0 canalmotoboy miolo 03

169

Click here to load reader

Upload: felipe-honorio-de-araujo

Post on 24-Nov-2015

94 views

Category:

Documents


22 download

DESCRIPTION

cultura motoboy no Brasil

TRANSCRIPT

  • Coletivo canal*MOTOBOYO nascimento de uma categoria

  • 2Coletivo canal*MOTOBOYOrg. Eliezer Muniz dos Santos

    AutoresAndra Sadocco, Augusto AstielBruna Bo, Eliezer Muniz (Neka)

    Fbio Ascempcion, Marcelo VeronezRonaldo Simo da Costa

    Apoio

    Programa Petrobras Cultural

  • F271g

    Faustini, Vincius

    Guia afetivo da periferia / Vincius Faustini.

    - Rio de Janeiro : Aeroplano, 2009. il.-(Tramas urbanas ; 11)

    ISBN 978-85-7820-026-8

    1. Faustini, Marcus - Fico. 2. Diretores e produtores de teatro - Brasil - Fico. 3. Subrbios - Rio de Janeiro (RJ) - Fico. 4. Romance brasileiro. I. Programa Petrobras Cultural. II. Ttulo. III. Srie.

    09-5169. CDD: 869.93

    CDU: 821.134.3(81)-3

    30.09.09 05.10.09 015517

    Copyright 2009 MARCUS VINICIUS FAUSTINI

    COLEO TRAMAS URBANAS (LITERATURA DA PERIFERIA BRASIL)

    curadoriaHELOISA BUARQUE DE HOLLANDA

    consultoriaECIO SALLES

    produo editorialCAMILLA SAVOIA

    projeto gr coCUBICULO

    GUIA AFETIVO DA PERIFERIA

    produtor gr coSIDNEI BALBINO

    revisoCAMILLA SAVOIAREBECA BOLITE

    reviso tipogr caCAMILLA SAVOIA

    TODOS OS DIREITOS RESERVADOSAEROPLANO EDITORA E CONSULTORIA LTDA

    AV. ATAULFO DE PAIVA, 658 / SALA 401

    LEBLON RIO DE JANEIRO RJ

    CEP: 22.440-030

    TEL: 21 2529-6974

    TELEFAX: 21 2239-7399

    [email protected]

    A ideia de falar sobre cultura da periferia quase sempre esteve associada ao trabalho de avalizar, quali car ou autorizar a produo cultural dos artistas que se encon-tram na periferia por critrios sociais, econmicos e cul-turais. Faz parte dessa percepo de que a cultura da periferia sempre existiu, mas no tinha oportunidade de ter sua voz.

    No entanto, nas ltimas dcadas, uma srie de traba-lhos vem mostrar que no se trata apenas de artistas procurando insero cultural, mas de fenmenos org-nicos, profundamente conectados com experincias sociais espec cas. No raro, boa parte dessas histrias assume contornos biogr cos de um sujeito ou de um grupo mobilizados em torno da sua periferia, suas con-dies socioeconmicas e a a rmao cultural de suas comunidades.

    Essas mesmas periferias tm gerado solues originais, criativas, sustentveis e autnomas, como so exem-plos a Cooperifa, o Tecnobrega, o Viva Favela e outros tantos casos que esto entre os ttulos da primeira fase desta coleo.

    Viabilizado por meio do patrocnio da Petrobras, a con-tinuidade do projeto Tramas Urbanas trata de procurar no apenas dar voz periferia, mas investigar nessas experincias novas formas de responder a questes culturais, sociais e polticas emergentes. A nal, como diz a curadora do projeto, mais do que a Internet,a periferia a grande novidade do sculo XXI.

    Petrobras - Petrleo Brasileiro S.A.

  • Na virada do sculo XX para o XXI, a nova cultura da peri-feria se impe como um dos movimentos culturais de ponta no pas, com feio prpria, uma indisfarvel dic-o proativa e, claro, projeto de transformao social. Esses so apenas alguns dos traos de inovao nas pr-ticas que atualmente se desdobram no panorama da cul-tura popular brasileira, uma das vertentes mais fortes de nossa tradio cultural.

    Ainda que a produo cultural das periferias comece hoje a ser reconhecida como uma das tendncias criativas mais importantes e, mesmo, politicamente inaugural, sua histria ainda est para ser contada.

    neste sentido que a coleo Tramas Urbanas tem como seu objetivo maior dar a vez e a voz aos protagonistas deste novo captulo da memria cultural brasileira.

    Tramas Urbanas uma resposta editorial, poltica e afe-tiva ao direito da periferia de contar sua prpria histria.

    Heloisa Buarque de Hollanda

  • Sumrio

    Prefcio Antoni Abad

    Introduo So Paulo, a cidade dos motoboys Eliezer Muniz dos Santos

    Parte I O NASCIMENTO DE UMA CATEGORIA

    000 Uma breve histria da categoria

    Coletivo Canal*Motoboy

    000 No espelho retro1sor Augusto Astiel

    000 Cultura motoboy Eliezer Muniz dos

    Santos

    Parte II OS MOTOBOYS E AS MOTOGIRLS

    000 Meu nome Ronaldo

    000 Andrea Motogirl: Desa o contemporneo

    000 Poeta dos Motoboys

    000 Fbio Motoboy

    000 Jordana, Motogirl de Iomer

    000 Neka

    000 ndice de Imagens

    000 Sobre o autor

    Dedico este livro a minha famlia e a todos os pro ssionais motociclistas brasileiros.

    Um agradecimento queles que possibilitaram a realizao deste livro, e em especial, queles que lutaram comigo ao escrev-lo.

    Eleilson Leite, Alessandro Buzo, Heloisa Buarque, Jlio Csar,Keila Muniz, Andra Sadocco, Antoni Abad, Augusto Astiel,Bruna Bo, Ronaldo Simo da Costa, Marcelo Veronez, Jordana Peretti, Roberto Ito, Fbio Ascempcion e ao meu lho Lucas.

  • 10

    11

    H aproximadamente sete anos chegaram ao mercado os telefones celulares com cmera integrada. Este dis-positivo despontava como um instrumento excepcional, pois tinha duas caractersticas nunca antes reunidas em um aparelho to pequeno: de um lado, a possibilidade de registro multimdia de fragmentos da realidade em for-mato udio, vdeo, foto e texto; de outro, a capacidade de publicao quase imediata na Internet. O celular com cmera integrada estreita ao mximo, portanto, a dis-tncia entre uma ideia e sua disseminao. E a publica-o a partir de celulares alcana um ambiente global, como a Internet, e no um ambiente local. A publicao na Internet barata, alm de praticamente imediata.

    Desde as minhas primeiras visitas a So Paulo, tambm h sete anos, o universo de motoboys chamou forte-mente minha ateno. Segundo o censo de 2000 reali-zado pelo Instituto Brasileiro de Geogra a e Estatstica (IBGE), a cidade de So Paulo contava naquele ano com cerca de dez milhes e meio de habitantes. Dentre eles, e de acordo com a tese de doutorado Percepo e avaliao da conduta dos motoristas e pedestres no trnsito: um estudo sobre espao pblico e civilidade na metrpole paulista, de Alessandra Olivato, havia 374.588 motociclistas, dos quais cerca de 160 mil eram

    motoboys. O congestionamento do trfego e as enormes distncias fazem do motoboy um personagem impres-cindvel para o funcionamento da cidade, onipresente em cada semforo e cada esquina.

    A utilizao dos seus servios profusa e generalizada. Transportam de tudo: documentos, dinheiro, pizzas... Dizem que at mesmo rgos humanos entre hospitais. Arriscam a vida diariamente circulando a toda veloci-dade entre os corredores formados pelas interminveis las de carros. Entretanto, esses cavaleiros do apoca-lipse do asfalto paulista so vtimas de graves precon-ceitos. Nas notcias sobre eles, a imprensa sensaciona-lista destaca as vertiginosas corridas contra o tempo ou os casos em que assaltantes se zeram passar por mensageiros para perpetrar seus delitos. Os motoboys aparecem nos meios de comunicao paulistas quase sempre em histrias truculentas que potencializam os piores preconceitos na percepo social da categoria. Em contrapartida, poucas vezes se enfatiza o lado mais positivo desse coletivo, que demonstra um sentimento de solidariedade muito particular, uma conscincia cor-porativa que antepe o socorro a um companheiro aci-dentado urgncia de uma entrega. O citado estudo de Olivato comenta: Observamos a existncia de um sutil cdigo de tica e solidariedade entre eles no trnsito, fato esse de que nem os prprios motoboys tinham se apercebido.

    Diante disso, indaguei-me o que ocorreria se uma rede mvel celular, com publicao em tempo real na Internet, fosse gerada a partir de uma rede humana pre-existente como a que formam os motoboys. Ou, o que vem a ser o mesmo: o que aconteceria se um grupo de motoboys recebesse celulares com cmera com o obje-tivo de criar seus prprios canais multimdia na Internet.

    Prefcio

  • 12 13

    Os motoboys poderiam, dessa maneira, transformar-se em cronistas de sua prpria realidade, autorrepresen-tando-se e corrigindo a imagem distorcida que os meios de comunicao projetam deles.

