13 estética doméstica clement greenberg

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 L E ESTE N ERG OBSERVAÇÕES SOBRE u ~ /ME STI CA ARTE E O OSTO '-' I tradução ndré Carone

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  LE

ESTE

N ERG

OBSERVAÇÕES SOBRE

u ~

/ME STICA

ARTE E O OSTO

'-'

I

tradução ndré Carone

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7

PREFÁCIO

]anice

Van

ome Greenberg

5

AGRADECIMENTOS

9

INTRODUÇÃO: O JUÍZO

N

ARTE

Char es arrison

P RTE I

ENS IOS

55 A intuição e a experiência estética

69 O juízo estético

9 Pode o gosto ser objetivo?

1 7

O fator

surpres

23 O juízo e o objeto estético

35

Convenção e inovação

57 A experiência do valor

67 A linguagem do discurso estético

79 Observações sobre o distanciamento estético

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  INTUIÇÃO E EXPERIÊNCI ESTÉTIC

Eis aqui algumas definições

p r

a

p l vr

intuição .

Apreensão direta e imediata pelo conhecimen to de um ob-

jeto por si mesmo, de seus estados conscientes, de

outros

espíritos, de um mundo exterior, de universais, de valores

ou

de

verda des racionais (Ledger Wood em The

Dictionary

of Phiiosophy, Philosophical Library, c. 1950). Compreensão

direta o u imediata Oxford

Engiish Dictionary

. Apreensão

imediata de um objeto pelo espírito, sem a intervenç ão de

nenhum processo de raciocínio .. (ibid.). E ainda: Ao re-

ceber Intuições, a

mente

não

desempenh

nenhum ati-

vidade consciente (Francis Bowen em Treatise on Logic,

1870,

conforme a citação do OED).

A intuição é perceptiva: significa ver, ouvir, tocar, chei-

rar, degustar; significa ainda registr r o que se p ss n

própri consciência do indivíduo que intui. Ninguém é ca-

paz de ensin r ou mostr r como se deve intuir. Se um pes-

soa não for capaz de, por si mesma, dizer o que é o quente

55

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ou o frio, ou a cor azul, ou o som do trovão, ou recordar-se

de algo - se não souber essas coisas por si mesma e para si

mesma, nin guém pod erá lhe dizer.

Como afirma Croce em

sua História da estética

a exis

tência, a experiência e o conhecimento são inconcebíveis

sem a intuição. Assim ocorre com a experiência estética e

com a

arte propriamente

ditas. Porém, há

uma

diferença

decisiva entre a forma com a qual a intuição comum ou

primária - que é necessária à existência, à experiência,

ao

conhecimento - se faz perceber e a forma com que o faz a

intuição estética, que não é

necessária

a absolutamente

coisa alguma. A intuição comum informa, instr ui, orienta

e ao fazê-lo, sempre apo nta

para

outras coisas que não ela

mesma,

para

outras coisas que não representam o próprio

ato da intuição. A intuição comum o faz mesmo quando for

nece informações para um conhecimento puro,

para

o co-

nhecimento valorado em exclusivo benefício de si próprio;

mesmo aqui o ato aponta para algo diverso de si mesmo, ou

seja, para informações.

Porém, no instant e em que um ato de intuição refreia a

si mesmo e deixa de informar o u apont ar

para

outra coisa,

ele se transf orma de uma intuição comum em uma intuição

estética. Uma intuição estética é recebida, sustentada, usu

fruída - ou não

usufruída

em nome de si mesma e de nada

mais. A intuição que transmite a cor do céu passa a

ser

uma

56

intuição estética tão logo deixa de

informar

como está o

tempo e se transforma simplesmente numa experiência da

cor.

A mesma conversão se dá quando a intuição do sabor ou

do aroma

do

vinho é acolhida em nome dela mesma como um

sabor ou um aroma, em lugar do seu significado como uma

forma de saciar a sede. O mesmo se verifica com o reconhe

cimento de que duas coisas diferentes não podem ser uma

única e a mesma coisa quando a intuição envolvida aqui é

saboreada por si mesma e não conduz

ao

pensamento ou

à

ação. Este último exemplo parece pouco provável, porém

não chega a

ser

impossível.) Em resumo, a intuição estética

jamais é

um

meio, mas sempre

um

fim em si mesma; abriga

seu valor em si mesma e repousa sobre si mesma.

A diferença entre a intuição comum e a estética não

fica

obscurecida pelo fato de ser a primeira uma condição ne

cessária da segunda. Evidentemente, é preciso contar com o

emprego de ao menos algum dos sentidos em sua forma cor

riqueira e ser capaz de estar atento,no modo corriqueiro,

ao

menos à superfície da própria consciência para poder pas

sar

por

qualquer experiência estética que seja.Entretanto,

a diferença entre registrar uma intuição como um meio e

registrá-la como

um

fim em si mesma permanece decisiva,

como disse,

por

mais tênue que essa diferença possa parecer.

Está implícito no que afirmei acima que qualquer coisa

passível de ser intu ída na forma comum pode também ser

57

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intuída na forma

estética. Parece-me que esse é

um

fato da

experiência. Mas

eu iria

ainda mais longe, com o apoio da ex-

periência, e diria que

as

coisas que não são intu ídas no modo

primário

coisas que

permanecem fora

do alcance dessa

forma de intuição, podem da mesma

maneira ser

intuídas

es-

teticamente. Refiro-me a entidades como inferências, cadeias

de raciocínios, conhecimento dedutivo. Cont rariamen te à in

tuição

primária ou

comum, a intuição estética não conhece

limites. O que significa que

qualquer

coisa que seja passível

de experiência, toda e qualquer coisa que

entre

no campo

da

atenção, p ode

ser intuída

e vivenciada esteticamente. Por

outras palavras, a intuição estéticacomanda o mundo como

nada mai s o faz - para a consciência humana. (Veremos mais

sobre isso adiante.)

A passagem da intuição comum

para

a intuição estética é

efetuadapor

certa

alteração mental

ou

psíquica. Isso

requer

uma

espécie de distanciamento de

tudo

o que efetivamente

se passa, seja em relação a si mesmo ou a

uma outra

pessoa.

Conscientementeou não, segue-se um modo de pensar por

meio do qual a coisa que

penetra

o campo

da

atenção é perce

bida e acolhida

por seu próprio valor

imediato; jamais pelo

que possa

ou

não

vir

a significar em função de algo que não

seja ela mesma como

uma

intuição do presente; jamais

por

suas consequências; jamais pelo que significa

para

a pessoa

e

para

a

sua

identidadepessoal

ou

de qualquer outro; jamais

58

pela

posição que

ocupa

em

relação aos

seus

interesses

ou

aos interes ses de

um

outro. O indivíduo se distancia, s edes

liga de suas preocupações e afazeres de um

ser

particular

que lida com sua existência particular.

Se

todo

e

qualquer

objeto

pode

ser

intuído

estetica

mente;

então

todo e

qualquer

objeto

pode

ser

intuído

e

vivenciado artisticamente  

Aquilo

que concordamos em

definir como arte não pode

ser rígida nem

definitivamente

separado da experiência

estética

em

geral. (Que isso só te

nha

sido notado

tardiamente

- graças a Mareei Duchamp,

em

grande

parte

- em

nada

altera o fato.) Submetid a ao teste

da experiência, a noção de arte se

mostra

afinal dependente

não da habilidad e no fazer (como pensa vam os antigos), mas

sim do ato de distanciam ento

para

o qual chamei atenção

pouco. Por coincidir com a

experiência

estética

em

geral, a

arte significa simplesmente -

mas não tão simplesmente

assim -uma mudança de

atitude

perante

sua

própria cons

ciência e seus objetos.

Se

de fato as coisas são assim, então existirá algo seme

lhante

à

arte

em

geral: a

arte

que é

ou

pode

ser

percebida em

qualquer

lugar

e a qualquer momento por qualquer pessoa.

Em grande

parte

(para dizer pouco), a

arte em

geral é perce

bida, de

forma

inadvertida e solipsista, como

arte

que não

pode

ser

comunicada adequadamente pela pessoa que a per

cebe

ou

cria . Se não for veiculada por

um

meio como a lin-

  9

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guagem, o desenho, a música, a dança, a mímica, a pintura, a

esculturaou a fotografia, a intuição estética de

um

paisagem

pertencerá somente ao observado r; mesmo assim, o fato de a

intuição não

ser

comunicada

por um

meio viável não a

priv

da condição

de rte

. (Croce teve

um

vislumbre disso.) A distin

ção entre a

rte

em geral e aquilo que o mundo, até agora, de

finiu de comum acordo como arte está entre o incomunicado

e o comunicado. Mas não creio que essa distinção se sustente.

Tudo o que penetr o campo da atenção pode ser comu

nicado de

um

form

ou

de outra, ainda que apenas parcial

mente. A distinção

centr l

não está

entre

o comunicado e

o incomunicado,

m s entre

a

rte present d

sob

form s

convencionalmente reconhecidas como artísticas e a

rte

que não foi estabelecida sob tais formas. Há, de um lado, a

rte não formalizada, fugaz, bruta'' e de outro, um rte

que foi,

por

assim dizer,

registr d

em

um

meio comumente

reconhecido como artístico. Porém, mesmo essa diferença é

questionável:

um

difer ença de grau, e não de essência expe

riment d

nem

de um

est tuto

demonstrável. Não se pode

apontar

e

menos ainda, de finir as coisas

ou

o espaço em que

termin

a

rte

formalizada e começa a

rte

não formalizada.

