02 - reparacao de dano ambiental- karla virginia bezerra caribe

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Gestão Ambiental.

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    REPARAO DE DANO AMBIENTAL OBRIGAO PROPTER REM, IMPRESCRITIBILIDADE DO PEDIDO E INEXISTNCIA DE SITUAES

    JURDICAS CONSOLIDADAS

    Karla Virgnia Bezerra Carib

    Procuradora Federal em exerccio no Ibama. Ps-graduada em Direito Processo Civil e em Direito Pblico.

    RESUMO: A efetividade do direito difuso ao meio ambiente equilibrado s

    garantida por meio da busca constante reparao do dano ambiental praticado.

    Os princpios que regem a matria possibilitam que a recuperao do prejuzo seja

    realizado a qualquer tempo pelo atual proprietrio/responsvel pela rea

    degradada, independentemente de quem foi o real causador do dano, em virtude

    do regime de responsabilizao objetiva vigente. As diretrizes aplicveis, portanto,

    tornam imprescritvel a ao de reparao e garantem o carter propter rem

    obrigao em anlise. Em virtude de tais caractersticas, no h que se falar em

    situaes jurdicas consolidadas quanto em conflito a necessria proteo ao meio

    ambiente.

    PALAVRAS-CHAVE: Reparao de dano ambiental. Regime jurdico aplicvel.

    Obrigao propter rem. Ao imprescritvel.

    SUMRIO: Consideraes iniciais; 1

    Imprescritibilidade da pretenso reparatria; 2 Da

    responsabilidade objetiva e do dever de reparao

    do dano ambiental; 3 Do carter propter rem da

    obrigao em anlise; 4 Da inexistncia de direito

    adquirido degradao ambiental e do

    descabimento de aplicao do termo situaes jurdicas consolidadas a questes ambientais; 5 Consideraes finais; Referncias.

    CONSIDERAES INICIAIS

    sabido que um dos maiores problemas atuais enfrentados pela humanidade

    diz respeito ao meio ambiente, pois cada vez mais comum a configurao de

    danos ambientais que causam tragdias, alteraes climticas significativas,

    tsunamis, furaes, extino de espcies da fauna e da flora, etc.

    O colapso ambiental que pode estar se aproximando exige da sociedade a

    adoo de medidas que, no s garantam a preservao dos recursos ambientais

    ainda existentes, mas tambm permitam efetivamente a recuperao ambiental

    dos danos j causados, que so inmeros e esto por toda parte.

    Em face disso, torna-se premente a anlise do sistema jurdico vigente e a

    interpretao doutrinria e jurisprudencial da normativa sobre o assunto, para

    garantir a efetividade da desejada reparao ambiental.

    Adiante, restaro analisados os principais princpios a serem aplicados nas

    aes reparatrias, com uma viso de quem tem verdadeira preocupao com a

    causa ambiental e defende, num eventual conflito de interesses, a proteo do

    direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

    1 IMPRESCRITIBILIDADE DA PRETENSO REPARATRIA

    Segundo o art. 225, 3, da Constituio Federal:

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    Art. 225. Todos tm direito ao meio ambiente ecologicamente

    equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Pblico e coletividade o dever de defend-lo e preserv- lo para as presentes e futuras geraes.

    [...]

    3 - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio

    ambiente sujeitaro os infratores, pessoas fsicas ou jurdicas, a sanes penais e administrativas, independentemente da obrigao de reparar os danos causados.

    A obrigao de reparar o dano ambiental causado, que tem previso

    constitucional, dotada de uma sria de caractersticas especiais, em razo da

    relevncia do bem jurdico tutelado.

    No que tange ao prazo legal para se buscar a reparao de dano em rea

    degradada, j pacfico o entendimento de que imprescritvel a ao de

    reparao/recuperao ambiental.

    O Superior Tribunal de Justia STJ, por diversas vezes, posicionou-se sobre o tema:

    ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL - DIREITO AMBIENTAL- AO CIVIL PBLICA COMPETNCIA DA JUSTIA FEDERAL IMPRESCRITIBILIDADE DA REPARAO DO DANO AMBIENTAL PEDIDO GENRICO ARBITRAMENTO DO QUANTUM DEBEATUR NA SENTENA: REVISO, POSSIBILIDADE - SMULAS 284/STF E 7/STJ.

    1. da competncia da Justia Federal o processo e julgamento de Ao Civil Pblica visando indenizar a comunidade indgena Ashaninka-Kampa do rio Amnia.

    2. Segundo a jurisprudncia do STJ e STF trata-se de competncia territorial e funcional, eis que o dano ambiental no integra apenas o foro estadual da Comarca local, sendo bem mais abrangente

    espraiando-se por todo o territrio do Estado, dentro da esfera de competncia do Juiz Federal.

    3. Reparao pelos danos materiais e morais, consubstanciados na extrao ilegal de madeira da rea indgena.

    4. O dano ambiental alm de atingir de imediato o bem jurdico que

    lhe est prximo, a comunidade indgena, tambm atinge a todos os integrantes do Estado, espraiando-se para toda a comunidade

    local, no indgena e para futuras geraes pela irreversibilidade do mal ocasionado.

    5. Tratando-se de direito difuso, a reparao civil assume grande amplitude, com profundas implicaes na espcie de responsabilidade do degradador que objetiva, fundada no simples

    risco ou no simples fato da atividade danosa, independentemente da culpa do agente causador do dano.

    6. O direito ao pedido de reparao de danos ambientais, dentro da logicidade hermenutica, est protegido pelo manto da imprescritibilidade, por se tratar de direito inerente vida, fundamental e essencial afirmao dos povos, independentemente

    de no estar expresso em texto legal.