    Assim, em 2003, em estreita colaborao com o progra-mador Eugenio Tisselli, realizamos um primeiro esboo operacional do dispositivo de telefonia mvel para publicar um contedo na Internet. Quando cou pronto, o esboo foi testado em um workshop com um grupo de estudantes na Casa Encendida, de Madri. Eugenio cou programando ao vivo, corrigindo as falhas e imple-mentando os recursos de narrativa multimdia que se mostravam necessrios com a prtica. A experincia se chamou ensaio* GERAL e serviu para assentar as bases tecnolgicas, organizacionais e logsticas desse dis-positivo de comunicao social baseado em tecnologia mvel audiovisual que funcionou como um alto-falante para todos os coletivos com que eu trabalharia nos anos seguintes: taxistas na Cidade do Mxico (2004), jovens ciganos em Lleida e Len (2005), prostitutas em Madri (2005), imigrantes nicaraguenses em San Jos da Costa Rica (2006), pessoas desalojadas e desmobilizadas na Colmbia e jovens dos acampamentos de refugiados saarianos prximos a Tinduf, na Arglia (2009). Dois des-ses projetos foram realizados por pessoas com mobili-dade reduzida em Barcelona (2006) e Genebra (2008). Os participantes utilizaram telefones GPS com cmera integrada para fotografar os obstculos e barreiras arquitetnicas que encontravam diariamente nas ruas, desenhando em tempo real na Web o plano de acessibi-lidade de suas cidades.

    O projeto canal*MOTOBOY que me inspirou, sete anos atrs, a comear o trabalho que desde ento desenvolvi na Internet com o uso de aparelhos de telefonia mvel

    em diferentes coletivos teria de esperar at 2007 para ser realizado, devido s enormes di culdades para obter os recursos necessrios, pois poucas instituies dispem-se a apoiar um universo como o dos motoboys, que padece de enorme estigma social.

    Finalmente, com o apoio do Centro Cultural So Paulo, o Centro Cultural de Espaa e a Sociedad Estatal para la Accin Cultural Exterior de Espaa, conseguimos iniciar, em 2007, as transmisses por celular de um grupo de 12 motoqueiros de So Paulo. Trs anos depois, as trans-misses continuam a ser feitas e o canal* MOTOBOY o que tem o percurso mais longo entre todos os projetos mencionados neste texto.

    Os motoboys esto propondo um mapa distinto, uma interpretao particular da enorme cidade de So Paulo, e j no apenas mediante seus vdeos, fotogra as e arquivos de udio e texto, mas atravs de um sistema de geolocalizao implantado no dispositivo, e tam-bm de um mapa lexicogr co. Nos projetos anterio-res ao canal* MOTOBOY, os emissores colocavam seus envios em canais personalizados, ou ambientes comuns propostos nas reunies semanais dos participantes. Quando o trabalho com cada coletivo terminava, toda essa informao era organizada segundo um sistema de descritores concebido por um grupo de socilogos. Mas no caso dos motoboys e pela primeira vez so eles mesmos que categorizam seus envios. Hoje, observa-mos os cruzamentos que se produzem no lxico entre a descrio da realidade imposta e antropolgica e outra mais ntima e local.

    Os motoboys foram tambm os primeiros a experimentar o conceito de megafone: um telefone mvel comunit-rio dotado de GPS e que integra as capacidades de regis-tro audiovisual geolocalizado e de publicao imediata

  • 14

    na Web do software desenvolvido em www.megafone.net. O megafone muda de mos toda semana entre os participantes, que decidem democraticamente em suas reunies editoriais qual deles ser o emissor durante a semana seguinte.

    Em suma, os participantes do canal* MOTOBOY vm desenvolvendo durante trs anos seu prprio disposi-tivo de comunicao mvel audiovisual na Internet. Mas tambm contriburam generosamente com sua experin-cia para o desenvolvimento do megafone, um dispositivo til como meio de comunicao alternativo para grupos, coletivos, associaes e comunidades que desejem se organizar para projetar sua prpria viso da realidade e combater os esteretipos que os meios de comunicao difundem, incluindo entre suas possibilidades a geolo-calizao, que permite realizar projetos de cartogra a pblica digital.

    Obrigado, amigos motoqueiros, por estes anos de entrega ao projeto e pelas expectativas de futuro, pelas quais continuaremos a trabalhar em www. megafone.net. Vida longa ao Canal* MOTOBOY!

    Antoni Abad, Barcelona, janeiro de 2010

    Introduo

    So Paulo, a cidade dos motoboys

    Todos os dias, milhares de motoboys saem pelas ruas e avenidas da cidade. noite, de dia, no frio da madru-gada. Eles vo, vm, cruzam o asfalto.

    Passam pelas vielas e avenidas: a cidade dos motoboys. Aceleram suas motos, cruzam para todos os lados, nunca param. Ditam o ritmo da metrpole e fazem de sua rotina diria a paisagem urbana. So Paulo sem motoboy para.

    Saberemos um dia quantos so? Mensageiros, moto-queiros, deliverys e couriers. Motoboys e motogirls. Homens e mulheres, manos e minas. Todos pro ssionais motociclistas, en m, guerreiros do asfalto.

    Cidade em que no se sabe onde comea uma quebrada e termina outra (aonde os mais ricos s sabem que elas existem de uma poltrona de avio), onde esto as suas margens e suas periferias? O motoboy a rua da que-brada, o beco e a viela na grande avenida. a adrenalina com responsabilidade. O vento na cara o passaporte para uma outra urbanidade. Eles vieram para car. Ocupar o espao reservado e exclusivista dos automveis.

    O motoboy a cara da cidade, uma das suas identi-dades mais subterrneas. a velocidade com que se

  • 16 17

    descobre que entre civilizados de ternos e gravatas e os caras de botas e capa de chuva, pode ocorrer tanto o maior respeito, como a maior falta de respeito pela vida humana. Que o mesmo cidado, que pede ali o ser-vio urgente, pode s vezes, num piscar de olhos, te d uma fechada no trnsito. O que mostra tambm que a cidade no tem limites: s vezes, na correria do dia a dia, a carcaa de um carro pode ser a ltima parada de um motoboy.

    Pra ser motoboy preciso estar atento. Estar alm do tempo.

    Ao descobrirmos que os motoboys so a cara da cidade, a cidade pode parar, eles no. Pode chover e alagar que eles chegam. Se cair a ponte, eles atravessam. So insubstituveis. Impossvel narrar o cotidiano de um nico motoboy. Imagina de todos! A vida na cidade cheia de aventuras e mazelas. Comandas e ordens de servios convivem com o inusitado. uma pro sso marcada pelo alto risco de acidentes e pela informali-dade de seus servios. Mas tambm na rua, habitat natural do motoboy, que podemos ouvir seu ltimo grito de liberdade. A buzina que toca no corredor quando um motoqueiro passa mais do que um aviso de passagem. A capa de chuva, o capacete colorido e a moto adesivada so suas marcas, mas o que os une a solidariedade entre eles. Seu olhar percorre toda a cidade. Seus movi-mentos rpidos entre os carros deslocam os olhares da cidade. onde notamos, quando estes motoqueiros se propem a narrar seu dia a dia e criam seu prprio modo de se expressar, pela msica, pelos gestos, pela lingua-gem, que vemos surgir a fora de seu imaginrio, um outro fazer, uma parte de sua cultura.

    Portanto, este livro um protesto organizado por vozes de resistncia. Um manifesto dos motoboys e motogirls que no pode ser visto apenas pela singularidade de

    sua sobrevivncia no caos do trnsito. Suas vidas no se reduzem mera particularidade de serem tomados como mais uma tribo urbana: eles tm seus cdigos, seus gestos e sua bravura. Mas tambm seus valores, versos e prosas. Assim, a cultura motoboy nasce pela via da autonomia a partir da expresso criativa. Da liber-dade dos pro ssionais motociclistas em contar suas prprias experincias, fazerem de sua histria, no coti-diano da metrpole, uma grande narrativa.

    Nesse sentido, este livro realiza sua inteno quando, motivados pela negao de uma viso de categoria marginalizada, eles se tornam os protagonistas de sua prpria histria e se pem a narr-la, saindo em defesa da criao, do surgimento de uma nova cultura urbana e transformando o cotidiano de toda uma cidade. Abrem-se vida cultural a que tm direto. Quando este ato de narrar, como num gesto simblico, signi ca aquele momento em que eles tiram os capacetes, dei-xando ento revelar em sua realidade a sionomia can-sada de pessoas comuns, mas por isto mesmo heroicas. A ideia de um livro assim s poderia nascer quando um grupo de pro ssionais motociclistas, reunidos em torno de um projeto cultural como o canal*MOTOBOY, percebe que suas vivncias nada mais so do que a prpria hist-ria do surgimento de sua categoria pro ssional.

    Dessa forma, longe de se adotar outras experincias como modelo de organizao cultural e poltica, essa categoria vive hoje um dos mais interessantes proces-sos coletivos de organizao social. Quando ela inventa os seus prprios meios e a partir de seus espaos e tem-pos mostra sua capacidade de criar o inusitado, nunca se rendendo as solues fceis, podemos compreender a sua especi cidade e autonomia e, nalmente agora, por revelar nesta coletnea de textos uma nova perspectiva

  • 18 19

    sobre os motoboys, escritores do amanh, que podemos compreender a sua especi cidade e autonomia. Ento, ao entrarmos em contato com suas narrativas, aos pou-cos conhecemos suas histrias, trajetrias e preocupa-es. Passamos a conviver com personagens que apon-tam para uma nova relao com a cidade. Portanto, mais que uma nova classe de trabalhadores, vemos surgir uma nova cidadania, ainda em formao.

