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Universidade Federal da Bahia Escola de Administração

Eixo Acadêmico Mestrado/Doutorado Disciplina: Estudos Organizacionais

Prof. Genauto Carvalho de França Filho

Aluno: Daniel Reis Armond de Melo Resenha do artigo: Morgan, Gareth, “Interesses, conflitos e poder: as organizações vistas como sistemas políticos”, In: Morgan, Imagens da Organização, São Paulo: Atlas, 1996.

Neste trabalho, procura-se apresentar a metáfora das organizações como

sistemas políticos, conforme apresentada por Morgan (1996). Ao longo da argumentação, discutem-se as organizações como sistemas de governo e de atividade política (relação entre interesses, conflitos e poder), as bases para administração de organizações pluralistas e, por fim, as forças e limitações da metáfora política.

Para o autor, quando se reconhece que as organizações são intrinsecamente

políticas, “muito pode ser aprendido sobre os problemas e a legitimidade da administração como um processo de governo e sobre a relação entre organização e sociedade” (p.146). Neste sentido, o autor usa a metáfora política para apresentar como os diferentes conjuntos de interesses, conflitos e jogos de poder permeiam as atividades nas organizações.

Inicialmente, Morgan (1996) apresenta as organizações como “sistemas de

governo”, apontando para o fato de que se apóiam em princípios políticos para legitimar tipos diferentes de regras, bem como os diferentes fatores presentes nas políticas da vida organizacional.

O autor defende que os tipos mais comuns de formas de governo político

encontrados nas organizações são: as autocracias (governo absoluto, centralizado em uma pessoa ou grupo), as burocracias (regra exercida por meio da palavra escrita), as tecnocracias (regra exercida pelo uso do conhecimento técnico), a co-gestão (quando há uma coligação de forças para assumir o poder), a democracia representativa (vota-se em representantes) e a democracia direta (as decisões são tomadas por todos e cada um tem direito igual de governar). Segundo o autor, “é raro encontrar organizações que se utilizam de apenas uma dessas diferentes espécies de governo. Com maior freqüência se encontram, na prática, tipos mistos.” (p.149)

Depreende-se, pelos argumentos do autor, que escolhas organizacionais

implicam em escolhas políticas. Nesse sentido vê-se que questões como estilo de liderança, autonomia, participação, relações de trabalho, não são termos neutros, os mesmos possuem grande significado político. Para Morgan (1996), “ao compreender as organizações como sistemas políticos, obtêm-se meios para explorar o significado político desses temas, bem como o relacionamento geral entre política e organização” (p.152).

Não obstante, o autor defende ainda que, para entender a dinâmica política do

dia-a-dia de uma organização, também é necessário explorar o processo pelo qual as pessoas se engajam em atividades políticas dentro dela. Para isso, propõe analisar as práticas organizacionais de um modo sistemático, com ênfase no relacionamento entre interesses, conflito e poder. Para o autor, “a política organizacional nasce quando

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pessoas pensam diferentemente e querem agir também diferentemente. Essa diversidade cria uma tensão que precisa ser resolvida por meios políticos” (p.152), em outras palavras: autocraticamente, burocraticamente, tecnocraticamente ou democraticamente. Para o entendimento das atividades políticas, segundo Morgan (1996) devemos analisar os interesses, compreender os conflitos e pesquisar o poder, suas fontes e sua natureza.

Na análise dos interesses, Morgan (1996) aponta que é possível enumerar três

grandes domínios com os quais todos os indivíduos da organização convivem: interesses da tarefa, interesses de carreira e interesses extra-muro (exteriores à organização). O autor explica que deve-se buscar a mediação desses interesses, pois são inerentemente conflitantes. Além disso, aponta que dentro da organização encontrar-se-ão pessoas das mais diversas naturezas, origens, crenças e valores, por isso, o espaço produtivo configurar-se-á como local de expressão das diferenças de interesses. Quanto a isso, o autor defende que o equilíbrio entre os três blocos de interesse cria “tensões que são o centro da atividade política” (p.154). Afirma-se que a zona de convergência dos interesses é freqüentemente pequena e, por isso, racionalidade organizacional (ou da tarefa) é um fenômeno raro. Por conta disso, “o conflito aparece sempre que os interesses colidem” (p.159).

Para analisar os conflitos, Morgan (1996) julga interessante pensar sob um novo

ponto de vista, pois, em geral, “o conflito é visto como um estado de infortúnio que em circunstâncias mais favoráveis desapareceriam” (p.160). O autor, por sua vez, aponta para os conflitos como uma situação natural, funcional. Afirma que “o conflito sempre estará presente nas organizações” (p.160) podendo surgir de várias origens, de várias formas e naturezas. Pela argumentação do autor, percebe-se que o próprio funcionamento da maioria das organizações já expressa um conflito em si, pois exige colaboração para o alcance dos objetivos pessoais e objetivos da organização, ao passo que estimula a competição e desempenho diferenciado, seja nos indivíduos ou nos grupos. Segundo ele, “o poder é o meio através do qual conflitos de interesses são, afinal, resolvidos. O poder influencia quem consegue o quê, quando e como” (p.163).