    7. Em matria de prescrio cumpre distinguir qual o bem jurdico tutelado: se eminentemente privado seguem-se os prazos normais das aes indenizatrias; se o bem jurdico indisponvel, fundamental, antecedendo a todos os demais direitos, pois sem ele no h vida, nem sade, nem trabalho, nem lazer , considera-se

    imprescritvel o direito reparao.

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    8. O dano ambiental inclui-se dentre os direitos indisponveis e

    como tal est dentre os poucos acobertados pelo manto da imprescritibilidade a ao que visa reparar o dano ambiental.

    9. Quando o pedido genrico, pode o magistrado determinar, desde j, o montante da reparao, havendo elementos suficientes nos autos. Precedentes do STJ.

    10. Invivel, no presente recurso especial modificar o entendimento

    adotado pela instncia ordinria, no que tange aos valores arbitrados a ttulo de indenizao, por incidncia das Smulas 284/STF e 7/STJ.

    11. Recurso especial parcialmente conhecido e no provido. G.N.

    (REsp 1120117/AC, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA

    TURMA, julgado em 10/11/2009, DJe 19/11/2009).

    Outros Tribunais, de forma unssona, afirmam que:

    AMBIENTAL. AO CIVIL PBLICA. PRESCRIO. INOCORRNCIA. JULGAMENTO EXTRA PETITA. NO CONFIGURADO. REA DE PRESERVAO PERMANENTE. DEMOLIO DE EDIFICAO

    IRREGULARMENTE CONSTRUDA. DIREITO DE INDENIZAO. INEXISTNCIA. de ser afastada a prescrio quando se trata de bem de titularidade coletiva, pelo fato de pertencer a todos, no podem ter aplicao as regras tpicas do Direito Civil, de carter individualista, que buscam punir o titular do direito que, pela sua inrcia no exerccio da sua pretenso, passa a ser atingido pela prescrio. [...]G.N.

    (TRF/4 Regio, 3 turma, AC n 200372080088401, D.E

    07/04/2010, Relator Nicolau Konkel Jnior).

    De fato, a prescrio instituto destinado a privilegiar a pacificao das

    relaes sociais, atuando como verdadeira penalidade no caso de inrcia. A

    prescrio, se configurada, capaz de extinguir a pretenso daquele que no a

    exerce durante um determinado perodo de tempo. Assim, na prpria definio do

    termo, possvel concluir que a prescrio regula as relaes de direito privado,

    notadamente relativa aos interesses de cunho individual e disponvel. Seria ilgico

    falar em extino da pretenso pelo seu no exerccio, por quem sequer detm a

    titularidade do direito material, ou dele no pode dispor. Nesse sentido, a

    prescrio inaplicvel em se tratando de direitos difusos.

    A doutrina tambm compartilha o entendimento de que, em relao

    pretenso que visa recuperao do meio ambiente degradado, imprescritvel o

    direito de ao coletiva. Sobre o assunto, impende transcrever a doutrina de Hugo

    Nigro Mazzilli:

    Tratando-se de direito fundamental, indisponvel, comum a toda a humanidade, no se submete prescrio, pois uma gerao no pode impor s seguintes o eterno nus de suportar a prtica de comportamentos que podem destruir o prprio habitat dos ser humano.

    Tambm a atividade degradadora contnua no se sujeita a prescrio: a permanncia da causao do dano tambm elide a prescrio, pois o dano da vspera acrescido diuturnamente1.

    Vlidos, ainda, so os ensinamentos de dis Milar:

    A doutrina tradicional repete, unssona, que s a pretenso

    envolvendo direitos patrimoniais que est sujeita prescrio2.

    1 MAZZILLI, Hugo Nigro. A Defesa dos Interesses Difusos em Juzo, 17. ed. So Paulo: Saraiva, p. 515.

    2 Joo Lus Alves. Cdigo Civil. So Paulo: Livraria Acadmica, 1935, p. 181; Clvis Bevilqua. Cdigo Civil dos Estados Unidos do Brasil. So Paulo: Francisco Alves, 1959. v. 1, p. 355; Aldyr Dias Vianna.

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    Como os direitos difusos no tm titular determinvel, no seria correto transportar-se para o sistema da indenizao dos danos causados ao meio ambiente o sistema individualstico do Cdigo Civil3, sob pena de sacrificar-se toda a coletividade, sua titular.

    [...]

    Em resumo, no estamos diante de direito patrimonial quando se fala de tutela do meio ambiente difusamente considerado. As

    pretenses veiculadas na ao civil pblica se relacionam com a defesa de um direito fundamental, indisponvel, do ser humano; logo, inatingvel pela prescrio4.

    Assim, resta consolidado o entendimento de que a reparao de dano

    ambiental no se sujeita a prazo prescricional. Ademais, preciso reconhecer neles

    a caracterstica de continuidade, fato que, inequivocamente, afasta a hiptese de

    fluncia de quaisquer prazos prescricionais. Tambm nesse sentido, j se

    manifestou o STJ:

    CIVIL. PRESCRIO. VIOLAO CONTINUADA. INOCORRNCIA.

    A continuada violao do direito de propriedade dos recorridos por atos sucessivos de poluio praticados pela recorrente importa em que se conte o prazo prescricional do ltimo ato praticado. Recurso no conhecido. (RESP 20645/SC, DJ DATA: 07/10/2002, Relator Min. BARROS MONTEIRO (1089) Relator p/Acrdo Min. CESAR

    ASFOR ROCHA).

