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Abr / 2009 1 de 40 Os Fundadores e seus Cultos labeca MALKIN, I. 1987. Founders and their cults. In: Religion and Colonization in Ancient Greece. Studies in Greek and Roman Religion, Vol. 3. Leiden, Brill Archive: 204-240. [tradução: Cibele E. V. Aldrovandi; revisão de Maria B. B. Florenzano; Labeca] Capítulo VI Neste capítulo, discutimos figuras históricas individuais que receberam um culto de fundador, seja como um fundador verdadeiro ou como o destinatário de uma honra excepcional, modelada a partir de um culto genuíno ao oikista. Em geral, não discutimos cultos de heróis fictícios, mitológicos ou epônimos. Esses cultos não ajudam a esclarecer os eventos históricos verdadeiros, embora eles possam auxiliar na compreensão das práticas religiosas tradicionais geralmente aceitas. Além do mais, a evidência que possuímos sobre esses cultos geralmente não vai muito além de uma mera menção sobre sua existência; a descrição de seus detalhes religiosos, quando disponível, pouco acrescenta. Indicamos ao leitor a obra de Farnell (1921: cap. XI-XII) e de Lampro (1873: 8-34). Esse último, em particular, algumas vezes exemplifica o perigo de se confundir fundadores históricos e fictícios. Além disso, geralmente não há indicação do quão antigos esses cultos de heróis epônimos devem ser datados. Suspeitamos que, na maioria, sejam tardios. Ábdera serve como um exemplo excelente: nós sabemos que os colonos de Teos estabeleceram um culto ao antigo oikista histórico de Clazomenes, Timésias. Mais tarde, entretanto, o culto do epônimo Abderos provavelmente obscureceu aquele do fundador histórico. Acreditamos que algo semelhante aconteceu em Tarento (ver as seções referentes). O capítulo está organizado de acordo com os fundadores específicos das cidades. A parte sobre Bato, no entanto, nos leva a dois tópicos adicionais: (1) a tumba do oikista servia de um oráculo para o colono? (2) que evidência arqueológica está disponível sobre as tumbas dos oikista em geral e de Bato em particular? Bato e Cirene Provavelmente, a menção histórica explícita mais antiga de um oikista sepultado na ágora é a de Bato I, o fundador de Cirene. Os poucos versos em Píndaro, que já mencionamos em relação aos deveres religiosos do oikista e a construção dos precintos, também são importantes para o seu culto [Píticas, V, 93ss.]:

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MALKIN, I. 1987. Founders and their cults. In: Religion and Colonization in Ancient Greece. Studies in Greek and Roman Religion, Vol. 3. Leiden, Brill Archive: 204-240.

[tradução: Cibele E. V. Aldrovandi; revisão de Maria B. B. Florenzano; Labeca]

Capítulo VI

Neste capítulo, discutimos figuras históricas individuais que receberamumcultodefundador,sejacomoumfundadorverdadeirooucomoodestinatáriodeumahonraexcepcional,modeladaapartirdeumcultogenuínoaooikista.Emgeral,nãodiscutimoscultosdeheróisfictícios,mitológicosouepônimos.Essescultosnãoajudamaesclareceroseventoshistóricosverdadeiros,emboraelespossamauxiliarnacompreensãodaspráticasreligiosastradicionaisgeralmenteaceitas.Alémdomais,aevidênciaquepossuímossobreessescultosgeralmentenãovaimuitoalémdeumameramençãosobresuaexistência;adescriçãodeseusdetalhes religiosos, quandodisponível, poucoacrescenta. IndicamosaoleitoraobradeFarnell(1921:cap.XI-XII)edeLampro(1873:8-34).Esseúltimo,emparticular,algumasvezesexemplificaoperigodeseconfundir fundadoreshistóricosefictícios.Alémdisso,geralmentenãoháindicaçãodoquãoantigosesses cultos de heróis epônimos devem ser datados. Suspeitamos que, namaioria,sejamtardios.Ábderaservecomoumexemploexcelente:nóssabemosqueoscolonosdeTeosestabeleceramumcultoaoantigooikistahistóricodeClazomenes, Timésias. Mais tarde, entretanto, o culto do epônimo Abderosprovavelmenteobscureceuaqueledofundadorhistórico.AcreditamosquealgosemelhanteaconteceuemTarento(verasseçõesreferentes). O capítulo está organizado de acordo com os fundadores específicosdascidades.ApartesobreBato,noentanto,noslevaadoistópicosadicionais:(1)a tumbadooikistaserviadeumoráculoparaocolono?(2)queevidênciaarqueológicaestádisponívelsobreastumbasdosoikistaemgeraledeBatoemparticular?

BatoeCirene

Provavelmente, amenção histórica explícitamais antiga de umoikistasepultadonaágoraéadeBatoI,ofundadordeCirene.OspoucosversosemPíndaro,quejámencionamosemrelaçãoaosdeveresreligiososdooikistaeaconstruçãodosprecintos,tambémsãoimportantesparaoseuculto[Píticas,V,93ss.]:

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...entãoagora,emmorte,elerepousadistante,napartefinaldaágora.Abençoadofoiele,enquantoesteveentreoshomense,porconseguinte,umheróiadoradopelopovo;edistante,antesdashabitações,estãoosoutrosreissagradoscujodestinoestánoHades.

A localização da tumba é mencionada na “parte final” da ágora,provavelmenteemumadesuasentradas.1Comoveremos,issoservecomoumdosargumentosmaisfortesparaaidentificaçãodatumba(abaixo).Ocultoédescritocomoodeumherói,eéumcultocontinuado(ἔπειτα).OcomentáriodeAristófanes[Plut.925]servecomoumacorroboração:“oscirenaicoshonram-nocomooArquegueta”.2 Parece claro que Píndaro quer dizer que os outros reis de Cirene,descendentesdeBato,tambémestãoenterradosdentrodacidade,comoumahonraexcepcional.Issotambémestáimplícitonocomentário124f.(Drachmannp.188) “distintodosoutrosheróis” (δίκατῶνἄλλωνἡρώων)ecomentário126“separadodosoutrosreis”(διακεχωρισμένοςτῶνἀλλῶνβασιλέων).Noentanto,ocomentário129contradizisto:

(Pind.)Antesdasoutrashabitações.Quehabitações?OuaqueladoheróiBatoouasdosoutrosreis,ounovamente,antesdosportõesdacidade.EtambémnissoBatopareceserdiferentedosdemais(i.e.,reis),porqueenquantoeleestáenterradonoslimitesdaágora,osoutrosestãoenterradosnafrentedacidade.

Issoépossível,masnãoobrigatório.Asoutraspossibilidadesoferecidaspelo comentário na primeira linha sobre o significado de habitações dá àinterpretaçãoumcaráterliterário,aoinvésdefactual. LevantamosessaquestãoporquepodeserargumentadoqueCireneéumcasoexcepcionalentreascolôniasgregasdevidoàsuainstituiçãodamonarquia3

1 Cf.schol.124f.(Drachmannp.188);124g.eoutroscomentários(scholia)adloc.2 ...τιμῶντεςοὖναὔτονοἱΚγρηναῖοιὡςἀρχηγέτην.Sobreotítulo,arquegueta,veroCap.VII.3 Amonarquiaeraumaexceçãonascolônias.ParaAristophilidesemTarentoePollisemSiracusaverDrews(1983:36-40).ParasuavisãosobreabasiléiaemCirene:(1983:121-128).

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eporessarazãopodenãoserumexemplocaracterísticodeumcultoaooikista.Mas mesmo se aceitarmos que os outros reis de Cirene foram enterradosdentrodacidadee talvezaté tenhamrecebidohonrasheróicas(comoosreisespartanos)4,PíndarodeixaclaroqueelesnãoreceberamomesmotratamentoeseulugardeenterramentoeraseparadoeafastadodatumbaúnicadeBato.Poressarazão,nóspodemosestarsegurosqueCireneexemplificao tipodecultoaooikistaqueseesperariaencontrarnumacolôniagrega. Mais confirmação sobre a existência da tumba de Bato emCirene seencontranumaleisagradadestapólisquepodetambémindicarqueatumbadooikistaserviadeoráculo.Vamosexaminaressaleisagrada.

O oráculo no túmulo do oikista

Em 1927, S. Ferri publicou uma longa inscrição deCirene, datada dofinaldoséculoIVa.C.5Ainscrição,quecontémumavariedadedeleissagradas,afirmaqueasmesmassãomaisantigaseatribuisuasorigensaooráculode

Apolo:(linha1)[’A]πόλλωνἔχησε.Aslinhas21-25sãoextremamenterelevantesemmuitospontosque já foramdiscutidosepodematémesmo fornecerumadimensãoadicionalparaaposiçãoreligiosadooikistaapósasuamorte.Essapassagememparticular,noentanto,é“amaisdifícil”(Buck)enãoháacordoentreosacadêmicossobreasuainterpretação.Devidoàscontrovérsiaseporqueosproblemasenvolvidos estão interconectados, consideramosmelhor discuti-losjuntosaqui e teremmentequeestamospreocupadosapenascomquestõesrelacionadasaooikista.Otextoéoseguinte:

Oproblemaprincipaléa leitura,AKAMANTIΩN.Ferri lêas letrasα<ἴ>

4 VerRohde(1925:123n.46).Espartaeraacidade-mãedeTera,porsuavez,cidade-mãedeCirene.Vejatambémarespeitodaposiçãoespecialdosreis:Ésquilo.Choeph.322.5 Paraalistacompletadereferências,consultarF.Sokolowski,LSCG(1962:No.115).UmabibliografiadescritivapodeserconsultadaemServais(1960:113-116).Aquieulistoapenasoscomentáriosmaisimportantesquetratamdiretamentedaslinhas21-25:Ferri:1927:93ss);(1929:399-400);Wilamowitz(1927:159ss.);DeSanctis(1927:185ss.);Maas(1927:1951-1953);Vigliano (1928: 255ss.);Oliverio (1933: 7ss, esp. 49-55), com asmelhores fotografias; Latte(1928:42ss.);Radermacher(1927:182-188);Buck(1928:No.115,307ss.)

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καμαντίων efoiseguidoporWilamowitzedeSanctis.Apedraemsinãotem

espaçoparao<ι>,oquelevouP.Maasacolocaraquestão“’Aκαμαντίων vonHeiligtümernderAkamantes?”.Voglianooacompanhouimediatamenteeaceitouqueestamosaquidiantedeἡρῷα.Umanovaleitura,entretantofoirealizadaporG.Oliverio;ἅκαμαντίων.EssaleiturafoiseguidaporK.Latte,G.Luzzato,SEG, eC.D.Buck.6

Nós vamos discutir as implicações dessa leitura, AKAMANTIΩN maisadiante.Primeirovamosnosconcentrarnasleiturasmaisantigasumavezqueelaspodemacrescentarumaspectoreligiosoaooikista. Wilamovitzconsiderouμαντίωνcomoogenitivopluraldeμάντις“profeta”.Latte,entretanto,construiuumcasodetalhadoeconvincenteparaμαντεῖον=μάντιονeissofoiseguidoporBuck,7quecomparausossimilaresnessainscrição.8 Nós citamos a sua tradução “(genitivo das questões ou pessoas envolvidas)como aos oráculos, a sanção9 (para consultá-los) pertence a todos, tanto ossagradosquantoosprofanos–excetoaquele(paraaqueles)dapessoadeBato,oFundador...”. Issofazsurgiraquestão:Bato,ofundador,temumoráculoemCirene?Seteve,otevecomofundador?Novamente,seeleteve,seriaesteumfundamentoparaageneralizaçãosobrecultossemelhantesparaoutrosoikistas,partedoὡςνόμοςοἰκιστῇ? EmboranãohajaevidênciaquecorroboreumoráculodeBato,sealeitura,ἄκαμαντίων,foraceita,nãohárazãoparanãoacreditarnisso.EnósdevemosaceitarBato,oArquegueta,comoumafonteoracularparaCirene.Seucasoéúnico?Aquestãonão foi levantadaatéagoraporninguémque tenha tratadoda inscrição, embora isso sejamuito relevante. Nós não conhecemos outrosoikistas“históricos”quetambémtenhamsidofontesdeoráculo.Noentanto,nósconhecemosdoisoráculosdeoikistasmíticos:aquelesdeMopsosemMalloseAutolykos emSinope: (Pausânias:) ἐνΜαλλῶνμαντεῖον ἀψευδέστατον τῶνἐπ᾽ἐμοῦ.10 Seria arriscado afirmar que esse oráculo, queMopsos dividia comAmphilochos em Mallos, fora atribuído a ele como fundador.11 Em razão deMopsosserumpersonagemmíticoas tradiçõessobreele (e sobreumoutroMopsos)eramvariadaseconfusas.Suasprincipaiscaracterísticaseramseus6 ἀκαμαντίωνseguidoporMaas,Vogliano,Herzog,Frankel,Sokolowski(verServaispararefs.).7 Paraleloaδουλίη-δουλέια,σφάγιου-σφαγεῖον,τελώνιον-τελωνεῖον.8 Ἱαρῶν,linha25,ἱκεσίων,linha110:Buck(1928:311).9 Sobreὁσία,veroestudodetalhadodeJeanmaire(1945:66-89);(1944:esp.143).10 Paus.[I.34.4.]11 SobreafundaçãodeMallosverEstrabão[XIV.675-676];cf.GGMIIp.371(Müller)=EustathiusNo.875.ParaoutrasreferênciasverREs.v.Mopsus(Kreuse)242.

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poderesproféticosedivinatórios.EletambémeraassociadoaooráculodeApoloem Klaros.Além disso, muitos lugares eram considerados suas fundações12, mas apenas Mallos ostentava um oráculo. Omanteion em Mallos é melhorinterpretadocomo tendoorigemapartirdeMopsosemseupapeldeprofeta,nãooikista.Entretanto,aindaépossívelquecomotempoessesdoisaspectostenhampassadoaserconsideradosum. Emcomparação,ooráculodeAutolykosemSinopeapresentaumcasomuitomaisclarodeoráculoatribuídoaumfundador.DeacordocomApolôniode Rodes,Autolykos foi primeiro associado a Sinope quando osArgonautaspegaram-no lá e aos seus irmãos.13 De acordo com Estrabão, entretanto,AutolykosprimeirofoiumargonautaquetomoupossedeSinopemaistarde.14 O textoéinstrutivo,poiselerelacionaacapturadeSinopeporLuculluseoroubodaestátuadeAutolykosporele:

Lucullus... levou embora ... a estátua de Autolykos (obra de Stheni), que elesconsideravamofundadordesuacidadeehonravamcomoaumdeus.EleéconsideradocomotendosidoumdosargonautasdeJasãoeadquiridodomíniodesselugar.Maistarde,aspessoasdeMileto,aoveremquãovantajosoeraesselugarequãofracoseramseushabitantes,tomaram-noeenviaramcolonosparalá.