    Como to bem de niu a motociclista Andrea, que faz parte desta coletnea e nos faz compreender o papel deste novo personagem urbano: O motoboy prota-gonista participante contribuinte do novo sculo, desta nova sociedade que surge cheia de tecnologias e desa- os ambientais. Fundamentalmente, contribui com a sociedade, fazendo desenrolar com rapidez (as muitas) burocracias civis, abrindo um novo horizonte para uma nova cidadania.

    Eliezer Muniz dos Santos (Organizador)

    PARTE01

  • .01

    a breve histria da categoria

    Cap.01

    Uma breve histria da categoria

  • 22

    23Uma breve histria da categoria

    Se zermos aqui um breve relato da histria da categoria dos motoboys, descobriremos que esta uma pro sso relativamente nova no Brasil. As primeiras empresas que contratavam of ce-boys motorizados comearam a operar no incio da dcada de 1980, com pouco mais de meia dzia de motoqueiros. Em menos de duas dcadas, por conta da crescente demanda por este tipo de ser-vio, eles se tornaram uma das maiores categorias de rua do pas.

    A pro sso de motociclista atividade remunerada que faz uso da motocicleta para execuo de diversas tare-fas, como entregas e retiradas, que prescindam de certa urgncia, de documentos, cheques, malotes, medica-mentos, alimentos e todo tipo de pequenos volumes e componentes, surgiu na onda da globalizao e do for-talecimento do setor de servios. Entrou de nitivamente na cadeia produtiva da economia a partir 1988, quando a nova Constituio legitimou a terceirizao dessas ati-vidades no setor de servios. No nal daquela dcada j havia dezenas de empresas e mais de 5 mil motoqueiros rodando por dia nas ruas da cidade de So Paulo.

    A partir de 1994, com o Plano Real, a economia se esta-biliza e a demanda por estes motociclistas cresce expo-nencialmente, chegando a mais de 80 mil pro ssionais

    em 1999, quando pela primeira vez a prefeitura de So Paulo tenta regulamentar a pro sso de motoboy. Entre 1999 e 2006 haveria ainda mais duas tentativas frus-tradas, de regulamentar e enquadrar os pro ssionais motociclistas, em seguidos decretos-lei criados pelos gabinetes dos prefeitos Celso Pitta que assinou o pri-meiro decreto Marta Suplicy, em 2004, e Jos Serra, em 2006. Todos partindo de um mesmo objeto de lei copia-dos, ipsum literis, de um antigo projeto de Lei de 1968, que regulamentara o servio de txi na capital paulistana.

    No incio de 2007, apontada a espetacular produo de 1.2 milho de motos fabricadas no Brasil. A categoria j superava a marca de 120 mil pro ssionais motociclistas apenas na capital de So Paulo. No pas inteiro os moto-taxistas se tornavam uma realidade.

    Em maio daquele ano inaugurado no Centro Cultural So Paulo (CCSP) o canal*MOTOBOY, projeto que rene um grupo de motoboys utilizando celulares a partir de um site da internet, que permite criar um canal de comuni-cao com a categoria. Em junho, depois deste coletivo de motoboys solicitar presidncia da Cmara Municipal uma audincia pblica, a m de voltar discusso de uma regulamentao da categoria que atendesse suas reivin-dicaes, o prefeito Gilberto Kassab envia Cmara dos Vereadores o malfadado Decreto do motofrete, recu-sado durante anos pelos motoboys. A Cmara aprova, em regime de urgncia, o projeto de lei 14.491/07, de auto-ria do vereador Adolfo Quintas e, trinta dias depois, o prefeito recebe de volta o projeto na prefeitura e o san-ciona. Em agosto, aps a eleio de uma nova diretoria, o Sindicato dos Mensageiros Motociclistas do Estado de So Paulo volta para as mos da categoria.

    Aps inmeros projetos de lei tramitarem no Congresso Nacional, no dia 29 de julho de 2009 o Presidente da

  • 24 Coletivo canal*MOTOBOY 25Uma breve histria da categoria

    Repblica Luiz Incio Lula da Silva assina a lei que regu-lamenta de nitivamente a pro sso de motoboy e moto-taxista. Os pro ssionais passam a ter regras claras para a atividade, que sero de nidas pelo Conselho Nacional de Trnsito, passando s prefeituras municipais a res-ponsabilidade de regularizar os servios de acordo com a necessidade de cada regio. A sano pe m pol-mica em torno da legitimidade do servio de motoboy e mototaxista, j que havia um grande preconceito em rela-o a estes servios. O senador Expedito Jnior, relator do projeto de lei do Senado 203/2001, que props a regu-lamentao das pro sses, comenta, em tom de come-morao, durante o ato que criou a classe dos pro ssio-nais motociclistas: Esses pro ssionais esperam por esse momento h mais de dez anos. justo que agora consigam ver sua atividade regulamentada. So mais de 2,5 milhes de pais de famlia que agora podem bater no peito e dizer que tm uma pro sso.

    Coletivo canal*MOTOBOY

  • Cap.02

    No espelho retrovisor

  • 28

    29No espelho retrovisor

    Um espectro ronda o trnsito o espectro do motoboy.

    H anos ele vem desaparecendo em meio aos carros, os donos por direito do espao no to pblico das ruas e avenidas da cidade. O espelho retrovisor dos automveis revela a imagem fugaz de um personagem cada vez mais presente. Invasor de um espao restrito, o motoboy burla cdigos e normas para suprir uma demanda de mercado. Desobediente, mostra como a falta de regulamentao acarreta problemas a um pas que se pensa pac co, mas no enxerga seus mortos dirios. O motoboy devolve a imagem que se faz dele, pois sua nica maneira de ser visto: personagem que no se enxerga nem se escuta, mas se quer disciplinar, o Leviat das relaes de trabalho tenta seduzi-lo com a oportunidade de ser autnomo. E transforma-o em autmato. Por ser uma relao, mas com apenas uma via de visibilidade, ao motoboy dado um papel que alguns abraam com prazer: o delinquente sobre rodas que a nada obedece ou respeita. Da natureza simblica da moto nasce o mito do fora da lei que chuta sua prpria imagem no espelho. A invisibilidade do moto-boy pode se transformar quando este invade o espao do outro. Alguns sabem disso e invadem com vontade. De aparecer. De con itar. No obedecem as regras, pois no fazem parte do jogo. Os demais pro ssionais que

    arriscam a vida diariamente carregando documentos, valores, ofcios, correspondncias e outras parafernlias de nosso cotidiano burocratizado, so, desse modo, agru-pados revelia em uma categoria, como sempre acon-tece nessa construo cotidiana chamada sociedade. O que foge categorizao transforma-se em caricatura. E a caricatura uma imagem sensibilizada pelo persona-gem criado apesar da pessoa.

    Hoje so milhares de motoboys em meio ao trfego pesado da cidade. Os corredores de nibus espremeram os automveis, mas garantem o transporte dos periferi-zados at os centros de trabalho, otimizando o tempo de quem tem que chegar antes e sair depois. Os tempos dis-tintos dos mais diversos trabalhadores assim se crista-lizam. O espao tambm: corredores segregados imitam a separao metafsica entre quem pega nibus e quem usa carro, ao mesmo tempo em que sedimenta a opo da cidade por sua geogra a excludente. Dos depsitos de mo de obra barata, entretanto, surge um rebelde por natureza: a moto, que penetra o espao que no lhe de direito, gil que , rebolando entre os automveis habita-dos por quem precisa que determinadas coisas sejam fei-tas em determinado tempo. Ou mais rpido, de prefern-cia. Os eternos trabalhadores invisveis, que constroem sem aparecer, pois seu espao restringe-se ao lugar da produo e no da fruio, sobre a moto tornam-se inc-modos ao desa ar o olhar atento do motorista atento com o outro no carro e no com seu empregado na moto, pois ver o outro signi ca, primeiro, encaix-lo dentro de um discurso. A invisibilidade de algum pressupe a ine-xistncia desse algum dentro do ordenamento social. Mas a invisibilidade muda historicamente: do escravo aos trabalhadores miserveis de Engels na Manchester do sculo XIX, o motoboy tem sua existncia condicio-nada posio social. E esse olhar condicionado, regra

  • 30 Coletivo canal*MOTOBOY 31No espelho retrovisor

  • 32 Coletivo canal*MOTOBOY 33No espelho retrovisor

  • 34 Coletivo canal*MOTOBOY 35No espelho retrovisor

    na sociedade desigual, forado a enxergar quem nunca viu: primeiro como incmodo, depois como estatstica. Inverte-se ento o dito de Marx: assim como o servial submisso vira marginal para depois morrer, o motoboy primeiro farsa para depois tornar-se tragdia. Entretanto, ao contrrio do enredo cotidiano dos romances policiais dos tabloides televisivos dirios, o motoboy um traba-lhador. No imaginrio nacional, isso signi ca ser o oposto do bandido que nosso vagabundo.