    2 DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA E DO DEVER DE REPARAO DO

    DANO AMBIENTAL

    responsvel pela reparao ambiental aquele que, direta ou indiretamente,

    por meio de sua conduta (ao ou omisso) alterou adversamente as

    caractersticas do meio ambiente. Nos termos do art. 3 da Lei Federal n

    6.938/1981:

    Art 3 - Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:

    I - meio ambiente, o conjunto de condies, leis, influncias e interaes de ordem fsica, qumica e biolgica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas;

    II - degradao da qualidade ambiental, a alterao adversa das caractersticas do meio ambiente;

    III - poluio, a degradao da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente:

    a) prejudiquem a sade, a segurana e o bem-estar da populao;

    b) criem condies adversas s atividades sociais e econmicas;

    c) afetem desfavoravelmente a biota;

    d) afetem as condies estticas ou sanitrias do meio ambiente;

    e) lancem matrias ou energia em desacordo com os padres ambientais estabelecidos;

    Da prescrio no direito civil brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 40; Paulo Tomrnn Borges. Decadncia e prescrio. So Paulo: Pr-Livro, 1980, p. 48.

    3 NERY, Nelson. Responsabilidade civil por dano ecolgico e ao civil pblica. Justitia, So Paulo: Ministrio Pblico de So Paulo, v. 126, 1984, p. 186.

    4 MILAR, dis. Direito do ambiente: a gesto ambiental em foco: doutrina, jurisprudncia, glossrio. 7. ed. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 1457/1458.

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    IV - poluidor, a pessoa fsica ou jurdica, de direito pblico ou

    privado, responsvel, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradao ambiental;

    V - recursos ambientais: a atmosfera, as guas interiores, superficiais e subterrneas, os esturios, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a flora. (Redao dada pela Lei n 7.804, de 1989)

    Uma vez configurado juridicamente o dano ambiental, o poluidor deve ser

    civilmente responsabilizado. Por imperativo legal especfico do artigo 14, 1, da

    Lei n 6.938/81, tem-se que, em matria de meio ambiente, a responsabilidade

    civil do causador do dano objetiva e, portanto, independente da prova de culpa.

    Confira-se:

    Art 14. Sem prejuzo das penalidades definidas pela legislao federal, estadual e municipal, o no cumprimento das medidas necessrias preservao ou correo dos inconvenientes e danos

    causados pela degradao da qualidade ambiental sujeitar os transgressores:

    [...]

    1 - Sem obstar a aplicao das penalidades previstas neste artigo, o poluidor obrigado, independentemente da existncia de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente

    e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministrio Pblico da Unio e dos Estados ter legitimidade para propor ao de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.

    Ao se tratar de dano ecolgico, no se pode pensar em outra forma de

    responsabilidade objetiva que no seja a do risco integral, pois aquela que

    permite a mais eficiente responsabilizao de prejuzos ambientais. Sobre o

    assunto, vale conferir entendimento do STJ:

    PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL - VIOLAO DO ART. 535 DO

    CPC NO CARACTERIZADA - DANO AMBIENTAL - RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA - RECUPERAO DA REA DEGRADADA - REPOSIO NATURAL: OBRIGAO DE FAZER E INDENIZAO - CABIMENTO.

    1. No ocorre ofensa ao art. 535, II, do CPC, se o Tribunal de origem decide, fundamentadamente, as questes essenciais ao

    julgamento da lide.

    2. Tratando-se de direito difuso, a reparao civil ambiental assume grande amplitude, com profundas implicaes na espcie de responsabilidade do degradador que objetiva, fundada no simples risco ou no simples fato da atividade danosa, independentemente da culpa do agente causador do dano.

    3. A condenao do poluidor em obrigao de fazer, com o intuito de recuperar a rea degradada pode no ser suficiente para eximi-lo de tambm pagar uma indenizao, se no for suficiente a reposio natural para compor o dano ambiental.

    4. Sem descartar a possibilidade de haver concomitantemente na

    recomposio do dano ambiental a imposio de uma obrigao de fazer e tambm a complementao com uma obrigao de pagar uma indenizao, descarta-se a tese de que a reposio natural

    exige sempre e sempre uma complementao.

    5. As instncias ordinrias pautaram-se no laudo pericial que considerou suficiente a reposio mediante o reflorestamento,

    obrigao de fazer.

    6. Recurso especial improvido. G.N

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    (STJ. REsp 1165281/MG. Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda

    Turma, julgado em 06/05/2010, DJe 17/05/2010).

    A caracterizao da responsabilidade civil do agente exige to-somente a

    configurao do evento danoso e do nexo causal, dispensando-se a avaliao do

    elemento moral, ou seja, da culpa. Nesse sentido, vale transcrever o disposto no

    pargrafo nico do art. 927 do Cdigo Civil (Lei n 10.406/2001), que refora a

    adoo pelo ordenamento jurdico ptrio da responsabilidade objetiva por danos

    causados a interesses difusos, como o caso do meio ambiente:

    Art. 927. Aquele que, por ato ilcito (arts. 186 e 187), causar dano a

    outrem, fica obrigado a repar-lo.

    Pargrafo nico. Haver obrigao de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou

    quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

    Impe-se, assim, o afastamento da responsabilidade subjetiva, aplicvel to-

    somente em caso de conflitos intersubjetivos, em que a inteno do agente fator

    relevante. Tratando-se de dano ambiental, no se deve perquirir, portanto, acerca

    da subjetividade da conduta, mas apenas da ocorrncia de prejuzos ao meio

    ambiente, bem difuso pertencente a toda coletividade.

    Sobre o assunto, MANCUSO5 esclarece que no devem ser aceitas as clssicas

    causas de excluso de responsabilidade (caso fortuito, fora maior, proveito de

    terceiro, licitude da atividade e culpa exclusiva da vtima). Na medida em que a

    apreciao de leso a interesses meta individuais exclui a aplicao de esquemas

    tradicionais, fundados na culpa ou na inteno do agente, de modo a evitar

    brechas no sistema protetivo capazes de impedir a tutela do relevantssimo direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

    Assim, mesmo nos casos em que haja certa dvida sobre a ao do agente,

    no estaria afastado o seu dever de recuperar a rea degradada, levando-se em

    conta o sistema de responsabilidade objetiva em danos ambientais. A restaurao

    do dano, conforme o sistema legislativo vigente, configura-se verdadeira obrigao

    imposta ao proprietrio ou possuidor da rea degradada.