ÉditoqueAutolykos,porisso,recebeuhonrasdivinas(nãoheróicas)eumμαντεῖον.Osmilésiosquechegaram“maistarde”,aparentementehonraramoheróimíticoassociadoao lugar, provavelmentedomodocomoRhesosemAnfípolis, Idmon em Heracleia e Timésias em Ábdera eram honrados como“antigos” fundadores ou heróis locais. Autolykos também pode ter ajudadooscolonosa justificarapossedosítiodeSinope.Qualquerquesejaocaso,Autolykosrecebiaumcultoativo,eumoráculoemseunomeesteveematividadeatéoséculoIa.C.15

EmboraMopsoseAutolykossejamfigurasmíticas(nosentidoqueelespertencem aos ciclos míticos), em termos de culto histórico seus oráculos

12 VerBarnett (1953);ver recentementesobreMopsuHéstiaeBetMopsuna inscriçãoKaratepe,Bron(1979:172-176),queacrescentaumadiscussãocompletasobreMopsos.13 Arg.II.955ff.;cf.Val.Flacc.V.115,emqueéditoqueosirmãosteriamchegadoemSino-Flacc.V.115,emqueéditoqueosirmãosteriamchegadoemSino-pedepoisdeumaempreitadaconjuntacomHéraclescontraasAmazonas.Cf.tambémApianoMithr.83.14 XII.546.15 Cf.Plut.Luc.23;Apianoloc.cit.

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funcionavam (aomenos emSinope) como oráculos fundadores. O μαντεῖονdeBato,então,nãoésemprecedenteoucontexto.Nósdevemostercuidado,entretanto,aoproporumaconclusãoexageradadequetodooikistapossuíaumoráculo.Primeiro,nãoháevidênciadisso.Segundo,oscasoscitadosacimasãotodosdealgumamaneiraexcepcionais.Ofatordistânciapodetersidoimportante:talvezdevidoaodistanciamentodascolônias(especialmenteSinopeeCirene),anecessidadedeumoráculopodetersidomaiornacolônia. Quetipodeoráculoeraesse?AvisãodeDeSanctis16,dequeestamospreocupados com νεκυομαντεία, geralmente foi sustentada por aqueles quelêemἄκαμαντίων.Essesoráculostinhamafunçãoespecíficadesecomunicarcomosmortosefrequentementeestavamlocalizadosemlugaresde“passagemdasalmas”;omaisfamosoéAornum,emThesprotis,queéassociadoaomitodeOrfeueEurídice.17Nanossavisão,aágoradeCirenenãopareceumlugarmuitoapropriadoparaesseculto.Aquestãodeveficaremaberto,emboratalvezocostumelíbiolocaldeconsultarastumbasancestraissobresonhosoracularespossaserrelevante.18

Que a localização do oráculo devesse ser a tumba doArquegueta éaceitoportodososacadêmicosqueseguemaleituradeμαντίων.AformulaçãodeChamouxaoapresentarocasoécaracterística(opróprioChamoux tendeàoutra leitura)19: “umapassagem... fezsuporqueumoráculoeraconsultadosobreatumbadoArquegueta”.NessecontextoareferênciadePíndaroàtumbadeBato (acima)assimcomoaconfirmaçãoarqueológicadePíndaro (abaixo)são frequentemente apresentadas.A associação do oráculo com a tumba éjustificadatantopelocultoheróicodedicadoaooikistaquantoporessainscrição:ἀπ᾽ἄλλοὅπηἄνθροποςἕκαμε(linha24);lit.(Buck)“dequalquerumonde uma pessoamorreu(grifonosso)”.Essainterpretaçãotambémapresentadificuldades,especialmenteaquelaqueLatteaborda20,asaber,apossibilidadequeestejamoslidando,porumlado,comatumbadeBato,TritopatoreseOnymastose,deoutro,com“casasdelamentação”.Essainterpretação,noentanto,seadaptamelhoràleituradeἀκαμαντίωνcomoumeufemismoparaomorto(“osincansáveis”,queeletambémsugere,masrejeitaemfavordeἄκαμαντίων)emvezdeleroráculos, umavezquenenhumoráculoépresupostoem“casasdelamentação”.Mesmoque(paraanteciparumpouco)aleituraἀκαμαντίωνouἈκαμαντίωνforaceitaetudooqueestásendotratadosejaarespeitodeumaregulamentaçãosobrea16 P.192.17 Paus.IX.30.6.VerBuckop. cit.Paraoutrasreferências.18 Hdt.IV.172.3.19 Chamoux(1953:286). 20 P.44

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purezaritualemrelaçãoamorto,a fortiorinósestamoslidandocomatumbadeBato.Seforisso,entretanto,ainscriçãonãopodeserutilizadanocontextodeoráculosmasapenascomoumaoutraconfirmaçãodePíndaro[Píticas,V,93](quetemvaloremsimesma)edasignificaçãoreligiosaqueatumbadeBatopossuía.21 Deacordocoma leituravariante–ακαμαντιων–osignificadogeraldapassagemestá relacionadoàpurezaeàcontaminaçãoduranteocontatodealguémcomomorto.Osignificadodaimplicaçãodainscriçãosobretumbasjáfoidiscutido.Eletemalgumoutroimpactosobreooikista?Oeufemismo,ἀκάμαντες“osincansáveis”,i.e.,“osmortos”,nãopareceteresseimpacto,Ἀκάμαντες,noentanto, como um nome heróico (a versãomais aceita) pode significar algo.NinguémestáabsolutamentecertosobrequemsãoosAkamantes. Já foi observado porP.Maas, emum calendário sagrado do início doséculo IVa.C.deMaratona22,que tantoosAkamantesquantoosTritopatoresaparecemjuntos(noSkirophórion;diantedaSkíraumaovelhaeraoferecidaacadaum),talvezemumcontextodefertilidadeefertilização.23NaÁticaexisteaomenosalgumapossibilidadequeosAkamantesestejamassociadosaAkamas,ofilhodeTeseu,quetambémtinhaumaphylé,Akamantes,nomeadaapartirdele.OsTritopatores,comoveremosabaixo,sãopredominantementeáticos.24 EmCireneencontramosumoutroAkamas,umdosfilhosdeAntenor,ofundadormíticodeCirene.Essefundadoreseusdescendentes,afirmaPíndaro25, eramhonradoscomsacrifíciosporBatoI.MasporqueosfilhosdeAntenoreosoutrosdescendentesdeveriamsercondensadosnafiguradeAkamas?26Alémdisso,Píndarousaotermo,Antenoridai;seafórmulacultualeraAkamantes,nósdeveríamosesperarpelaprópria,aoinvésdisso.2721 Nock (1944: 143) entende essa passagem como uma exceção, i.e., qualquer outratumbacomexceçãodas tumbasdeBato,oTritopatoreseOnymastos, transmitem impureza.Essecaráterexcepcionalpareceenfatizaroaspectopúblicodatumbacomoumlugaracessívelatodose,nessesentidotambém,éumaconfirmaçãodePíndaro.AlgumasdúvidasforamlevantadassobreoBatoemnossainscriçãoserooikistaBato;noen-tanto,elasnãoparecemválidas.MasestavaperturbadocomἄνθρωποςporqueBatofoiheroi-cizado;poressarazão,elepensouqueoBatoemnossainscriçãodeviaserofilhodeBatoI.Masissoéumequívoco:seufilhoeraArkesilas[Hdt.IV.159.1].Defato,ἄνθρωποςpermanecedifícildeexplicar;aideiadeBuck,que“ἄνθρωποςapontaocontrasteentreosoráculosdesereshumanosfalecidoseaquelesdosdeuses”parecemaisprovável(1928:311).AsideiasmaistardiasdeSilvioFerri(1929:399-400)sobreBatoserum“homemlíbio”esobre“oráculosmédicos”nosparecemtotalmenteinfundadas.Oarqueguetaéumarefutaçãosuficien-te.22 IGII2 1358linha32=Prott-Ziehen.LGSNo.26B32.23 Cook(1940:115).24 ParaAkamas,verRoscherLexicon(Bernhard)I.205-206.25 Píticas [V.83f].Vertambémpp.153-154.26 Cf.Vogliano(1928:180);Latte(1928:23);etc.27 SobreasoutrastradiçõesarespeitodeAkamantesverocomentáriodeJacobysobre

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labeca Nósdevemos,portanto,concluirqueaquelesqueseguemaleituracomoἡρῷατῶνἈκαμαντίωνdevemsecontentarsemumaexplicação(amenosqueocultosejaumaimportaçãoÁtica,umaideiaquenãofoimencionada;verabaixosobreosTritopatores);portanto,essainscriçãonãoérelevanteparaestabelecerosdeveresdooikistaemcuidardocultodosAkamantes. Onymastos, o délfico, é um mistério. De Sanctis propôs a criativaconjectura de que ele pode ter sido um sacerdote délfico que acompanhouBatoIparaajudarnasquestõesreligiosasdafundaçãodeCirene.28Assim,DeSanctisafirma,elepodesercomparadoaEumelos,queacompanhouArquiasparaCorinto.DeSanctiscertamenteestáenganadosobreEumelos;ele fazaobservaçãodepassageme,nospareceque,oqueele tinhaemmenteeramos ancestrais da família dos videntes, os Iamidai, que como vimos em umcomentário,sãoconhecidosporteracompanhadoArquiasatéSiracusa.29Masaideiaaindaéatraente,emboranãoexistaummeiodesubstanciá-la.AideiadeDeSanctis,porconseguinte,associaosoráculos(outumbas,heroa,etc.)comumatradiçãoreligiosa(oumesmoumculto)associadoaoeventodafundaçãodacidade. Finalmente,nosvoltamosaosTritopatoresquesão“unidos”porsintaxea Bato, em nosso texto.OsTritopatores30 são conhecidos em outros lugaresapenascomo(i.e.,origináriosda)Ática.E.Wüst,noartigonoRE,afirmaqueelessãoencontradosapenasnaÁtica,oqueéerrado,claro:elesaparecemtambémemDeloseemCirene.31AevidêncialiteráriadosTritopatoreséescassa,confusaetardia(algumasvezeséconfundidacomtritões);seusatributos“originais”sãosupostamenteaquelesdosancestrais,progenitoreseventos(vento=alma?).32 Onúmerotrêspodeindicarumapluralidadeindefinidaquernoseunúmeroouemrelaçãoaoseunúmerodegerações.33Umsantuáriodevotadoaeles,umTritopatreion, foi identificadoemAtenasentreaestradaparaEleusiseaRua

FGrHist386F6.28 Cf.Defradas(1972:255n.5).29 Ver p. 93-97. A passagem em Clemente de Alexandria [Str. I.144], Εὔμηλος δὲ ὁΚορίνθιος .... ἐπιβεβληκέναιἈρχία τῶΣυρακούσας κτίσαντι queDeSanctis pode ter tido emmente,éproblemática.ἐπιβάλλειν,nessesentido,devesignificar “seguir (cronologicamente)”;Eumelosnãoparecetersidoumcontemporâneo(Lyra GraecaI12-16(Edmonds);eleparecesereferiràprimeiraGuerraMessênia.Aquestãoéincerta.Qualquerquesejaocaso,Eumelosnãoaparececomoum“expertreligioso”emnenhumadenossasfontes(Edmondsibid.12).30 Kretschmer(1920:38-45esp.41).31 J.eL.Robert,REG68(1955)BENo.30195-196.32 Rohde (1925: ch.V comn.123).O estudo completo pode ser encontrado emCook(1940:112-146).Aevidêncialiteráriafoidiscutidaapartirdap.120.Tambémsetentouassociá-losafigurasmicênicasquepodemaparecernumtabletedePylos:Hemberg(1959:172-190).33 Cook(1940:124).

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dasTumbas.34Suaestruturaétriangularcommuitasinscriçõesidentificando-oe proclamando-o fora dos limites (ábaton): HOPOS:HIEPO/TPITOPATPEON/HABATON.35Sualocalizaçãoésignificativa:nasencruzilhadasenãomuitolongedaentradadacidade(verabaixo). Existe evidência epigráfica sobre os cultos privados dos Tritopatorespertencentesaumgenos(oufamília?).Recentemente,umoutrodesseshóroi foi encontrado emAtenas .36 Outra inscrição sobre um culto a um génos foi encontradaemDelos,dessavezaumTritopatornosingular.37OsPyrrhakidaitambémpodemseridentificadoscomoumgénosateniensequeéconhecidoapartirdosregistrosdélficosdasPythaïsatenienses.38AtradiçãodeDelossobreeleseraqueoseuarqueguetaviajoucomEurysichthondeAtenasparaDelos.39 OSantuáriodeDelostambémficavaemumaencruzilhada.FinalmentedevemoslembrardoCalendárioSagradodeMaratona,aoqualnosreferimosacima. Vamos nos voltar à questão da localização: emAtenas e emDelos, ocultoéencontradoemencruzilhadaseentradas.40EmCirene,sabemosqueatumbadeBatoestavalocalizadanasmargensdaágora,istoé,provavelmentena entrada (Pind.Píticas, V, 93). Isso pode ser comparado à localização doTheseionemAtenas“naentradadocentrocívico”.41

Por conseguinte, nós podemos compreender melhor o significadoreligiosoatribuídoaBatoeaoTritopatores:BatocomoumArqueguetatambémé concebido como um ancestral em termos de culto.OsTritopatores são osancestraismíticos e religiosos impessoais gerais que também são οἱ πρῶτοιἀρχηγέται.42SeucultopodetervindoaserassociadoaodeBato,tantodevidoàsemelhançadosignificadoeconteúdoreligioso(i.e.,oaspectoancestraldocultoaooikista),quantotambémdevidoàsimilaridadedesualocalizaçãofísica(nasentradas). Conclusões: (1) A inscrição serve como uma outra corroboração de Bato como34 Wycherley(1978:259comn.18);cf.Judeich(1931:410-411).35 Ohly(1965:327-328).36 B.D.Meritt,Hesperia30(1961)264No.80pl.50.37 Cook(1940:118)comilustração(fig.40)ereferências;Robertloc. cit. 38 Ditt.Syll.4No.711D30f;n.13(350-351).39 Cookop. cit.ParaEurysichthonemDelosverGalletdeSanterre(1958:186-188).EmDelos,então,ocultoéassociadoaomitofundador.40 Thompson(1966:46).UmadiscussãorecentequeincluiaquestãodaposiçãopodeserencontradaemC.Bérard(1970:60ss.;68)(quetentaincluiroherôonnaentradaoeste–séculoVIIa.C.–namesmacategoria).41 C.Bérard(1970:69),quesegueThompson;Wycherley(1978:64en.78).Alocalizaçãoprecisa,entretanto,édesconhecida.Cf.Thompson(1978).42 Anecd.Graec.Vol. I. 307 linha16.Paraumaposiçãosemelhantedeumherôon cf.Bousquet(1963:191-196).

