14468186 reserva de mercado de informatica no brasil 19711992

33
ROBINSON NELSON DOS SANTOS Reserva do mercado de informática: a experiência brasileira de 1971 a 1992 Monografia apresentada como trabalho final da disciplina EDF5055 – Conhecimento e Mercadoria do Programa de Mestrado em Educação (Ensino de Ciências e Matemática) da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo SÃO PAULO 2008

Upload: fernando-carvalho

Post on 22-Oct-2015

17 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: 14468186 Reserva de Mercado de Informatica No Brasil 19711992

ROBINSON NELSON DOS SANTOS

Reserva do mercado de informática: a experiência brasileira de 1971 a 1992

Monografia apresentada como trabalho final

da disciplina EDF5055 – Conhecimento e Mercadoria do Programa de Mestrado em Educação (Ensino de Ciências e Matemática) da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo

SÃO PAULO 2008

Page 2: 14468186 Reserva de Mercado de Informatica No Brasil 19711992

2

Introdução

A política de reserva do mercado brasileiro de informática é, por suas

implicações econômicas, sociais e diplomáticas, um marco singular da história recente

do Brasil. Foi engendrada durante a fase mais dura da ditadura militar, na presidência do

general Emílio Garrastazu Médici (1969-74); legalmente instituída quando o presidente

era o general João Figueiredo (1979-84); desafiada ao longo do mandato de José Sarney

(1985-89); e encerrada pela política liberal de Fernando Collor de Mello (1990-92).

Este trabalho pode ser compreendido como um quadro que apresenta os

principais fatos, atores e articulações da época compreendida entre o primeiro projeto de

construção de um computador nacional, iniciado em 1971, e o gradual desmantelamento,

em fins da década de 1980, da assim chamada Política Nacional de Informática, face a

pelo menos três fatores: 1) as pressões políticas e comerciais exercidas pelos Estados

Unidos; 2) uma complexa conjuntura interna de crise econômica; e 3) os desafios de

conciliar as novas vozes da sociedade civil, que voltavam a ser ouvidas após duas

décadas de repressão do regime militar iniciado em 1964. O saldo dessa aventura, como

veremos, convida à reflexão sobre as formas que um país como o Brasil, com tantos

desafios a vencer, pode se inserir nos processos globais de produção de ciência e

tecnologia – dos quais a educação é, inquestionavelmente, o fator-chave.

Page 3: 14468186 Reserva de Mercado de Informatica No Brasil 19711992

3

1 - A encomenda da Marinha

A história das iniciativas brasileiras de domínio das tecnologias de informática é

relativamente antiga. Segundo Barbosa (1985), foi no Instituto Tecnológico da

Aeronáutica – ITA, em 1961, o primeiro esforço para a construção de um computador

nacional. O equipamento, batizado de Zezinho, foi construído por quatro alunos de

engenharia e teve basicamente aplicação didática. O Zezinho não resistiu ao tempo: suas

partes e peças foram aproveitadas em novos projetos.

Outra iniciativa ocorreria dez anos depois – e com fins bem mais utilitaristas. Em

1971, um projeto de US$ 2 milhões financiado por uma parceria entre a Marinha, o

BNDE e a Financiadora de Estudos e Projetos – Finep resultou no computador G-10,

elaborado em conjunto pela Universidade de São Paulo, que projetou o hardware, e a

Universidade Católica do Rio de Janeiro, responsável pelo software. É dessa época

também o “Patinho Feio”, computador de 8 bits projetado e construído pela Escola

Politécnica e que a capacitou para a construção do G-10 (Marcolin, 2002).

O interesse da Marinha no projeto era estratégico. Ela queria contar com uma

tecnologia alternativa aos computadores Ferranti que equipavam os navios de guerra

comprados da Inglaterra (Tapia, 1995). Por isso, o grupo responsável pelo projeto do G-

10 propôs o apoio do governo à formação de uma indústria nacional de eletrônica. Isso

acabou sendo efetivado em 1973, com a criação da empresa Eletrônica Digital Brasileira

Ltda. Em 1974, ela se torna uma sociedade anônima, com o nome de Digibrás S/A e

capital formado por diversas empresas estatais, ligadas ao governo federal.

Page 4: 14468186 Reserva de Mercado de Informatica No Brasil 19711992

4

O governo federal viu também a necessidade de um órgão normativo que, além

de monitorar o projeto da Marinha, fosse capaz de definir uma política para o setor

(Tapia, 1995). Por isso, por meio do decreto 70.370 de 5 de abril de 1972, o presidente

Médici criou a Comissão de Coordenação das Atividades de Processamento Eletrônico –

Capre, subordinada ao Ministério do Planejamento.

Barbosa (1985) aponta que entre as razões iniciais para a criação da Capre

estavam a orientação da administração federal no uso da computação eletrônica, com a

catalogação do parque nacional instalado. Segundo Dytz (1985), que foi secretário-geral

da Secretaria Especial de Informática nos anos 1980, a missão original da Capre era

“racionalizar as compras e otimizar a utilização de computadores dos órgãos da

administração pública e de empresas vinculadas”.

Mas a crise do petróleo de 1973 fez com que essas funções fossem bastante

ampliadas. O desequilíbrio da balança de pagamentos do país, causado pela alta

repentina das importações, levou o governo federal a incluir em 1975, nas atribuições da

Capre, a análise dos pedidos de importação de equipamentos de informática. Dytz

(1985) explica que a medida foi necessária para “impedir importações desnecessárias,

até mesmo do setor privado”.

Em 1976, o decreto 77.118 de 9 de fevereiro de 1976, assinado pelo presidente

Ernesto Geisel, dá novas atribuições à Capre. Ela agora teria de estudar e propor as

diretrizes de uma política nacional de informática. Sua composição foi alterada,

recebendo em seu conselho representantes do CNPq, do Estado-Maior das Forças

Armadas, do Ministério das Comunicações, do Ministério da Educação e Cultura, do

Ministério da Fazenda e do Ministério da Indústria e Comércio.

Page 5: 14468186 Reserva de Mercado de Informatica No Brasil 19711992

5

Havia ainda uma comissão consultiva, com representantes técnicos das empresas

estatais Serpro, Dataprev, Digibrás, Petrobrás, Cia. Vale do Rio Doce, BNDE, Fundação

IBGE e Telebrás. Tais mudanças deram à Capre uma representatividade significativa, o

que ajudaria a respaldar suas decisões futuras.

Apoiada nessa representatividade – e fundada na visão militar de que o domínio

da tecnologia dos computadores tinha valor estratégico para o país –, a Comissão propôs

a criação de uma indústria brasileira de computadores. A iniciativa ganhou status de

urgência diante do avanço das multinacionais que dominavam o mercado das máquinas

de grande porte – e que já mostravam apetite para mercados menores. Foi nessa época

que a norte-americana IBM lançou no Brasil o sistema /32, de médio porte, um sério

concorrente para os minicomputadores que o Brasil queria desenvolver (Tapia, 1995).