    Os atuais proprietrios, portanto, tm responsabilidade direta sobre as

    atividades desenvolvidas na rea, como edificao, por exemplo, e pelos danos

    ambientais que se configuraram ou tiveram continuao, por sua ao ou mesmo

    omisso. No h fundamento vlido para excluir a sua responsabilidade civil

    reparatria. A doutrina compartilha desse mesmo entendimento:

    No raro o autuado afirmar que j comprou o imvel construdo, ou que detm apenas a posse e no o domnio. Em verdade, a construo irregular do imvel, e a infrao acompanha a quem

    detm a propriedade, inexistindo direito adquirido de quem o comprou em mant-lo em situao irregular6. [...]

    A tese da responsabilidade objetiva em Direito Ambiental tambm aceita, de

    forma pacfica, pelo Poder Judicirio, conforme faz prova a deciso que se traz

    baila:

    PROCESSO CIVIL E AMBIENTAL AO CIVIL PBLICA DANO AMBIENTAL CONSTRUO DE HIDRELTRICA RESPONSABILIDADE OBJETIVA E SOLIDRIA ARTS. 3, INC. IV, E 14, 1, DA LEI 6.398/1981 IRRETROATIVIDADE DA LEI PREQUESTIONAMENTO AUSENTE: SMULA 282/STF PRESCRIO

    5 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ao Civil Pblica: em defesa do meio ambiente, do patrimnio

    cultural e dos consumidores. 10. ed. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 342-343.

    6 FREITAS, Vladimir Passos de. Direito Administrativo e Meio Ambiente, 3. ed. Curitiba: Juru, 2005, p. 106.

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    DEFICINCIA NA FUNDAMETAO: SMULA 284/STF INADMISSIBILIDADE.

    A responsabilidade por danos ambientais objetiva e, como tal, no exige a comprovao de culpa, bastando a constatao do dano e do nexo de causalidade.

    Excetuam-se regra, dispensando a prova do nexo de causalidade, a responsabilidade do adquirente do imvel j danificado porque,

    independentemente de ter sido ele ou o dono anterior o real causador dos estragos, imputa-se ao novo proprietrio a responsabilidade pelos danos. Precedentes do STJ.

    A solidariedade nessa hiptese decorre da dico dos arts. 3, inc. IV, e 14, 1, da Lei 6.398/1981 (Lei da Poltica Nacional do Meio Ambiente).

    [...]

    (STJ, 2 Turma, Recurso Especial n 1056540, DJE 14/09/2009, Rel. Min. Eliana Calmon).

    V-se, portanto, que em razo da responsabilidade objetiva aqui tratada a

    jurisprudncia ptria firmou o entendimento no sentido de que o dever de proteo

    ao meio ambiente, bem como as responsabilidades decorrentes deste, devem se

    transferir, de forma automtica, com a alterao do domnio do bem lesado, o que

    significa que sua reparao poder tambm ser exigida do novo proprietrio.

    3 DO CARTER PROPTER REM DA OBRIGAO EM ANLISE

    Em razo das razes acima apontadas no que tange ao cometimento de

    danos ambientais e ao dever de repar-los, tem-se que a obrigao decorrente de

    eventuais prejuzos ou interferncias negativas ao meio ambiente so propter rem,

    possuindo carter acessrio atividade ou propriedade em que ocorreu a poluio

    ou degradao. E, por isso, tal responsabilidade seguir a atividade ou a

    propriedade, mesmo aps transmitidas a terceiros.

    Assim, resta pacfico que o adquirente responsvel pelo passivo ambiental

    do imvel adquirido. Caso contrrio, a degradao ambiental dificilmente seria

    reparada, uma vez que bastaria cometer-se a infrao e desfazer-se do bem lesado

    para que o dano ambiental estivesse consolidado e legitimado, sem qualquer nus

    reparatrio. Da necessidade de se evitar esse tipo de burla, tem-se que a obrigao

    de reparao propter rem, ou seja, segue a coisa, independentemente do atual

    titular do domnio/posse.

    Em face disso, se determinada atividade poluidora ou propriedade que esteja

    em desacordo com as leis ambientais tiver seu domnio transferido a terceiro, ser

    este solidariamente responsvel pela sua regularizao, assim como pela

    recuperao dos danos causados. Com isso, evitar-se- que o novo responsvel

    deixe de adotar as providncias necessrias a permitir o retorno do equilbrio

    ambiental, sob o argumento invlido de no ter sido o causador do dano ou de no

    o ter iniciado.

    Cabe reconhecer, na realidade, que o simples fato de o novo

    proprietrio/possuidor se omitir no que tange necessria regularizao ambiental

    mais do que suficiente para caracterizar o nexo causal. Ademais, sua ao ou

    omisso, alm de no garantir a desejada reparao, permitir a continuidade do

    dano ambiental iniciado por outrem. Da, ser inegvel sua responsabilidade civil.

    Vlido, sobre o assunto, o entendimento esposado pela advogada Laila

    Abud, segundo a qual:

    Assim, a ttulo exemplificativo, se determinada construo foi realizada em rea de preservao permanente ou certo imvel rural

  • 8

    esteja irregular quanto identificao e registro da reserva legal,

    no basta ao novo proprietrio que adquiriu a propriedade j naquele estado promover, respectivamente, a demolio da construo ou averbao da rea nos termos da Lei. Imperioso que tambm adote as medidas adequadas para recuperar ou compensar o dano causado, promovendo a recuperao de reas degradadas, o replantio de espcies raras, o reflorestamento de determinada rea etc7

    O STJ tambm j apreciou a questo, responsabilizando o adquirente de rea

    degradada:

    PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. DANOS AMBIENTAIS. AO CIVIL PBLICA. RESPONSABILIDADE DO ADQUIRENTE. TERRAS

    RURAIS.