(Dadas essas condições, pode-se

dizer

que o

rr njo

de flo

res

e a

rquitetur

de paisagens se encaixam tanto em

um

quanto

em

outra,

embor

eu creia pessoalmente que ambas

pertençam, sem

sombr

de dúvida, à rte formalizada. Há

60

outros casos semelhantes. A grande contribuição teórica

do

recente gênero de

rte

que se empenha em ser avançada

fo

i

fazer com que começássemos a nos d r conta de como são

incert s

estas distinções: a distinção

entre rte

e não arte,

entre rte

formalizada e não formalizada.)

Como afirmei

nteriormente

,a intuição estética é vivida

~ m o um fim em si mesma, ou seja, como um

v lor

defini

tivo,

intrínseco

(ou então, conforme o caso, um ausência

de

valor). O

v lor

moral também pode

ser

experimentado

dessa forma. Mas existe também

um

espécie de valor

mo-

ral que não

é

intrínseco, e sim instrumental, e

ao

qual só se

pode

cheg r

pelo raciocínio , e não pela intuição. E alguns

filósofos defendem que o valor moral.

um

vez que

é

defini

tivo e intrínseco, é

do

mesmo modo somente acessível à in

tuição (essa intuição de que se fala, ademais, é difícil de ser

diferenciada da intuição estética) . Todo

ser

humano possui

um

valor intrínseco, definitivo, último, e não se pode provar

nem discutir isso; só se pode intuir. Mas os meios graças aos

quais a vida

hum n

é mantida podem

ser

pensados e discu

tidos, e são relativos, instrumentais. O

v lor

estético jamais

é

instrument l nem

relativo. Caracteriza-se

por ser

absolu

tamente intrínseco, definitivo- e completa e imediatamente

presente Por conferir valores dessa ordem, a experiência

estética se

constitui

como aquilo que, de

form singul r

e

insubstituível.

é.

6

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A intuição estética é exclusivamente um questão de

valor e de valoração - e nada além disso.

Com

a mesma ime

diatez com que a intuição comum registra p r o intelecto

as propried des das coisas (para tomarmos de empréstimo

a expressão de G.

E.

Moore), seus atribu tos descritivos e pe

culiares, também a intuição estética registra valores e valo

rações. Isso não significa que não se tenha ou não se possa

ter a experiência da rte ou da estética enqu nto rte ou

estética, sem julgar, valorar, avaliar. Na mesma medida em

que alguma coisa é intuída ou vivenciada esteticamente, seu

valor estético também é avaliado, valorado, julgado (seja de

modo consciente ou inconsciente). Simplesmente não há

nenhu ma separação ent re a intuição estética e a valoração;

uma não pode ser concebida nem pensada sem a outra.

A valoração estética significa, na gran de maiori a dos ca

sos, o estabelecimento de distinções de amplitude ou grau,

de mais ou menos. São relativamente raras as ocasiões em

que ela é um simples isto ou aquilo , um sim ou não , um

culpado ou inocente . De modo geral, o juízo estético signi

fica enco ntrar matizes e gradações ou mesmo medidas - no

entanto, sem uma precisão quantitativa, e sim comum sen

tido de comparação e não há refinamento da sensibilidade

estética sem a prát ica da comparação). A valoração estética

pertence mais

à

ordem da apreciação e da ponderação do

que da enunciação de um veredicto - ainda que, muitas ve-

62

zes, soe forçosamente como

um

veredicto, simples e direto,

ao

ser expressa em palavras.

A intuição do valor estético é

um

ato de gostar mais ou

menos ou um ato de não gostar mais ou menos. Aquilo de

que se gosta ou não é um afeto ou

um

conjunto de afetos.

A qualidade ou o valo r estético o afeto; ele comove, toca,

iNcita. Mas, nesse caso, o afeto não deve ser equiparado a

algo tão simples como a emoção; o afeto estético contém

e

tr nscende

a emoção,

por possuir

um v lor

e

por

nos

obrig r a gostar mais ou menos dele. O v lor não c us

emoção. Pode-se

dizer

que o v lor estético, a qualidade

estética, evoca satisfação ou insatisfação, mas isso não se

equip r a um emoção. A satisfação ou insatisfação é um

veredicto

do

gosto .

De tudo o que eu disse até o momento, seria possívelin

ferir que o juízo estético não é voluntário. Na verdade, isso

não precisa ser dito. Toda intuição, seja comum ou estética,

é involuntári a quanto ao seu conteúdo ou resultado. O juízo

estético de cada um, por ser um intuição e nada mais, é aco

lhido, e não oferecido. Não se escolhe gosta r

ou

deixar de

gostar de determinada obra de arte mais do que se escolhe

ver o sol como luminoso ou a noite como escura.

O

que se

escolhe ou det ermina é o foco da atenção, mas esse foco, por

sua vez, guarda uma tê nue ligação direta com a intuição en

quanto tal.) Por outras palavras: a valoração estética é refie-

63

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xiva, automática, e jamais se chega a elapor arbítrio, delibe

ração ou raciocínio. Se déssemos mais atenção a isso, talvez

houvesse menos rancor nas discussões sobre arte. Mas re

ceio também que isso não induziria as pessoas a apresentar

seus juízos estéticos de

uma

forma mais honesta.)

Immanuel Kant (que compreendeu a natureza da expe

riência estética mais do que qualquer outro

autor

que eu

conheça) afirmava que o juízo de gosto

sempre

precedia

o prazer obtido a partir do objeto estético. Não é neces

sário comentar aqui as razões que oferecia para fazer essa

afirmação. Prefiro

comentar

as razões que

minha própria

experiência oferece para que eu concorde com ele. Eu diria

que justamente o caráter involuntário da intuição que é o

juízo estético não tanto precede o prazer quanto permite

firmar com ele

um

compromisso. O fato de que esse juízo

seja recebido, e não emitido, faz com que ele seja percebido

como um juízo necessário, e a sua necessidade nos liberta e

nos entrega ao compromisso. A

um

juízo emitido de forma

deliberada faltaria essa necessidade; o prazer estaria con

taminado

por

eventuais atributos ou dúvidas. O mesmo

ocorreria se o objeto transmitisse desprazer em vez de pra

zer.) Resumindo: se o juízo de gosto precede o prazer, é

para

oferecer o prazer. E o prazer reoferece o juízo.

Não

sou

suficientemente versado

no

assunto para dizer

se a separação kantiana entre o juízo e o prazer deve ser

64

compreendida em um sentido tempo ral ou lógico. Minhas

leituras, somadas à minha

experiência,

corroboram

esse

último sentido. Creio que é impossível separar o momento

do

juízo do momento

do

prazer, salvo em

um

sentido

me-

taforicame nte lógico. O juízo e o prazer partilham dos mes

mos significados e são,

por conseguinte, sincrônicos. O pra

zer - ou

desprazer

- se encontra no juízo; o juízo propicia o

prazer, e o prazer propicia o juízo.

Em sua Crítica

da

f cutd de do juízo Kant afirma ainda

que o prazer estético consist e no livre jogo e na harmonia

das faculdades do conhecimento , em sua atividade harmo

niosa e no livre jogo das faculdades mentais - imaginação

e razão - animadopor sua harmonia recíproca . Tudo isso é

suscitado pelo objeto estético que

é,

ele

próprio

uma re

presentação dada assim como

é,

em geral, apropriado pa ra

a cognição . Isso, apesar de não existir uma cognição dessa

espécie,

nenhum acréscimo ao conhe cimento envolvido na

experiência estética enquanto tal.

O

que não significa que

alguma espécie dê acréscimo

ao

conhecimento não possa

constituir

um

corolário da experiência estética, ainda que

seja apenas o conhecimento de se

ter

tido essa experiência.)

Não

sou

obrigado a aceitar a definição

kantiana

das

fa-

culdades do conhecimento para percebe r que a essênciado

que ele diz a respeito

do

papel da atividade cognitiva na ex-

periência e stética fica confirmada pela minha própria expe-

·65

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riência.

Tal

como o sinto, tal como o percebo

em

mim mesmo,

o afeto, ou o prazer da arte (quando ela propicia prazer),

consiste em uma sensação de cognitividade exaltada exal

tada por transcender o conhecimento enquanto tal. como

se nesse momento ou instante eu comandasse, pela força de

um saber transcendente, tudo o que pode virtualmente afe

tar minha consciência ou mesmo minha existência. Eu

sei

embora não tenha algo específico para saber. Nesse aspecto,

a precisão extinguiri a a sensação. Pois trata-se de uma ques

tão de teor, e não de definição; de um estado de consciência,

e não de um acréscimo à consciência. Quanto mais geral

o afeto, mais abrangente ou completo será esse estado de

conhecimento - e também mais instigante. Certa pintura,

certa passagem

de

um verso, certa peça musical podem

fa-

zer com que alguém não se sinta à altura dessa exaltação de

conhecimento que o invade; aquelas são

as

obras supremas.

Oque comumente se entende por emoção é absorvido na

experiência estética (quando esta é suficientemente pura ) .

como se o afeto , ou o estado de cognitividade, contivesse

a emoção e tudo o mais - experiência sensorial, intelecção

e saber - e por possuir o que possui, a transcendesse. Emo-

ção, percepção sensorial, lógica, saber e até mesmo morali

dade tornam-se conhecidos, percebidos e sentidos a partir

de

uma

perspectiva exterior, de um ponto privilegiado em

que são controlados e manipulados em exclusivo benefício

66

da consciência. (Entra mais uma vez em cena o distancia

mento .) O praze r da experiência estética é oprazer da cons

ciência: o prazer que ela traz consigo. Na medida em que a

experiência estética gera satisfação, a consciência revela

seu

próprio

sentido (assim como Deus revela seu próprio

sentido, de acordo com certos teólogos).