2 - O Estado, regulador do mercado

A estratégia da Capre para o setor era simples e podia ser resumida em três

medidas: 1) o controle da importação, necessário para proteger a nascente indústria

nacional de computadores; 2) a criação de uma empresa estatal de computadores, a

Cobra – Computadores Brasileiros, que deveria servir de modelo para o setor; 3) a

adoção de um sistema de proteção que reservasse o mercado de micro e

minicomputadores e seus periféricos para empresas nacionais selecionadas, com

tecnologia brasileira. E, como lembra Tapia (1995), sem mencionar o termo “reserva de

mercado” – pois já se sabia, à época, que isso poderia trazer prejuízos à imagem do país.

Page 6: 14468186 Reserva de Mercado de Informatica No Brasil 19711992

6

Para dar início ao projeto de forma acelerada, a Capre elaborou um plano

progressivo de nacionalização e permitiu que empresas privadas nacionais costurassem

acordos com grupos estrangeiros para ter acesso a tecnologia. A Cobra, que foi criada

com participação e tecnologia da inglesa Ferranti, apontaria o caminho à indústria

nascente – um modelo dirigido pelo Estado e que, segundo Barbosa (1985), já havia sido

trilhado por diversos governos europeus, como França, Inglaterra e Alemanha.

Mas a Capre foi além. A Comissão também definiu os critérios que permitiriam

quais empresas nacionais estariam aptas a fabricar bens de informática no Brasil. A lista

de critérios levava em conta: 1) a tecnologia local; 2) o uso de componentes fabricados

no país; 3) o grau de participação do mercado pela empresa (visto como uma forma de

combater monopólios); 4) a origem do capital, que deveria ser brasileira; 5) a balança de

comércio exterior, que deveria ser favorável ao Brasil.

Baseada nesses critérios, a Capre elegeu quatro empresas que, junto com a

Cobra, seriam consideradas a “linha de frente da indústria nacional de computadores”: a

Edisa, com tecnologia Fujitsu;, a Labo, com tecnologia Nixdorf; a Sisco, com tecnologia

Data General; e a Sid, com tecnologia Logabax (Barbosa, 1985). Os critérios de seleção

foram seguidos de forma bastante estrita entre os anos de 1976 e 1977 e acabaram

excluindo as multinacionais do emergente mercado brasileiro de minicomputadores.

Barbosa lembra que, nessa época, as grandes do setor, como IBM e Burroughs (atual

Unisys), exerciam forte pressão para trazer seus sistemas de menor porte. E afirma que,

na prática, essa decisão representou um “divisor de águas na história da indústria de

informática no Brasil”: foi o início, de fato, da reserva de mercado da informática.

Page 7: 14468186 Reserva de Mercado de Informatica No Brasil 19711992

7

O fato de a política ter sido conduzida por governos militares não foi garantia de

um processo tranqüilo. Na primeira chamada às indústrias privadas realizada pela Capre,

apenas duas empresas, a estatal Cobra e a multinacional IBM, apresentaram projetos de

fabricação de minicomputador. Baseada nos critérios que ela mesmo estabeleceu, a

Capre aprovou o da Cobra e indeferiu o da IBM (Tapia, 1995). Numa segunda chamada,

foram apresentados 16 projetos, e Sharp/Sid, Edisa e Labo foram as vencedoras. Para a

IBM, a Capre, numa atitude que se repetiria outras vezes, não disse que sim, nem não –

simplesmente adiou indefinidamente a decisão sobre seus sistemas de médio porte.

3 - O engajamento dos técnicos e a criação da SEI

A indústria nascente de informática formou no seu entorno um grupo entusiasta e

politicamente engajado, formado por técnicos e cientistas, que por muitos anos serviria

de conselheiro para assuntos relacionados à política do setor. Sabemos por Tapia (1995)

que, entre 1974 e 1978, “a bandeira da autonomia tecnológica” seduzia cada vez mais

essa categoria, até que em 1978 um grupo ligado ao partido MDB, de oposição ao

governo, fundou a APPD – Associação dos Profissionais de Processamento de Dados.

Parte do quadro da APPD era de pessoas vindas de universidades, como ITA e PUC;

estatais, como a Embratel, Serpro e Cobra; e até de multinacionais, como IBM e

Burroughs. Conforme detalha Tapia (1995), essas pessoas costuraram alianças de

conveniência com os militares nacionalistas e seriam ouvidas com freqüência pelos

centros de decisão dentro do governo.

Page 8: 14468186 Reserva de Mercado de Informatica No Brasil 19711992

8

Em certa medida, esses setores tiveram influência na decisão do presidente João

Figueiredo de substituir a Capre pela Secretaria Especial de Informática – SEI, conforme

decreto 84.067 de 8 de outubro de 1979. Subordinada ao Conselho de Segurança

Nacional – sinal de que sua atuação teria um tom bastante centralizador –, a SEI tinha

como secretário um civil nomeado pelo próprio presidente da República e, para

assessorá-lo, uma Comissão composta por dez representantes do governo e até quatro

representantes do setor privado, nomeados pelo secretário-geral do Conselho de

Segurança Nacional.

Tal como a Capre, a SEI ganhou diversas atribuições. Era preciso elaborar e

executar um Plano Nacional de Informática; manifestar-se sobre contratos de

transferência de tecnologias e pedidos de patentes; estabelecer critérios de similaridade

de produtos e fazer um cadastro das empresas do setor, acompanhando seus produtos,

controle acionário e tecnologia. Dytz (1985) ressalta que a intenção maior da SEI era “o

desenvolvimento científico e tecnológico do setor (...) [e] perseguir a capacitação

nacional do desenvolvimento e produção de equipamentos, de software e de serviços de

informática, até seus insumos, como a microeletrônica”. É da época da SEI, por

exemplo, a criação do Centro Tecnológico para Informática – CTI, em Campinas (SP).

A SEI passou então a ser responsável por todo o programa nacional de

informática, e também tinha o poder de autorizar a importação de peças e equipamentos

– a fórmula nacional que permitia realizar a reserva do mercado no setor, sem explicitá-

la. É digno de nota que o governo optou por deixar de fora o setor das telecomunicações,

cujas políticas continuaram a ser conduzidas pelo Ministério das Comunicações. Em

Page 9: 14468186 Reserva de Mercado de Informatica No Brasil 19711992

9

outros países, como Alemanha, França e Japão, as telecomunicações eram parte

integrante dos seus respectivos programas de informática (Barbosa, 1985).

Cumprindo uma de suas atribuições – a de implantar uma política de informática

–, a SEI publicou farta normatização ao longo dos anos 1980. Essas regras, conhecidas

como Atos Normativos, marcariam um controle cada vez mais rígido sobre a informática

brasileira: era preciso, por exemplo, que as empresas registrassem a industrialização no

país de diversos tipos de máquinas eletrônicas; para fabricá-los, era preciso também

atender a condições prévias, como ter como donos cidadãos brasileiros residentes no

Brasil e usar tecnologia comprovadamente desenvolvida no país; as licitações públicas

de equipamentos de informática deveriam dar prioridade a alternativas nacionais de bens

e serviços de informática; entre outras.