Para discutir o poder nas organizações, o autor apresenta detalhadamente

quatorze fontes de poder, identificadas por ele, mas adverte que a lista não está completa. Dentre as apontadas estão: autoridade formal; controle sobre recursos escassos; uso da estrutura organizacional, regras e regulamentos; controle do processo de tomada de decisão; controle da informação e do conhecimento; controle dos limites; habilidade de lidar com incertezas; controle da tecnologia; alianças interpessoais redes e controle da “organização informal”; controle das contra-organizações; simbolismo e administração do significado; sexo e administração das relações entre os sexos; fatores estruturais que definem o estágio de ação e o poder que já se tem. “Essas fontes de poder dão aos membros da organização uma variedade de meios para ampliar os seus interesses, resolvendo ou perpetuando os conflitos organizacionais” (p.164).

Segundo Morgan (1996), “está longe de ficar claro se o poder deveria ser

compreendido como um fenômeno de comportamento interpessoal ou como uma manifestação de fatores estruturais profundamente instalados. Não está claro se as pessoas têm e exercem o poder como seres humanos autônomos, ou se são simplesmente portadores das relações de poder que são o produto de forças mais fundamentais” (p.191). Isso aponta para o fato de que ao se estudar o poder na

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organização, ou ao tentar compreender a sua estrutura de funcionamento, também deve ser entendida a sua natureza ambígua.

O autor reforça a idéia de que a discussão sobre as possíveis fontes e usos do

poder, bem como a análise de interesses e a discussão do conflito, oferecem uma ferramenta de trabalho por meio da qual se torna possível analisar a política organizacional.

A partir dessas análises, Morgan (1996) discute então que “as organizações

podem ser compreendidas como mini-estados em que o relacionamento entre o indivíduo e a sociedade caminhe lado a lado com o relacionamento entre o indivíduo e a organização” (p.193). Por conta disso, propõe que pode haver três tipos básicos de “estruturas de referência” e sugere que estes três tipos não existem em sua forma pura, mas que são sempre uma combinação, onde cada um predomina mais, ou menos. A tais estruturas chamou de visões unicista, pluralista e radical da organização e traçou detalhes de cada uma delas dentro do contexto organizacional.

Por fim, o autor apresenta o que chamou de “forças e limitações da metáfora

política”. Quanto às forças, Morgan (1996) destaca que estudar a organização usando a metáfora política é relevante por se ter uma visão ampliada, onde percebe-se que toda atividade organizacional é baseada em interesses, e pode-se avaliar todos os aspectos do funcionamento organizacional intrinsecamente relacionados com a política. Além disso, supera-se o mito da "racionalidade organizacional" posto que, na realidade, há é uma mistura de interesses pessoais, que não convergem e, apesar disso, deve-se administrar e dar uma direção ao movimento da organização. A metáfora política ajuda ainda a encontrar caminhos para superar as limitações da idéia que as organizações são sistemas integrados funcionais, além de prover a dimensão política do comportamento humano na organização. Por fim, ajuda a reconhecer as implicações sócio-políticas dos diferentes tipos de organização e o papel que jogam na sociedade.

Quando às limitações, destaca-se o super-dimensionamento do componente

político, quando, de fato, existem outros. Há de destacar-se, também, a questão de que uma visão estritamente política, segundo Morgan (1996), é uma visão cínica da realidade, e pode-se reduzir esta compreensão política a um instrumento, a uma habilidade para conseguir vantagens.

Algumas considerações devem ser ressaltadas analisando a metáfora de Morgan

(1996). Tanto a estrutura organizacional quanto as relações humanas na organização são importantes elementos políticos na visão do autor. Nas relações humanas, a diversidade de interesses é parte da natureza humana e na organização, e em qualquer corpo social, haverá sempre uma relação de embate e oposição, choque e dissidências. No que diz respeito a estrutura organizacional, o autor expõe a inerência do conflito e a inevitabilidade da exposição contraditória de interesses no espaço produtivo. Há, dentro das organizações, a essência natural de relações conflituosas que não se resume só na relação entre capital e trabalho, mas também entre os diversos indivíduos na medida em que as instâncias cargo, carreira e exterior da organização entram em choque. Em ambos os casos, na mediação das diferenças de interesses e na contradição estrutural, a política é essencial forma de interação dos diversos agentes. Ao mesmo tempo o poder e o uso dele nas diversas ações será fundamental no convívio coletivo.