    RECOMPOSIO. MATAS. TEMPUS REGIT ACTUM.

    AVERBAO PERCENTUAL DE 20%. SMULA 07 STJ.

    1. A responsabilidade pelo dano ambiental objetiva, ante a ratio essendi da Lei 6.938/81, que em seu art. 14, 1, determina que o

    poluidor seja obrigado a indenizar ou reparar os danos ao meio-ambiente e, quanto ao terceiro, preceitua que a obrigao persiste, mesmo sem culpa. Precedentes do STJ: RESP 826976/PR, Relator Ministro Castro Meira, DJ de 01.09.2006; AgRg no REsp 504626/PR, Relator Ministro Francisco Falco, DJ de 17.05.2004; RESP 263383/PR, Relator Ministro Joo Otvio de Noronha, DJ de

    22.08.2005 e EDcl no AgRg no RESP 255170/SP, desta relatoria, DJ de 22.04.2003.

    2. A obrigao de reparao dos danos ambientais propter rem, por

    isso que a Lei 8.171/91 vigora para todos os proprietrios rurais,

    ainda que no sejam eles os responsveis por eventuais desmatamentos anteriores, mxime porque a referida norma referendou o prprio Cdigo Florestal (Lei 4.771/65) que estabelecia uma limitao administrativa s propriedades rurais, obrigando os seus proprietrios a institurem reas de reservas legais, de no mnimo 20% de cada propriedade, em prol do interesse coletivo. Precedente do STJ: RESP 343.741/PR, Relator Ministro Franciulli

    Netto, DJ de 07.10.2002.

    3. Consoante bem pontuado pelo Ministro Herman Benjamin, no REsp n 650728/SC, 2 Turma, unnime: "[...] 11. incompatvel

    com o Direito brasileiro a chamada desafetao ou desclassificao jurdica tcita em razo do fato consumado . 12. As obrigaes ambientais derivadas do depsito ilegal de lixo ou resduos no solo

    so de natureza propter rem, o que significa dizer que aderem ao ttulo e se transferem ao futuro proprietrio, prescindindo-se de debate sobre a boa ou m-f do adquirente, pois no se est no mbito da responsabilidade subjetiva, baseada em culpa. 13. Para o fim de apurao do nexo de causalidade no dano ambiental, equiparam-se quem faz, quem no faz quando deveria fazer, quem deixa fazer, quem no se importa que faam, quem financia para

    que faam, e quem se beneficia quando outros fazem. 14. Constatado o nexo causal entre a ao e a omisso das recorrentes com o dano ambiental em questo, surge, objetivamente, o dever de promover a recuperao da rea afetada e indenizar eventuais

    danos remanescentes, na forma do art. 14, 1, da Lei 6.938/81.[...]". DJ 02/12/2009.

    4. Paulo Affonso Leme Machado, em sua obra Direito Ambiental

    7 ABUD Leila. A responsabilidade ambiental como obrigao propter rem. Disponvel em: . Acesso em: 03/08/2011.

  • 9

    Brasileiro, ressalta que "[...] A responsabilidade objetiva ambiental

    significa que quem danificar o ambiente tem o dever jurdico de repar-lo.

    Presente, pois, o binmio dano/reparao. No se pergunta a razo da degradao para que haja o dever de indenizar e/ou reparar. A responsabilidade sem culpa tem incidncia na indenizao ou na reparao dos "danos causados ao meio ambiente e aos terceiros

    afetados por sua atividade" (art. 14, III, da Lei 6.938/81). No interessa que tipo de obra ou atividade seja exercida pelo que degrada, pois no h necessidade de que ela apresente risco ou seja perigosa. Procura-se quem foi atingido e, se for o meio ambiente e o homem, inicia-se o processo lgico-jurdico da imputao civil objetiva ambienta!. S depois que se entrar na fase do estabelecimento do nexo de causalidade entre a ao ou

    omisso e o dano. contra o Direito enriquecer-se ou ter lucro custa da degradao do meio ambiente.

    O art. 927, pargrafo nico, do CC de 2002, dispe: "Haver obrigaro de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco

    para os direitos de outrem". Quanto primeira parte, em matria ambiental, j temos a Lei 6.938/81, que instituiu a responsabilidade sem culpa. Quanto segunda parte, quando nos defrontarmos com atividades de risco, cujo regime de responsabilidade no tenha sido especificado em lei, o juiz analisar, caso a caso, ou o Poder Pblico far a classificao dessas atividades. " a responsabilidade pelo risco da atividade." Na conceituao do risco aplicam-se os

    princpios da precauo, da preveno e da reparao. Repara-se

    por fora do Direito Positivo e, tambm, por um princpio de Direito Natural, pois no justo prejudicar nem os outros e nem a si mesmo. Facilita-se a obteno da prova da responsabilidade, sem se exigir a inteno, a imprudncia e a negligncia para serem protegidos bens de alto interesse de todos e cuja leso ou

    destruio ter conseqncias no s para a gerao presente, como para a gerao futura. Nenhum dos

    poderes da Repblica, ningum, est autorizado, moral e constitucionalmente, a concordar ou a praticar uma transao que acarrete a perda de chance de vida e de sade das geraes[...]" in Direito Ambiental Brasileiro, Malheiros Editores, 12 ed., 2004, p.

    326-327.

    5. A Constituio Federal consagra em seu art. 186 que a funo

    social da propriedade rural cumprida quando atende, seguindo critrios e graus de exigncia estabelecidos em lei, a requisitos certos, entre os quais o de "utilizao adequada dos recursos naturais disponveis e preservao do meio ambiente"

    6. A adoo do princpio tempus regit actum, impe obedincia lei

    em vigor quando da ocorrncia do fato.