Uma demonstração da severidade que norteava a ação da SEI naquela época foi a

troca de comando promovida em setembro de 1982, quando o coronel Joubert de

Oliveira Brízida substituiu Octávio Gennari Netto. Pelo decreto que criou a SEI, o titular

do cargo deveria ser um civil. Mas uma alteração, feita pelo decreto 87.583 (de

20/09/82), permitiu a nomeação de um membro do Conselho de Segurança Nacional,

que poderia ser um militar. Entre as especulações da troca de comando estavam “o

descontentamento de setores das Forças Armadas, que cobravam de Gennari Netto uma

posição mais firme na defesa dos interesses nacionais” (Bits, 1982).

Ao mesmo tempo em que impunha maior energia à SEI, o Brasil via sua

possibilidade de investimentos se deteriorar, diante do estrangulamento causado pela

crise econômica do início dos anos 1980. Citando Barbosa (1985), em 1980 o secretário

nacional de informática Octávio Gennari Neto declarou que o governo precisaria investir

Page 10: 14468186 Reserva de Mercado de Informatica No Brasil 19711992

10

cerca de 200 milhões de dólares no setor: “Não é para fazer nada relevante, mas para

impedir apenas que a defasagem tecnológica aumente”. Até 1985 esses investimentos

ainda não tinham sido feitos, do que Barbosa concluiu que “não há como esperar, ao

menos para os próximos anos, que ocorra realmente desenvolvimento de tecnologia

nacional na área de informática”.

Barbosa destaca, com base no panorama de 1985, que os beneficiados com a

política de informática acabaram sendo, fundamentalmente, os grupos econômicos aos

quais as principais indústrias estavam ligadas na década de 1980. Como exemplos, cita a

Labo-Unibanco, a Edisa-Banco Iochpe, a SID-Brasdesco e a Sisco-Grupo Maksoud. O

autor justifica: “Para uma economia em recessão, como a do Brasil, a indústria de

informática, ao oferecer a possibilidade de aumento das taxas de lucratividade para as

empresas que atuam nesse mercado, desperta também o interesse do capital bancário”.

Críticas que, de certa forma, ecoavam a opinião dos opositores da reserva, como o

senador Roberto Campos, que apontava: “o que temos é uma reserva de mercado não

para os produtores nacionais, mas para certos produtores nacionais (...) escolhidos pela

tecnocracia (...) que substitui a decisão que normalmente caberia ao mercado” (Campos,

1985). Voltando a Barbosa (1985), constatamos que, àquela época, “as indústrias locais

que haviam prometido desenvolver tecnologia própria dentro de um prazo de cinco anos

não cumpriram a promessa, o que beneficia ainda mais os grupos econômicos”.

Não que não houvesse resultados. Na Feira de Utilidades Domésticas de 1980,

em São Paulo, a empresa Dismac lançou o D-8000, o primeiro microcomputador

nacional, com processador Z-80 de 2 MHz, 32 Kbytes de memória e gravador cassete

embutido, para armazenamento de programas (Campos, 1981). Um ano depois, em

Page 11: 14468186 Reserva de Mercado de Informatica No Brasil 19711992

11

janeiro de 1982, o D-8000 era vendido por 390 mil cruzeiros nas prateleiras do Mappin,

uma grande loja de departamentos de São Paulo. Em 1981, na 1.a Feira Internacional de

Informática, dois outros micros chegariam ao mercado: o NE-Z80 (Cr$ 60 mil),

elaborado pela equipe técnica da revista Nova Eletrônica e comercializado pela

Prológica, e os TK-80 (Cr$ 70 mil) e TK-82 (Cr$ 80 mil), da Microdigital Eletrônica.

Inspirados em modelo da inglesa Sinclair Research, ambos usavam processador Z-80 e

tinham memórias com capacidade de 1 ou 2 Kbytes (Noronha, 1982).

Também em 1981, a SEI aprofundava sua política desenvolvimentista autóctone

ao escolher, para fabricação de componentes de microeletrônica, as empresas Itaú, SID e

Docas de Santos.

4 – As pressões contra a reserva

Apesar dos lançamentos antecipados da Dismac e da Microdigital, foi só em

janeiro de 1982 que a SEI, por meio de Ato Normativo 16/81, convocou empresas

brasileiras a apresentar projetos para a fabricação de “microcomputadores de uso

pessoal, de uso doméstico e para entretenimento” (Bits, 1983). O projeto era marcado

pela verticalização: tinha de ser acompanhado por detalhes do planejamento da

produção, incluindo a seleção e o desenvolvimento de fornecedores locais de periféricos,

além de comprovar a disponibilidade de software para as aplicações previstas.

No fim desse mesmo ano, a SEI convocou novas empresas interessadas em

participar de um mercado, em teoria, bem mais saboroso: a fabricação de “supermínis”.

Foi a fórmula encontrada para capacitar a industria nacional a produzir equipamentos de

Page 12: 14468186 Reserva de Mercado de Informatica No Brasil 19711992

12

maior porte, já que a primeira geração de minicomputadores nacionais caminhava para a

obsolescência. Ao mesmo tempo, a atuação das empresas brasileiras restringiria a

penetração da IBM nesse mercado. Mas foi justamente o poder de fogo da IBM nesse

segmento que desencorajou a indústria nacional a embarcar nos interesses do governo –

e note-se que a IBM chegou a oferecer o licenciamento de sua tecnologia a parceiros

locais. A SEI também procurou incentivar a exportação de bens de informática

produzidos no Brasil, inicialmente para a América Latina e posteriormente para a África

e o Oriente Médio. Em 1982, segundo dados oficiais, o setor, embora tenha faturado

US$ 1,8 bilhão, exportou meros US$ 200 milhões (Bits, 1985).

As pressões externas não cessavam, mas eram rebatidas com um entusiasmo

nacionalista cada vez mais intenso – e, em tempos de abertura democrática, o fórum

dessa discussão passou a ser o Congresso Nacional. Em junho de 1983, o Senado

abrigou um simpósio de informática que refletiu o apoio de praticamente todos os

partidos e associações de informática à política da SEI. Nesse evento, o secretário de

informática Joubert Brízida sustentou que seria melhor não haver projeto de lei

explicitando a reserva, pois isso poderia gerar “problemas para o comércio exterior do

país” (Bits, 1983). O clima, no entanto, era de explicitação da reserva. Como exemplo,

vale citar a posição oficial do governo do Estado de São Paulo. Em junho de 1984, o

governo de oposição de Franco Montoro posicionou-se publicamente a favor da reserva

de mercado, classificando-a “não como ação xenófoba, mas sim um ato de soberania”. À

imprensa, o governo estadual declarou que “o Brasil (...), contando com um amplo

mercado interno, deve reserva-lo em favor das empresas nacionais que gerem tecnologia

e aumentem o nível de atividades” (Bits, 1984).

