 minutos, tendo a doente alta ao fim de 6 horas, com exame normal. 2. Homem de 20 anos de idade, internado por pertur-bao obsessivo-compulsiva grave. Tomava diazepam 10 mg/dia sendo-lhe administrado progressivamente em sete dias 80 mg de fluoxetina. No nono dia aps introduo do frmaco o doente iniciou alterao da marcha, com movimentos involuntrios dos membros inferiores com elevao dos joelhos ao nvel do umbigo, acompanhado de angstia e agitao psicomotora marcada. Sem outra sintomatologia de novo. Colocou-se a hiptese de acatsia aguda induzida por ISRS, introduziu-se biperideno 4 mg dia, retirando-se progressivamente a fluoxetina para 20mg/dia. Ao fim de trs dias no apresentava acatsia.

    CONCLUSES

    As DMIF apresentam uma prevalncia desconhecida, certamente subdiagnosticada na prtica clnica. Todas as doenas do movimento podem ter uma etiologia iatrogni-ca, embora algumas sejam mais prevalentes do que outras. Uma anamnese cuidadosa, com pormenorizao da histria mdica passada fundamental para este diagnstico. Neste sentido pensamos que crucial uma ampla divulgao dos avanos mais recentes entre os clnicos das especialidades que mais utilizam os frmacos potencialmente responsveis por DMIF, bem como uma boa articulao com os clnicos de outras especialidades, em particular com mdicos de famlia para a aquisio de adequada formao acerca do manejo das DMIF.

    Conflito de interesses:Os autores declaram no ter nenhum conflito de interesses relativamente ao presente artigo.

    Fontes de financiamento:No existiram fontes externas de financiamento para a realizao deste artigo.

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