Es

se

estado de cognitividade ou consciência exaltada o

valor ou a qualidade estética. A arte inferior, a experiência

estética inferior, revela-se ao

ser

incapaz de

induzir

sufi

cientemente este estado. Porém, toda arte, toda experiência

estética, boa ou

anuncia ou insinua uma promessa desse

estado. E somente a intuição estética - o gosto - pode afir

mar

em

que medida a promessa é cumprida.

67

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O JUÍZO ESTÉTI O

certas

verdades axiomáticas sobre a

arte

que precisam

ser

repetidas

com insistência. Se não

estiverem presentes

de algum

modo,

haverá

o constante risco de se

fugir

do as

sunto

ao se falar a

respeito

de qualquer espécie de arte.

Creio que não se avalia devidamente o fato de que

os

juízos

estéticos, os veredictos

do

gosto, não podem ser comprovados

nem demonstrado s da mesma forma que se demonstra que a

soma de dois mais dois é igual a quatro, que a água é composta

por

algo chamado oxigênio e algo chamado hidrogênio, que a

Terra

é redonda, que

uma

pessoa chamada George Washing

ton

foi o nosso primeiro presiden te, e assim

por

diante nou

tras palavras, que os juízos estéticos fogem ao campo de ação

daquilo que geralmente se to ma por evidência.

Kant foi, pelo que sei, o

primeiro

a declarar em

sua rí·

tica da facu dade do juízo que os juízos estéticos de valor não

são suscetíveis de

prova nem

de demonstração, e até hoje não

houve

quem

pudesse

refutá-lo, seja pela

prática ou

pela ar·

9

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gumentação. Contudo, sempre há aqueles que pouco sabem e

insistem em acreditar que os juízos estéticos possam ser

com

provados de maneira semelhante às afirmações

do

fato. Isso

porque pode-se

mostr r

de forma simples e imediata a

um

pessoa sensata - eles afirmariam - que Beethoven é melhor

do que Irving Berlin ou os Beatles, ou que Rafael

é

melhor

do

que Norman Rockwell ou Peter Max, que Shakespeare

é me

lhor do que Eddie Guest ou Bob Dylan, que Tolstói é melhor

do que Harold Robbins. Mas não são poucas as pessoas perfei

tamente sensatas que preferem os Beatles a Beethoven, Peter

Max a Rafael, Bob Dylan a Shakespeare e Harold Robbins a

Tolstói; pode ser que eles não o digam abertamente, mas o re

velam no que escolhem

p r

ouvir, ver, escut ar ou ler. Seria

isso somente porque ninguém se deu ao trabalho de prov r

que estão errados?

Se

for isso, então,

por

que ninguém ainda

se deu a esse trabalho - que não seria tão complicado caso os

juízos estéticos pudessem ser provados

p r

todas as coisas

tal como são as proposições factuais,lógicas e científicas?

Falei a respeito dos juízos estéticos comparativos. Po

rém, com os absolutos

ocorre

a

mesm

coisa. A

verd de

é que

ninguém ind

foi capaz de

prov r

que Beethoven,

Rafael e Shak espeare

possu m

mesmo

lgum

qualidade,

que qualquer

rte

possua alguma qualidade - ou, então,

quase toda

rte não possu nenhum ou pr tic mente

ne

nhum

qualidade .

70

Na

tent tiv

de

mostr r

com

minúci

que é impossível

comprov r

um juízo estético, selecionei um caso da litera

tur

no

papel, é mais fácil lida r com a

rte

verbal). Aqui es

tão dois grupos de versos, ambos sobre o mês de abr il (am

bos podem ser encontrados

no Home Book of Quotations

de

Stevenson).

Os

primeiros versos são de Si r William Watson

-- 1858-1935),

que foi condecorad o

por su

poesia e

por

pouco

não se

tornou um

dos poetas laureados da Inglatetra:

ApriL, Apri ,

Laugh thy girlish laughter;

Then, the

moment after,

Weep

thy girlish

tears

[Abril, abril,

Ri

teu riso juvenil,

Agora,

e,

no momento seguinte,

Verte teu pranto juvenil ]

Os

outros versos

são

de

A terra devastada.

de

T. S.

Eliot:

April

is

the cruelest month breeding

LiLacs out of the dead land mixing

Memory and

desire,

stirring

Dull roots

with spring rain.

7

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r

;

)-

 

:

,t

f

i

[

a

l

[Abril é o mês mais cruel, gerando

Lilases na

terra

morta, misturando

Lembrança e desejo, inst ando

Raízes inertes com chuva primaveril. ]'

Não me

resta

a menor

dúvida

de que os

quatro versos

de

Eliot, como

arte

são de qualidade muito superior aos de

Watson. Mas tente provar

na forma irrefutável que

é carac

terística da

prova, que isto é

verdade

e que

qualquer pessoa

minimamente sensata deverá concordar comigo.

Ambos os

trechos foram

compostos

em metro

trocaico,

com o acento na primeira

sílaba

(como se os dois

poetas

quisessem

tomar

partido do que há de trocaico na própria

palavra

April ).

Seria

a passagem de Eliot melhor do que a

de Watsonpor não

conter

rimas, enquanto a de Watson está

rimada? Como se pode provar isto sem que se parta da firme

suposição de que o

verso sem rimas

sempreé

melhor

do que

o verso rimado? Ou seria a

passagem

de Elíot melhor por

seu ritmo lento e

por

conter um número maior

de

vogais

longas? O verso com ritmo

lento

sempre é melhor do

que

o

verso

de

ritmo

ligeiro? As vogais longas

sempre

tornam

possível

um

verso

melhor?

É

claro que não.

No entanto, a razão fundamental que torna a passagem de

1. Todos os poemas citados nest e livro foram traduzidos por Alípio Corrê

a.

72

Eliot melhor que a de Watson não se encontraria nó fato de

que a adoção de uma visão sombria do mês de abril é sempre

melhor artisticamente que a de

uma

outra. afetuosa e com

um discreto apelo sexual? Como podemos chegar a essa su

posição,

garantir

a ela um acordo

universal

de modo que

possa

ser

empregada com segurança como premissa maior

-de um silogismo irrefutável?Essa é a espécie de silogismo

requerida

para

se demonstrar juízos estéticos, quer abso

lutos quer comparativos. Se pudéssemo s

ter

certeza de que

toda visão sombria do mês de abril funcionasse melhor es

teticamente do que

uma

que está muito longe de

ser

soturn

a

teríamos

então condições de mostra r, com total seguranç a

que os

versos

de Shakespeare Proudpied pril resse in

all

his tr im I Hath

puta spirit of

youth in every thing [Abril.

altivo e matizado, trajando gala

em

tudo despertou um ar

juvenil] padecem artisticamente pela visão alegre que assu

mem. Teríamos condições de

impor

a aceitação desse vere

dicto da mesma maneira que forçamos a todos a aceitarem

que Sócrates era

mortal

porque era um homem, dado que

todos os homens são mortais.

Porém, todos os juízos estéticos são (como já afirmei)

tanto absolutos quanto comparativos. Se

puderem

de algum

modo ser provados, deverão também

poder

ser provados iso

ladamente. Seria necessário provar até que ponto a quadra

de Eliot é boa em si mesma,e não em comparação àde Watson.

73

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8/19/2019 13 Estética Doméstica Clement Greenberg

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E seria necessário provar até que ponto a quadra de Wat-

son é ruim em si mesma, e não somente em comparação à

de Eliot. (Talvez todos os juízos estéticos termi nem

por

ser

de algum modo comparativos. Não partil ho dessa opinião,

mas acredito que o gosto só pode ser desenvolvido

por

meio

da formulação de juízos comparativos.) Provar o quanto a

passagem de Eliot é independente, intrínseca ou absolu-

tamente boa exigiria mais do que o registro estatístico da

frequência com que elementos de classes de propri edades

artisticamente favoráveis comparecem nela. Seria exigido

também que essas mesmas classes fossem ordenadas hie-

rarquicamente de acordo com sua importância artística. Se-

ria a visão soturna

do

abril de Eliot mais decisiva

do

que

os

ritmos e as cadências ou do que a escolha e a ordenação das

palavras ou

do

que a sintaxe, que corporificam e veiculam

essa visão? Qual o peso das vogais longas ou da ausência de

rimas ou do número irregular de sílabas em cada verso? Se-

ria necessário um acordo a respeito de todas essas questões

para

se provar o quanto há de boa poesia nos quatro versos

de Eliot tomados em si próprios. (Haveria ainda a questão de

saber quão bem eles funcionam artisticamente como parte

de

um

poema bem mais extenso,

do

qual constituem a aber-

tura, e a questão

do

peso que deveria ser atribuído a esse

funcionamento em contraposição a tudo o mais que

nes-

ses quatro versos.)

74

Minha experiência diz que a visão sombria do abril de

Eliot se funde inextrincavelmente ao ritmo, à escolha das

palavras, às vogais longas e a todo o resto.

Se

isso for cor-

reto, a usão passa então a

ser

uma

outra

classe de proprie-

dades artísticas favoráveis que precisa

ser

isolada e defi-

nida para oferecer

uma

premissa maior a partir da qual se

'possa deduzir o mérito dos quatro versos de Eliot. Mas uma

propriedade como a fusão não representaria muito mais

uma questão de grau ou intensidade do que de frequência?

E como se pode mensurar o grau de fusão? Pois ele deveria

ser concebido de tal modo que oferecesse a base

para uma

prova referente à qualidade artística absoluta ou relativa.