    O motoboy trabalha e morre, ou trabalha e se acidenta, pois, como numa guerra, para cada morto aparecem trs feridos: clavculas quebradas, joelhos torcidos e pernas amputadas so outras estatsticas alm das 365 mortes anuais ou 366, se o ano for bissexto. Da a equao simblica que no fecha: no bandido, trabalhador. Mas morre. Fica o incmodo de algo que no se explica. Algo que no se entende. Como uma sociedade pode con-viver com um espectro desses lhe rondando a civilidade?

    Apesar de a morte ser o destino humano, o convvio dirio com sua real possibilidade pode revelar a falta de capa-cidade da sociedade em gerir bem-estar. As categorias pro ssionais cujo discurso perpassado pela fatalidade mostram valores diversos para a vida humana: parece que, tal a geogra a poltica da cidade que circuns-creve em um centro expandido seu gueto de civilidade, o acesso ao conforto e s oportunidades demasiado restrito. Quem se percebe excludo dessa parcela de civi-lizao pode optar por no partilhar de seus princpios, resignando-se frente fatalidade ou rebelando-se: a morte na la de um posto de sade ou na esquina de uma avenida torna-se um fato da vida ou um slogan que fala da opo por ser outsider: vida loka.

    A civilizao do trabalho intelectual tem tradio de rejeitar as tarefas musculares, braais. Tais tipos de ati-vidade foram continuamente rebaixados medida que o processo histrico foi tomando o rumo do intelecto, que domava a natureza e a sobrepujava colocando-a a seu servio , distanciando-se da sujeira e do suor, sepa-rando-se cada vez mais de sua origem e, assim, manifes-tando o orgulho do caminho percorrido. E com a histria, segue o rumo do olhar. O motoboy, nesse ponto, o nal de uma complexa cadeia produtiva: ele o responsvel pelo ltimo parafuso de uma grande mquina. Seu trabalho o obriga a relacionar-se com as ruas e avenidas continua-mente, exposto fumaa e fuligem, ao suor e sujeira que no penetra nos automveis, essas carapaas her-mticas de conforto regulado, fetiche do homem moderno. A natureza da motocicleta outra da seu apelo no-conformista. Mas como sujeito do ordenamento social, a moto enquanto veculo para o lazer diversa da moto para o trabalho: a sociedade no aceita o conformismo em seu seio to facilmente. Ela restringe ao lazer o perodo do no-trabalho merecido aps as horas regula-mentares , ou outro tipo qualquer de regulao, seus rompantes de originalidade. A moto tambm est mais prxima do risco que o carro: os dispositivos de segu-rana desenvolvidos ao longo de anos e que tornam os automveis cada vez mais seguros e caros trouxe ao homem a possibilidade de viver cada vez mais pr-ximo do limite. Se os carros mudaram muito, as motos, no entanto, mudaram pouco, devido aos limites de sua prpria concepo. O risco fsico ca ento ao encargo de quem a ele se sujeita, como no caso de inmeros outros trabalhos essenciais sociedade que, por lida-rem com o que se considera degradante pois con-trrio norma que valoriza a distncia dos subprodutos

  • 36 Coletivo canal*MOTOBOY 37No espelho retrovisor

    ou da infraestrutura da mquina social , so reser-vados s classes mais abaixo da pirmide. A sociedade, em suma, deve operar como por encanto, magicamente funcionando sem produzir detritos de qualquer espcie. O encanto assegurado pelo olhar que ignora quem lida com o indesejvel ato agravado em uma socie-dade historicamente segregada cujo ideal de igualdade de direitos apenas retrica, uma ideia fora do lugar: o que ca aparente no trato da valorao da vida humana, que possui ndices diferentes conforme se aproximam do centro geogr co da metrpole. Aqui, igualdade e auto-conscincia unem-se para dizer que conscincia e demo-cracia no se separam.

    No centro expandido, a morte ganha destaque, mesmo que seja pela fora dos nmeros. O motoboy aciden-tado aparece nos noticirios graas ao agravamento do trnsito de uma cidade cujas veias no suportam mais a seiva que transportam. O motoboy, que agiliza servios e encurta prazos, atrasa a rotina da cidade quando sai de sua rota invisvel. Nesse ponto, ele passa a ser visto. Vira assunto no jornal. Leis so feitas para ele. Umas pegam, outras viram moeda de troca entre os representantes do poder e quem a ele deve se submeter. Outras simples-mente somem. Leis em um pas de apenas alguns cida-dos carecem de e ccia. Leis so elementos pblicos, em um pas em que as caladas so mosaicos desarran-jados da privacidade de cada imvel a invadir o espao pblico das ruas. A falta de normatizao a carncia de um projeto unitrio. Isso incentiva a criao de mais leis, para tentar normatizar o catico, o que provoca a ingerncia nas coisas mais bsicas. Chega-se, ento, s normas que impem roupas padronizadas, com tas luminescentes, para que o motoboy seja visto. Acessrio indispensvel por ser mundialmente aceito como e -caz, ele esbarra na questo de que a invisibilidade do motoboy no um problema de regras de trnsito, mas

    de organizao social. O olhar educado para no ver. O olhar cria. Sobre o motoboy incide o olhar que vigia. Esse olhar no d oportunidade ao observado de se pronun-ciar, pois vigia segundo suas prprias normas. Ele visa ao encaixe em um sistema, em um discurso que viabiliza e refora ordenamentos j previamente estabelecidos.

    Cabe ento ao olhar deseducado a tarefa de observar e se surpreender. O olhar estrangeiro aquele que no participa do conjunto de normas espec cas em que passeia momentaneamente os olhos. O turista desco-bre o que o nativo no v, pois encaixa em outro sistema simblico de valores ou no encontra lugar de -nido para encaixar, e a ca a surpresa do inusitado. A curiosidade do estrangeiro devolve imagens que muitas vezes no vemos. Por isso o estrangeiro pode ser peri-goso, pois com seu olhar desestabiliza toda uma cons-truo social. Nesse ponto, o motoboy o estrangeiro eternamente presente no trnsito da cidade. o indiv-duo que no deveria aparecer ali, mas, invisvel, deve-ria cumprir sua misso civilizatria e retornar ao gueto, como outros milhes, diariamente, mundo afora. Resta saber em que mundo vive esse estrangeiro, ou em que mundo ele pensa viver.

    Da unio de estrangeiros surge a oportunidade de dar ao motoboy o controle de seu discurso. Capturando as imagens de seu cotidiano, o pro ssional do motofrete pode mostrar o que v da maneira como sente, tornando-se visvel alm da mera estatstica. O indivduo sob o capacete de motociclista pode mostrar quem , o que v e o que quer nas imagens que produz. Para alm do herdeiro do antigo of ce-boy, o novo personagem coti-diano que ronda o trnsito em sua moto pode, nalmente, comear a produzir sua prpria caricatura.

    Augusto Stiel Neto

  • 38 Coletivo canal*MOTOBOY 39No espelho retrovisor

  • Cap.03

    Cultura Motoboy

    Cap.03

    Cultura Motoboy

  • 42

    43Cultura Motoboy

    Em um excelente artigo publicado no site Caderno Brasil do Le Monde Diplomatique, em 2008, intitulado A Revoluo Cultural dos Motoboys, o historiador e ativista social Eleilson Leite revelou uma surpreendente viso do uni-verso dos motoboys paulistanos que participavam da 1 Semana de Cultura Motoboy, realizada em maio daquele ano no Centro Cultural Popular da Consolao. Sempre tendo em mente o contexto em que surge a gura do motoboy, segue este material em verso impressa:

    A revoluo cultural dos motoboys

    Um evento em So Paulo, um site inusitado e dois lmes ajudam a revelar a vida e a cultura destes personagens de nossas metrpoles. Sempre oprimidos, por vezes violentos, eles vivem quase todos na periferia, so a prpria metfora do caos urbano e esto construindo uma cultura peculiar.

    Termina neste sbado, 17 de maio, a 1 Semana de Cultura Motoboy. O evento comeou na ltima segunda-feira, no CCPC Centro Cultural Popular da Consolao e a programao conta com muita msica, intervenes, mostra de lmes e o cinas, entre outras atraes. Durante a semana, as ativi-dades rolaram sempre noite. No sbado, tudo comear tarde, com workshops e show de encerramento a partir das 20h, varando a noite.

    A realizao desse evento to surpreendente quanto opor-tuna. Fomos habituados a ver os motoboys apenas como um bando de malucos que desa am as leis da fsica e os limites do prprio corpo nos estreitos corredores das avenidas da metrpole. E a maioria da populao, sobretudo os moto-ristas, nutre uma antipatia em relao a esses mensageiros de moto. Para muitos, difcil ver o ser humano por trs do capacete. Por outro lado, um fenmeno to recente que os esteretipos so compreensveis em funo da falta de infor-mao e re exo sobre o per l desse tipo de pro ssional. chegada a hora de darmos ateno a o que eles pensam e desejam. Eles, que arriscam a vida diariamente para atender pressa que temos para entregar documentos, comer pizza, tomar remdios, entregar ores, receber o jornal ou seja, socorrer-nos na maluquice que virou a vida nos centros urba-nos, em especial So Paulo.