Page 13: 14468186 Reserva de Mercado de Informatica No Brasil 19711992

13

O setor se articulava. Nessa época, além da APPD, a aliança em torno da política

de reserva de mercado incluía uma associação de empresários, a Abicomp – Associação

Brasileira da Indústria de Computadores e Periféricos, e segmentos da SBC – Sociedade

Brasileira da Computação. Ao mesmo tempo, a política de transição democrática para

um governo civil (que começou com a lei da anistia, em 1979, e que seria completada

em 1985) abriu espaço para que mais grupos, contra e a favor da reserva, ganhassem

voz. Tapia (1995) lista no grupo contrário à reserva de mercado a Fiesp, o Ministério das

Comunicações, a Suframa – Superintendência da Zona Franca de Manaus e os jornais

“O Estado de S.Paulo”, “O Globo” e “Jornal do Brasil”. E a questão nem parecia ter

chegado às camadas mais populares. Em julho de 1983, uma pesquisa feita na cidade de

São Paulo pela agência de publicidade Alcântara Machado Perscinotto apontava que

praticamente ninguém sabia que o Brasil produzia computadores, só 0,5% tinha

computador em casa e 57% dos entrevistados não tinha interesse em ter um.

Em termos de política externa, o agravamento da crise econômica de 1981-82

nos Estados Unidos fez com que o governo daquele país passasse a ver o Brasil como

potencial consumidor de seus produtos de tecnologia, e a reserva brasileira de mercado

entrou para a agenda política daquele país. Em 1982, na visita do presidente Ronald

Reagan ao Brasil, os americanos já insistiam na criação de um fórum para a discussão da

política nacional de informática. O Departamento do Comércio norte-americano chegou

a divulgar um documento onde afirmava que a política oficial brasileira incorporava

“uma tendência contrária às multinacionais e a toda forma de investimento estrangeiro”

e que a SEI aplicava um “conceito restrito de empresa nacional” (Tapia, 1995). Os

Page 14: 14468186 Reserva de Mercado de Informatica No Brasil 19711992

14

americanos, aproveitando-se da economia frágil da época e da crescente contestação do

governo militar, buscavam concessões do governo brasileiro, sustenta Tapia.

5 – A Lei de Informática

À época, o presidente da Abicomp, Edson Fregni, alertou para o surgimento de

uma classe de “empresários piratas”, que simplesmente copiavam tecnologia obtida no

exterior, exigindo da SEI uma “atitude firme e vigilante” – policiamento que a SEI, por

falta de pessoal e estrutura, nunca foi capaz de fazer (Tapia, 1995). Mas a pressão surtiu

efeito: Fregni, que ajudou a montar o “Patinho Feio” da Poli/USP e era dono da Scopus

Tecnologia (Peixoto, 2002), obteve da SEI o Ato Normativo 27 da SEI, que impunha

barreiras contra a pirataria e exigia do fabricante do microcomputador o

desenvolvimento, também, do sistema operacional.

A questão da pirataria – e das estimativas das perdas financeiras que ela traria –

seria retomada várias vezes. Um exemplo: em junho de 1985, a empresa de software

norte-americana Lotus enviou um representante ao Brasil. Em conferências à imprensa,

o executivo Stephen Khan manifestou preocupação com a pirataria de software. Citando

números dos EUA, Khan disse que, de 1981 a 1984, as produtoras de software deixaram

de ganhar US$ 1,3 bilhão por causa do mercado pirata (Bits, 1985).

Os argumentos não chegavam a sensibilizar o comando da política nacional de

informática. Em 1985, o secretário-executivo da SEI, coronel Edison Dytz, diria em que

“o Brasil possui hoje a única indústria endógena, do Ocidente não industrializado, que

Page 15: 14468186 Reserva de Mercado de Informatica No Brasil 19711992

15

movimenta considerável montante de recursos”, com “60% do mercado das empresas

brasileiras suprido com produtos desenvolvidos no país” (Dytz, 1985).

Independentemente da posição do governo, teve início a onda de litígios

comerciais na área de informática. O primeiro deles terminou a favor da empresa

brasileira. Em 1982, a inglesa Sinclair processou a empresa Microdigital, acusando-a de

cópia do circuito elétrico, do teclado e do software básico do microcomputador ZX-81,

que serviu de base para a produção do TK-82, da Microdigital. A apreensão e análise,

pela Justiça brasileira, de um exemplar do TK-82 resultou em um laudo que comprovava

a cópia. No entanto, uma nova perícia, feita a pedido da Microdigital, concluiu que o

software básico era parte da máquina e que já havia teclados semelhantes de diferentes

fabricantes antes que a Microdigital os fabricasse. O detalhe curioso veio da análise da

memória ROM, que armazenava o sistema básico: a conclusão da perícia foi que as

combinações da memória ROM são finitas e que seu conteúdo não é idêntico ao do da

Sinclair. A Sinclair teve que pagar os custos do processo e os honorários dos peritos

(Bits, 1985).

A abertura política deixou claro, para alguns, que a sobrevivência da informática

brasileira dependeria da desmilitarização do setor, e o Congresso Nacional seria o

instrumento adequado para legitimar essa política. Em 1984, diversos projetos de lei

tentaram regulamentar a política de informática, com versões que ora reforçavam, ora

extinguiam a reserva – e o próprio governo Figueiredo submeteu a sua versão. Em meio

à discussão sobre os projetos, a Abicomp lançou na USP, em São Paulo, o Movimento

Brasil de Informática - MBI (curiosamente, IBM ao contrário), com um manifesto

intitulado “Em defesa da tecnologia nacional”.

Page 16: 14468186 Reserva de Mercado de Informatica No Brasil 19711992

16

Em 1984, por decurso de prazo (Ferreira, 1993), o projeto de lei proposto pelo

governo é aprovado. O Congresso Nacional decreta a lei 7.232 (29/10/1984) – a Lei de

Informática –, que estabeleceu os princípios da Política Nacional de Informática e criou

o Conselho Nacional de Informática e Automação – Conin, cujo presidente era o próprio

presidente da República. A missão manifesta da Política Nacional de Informática incluía

agora, entre outros itens, a proibição da criação de situações monopolistas e a

intervenção estatal para assegurar a produção nacional de determinadas classes e

espécies de bens e serviços. Entre os trechos que seriam mais combatidos estavam o

Artigo 12, que definia empresa nacional, e o prazo previsto em lei, de oito anos, para a

duração do controle das importações de bens e serviços de informática, o que levaria a

reserva a até 1992.

6 - O contencioso Brasil - Estados Unidos

Enquanto a formalização da reserva de mercado na informática ainda estava no

nível do debate, os Estados Unidos preferiam exercer pressões diplomáticas. Em

setembro de 1985, no entanto, quase um ano depois de a Lei de Informática ter sido

aprovada, os Estados Unidos decidiram abrir um processo contra o Brasil baseado na Lei

do Comércio, acusando o país de práticas desleais de comércio internacional.(Tapia,

1995:175). A disputa, conhecida pela designação oficial de contencioso, durou até 1988,

com reflexos importantes sobre o destino da política nacional de informática.

O primeiro passo da ação norte-americana consistiu em consultar o Gatt (Acordo

Geral de Tarifas) sobre “a adequação da legislação brasileira”. Os EUA queriam incluir

Page 17: 14468186 Reserva de Mercado de Informatica No Brasil 19711992

17

nos termos do Gatt software e serviços. Ao mesmo tempo, na data simbólica de 7 de

setembro de 1985, o presidente Ronald Reagan decidiu solicitar ao United States Trade

Representative (USTR) a abertura de um processo de investigação sobre a política

brasileira de informática.