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arquegueta. (2)A inscriçãoparece indicaraexistênciadeumoráculodooikistaemCirenequepodeser particularmente comparadoaooráculodeAutolykosemSinope.Noentanto,emrazãodosdoiscasosseremaltamenteexcepcionaisepeculiares,deduçõesgeraisdevemserfeitasdemodocauteloso. (3) É impossível decidir entre as duas maiores interpretações deAKAMANTIΩN;cadaumaéproblemática,emboraumaboaprobabilidadeexistaparacadaqual.Mesmoseooráculoforrejeitadoenósestivermoslidandocomacontaminaçãoresultantedocontatocomomorto,aindasomosdeixadoscomaimplicaçãosobreatumba.Ambasasinterpretações,portanto,confirmamatumbadeBato,independentementedePíndaro,provavelmentecomumareferênciaaoseucultocomoarqueguetanaágoradeCirene. (4)PorrejeitarmososargumentosdeMaaseSokolowski,ainscriçãonãopodeserusadaparaconfirmarposiçõesespeciaisdehonraaosdescendentesdooikista. (5)A função do oikista de definir cultos e oferecer honras aos deusese heróis, como no caso dos Antenoridai, não parece ser relevante para osAkamantes.Elapodeserimportante,entretanto,seOnymastosfoiumsacerdotedélfico que passou a regular as questões religiosas, uma vez que isso iriarepresentaropapeldeDelfosnafundaçãodeCirenecomomuitomaisativo. (6)AassociaçãocomosTritopatoresevidenciaoaspectodeancestralsugeridonotítulodearqueguetadooikistae,alémdisso,esclareceasmaneirascomoaposiçãoesimbolismoreligiosodooikistaerampercebidosnasuacolônia.

A evidência material dos túmulos de oikistas

AidentificaçãoarqueológicadatumbadeBatoemCirenefoigeralmenteaceitapelosacadêmicoscomoprovável.Antesdenosvoltarmosparaela,vamosprimeiramenteapontarquaisoutrasatribuiçõesdevestígiosfísicosdetumbasdeoikistahistóricospodemosexaminar. Lamis,ooikistadoscolonosmegarenses,morreuemTapsosnaterceiratentativadeseassentarantesqueoscolonosfinalmenteencontrassemumlugarpermanentenosítiodeMégaraHibleia.43UmúnicoenterramentodoséculoVIIIa.C.,queperturbouoregistroarqueológicodocemitériolocaldaIdadedoBronze,foiencontrado;eleémaisconhecidoporsuaassociaçãocomasThapsos cups (taçasdeTapsos),masalgunsacreditamqueesseenterramento “podemuito

43 Tuc.[VI.4.1].

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labecabemser”averdadeirasepulturadeLamis.44Ahipóteseéatraenteeprovávela priori;noentanto, issopermaneceumaconjectura.Tambémserianecessárioexplicar a existência de um segundo conjunto de ossos, que foi encontradonamesmasepultura.Parecenãohaver indício de culto no sítio.MesmoqueestejamoslidandocomatumbadoLamishistórico,nósnãopodemosutilizá-lacomoumaevidênciasignificativanocontextodocultooferecidoaooikista. Na própria Mégara Hibleia, os autores das escavações da sua ágorapropõem identificar o edificiod, na importante encruzilhadaA e C, como um herôon,particularmenteapartirdasevidênciaspresentesnaspequenascovasnaentradadoherôon,queelesconsideramcomparáveisàscovassemelhantesemCireneeTasos.45Comodissemos,seriamelhorterumagamamaisamplaparaacomparaçãocomoutrosheroamas,dadaanaturezadaevidência,aceitamosaidentificaçãopossível.Aáreaparecetersidoreservadacomosagradadesdeo iníciodacolôniae,oherôon,emsi, foiconstruídouns50anosmais tarde.Osautoresvãoalémesugerema identificaçãodesseherôoncomaqueledofundador(comasubstutuiçãodoLamis?).Sualocalizaçãoécertamenteatraente:naesquinaounaentradadaágora,assimcomoPíndarodescreveatumbadeBatoemCirene.46Maisumavez,tudooquepodemosfazeréaceitarissocomoumahipóteseprovisória,jáquenãoháumaevidênciaclaraqueassocieoedifíciocomofundadoroumesmoqueoidentifiquecomumcertograudesegurançacomo o herôon. EmPosidônia,umpoucoaosuldotemplodeAtena,umapequenacâmaradepedra,daqualsomenteotetoéobservadoacimadosoloenenhumaporta,foiencontradadentrodeumprecinto.Elatem,noseucentro,umaplataformaelevada ou banco com cinco espetos de ferro deitados sobre a mesma. Nocantofoiencontradoumvasoateniensedefigurasnegrase,aolongodasduasparedesmaislongas,jarrosdebronzerepletosdemelatéasbordas.Nenhumcorpofoiencontradonacâmara.Suadataéc.520-500a.C.47 A câmara foi identificada como o cenotáfio de um herói e, maisespecificamente,P.Zancani-Montuoropropôsateoriadequeestaéatumbadeumoikista;estenãoseriaooikistadePoseidôniamasIs,deHelike,quefoiofundadordeSíbaris.Supostamente,comadestruiçãodeSíbarisporCrotonaem510a.C.,algunssibaritasqueforamparaasuacolônia,Posidônia,estabeleceram

44 Boardman (1980:174); Coldstream (1977: 235); Dunbabin (1948:19); Vallet e Villard(1952:337).45 Vallet,Villard,Auberson(1976:209-211;412-413);verp.164-174.46 Pind.[Píticas.V.93].47 ParaumapublicaçãodetalhadarecentecomumaavaliaçãosensatadaevidênciaverKron(1971:117-148);cf.Boardman(1980:181);Bosi(1980:82)possuiumaboafotografia.

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aliumcultoaoseupróprioheróifundador.Umamudançanotipodecunhagem,quemostrainfluênciaaqueia,tambéméatribuídaaesseperíodoeécitadaparasustentaressateoria.48

Ahipótese,emboraousada,nãoéemsiimprovável.Amaiorobjeçãoéumgrafiteemumvasolocalencontradonomesmoprecinto,quedizτᾶςνύμφαςἐμιηια…;qualquerquesejaareconstituiçãodaúltimapalavra,49parececlaronessadedicatória50queé“simultâneaàconstruçãocompleta”51nãoéumadedicatóriaaumoikistacomoaquelaquevimosemGela.Aidentidadedasninfasestáabertaàcontestação,masissoéirrelevanteaqui.Oherôon precisadeumaexplicação,massuaidentificaçãocomoocenotáfiodeumfundadornospareceduvidosa.Elaénomáximoumaconjecturaqueevitaadificuldadedadatatardia(i.e.,issonãopodeserumcenotáfioparaofundadordePosidôniaemsi),aosuporumapráticasemparalelos.NaprópriaGela,comexceçãodadedicatória,Orlandinisugeriuuma identificaçãoprovisóriadeumherôonquepodeseroherôon de Antífemo.Aidentificação,noentanto,éincerta.52VamosagoraretornaraBato. Deve-sedeclarar,aprincípio,queaevidênciaencontradanaágoradeCirene é particularmente incompleta em razão da total destruição da cidadepelo fogonaépocadeTrajano.Oque foi identificadocomoa tumbadeBatopertence,naverdade,aoperíododeAdriano.Otrabalhoemrelaçãoàtumbaequecomeçouanteriormente,foiterminadoepublicadoporS.Stucchi.Oherôon deBato tambémrecebeu recentementeum tratamentosintéticodetalhadodeBüsingemsuamonografiasobreBato.53 Nósestamospreocupadoscomduasestruturasdiferentes:uma tumbaeumprecintonocantolestedaágora,aonorte.Emdireçãoaomar.Dentrodoprecinto,foiidentificadaumacasadeumcômodo“anteriora600a.C.”,bemcomoumacovasacrificialemfrenteàsuaentrada,umpoucoaleste(provavelmenteparanãobloqueá-la).Nelaforamencontradascinzasevestígiossacrificiais.Porvoltade600a.C.,oedifíciofoiampliadoeacovafoientãocolocadadentrodoedificio.Fragmentosde17vasosforamencontradosdentrodoedifício,novedosquaisdatamdoúltimoquartodoséculoVII,etodososdemaisnos100anosemtornodestadata.Essasdedicatórias(?)54devemserdatadas,portanto,dotempo48 Arch. Stor. Calabria23(1954)183ff.;cf.Kron,ibid.,126-128.49 Kron,ibid.,120,paraváriassugestões.50 Ibid.,parasuadefiniçãocomodedicatória.51 Ibid.,128.52 Orlandini(1968b:49).Vernossafigura10.Paraumoutrocasodedúvidacf.nossanota30,cap.V.53 Stucchi(1965:58-98esp.58-65),comreferênciasaobrasanteriores.Büsing(1978:51-79esp.66-79).54 Büsing(1978:68)postulaqueosvasosforamdepositadosnosolo.UmainscriçãoemumvasodeRhodeslêôphelei(Stucchi1965:46-48;pl.10.10;cf.Rev. de Phil.43(1970:239),

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deBato Iepoucodepoisdesuamorte(c.590a.C.).Porvoltade430a.C.oedifíciofoiampliadocomumanovaentradaaosul.Oedifíciofoiidentificadodemodovariadocomoumherôonouumtemplo. Osítiodatumbapropriamente,juntoaomuronortedoprecinto,contémfragmentoscerâmicosdec.600a.C.EleédescritoporStucchieBüsingcomoummontedeterraredondo,com6,20mdediâmetro,circundadoporblocosdepedra.Dentrodelefoiencontradoumaltarcomcinzasqueapesar55donivelamentoepreenchimentoduranteosséculosaindatinha40cm.deespessuranaépocadaescavação.Quandoascinzasforamremovidas,13pedrasirregularesforamencontradas, posicionadasem formaoval.56 Sobasmesmas, provavelmenteintocados, estavam vestígios e ossos queimados misturados à terra e nadamais.Umexamedotipodesololevouaconclusãoqueelenãoéencontradoemnenhumoutro lugar emCirene; isso levouBüsing a afirmar queBato naverdademorreraemoutrolugarequeseusrestosmortaisforamtransportadosmaistarde.Aenormequantidadedecinzasfoiexplicadacomooresultadodeumfuneralparticularmentelongoepúblico.57 No final do seculo V a.C., houve mudanças na ágora e seu nível foiartificialmenteelevado.Omontesobreatumbaentãonãoestavamaisvisível.Elefoideixadoaparentementeintocado,masumnovocenotáfiofoiconstruídopertodelecomumnovomontedeterra.Esse,porsuavez,penetravaoantigoprecinto que, também sofreu algumas mudanças. Dentro do novo monte foiencontradoumsarcófagodepedracom2,86mx1,14mx1,10m.58

NasegundametadedoseculoIVa.C.,aágorafoielevadamaisumavez,eumanovacoberturaparaocenotáfiofoiacrescida,assimcomonovasparedesao redorda tumba.A “tumbasagradadeBato”queCatulomenciona59, talvezainda se refiraà tumbanesseestágio.Apósagrandedestruiçãohouveumareconstruçãocompleta.Aposiçãoda tumbaécompatível comoquePíndarodizaesserespeito60enãohádúvidaqueBatotinhaumatumbanaágora.Suaidentificação, em particular a análise do altar de cinzas e dos ossos, pareceplausível.Deve-semanteracautela,entretanto:nenhumaevidênciadireta,comoquepodeserconsideradocomoumsubstantivo“aosOphelei”,“Ajudantes”.i.e.,umadedicatóriaa um daimon(ouherói?)benfazejo.Büsing(1978:70)preferelê-lacomoumverbocujosujeitoéApolo(portanto,oedifícioéoprimeirotemploaApolo).55 Büsing(1978:71).56 Verasfigurasa-bStucchi(1965:59).57 Büsingibid.58 NósnãoachamosacomparaçãodeBüsingcomocenotáfioemPosidôniadefensável.Ameradiferençadetamanho(cercadequatrovezesmaioremPosidônia)tornaqualqueranalogiapossívelsobreosconteúdosdocenotáfioemCirenesuspeita(Büsing1978:73).59 VII.6:Batti veteris sacrum sepulcrum.Cf.Stucchi(1965:65).60 Loc. cit.

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umainscrição,foiencontradaparaidentificá-la.Tambémédificilemescavaçõesarqueológicasacessarotamanhoevolumedosmontesdeterra,especialmentedevidoàs(pelomenosduas)elevaçõesdaágora. Nós devemos finalizar enfatizando que qualquer interpretação dessatumba deve levar em conta a possibilidade que ela tenha servido como umoráculodeacordocomumadasduasprinciais interpretaçõesda leisagrada,quenósdiscutimosacima.61

Falanto e Tarento

AscircunstânciasdafundaçãodeTarento62naúltimadécadadoséculoVIIIa.C.estãoenvoltasemhistóriasencantadorasentretantoobscuras,cheiasdeelementosfolclóricoselendários.AtradiçãodequeooikistaeraFalantoéunânime,63mas hámuitas variações sobre sua origem social, seu papel noseventosqueprecederamacolonização,esuavidasubsequenteàfundaçãoemsi.Essencialmente,éditoqueeledirigiacertosgrupos(epeunaktai;partheniai)64 que não estavam integrados na sociedade lacônia; a identidade específicadessesgrupos,emboraelaboradosemnossasfontes,nosescapam.AshistóriassobreaprimeiraGuerraMessênia,ojuramentodoshomensdenãovoltarparacasa,a frustraçãodasmulheresespartanaseasubsequentematuridadedospartheniai (os bastardos nascidos dessas mulheres), embora fascinantes etalvez reflexivas de certos costumes sociais,65 provavelmente são invençõesetiológicastardias,talvezdesenhadasparaexplicarosignificadoesquecidodospartheniai.66Dequalquermodo,ocultoaooikistaemTarentonãodependedaorigemdoscolonos. O próprio Falanto também é uma figura obscura e algumas tentativasforam feitas para identificá-lo com várias divindades ou mesmo um herói

61 Issoabririaumanovapossibilidadeparaainterpretaçãodeôpheleinainscriçãomencio-nadaacima.O“ajudante”ou“aquelequeajuda”podeestarassociadoaopróprioBato?62 Asprincipaisfontes:Antíoco[FGrHist555F13]eÉforo[FGrHist70F216],ambosemEs-trabão[VI.278-280].Paradiscussõesdetalhadasereferências:Bérard(1957:162-175esp.170-172sobreooikista);Wuilleumier(1939),recentementePembroke(Set.Out.1970,No.5:1240-1270esp.seções I, IV,V);Vidal-Naquet (1981a:esp.194-196).Ver tambémCorsano (1979:113-140).63 MasnãomencionadanapassagemqueEstrabãoextraideÉforo;cf.Pembroke(1970:1259comn.5).64 Sobre esses nomes, para discussão e referências a obras anteriores dePembroke(1970:1246-1249;1265-1267);Vidal-Naquet,op. cit.65 VerparadiscussãoereferênciasCorsanoop.cit.66 Cf.Graham(1982:112);nãopodehaver,noentanto,nenhumacertezasobreosignifi-Cf.Graham(1982:112);nãopodehaver,noentanto,nenhumacertezasobreosignifi-cadodessetermo.