De

minha parte, considero que também

fusão

na

pas-

sagem de Watson, por sua visão de abril ter sido forjada a

partir da vivacidade de seu ritmo, prese nte na escolha e

na

ordenação das palàvras,

na

variação do número de sílabas

entre um verso e outro, e por aí adiante. Mas qual o

seu

gr u de fusão? E se isso pudess e ser medido, e se se des-

cobrisse que há ali o

mais

alto grau de fusão possível, até

que ponto isso

determinaria

o valor artístico absoluto ou

relativo dos versos?

2

2. A verdade é que Watson era um versificador habilidoso. Mas como

se pode isolar também o

fator

da habilidade, de modo que ele possa ser

quantificado e em seguida, avaliado em um juízo estético? Tenho minhas

dúvidas quanto à habilidade de Eliot como

versificador

até certo ponto.

75

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 •

i

t

E assim,

n

intenção de

determin r

as propriedades

invariavelmente favoráveis da poesia, ou da arte da versi

ficação, de tal modo que possam ser classificadas , e que as

classes resultantes formem

as

premissas maiores de silo

gismos que poderi am então vir a

ser

empregados n

com-

provação de juízos estéticos, ao tentar fazer isso, vemo-nos

caminhando em espirais que não levam a parte alguma.

Há ainda outr s espirais, ou melhor, círculos. Se, de

fato, se descobrissem formas confiáveis de prov r um

juízo estético, essas

poderi m

ser empregadas p r se

cheg r

a

u

juízo estético, e não somente

p r

prová

·lo. Teríamos então condições de julgar obras de rte ba

seando-nos exclusivamente n informação transmitida, e

não teríamos de travar contato direto com elas. Após ter

mos sido informados de que

um

certa obra contém tantas

e tantas ocorrências de proprieda des da classe "/\', tantas e

Além disso, meu gosto detecta falhas em seus quatro versos sobre abril

e que

n d

têm a ver com a habilidade na versificação: por mais eficien

tes que sei am os esponderes do quarto verso no local onde foram postos,

"dull" [inertes] fica redundante nesse mesmo verso após "dead" [morta] no

segundo verso;

s

pring" [primaveril] é ainda mais redunda nte depois de

"april" no primeiro verso. sendo que "memory and desire" [lembrança e

desejo] no terceiro verso são palavras muito vagamente evocativas. Até

que ponto se pode provar que essas falhas são reais e objetiva

s?

Isso não

me pode ser provado, embora eu de fato queira crer que essas são falhas

de Elíot, e não falhas do meu gosto.

76

tantas ocorrências de proprieda des da classe

B ,

e assim

por diante, e ainda um ou mais ocorrências de proprie

dades da classe Z" (como "fusão

  )

nesse ou naquele grau,

teríamos condições de inferir de tudo isso quão grande

ou pequeno seri a o valor estético da obra em questão. Não

precisaríamos ler, ouvir ou ver a obra. E nem deveríamos

~ s n t i r a necessidade de

prov r

o juízo ao qual tivéssemos

chegado, um vez que a

própri

informação que levou a

ele já devesse conter a su prova; o ato do juízo e o ato da

prov seria m o mesmo. Com efeito, seríamos capazes de

assimilar toda a

rte

que já foi divulgada simplesmente

por

ler

ou ouvir relatos.

E as coisas não parariam

aí.

Se soubéssemos compre

cisão quais as classes

de

propriedades e quais os graus

de

tais propriedades que favoreceriam sempre a arte superior,

teríamos condições não apenas de provar e infer ir juízos

estéticos como também de saber ntecip d mente os tipos

de propriedades que a arte super ior sempre teria e deveria

ter. Disso seguir-se-ia que qualquer pessoa suficientemente

informada t eria condições de

cri r

arte superior por sua

própria decisão, deliberadamente; e poderia também deci

dir de antemão quão superi or seria sua arte. A elaboração

da arte, bem como a sua observação, estari am reduzidas a

uma questão

de

procedimentos seletivos codificados, que

poderiam ser ensinados como

os

da contabilidad

e.

Isso é o

77

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que se

teria

necessariamente, caso os juízos estéticos pudes

sem ser de fato provados. Disso se seguiria

também

a possi

bilidade de mostrar

para uma pessoa surda

como Haydn,

Mozart. Beethoven e

Schubert

foram bem-sucedidos, e ela

em

seguida poderia caso tivesse compreendido correta

mente

as estatísticas, compor uma música rigorosamente

tão boa

quanto

a de todos eles, se não melhor, e

um homem

cego teria condições de fazer a mesma coisa com a

pintura

e

uma pessoa

que

não

soubesse

italiano teria

condições -

mais

uma

vez, se tivesse

compreendido corretamente

as

estatísticas - de

escrever em italiano

uma

poesia

tão

boa

quanto a de Dante. se não melhor.

Algumas pessoas irão

achar

que

meu argumento

é tão

óbvio que não precisaria

ser

apresentado. Outros insistirão

em

recusá-lo. Por isso,

prosseguirei

com ele, d esta vez com

um exemplo extraído da

arte

da

pintura.

Suponha que sua admiração por Rafael e Ingres o

tenha

levado a concluir que o

tratamento

que envolve superfícies

lisas, que esconde as pinceladas e que é

vivamente

linear

sempre conferiu um valor

mais elevado à

pintura

de ma

neira

que toda peça que

apresentasse

essa espécie de trata

mento seria, em determinado grau, invariavelmente melhor

do que uma

pintura

que não a apresentasse. Isso significaria

que qualquer Rembrandt

ou

Ticiano da fase posterior, que

praticamente

todo

Rubens ou Delacroix sofreriam

uma

8

desvantagem qualitativa. (Ninguém menos do que William

Blake chegou a

sustentar

que a

pintura

em que se via o pin

cel

era

por

natureza inferior

àpintura com limites

bem

de

finidos .) Su ponh a que todos os

outros

aspectos

da pintura

fossem tão identificáveis quan to o do

tratamento

e que pu

dessem

ser

classificados de acordo com sua invariável capa·

cidade de

aumentar ou diminuir

a qualidade pictórica, e que

a classificação resultante valesse

para

toda e qualquer pessoa

sensata. Com isso, a avaliação de

uma pintura não

exigiria,

então,

nada

além da atribuição de sinais positivos

ou

nega

tivos (com seus pesos quantificados)

em um

par de colunas.

O

francês

Roger de Piles

tentou determinar

o

mérito

relativo dos grandes

mestres

da

pintura por

um'método ra

zoavelmente similar. Isso aconteceu

no

século XVII, e seus

resultados só

continuam

a

ter interesse porque

Piles

tinha

um bom olho

para

a

pintura.

Ele havia chegado á

seus

juízos

estéticos antes de começar a dispô-los

em

tabelas. E esta é

precisamen te a questão: a evidência necessária

para provar

um juízo estético só pode

ser

guarnecida pelo

próprio

juízo

estético.

Tentar provar

que

uma parcela

considerável dos

versos de Shakespeare é verdadeir a poesia a

uma

pessoa que

ainda não

tenha

chegado a esse juízo por sua própria conta

interesse é como tentar fazer com que um daltônico se fa

miliarize com a vermelhidão do vermelho. O daltônico pode

confiar

na sua

palavra, por razões de

ordem

prática, ares-

79

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peito da vermelhidão daquilo que ele enxerga comoum mar

rom neutro , e a pessoa que não tem olhos para Shakespeare

pode, por razões de

outra

ordem, confiar

na

sua palavra a

respeito da poesia de Shakespeare, mas isso não

irá

mudar

a situação: ainda não se terá provado nem demonstrado

ab

solutamente nada a respeito das qualidades

do

vermelho ou

dos méritos dos versos de Shakespeare.

O juízo estético - a intuição estética - nos põe em con

tato íntimo com ele e com nós mesmos. Sob esse aspecto,

pouco importa que ele se faça

presente

em

um

teatro, uma

sala de concerto ou

uma

galería de

arte

lotada. Tampouco

importa

que você discuta s eu juízo com outros e o compare

com os juízos de outros,

ou

que sua tenção seja direcio

nada

pelo que outros afirmam

ou

escrevem. ainda a você

que cabe

exprimir

o juízo - ter a intuição - por sua conta.

E cabe a você emi ti- lo- recebê-lo, na

verdade

em completa

liberdade. Esta liberdade, tão completa

por

não depender

da vontade, não é afetada pelo fato de você nem sempre se

sentir livre para expressar seus juízos com honestidade -

por exemplo, quando descobre que se apega mais a uma

ilustração de calendário do que a um aclamado Rembrandt

e sente vergon ha de dizê-lo até

para

si mesmo. Nesse caso,

você dispõe do poder

para optar por não dizer a verdade,

mas, no caso do seu juízo estético como tal e

por

si mesmo,

não

lugar

para

nada além da verdade.)

80

Já que os juízos estéticos não podem ser provados, de

monstrados, apresentados nem sequer questionados em

bora possam

ser

debatidos). as discussões bem conduzidas

a respeito de tais juízos limitam-se a menções ou citações.

Uma

pessoa menciona o que lhe agrada ou desagrada em uma

obra

de

arte e pede aquiescência. E a pessoa com quem con

versa

poderá concordar genuinamente com a primeira

se observar,

ler

- ou, se for o caso, recordar com clareza e

exatidão suficientes - a obra mencionada e descobrir que

sua própria reação estética intuitiva e espontânea é apro

ximadamente a mesma. Um juízo estético pode ser alterado,

ou confirmado, apenas

por

meio do contato renovado com a

obra de arte em questão, e não através da reflexão nem sob

a pressão do argumento. Não é tão simples quanto parece.

Quando, ao

sustentar

seu juízo acerca de uma obra de arte,

uma pessoa aponta aspectos que lhe agradam ou desagra

dam, ela

tenta

sabendo

ou

não) influenciar a sua atenção.