Oficialmente, entre as razões para abertura do processo estavam a aprovação e a

regulamentação da Lei de Informática 7.232/84. Além disso, pesava a posição do Brasil,

contrária à inclusão dos serviços no Gatt; o aumento do déficit americano nas relações

comerciais com o Brasil (Tapia, 1995:178).

Inicialmente, Tapia (1995) lembra que a ameaça americana fez reforçar o

sentimento nacionalista e de defesa da política de informática. No entanto, à medida que

as ameaças de retaliação comercial iam-se tornando mais reais, a coesão inicial daria

lugar a cisões profundas na política interna.

Os argumentos do Brasil foram então apresentados ao USTR pela Abicomp. Em

resumo, a entidade enumerara as seguintes razões: 1) o Brasil tinha direito a defender

sua “indústria infante”; 2) não era objetivo da política de informática concorrer no

mercado interno americano e sim capacitar tecnologicamente o país; 3) a Lei de

Informática tinha sido aprovada pelo Congresso Nacional e representava a vontade do

país. Os norte-americanos, no entanto, receavam que as medidas protecionistas aplicadas

à informática pudessem se alastrar para outros setores, como software, biotecnologia e

química fina. Além disso, temiam a restrição aos investimentos estrangeiros no Brasil.

(Tapia, 1995:179).

A posição brasileira, anunciada em 1986, foi a de aceitar discutir o tema, mas sob

as regras do Gatt e não do Trade Act norte-americano. Tapia (1995) lembra que, na

Page 18: 14468186 Reserva de Mercado de Informatica No Brasil 19711992

18

primeira reunião, em Caracas, na Venezuela, os representantes americanos disseram

claramente que o que eles queriam discutir era a questão da proteção ao software. Os

EUA queriam que o Brasil adotasse para o software a mesma proteção do copyright –

tema que ainda estava em discussão no Congresso Nacional.

Ao mesmo tempo, setores exportadores brasileiros colocavam-se a favor de uma

flexibilização na lei de Informática, tendo em vista a ameaça de sanções comerciais por

parte dos Estados Unidos. À época, o Departamento de Comércio norte-americano

projetava perdas de US$ 8,1 bilhões entre 1985 e 1992, causadas pela política de

informática e por pirataria de software.

Em maio de 1986, os EUA decidiram rever sua agenda de negociação e,

abandonando o ataque frontal, focaram sua atenção no entendimento das regras

implementadas pela Lei de Informática de 1984. Em um encontro posterior, os EUA

abriram ao Brasil sua lista de reivindicações, entre elas estavam:

1) que a Lei de Informática expirasse em 1992;

2) que a SEI tornasse claras as regras para apelação de suas decisões;

3) que o Brasil descrevesse com minúcias quais produtos estariam incluídos na

reserva de mercado;

4) que o software fosse protegido por copyright;

5) que não houvesse distinção entre empresa nacional e estrangeira.

Diante das novidades trazidas pelas eleições de 1986, quando o Congresso seria

renovado, os Estados Unidos decidiram não promover nenhuma ação retaliadora até

junho de 1987. No entanto, a difícil situação econômica do Brasil não ajudaria à

Page 19: 14468186 Reserva de Mercado de Informatica No Brasil 19711992

19

consolidação da Política Nacional de Informática, vista como incômoda pelos agentes do

governo responsáveis pelas negociações com os EUA (Tapia, 1995:190).

7 - O processo de flexibilização

O primeiro ponto a ser questionado foi a definição de empresa nacional, tal como

disposta no Artigo 12 da Lei de Informática. Em dezembro de 1986, a Fiesp solicitou ao

governo que flexibilizasse essa definição, de forma a facilitar joint ventures1.

No mês seguinte, em janeiro de 1987, os Estados Unidos divulgaram uma lista de

26 produtos brasileiros que perderiam o benefício de tarifas de importação mais baixas –

isso apesar de terem prometido não retaliar o país.

Em 25 de junho de 1987, a Câmara dos Deputados aprovava a Lei de Software.

No dia 30 do mesmo mês, os Estados Unidos anunciavam que não iriam mais retaliar o

Brasil. A mudança na posição americana deveu-se, segundo Tapia (1995), a concessões

brasileiras, que se deram da seguinte forma:

1) a Lei de Informática não seria estendida após 1992;

2) aceita-se o copyright para proteção de software;

3) permite-se mais associações entre empresas nacionais e estrangeiras da área

de informática, de formas mais flexíveis.

O problema estaria encaminhado, não fosse a decisão da SEI de recusar o

registro do sistema operacional MS-DOS, da Microsoft, sob a alegação de que havia um

similar nacional – o Sisne (Sistema Nacional Equivalente), da Scopus de Edson Fregni.

1 Joint venture: associação não-permanente entre empresas, com fim de lucro.

Page 20: 14468186 Reserva de Mercado de Informatica No Brasil 19711992

20

Embora não houvesse indeferido o pedido, na prática a SEI adiava a decisão, dando a

entender que não permitiria seu registro no país.

Pelo menos cinco fabricantes nacionais preferiam a solução da Microsoft. Cobra

e Scopus, por outro lado, tinham investido tempo e recursos no desenvolvimento de seus

produtos, ambos baseados em padrões internacionais (Cobra SOX, baseado no Unix, e

Scopus Sisne, baseado no MS-DOS). A situação tornou-se mais crítica quando o pedido,

feito pela Itautec, de licenciamento do Unix (que, na época, era de domínio da gigante

americana das telecomunicações AT&T) foi indeferido a pedido do governo norte-

americano, em contrapartida ao fato de o Brasil não ter licenciado o MS-DOS.(Tapia,

1995:193). Diante do impasse criado pela decisão da SEI, a Microsoft adotou como

estratégia apelar para a justiça comum. Acusou a Scopus de “piratear” o MS-DOS,

citando rotinas semelhantes aos dois programas. Quando a Scopus admitiu semelhanças

e mudou as rotinas, a Microsoft voltou à justiça, alegando que os dois programas eram

incompatíveis e que, portanto, o MS-DOS podia ser registrado. (Tapia, 1995:194).

O veto definitivo da SEI ao MS-DOS veio em outubro de 1987, baseado no

conceito de similaridade da Lei de Software – que, àquela altura, ainda não havia sido

aprovada pelo Congresso. Esse vácuo legislativo foi aproveitado pela Microsoft, que

acusou a decisão de “juridicamente inconsistente” em comunicado à imprensa. Ao

mesmo tempo, o governo americano voltou a divulgar que seriam aplicadas sobretaxas a

diversos produtos brasileiros, sem especificar quais.

Como não poderia deixar de ser, a ameaça de retaliação movimentou a indústria

exportadora brasileira, tendo ocorrido pelo menos um encontro entre representantes

diplomáticos dos EUA e diretores da indústria calçadista do Brasil. Meses mais tarde, a

Page 21: 14468186 Reserva de Mercado de Informatica No Brasil 19711992

21

Fiesp alertava que as indústrias de suco, de calçados e de aviões poderiam ser atingidas

pelas retaliações. A entidade lembrou ao governo que essas retaliações poderiam

prejudicar ainda mais o pagamento da dívida externa.