    7. In casu, os fatos apurados como infrao ambiental ocorreram no ano de 1997, momento em que j se encontrava em vigor o Cdigo Florestal Lei n 4.771/65, no havendo que se perquirir quanto aplicao do Decreto n 23.793/94, que inclusive foi revogado por

    aquela lei.

    8. O Recurso Especial no servil ao exame de questes que

    demandam o revolvimento do contexto ftico-probatrio dos autos, em face do bice contido na Smula 07/STJ.

    9. In casu, a verificao da comprovao de que a propriedade no atinge o mnimo de 20% de rea coberta por reserva legal, bem

    como a explorao de florestas por parte do proprietrio, implicaria

  • 10

    o revolvimento de matria ftica-probatria, o que interditado a

    esta Corte Superior.

    10. Deveras, o Tribunal a quo luz de ampla cognio acerca de aspectos ftico-probatrios concluiu que: A escusa dos requeridos de que no se pode impor a obrigao de reparar dano ambiental a particular que adquiriu a terra j desmatada ou que a averbao no pode ultrapassar o remanescente de mata nativa existente na

    rea no convence; como bem exposto pelo Procurador de Justia a fls. 313/314: 'no se pretende que a averbao seja feita anteriormente entrada em vigor da Lei 7.803/89 que alterou disposies da Lei 4.771/65. Ocorre que, a partir da vigncia daquela primeira lei em nosso ordenamento jurdico, os antigos proprietrios (Sr. Renato Junqueira de Andrade e Sra. Yolanda Junqueira de Andrade - fls. 77) tinham desde ento a obrigao de

    ter averbado a reserva legal, sendo que a R, ao comprar uma propriedade sem observar os preceitos da lei, assumiu a obrigao dos proprietrios anteriores ficando ressalvada, todavia, eventual ao regressiva. (fls. 335)

    11. Os embargos de declarao que enfrentam explicitamente a questo embargada no ensejam recurso especial pela violao do

    artigo 535, II, do CPC, tanto mais que, o magistrado no est obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte, desde que os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a deciso.

    12. Recurso parcialmente conhecido e, nesta parte, desprovido. G.N.

    (STJ, Resp 1090968/SP, Primeira Turma, Rel. Min. Luiz Fux, Data

    do julgamento: 15/06/2010).

    ADMINISTRATIVO - DANO AO MEIO-AMBIENTE - INDENIZAO - LEGITIMAO PASSIVA DO NOVO ADQUIRENTE.

    1. A responsabilidade pela preservao e recomposio do meio-

    ambiente objetiva, mas se exige nexo de causalidade entre a atividade do proprietrio e o dano causado (Lei 6.938/81).

    2. Em se tratando de reserva florestal, com limitao imposta por lei, o novo proprietrio, ao adquirir a rea, assume o nus de manter a preservao, tornando-se responsvel pela reposio, mesmo que no tenha contribudo para devast-la.

    3. Responsabilidade que independe de culpa ou nexo causal, porque imposta por lei.

    4. Recursos especiais providos em parte.

    (REsp 327.254/PR, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/12/2002, DJ 19/12/2002 p. 355)

    4 DA INEXISTNCIA DE DIREITO ADQUIRIDO DEGRADAO AMBIENTAL

    E DO DESCABIMENTO DE APLICAO DO TERMO SITUAES JURDICAS CONSOLIDADAS A QUESTES AMBIENTAIS

    No se pode permitir a perpetuao da leso ao meio-ambiente, sob o simples

    fundamento de que o dano ambiental antigo e a situao ftica j foi consolidada.

    Inexiste argumento vlido no sentido de que s ser civilmente responsvel pela

    reparao o causador originrio do dano, pois quem perpetua a leso anterior,

    tambm comete o ilcito ambiental e deve reparar o dano causado.

    Este o posicionamento pacfico no Superior Tribunal de Justia:

    PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL. AO CIVIL PBLICA. AUSNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. INCIDNCIA, POR ANALOGIA, DA

    SMULA 282 DO STF. FUNO SOCIAL E FUNO ECOLGICA DA

  • 11

    PROPRIEDADE E DA POSSE. REAS DE PRESERVAO

    PERMANENTE. RESERVA LEGAL.

    RESPONSABILIDADE OBJETIVA PELO DANO AMBIENTAL. BRIGAO PROPTER REM. DIREITO ADQUIRIDO DE POLUIR.

    1. A falta de prequestionamento da matria submetida a exame do STJ, por meio de Recurso Especial, impede seu conhecimento. Incidncia, por analogia, da Smula 282/STF.

    2. Inexiste direito adquirido a poluir ou degradar o meio ambiente. O tempo incapaz de curar ilegalidades ambientais de natureza permanente, pois parte dos sujeitos tutelados as geraes futuras carece de voz e de representantes que falem ou se omitam em seu nome.

    3. Dcadas de uso ilcito da propriedade rural no do salvo-

    conduto ao proprietrio ou posseiro para a continuidade de atos proibidos ou tornam legais prticas vedadas pelo legislador, sobretudo no mbito de direitos indisponveis, que a todos aproveita, inclusive s geraes futuras, como o caso da proteo do meio ambiente.

    4. As APPs e a Reserva Legal justificam-se onde h vegetao

    nativa

    remanescente, mas com maior razo onde, em conseqncia de desmatamento ilegal, a flora local j no existe, embora devesse existir.

    5. Os deveres associados s APPs e Reserva Legal tm natureza

    de

    obrigao propter rem, isto , aderem ao ttulo de domnio ou posse.

    Precedentes do STJ.