A atenção

participa

da essência da experiência da arte,

ainda que não figure como fator i ntegral dessa experiên

cia, mas como fator condicionante ou preliminar.) E a sua

atenção influenci d pode expor sua intuição ou seu gosto

a aspectos de uma obra de arte para os quais eles não teriam

se direcionado, ou sido direcionados, naquele momento par

ticular. Ao serem direcionados dessa maneira, sua intuição

ou seu gosto podem ser constrangidos a

um

juízo que de

ou-

81

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tro modo talvez não produzissem, ou

à

revisão de um juízo

produzido anteriormente.

A principal razão, e talvez a única,

para

que inúmeras

pessoas cultivadas resistam à idei a de que os juízos estéticos

não podem ser demonstrados é sua sensação de que eles, em

última instância, não são subjetivos nem particulares, não

são apenas questões de gosto pessoal , mas que possuem ou

almejam (como dizia Kant) seu próprio gênero de validade

univers al e objetiva.

Nenhum ser humano em seu juízo normal vive apar

tado de algum gênero de experiência estética. Porém, nem

todos esses seres humanos desenvolvem o gosto para além

de determinado ponto - o gosto em qualquer arte ou meio.

Os

impedimentos aqui, na maior parte, são de ordem social,

mas com frequência se devem a questões de temperamento

ou a circunstâncias de formação que em nada se vinculam a

fatores sociais

ou

econômicos. Mas, qualquer que seja sua

origem, esses impedimentos tendem a se fazer sentir como

algo de natureza pessoal (assim como inúmeros outros fa-

tores circunstanciais). Eles se acomodam como um aspecto

de um legítimo Eu privado, individual, e, portanto, como

parte da subjetividade . E precisamente essa subjetividade,

mais do que qualquer ou tro aspecto imediato, impede o dis

tanciamento essencial à experiência estética. O subjetivo

refere-se a tudo o que particu lariza um indivíduo como um

82

Eu afetado por questões práticas, psicológicas, individuali

zantes, que envolvem interesses. Na experiência estética, há

um distanciamento, ora maior ora menor, em relação a esse

Eu. O indivíduo passa a ser tão objetivo quanto em seu racio

cínio, o que igualmente reque r

um

distanciament o em rela

ção a esse Eu particular.

Em

ambos os casos. o grau de obje

tividade depende da amplitude do distanciamento. Quanto

maior-

ou mais puro - o distanciamento, mais estrito ou

seja, mais apurado) passa a ser o gosto ou o raciocínio.

Tornar-se mais objetivo no sentido referido significa

torna r-se mais impessoal. Nesse caso, porém, ficam excluí

das as associações pejorativas do termo impessoal . Aqui,

ao tornar-s e mais impessoal, o indivíduo se assemelha mais

a outros seres humanos - ao menos em princípio - e. por

tanto, fica próximo de ser um representante da humanidade,

alguém capaz

de

repres entar mais adequadamente a espécie.

Essa é acontribuição que podem dar os polos aparentemente

opostos do racional e do estético ao serem associados em sua

pureza .

O

que não implica que o estético ou o racional. ou

ambos reunidos, sejam suficientes para perfazer o caráter

humano. Deve intervir um outro gênero, muito mais rele

vante, de desprendimento - um desprendimento capaz de

fazê-lo colocar-se no lugar de outras pessoas. E seria proble

mático sustentar, com base no que se conhece, que um gosto

ou um intelecto desenvolvidos tenha m favorecido a forma-

83

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ção de um ser humano desenvolvido. O contrário tem sido

mais frequente. Mesmo assim, eu diria que o gostei ou o inte

lecto que continuam a se desenvolver

na

meia-idade e mais

além devem ser amparados pelo caráter ou pelo sentimento

humano - o que dá no mesmo.)

Em

resumo: a experiência estética requer, por sua

amplitude e intensidade, que você se torne um

receptor

distanciado

e portanto

objetivo, cada vez mais objetivo.

( Receptor não

tem

a conotação de passivo nesse caso.)

O transmissor

-o

artista, o escritor, o compositor, o ator ou

o cantor- deve também objetivar a si próprio, ainda que por

uma via indireta. Precisa ser subjetivo

para

dar o primeiro

passo; precisa

de

diversas coisas que lhe são singulares e pe

culiares: seu temperamento, su a autobiografia, sua privaci

dade - mesmo o mais clássico dos artistas necessita disso,

seja ele Sófocles, ou um escultor do Antigo Império Egípcio.

Porém, é necessário mais do que isso, e mais do que o

puro

talento, para que se faça a arte bem sucedida. Para tanto, re

quer-se a disciplina e a pressão de um meio. Ao enfrentá-las,

o

artista

superior objetiva sua subjetividade, transcende

-a sem esquecê-la - seja ele um entalhador de

pedra

gótico

ou Keats, um

pintor

paleolítico ou Mahler. Dante escreveu

poesia movido pelo

rancor

pessoal, entre o utras coisas. No

entanto, ao lado dessas, o rancor tornou-se para ele o meio

da arte, e jamais existiu uma obra de arte mais objetiva

do

84

que a ivina comédia. Em última análise, o artista bem-su

cedido aparta-se

de

seu Eu privado, supera-o, transcende-o

tanto quanto o faz o amante bem-sucedido da arte.

O

artista

bem-sucedido também precisa do gosto, e

precisa obj etivar a si mesmo em seu gosto

para

objetivar

a si mesmo em sua arte. A disciplina de seu meio se en

contra ali como

uma

presença tão tenaz quanto objetiva.

Ele deve orientar-se por essa presença e

perante

ela caso

queira forçá-la a acomodar sua subjetividade, sua visão

singular

ou

inspiração. (Ele não tem como esquivar-se

dessa presença, ao menos se for verdadeiramente sério.)

E o único meio do qual dispõe para orientar-se nesse sen

tido é o seu gosto. E deve aprimorá-lo da mesma maneira,

em maior ou meno r extensão, que o não prati cante ou con

templador. Assim como este último não tem como vivenciar

amplamente a arte sem de algum modo participar, também

o artista não é capaz de proceder com sucesso sem contem

plar - e não se trata de uma contemplação qualquer; tam

bém ele deve contemp lar na condição de espectador. Não

que todo bom artista seja um bom

connaisseur

ou crítico.

Um excelente crítico é pro fundamen te liberal em relação a

seu gosto - e deve sê-lo. Houve grandes artistas que se fecha

ram a determinados tipos de grande ou boa arte para servir

a seus próprios interesses criativos - e talvez tivessem sido

obrigados a tanto. Ainda assim, não sou capaz de imaginar

85

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f

I

·  

l

nenhum artista, bom ou mau (ao menos em uma sociedade

urbana), cujas decisões cruciais para iniciar alguma obra

envolvessem

de

alguma forma decisões de gosto.

E,

de modo

geral, tanto melhor será o artista, escritor, compositor ou

coreógrafo quanto mais acuradas (ou objetivas ) tiverem

sido suas decisões iniciais.

Ao transcender a esfera pessoal, a arte e o gosto não se

apartam, consequentemente, da vida ,

do

restant e da expe

riência, ou seja, da experiência nã o estética. A ampliação e

o aprimoramento continuado

do

gosto de um indivíduo em

qualquer direção demanda - ao que me parece - que ele am-

plie e aprimore se u sentimento pela vida de modo geral. Essa

tese conta com

um sem-número

de

aparentes refutações:

gênios desorientados em seu cotidiano, pessoas de sensibi

lidade precoce nessa ou naquela arte, nas quais não encon

tramos o menor vestígio de sabedoria, estetas em geral, e as-

sim por diante. É verdade. Enfatizo, porém, a continuidade

a não interrupção

do

aprimoramento

do

gosto. Assim como

são inesgotáveis os desafios e

as

satisfações da vida, também

são os da

arte

ao menos os da arte elevada. Uma boa e consi

derável parcela da satisfação a ser extraída da arte no curso

do tempo consiste na superação de desafios constan temente

novos para o gosto, seja na ar te

do

presente

ou

do passado.

Para seguir adiante, deve-se- diz a minha experiência con

tinuar aprendendo também com a vida fora da arte.

86

Acho que é difícil encontr ar prova s par a o que acabei de

afirmar. Não está ao meu alcance explicar de que maneira

se pode mostrar que a maturidade da experiência comum

amplia e aprimora su a experiência da música, da dança, das

artes visuais -

e,

ao mesmo tempo, purifica essa experiên

cia. Mas isso não me impede de ac redita r que isso aconteça.

H'á

inúmera s coisas a respeito da arte (como a comprovação

estrita de um juízo estético) que não pod em ser transpostas

para

palavras nem para o discurso, mas que existem mesmo

assim. Além disso, acredito que em artes mais transparen

tes , como o teatro, a prosa de ficção, o cinema e até a foto

grafia, seja possível indicar de modo aproximado como a

experiên cia assimilada de

uma arte

pode info rmar decisiva

mente um juízo estético. Descobri, por minha conta, que boa

parcela da obra de Shakespeare chega até nós como grande

drama, além de grande poesia, apenas quando já temos vá

rios anos n as costas ou já aprendemos muito com os poucos

anos que temos. Em seus romances post eriores, observo

que Henry ]ames praticamente implora ao leitor que filtre

a abundância de suas palavras com seu próprio conheci

mento da vida como ela

é.