As sanções vieram em 13 de novembro de 1987, bem como a proibição de

importação, pelo Brasil, de determinados componentes de computador, por causa de

uma decisão “que proíbe as companhias americanas de participarem do mercado

brasileiro de software” (Tapia, 1995:197). No mesmo mês, a SEI mudava de posição.

Não iria mais exigir dos fabricantes de hardware o desenvolvimento de software básico,

categoria na qual se inclui o sistema operacional. A decisão oficial de liberar o MS-

DOS, contudo, só veio em janeiro de 1988, em uma deliberação do Conin.

Tapia (1995) nos revela que o fim do contencioso se deveu a três principais

concessões feitas pelo Brasil em benefício dos EUA: 1) a liberação do MS-DOS; 2) a

não permissão da fabricação do Mac 512, clone do Apple Macintosh desenvolvido pela

empresa paulista Unitron (que a havia solicitado ainda em 1985); 3) a não imposição de

taxação à importação de software estrangeiro. O contencioso foi encerrado pelos Estados

Unidos oficialmente em 20 de junho de 1988.

8 - A Lei de Software e o desmonte da reserva

Em 1988, o decreto 96.036, de 12 de maio e assinado pelo presidente José

Sarney, regulamentou a lei 7.646 de 18/12/1987, a Lei de Software, sobre a propriedade

intelectual de programas de computador – que, como sugeriram os Estados Unidos, se

basearia na legislação de direito de autor (decreto 5.988 de 14 de dezembro de 1973). O

Page 22: 14468186 Reserva de Mercado de Informatica No Brasil 19711992

22

decreto ainda condicionava, no entanto, o registro de softwares à análise de similaridade,

que seria atendida mediante critérios de funcionalidade e compatibilidade, e previa

tratamento diferenciado à empresa nacional. Nesses termos, o cadastramento de

programa estrangeiro só seria concedido se não houvesse programa similar feito por

brasileiros. Caberia à SEI analisar e deferir o cadastramento de programas de

computador, e eventuais recursos deveriam ser julgados pelo Conselho Nacional de

Informática e Automação – Conin.

A lei 7.646 garantia a tutela dos direitos sobre programas de computador por 25

anos, contados a partir de seu lançamento em qualquer país. Mas os direitos da lei só

seriam aplicados a software estrangeiro se o país de origem desse software assegurasse

direitos equivalentes. Além disso, as empresas que comprassem software desenvolvido

por empresa nacional poderiam, nos casos autorizados pela SEI, deduzir o dobro de seu

valor como despesa operacional. E mais: pelo artigo 7, não constituiria ofensa ao direito

de autor de programa de computador a “reprodução de cópia legitimamente adquirida”.

Para muitos, a fragilidade da lei estaria justamente nos trechos em que ela define

equivalência funcional. Pelo texto, dois programas seriam equivalentes se:

I) fossem originais e desenvolvidos separadamente;

II) tivessem, substancialmente, as mesmas características de desempenho,

considerando a aplicação a que se destinavam;

III) operassem em equipamento similar e em ambiente de processamento

similar.

Tapia (1995) conta que, a partir de 1987, as discussões sobre o papel do Estado

na economia, o capital estrangeiro e o modo que o Brasil deveria se inserir na economia

Page 23: 14468186 Reserva de Mercado de Informatica No Brasil 19711992

23

global foram ganhando destaque, principalmente por causa dos debates promovidos pela

Assembléia Constituinte – o corpo de deputados federais e senadores que, eleitos em

1985, tomaram posse em 1986 com a missão de reescrever a Constituição brasileira.

Para Tapia, o que houve foi uma “mudança no clima ideológico entre 1988 e 1990”.

Neste período, as classes empresarial e politica teriam reconhecido o alto custo de uma

política industrial protecionista e baseada na substituição de importações.

Esse custo se refletiria, por exemplo, no legado de uma indústria brasileira que,

voltada apenas para o mercado interno, mostrou-se tecnologicamente defasada no

começo da década de 1990. Por outro lado, reconheceu-se a incapacidade de o Estado

formular e aplicar políticas industriais, face à crise econômica que enfrentou nos anos

1980. Nessa fase, o governo federal decidiu mudar o enfoque de sua política industrial,

baseando-a em incentivos ao desenvolvimento e à produção local, sem se importar com

a origem do capital, se nacional ou estrangeiro. Nessa época ocorreu também o que

Tapia chamou de “redefinições das lealdades de mercado”: se, entre as décadas de 1970

e 1980, as empresas multinacionais eram impedidas de participar do mercado, a partir de

1988 ocorreu uma confluência de interesses entre as empresas nacionais, que buscavam

parceiros tecnológicos no Exterior, e as multinacionais, que se adaptaram às regras

locais e aceitaram participar de alianças comeciais, como as joint ventures. Duas

associações simbólicas foram a do Grupo Itaú com a IBM, para a produção dos sistemas

de médio porte AS/400, em 1989; e a da Elebra Informática com a Digital Equipment

Corporation, para a fabricação do minicomputador VAX, também em 1989.

Nesse contexto, segundo Tapia (1995), os argumentos de defesa da manutenção

da reserva de mercado só se mantiveram porque eram utilizados pela indústria nacional

Page 24: 14468186 Reserva de Mercado de Informatica No Brasil 19711992

24

como instrumento de barganha junto às corporações multinacionais interessadas em

participar do mercado brasileiro.

No último ano de seu mandato, em janeiro de 1989, o presidente Sarney extingue

seis ministérios, entre eles o da Ciência e Tecnologia, ao qual a SEI era subordinado. A

autarquia ficou sob o Ministério do Desenvolvimento Industrial, Ciência e Tecnologia.

A essa altura, a SEI já não tinha tanto poder: ainda em 1988, em maio, o presidente José

Sarney havia assinado decretos que dispensavam a anuência da SEI nas decisões de

implantação de novas fábricas de produtos de informática no Brasil (Ferreira, 1993). A

SEI seria extinta definitivamente pelo decreto 99.618, de 17 de outubro de 1990,

assinado pelo presidente Fernando Collor. Pouco tempo antes, em junho desse mesmo

ano, o Conin havia deliberado sobre a liberação de importações de produtos de

informática, determinando que, se um produto brasileiro custasse mais de 2,8 vezes o

preço de um similar importado, a importação seria permitida automaticamente (Ferreira,

1993). A reserva de mercado foi mantida até 29 de outubro de 1992, prazo reforçado

pela Lei 8.248, de 1991, que revogava diversos artigos da Lei de Informática.

Já a lei 7.646 – a Lei do Software – seria revogada pelo presidente Fernando

Henrique Cardoso, em 1998. A lei 9.609, hoje em vigor, foi sancionada em 19/02/1998.

Ela determina que o registro de proteção à propriedade intelectual de programa de

computador é o conferido às obras literárias pela legislação de direitos autorais e

conexos vigentes no país, assegura a tutela dos direitos relativos a programas de

computador pelo prazo de 50 anos e acaba com a necessidade de registro.