    O aumento exponencial dos motoboys causa perplexidade. Nos ltimos dez anos, saltaram de cerca de 50 mil para um nmero estimado de 300 mil, s em Sampa. Embora no haja estatsticas seguras, estimativas apontam um nmero que pode chegar a 500 mil em toda a regio metropolitana. Quanto mais invivel o trnsito, maior a demanda pelo tipo de servio que esse pro ssional realiza. uma categoria que surge em funo do caos provocado pelos congestionamentos. No ritmo em que a indstria automobilstica vem produzindo, a pers-pectiva de que tenhamos mais e mais motoboys pela cidade. Sem que percebamos, estamos cada vez mais refns desses mensageiros. H quem diga que uma greve de motoboys cau-saria mais prejuzo a So Paulo do que uma greve de nibus.

    Vivendo nos corredores das grandes cidades, os motoboys so a traduo explcita da alegoria de Brecht: um rio cuja violncia das guas produto da opresso das margens que o comprimem.

    Mas existe uma cultura motoboy? Pensando na cultura como a construo simblica de uma coletividade, cuja expresso revela sua identidade, comecei a re etir sobre essa questo. E intrigante analisar o que a rmao de identidade para

  • 44 Coletivo canal*MOTOBOY 45Cultura Motoboy

  • 46 Coletivo canal*MOTOBOY 47Cultura Motoboy

    este grupo. Conversando com alguns deles, sobretudo os mais antigos, percebi que h uma rejeio ao prprio nome. A de -nio motoboy popularizou-se em virtude do caso do Manaco do Parque, um bandido que, em meados da dcada de 1990, passando-se por um fotgrafo de agncia de modelos, atraa jovens garotas para a densa mata do Parque do Estado, onde estuprava e matava suas vtimas. Esse caso causou uma indignao maior do que essa a que assistimos hoje no caso Isabella Nardone. O nome motoboy, portanto, surgiu estigma-tizado. E para piorar a situao, nos ltimos anos estatsticas policiais revelaram um grande aumento do nmero de assal-tos praticados por ladres com uso de motos..

    No fcil a vida de motoboy e motogirl. Ralam em condies de trabalho para l de precrias, insalubres e periculosas, para obter uma remunerao que vai de R$ 250,00 a, no mximo, R$ 1.200,00 (casos raros). Ainda tm que aguentar o precon-ceito. Os caras e minas tm uma jornada de trabalho que pode chegar a 16 horas, em trs servios diferentes. Alguns deles comeam s quatro da madrugada, entregando jornal at as sete da manh. Depois, vem o expediente bsico na agncia de motoboys ou numa rma qualquer, at seis da tarde. Cruzam a cidade e na periferia, onde a maioria mora, ainda complemen-tam a renda entregando pizza, ali mesmo pelo pedao.

    Esse trampo noturno dos mais ingratos. Normalmente, ganham uma diria de R$ 15,00 e mais R$ 1,00 por pizza entre-gue. Ou seja, se zer 15 entregas em uma noite, receber R$ 30,00. Essa realidade e muitos outros dramas (e delcias, tam-bm) da vida desses pro ssionais esto no brilhante docu-mentrio Motoboys Vida Loca, de Caito Ortiz, uma produo de 2003, que foi premiada na Mostra Internacional de Cinema de So Paulo naquele ano. O belo lme 12 Trabalhos, do cineasta Ricardo Elias (De Passagem), ajuda tambm a entender o cora-o que bate em baixo da jaqueta do motoboy. O lme conta a histria do jovem Heracles que, sado da antiga Febem, tenta recomear sua vida trabalhando com moto-frete. Embora c-cional, a produo, de 2006, revela o per l de um motoboy com enorme sensibilidade.

    A cultura motoboy um produto do contexto social em que vive esse pro ssional. Sendo esse contexto catico, urgente e tenso por natureza, no h como essa cultura no expres-sar a paisagem urbana que lhe serve de cenrio. O motoboy e a motogirl so a prpria metfora do caos urbano. So, ao mesmo tempo, heris e bandidos em uma cena onde o prota-gonista no o ser humano, mas o veculo motorizado carro, moto, nibus ou caminho. So a expresso de um dos lados da luta fratricida pelo espao pblico. Cada metro quadrado de asfalto defendido por motoqueiros e motoristas como se dele dependesse sua vida, seu destino. Vivendo nessas art-rias que so os corredores das grandes avenidas, os motoboys acabam sendo a traduo explcita da alegoria de Brecht: um rio cuja violncia das guas produto da opresso das mar-gens que o comprimem.

    Roupa, moto adesivada, solidariedade entre si e procedncia perifrica so elementos da cultura motoboy. Mas h algo menos evidente: a semntica. Eles e elas construram uma lin-guagem prpria. Contracenado nesse caos, o motoboy parte dessa confuso, e sua a rmao enquanto grupo carregada de contradies. Quem ele fora do front? Ele leva para sua casa e sua comunidade toda essa adrenalina do dia a dia do trampo? O lme de Caito Ortiz muito feliz ao desconstruir esteretipos. H uma motogirl de 44 anos que pede para que o destino lhe reserve um acidente fatal. Assim, ela se livraria da dor que foi a perda do lho morto aos 18, a separao do marido e o afastamento da lha que resolveu casar e sumir. Ronaldo, outro personagem real do lme, contradiz a percep-o que temos do motoboy. Empregado com carteira assinada e salrio de R$ 1.200,00, ele tem 34 anos e no tem pressa. Faz o trampo na boa e no nal do dia chega em sua quebrada e recebido em casa pela mulher e o casal de lhos. J o Gavio, garoto de 20 e poucos anos, cachorro loco denominao usada na periferia para aquele motoqueiro arrojado, ousado e que atrai a ateno das minas com suas loucuras ensaiadas. Ele adora ser motoboy porque gosta da adrenalina do trn-sito. Parece um sem destino, um sujeito que no responde a ningum que no seja ele prprio, ostentando a mxima

  • 48 Coletivo canal*MOTOBOY 49Cultura Motoboy

    segundo a qual, se morrer em cima da moto, morre feliz. Que nada. Mora com a me, que lhe prepara o caf da manh com carinho, reclama da roupa suja e das unhas malcuidadas do lhinho e todos os dias reza para que ele possa arrumar um emprego decente.

    A diversidade revelada pelo documentrio Vida loca nos coloca a indagao. Teriam os motoboys, enquanto categoria, um sentimento de pertencimento que desse um contedo cultural a sua a rmao? Fiz essa pergunta a Eliezer Muniz, o Neka, um dos fundadores do canal*Motoboy, coletivo que organiza a Semana de Cultura Motoboy. Segundo ele, h vrios elementos comuns que criam uma identidade. A roupa, a moto adesivada, a solidariedade entre eles, a procedncia perif-rica e a classe social so alguns desses elementos. Mas Neka destaca outro aspecto muito interessante e talvez menos evi-dente: a semntica. O motoboy e a motogirl construram uma linguagem prpria.

    Expresso quase totalmente pela oralidade, esse vocabulrio agora pode ser lido pelas narrativas dos motoqueiros que integram o canal*Motoboy na pgina (www.zexe.net/sao-paulo) que mantm na internet . So dez motoqueiros que se juntaram por iniciativa do artista plstico catalo Antoni Abad no projeto artstico Motoboys Transmitem de Celula-res, realizado durante trs meses, no primeiro semestre de 2007, no Centro Cultural So Paulo (CCSP). Cada um deles recebeu um celular de alto padro tecnolgico com conexo internet. Enviaram fotos e textos para o site, revelando sua percepo sobre a vida na cidade. Antoni desenvolveu expe-rincias semelhantes com prostitutas em Madri, imigrantes nicaraguenses na Costa Rica e taxistas na Cidade do Mxico. Est tudo l, no mesmo site.

    Lendo as narrativas, no site, nos surpreendemos com relatos do drama vivido pelos motoboys, mas tambm nos divertimos com a comunicao entre eles. So reprteres privilegiados. A realizao desse trabalho teve o apoio do Centro Cultural da Espanha. Durante e aps o trmino da exposio no CCSP, o grupo atraiu diversos parceiros, entre eles a Cidade do

  • 50 Coletivo canal*MOTOBOY 51Cultura Motoboy

    Conhecimento, da USP, o Instituto Socioambiental (ISA) e a Ao Educativa. Vale a pena navegar pelo site. Lendo as narra-tivas, nos surpreendemos com relatos do drama vivido pelos motoboys, mas tambm nos divertimos com a comunicao entre eles. Percebemos uma preocupao com a cidade e nos chocamos com os acidentes que s vezes so noticiados. O motoboy um reprter privilegiado. E essa produo rpida de notcia, feita por quem sabe bem o que urgncia, tendo um veculo miditico ao alcance, certamente est produzindo um indicador muito interessante e revelador do que pode ser a cultura motoboy.

    A Semana de Cultura Motoboy e o canal*Motoboy esto dando uma contribuio enorme ao entendimento acerca da vida dessa gente to batalhadora quanto estigmatizada. A capa-cidade de articulao do grupo tem produzido parcerias muito interessantes. A aproximao com o ISA vem possibilitando o engajamento do motoboy em questes ambientais urba-nas das mais relevantes. Voc sabia que um motoboy utiliza, em mdia, 3 litros de leo por ms e que esse resduo vai, na maioria dos casos, para o esgoto? Segundo o ISA, cada litro de leo contamina 1 milho de litros de gua. Voc pode imaginar 900 mil litros de leo contaminando a gua? Por outro lado, o contato com a Ao Educativa est pautando a questo do letramento entre os motoboys e suas di culdades de leitura e escrita. A Cidade do Conhecimento est proporcionando capacitaes em mdia digital. Ou seja, h um movimento em torno de um pequeno grupo de motoboys que pode produzir uma grande revoluo na categoria.