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iapígio local.67 Ele era claramente distinto do herói epônimo (lendário),Taras,que aparentemente passou a receber um culto predominante na colônia (verabaixo).Essadistinçãoencorajanossainvestigaçãosobreostestemunhosdoculto que ele recebia e pode sustentar a forte razão apresentada porBérardsobreahistoricidadedeFalanto.68Nossaorientaçãodeve,portanto,seroculto,etermosemmentequeemboranãoexistamdúvidassobreahistoricidadedooikista,eleeraconsideradohistórico,provavelmentedeumaépocamaisremota.Alémdomais,comoeleeradistintodoheróiepônimodacolônia,nossasrazõesparanãotratardemodogeralessescasosnãoseaplicamaele. DeacordocomastradiçõespreservadasporEstrabãoeJustino,69Falantofoi exilado da colônia que ele havia fundado. Elemorreu em Brentesion; deacordocomEstrabão“eleeraconsideradopeloshomensdeBrentesiondignode um taphéesplêndido”.70Apalavrapodesignificartantoenterramentoquantofuneral.71S.Pembroke,que tentaapresentara tradiçãocomoseFalantonãoestivessenaverdadesepultadoemBretesion(naversãodeEstrabão),afirmaque“emboraEstrabãofalesobremagníficosfunerais,elenãodiznadasobreotúmulo”.Assim,osentidodeherôon,aceitoporváriosacadêmicos72,énegadoeaversãodeEstrabãosetornacompatívelcomaqueladeJustino(abaixo),quedescreveatransferênciadosrestosmortaisdeFalantoparaTarento. A teoria de Pembroke, no entanto, é duvidosa. Taphé pode significarfuneral73, mas isso não parece atraente. Para consubstanciar essa questão,Pembroke cita [Hdt V.47.2.], em que ἡρώιον é explicitamente distinto de umτάφοςregular;74 mas tafo e taphénãosãosinônimos.Aquestão,portanto,nãoestáresolvida,eficamoscomaafirmaçãodeEstrabãoquenosparecesignificarumsepultamentorealemBrentesion.75Concordamos,entretanto,queosentido67 VerarevisãosensatadeBérard(1957:170comn.3)esuaapreciaçãodeoutrosele-VerarevisãosensatadeBérard(1957:170comn.3)esuaapreciaçãodeoutrosele-mentosfabulososassociadosaoutrasfigurascujahistoricidadenãoestáemquestão;cf.Pem-broke(1970:1260-1265).VerdemodogeralparatestemunhoecomentárioGianelli(1963:12-27;241-246).68 Comointuitodeesclarecernossaatitude:nósacreditamosqueonomeFalanto,sejaonomedofundadorhistórico,masqualquercoisaalémdissosobresuabiografiaecircunstânciaspertenceriamàtradiçãodaficção.Nomesdeoikistasecidades-mães,bemcomoasdatasdefundação,sãofrequentementetudooquenossasfontespreservamparanós;elasparecemindi-carquenaAntiguidadeessesfatoseramconsideradosimportantesedignosdeserpreservados.A“seleção”defatosquenoschegaramnãoétotalmentearbitrária.69 Estrabão[VI.282];Justino[III.4].70 ἠζιώσανλαμπρᾶςταφῆς71 L.S.J.s.v.ταφή72 Pembroke(1970:1263comn.5);cf.REXIX.2art.“Phalanthus”(Ehrenberg)1624.73 L.S.J.s.v.No.2;cf.Diod.XI.58.1ediscussãoemTemístocles.74 Cf.Corsano(1979:133comn.41).75 BrentesionpodeterfeitoalgumtipodereivindicaçãodeFalanto;elatambémcunhavamoedasdasériedafiguramasculinacavalgandoumgolfinho,quepodeterrepresentadoFalanto(verabaixo);HeadHN 252;cf.Pfister(1909-1912:295n.968);Pembroke(1970:1261).Apri-

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dahistóriaéjustificaraausênciadeumatumbaparaFalantonaprópriaTarento. Essa também parece ser a questão na versão de Justino: é dito queFalantoconvenceuoshomensdeBrentesionaespalharsuascinzasnaágoradeTarento fazendo-osacreditarqueesseatoconstituiriauma traiçãofinaldeTarento; entretanto, ao ter suas cinzas espalhadas na ágora da colônia quefundou,naverdade,elegarantiuqueelacontinuariaparasemprenamãodostarentinos.Porisso,concluiJustino,ostarentinosprestam-lhe“honrasdivinas”(divinos honores). É possível que Justino tenha usado as palavras, divinos honores, descuidadamenteeque,naverdade,Falantorecebeuumcultoheróicoapropriado.Masissoéincerto.FalantonãopareceterpossuídoumherôonemTarento,a“distribuiçãodascinzas”satisfazia tantoanecessidadede “enterrar”ooikistanaágoracomoaindaevitavaa identificaçãodequalquer lugarespecíficoquepudesseservirdelocaldecultoheróico.Falantoé,assim,comparávelaLicurgo,olegisladorespartano,cujascinzastambémacreditava-seteremsidoespalhadas(masporumarazãodiferente)76eaSólon(porummotivosemelhante).77Émesmopossível quealgumasdas característicasdeFalanto tenhamsidomodeladasa partir daquelas de Licurgo, pois esse último, tambémnão era inteiramente“humano”.78TalvezissoexpliqueporqueJustinonãoserefereahonrasheróicas,masdivinas.Qualquerquesejaaexplicação79,aestórianãoparecehistórica.Hámaisumarazãoporqueadistribuiçãodascinzaspode tersido inventada,particularmenteemTarento:oassentamentooriginaleranacittà vecchia(cidadeantiga); mais tarde a cidade cresceu e incorporou os túmulos que estavamoriginalmentesituadosnoexteriordosmuros.80Geraçõesposteriores,quenãotinhamconhecimentodessedesenvolvimentohistóricoetopográfico,inventaramuma justificativa para essa irregularidade.81Os tarentinos, então, passaramaacreditarquenãohavianadadeexcepcionalsobreenterramentos intramurosnasuaprópriacidade;masseessefosseocaso,oqueteriadistinguidooseuoikistadequalqueroutrotarentino?Adistribuiçãodesuascinzas,portanto,teriadestacado-odetodososoutrosmembrosdacomunidade. Stephanus de Bizâncio lista os phalantidai em Tarento entre outrasmeiraemissão,entretanto,étardia,decercadametadedoséculoIIIa.C.epodetercomeçadodepoisdafundaçãodacolôniaromanaali.AfiguramasculinacavalgandoumgolfinhopodetersidosimplesmenteumelementoartísticoadotadosobainfluênciadeTarento(vermaisabaixo).76 Plut.[Lyc.27;31]..77 Plut.[Sol.32];Diog.Laert.I.62.ParaoutrosexemplosverRohde(1925:143n.35).Aoseespalharascinzasessasrelíquiastambémestãoprotegidasdoroubo.78 Hdt.[I.65-66];Paus.[III.16.6],quedizqueseucultoeraοἷα....θεῷ79 Possivelmente,também,aausênciadeumatumbaexcluiumcultoheróicoctônico.80 LoPorto(1971:343-383).81 Polib.[VIII.28].

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famílias cujos membros desfrutavam de uma distinção especial em suascomunidades.82Ahistoricidadedesuagenealogia(presumivelmenteretornandoaopróprioFalanto)éduvidosa;masnãoajudaemnadaparaqueessasejaumacorroboraçãocomplementardacrençaqueFalantoeraumverdadeirooikista.Alémdisso,adistribuiçãodascinzasiriadistinguirportantoFalantodasoutrassupostas sepulturas de phalantidaiqueexistiramdentrodacidade. Finalmente, alguma evidência numismática pode fornecer algumaindicação da posição de Falanto.As moedas tarentinas frequentemente sãoencontradascomafiguradeumhomemmontadoemumgolfinho.83 O mesmo tipo tambémapareceemoutrascidadesápulas (Butuntum,Teate, [B]aletium)e, curiosamente, tambémemBrentesion.84AfiguramasculinacavalgandoumgolfinhoéidentificadocomFalantoporPausâniasemsuadescriçãodeumgrupodeestátuasquerepresentavamTaraseFalantoqueestãoempé,pertodeumgolfinho,dedicadasemDelfos.PausâniascontinuaacontarcomoFalanto foisalvodeafogamentoporumgolfinho.85

OsnumismatashesitamentreFalantoeTaras(oherói).Ocasodoúltimoébaseadoem (1)umahistóriasemelhantede resgateporumgolfinho; (2)arejeiçãodahistóriadePausânias,consideradaum“contodeguiaturísticodélfico”(ogolfinhoestava,afinal,nãosobFalantomaspertodele)eaadoçãodavisãodequeaaventuradeFalantofoiconfundidacomahistóriaanteriordeTaras;(3)umfragmentodeAristóteles86queidentificaexpressamenteafiguramasculinacavalgandoumgolfinhocomoheróiepônimo. EssaúltimaevidênciapoderiaresolveroassuntosenãofossepeladistintapossibilidadequeAristótelescometeuumerrológico87:namoedatarentina,aoladodafiguramasculinacavalgandoumgolfinhoapareceumainscrição,ΤΑΡΑΣ;masessepodetersidoonomedacidade,nãodoherói. As figurasmasculinas cavalgando um golfinho são ummotivo comumno folclore grego, e a maioria das discussões sobre esse problema nãodeixa de mencioná-los conscienciosamente.88 Essa pluralidade parece-nos

82 Steph.Byz.s.v.Ἀθῆναι.Ver253-254.Pembroke(1970:1264)argumenta“queapalavra‘phalantiades’ seaplicaaoconjuntodepessoas.”MasaobservaçãofinalemStephanusquedistingueascidadesdasfamíliastornaissoindefensável.83 Lacroix(1965:89-100);cf.Kraay(1976:175).84 HeadHN2 52.85 Paus.[X.13.10].86 Fr.590(Rose)=Pollux[IX.80],da“ConstituiçãodosTarentinos”.87 Cf.Bérard(1957:170n.7).88 Eraummotivo folclóricoespecialmenteassociadoaApolo,e.g.,Arion [Hdt. I.24];cf.[Paus.III.25.7];Ikadios,filhodeApolo(Srv.Verg.Aen.III.332);etc.VerBérard(1957:171n.1);Wuilleumier (1939: 34); Pembroke (1970: 1261ss.).O próprioCaboTaenarum supostamenteteriasidotransferidodeApoloparaPoseidon[EstrabãoVIII.373].

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importante,nãotantopelapossibilidadedeisolarouidentificarumaúnicafiguraemparticular,masporqueelaeliminaanecessidadedeexcluir,a priori, tantoFalantoouTarasdeseremconfundidosumcomooutro.Éprecisoadmitirqueessaquestãonãoé irrespondívelpelaausênciadeevidênciasuficiente.Podebemserqueamesmafigura,queumavezsepensouserFalanto, foicomaelevaçãodeTarasaproeminência(abaixo), identificadacomesseúltimo.Nãohánecessidadederepetirosargumentosdosacadêmicosquelidaramcomessaquestão,exceto talvezpara levantarumpontoqueparece ter recebidomuitopoucaatenção. AtradiçãoqueidentificaTarascomoafiguramasculinacavalgandoumgolfinho é, na verdade,muito tardia; ela é encontrada emum comentário deProbo(finaldoséculoId.C.)emVirgílio.Georg.II,196.89ElecomeçacomumdetalhesobreamãedeTarasqueéclaramentediferentedasdemaistradições,queaconsideramumaninfalocal:

... Dicitur autem Tarentum Neptuni filium, Lacedaemonia civitate ex Saturia, Minois Cretensium regis filia procreasse filium. Hunc proiectum naufragio facto delphinus in Italiam evexisse dicitur.

E,então,parafornecerprovasdessahistóriaparticular,Probuscontinua:

...cuius hodie quoque testimonium manet. Nam in municipio Tarentinorum hominis effigies in delphino sedens est ...

OargumentodeProbonocontextodenossainvestigaçãoésimplesmentecircular,noslembraargumentossemelhantesfrequentementeutilizadosnessecontexto: Probus (ou sua fonte) simplesmente interpreta uma representaçãoartística.EssanãoéumabasesuficientementesólidapararejeitarPausânias,cujoguiadeDelfospareceterfeitoexatamenteomesmo. Não há uma tradição unânime sobre quem exatamente foi Taras90;frequentemente ele apareceou comoumdescendente deHéracles ou comoofilhodePoseidoneumaninfalocal,Satyra.Queeletenhasidoconsideradoum herói epônimo dificilmente pode ser questionado, mas a única evidênciaque indicaqueelerealmenterecebeuumcultoéduvidosae indireta.AntíocoobservaqueΤάρανταδ᾽ὠνόμασανἀπὸἥρωόςτινοςτὴνπόλιν.91 Otítuloherói,provavelmente implica um culto. Se esse era o caso, entretanto, o culto que

89 ThiloVol.III.2p.37.90 REIV.A.2s.v.Taras(Philipp.)2286-2287;RoscherLexikons.v.id.V.91-96(Buslepp.).91 [FGrHist555F13]=Estrabão[VI.279].