A taça e ouro de ]ames é um bom exemplo. Se você sair

desse romance com a sensação de que Maggie Verver é sua

heroína redimida,eu diria que você não foi capaz de apreen

der tudo o que há ali em termos de pura experiência esté-

87

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"'-··

tica. Você ficaria mais tocado pelo romance - e refiro-me à

emoção que apenas a rte pode lhe oferecer - se notasse a

perversidade, movida pelo dinheiro, de Maggie e t mbém

de seu pai; e se

not sse

ind de que modo a intimid de

entre

eles afetava su s relações com os respectivos cônju

ges. Em seu contexto, a intimid de dúlter dos dois últi

mos é a menos imoral: ela não desc rt necess ri mente

a intimidade com

outr s

pessoas; não é empregada contra

outr s pessoas. Eu diri que, se você não percebe isso ao

ler taça de ouro, será pen s porque su experiênci não

o ensinou ainda a enxerg r em meio às pistas falsas lança

das ao longo do romance, como se este fosse um históri

de detetive;

e,

por não perceber isso, você deix de perce

ber um fração da arte.

Um sentimento intensificado da vida pode ind ajudá

-lo a descobrir que n primeir cena de Rei Lear, a creduli

dade do velho rei não é su falha principal. A credulidade

n d

é senão

um

f lh intelectual. Shakespeare necessi

tava de um falha moral p r "justificar" o que acontece pos

teriormente a Lear, de m neir que a sensação veicula da de

frequente ausência de sentido não fosse, ela mesma, intei

rament e destitu ída de sentido. O equívoco de Lear consiste

bem menos em su credulidade com relação às duas filhas

mais velhas do que em

su

recus em compreender o sen

tido destas pal avras de Cordelia:

88

Why have my sisters husbands, j hey say

They lave you

a ? Hap y,

when I

shaU

wed,

That

ord whose

hand must take my p ight

sha carry

Ha j

my ave with him, ha j my care and u t y ~

Sure I

sha

neve r marry

ike

my sisters,

To ave my jather a .

[Por que minhas irmãs têm marido, se elas

Pretendem vos conceder todo o amor que possuem? Feliz-

mente, quando eu me casar,

O esposo cuja mão terá meu juramento haverá

de

levar

Metade do meu carinho e dever.

Com

certeza, jamais vou

me

casar como minhas irmãs,

Para amar meu pai acima

de

tudo.]

um

desatino de Lear querer controlar e dominar su des

cendência. A visão de Cordel ia quanto ao casamento é quase

diametra lmente oposta à de Maggie Verver. E, assim como

acredito que o leitor não compreenderá A taça de ouro, de

um m neir que o satisfaça em termos estéticos, caso não

perceba a pers istent e falta de carát er de Maggie, creio tam

bém que ele não desfrut rá de toda a rte presente em

Rei

Lear

e

"desfrutar" dessa rte significa sentir-se profunda

mente tocado por ela) caso não detecte o verdadeiro e cru

cial erro do velho rei.

89

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Há pessoas, de gosto verdadeiro, que perguntarão, ainda

assim. o que

tudo

isso

tem

a

ver

com a

literatura

enquanto

arte. Não

sería

a mesma coisa que se

perguntar

quantos

fi-

lhos

tinha

Lady Macbeth? Não. O

número

de filhos de Lady

Macbeth não

tem importância

na peça chamada

Macbeth.

Mas a aliança de Maggie com seu pai, e o emprego que am

bos fazem dessa aliança e do

poder

do dinheiro, ao lado das

convenções do casamento,

para

controlar seus respectivos

cônjuges, pertencem

à

forma mais íntima de

A taça

e

ouro

tanto

quanto

suas

palavras

, o

ritmo

de

sua

prosa, o anda

mento do enredo, a ordenação dos capítulos. Ao

ser posta

onde se encontra, a incômoda

verdade

de Cordelia acerca

do casamento é tão inerente à forma de

Rei Lear

quanto seu

verso branco e a construção gramatical de

suas

frases, tão

inerente

a essa forma quanto o andamento acelerado do in

tercâmbio entre Cordelia e seu pai, em que a

stichomythia

se

alterna

de modo notável com falas mais longas.

Apesar de tudo. o sa

ber

adquirido com a assimilação da ex

periência

não basta

por

si no terreno da arte . claro que

não. Você pode já

ter aprendido

muito sobre

as

coisas da

vida e

ter

verdadeiramente a posse daquilo que sabe, e aind a

J.

Disputa verbal com frases curtas. travada por dois per so nagens no

drama grego. [N E ]

90

assim

permanecer imaturo

no domínio da arte. Informado

sobre Maggie, Lear e Cordelia, você

saberia

lidar

com eles,

mas talvez

não

soubesse ao

deparar se diretamente

com

cada

um

deles no romance ou

na

peça. Talvez não seja capaz

de reconhecê-los pelo que são ao encontrá-los exclusiva

mente através dos meios formais , artísticos. aos quais eles

devem

sua

singular e

original

existência. A encenação e a

prosa

de )ames podem impressioná-lo, assim como a ence

nação e o verso de Shakespeare. P

ara

perceber e identificar

Maggie ou Lear em

primeira

mão é

necessário

uma certa

quantidade de gosto além de

sua

sabedoria do gosto que

revela a arte. Logicamente , o gosto

surge

primeiro; a sabe

doria

o

informa

e o amplia.

O fato de que a recíproca não é verdadeira que o gosto

não amplia

nem informa

a sabedoria - não contradiz o que

acabo de dizer. Porém, ainda é preciso

mostrar

que alguém

já aprendeu alguma coisa a respeito de algo que não seja a

arte

a partir da

arte enquanto arte

, da experiência estética

enquanto

experiência estética. De modo inconstante,

DecLí-

nio e queda

do

Império Romano,

de Gibbon, é uma grande

obra

de

arte

que

também

oferece

um grande número

de

informações relevantes. Mas a vivência de Dedínio

e queda

como

arte não abrange

a

recepção

da informação como

informação. Podemos

sair da leitura

do

livro

de Gibbon

sem dominar nenhuma

de

suas

informações como conhe-

91

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cimento e, mesmo assim, tendo - e sabendo que tivemos -

uma grande experiência estética. É assim que as coisas se

passam com a experiência estética: tudo o que precisamos

fazer é passar

por

ela e nada mais; ela existe apenas

para

que a tenhamos, e não para que tiremos proveito dela a não

ser pelo interesse de aperfeiçoar nosso gosto).

Repetindo: o estético ou artístico é um valor último, in

trínseco, um valor-fim, que não conduz a nada para além

de

si mesmo. Ao desfrutarmos

do

conhecimento tomado ape

nas em si próprio, nós talvez o vivenciemos esteticamente.

O mesmo se passa com a sabedoria. Con hecimento e sabedo

ria podem convergir par a o estético, podemestar a seu ser

viço, porém o estético

:

tal como o ético ou moral - a nada

pode servir senão a si próprio.

E

por essa razão, alguns fi-

lósofos sustentaram que, no fim das contas, o moral deveria

ser assimilado

ao

estético, ou seja, que qualquer coisa que

seja estimada e louvada apenas por si

própria

- até mesmo

as pessoas que amamos de forma genuína - é vivenciada

esteticamente.)

9

PODE O GOSTO S R OBJETIVO

A palavra gosto gusto, em italiano e também em espa

nhol) ingressou nas discussões sobre arte no século XVII.

No século

xvm

passou a

ser

o termo consagrado

para

a

faculdade do juízo estético. É como se o termo, ao isolar

essa faculdade, t ambém isolasse e focalizasse a maior

parte dos problemas associados a ela: problemas que. no

que toca

ao

entendimento, er am fundamentais na expe

riência com a arte.

Empreguei no plural a palavra problema ; talvez de-

vesse empregá-la no singular. Pois os problemas essenciais

envolvidos na vivência da

arte

são problemas  de gosto.

E,

no entanto, os problemas do gosto parecem ao fim resu

mir-se a um só: a saber, se os veredictos do gosto são subjeti

vos ou objetivos. Este é o prob lema que obcecou Kant em sua

Crític a da faculdade o juízo,

e,

pelo que sei, ele o formulou

como ninguém fizera até então .

Ele

admite sua importân

cia, retorna ao problema repetidas vezes

e,

ao expor suas

93

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dificuldades, novamente as enfren ta, do

meu

ponto de vista,

como

ninguém

ainda fizera.

Ele não resolve satisfator iamente o problema. Postula

uma

solução sem prová-la, sem aduzir algo que a comprove.

Deduz sua solução com base nos princíp ios de sua psicolo

gia transcendental , e trata-se de

uma

dedução formidável;

porém, ela não faz realmente avançar o

argumento

de que

os

veredictos do gosto podem, e devem,

ser

objetivos. Kant

acreditava

na

objetividade do gosto como

um

princípio

ou

um

potencial e

postulou sua

crença segundo algo que de

finiu como um

sensus communis

uma noção ou faculdade

exercida

na experiência

estética de maneira

semelhante

por

todos

os

seres humanos. O que ele não pôde

indicar

foi

o modo como essa faculdade univer sal

poderia

ser invocada

para

pôr fim a desacordos de gosto. E são esses desacord os

que

tornam

tão difícil que se sustente

uma

objetividade do

gosto potencial ou baseada em princípios.

O fracasso de Kant

nessa

direção - bem como seu su

cesso em esclarecer que os juízos estéticos não

podem ser

demonstrados

nem

provados- talvez seja em gran de

parte

responsável pelo

aparente

abandono generalizado do pro

blema

do

gosto ou

do

juízo estético,

durante

certo período,

por parte

dos filósofos da

arte

que o sucederam. As última s

duzentas,

entre

as seiscentas páginas da louvável

A History

o

Aesthetics

de Gilbert e Kuhn, trazem somente três breves

94

menções à

palavra

gosto e nenhuma sequer a juízo esté

tico . Creio,

no entanto

que a exaltação

romântica

da

arte

tenha aqui uma responsabilidade

ainda

maior. Passou a ser

considerado

impróprio

o fato, ou

ao

menos o

seu

aberto re

conhecimento, de que a arte pudesse ser e estivesse sujeita

ao

juízo estético e à valoração. E

ainda é

em

certa

medida.