    Muitas outras iniciativas esto rolando e ainda d tempo de entrar em contato com o canal*Motoboy e participar de seu evento. Aparea nesse sbado no CCPC e voc mudar seu conceito em relao ao motoboy.

    Eleilson Leite, Caderno Brasil de Le Monde Diplomatique em 17/05/2008.

  • 52 Coletivo canal*MOTOBOY 53Cultura Motoboy

    Para este reconhecido programador cultural e coorde-nador do Espao de Cultura e Mobilizao Social da ONG Ao Educativa, a partir de agora no mais pos-svel olharmos para os motoboys de uma forma limitada, mesmo que possamos consider-los entre mais uma tribo urbana, sua presena e seus modos de sentir esto atravessados por uma trama de signi cados que nos leva a nos perguntar: como podem ser pensadas suas mani-festaes culturais?

    Figura urbana por excelncia, morador da periferia e com presena diria nos veculos de comunicao, Eleilson me indagou sobre o que so os motoboys. Existe uma cultura motoboy?

    O que pensam estes caras, o que ser motoboy?

    No incio de 2008, no pavilho do Centro de Convenes Imigrantes, durante um evento voltado para o segmento de motoboys e mototaxistas chamado Motoboy Festival , tivemos a oportunidade de conhecer o grupo musical CR 13 MCs que naquele momento estava em alta com seu refro Ei, cachorro louco, que vinha no CD 125 motivos de correria, lanado por eles naquele ano.

    O lder e cantor do grupo, Junior 13, nos procurou. Conversando com os motoboys do canal*MOTOBOY, pediu para que cedssemos uma parte do pequeno estande que ganhamos naquele evento para que expusesse ali o CD do grupo.

    Durante aqueles quatro dias, tivemos o prazer de com-partilhar com os msicos e outros motoboys que partici-pavam do evento uma fraterna parceria de ideias e trocas de experincias. Nosso estande transformou-se, assim, em um caldeiro cultural, com distribuio de catlogos do canal*MOTOBOY e adesivos, muitas fotos e vdeos pro-duzidos ali e expostos no site do nosso projeto. Alm, claro, de brindes e vendas do CD do grupo.

    Entre estas conversas e discusses surgiu a ideia de rea-lizarmos um evento exclusivamente voltado cultura motoboy. Encabecei o projeto imediatamente, colocando o canal*MOTOBOY disposio, como o realizador do evento, e passamos a chamar aquele evento que organi-zaramos de Semana de Cultura Motoboy.

    Como j tnhamos em mente organizar uma festa para comemorar o primeiro ano do projeto canal*MOTOBOY, em maio daquele ano, e como estvamos con antes que teramos uma boa programao, estipulamos que cada banda que conhecamos na categoria dos motoboys daria um show por dia dia no noite, porque a ideia era que ao realizarmos uma pequena atrao durante a semana, noite haveria a possibilidade de que muitos motoboys que trabalham de dia pudessem ao menos participar em um dos shows.

    Assim, nos prximos meses que se seguiram, tivemos um contato direto com diversos artistas motoboys que comearam a aparecer e que passaram a se reunir em torno do projeto canal*MOTOBOY. Era o incio de um tra-balho coletivo onde os motoboys que faziam msica e falavam da vida sobre duas rodas podiam se reunir e discutir sobre nossa atuao cultural junto categoria dos motoboys. Conhecemos o Poeta dos Motoboys, que j estava na estrada h pelo menos uma dcada, com seu rap cheio de melodias. Fomos apresentados a um dedicado grupo de rappers de Guarulhos, que tambm viria a se apresentar na Semana de Cultura, liderada pelo Carlos, ou como o chamamos, o Cal, do grupo Q.I. do Queto. E convidamos para uma apresentao o grupo Ncleo, que tem um trabalho bem desenvolvido, com canes gravadas durante os timos anos e duas faixas inditas: Na Contramo e Trnsito.

  • 54 Coletivo canal*MOTOBOY 55Cultura Motoboy

  • 56 Coletivo canal*MOTOBOY 57Cultura Motoboy

    Fechamos ento com estes artistas e comeamos a pro-curar apoio para a realizao do nosso evento cultural. Porm, como todos sabem, muito difcil hoje em dia as empresas vincularem suas marcas ao nome motoboy por conta do preconceito.

    Tinha sido assim, durante os mais de quatro anos em que o artista plstico espanhol Antoni Abad, sem sucesso, tentou realizar no Brasil seu projeto de arte usando celu-lares com os motoboys. Mas com a experincia que acu-mulei durante os anos em que me envolvi com nossa cate-goria pro ssional, sabia que no seria possvel encontrar patrocinadores dentro do mercado de moto. Ento, prepa-ramos um projeto de captao de outras fontes de apoio e comeamos a lev-lo s instituies que nos apoiavam. S depois fomos buscar apoio junto s empresas do setor de motocicletas.

    Antes disso, para que o leitor tenha uma viso mais pr-xima de como o canal*MOTOBOY funcionava, seria inte-ressante deixar clara a importncia que algumas parce-rias desempenharam nessa histria.

    Desde que o projeto do Canal foi lanado, em maio de 2007, no Centro Cultural So Paulo, com o apoio da Agncia Espanhola de Cooperao (AECID) e do Centro Cultural da Espanha em So Paulo (CCE-SP), tnhamos desenvolvido uma estratgia de sustentabilidade para o canal*MOTOBOY.

    O CCE-SP, no caso, foi uma grande parceria para ns. Estabelecemos contato com o pessoal desta instituio logo que ela foi inaugurada, e o canal*MOTOBOY ainda tinha pouco tempo de existncia. Solicitamos apoio ao canal*MOTOBOY em suas aes, alm de suporte, uma vez que o projeto era basicamente uma experincia que agregava um grupo de motoboys e alguns pesquisadores,

  • 58 Coletivo canal*MOTOBOY 59Cultura Motoboy

    que desde o incio do projeto vinham acompanhando o grupo e orientando estas aes.

    Mas para isto era tambm necessrio apoio nanceiro, sem o qual seria impossvel prosseguirmos. Desde que no nos faltassem crditos nos celulares para que zs-semos os envios ao site www.zexe.net/SAOPAULO, pode-ramos desenvolver nossos projetos e manter o site e, mais importante, o grupo de motoboys unidos.

    Assim, o projeto da Semana de Cultura Motoboy come-ava a nascer. E para isto voltamos a buscar o apoio do CCE-SP, que foi fundamental para a realizao do evento. No incio tnhamos apenas uma ideia do que queramos. A nossa esperana sempre foi que uma categoria grande como esta tivesse muitos motoboys-artistas a revelar. Ainda h, todos sabemos disso.

    Quando apresentamos nosso projeto, a Sra. Ana Tom, diretora do CCE-SP, percebeu que estvamos indo na direo certa. Alm da parceria com este centro cultu-ral, o canal*MOTOBOY tinha criado uma rede de conta-tos com outras instituies parceiras. E naquele primeiro ano o canal j era um grande sucesso, pela quantidade de mdia que vnhamos fazendo. Uma das parcerias mais slidas, que mantemos at hoje, era com a ONG Ao Educativa. Esta ONG, muito conhecida pelo seu traba-lho com a cultura jovem de periferia, imediatamente deu apoio ao Coletivo canal*MOTOBOY.

    O primeiro contato com a Ao Educativa foi realizado pelo antroplogo Augusto Astiel, que nos apresentou ao Sr. Eleilson, coordenador daquela ONG, em uma de nossas reunies do canal*MOTOBOY, ainda quando o canal era apenas uma exposio de arte contempor-nea no Centro Cultural So Paulo. A Ao Educativa caiu do cu. Digo isto por que foi em boa hora, e por fora

    da necessidade, que surgiu esta parceria. O Astiel, meu amigo desde nossa formatura na USP, foi uma das pes-soas que ajudou o artista a fundar o canal*MOTOBOY e participava de todas as reunies do canal desde o incio. Em uma destas reunies, quando o prazo da exposio no CCSP j estava quase se esgotando, e que deveramos cair fora, ele sugeriu que buscssemos uma parceria de alguma outra instituio para acomodar nossas reunies com os motoqueiros aos sbados tarde. Acredito el-mente que, se no fosse o contato com o Eleilson naquele dia, quando os motoboys e motogirls aceitaram o convite dele, para fazermos nossas reunies de pauta na sede da Ao Educativa, o canal*MOTOBOY teria acabado.

    A parceria com a Ao Educativa nos possibilitou mui-tas outras coisas alm do espao para as reunies. Passamos ento a nos encontrar todos os sbados pela manh e a utilizar o centro de multimdia para a edio dos canais dos motoboys do projeto, no canal*MOTOBOY. Tambm passamos a receber nossas correspondncias em um endereo xo e a ter uma estrutura bsica para trabalharmos, como telefone, internet etc. Foi ali na Ao, tambm, que gravamos inmeras entrevistas para as redes de TV, revista e jornais.

    Outra grande parceria que concretizamos e com quem zemos muitas aes foi o Instituto Socioambiental (ISA).