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Antíocosupõeprovavelmentenãoeradeumcultoaofundador.92Oτινοςtambémdiminui a impressãodequeestejamos lidando comumherói importante.Eleprovavelmenteeraoheróidorio local,quetambéméconsideradoa fontedonomedeTarento93;darnomesàscolôniasapartirdosriosnãoera incomum,nemassociar riosaninfas94.Provavelmente,omitodeTarassedesenvolveuetiologicamentee,gradualmente,oheróise tornoumaisemaisproeminente.UmprocessosemelhantepodeserobservadoemÁbdera,ondeoheróiepônimoacabouporeclipsarTimésias,ooikistahistórico.Umafontetardiatentaresolvera “contradição” sobre o oikista de Tarento: Taras considerat, Phalanthus auxerat.95 Esseprocessode “ofuscamento” foidiscutidademodomaisarticuladoporWuilleumier,comquemnósconcordamosaesserespeito.96AproeminênciadeTarasémelhorilustradapelacunhagemmaistardia:em470a.C.,umnovotipodefigurasentadasurgiuquefoichamadade“oikista sentado”.97Ocântaro,que algumas vezes é segurado por essa figura, é interpretado por Kraay98 e outros como um vaso contendo libações que o herói epônimo derrama pelobem-estardacidade.Ofuso,quealgumasvezestambémaparece,simbolizaaprósperafabricaçãodelãdeTarento.NocontextodeoutrasmoedascommarcasdistintasqueasidentificamcomTaras,oheróiepônimoefilhodePoseidon,afigurasentadapoderealmenteserTaras.IssocoincidiriacomoofuscamentodeFalanto. Emsuma,Falanto,sejaumafigurahistóricaounão,pareceterrecebidoalgumaformadecultoemTarento,masnósnãopodemostercertezadequalasuanaturezaexataouseelaeraestritamenteanálogaaoutroscultosaoikista.Ofatodelenãoterpossuídoumatumbapodeexplicaraausênciadeumcultoheróicodetipoctônico;essatalvezsejaarazãoporqueJustinochamaseucultode divinos honores. Isso também ilustra a relativa insignificância de Falanto,especialmenteemcomparaçãoaTaras,oheróiepônimo.Épossível,claro,quea tradição de seu exílio emorte emBrentesion forneça a razão histórica doporquedisso.Éinteressante,porém,queavisãohistóricadosmembrosmais

92 Nemtodoheróiepônimoeranecessariamenteumoikista;verumalistaútilemFarnell(1921:refs.110-206;cf.Malkin(1985).93 Taramoderna,umpoucoaoestedacidade;Bérard (1957:172n.1);Paus.[X.10.8];Dion.Hal.[XIX.1.3].94 Lacroix(1965:115ff.).95 Serv.inVerg.Aen.III.551.96 Wuilleumier(1939:38),Corsanoacreditaemumprocessoinverso,asaber,umaênfasetardiaemFalanto.97 Vlasto(1922);cf.Kraay(1976:175);id.p.203,n.3pararecuaradataparaosanos480a.C.98 Ibid.

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tardios da comunidade acabou por requerer que os “restos mortais” de seuoikistaestivessemlocalizadosemsuaprópriaágora.Maisimportante,emboraahistóriaemJustinosejaprovavelmentefictícia,elaarticulaoconceitodeenterrarooikistanaágoradesuacolônia:apresençadosrestosmortaisasseguravaapossedosítioe,provavelmente,tambémforneciaproteçãoheróica.

Timésias: Abdera

Abdera é um caso interessante; seus colonos estabeleceramumcultoa um oikista histórico (i.e., não epônimo) que não era o delesmesmos. Emnossadiscussãoanterior99,nósnotamosapassagememHeródoto [I.168],naqualelerelataqueoscolonosdeTeosprestavamhonrasaTimésias,ooikistada fundação deClazomenes, cerca de 100 anos antes, que terminou comaexpulsãodoscolonospelostrácioslocais.AspalavrasdeHeródotosupõemumcostumecontínuo(νῦν)....τιμὰςνῦνὑπὸΤηίωνἐνἈβδήροισιὡςἥρωςἔχει.100 Essashonrasconstituempropriamenteumcultoaooikista?A respostapareceserafirmativa.AquestãonahistóriadeHeródotoéqueclaramenteoscolonosdeTeosnãoseconsideravamosprimeirosfundadores.Seuassentamentonãoseoriginoudamesmacidade-mãe,entretanto,aaçãodessescolonosnãoénecessariamenteextraordinária.AparentementeTimésiasnãofoiindicadopelasuacidade-mãe101etalvezfossesuficienteque,comooscolonosdeTeos,elefosseumjônio.Seesseforocaso,atribuirafundaçãodeAbderaaTimésiasservecomoumpontotantodeorientaçãohistóricaquantodejustificativamoral.Aindaéprovavelque,comosugerimosacima,ocultotenhasidofundadodeacordocomas instruçõesdosdélficos,quepodiamentão justificarcomocumpridoooráculodefundaçãooriginal,queforaatribuídoaTimésias. Algunspodemopor-seeperguntarseoscolonosdeTeossimplesmenteencontraramumcultolocalpreexistenteaTimésiasemsuachegada?Issonãopareceprovável.PorqueTimésiasnãofoienterradoemAbdera,suasepulturanãoserviucomoumfocodecultoheróico.Masmesmosereconhecermosquenem todos os cultos heróicos precisavam de uma sepultura como condiçãonecessária102, teríamosqueadmitirqueTimésiasnãoeraumherói indígenaequeos tráciosqueafugentaramsuacolônia teriamsidoasúltimaspessoasa

99 VerCap.Ipp.54-56.100 Cf.Foucart(1922:132).101 Vern.99.AindependênciadeTimésiasdoscolonosdeClazomenesnãoexplicaocultodoscolonosdeTeos,maspodefacilitarnossoentendimentosobreoprocessoconceitualdesuaadoção.102 Cf.p.201.

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apoiaroupreservaresseculto.103

OcultodoscolonosdeTeosera,portanto,umatoconscienteedeliberado,pormeiodoqualelesassociavamasimesmosà fundaçãoanterioreaoseuoikista.Ocultoqueelesinstituirameracomemorativo;seusujeito,Timésias,eraumoikista.Éseguro,portanto,concluirqueocultoaTimesiasemÁbderadevaserincluídonacategoriadecultosaooikistaecompreendidocomotal. ComoTarento,Abderatambémtinhaumcultoaumherói-fundadormítico,que parece ter existido paralelamente e, gradualmente, suplantou o culto aTimésias.104NossaversãomaisantigadahistóriadeAbderoséasegundaOde dePíndaro.Helânicodescreve-ocomoumcompanheirodeHéracles.105EmPs.ScymnuséopróprioAbderosofundador.106UmcultoheróicocompletocomosagonesapropriadosfoicelebradoemhonraaAbderos.107Épossívelvernesseculto paralelo uma expressão do fenômeno de “pluralidade de oikistas” (quediscutiremosabaixo), istoé,deuma tendênciaque toma formanas tradiçõeslocaisdacolônia,aenfocarumúnicooikista,queéverdadeiramentedaprópriacolônia.

Temístocles e Magnésia

AhistóriaeposiçãopóstumadeTemístocles,oateniense,naMagnésiado Meandro, contém elementos importantes do culto ao oikista. Após servirgloriosamente nasGuerrasPersas,Temístocles viu-se como um fugitivo. Eleacabounacortepersaondefoitratadocomgrandehonra.OReidosReisdeu-lhea“MagnésiadoMeandroparaopão...paraovinho,Lâmpsako...eMyosparacarne”;cadaumadessascidadesqueelegovernoutinhaumareputaçãoproeminente sobre seu respectivo produtomas, além disso, a lista indica osquarteisdeTemístocles(umavezqueopãoéoprincipalitemdesuarefeição).108

Após sua morte um “monumento” (μνημεῖον) foi erigido para ele naMagnésia.Eleestavasituadonaágora.109Podemos tercertezaqueTucídidesnãoquerdizer comμνημεῖονumasepultura?AutoresmodernosafirmamqueTucídidesécuidadoso;Bétanttraduzμνημεῖονcomomonumentum.110Apalavra

103 O terminus post quemdeseucultopareceserclaramenteafundaçãodoscolonosdeTeos.104 SobreAbderoseosmitosdefundaçãoverIsaac(198677-78).105 Steph.Byz.s.v.ἌβδηραFGrHist4F105;cf.Bérard(1960:94s.).106 664ff.107 ServiussobreaEneidaI.756.108 Tuc.[I.138.5]comcomentáriodeGommead loc.109 Ibid.110 E.g.,Podlecki(1975:177);cf.Lenardon(1978:210);Bétant(1843-1847:s.v.).

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tem algumas vezes, no entanto, a conotação de ummemorial para omortooumesmoum local deenterramento.111Napassagemcitadaabaixo sobreoenterramentodeBrasidas(p.228)podemosnotarduascoisas:(1)queμνημεῖονapareceexpressamentecomoaconsequênciasentençaprévia(ἔθαψανἐντῇπολέι);(2)queμνημεῖονsedistingue,namesmapassagem,deμνημόσυνον112 paraHagnonaindaemvida.Dentrodoquesabemosessacomparaçãoentreo uso de μνημεῖον nos dois casos (deBrasidas eTemístocles) ainda não foifeita;éprovável,portanto,queTucídidesqueiradizeruma“sepultura”quandodiz que Temístocles tinha ummnemeîon na ágora deMagnésia. Que outraevidênciapossuímos?Plutarco,queestavabemfamiliarizadocomocasoeatradiçãofamiliardosdescendentesdeTemístoclesdevidoàsuaamizadecomumdeles,“Temístoclesoateniense”,afirmadefatoqueTemístoclesteveumatumbaemMagnésia.113Diodoro(provavelmenteapartirdeÉforo)falatantodeum funeral(ouenterramento)edoμνημεῖονqueaindaexistianasuaépoca.114 Porconseguinte,temosfundamentosparaafirmarqueTemístoclespossuiuumasepultura(marcadaporummonumento)naágoradeMagnésia.

LogoapósamortedeTemístocles,surgiuahistóriadequeseusossosverdadeiros foram transferidos para a Ática e enterrados secretamente lá.TucídidescitaasamizadesdeTemístoclescomoasfontesdessaversão,emboraaparentementenãoacreditassenissototalmente.115Ahistoricidadedosfatosnãoépassíveldecomprovação,masosentimentosim:ahistóriaseespalhourápidoe foi recontada em uma certa quantidade de versões literárias, que Plutarcoataca.116 Algumas dessas autoridades literárias chegaram a identificar umatumbadeTemístoclesnoPireu.117Realmente,nãodevíamosnossurpreenderque,nodevidotempo,osateniensessearrependeriamecomeçariamalembrarcomgrande respeitodoherói dasGuerrasPersasearquitetodesuaprópriagrandezanaval.Seusdescendentes,porexemplo,foramautorizadosainstalarumapinturadelenoPartenon.118

Sejacomofor,oquequerqueosateniensestenhamescolhidoacreditarsobrealocalizaçãodosvestígiosdeTemístocles,naMagnésiaeleeraaltamentereverenciado.Mascomo?Nãonoséditoexpressamentequeelerecebeuum111 L.S.J.s.v.2.112 Bétant:(1843-1847)s.v.μνημεῖον;também,monumentum.113 Plut.Them.32.3(contraAndocideseoutros).114 Diod.XI.58.a(seriasomenteatéaépocadeÉforo?);verWachsmuth(1897:140);Pod-Diod.XI.58.a(seriasomenteatéaépocadeÉforo?);verWachsmuth(1897:140);Pod-lecki(1975:177n.3).Cf.acima,sobretaphé.115 Tuc.Loc.cit.comdiscussãodeGomme.116 Loc. cit.;cf.Paus.I.1.2;AristótelesNHVI.15569b12;NeposThem.10.3.117 ParaumadiscussãodomonumentonoPireu,verPodlecki (1915:178);Frost(1980:234-235).118 Paus.loc. cit.

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labecaculto.119Seriaporqueelenaverdadenãoo recebeuouporquenossas fontesesparsasfalhamemmencionarumculto?SenósconsiderarmosTemístoclesumoikistadequalquermaneiraprecisamosdiscutiressaquestão.Osdescendentesde Temístocles continuaram a desfrutar de uma posição de honra emesmode poder verdadeiro na ÁsiaMenor. Seu sobrinho, Phrasikles, tomou toda aprovíncia.120Cercadecincoséculosmaistarde,osdescendentesdeTemístoclesainda desfrutavam certas timai na Magnésia, o que significava dividendosverdadeiros.Plutarcoéumatestemunha.Eleestudoucomumdelesnaescolade“Ammonios,oFilósofo”.121

SobreapresençaecultodeTemístoclesnaÁsia,tambémtemosalgumaevidêncianumismática,quepodeserusadacomocorroboração,masnãodemodoindependente.UmamoedadeAntoninoPio(segundametadedoséculoIId.C.comseubustonoanverso),daMagnésia,mostrasobreo reversoum“homemnudepresença imponente, combarba curta, usaumacoroaou fitanacabeça,cujaspontascaemsobreopescoço.Eleestáempé,voltadoparaesquerda,diantedeumaltarcircularemchamas.Emsuamãodireita,queestáestendidasobreoaltar,eleseguraumprato(pátera)comoqualfazumalibação...comsuamãoesquerdaeleagarraaempunhaduradaespada,quependeemumabainhadoseu ladoesquerdo.Nopédoaltarestáavítimamortadosacrifício,comacabeçaesticadaebocaaberta, -umbisãoasiático(zebu).122 OnomeTemístoclesestá inscritopróximodafiguraempé (as letrasmaioresfornecem o nome do magistrado). O editor original, Rhousopoulos, pensavaque amoeda representava a estátua deTemístocles nomercado.A estátua,elededuziu,comemoravaacenadosuicídiodeTemístoclesaobeberosanguedotouro.Ahistóriadosanguedotouro,entretanto,éummito.123PodleckiestácertoemquestionarahipótesedeosmagnésiosteremoptadoporcomemorarTemístoclesnoatodecometersuicídio.

Amaioriadosacadêmicosmodernosadotaaexplicaçãooposta,asaber,queomitodosuicídioporbebersanguede tourosedesenvolveucomoumainterpretaçãodaestátua.EssateoriafoiapresentadapelaprimeiravezporC.Washsmuth124edetalhadaporP.Gardner.125Esseúltimo,naverdade,afirmaque119 Cf.NilssonGGR4719.120 Plut.[Tem.32.2].121 Plut.[Tem.32.5].122 Rhousopoulos(1896:21d)(oeditororiginal).ApassagemécitadadeB.PerrinporPo-dlecki(1975:170).Pararepresentações,ibid.pranchaC.123 Aristófanes,Cavaleiros83escholiaverPodlecki(1975:171);Lenardon(1978:197f.).124 Op. cit.140-143.125 Gardner(1898:21-23) lênoplural,statuae,notextodeNepos.QuefoicorrigidoporFleckeisencitadoemOCT,ed.E.O.Winstedt.

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o“grupodasestátuas”representaumcultoheróicoparaTemístoclescomoum“heróicívicoouoikista”.Alibaçãoeotourosãoelementoscomunsnoscultosheróicosgregos.PodleckiapresentaoutrasmoedasdaÁsiaMenorquemostramApolosegurandoumapáteraerealizandoumsacrifíciodiantedeumaltar.126

Essa teoriaé tentadora,maséprecisocuidado.Opontocrucialdesseargumentoéqueamoedarepresentaumaestátuadeverdadeouumgrupodeesculturas, supostamente aquela situada na ágora deMagnésia. Essa teoriasebaseiaemNepos:Huius adnostram memoriam monumenta manserunt duo: sepulcrum prope oppidum, in quo est sepultus, statua in foro Magnesia.127

Amoedarepresentarumaestátuaquerealmenteexistiuéapenasumahipótese.Umaoutra complicaçãoéquenósnão temoscertezaaqual fórum Nepos se refere.Em399 a.C., osmagnésiosmudaram levemente o sítio desuacidade,paraaáreaao redordo templodeÁrtemis.128Nepos (eDiodoro)sereferemàágoraantigaouànova?Provavelmente,àmaistardia.Issopodesignificar que os magnésios reconstruíram (ou transferiram?) a estátua deTemístocles,ou,maisprovavelmente,queummonumentototalmentenovofoiconstruídonanovaágora.