    6. Descabe falar em culpa ou nexo causal, como fatores

    determinantes do dever de recuperar a vegetao nativa e averbar a Reserva Legal por parte do proprietrio ou possuidor, antigo ou novo, mesmo se o imvel j estava desmatado quando de sua aquisio. Sendo a hiptese de obrigao propter rem, desarrazoado perquirir quem causou o dano ambiental in casu, se o atual proprietrio ou os anteriores, ou a culpabilidade de quem o fez ou deixou de fazer. Precedentes do STJ.

    7. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa parte, no

    provido. G.N.

    (STJ. Resp n 948.921-SP, 2 Turma. Rel. Min. Herman Benjamin. Data do julgamento 23/10/2007).

    No que tange ao desmatamento, mais comum dos danos ambientais, o

    legislador ordinrio, ao criar a Lei dos Crimes Ambientais (Lei n 9.605/98), no se

    limitou a caracterizar como indevida apenas a conduta de destruir ou danificar

    vegetao. O legislador foi adiante: caracterizou como ilcita, tambm, a conduta

    de impedir ou dificultar a regenerao natural de florestas e demais formas de

    vegetao (artigo 48), em uma clara tentativa de punir no s aqueles que

    suprimem a vegetao, mas tambm os que a impedem de se regenerar.

    Alm de constiturem crime ambiental, as duas condutas tambm configuram

    infrao administrativa ambiental, sujeitando os infratores responsabilidade civil e

    administrativa, alm de penal. que o Decreto n 6.514/2008 tambm tipificou

    como infrao os atos de destruir, desmatar, danificar vegetao, e impedir ou

    dificultar a regenerao natural de florestas, etc. (arts. 43 em diante).

  • 12

    Assim, aquele que impedir, de alguma forma, a regenerao natural de uma

    rea protegida, ainda que no tenha sido o causador direto da supresso da

    vegetao, fica obrigado a reparar o dano causado.

    No pode prosperar qualquer argumento no sentido de que o dano ambiental

    j se configurou, no passado, sendo totalmente incabvel a expresso situao consolidada quando em discusso questes ligadas ao meio ambiente. Pela natureza do bem protegido (direito difuso), o particular no pode pr em risco as

    funes ambientais. Estas vo sempre prevalecer em relao atividade

    econmica, em oposio.

    Mas, no se trata de escolha entre o pblico e o privado, nem decidindo pela

    supremacia do individualismo, ignorando o impacto social de cada interveno, nem

    desconsiderando um bem particular em nome de um suposto bem coletivo. Trata-

    se apenas de estabelecer entre as partes uma relao saudvel, sustentvel, em

    que as aes de cada um sejam voltadas para o benefcio prprio e coletivo, de

    acordo com o determina o art. 225 da Constituio da Repblica.

    E nessa linha de raciocnio, buscando-se o maior benefcio possvel para o

    indivduo e para a coletividade, deve-se desenvolver o Direito Ambiental. com

    esse objetivo de se proteger o equilbrio ambiental para as presentes e as futuras

    geraes, que se impe a necessidade maior de reparao dos danos causados, em

    detrimento de outros direitos e/ou objetivos de cunho patrimonial e econmico.

    Assim, inexiste direito adquirido explorao de bem ou atividade,

    causadoras de dano ambiental ou mesmo impeditivas de recuperao/regenerao

    da rea degradada. A natureza foi constituda em milhares de sculos, de forma

    que qualquer dano causado a ela, por menor que possa parecer, imensurvel, e o

    ser humano no pode aferir, com preciso, as suas conseqncias. por essa razo

    que o direito ambiental pautado, sobretudo, pelos princpios da precauo e da

    preveno.

    No se pode negar que a funo social da propriedade s observada se

    utilizada de forma racional, com a preservao do meio ambiente, e se atendidos os

    objetivos previstos na legislao para cada tipo de rea protegida. rea de

    preservao permanente - APP, por exemplo, tem a funo ambiental de preservar os recursos hdricos, a paisagem, a estabilidade geolgica, a biodiversidade, o fluxo

    gnico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populaes

    humanas8.

    Desrespeitar uma rea definida como de Preservao Permanente,

    construindo-se, por exemplo, um imvel no local protegido, significa descumprir

    sua funo ambiental, o que suficiente para caracterizar o dano ao meio

    ambiente. Tal prejuzo s pode ser reparado com a destruio do imvel erguido

    em local indevido, o que possibilitar a regenerao natural da vegetao

    originariamente existente e garantir o retorno da funo scio-ambiental daquela

    propriedade.

    Nicolao Dino de Castro e Costa Neto sabiamente esclarece:

    As florestas de preservao permanente possuem antecedentes no Decreto n 23.793, de 23.01.34 (art. 4), sendo ali denominadas de florestas protetoras. O termo preservao permanente impe um carter de rigorosa proteo, acentuando a maior relevncia dessas florestas para o equilbrio ecolgico do sistema. Tal funo ambiental projeta-se no campo da higidez dos recursos hdricos, da

    preservao das paisagens naturais, da proteo da biodiversidade, da preservao da estabilidade geolgica, da garantia do fluxo gnico da fauna e da flora, da proteo do solo e da promoo do bem-estar da coletividade. oportuno enfatizar que o regime de

    8 RESOLUO CONAMA n 302/2002, art. 2, inciso II.

  • 13

    preservao permanente referido na Lei n 4.771/65 (Cdigo

    Florestal) alcana no apenas formaes florestais, mas tambm outras formas de vegetao natural, consoante os critrios ali apontados. Vale observar, tambm, que esse regime pode gravar florestas localizadas tanto em reas pblicas como particulares, funcionando, em relao a estas, como uma limitao interna ao direito de propriedade. As reas de preservao permanente constituem, com efeito, limites intrnsecos ao direito de

    propriedade, operando seus reflexos no prprio ncleo definidor do mesmo. Esse direito no pode dissociar-se de seu contedo funcional, ditado por vontade expressa da Constituio. Atuando internamente como um atributo ambiental da propriedade, as reas de preservao permanente penetram na substncia do domnio, para estabelecer, na expresso de Flvio Dino, uma idia de

    propriedade intrinsecamente limitada9. (grifei)

    Destarte, no h que se falar em direito adquirido quando em jogo o advento

    de uma norma de ordem pblica, de aplicao geral e imediata, emanada do

    interesse coletivo em detrimento do particular:

    No se cogita da invocao de direito adquirido pelo loteador ou adquirente para poder edificar, ainda que tenha havido aprovao do parcelamento em data anterior. Prevalece o interesse pblico e no h direito adquirido de desmatar.