    Esta uma das maiores ONGs de meio ambiente do pas, e que tem um extenso projeto de preservao dos manan-ciais em So Paulo. primeira vista, at pareceria estra-nho termos um contato com eles, j que motoboys e meio ambiente, aparentemente, no tm nada a ver. No entanto, no esta a realidade, principalmente para ns do projeto canal*MOTOBOY. Esta parceria aconteceu e cresceu jus-tamente por conta da preocupao dos motoboys com a poluio causada pela moto. Esta preocupao apareceu

  • 60 Coletivo canal*MOTOBOY 61Cultura Motoboy

    em uma das inmeras e incansveis reunies semanais que realizamos desde que constitumos o projeto.

    Nesse cenrio, a Semana de Cultura estava basicamente certa. Ou seja, tnhamos muito contedo. Mas faltava ainda um local.

    Assim, quando sentamos com a diretora do CCE-SP para apresentar nossa proposta de parceria e apoio para a 1 Semana de Cultura Motoboy, j tnhamos fechado com um espao que era a nossa cara. O espao era o Centro Cultural Popular da Consolao (CCPC), na Rua da Consolao 1.901, quase em frente ao cemitrio.

    O lugar, como o nome j diz, tem uma pegada com proje-tos culturais populares, alm de ser um centro de treina-mento para que jovens da periferia se especializem em iluminao teatral. Em um projeto subsidiado pela pre-feitura no piso superior, h um dos principais cursinhos pr-vestibulares populares, voltado para alunos sem condies de pagar as altas taxas cobradas pelos cursi-nhos privados.

    Assim, quando fechamos com o Tiago e o Bahia, indi-cados pelo pessoal da Ao Educativa, sabamos que aquele espao tinha todas as condies para abrigar o primeiro evento cultural da nossa categoria pro ssional.

    Era pr as mos obra. E o Centro Cultural da Espanha em So Paulo topou apoiar nossa Semana de Cultura. Assim, recebemos um adiantamento de R$ 6 mil para a curadoria e as despesas do canal*MOTOBOY pelos prxi-mos cinco meses. Ainda receberamos outros recursos a partir de mais parcerias de peso no projeto.

    Como j dissemos, a base do canal*MOTOBOY, apesar de ser um projeto de rede social na internet, a presena das pessoas nestas reunies semanais. Ao contrrio da

    web, das redes de relacionamento e das comunidades, os projetos organizados pelo artista Antoni Abad, em geral, so todos presenciais. Isto implica que, ao se dis-por a participar desses encontros, as pessoas realmente se envolvem nos projetos, j que eles so criados para que elas possam, frente a frente, discutir as questes que mais afetam sua vida comunitria. No caso, as com-plicadas relaes dos pro ssionais motociclistas com a cidade de So Paulo.

    Foi assim, por exemplo, quando o artista esteve no Brasil para organizar o projeto canal*MOTOBOY e apresentou a mostra MOTOBOYS TRANSMITEM DE CELULARES, no Centro Cultural So Paulo, em maio de 2007, e fui con-tratado para ser o curador-adjunto da exposio. Lembro que, logo nas primeiras discusses sobre este projeto, eu propus que deveramos aproveitar a oportunidade da exposio e, j que o momento tambm era de come-moraes dos 25 anos do CCSP, organizarmos paralela-mente exposio um ciclo de debates e lmes sobre a temtica motoboy. O que, no entanto, dependeria de enormes esforos por parte do pessoal do CCSP para bus-car todos os lmes que foram realizados sobre motoboys e ainda convidar diversas personalidades pblicas para comparecer aos debates, uma vez que eles no tinham apenas a nossa exposio, mas precisavam cuidar de toda a comemorao que aconteceria junto nossa aber-tura, com dezenas de artistas e eventos simultneos por todo o CCSP. preciso lembrar tambm que a Prefeitura havia liberado uma verba para para as estas comemo-raes, o que possibilitou ao CCSP trazer o artista ao Brasil e montar o canal*MOTOBOY. Ao dar este suporte, e somados os esforos da equipe do CCSP, meu trabalho de curadoria foi buscaros diretores que haviam lmado com os motoboys e ainda montar as mesas para o Ciclo

  • 62 Coletivo canal*MOTOBOY 63Cultura Motoboy

    de debates e lmes os pro ssionais motociclistas e a cidade de So Paulo.

    Meu argumento naquele momento era de que precis-vamos resgatar o debate pblico em torno das condi-es de vida dos motoboys, uma vez que havia um hiato criado a partir das sucessivas tentativas de regulamen-tao, pelo poder pblico, justamente a favor da criao de uma poltica pblica voltada categoria, mostrando aos cidados que nossa categoria mantinha uma rela-o quase umbilical com a cidade.

    Aps a abertura da exposio, cou claro durante as reu-nies que os motoboys tinham uma poderosa ferramenta de comunicao em mos. E que deveriam se apropriar dela, como forma de suscitar uma mudana na opinio pblica acerca da categoria.

    Voltando importncia das parcerias na realizao da Semana de Cultura, lembro que o formato do projeto com reunies abertas possibilitou que tivssemos con-tato com diversos atores sociais. Por exemplo, o profes-sor Gilson Schwartz, diretor da Cidade do Conhecimento, da USP, que naquele momento iniciava uma srie de pes-quisas sobre o uso de celulares em comunidades.

    No incio do projeto canal*MOTOBOY convidamos o pro-fessor a participar de uma das mesas de debate, em que estariam presentes o diretor de cinema Caito Ortiz, o cr-tico e terico de arte Alberto Lopez Cuenca - que veio do Mxico/DC -, o professor de artes e comunicao Martin Grossmamm. Desde ento, Gilson se props a fazer com que nossas contribuies, em termos de experin-cias com nossos celulares, se transformassem em pes-quisa para a academia. De fato, criou em ns uma grande expectativa. E passamos a colaborar com as iniciativas

  • 64 Coletivo canal*MOTOBOY 65Cultura Motoboy

  • 66 Coletivo canal*MOTOBOY 67Cultura Motoboy

    especializadas na venda de produtos para motoboys. amos no s atrs do patrocnio deles, mas de apoio e parcerias, buscando levar uma nova proposta de trabalho e procurando mostrar ao empresariado uma nova viso dos pro ssionais motociclistas. A nal, tudo aquilo que estvamos desenvolvendo dentro do canal*MOTOBOY no tinha parmetro em lugar algum, nem em associaes ou sindicatos de motoboys: era totalmente inusitado e per-mitia mostrar uma nova face destes cidados. E como ainda temos esperana de um dia ver o que estava sendo pensado por nossos pesquisadores dentro das universi-dades, buscando uma compreenso das dinmicas dos motoboys a partir de um novo modelo de negcio, ento, para ns, era hora de demarcar um territrio. Para essa nalidade, a Semana de Cultura seria um palco. Dessa forma, recebemos muitos brindes de diversas empresas do ramo de autopeas motociclsticas, e os distribumos aos motoboys e motogirls que foram apreciar o evento. Da Alba Industrial, de Campinas, recebemos capas de chu-vas. Da Pneus Levorin, em Guarulhos, dezenas de pneus. A Filtros MANN, da cidade de Indaiatuba, nos enviou diversos kits com brindes. E o mais legal foi a distribui-o nas ruas, nas semanas que antecederam o evento, os 20 mil folhetos que recebemos como apoio e incentivo da empresa AM3 Feiras e Eventos, organizadora do Moto Festival. Este apoio da AM3, em especial, veio de uma parceria do canal*MOTOBOY com esta empresa, para que

    da Cidade do Conhecimento, uma vez que acreditvamos que os benefcios que poderiam resultar das pesquisas seriam direcionados a uma mudana radical - que ainda no se concretizou, apesar de nossa intensa colaborao - da forma de organizao do trabalho dos pro ssionais motociclistas.

    Desse modo, nos meses que se seguiram entre a expo-sio Motoboys transmitem de celulares e a idealiza-o da Semana de Cultura Motoboy, contribumos con-tinuamente para as pesquisas da USP. Um exemplo disso ocorreu alguns meses aps aquele primeiro debate: a Cidade do Conhecimento havia recebido uma proposta da Fundao Telefnica da Espanha para participar de uma pesquisa de campo na America Latina, juntamente com outras instituies, mas aqui, no Brasil, seria a USP a responsvel pela realizao da pesquisa. Graas ao Coletivo canal*MOTOBOY, que promoveu um debate sobre a importncia do celular na comunidade dos motoboys como uma ferramenta imprescindvel para o desenvolvi-mento do trabalho, a comunidade escolhida entre tantas para ser pesquisada seria a dos motoboys paulistanos.

    Podamos estar comemorando. Tnhamos bons motivos. Aps um ano de trabalho duro, um grupo de motoboys cruzara diversas fronteiras. Fomos acolhidos por duas das maiores ONGs do Brasil, uma voltada educao e outra ao meio ambiente. Tnhamos apoios que vinham dos centros culturais e ainda estvamos caminhando com a mais importante universidade pblica do pas, que agora, por meio da pesquisa que ela estava realizando para a Fundao Telefnica, apoiaria a Semana de Cultura, e foi assim que conseguimos que eles se responsabilizassem pelo pagamento da locao do espao do evento.