Nepos também apresenta outra complicação com sepulcrum prope oppidum...:oquepodemosentenderporoppidum?Pertodeque lugarele foienterrado?Podlecki129presumequesignifiqueMagnésia,porissoumaestátuanomercadoeumasepulturanasfronteirasdaMagnésia.Essainterpretação,éclaro,apresentaumaoutradificuldade:seNeposserefereaumanovaágora,então a sepultura nas fronteiras pode simplesmente significar uma sepulturanaantigaágora.Osmagnésiosnãosemudarampara longeeaantigaágorapode facilmente ter sido considerada a fronteira (prope) do novo sítio dacidade.

No entanto, nenhuma das possibilidades pode ser verdade, uma vezque oppidum pode não se referir a Magnésia, mas a Atenas. Nepos podeestarfazendoumadistinçãoentreumμνημεῖονemMagnésiaeumatumbaemAtenas,umadistinçãocujaorigempodeserencontradaemTucídides.OpróprioNeposseguedepertoanarrativadeTucídidessobreamortedeTemístocles,comoelemesmoafirma.130Nósconsideramosa terceirapossibilidadecomoamaisprováveleanoçãodePodleckiamenosprovável(porqueosmagnésiosenterrariamTemístoclespertodasuacidade?Oopostoéafirmadopor todas

126 Podlecki(1975:171n.12).127 Loc. cit.;veracimanotasobrestatua.128 Diod.[XIV.36.3];Lenardon(1978:n.314);cf.acima,p.163.129 P.177.130 Loc. cit.

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nossasfontes).Para resumir esse ponto, a moeda pode representar uma ou mais

estátuas de Temístocles na ágora. A estátua pode representar um culto aooikista. Em qualquer caso, nós não sabemos quando isso começou: o culto,sehouveumculto,devetercomeçadoimediatamente(ouemumano)apósamortedeTemístocles.Aestátuapodetersidoerigidamaistarde.Amoedaemsi,entretanto,étardiademaisparacarregartodoopesodaevidênciadeumcultoheróicoparaTemístocles,esuainterpretaçãoémuitosujeitaadúvidas.Elapodeservirapenasparacorroborarevidênciasmaissólidas,que,sepudessemserencontradasiriam,certamente,serbastantesignificativas.

Nósacreditamosqueessaevidênciaexiste,mas recebeumuitopoucaatençãonessecontexto.

Um decreto de proxeniadeLâmpsako(ca.200a.C.)dáaobeneficiáriodesconhecidoosmesmosprevilégiosqueforamdadosaofilhodeTemístocles,Kleofantoeaosseusdescendentes.Tambémé feitaumamençãoao festivalanualaTemístocles:

131 NofestivalparaTemístoclesqueaconteceanualmente,deveriahaverpara este todos os ágathaquefoiconcedidaaKleofantoeseusdescendentes.

Essainscriçãoégeralmentediscutidaporhistoriadoresmodernos132 em umdosseguintescontextos:(1)opresentepersaparaTemístocleseragenuínooufictício?QuaissãoasimplicaçõessobreaLigadeDeloseaassociaçãodeLâmpsako?ou(2)arestituiçãoeposiçãodosdescendentesdeTemístocles em Atenas. Asduasnaverdadesãointerligadas,poisavoltadeKleofantoaAtenasestá ligadaà sua associaçãoà Liga. J.K.Davies, seguindo uma “conjectura”dos autores das Listas de Tributos Atenienses,afirmaque“emsuavoltaparaAtenas,KleofantorenunciouaoseudireitoduvidososobreosrendimentosdeLâmpsako–ouconfirmouoatopretendidoporseupai133e,emretorno,recebeu

131 Lolling(1881:103-105)linhascitadas:12-15;cf.BauereFrost(1966:97-98).132 ATLIIIpp.112-113;Davies(1971:218);Podlecki(1975:206);Lenardon(1978:149). 133 Alegada no espúrio [Them.]Epist. XX p.761 (Hersche), i.e., remetendo o tributo deLâmpsakoelibertando-a.

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deLâmpsakoashonrasdeumbenfeitor”.NinguémduvidaqueKleofantoretornouaAtenas,comoPlatãoparececorroborar.134NósconcordamoscomPodlecki135, entretanto,sobreDaviesestarerradoemdesconsiderarainscriçãodeLâmpsakotãofacilmente;masPodleckinãoforneceumarazão. Deve ficar claro que os rendimentos e honras que Kleofanto recebeuforamderivados e elemesmonãoos recebeu.Apesar do problemahistóricosobreaincorporaçãodeLâmpsakoàLigadeDelos(queocupaosautoresdoATL),acausadessashonrasdevemserabordadasseparadamente.Kleofantonãoémencionadocomobenfeitorououtracoisa.Noentanto,arazãoverdadeiranoséfornecidanocontextodotextocompletodainscrição:ofestivalanualparaTemístocles.Parecequeἀγαθάdevemserestabelecidosduranteofestival(oudecretadosentão),eashonrasaKleofantonaverdadeseseguiram. Alémdisso,KleofantonãoparecetergovernadoLâmpsakoemnenhummomento (Phrasikles, o sobrinho, recebeu a posição de poder).136 Tambémépossivel inferir, apartir dePlatão,queKleofantonãoeraumhomemmuitobrilhanteequesuaexcelênciase resumiaàequitação.AindaépossívelqueeletenharesididoemLâmpsakoporumtempoe,aparentemente,eletambémtivessealgumapropriedade.Masashonrasdecretadasparaelemesmodeviam-seaseupai.NãohaviaumfestivalparaKleofanto,apenasparaTemístocles. O fato dele residir emAtenas em algummomento também não devenos perturbar muito. Não devemos supor que ele tenha tido que desistir dequalquer rendimento e não há necessidade de ver implicações políticas emumasituaçãopordemaissimplesepessoal,comoencontramosnoATL e em Davies. Nós lembramos do amigo de Plutarco, “Temístocles, o ateniense”,obviamenteumresidentedeAtenasque,cercadeseisséculosapósamortedeTemístocles,continuavaareceberosrendimentosdeMagnésia.Afortiori,então,Kleofantopodefacilmentetercontinuadoadesfrutardostatusprevilegiadodeumdescendente embora residisse (temporariamente?) emAtenas.Omesmoocorreuprovavelmentecomseusdescendentes. Sejacomo for,opontocrucialdanossa investigaçãoéo festival (maisantigo?) para Temístocles, porque festivais implicam em culto. Entretanto,LâmpsakofoidadaaTemístocles:apenas“pelovinho”.ParaopãoelerecebeuaMagnésia,queeraamaisimportantedastrêsefornecia50talentosporano.137Seconsiderarmosporsisótodaaevidênciadiscutidaacima–osmonumentosou134 Meno93ecf.Plut.[Them.32.1].Cf.Frost(1980:232).135 P.206. 136 Plut.[Tem.32.2];eletomoutodaaprovíncia.PhrasikleseraofilhodoirmãodeTemísto-Plut.[Tem.32.2];eletomoutodaaprovíncia.PhrasikleseraofilhodoirmãodeTemísto-cles.Frost,op.cit.137 Tuc.loc. cit.

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tumbas;sualocalizaçãonaágora;arepresentaçãonamoeda–issoindicariaumculto.MasjuntoàinscriçãodeLâmpsakopodemosargumentarcomsegurançaque,seTemístoclesrecebeuumcertocultolá,entãoafortiorieletambémrecebiaessecultoemMagnésiadoMeandro. Esse culto contémelementos de um culto ao oikista, comoGardner ochamou.Temístocles:nãoerapropriamenteumoikista,masessaaplicaçãodeumcultoaooikista,emborainteressanteemsi,tambémindicaomodelodoqualfoi adotado.Nós sabemosmuito pouco sobre essemodeloper se; os casosexcepcionais,comoosdeBrasidaseTemístocles,nosajudamacompreendermaisaesserespeito.Temístocles,portanto,deveserincluídoentreoscasosdeoikistasepodeserusadoparacorroboraroutroselementosdocultoaooikistaqueforammencionadosacima.

Anfípolis entre Hagnon e Brasidas

Em424a.C.,ogeneralespartanoBrasidasrealizouumaexpediçãomilitarsemprecedentesqueresultounatomadadeAnfípolis,umacidadenorioStrymon(Strymon) naTrácia e, anteriormente, uma possessão deAtenas. Sua perdatambémmarcouofimdacarreiramilitardeTucídideselevouaoseuexílio.Nãoédeespantar,portanto,quepodemosconsiderá-loumobservadorparticularmenteafeitoeinteressadoemrelaçãoatudoquedizrespeitoaBrasidas. Brasidasmorreuem422a.C.lutandocontraKleon,quetambémperdeua vidanaempreitadacontraAnfípolis.Adescriçãodo tratamento religiosodofalecidoBrasidasémuito importanteparacompreendermosocultoaooikista(Brasidasfoipostumamenteintituladoum“oikista”)particularmenteporque,pelaprimeiravez,umhistoriadorantigo,naverdade,devotoutempoparadescreveremdetalheosprocedimentosreligiosos:

Depois disso, todos os aliados, com suas armas, sepultaram Brasidaspublicamente dentro da cidade, na frente do que hoje é a ágora. E, a

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labecapartirdeentão,osdeAnfípolis, tendocercadoseumonumentocomumadelimitaçãosagrada,passaramaadorá-locomoheróieahonrá-lo:agonesanuais e sacrifícios. E eles transferiram a colônia para Brasidas comooikista, demoliram a Hagnóneia e obliteraram (ou: “apagaram”) qualquercoisa que, se sobrevivesse, tivesse a chance de ser um memorial dafundação de Hagnon; porque, de um lado, eles consideravam Brasidascomo seu salvador e tambémno presente, temendo os atenienses, elestentavamconseguiraaliançados lacedemônios;poroutro lado,devidoàguerracontraosatenienses,nãoerabenéficoparaelesmesmos,damesmamaneira<quer“comoantes”,ou“comoashonrasparaBrasidasseriam”>nemsuficientementegratificantequeHagnonrecebesseashonras.(ou,tomandoἥδεωςcomrespeitoaHagnon:“aopassoqueHagnon...nãoiria ... receber suashonras, quer comobenefícioparaelesprópriosquercomoprazerparasimesmo”).

EssapassagemdescreveasaçõesdopovodeAnfípolisem relaçãoaHagnoneaBrasidas.Tucídidesmantémumequilíbriodelicadoentreosdoisemumafrasebastantelonga,queenfatizadeumladooquefoinegadoaHagnone,dooutro,oquefoiconcedidoaBrasidas. Acerimôniadefuneralpúblicoédescritanocontextodeconferirotítulo,oikista, a Brasidas, ao invés de Hagnon. Brasidas recebe um sepultamentodentrodacidade,numlocalcentral.Nãoestá totalmenteclaroonde:aágora,queTucídidesmencionacomo“nafrente”datumba,podenãotersidoaágoraem422a.C.,umavezqueTucídidesinsereνῦν(“agora,hoje”).138Qualquerquesejaocaso,aênfasedeTucídidessobreumatumbadentrodacidadeemumlocalproeminenteéclara. Podemosapontarosseguinteselementosnessapassagemqueparecemserascaracterísticasmaisimportantesdocultoaooikista:

(1)Umfuneralpúblicoouestatal;139

(2)Uma tumbamonumental e uma delimitação sagrada dentro dacidade;

(3)Umcultoheróicocontínuo(certamentenatumba);(4)“Honras”anuais,istoé,agonesesacrifícios.

Osdoisúltimosprecisamdemaiscomentários.Apesardaὡςἥρᾡexplícita,Gomme em seu comentário evita o significado direto da passagem: “quersacrifíciosaBrasidascomoumdeus(nãoumherói)ou,maisprovavelmente,festivaisanuaisemsuahonra(ouparacelebraraliberação)emquesacrifíciosaosdeuseseram realizados;pois ἐντέμνουσι eθυσίαι,presumivelmentesãoutilizadas em seus sentidos ordinários diferentes”. É verdade que o verbo

138 Cf.Gomme(1956:Vol.IIad loc.).139 VeremgeralCap.VeHabicht(1956:147ss.).

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ἐντέμνεινtemumsignificadoespecíficonoscultosheróicos(queenvolvemumaoferendadesangue);140elesedistinguedotipodesacrifíciosugeridoemθυσίαmas esse último termo émuitomais utilizado, frequentemente em contextosdesacrifícioestatal.Masnãohánecessidadedeinterpretaradiferençacomoumaantítese.QuandoAristótelesmencionaocultoconcedidoespecificamenteaBrasidas,eleochamaθύεινΒραςίδᾳ(nãoἐντέμνειν).141Nósconsideramosqueθυσίαιsejaapenasotermomaisgeral.142 Nóstambémpropomosqueamençãoemseparadodethusiai pode ser explicadapeladistinçãoquenãoéantitética,masmeramenteumajustaposição:deumladotemosoeventoanualcomsacrifíciosestataisemumagrandeescalae jogose,deoutro,o culto continuado. Isso tambémexplicaadiferençanasfrases: ἐντέμνουσι, um contínuo, ação presente; δεδώκασιν (τιμάς) – umadecisãodeprestarhonrasaBrasidas,i.e.,umatoperfeitocujosresultadossãoduradouros.143Porisso,Brasidas,comoAntífemoemGela144epresumivelmenteoutros oikistas também, recebiam tanto um culto solene anual estatal e umaadoraçãopopularcontínua. O comentário de Aristóteles (um exemplo do tópico nomo-physis)tambéméimportanteaesserespeito,porqueeletestemunhaacontinuidade(enotoriedade)docultoaBrasidasatéasuaépoca. VamosentãodiscutiroqueopovodeAnfípolisnegouaHagnon.

(1) otítulodeoikistafoi tiradodele.Mudançasdeoikistasnãoeramcomunsmas tinhamprecedentes:em729a.C.,oshomensdeCatânianegaramaThouklesotítuloeescolheramumoikistaentreelesmesmos,Euarchos.145TambémnaprimeiradécadadoséculoVa.C.,HipócratessetornouumsegundofundadordeCamarina.146NóstambémpropusemosqueumamudançadeoikistaocorreuemApolônia Ilírianaqualo títulofoiprovavelmentenegadoaGylaxetransferidoaopróprioApolo.147 Um problemasemelhanteeraevidenteemTúrio,emqueoproblemadoculto(oudequemomerecia)setornouagudo.148

(2) Hagnóneia: é quase certo que Hagnon estava vivo na época e

140 Rudrardt(1958:285-286;257-272);veremdetalheCasabona(1966:partesIII,VI).141 [Eth. Nic1134b23].142 Vern.140acima;vertambémp.193.143 τὸλοιπρόν,claro,serefereaambos. 144 Verp.194;p.259-260.145 Tuc.[VI.3.3].Verp.257.146 Tuc[VI.5.3].147 Verp.87-88.148 Verp.254-256.