A-própria

palavra

gosto

adquiriu

conotações prosaicas e

pejorativas, e ficou cada vez mais

comprometida pela

asso

ciação com boas maneiras,

vestuário

e mobília. Tornou-se

uma

noção demasiadamente

mundana

para que fosse vin

culada

a algo tão espiritual e exaltado como a concepção

romântica

da arte.

Não que o gosto não fosse, o u não seja ainda,

parte

essen

cial

da

avaliação da

arte

e também

da

criação, como sempre

foi. Não que algum

termo

o

tenha

substituído

satisfatoria

mente. Não que as questões de gosto não tomassem

ou

não

tomem parte

mais ainda que no passado, do diálogo infor

mal a respeito da

arte

e das artes; ou que as asserções deri

vadas das operações

do

gosto, ainda que indiretamente, não

tivessem, e não tenham, sur gido

por toda

parte

no

discurso

formal e

na

escrita a respeito da arte. E não que boa parte

desse discur so e dessa escrita fossem possíveis, de fato, sem

a pressupo sição de veredictos de gosto. Ainda assim, a relu

tância em discutir no vamente a questão do gosto de

forma

aberta, o escrúpulo

para

abordá-la, persiste.

95

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Como já disse, a alteração

romântica

da

atitude perante

a

arte

se

encontra

no

centro

de boa parte de

tudo

isso. Mas

retorno a Kant. Após

sua

época, a questão da o bjetividade

do gosto, do juízo estético,

passou

a

ser

considerada mais

insolúvel do que nunca, com

ou sem posturas românticas

perante

a arte. Parece existir, cada vez menos, um modo de

pôr fim a desacordo s de juízo ou apreciação. Nenhum dos fi-

lósofos que se

remeteram

à estética após Kant se

dispunha

a

admitir

que o gosto

era uma

questão subjetiva, mas

nenhum

deles se

dispunha

a

mostrar

que

não

era. Pelo que sei, eles

evitaram

a questão ou

apenas fingiram

abordá-la.

Alguns

tiveram

a coragem de desqualificá-la explicitamente. Grant

Allen, um investigador da estética do final do século XIX, e

que não

está entre

os menores,

sustentava

que, do ponto de

vista

científico,

era

uma

vantagem

não

ter

fortes

preferên

cias

na arte

(algumas das razões q ue

apresentou

talvez não

fossem erradas) . Porém, até mesmoCroce- o filósofo da esté

tica em que mais coisas pude

encontrar

desde Kant-

recorre

a algo que tomo

por um

discurso ambíguo quanto

à

objetivi

dade do gosto. Santayana simplesmente se esquiva da ques

tão e Susanne Langer ap enas a tangencia, se chega a tanto.

Harold Osborne não se esquiva dela

nem

a tangencia, mas,

de

qualquer

modo, não consegue abordá-la frontalmente.

A questão

continua

a ser silenciada, evitada ou

apenas

tangenciada.

Não

diria que

o

malogro em lidar

de

forma

9

conclusiva como

problema

do gosto e de

sua

objetividade

seja exclusivamente, ou

em

grande parte, responsável

por

alguns

entre

os

traços

mais notáveis da

arte recente

e das

recentes discussões sobre a arte.

No

entanto, considero-o

parcialmente

responsável- ao menos a distância; a exclu

são da questão como

um

todo

torna

certas coisas mais per

mi.tidas

do

que seriam de outra maneira. Há

artistas

que,

hoje,

rejeitam

com

desenvoltura

o gosto, consid erando-o

irrelevante; e

críticos

de

arte

que afirmam em alto e

bom

som que juízos de valor estão aquém deles

próprios

vis

tos como

tarefa apropriada

a resenhistas , e não a críticos.

Isso

certamente

é tido como assentado, agora que os críti

cos de arte

-bem

como os críticos de literatura- podem se

sustentar

de

forma mais respeitável sem serem obrigados

a

apontar ou

a

ter

a capacidade de apontar, a

diferença

entre

o

bom

e o

ruim.

Ao mesmo tempo,

palavras

como

connoisseur e connoisseurship

passaram

a

soar

como

antiquadas e até mesmo pejorativas. Acrescente-se a isso

a quest ão do elitismo , isto

é

o

argumento

de que o gosto

não

deveria mais ser determinante uma

vez que a

arte

exaltada

por

ele pouco diz respe ito à vida tal como é vivida

pelo homem comum: Em

outros

tempos, apenas

os

filisteus

faziam afirmações como essa, mas agora elas são feitas

por

pessoas, artistas inclusive, que de resto

não

falam

nem

agem como filisteus.

97

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E,

no entanto, o gosto continua a s er decisivo, talvez de

maneira mais óbvia

do

que nunca

ao

menos no Ocidente) -

isto

é,

se observarmos o que verdadeiramente ocorre com

a arte, para a arte e na arte e concedermos menor atenção

àquilo que se proclama a respeito de personagens da moda

em situações da moda. A art e que costumava ser valorizada

por toda sorte de razões não estéticas religiosas, políticas,

nacionais, morais) perdeu quase inteiramente a influência

entre o público culto ou, então, seu significado não estético

ficou cada vez mais desacreditado e m favor de seu puro va

lor estético, qualquer que fosse ele. Fosse o valor de Fra An

gélico ou de MaxfieldParrish.)

E,

àmedida que isso acontece,

as diferenças de gosto se dissipam umas nas outras ; os acor

dos passam a ser mais importantes e patentes que os desa

cordos. Na verdade, isso é o que vem ocorrendo h á um bom

tempo, de um forma ou de outra. Tanto quanto nos é dado

observardo passado, o acordo vem super ando o desacordo.

A resolução do problema da objetividade do gosto salta aos

nossos olhos. Está registrado n história, bem como em to

das as suposições implícitas que têm guiado a feitura e a ex-

periência da arte desde tempos imemoriais.

Com

efeito, a objetividade do gosto está incontestavel

mente provada pela presen ça de um consenso e por inter

médio dele

no

decorrer

do tempo

Esse consenso evidencia

a si mesmo nos juízos de valor estético que perdur m sob

98

o eternamente renovado teste da experiência. Determina

das obras se destacam em seu tempo ou na posteridade por

sua excelência, e mantê m su primazia, isto é, continuam a

impor-se aos que entre nós observam, ouvem ou leem com

a profundidade exigida em tempos posteriores. E p r essa

durabilidade - a durabilidade que cria um consenso - não

explicação a não ser o fato de que o gosto é, em última

análise, objetivo. Ou, então, o melhor gosto; aquele que se

faz reconhecer pela durabilidade de seus veredictos; e nessa

durabilidade reside a pro va de su objetividade. Aqui, meu

raciocínio não é mais circ ular do que a própri experiência.)

Resulta que as pessoas que observam, ouvem ou leem com

a profundidade exigida passam a concordar amplamente

acerca da arte no passar do tempo, e não apenas no interior

de determinada tradição cultural, mas também cruzando

fronteiras entre diferentes tradições culturais conforme

nos ensina a experiência dos últimos três séculos).

O consenso do gosto afirma e re firm a si mesmo pe

las sólidas reputações de Homero e Dante, Balzac e Tolstói,

Shakespeare e Goethe, Leonardo e Ticiano, Rembrandt e

Cézanne, Donatello e Maillol, Pale strin a e Bach, Mozart e

Beethoven e Schubert. Cada nova geração considera que as

anteriores estavam corretas ao exaltar certos criadores - e

o fazem com base em su própri experiência, em seu pró

prio exercício do gosto. Nós do Ocidente também julgamos

99

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que

os

antigos egípcios estavam certos acerca da es cultura

do

Antigo Império, e os chineses sobre a art e T ang, os in

dianos sobre os bronzes Chola, e os japoneses quanto

à

es-

cultura Heian. No tocante a esses conjuntos de arte, o gosto

praticado o gosto das pessoas suficientemente atentas, su

ficientemente concentradas, ou que se dedicam o máximo

possível à arte -, esse gosto fala como que em uníssono.

E de que

outra

forma se ria possível explicar a unanimidade

senão pela objetividade máxima do gosto?

o registro, a

história

do gosto, que confirma sua obje

tividade, e é essa objetividad e que, por sua vez, explica sua

história. Essa última i nclui erros, distorções, lapsos, omis

sões, mas também sua cor reção e seu reparo . O gosto segue

cometendo erros e também, segue corrigindo-os, tant o an

tes como agora - talvez agora mais do que nunca. Em meio

a tudo isso,um consenso fundamental persiste, formando e

reformando a si

mesmo

e germinando. Os desacordos apa

recem sobretudo nas bor das e margens do consenso e ge

ralmente, dizem respeito à arte contemporânea ou recente.

O empo nivela esses desacordos, sucessivamente. No fundo,

certos desacordos persistirão, mas somente quanto

à

clas

sificação: qual o melhor pintor, Ticiano ou Michelangelo?

Qual o melhor compositor, Mozart ou Beethoven?

Desacordos dessa espécie pressupõe m um acordo fun

damental acerca dos nomes envolvidos - o de que eles estão

100

entre os maiores. O caráter implícito desse acordo funda

menta l é sempre reforçado. Uma pessoa pode julgar Rafael

muito desigual ou Velázquez muito frio, mas

se

não puder

ver como eles são indiscutiv elmente bons quando são bons,

essa pessoa se desquali:fica como juiz da pintura.