    (TJSP, 4 Cmara, ApCiv 147.488-1/2, julg. 12/09/1991, relator Des. Lobo Jnior)

    A Constituio Federal Brasileira estabelece que a propriedade atender a sua

    funo social (art. 5, inciso XXIII). Outrossim, o Cdigo Civil (Lei n 10.406/02)

    assinala que o direito de propriedade deve ser exercido em consonncia com as suas finalidades econmicas e sociais e de modo que sejam preservados, de

    conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas

    naturais, o equilbrio ecolgico e o patrimnio histrico e artstico, bem como

    evitada a poluio do ar e das guas (artigo 1.228, 1).

    fato, portanto, que o direito de propriedade pode ter o seu contedo

    econmico esvaziado ou limitado por restries de ordem ambiental, e que no se

    permite o uso indiscriminado da propriedade. Ademais, no podem prevalecer

    direitos que vo de encontro ao interesse pblico, de forma que, no caso de conflito

    de interesses, deve prevalecer aquela que defende a preservao do meio ambiente

    para toda a coletividade.

    Assim, nem mesmo um fato consumado pode ser considerado excludente da

    responsabilizao ambiental. Entendimento nesse sentido seria um incentivo

    clandestinidade e interveno degradadora, eis que, aps consumado o dano,

    nada mais restaria a ser feito, e o direito difuso ao meio ambiente equilibrado

    restaria prejudicado. Essa tese no se coaduna com as regras de responsabilizao

    vigentes no ordenamento ptrio, sobretudo em se tratando de matria ambiental.

    Por fim, para eliminar qualquer argumento contrrio ao meio ambiente,

    impende transcrever as valiosas palavras do Procurador da Repblica Pedro Nicolau

    Moura Sacco sobre o assunto:

    No resta dvida que a proteo ao meio ambiente deve ser conciliada com outros valores de igual estatura. Nesse sentido, alis, a prpria delimitao de reas de proteo ambiental (aqui

    empregada a palavra em sentido amplo, abrangendo todas as

    modalidades de unidades de conservao, reas de proteo permanente e demais formas de proteo existente) veio a conjugar

    9 COSTA NETO. Nicolao Dino de Castro e. Proteo Jurdica do Meio Ambiente. Belo Horizonte: Del Rey,

    2003, p. 203/204.

  • 14

    os valores de proteo ao meio ambiente, direito propriedade,

    livre iniciativa e desenvolvimento econmico.

    De forma alguma se busca aqui a anulao do direito propriedade, mas sim que ele seja usufrudo com respeito aos demais direitos constitucionais. A partir do momento em que se permite a degradao em rea de preservao permanente, em prol do direito propriedade, est-se anulando o direito ao meio ambiente

    ecologicamente equilibrado. Realizar a ponderao permitir a construo em reas que no afetem o meio ambiente, ou seja, buscar-se o desenvolvimento sustentvel. Do contrrio, ter-se- apenas o desenvolvimento, sem a sustentabilidade10.

    5 CONSIDERAES FINAIS

    Diante da necessidade premente de se garantir o direito de todos ao meio

    ambiente ecologicamente equilibrado, deve-se insistir na obteno da efetiva

    recuperao ambiental, como medida imprescindvel para salvaguardar a proteo

    da diversidade biolgica e de todos os recursos naturais que o meio ambiente sadio

    oferece.

    Nessa luta do Sculo XXI, o Direito Ambiental se mostra favorvel, na medida

    em que garante uma sria de medidas jurdicas vlidas, que podem permitir o

    alcance de to importante objetivo.

    Nesse sentido, a responsabilizao objetiva que surge a partir da configurao

    de um dano ambiental, a caracterstica propter rem e imprescritvel do dever

    reparatrio e o reconhecimento da sociedade de que inexistem situaes

    consolidadas que afetem o meio ambiente tornam-se primordiais e decisivas para

    essa conquista.

    REFERNCIAS

    ABUD Leila. A responsabilidade ambiental como obrigao propter rem. Disponvel em:

    . Acesso em: 03/08/2011;

    COSTA NETO. Nicolao Dino de Castro e. Proteo Jurdica do Meio Ambiente. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 203/204;

    FREITAS, Vladimir Passos de. Direito Administrativo e Meio Ambiente, 3. ed. Curitiba: Juru, 2005, p. 106;

    NERY, Nelson. Responsabilidade civil por dano ecolgico e ao civil pblica. Justitia, So

    Paulo: Ministrio Pblico de So Paulo, v. 126, 1984, p. 186;

    MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ao Civil Pblica: em defesa do meio ambiente, do patrimnio cultural e dos consumidores. 10. ed. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 342/343;

    MAZZILLI, Hugo Nigro. A Defesa dos Interesses Difusos em Juzo, 17. ed. So Paulo: Saraiva, p. 515;

    MILAR, dis. Direito do ambiente: a gesto ambiental em foco: doutrina, jurisprudncia,

    glossrio. 7. ed. So Paulo: Revista dos Tribunais, p. 1457/1458, 2011.

    10 Manifestao esposada em Recurso de Apelao apresentado pelo Ministrio Pblico Federal, no

    processo n 2008.72.08.003883-3, em trmite no Estado de Santa Catarina.