Page 25: 14468186 Reserva de Mercado de Informatica No Brasil 19711992

25

Conclusão

Podemos identificar neste trabalho a segmentação proposta por Tapia (1995), que

percebe três evoluções distintas da condução da política de reserva de mercado de

informática no Brasil. A primeira, que vai de 1971 a meados de 1983, é marcada por

forte intervenção do Estado; na segunda, que compreende o período de 1984 a 1988,

evidencia-se a dissolução das forças que sustentaram a primeira fase; e a terceira, que

vai de 1988 a 1992, é marcada pelo avanço crescente de políticas liberais.

Nota-se que a Universidade, como campo de ciência e difusora de tecnologia, foi

uma das protagonistas da primeira fase, quando participou ativamente do projeto e da

construção do primeiro computador brasileiro, o G-10. É desta época também a criação

do Centro Tecnológico para Informática – CTI, próximo ao campi da Universidade

Estadual de Campinas – Unicamp. Entre suas finalidades estavam “incentivar e orientar

a pesquisa científica em centros universitários” (Dytz, 1985). Mas, apesar do empenho e

da capacitação de desenvolvimento de tecnologia demonstrada pelo setor acadêmico2, a

indústria adotou como modelo a clonagem de computadores disponíveis no Exterior –

um divórcio cujas origens podem, talvez, ter relação com a pressa, manifestada pelas

empresas, por soluções que atendessem ao mercado. Em alguns casos, o que ocorria era

a mera montagem local, como nos diz Barbosa (1985) sobre os supermínis: “Quanto ao

desenvolvimento de tecnologia própria, é improvável que isto venha a ocorrer (...). A

tendência será a de seguir os mesmos passos dos micros e minicomputadoes, ou seja,

que se continue fazendo a montagem dos equipamentos”.

2 Tomamos conhecimento, em Ferreira (1993), que em 1987 a USP desenvolveu o protótipo de um minissupercomputador, o MS-8701, cuja comercialização seria delegada à Itautec, do Grupo Itaú.

Page 26: 14468186 Reserva de Mercado de Informatica No Brasil 19711992

26

Em carta aberta escrita na forma de livreto, Setúbal (1985) disseca a apropriação

de uma tecnologia em quatro domínios:

a) tecnologia de projeto;

b) tecnologia de fabricação;

c) tecnologia de mercado;

d) tecnologia de uso.

Sua crítica ao modelo vigente na época foi de que o governo enfatizou o domínio

das tecnologias de fabricação, com a intenção de que as empresas passassem a dominar

as tecnologias de projeto. Mas, já naquela época, notava-se que o domínio das

tecnologias de mercado não havia recebido a atenção necessária. A proposta de Setúbal

consistia em políticas “transparentes” para a admissão de empresas no mercado de

informática (uma crítica à escolha, dirigida pelo governo, de produtos e parceiros) e na

adoção, pelas empresas nacionais de informática, de um sistema de cooperação

tecnológica na área de software básico e de aplicativos, para ampliar mercado e reduzir

custos (a Itautec, empresa do grupo de Setúbal, era favorável à adoção do sistema Unix,

do qual o sistema de código aberto Linux é derivado).

Não foi essa a opção encontrada pela indústria, que, para ganhar tempo e reduzir

a distância entre os equipamentos fabricados aqui e os disponíveis no Exterior, preferiu

clonar equipamentos estrangeiros. Sob determinação do Estado, essa indústria também

teve que custear o desenvolvimento dos softwares necessários para suas próprias

máquinas. Essa demanda – a de reduzir rapidamente o fosso tecnológico entre o Brasil e

os países ricos – foi encampada por vários setores da indústria brasileira, e se acentuou à

medida que os componentes de informática deixaram de ser apenas instrumento de

Page 27: 14468186 Reserva de Mercado de Informatica No Brasil 19711992

27

elaboração de folha de pagamento ou cálculos atuariais para penetrar na medicina, na

fabricação de automóveis e nos eletrodomésticos, só para citar alguns campos. A lista

cada vez maior de novas aplicações já sugeria que o Brasil não teria condições de

encontrar todas as respostas em uma indústria infante e endógena, e isso provavelmente

colaborou para arregimentar mais vozes contrárias à reserva. Campos (1985), crítico da

reserva, abordava essa questão de outro modo, questionando por que um país carente de

capitais como o Brasil recusava o capital de risco (representado pelas multinacionais), ao

mesmo tempo em que pedia empréstimos no Exterior.

Não se pode ignorar também o desafio à noção liberal de mercado que

representou a gênese da nascente indústria brasileira de informática. Veio dos governos

militares a decisão de o que produzir – por meio de convocações públicas às empresas e

da necessidade de aprovação governamental para novos projetos – e de quem produzir,

já que os responsáveis pelas empresas tinham de ser previamente aprovados pelos

órgãos do setor. As decisões de como produzir também eram subordinadas à esfera

governamental, já que era preciso descrever a origem e a forma de obtenção dos insumos

necessários, evitando ao máximo a importação de componentes. Como notou Campos

(1985), o modelo da reserva de mercado, tal como concebida pela ditadura militar, foi de

eliminação da concorrência externa e controle acentuado da concorrência interna.

Nesse contexto, merece atenção a experiência da criação de uma empresa pública

para fabricação de computadores, a Cobra Computadores. Resultado de uma política

voltada à autonomia tecnológica em nome da segurança nacional, a empresa queria

dedicar-se originalmente a sistemas de controle de processos industriais, mas acabou se

voltando para o mercado de computadores de uso geral – e foi responsável pelo

Page 28: 14468186 Reserva de Mercado de Informatica No Brasil 19711992

28

desenvolvimento do que foi considerado o primeiro computador de projeto totalmente

nacional, o Cobra 530 (Helena, 1984). O controle do Estado, embora majoritário, sempre

foi parcial, e na segunda metade da década de 1970 um grupo de dez bancos brasileiros,

mais as bolsas de valores do Rio de Janeiro e de São Paulo, já eram donos de 39% da

Cobra – foram eles que, como sócios, formaram seu primeiro mercado consumidor. A

empresa ainda existe – no rastro do desmonte da reserva de mercado, ela foi incorporada

pelo Banco do Brasil em 1990 e sobrevive como prestadora de serviços.

O saldo da experiência é alvo de controvérsias. Para alguns, a reserva de mercado

de informática marcou uma época de atraso tecnológico, envolta numa “névoa de

hostilidade a produtos estrangeiros” (Ferreira, 1993). Para outros, a reserva simbolizava

a insurgência dos países pobres contra a dominação tecnológica pelos países ricos – que,

assim, deixariam de se portar como “escravos diante do senhor” (Gomes, 1985). Um

saldo tido como certo foi a criação e a capacitação tecnológica de toda uma categoria

profissional. Mas será que, se fosse conduzida de outra forma, a política nacional de

informática teria alcançado o sucesso pretendido?

A resposta a essa pergunta convida à construção de um quadro amplo, e muitas

das variáveis que o compõem estarão fora do escopo deste trabalho. No entanto, é

possível apontar pelo menos dois pecados originais da política adotada pelo Brasil para o

setor da informática:

1) essa política não cresceu com raízes democráticas;

2) foi concebida para resolver uma questão de caixa do comércio exterior.