Em

outras

palavras, há testes objetivos de gosto; no entanto, eles são

intrinsecamenteempíricos e não podem ser aplicados com

o auxílio de regras nem de princípios.

o melhor gosto que, conforme já indiquei, forma o

consenso do gosto. O melhor gosto se desenvolve sob a

pressão da melhor arte

e

é

o gosto que melhor se sujeita

a essa pressão. E a melhor arte,

por

sua vez, emerge sob a

pressão do melhor gosto. O melhor gosto e a melhor art e

são indissolúveis.

Bem

como podemos identificar em nosso

próprio tempo

os

portadores do melhor gosto? Isso não é

absolutamente necessário. No passado, o melhor gosto po-

deria estar disseminado por toda uma classe social ou por

toda uma tribo. Em tempos mais r ecentes, ele pode ou não

ter permanecido nas mãos de

um

círculo restrito - como

os

cognoscenti que se encontravam dentro e

ao

redor

do

Vati-

cano, no início do século XIV ou os círculos frequentados

por Baudelaire, em meados do século

XIX. No

entanto, seria

incorreto querer, no conjunto, vincular o melhor gosto de

determinado período a indivíduos isolados. Eu diri a queele

funciona mais como uma atmosfera, que circula e se faz sen-

101

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tir pelas vias sutis e impenetráveis

próprias

a

uma

atmos

fera.

Ao

menos, é o que parece ocorrer,

na

falta de

uma

in

vestigação mais pormeno rizada. O que mais se sabe ao certo

é que o melhor gosto, o gosto cultivado, não é algo ao alcance

das pessoas comuns e despossuídas nem de pessoas sem um

mínimo confortável de ociosidade. Isso vale de modo geral

para os

mais altos

frutos

da civilização, e não al tera a natu

reza de tais frutos,

por

mais que se possa deplo rar seu custo

humano ou por

mais que se reconheça

claramente

que a

arte e a

cultura

não são valores supremos.)

De qualquer maneira, conhecemos suficientemente bem

o melhor gosto

por

seus efeitos, possamos ou não identificar

quem o pratica.

E, por

interméd io desses efeitos, o consenso

faz de si mesmo

um

fato, e da objetividade

do

gosto,

um fato-

um

fato durado uro. A presen ça desse fato é o elemento

prin-

cipal, e não tan to

os

nomes dos indivíduos que,

na

condição

de expoentes

do

melhor gosto, continuam a

criar

o fato.

Os

filósofos da

arte

devem

ter

tomado consciência, desde

o

primeiro

instante, de algo semelhante a um consenso do

gosto, ainda que obscuramente. Pergunto-me

por

que não

se apegaram a isso com maior firm eza e não o levaram mais

em consideração, com suas implicações.

Se

tivessem feito

isso não teriam,

penso

eu,

outra alternativa

senão excluir

de

uma

vez

por

todas a possibilidad e de que o gosto em

sua

essência seja subi etivo. Como se a

permanência

de Homero,

102

Ticiano

ou

Bach pudesse

ser

o

resultado

do que

teria

sido

a convergência acidental de

uma

profusão de experiências

estritamente privadas e solipsistas.)

O caso de Kant,

segundo

creio, fornece a

melhor pista

quanto à razão

para

que o consenso do gosto não

tenha

sido

examinado com a devida seriedade; era apenas uma ques-

•tão

de registro, tão somente

um produto

histórico.

Fundar

a objetividade do gosto

em

um produto como esse

seria

proceder

de forma demasiadamente

empírica

e,

portanto

muito pouco filosófica. Conclusões filosóficas deveriam, su

postamente, impor-se antes de toda e qualquer experiência;

deveriam ser alcançadas

por

meio de raciocínios isolados,

deduzidas com base em premissas dadas

priori

Essa não

é a minha concepção pessoal

da

filosofia,

nem

mesmo a con

cepção de diversos filósofos, inclusive Hum

e,

antecessor de

Kant. Porém, ao que me parece, é

uma

concepção que con

taminou

as investigações

sobre

estética até mesmo entre

filósofos empiristas. Também eles se inclinaram a começar

do interior da

mente

para tentar edificar a estética com

base

em

princípios

psicológicos ou

mentais

elementares.

Para

Kant, era

perfeitamente

razoável

postular um sensus

communis

com base

na

experiência, ou seja, empiricamente.

E,

quem sabe, a psicologia

experimental

não possa confir

mar ainda seu postulado com

alguma

precisão científica,

num futuro

distante?) Porém,

suas

deduções baseadas

no

1 3

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postulado não fizeram

progredir

muito seu argumento; o

que elas mais revelaram foi que desejamos concordar em

nossos juízos estéticos e que talvez tenhamos razões para

tanto. Ele poderia ter restringido seu argumento ao tempo

presente

- e ainda a um breve futuro - e contentar-se em

indicar o registro o registro empírico com o consenso do

gosto que esse revelava. E poderia ainda

ter

apontado para

a forma como esse consenso do gosto mostrou que boa parte

das importantes disputas do gosto foi encerrada a longo e a

curt o prazo. Mas ne sse caso ele teria de reconhecer acre

dito que ela foi encerrada pen s por intermé dio da expe

riência - tanto quanto se pode dizer. E com essa admissão

de que apenas a experiência demonstra e afiança a objetivi

dade do gosto - ele

teria

de deixar de lado a questão.

Sei que coloco minha cabeça a prêmio

quando

ouso

afirmar que enxerguei algo melhor do que Kant - que en

tre as tant as coisas que fez foi quem mais se aproximou da

descrição daquilo que se passa

na

mente quando se está em

contato com a arte mais do que qualquer outro que tenha

surgido antes ou depois dele. Para justificar minha ousadia

posso recorrer somente àquilo que quase dois séculos de

arte desde sua época puderam esclarecer e ampliar.

Mais

perto

de nossa época os psicólogos valendo-se de

métodos experimentais tentaram descobrir constantes na

avaliação estética que presumivelmente os capa citariam a

104

predize r se não a descrever 

as

operações do gosto. Algu

mas tendências da percepção ou do reflexo estético foram

comprovadas. Descobriu-se que a maior ia das pessoas na

maior

parte

dos agrupamentos culturais prefere o azul a

outras cores; e que determin adas relações entre sons ten

dem ao menos no Ocidente a ser preferidas pela maioria

·das pessoas e assimpor diante. Mas até o momento não foi

comprovado algo que indiqu e efetivamente qual o funciona

mento

do

gosto praticado ou que diga algo realmente útil a

respeito da objetividade do gosto.

Enquanto isso pergunto-me novamente por que o con

senso do gosto com tud o o que diz sobre sua objetividade

permanece tão ignorado nas controvérsias em torno das

questões estéticas das quais se tem notícia e que se deram

fora do ter reno da filosofia formal. Todas as suposições que

nos chegaram formam

uma

espécie de panteão. Ali estão os

mestres e estão ali em

virtude

daquilo que deve necessaria

mente ser um consenso do gosto e nada mais. A constatação

desse consenso deveria aflorar à consciência de qualquer

um

que se interessasse seriamente por arte música litera

tura dança ou arquitetura.

No

entanto ele

de

algum modo

persiste sem registro ao mesmo tempo que permanece im-

plícito e necessário. Não se mencio na todo o tempo em que

se procedeu com base nele nem que a atividade no interi or

e ao redor da arte tal como a conhecemos seria impensável

1 5

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sem a

presença

do consenso. Quando digo sem registro ,

quero

com isso dizer: sem que fosse levado à

plena

cons

ciência ou fosse invocado como

um

dado a partir do qual se

pudesse construir

um

argumento. E desse modo, a validade

comum e objetiva dos juízos estéticos

continua

a

ser

ques

tionada, e não apenas como um fato demonstrável, mas até

mesmo como

uma

possibilidade.

A

arte

pode sobreviver sem o gosto - ouço vozes que re

montam a

1913

dizendo isso. O que elas afirmam, sem saber,

é que a

arte

pode sobreviver sem a arte,

ou

seja, que a

arte

pode sobreviver sem oferecer as satisfações que somente ela

oferece. Esse é o verdadeiro significado da

arte

sem o gosto.

Bem, se

as

satisfações exclusivas

à arte

são dispensáveis,

por

que então incomodar-se com ela? Poderíamo s

tratar

de

alguma

outra

coisa. (Afinal de contas, existem coisas mais

valiosas do que a

ar te, como eu mesmo costumo destacar.)

Mas,

no

momento, falamos sobre a arte.

106

O F TOR

SURPRES

A

experiência

estética depende, de modo crucial,

da

inte

r ação envolvendo expe ctativa e satisfação (ou insatisfação).

A

experiência

estética

possui

uma natureza

inteiramente

própria

Não tem nada a

ver

com o desejo

nem

com o medo,

com

querer

ou não querer. (Por

lidar

excessivamente com

a realização de desejos, a fantasia oferece

pouca

experiên

cia estética genuína.) A expectativa estética é não prática ,

desinteressada,

por

ser criada somente

no interior

da expe

riência

estética e

por nada

que lh seja exterior. Podemos

nos aproximar da

arte

com a expectativa, o desejo, o anseio

pela experiência estética, mas isso não está intrinsecamente

associado à experiência estética

propriamente

dita; vem de

algo exterior. Essa espécie de expectativa

propriamente es-

tética

pode

ser

instigada pela exp eriênci a estética em si e

por

si mesma, pela obra de

arte

em si e

por

si mesma.

Evidentemente, é muito mais simples

atestar

a interação

da expectativa e da satisfação (ou insatisfação) nas artes que

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