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queelenãoresidiaemAnfípolis.Essefatoemsideveterparecidoaoscolonos,amaioriadosquaisnãoeraateniense149,umaofensareligiosa.

JáfoipropostoqueatransferênciadasrelíquiasdeRhesosporHagnontinhaemparteumaintençãodecompensaçãoporessaofensa.150NósobservamosqueBrasidasjáestavaemAnfípolisdesde424a.C.equesomenteapósasuamorteele foiconsideradooikistae recebeuumcultodeoikista.151 O fato dele estarmortoeHagnonvivoprovavelmentefacilitouamudança. Também está claro que, todos os objetos associados a Hagnon (verabaixo)foramdestruídosapósasuamorte,elestinhampermanecido intactosduranteosdoisanosdapresençadeBrasidasemAnfípolis.Podemossuporqueogeneralespartanonãotinhaintençõesdesetornaroikistae,comoresultado,nenhumaaçãocontraaHagnóneiafoiempreendidaantesdesuamorte.152 EstáclaroqueopovodeAnfípolisassociavaaHagnóneiaeoquerquesejaqueelesdestruíramtambémcomo inseparavelmente ligadoaostatus de Hagnoncomooikista.OqueeramasHagnóneias?TucídidesescreveuἉγηώνεια

οἰκοδομήματα literalmente, “estruturas hagnoneias”, ou “edifícios”. De acordocomGomme, elas eramedifícios públicos nomeados a partir do oikista. Issoépossível,porémaindavago.Teríamosquesuporqueosanfipolitanos teriam infligidoumadestruiçãomaciça sobre simesmos; seu caráter provavelmenteeradestrutivo,masdaíateremalcançadoumgraudessesédifícildeaceitar.Foi propostoqueHagnon tinhaumherôon emAnfípolis;153 mas os heroa sãogeralmentenomeadosnosingular,porexemplo,oTheseionou,nocontextodeumcultoaooikista,Arateion.154 Nóssugerimosumparalelo:quandoCímonmorreuemCítioemChipre,seus restos mortais foram trazidos à Ática. As evidências sobre isso, comonarrouPlutarco,são“osmonumentosatéhojechamadosKimóneia”.155 Plutarco

149 Tuc.[IV.103.3].VerGraham(1971:IIIesp.39)sobreosoikistasnãoresidentesnofinaldoséculoVa.C.150 Verp.81ss.151 BrasidastambémtinhaumcenotáfioemEsparta[Paus.III.14.1],masnãoseconhecenadasobreumculto.152 Steup,queacreditaqueHagnonestavamortonaquelaépoca(vercríticaemGomme),usaissoparaargumentarqueashonrasnãoteriamsidoobservadasauminimigoativoentre424-422a.C. (Hagnoneia=herôon). Issoécircular;ninguémdizquehouveumcultoativoaHagnonduranteessesdoisanos,apenasqueosmemoriaisqueocelebravam(provavelmenteinscrições–verabaixo)tiverampermissãodepermanecer(querHagnonestivessemortoouvivonaépoca–verabaixo).AdesculpadeGommedeque“osgregospodiamfazercoisasestranhascomseusdeuseseheróis”é,portanto,desnecessária.153 Steupap.Classenad loc.154 Cf.p.236.155 Plut.[Cim.19.4];cf.Marcell.Vit. Tuc.27;48;Suidas,s.v.κιμώνεια.

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também acrescenta que em Kition, Címon era adorado como herói em uma“certatumba”.Aformapluralésignificativa,poiselamostracomomonumentosfunerários podem ter sido considerados mais de uma única unidade. Nóspropomos,portanto,uma interpretaçãodiferentedo textodeTucídides:oqueoshabitantesdeAnfípolisdestruíramnãoforamseusprópriosedifíciospúblicosmasosmonumentosdecultoaHagnon.AἉγηώνειαοἰκοδομήματαfuncionademaneira análoga àΚιμόνεια μνήματα; o μνημεῖον aBrasidas comoumherói,que está sendo construído, é contrastado aosmonumentos de Hagnon, queestãosendodestruídos.PodeparecerousadosugerirqueHagnonrecebiaumcultoenquantoaindaestavavivo,masaesserespeitoelepodeterpressagiadoLisandro eAgesilao.156 Parece claro que Tucídides diz que as timai heróicasdeBrasidasforamsimplesmentetransferidasparaeledeHagnonequeessastimai eram as timaidevidasaumoikista,asaber–timaiheróicas.Também,deacordocomasegundatraduçãopossíveldaúltimafrase,“aopassoqueHagnon...nãoiria...recebersuashonras,quercomobenefícioparaelesmesmosoucomhonraparasimesmo”,claramentesugerequeatéentão(ouaomenosaté424a.C.)Hagnonrecebiaumcultoativo.Deoutramaneira,queprazerlheestásendonegado?Amaioriadosintérpretesdessafrase,comoafirmaGomme,naverdadeprefereessapossibilidademassemaimplicaçãodeumcultoaHagnonvivo.157Nossa interpretaçãopermite, portanto, uma leituramais concretaparaἥδεως. Essa interpretação tem a vantagem extra de permitir que entendamosἀφανίσαντες de modo mais preciso.A palavra é geralmente traduzida como“apagado”,mas isso émuito vago e implica uma auto-destruição improvávelda parte do povo deAnfípolis. Invés disso, sugerimos traduzir aphanisantes simplesmentecomo“apagando”158,queéoseusentidodireto,dequalquermaneira;oqueosanfipolitanosfizeramnãofoidemoliredifícioscívicosimportantes,masapagarasinscriçõesempreendidasporHagnonparacelebrarasimesmo,i.e.,inscrições que podem ter servido como uma verdadeira μνημόσυνα de suafundação.OusodesseverboἀφανίζωéutilizadoemparaleloporTucídidesaorelatarcomouma inscriçãocomonomedo tiranoHípiasemumgrandealtarpúbliconaágoradeAtenasfoiapagada:“opovodeAtenas...apagouainscriçãono altar 159. TantoHípias quantoHagnon sofreram, portanto, uma espécie de156 Habicht(1956:3ss.)paraLisandro.157 ÀexceçãodeSteupque(erroneamente)consideraHagnonmorto.MesmoquealguémnãoaceiteessanoçãodeumcultoparaHagnonaindavivo,nãodevehaverrazãoparanegarqueessesmonumentos forampreparadosanteriormente, antesdamortedo fundador, comopartedoatodefundaçãodeAnfípolispelogeneralHagnon.Cf.Thuc.[IV.102.3-4].158 Cf.Bétant(1843-7:s.v.).159 Tuc.[VI.54.7]..

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damnatio memoriaegrego.160

Sicione e os casos tardios

A história de Sicione fornece alguns poucos casos (alguns dos quaisinter-relacionados)decultosque foramestabelecidosnosmoldesdocultoaooikista.Embora tardios (Clássico eHelenístico) e não coloniais, esses casospodemfornecermaisinformaçõesecorroboraçãodaspráticasanteriores.Paracomparação, alguns outros exemplos relevantes de outras partes do mundogregotambémserãomencionados.

Em 366 a.C., Eufron foi assassinado pelos oligarcas exilados deSicione enquanto acompanhava uma embaixada a Tebas. Os tebanosficaram aparentemente aliviados; “seus próprios cidadãos, no entanto, queconsideravam-no um bom homem, trouxeram-no para casa, o enterraram naágoraelheconcederamhonrasdevotadas,comofundadordesuacidade–tantoéverdade,comoparece,queamaioriadaspessoasdefinecomobonshomensseusprópriosbenfeitores”.161

Eufron,comoBrasidas,nãoeraumoikistadeverdade.Masele foium“fundador”deumaordemsocial,portantoumoikistaporextensão.Suashonrassão,assim,comparáveisàshonrasprestadasaoslegisladores.Osepultamentonaágora,queéanálogoaodeumarquegueta, tambémédignodenota.162 O cultotambémparecetersidoperpétuo(i.e.anual),oqueaparecenotempodeσέβονται.

Eufronpodesercomparadoaoutrodesses“arqueguetas”quetambémfoisepultadonaágoradesuacidade(etambémtalveztenharecebidoumculto):ArrianomencionaqueosoligarcasdeÉfesoescavaramos restosmortaisdeHerophytos,o“libertador”dacidade.Maisumavez,então,temosumcasodestatusestendidodeoikista.163

UmhomemcomumanotoriedademaisapropriadaaotítulodeoikistaeraEpimelides,olíderdarefundaçãomessêniadeKorone(371a.C.),quetambémfoi responsável pelo nomeda cidade.Não sabemosmais nada sobre ele doquesuaposiçãopóstuma:aodescreverosmonumentosnaágora,Pausâniasacrescenta:“EutambémviasepulturadeEpimelides”.Ocontextotornaquase

160 LévêqueeVidal-Naquet(1964:72-73)perceptivamentechamamaaçãocontraHípias[Tuc.VI.54.7]damnatio memoriae..161 Xen.Hell.[VII.3.12](tr.Brownson,Loeb).SobreseusdefensoresverGriffin(1982:70-74).162 Verp.200ss.163 ArrianoAnab.I.1.7.11;cf.Foucart(1922:138).

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certoquea localizaçãoeraaágora.Nósnãosabemosquandoelemorreu;éinteressantenotarqueEufroneEpimelideseramcontemporâneos.164

OutrocontemporâneoeraPodares,“quefoimorto,dizemeles,nabatalhacontraostebanossobasordensdeEpaminondas”.Ele também,recebeuumsepultamentonaágora(deMantineia)ouaomenosumsantuáriodeheróiali.SeucultoaindaexistianaépocadePausânias.165

Em213a.C.,quandoapopulaçãodeSicionequeriasepultarAratosnaágora,elestinhamconsciênciaquenãopodiamfazerissoporquealeireligiosaproibia. Eufron fora esquecido?A explicação é simples e fornecida por outroexemplo(intermediário)deumcultoaooikistaemSicione.Em303a.C.,DemétrioPoliorcetamudouocentrodacidadeparaaacrópole,queforneciamaissegurançanostemposmaisperigosos.Alieleestabeleceuum“governolivre”edaquelesaquemelebeneficiou“recebeuhonrasdivinas...poiseleschamaramacidadeDemetriasedecidiramcelebrarsacrifíciosefestivaispúblicosetambémjogosemsuahonratodososanoseconceder-lheasoutrashonrasdeumfundador”.166

A troca ambiciosa de nomes logo foi abandonada.167 Podemos notar,entretanto, que a fundação original de Demétrio Poliorceta, a Demetrias daTessália,manteveseunome.Suascinzasforamtransferidasparaessacidadeefoialiqueelefoiglorificadoativamentecomofundador[Plut.Dem.53]emumsantuáriocomumdearqueguetas e ktístai(i.e.,queincluíaosheróislocaisantesdosinecismode293a.C.).muitoprovavelmenteDemétrio tinhaumaposiçãoproeminentenesseculto.168

Em Sicione, Demétrio é explicitamente chamado de ktístes.A lista dehonrasanuaiséconvencional:(1)sacrifícios,(2)festivaispúblicos,(3)jogos,(4)etodasas“outrashonrasdeumfundador”(umacategoriageralfrustrantequerecorrenasnossasfontes).

Noentanto,hádoiselementosquesãoexcepcionais.Oprimeirosãoas“honrasdivinas”,quesãoexpressamentemencionadas.U.Kahrstedt169 usa isso parasustentarsuatesequeDemétrionãoerahonradocomoumktístes, mas comoumdeus,apartir dosupostomodelodaposiçãodeAlexandrenaLigaCoríntia.Habichtdescartaessateoriamuitofacilmenteaomostrarquea“Liga

164 Paus. [IV.34.5-6].EpimelidesterianomeadoacidadeapartirdesuacidadenatalnaBeócia.SeunomeanterioreraApeia[Hom.Il.IX.152;249];cf.Frazer(1898:III448);cf.Estrabão[VIIIp.360].ArefundaçãodeKoroneécomparávelàrefundaçãodeMessinaporEpaminondas,ocontemporâneodeEpimelides.Verp.104-106.165 Paus.[VIII.9.9].166 Diod.[XX.102.3];cf.Paus[II.7.1];verHabicht(1956:74,75n.4).167 Griffin(1982:78).168 Habicht(1956:76);ktísteseoikista:Casevitz(1985:esp.68ss;101ss).169 Göttingische Gelehrte Anzeiger195(1933)203.

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Helênica”nãofoiconstituídaantesdeumanodepoisdarefundaçãodeSicione,comoDemétrias.

A explicação pode estar ligada ao segundo elemento incomum: que oculto de fundador queDemétrio recebia emSicione era observado enquantoeleaindaeravivo.Essaéumaverdadeirarupturadatradição:ocultoheróicoépordefiniçãoumcultoaosmortos.Umavezqueasregrassãoquebradas,tudoficasolto:nãohánadaaadmirarnoapropriaçãodashonrasdivinaeheróica.170 Aindaencontramoscultospóstumosgenuínos“comoaumfundador”naGréciacontinental, mas o caso de Demétrio pode permanecer excepcional e podefornecerapenasmaiscorroboraçãodoselementosdocultoaooikista.EssecultoeraomodeloparaDemétrio,queotomouparasimesmo.

Provavelmente a realocação da cidade, que implica é claro uma novaágora, foiacausadoproblemareligiosoespecíficoquesurgiuquandoAratosfaleceu em 213 a.C. Ele morreu emAigion enquanto era estratego da LigaAqueiapela17avez.Osaqueusqueriamsepultá-lonaquelemomentoeali.ApopulaçãodeSicione,entretanto,insistiuqueseucorpofosseenterradoemsuaprópriacidade.“Elestinham,noentanto,umaleiantigaqueninguémpodiaserenterradodentrodasmuralhasdacidadeea leierasustentadaporum fortesentimento supersticioso”.171Apenas uma embaixada especial a Delfos e umoráculo interpretado de modo favorável poderia permitir que eles seguissemseusplanos.

AmudançadosítiodeSicionepareceserumaexplicaçãoadequadadoproblemareligioso.ASicioneantigatinhatumbasdeheróismíticosnasuaágora,comoAdrastoseMelanipo172e,éclaro,Eufron.AscinzasdeDemétrioPoliorcetaforamdepositadasnaDemétriasdaTessália.Parecerazoávelconcluir,então,queentre303a.C.(aomenos,senãodesde366a.C.)nãohouvenovastumbasdentrodosmurosdacidade;introduziratumbadeAratosteriasidoumanovidadetotalesemprecedentesnanovaágoradeSicione.Issoexplicaaconsciênciaargutadoscidadãossobreaantigaleiesuanecessidadedeumasançãoespecial.