Talvez não seja exagero afirmar que, por causa de (1), o Brasil fez más escolhas

quando selecionou os primeiros competidores do mercado sob reserva. Que, por sua vez,

Page 29: 14468186 Reserva de Mercado de Informatica No Brasil 19711992

29

fizeram más escolhas quando definiram seus parceiros tecnológicos, sob as diretrizes do

Estado; e quando decidiram competir entre si sem que houvesse cooperação na área de

software, o que resultou numa custosa divisão de esforços para criação de sistemas

operacionais e de aplicativos incompatíveis entre si – e a condução dessa política por um

órgão linha-dura como era a SEI, subordinada ao Conselho de Segurança Nacional, só

fez aumentar essas tensões. O próprio governo não fez a sua parte, pois em plena

vigência da reserva preferia encomendar os dispendiosos computadores de grande porte

da IBM a comprar os minicomputadores produzidos pelas empresas nacionais. Quanto

ao segundo pecado, basta dizer que foi esse o calcanhar-de-Aquiles que, no fim da

década de 1980, ajudou a formar dentro do Brasil uma frente anti-reserva, movimento

que foi notadamente incentivado e explorado pelos setores exportadores e pelo governo

dos Estados Unidos.

Como poderia ter dado certo? Seria preciso, talvez, um grupo visionário que

reconhecesse nichos de mercado nos quais o Brasil tivesse condições financeiras de

investir com recursos próprios. E um governo que se dispusesse a ser o principal

comprador dessa tecnologia, até que essa empresa pudesse andar com as próprias pernas.

Dantas (1988) cita pelo menos três casos – ICL, na Inglaterra; CII, na França; e Siemens

e AEG Telefunken, na Alemanha – em que o governo se tornou ao mesmo tempo sócio

minoritário e principal comprador.

Àquela época, parece que não havia tantos nichos assim, e o “mercado” era o

mercado de computadores para uso comercial. Quando as aplicações começaram a se

proliferar em todos os setores – médico, industrial, comercial, educacional, científico e

Page 30: 14468186 Reserva de Mercado de Informatica No Brasil 19711992

30

tantos outros –, o modelo de reserva já mostrava sinais de esgotamento, pois a indústria

infante nacional não poderia mesmo dar conta do recado.

A situação hoje é bem diferente. As empresas do setor, quase todas estrangeiras,

recebem benefícios fiscais simplesmente por manter linhas de montagem no Brasil.

Parece evidente que a eliminação de distinção entre empresa brasileira e estrangeira –

resultado da revogação do artigo 171 da Constituição de 1988 pela Emenda

Constitucional 6/95 – foi a pedra que faltava para enterrar qualquer pretensão de política

efetivamente nacional para o setor.

É por isso que atrai curiosidade a iniciativa do Ceitec – Centro de Excelência em

Tecnologia Eletrônica Avançada, de Porto Alegre (RS). Construído com máquinas

descartadas pela empresa norte-americana Motorola, o laboratório-fábrica estatal é

financiado pelos governos federal, estadual e municipal e marca o retorno da produção

de chips no Brasil, começando por um produto relativamente simples e um mercado

bastante amplo: o transponder3 para rastreamento de gado (A Missão de Nossa Fábrica

de Chips, 2008). É o nascimento de um modelo que pode ser bastante promissor.

3 Um transponder é um dispositivo eletrônico miniaturizado que transmite informações por ondas de rádio, a partir da recepção de um determinado sinal.

Page 31: 14468186 Reserva de Mercado de Informatica No Brasil 19711992

31

Bibliografia

A MISSÃO DE NOSSA FÁBRICA DE CHIPS. Retrato do Brasil, n.11, p. 24-27,

jun/jul.2008.

BARBOSA, Cícero R. França. A informática: situação e desempenho. In: Benakouche,

Rabah (org.), “A Questão da Informática no Brasil”. São Paulo: Editora

Brasiliense, co-edição com o CNPq, 1985.

BITS. Microsistemas, n.4, p.7, jan.1982.

BITS. Microsistemas, n.22, p.20, jul.1983.

BITS. Microsistemas, n.34, p.25, jul.1984.

BITS. Microsistemas, n.46, p.18-23, jul.1985.

BITS. Microsistemas, n.13, p.74, out.1982.

CAMPOS, Alda. Uma empresa aquariana na era de Aquário. Microsistemas, n.1, p.16,

out.1981.

CAMPOS, Roberto. Considerações sobre a política nacional de informática. In:

Benakouche, Rabah (org.), “A Questão da Informática no Brasil”. São Paulo:

Editora Brasiliense, co-edição com o CNPq, 1985.

Page 32: 14468186 Reserva de Mercado de Informatica No Brasil 19711992

32

CÂMARA DOS DEPUTADOS. Banco de Legislação Federal do Centro de Informação

e Documentação. Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/legislacao>.

Acessado em: 16 jul.2008.

DANTAS, Vera. Guerrilha Tecnológica – A Verdadeira História da Política Nacional

de Informática. Rio de Janeiro: LTC – Livros Técnicos e Científicos, 1988.

DYTZ, Edison. Informática: o modelo institucional brasileiro. In: Benakouche, Rabah

(org.), “A Questão da Informática no Brasil”. São Paulo: Editora Brasiliense, co-

edição com o CNPq, 1985.

FERREIRA, Belmiro. O Avanço do Retrocesso – A Reserva de Mercado de

Informática no Brasil. Rio de Janeiro, RJ: Objetiva, 1993.

GOMES, Severo. Informática e soberania. In: Benakouche, Rabah (org.), “A Questão

da Informática no Brasil”. São Paulo: Editora Brasiliense, co-edição com o CNPq,

1985.

HELENA, Silvia. Rastro de Cobra. Editora do autor, 1984. Disponível em:

<http://www.mci.org.br/biblioteca/rastro_de_cobra.pdf>. Acessado em: 16

jul.2008.

MARCOLIN, Nelsdon. Patinho Feio completa 30 anos. Revista Fapesp, n.o 76, Junho

de 2002. Disponível em: <http://www.revistapesquisa.fapesp.br/

?art=1852&bd=1&pg=1>. Acessado em: 16 jul.2008.

Page 33: 14468186 Reserva de Mercado de Informatica No Brasil 19711992

33

NORONHA, Paulo Henrique de. Simples e baratos, os novos micros estão chegando.

Microsistemas, n.4, p.12, jan.1982.

PEIXOTO, Fabrícia. Era o bem contra o mal. Entrevista concedida por Edson Fregni à

Istoé Dinheiro, edição on-line, 3 jul.2002. Disponível em: http://www.terra.com.br/

istoedinheiro/253/ecommerce/253_era_bem_contra_mal.htm. Acessado em: 16

jul.2008.

SETÚBAL, Olavo. Qual é a Questão da Reserva de Mercado. São Paulo: Brasiliense,

1985.

TAPIA, Jorge Rubem Biton. A Trajetória da Política de Informática Brasileira.

Campinas, SP: Papirus: Editora da Unversidade Estadual de Campinas, 1995.