Oepisódioilustraoquãoraroeramossepultamentosdentrodosmurosda cidade, mesmo no período Helenístico. Na verdade, honras a um ktístes eramconcedidasdeumamaneiracrescente,masgeralmenteahomensvivos;elesraramenteeramassociadosaumatumba.173Queosentimentoeravívido(etalvezmesmodealgummodoreacionário?)noséculoIa.C.estácomprovado

170 DemodosemelhanteCassandroemCassandreia;LisímacoemÉfeso;Habicht(1956:No.14;No.18).171 Plut.[Arat.53.2].172 Hdt.[V.67];verabaixo,p.237.173 Habicht(1956:169n.14)paraexemplos.

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porumacartaqueServiusSulpiciusenviouparaCíceroem31demaiode45a.C.Nela,elerelataqueosateniensesrecusaramenterrarM.Marcellus(apesardeseupedidoexplícito)dentrodacidade,emboraeleadmitaque“estaeraumaconcessãoqueelesnuncahaviamfeitoantesaninguém”. (Ab Atheniensibus, locum sepulturae intra urbem ut darent impetrare non potuit, quod religione se impediri dicerent; neque tamen id antea cuiquam concesserant).174

Políbio, uma fonte mais antiga, descreve brevemente as honrasobservadas a Aratos em Sicione: Eles lhe ofereceram sacrifícios (θυσίας) ehonrasheróicas(τιμάςἡρωικάς)etudoemsumaquecontribuiparaimortalizaramemóriadeumhomem.175Anaturezaexatadethusiai e de timai heroikai se tornaclaraquandoexaminamosadescriçãodetalhadadePlutarco(sempreumafonteparaotratamentopiedosodoritual).Primeiro,aprocissãofuneráriafestivae repleta de pessoas176 que transladou o corpo a Sicione é descrita. Então,aoescolherum lugardecomando,elesoenterraramali, chamando-ooikista(oikistés)esalvador(sotér)dacidade.177NãoéditoexpressamentequeAratosfoienterradonaágora,masnãohádúvidaqueesseeraumpontocentraldentrodacidade,comodemonstraanecessidadedasançãodélfica.Sotéragoraéumtítulo,mastalveznessecasoeletenharetidoomesmosignificadooriginalparaoscontemporâneosdeAratosemSicione,eoquetinhaparaosanfipolitanosquesepultaramBrasidasmaisdedoisséculosantes.

O lugar do sepultamento se tornou um santuário de herói, que aindaexistia na época de Pausânias.178 Duas vezes por ano, todo ano, sacrifícioseramrealizadosparaAratos:umaveznodia“emqueelelibertouacidadedasuaTirania”(aSotéria),presididapelosacerdotedeZeusSotér(umsacerdoteestatalhabitual).Ooutro,queeramaispessoal,ocorrianodiadoaniversáriodeAratos,presididoporumsacerdoteespecialdeAratos.179NaépocadePlutarco,apenas“levestraços”dascelebraçõesanuaisaindapermaneciam.180

Quão longe podemos ir ao deduzir práticas de culto a partir dessasdescrições?Devemossercuidadososenãodeixarquetempo,circunstânciaseextensãoconceitualdetítulo,oikista,particularesnosenganem.

Podemos, entretanto, aceitar o quadro geral; por conseguinte, nãodevemos concluir, por exemplo, que o oikista teria possuído um sacerdoteespecialouqueossacrifíciosanuaisemsuahonrafossemcelebradosnoseu174 Cic.Ad. Fam.[IV.12.3];comYoung(1951:67-134).Cf.Acima,p.200.175 VIII.12;tr.Paton(Loeb).176 SobreissoverHabicht(1956:153).177 Plut.loc.cit.tr.Perrin(Loeb).178 Paus.[II.9.4];cf.Plut.ibid.;Habicht(1956:140n.12).179 Discussão:Habicht(1956:148en.42).180 Plut.loc. cit.;Habicht(1956:131n.4).

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aniversário.Poroutrolado,ascaracterísticasgeraisseaplicam:umherôon, um cultoanualeumatumbadentrodosmurosdacidade.

Aratosrecebeuumcultoheróico,umfatoatestadotantoporPolíbioquantoporPausânias.Esseéoutrocasoemquenósnãoprecisamosnospreocuparmuitocomadiferenciaçãoesquemáticaentreἐναγίσματα (“paraosheróis”)eθυσίαι(“paraosdeuses”).TantoPolíbioquantoPlutarcousamθύειν.DetodososlugaresdaGrécia,seessadiferençarealmentetivesseimportância,elaapareceriamaisclaramenteemSicione.AcidadetinhaumcultoduploparaHéracles,tantocomoumdeusquantocomoumherói;emumcontextosemelhante,Heródoto,comovimos181, defineadiferençaentredois tiposdecultosparaHéraclesaoempregarθύεινeἐναγίζειν,respectivamente.Ousodeθυσίαι,então,nãodeveimpediraatribuiçãodeumcultoheróicoparaAratos.182

É importante manter uma certa precaução ao lidar com a evidênciahelenísticaelembrarqueépossívelacessarcomcontrolecrítico(namedidaaqueoscultosaofundadorsereferem)apenasformasexternasenãosignificadosdeduzidos ou escondidos. Os siciônios parecem ter esquecidomuito da suaprópriahistória.Naverdade,umadasevidênciasmaisantigasquetemossobrerelíquias,cultoheróicoeenterramentosnaágoravêmdeSicione.EstamosnosreferindoaClístenes,otiranodoséculoVIa.C.183

Heródoto narra que entre as tentativas de Clístenes de eliminar asconexõessimbólicasentreacidade-mãedeSicione,Argos,eletentou“expelir”oherói,Adrasto,“cujosantuárioficava,então,comoagoranaprópriaágoradeSicione”.184Aexpulsãodeumheróisugereprovavelmentearemoçãodeseusossos.185Delfos,cujasançãofoibuscada,proibiuisso.ClístenesentãoresolveuimportardeTebasoinimigomíticodeAdrastos,Melanipo(queestavaenterradoemTebas,masforadosmurosdacidade)186,elhedeuumprecintonoPritaneunaágora(i.e.alocalizaçãomaisimportantenaprópriaágora).187Alémdisso,ossacrifícios(θυσίαι)efestivaisdeAdrastoforamtransferidosparaele.Paratudoisso,elenãopareceterprecisadodasançãodeDelfos.

Podemos, então ver o quão importantes eram as relíquias. Podemostambémnotaragraduaçãodeimportância:ossosenterradosforadosmurosda

181 Verp.193.182 Paus.[II.10.1];cf.Nock(1944:148).183 Hdt.[V.67];cf.Foucart(1922:84ss).184 ἡρώιονγὰρἧνκαὶἔστιἐναὐτῇτῇἀγορᾷτῶνΣικυωνίωνἈδρήστου.185 Comentárioad. loc.deHoweWells(1912).AdrastostambémtinhaumsantuárioemMégara:Paus.[I.43.1].186 Paus.[IX.18.1].187 Cf.Paus.[I.43.2-3.7];paraossepultamentosnoPritaneuemMégara.Cf.Piccirilli(1975:F19).

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cidade(osdeMelanipoemTebas)sãojustapostosasepultamentosnaágora.Esseúltimo tambémajudaaconstituira identidadedacidade fornecendoumsímboloadequadoàmesma.QueessanãoéumanoçãomodernaaplicadaaosgregosantigosestáprovadoporClístenes,osiciônio:poisfoi,apesardetudo,suaintençãoasseveradadedaràsuacidadeumaimagemnovaenãoargiva(daí tambémamudançadosnomes tribais).Demodo semelhante, podemossuporqueessafoiparcialmentearazãodosenterramentosnaágoraseremtãorarosetãoimportantes;osepultamentodooikistanaágoraémostradoaindamaisumavez188,comoumsímbolodaidentidadedapólis.

Cultos Siceliotas

OsverdadeirosprecedentesparaDemétrioPoliorcetaemesmoparaamudançadeliberadadeoikistaemAnfípolissãoencontradosnoiníciodoséculoVa.C.,naSicília.ExistemalgunspoucoscasosatestadosnaSicíliadecultosheróicosrealizadosparahomensproeminentesentre478a336a.C.,trêsdeleshonramespecificamenteumoikista.UmavezqueestamoslidandocomcasosquepertencemtodosàSicíliaeumavezqueDiodoroénossaprincipal fontesobreosmesmos,épreferíveldiscutí-lostodosjuntos. QuandoGelonmorreuem478a.C.,ele recebeua timai heroikai e lhefoi outorgadauma tumbanotável.A tumba,emsi, estavado ladode foradeSiracusaeashonrasnãosãomencionadascomohonrasaooikista.189Demodosemelhante,seisanosmaistarde,seusogro,TérondeAgrigento,recebeuἡρωικαὶτιμαί.190Em476a.C.,oformidávelsiracusanoHiéronexpulsouoshabitantesdeNaxoseCatâniaereassentouCatâniacujonomeelemudouparaEtna.191HieronfoicelebradoporPíndarocomoκλεινόςοἰκιστήρ.192Hagésias,seumantis, como umσυνοικιστήρ193ElefoiatéparodiadoporAristófanesemAvescomoκτίστωρΑἴτνας.194Aparentemente,eletinhaumagrandeambiçãodeserconsideradoumoikista; é interessante notar a asserçãodeDiodoro sobreos seusmotivos.195 Sobreanecessidademilitarpráticadereassentamento,Diodoroacrescenta:

Ele fez isso em uma busca ávida... por honras heróicas (i.e. culto) dessas inúmeras cidades fortes criadas [por ele mesmo].

188 Veracima,p.200ss.Cf.Griffin(1982:38).189 Diod.[XI.38].SobreosexemplossiceliotasvertambémGGR4 719.190 Diod.[XI.53].191 Diod.[XI.49];cf.Bérard(1971:86).192 Pind.[Píticas,I.31];cf.III.169.193 Ibid.[01.VI.6;cf.frg.105.3].194 [Aves926].195 Diod.[XI.49.2].

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Comefeito,foiemCatânia(onovonomenãovingou)queelemorreuem467a.C.“Elerecebeuhonrasheróicascomotendosidoofundadordacidade”.196 É raro conseguirmosesses registrosquenos revelamquão importanteeraostatusdeumoikista.ObservamosissonocasodeXenofonte197edoscidadãosdeTúrioquecompetiampelastimai.198Issosetornaráaindamaisaparentemaistarde,quandodiscutirmosapluralidadedosoikistaseaeventualcorrenteemdireçãoàexclusividadedotítulo.Serumoikista,comoHieronexemplifica,eraumaambiçãonobre;odesejodereceberumcultoaooikistaeraconsideradaumarazãosuficienteparaaexpulsãodapopulaçãodeduascidadeseacriaçãodeumanova.Diodoroestáemsuamelhorformaaolidarcomsuailhanataledevemostomarsuaafirmaçãoseriamente–nãocomoumvislumbredamentedeHieron,mascomoumaindicaçãodomodocomosuasaçõeseseusmotivoserampercebidos.199

EsseseventostinhammaischancedeacontecernaSicílianessaépocaque em qualquer outro lugar do mundo grego. Camarina, por exemplo, foifundadaporSiracusaentre598-595a.C.;elafoidestruída46anosmaistarde,apósumarevolta(552-547a.C.).200ElafoifinalmentedadaaHipócrates,otiranodeGela,em492a.C.201,comoresgateporprisioneirosdeguerrasiracusanos.Ele“mesmose tornou fundadorerecolonizouCamarina”.202Algunsanosmaistarde,Gelonnovamenteretirouapopulaçãodalierecolonizouolocal.203Nósnãosabemos,entretanto,deumcultoaooikistaparaHipócrates;elepodenãotertipotemposuficiente.

Hieron teve, então, precedentes históricos locais, tanto em relaçãoa receber honras heróicas quanto por recebê-las como oikista, isto é, com“justificativa”.OpróprioexemplodeHieronpermitecompreenderDucézio,olídersículoqueseimpôscomoumoikistanosmoldesgregos.204

AshonrasaHieronforampóstumas,eaesserespeito,aomenos,ocultopermaneceutradicional.Averdadeirarupturacomopassadoocorreunametadedo século IV a.C., quando timai heroikai foram conferidas a Díon. Ele aindaestavavivonaquelaépocaetambémeraumgeneraleleitocompoderabsoluto

196 Diod.[XI.66.4].Vertambémacima,p.93-97.197 Verp.102-104.Anab.V.6.17:suaalegadaambição:ὄνομακαὶδύναμιν.198 Verp.98eesp.abaixo,p.254-256.199 Defato,eleeraumoikistaqueforneceuaosítioumnovonomeeumanovapopulação.200 Tuc.[VI.5.3].SobreacronologiaBérard(1971:136).201 Hdt.[VII.154.3];Thuc.[VI.5.3];PhilistosFgrHist556F15=schol. adPind.[01.V.19c].202 Tuc.[VI.5.3].203 Tuc.[VI.5.5];Hdt.[VII.156];Diod.[XI.76.5];schol. adPind.[01.V.16];19;schol. ad Ae-schin.Ctesiph.186;Bérardop. cit.comn.4.204 Verp.85ss.

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(356a.C.).205

A mudança antecipou os cultos ao soberano helenístico. No entanto,issonãodeveobscurecernossaavaliaçãodoúltimocaso(20anosdepois)quenovamente envolve umculto póstumo.Timoleonte, que faleceuem336a.C.,foigrandiosamenteglorificadopelossiracusanosporsuaobraemvida:derrotarosfenícioseacabarcomastiranias.Emseufuneral,oarauto,Demétrio,leuodecretodopovo.Otexto,excetopelaúltimafrase,équaseidênticoemDiodoroePlutarco:

PelopovodeSiracusa,Timoleonte,filhodeTimodemos,deCorinto,éaquisepultadocomverbapúblicadeduzentasminaseéhonradoparasemprecomdisputasanuais,demúsica,equestreseginástica,porqueelederrotouostiranos,dominouosbárbaros,repovoouamaiordascidadesdevastadase,então,restaurousuasleisaosgregosdaSicília.206

205 Diod.[XVI.20].

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Plutarco acrescenta que ele recebeu um ταφὴ τοῦ σώματος (aquiclaramente um sepultamento, não apenas um funeral) na ágora;mais tarde,quando o lugar se tornou um gymnasium, foi chamado Timoleonteion. Eletambémrecebeuosagonestriplosanuais,mencionadasnodecreto.207

Nota finalFoucart(1922:135-136)argumentaqueDiodorofazumadistinçãoentrehonrasaumherói(issoseaplicaatodososcasosemdiscussãoaqui)eaatribuiçãoverdadeiradotítulo,heros.Eleba-seoutodasuaafirmação,entretanto,emDíon,queéclaramenteumcasoexcepcional.