    Nossa agenda era extremamente corrida. Mas ainda tivemos tempo de fazer alguns contatos com empresas

  • 68 Coletivo canal*MOTOBOY 69

    a Semana de Cultura Motoboy entrasse de nitivamente no calendrio o cial do setor das duas rodas.

    Assim, entre os dia 12 e 17 de maio de 2008, realiza-mos a 1 Semana de Cultura Motoboy, com a seguinte programao:

    12/05 Festa de Abertura/Exposio Fotogr ca1/DJ San

    13/05 Apresentao de Q.I. do Gueto e Poeta dos Motoboys (transferido p/ sbado)

    14/05 Sesses de curta-metragens: Meu nome Ronaldo, de Antoni Abad e Glria Marti FLUXUS Kynemas, de Pedro Paulo Rocha

    15/05 Apresentao NUCLEO - com os rappers Zaro e Rogrio

    16/05 Apresentao CR 13 MCs

    17/05 O cinas: Teatro Cia Kiwii; Gra tti IZU 100% Favela; Meio ambiente com Cezinha do ISA Instituto Socioambiental

    Eliezer Muniz dos Santos

    1 O painel fotogr co apresentado foi uma doao do Estdio Madalena e teve a curadoria do fotgrafo Iat Cannabrava.

  • Cap.01

    Meu nome Ronaldo.

    Cap.01

    Meu nome Ronaldo.

  • 72

    73Meu nome Ronaldo

    Meu nome Ronaldo, tenho 36 anos e trabalho de moto nas ruas de So Paulo todos os dias desde 1992. Tinha apenas 17 anos quando comecei, e como qualquer mole-que nesta idade, tambm era apaixonado por motocicle-tas. Naquela poca, no existia esta facilidade de hoje para adquirir uma motocicleta, e para quem nunca teve nem uma bicicleta, ter uma moto era um grande sonho a ser realizado. Nunca desisti de sonhar.

    Aos 12 anos perdi meu pai. Foi um grande baque para mim, e passei a contar apenas com minha me, que sempre me ajudou em tudo. Ento, fui trabalhar em um bar prximo minha casa, onde separava os vasilhames para entregar s distribuidoras. Aos 14 anos comecei a trabalhar de of ce-boy. Nesse momento, aconteceu meu primeiro contato com a cidade de So Paulo. Aos 17, com o dinheiro da resciso da empresa onde trabalhei de boy, comprei minha primeira motocicleta.

    Lembro como se fosse hoje. Eu estava deitado no sof em minha casa quando Mark, um de meus melhores ami-gos de infncia, chegou gritando: Meu, achei uma moti-nha pra voc comprar. Era uma Yamaha RX 125 c. Ele me dizia, todo eufrico: Vamos l Ronaldo, d uma olhada na moto. Quando chegamos l, era uma motocicleta

    vermelho-cereja, estava parada h muito tempo e no funcionava. Fiquei todo empolgado com a ideia de ter minha primeira moto. Nesta mesma noite quase nem dormi pensando nela. Na manha seguinte, fui ao banco e retirei o dinheiro combinado. Na poca, eram setecentos contos. Quando nalmente tive a moto na mo, eu nem acreditava. Neste mesmo dia, subi l nas bocas2 para comprar algumas peas e outras coisinhas que ainda faltavam para faz-la funcionar. Voltando casa do Mark, no dia seguinte, comeamos a desmon-tagem. Tiramos desde o banco at o tanque de gaso-lina. Foi uma lavagem completa! Ao nal da tarde, est-vamos desanimados por por no termos consertado a moto depois de um dia inteiro de esforo. Um grande amigo chamado Marivaldo, que estava passando em frente a casa do Mark, perguntou:

    Vocs j viram o platinado?

    Um olhou para a cara do outro, e como nos dias de hoje, ningum ali sabia o que era isto. Naquela poca, a maio-ria das motos era a platinado, uma pea que foi pos-teriormente substituda pela ignio. Graas a Deus, pois, se chovesse e o platinado casse molhado, a moto morria e no funcionava. Empurramos minha moto vrias vezes para faz-la pegar sem sucesso. Ento, o Marivaldo, que tinha uma manha que faltava a todos ns, pediu licena e fez a moto funcionar. Marivaldo era daqueles motoqueiros cachorro louco, mas no era bobo. Depois de uns minutos de conversa com ela, a moto cantou o hino! Uma alegria para todos, principalmente para mim. Vrummmmmmmmm... Vrummmmmmmmm.

    Todo mundo queria dar uma volta na moto. Quando che-gou minha vez o dono da moto eu no quis ir, pois

    2 Regio central da cidade onde esto localizadas lojas de motopeas.

  • 74 Coletivo canal*MOTOBOY 75Meu nome Ronaldo

    ainda no tinha as manhas de andar... Eu dizia, dando de ombros: Depois eu ando. No nal da tarde, fui pra casa tomar um banho e, l pelas oito horas, passei de novo na casa do Mark. S ento a gente saiu para dar meu primeiro rol com a moto. O Mark tinha um irmo muito loko que j tinha motocicleta. Ele empinava e bar-barizava com a motoca, e como ele tinha alguma base da tocada, samos noite pra dar uma volta. Para mim, era um sonho se concretizando. Na garupa, ele me explicava as marchas certas, o que e quando eu devia trocar, e, logo depois, eu j estava pilotando sozinho... Mas ainda era daquele jeito, porque eu ainda no tinha con ana. Se parasse em um semforo, e a moto morresse, tinha medo de car na mo. No sabia ainda respeitar as leis de trn-sito. E o pior, no tinha habilitao.

    Naquele tempo, no era obrigatrio o uso de capacete nem de espelho. Era uma sensao de liberdade que eu queria experimentar, mas tive grandes problemas com a polcia. Na primeira vez em que os policiais do meu bairro me pararam sem d, levaram minha motinha paro o ptio da Marques de So Vicente. Depois ele ainda me per-guntou: Por que voc num fugiu com esta merda? Da pra frente foi s balo, no parava mais nas blitze, arris-cando minha vida e a de outras pessoas. Estava naquela idade em que pensamos que somos os melhores. E at hoje assim na periferia, onde a rapaziada quando junta uma grana e compra sua primeira moto.

    Para recuperar a moto, comecei a trabalhar em uma o -cina de motocicletas, onde tive a oportunidade de apren-der algumas coisas bsicas sobre mecnica de motos. No mundo das duas rodas, existem vrios problemas que podem ser evitados na motocicleta, como tomar cuidado com o leo, a relao e os freios. O leo como o sangue da moto: sem o devido cuidado, as peas se desgastam mais rpido. Para quem no sabia nada sobre esse tipo

  • 76 Coletivo canal*MOTOBOY 77Meu nome Ronaldo

    para o hospital Osvaldo Cruz, cuja diria era carssima. O irmo do Mark teve que trabalhar alguns dias para pagar a conta. Mesmo assim, ele no tinha condies de permanecer neste hospital, ento, foi transferido mais uma vez para outro hospital pblico, onde veio falecer. Meu melhor amigo partira. Fiquei sem cho. Desde os tempos em que andvamos de bicicleta, que ele mesmo me emprestava para andar, eu nunca tinha apertado um parafuso, pois ele sempre dava uma mo. Mas a vida assim: ns a amamos e aos amigos, mas a morte nos namora!

    E at hoje tenho um lao enorme com sua famlia, todos me tratam como se zesse parte dela. Para toda coisa ruim, Deus sempre reserva uma coisa boa pra gente. Nesta mesma poca, conheci aquela que seria minha esposa, Patrcia, a melhor amiga da Mnica, namorada do Mark. Sofremos muito nos primeiros anos com a morte do meu melhor amigo, mas a vida continua.

    Patrcia foi uma pea fundamental em minha vida. Comeamos a namorar de verdade. Estou com ela h 18 anos e temos duas lhas maravilhosas, a Fefe e a Jlia, que me fazem feliz. Ela tambm era motoqueira e por alguns anos teve uma Yamaha TT 125 cc, que ela usava para ir ao trabalho e ir escola. Com o passar dos anos ela, tirou sua carteira de motorista e compramos o primeiro carro. Foi uma alegria. Hoje ela trabalha em uma indstria de tecidos ocupando o cargo de gerente de estoque.

    Aos 18 anos, comecei a trabalhar na o cina de motos de um grande amigo, o Renato, e l aprendi o bsico. Trocar o leo, veri car vlvula... Um pouquinho de cada coisa. Algum tempo depois, comecei a trabalhar como motoboy em uma empresa, mas era fcil. A cidade muito grande. A experincia adquirida na poca de of ce-boy, me aju-dou bastante. Esta a funo que exero at hoje.

    de coisa, tive a oportunidade de aprender muito, desde esticar a corrente at abrir o prprio motor.

    Um dos anos mais felizes da minha vida seria 1990. Porm, quase no m, acabou sendo um dos mais tristes, pois perdi Mark, mais que um grande amigo, um irmo. Sofremos um acidente pelo qual ele veio a falecer.

    Na manh desse dia fatdico, chamei Mark pra ir comigo 24 de maio para comprar uns discos. Era o anivers-rio de 15 anos da minha sobrinha, Luciane, e estva-mos muito felizes. Por volta de uma dez da noite, o pai de uma amiga de minha sobrinha, que estava na festa, veio procur-la. Disseram a ele que ela estava em uma casa noturna. O velho cou indignado e falou que ia busc-la pelos cabelos. Como todo moleque, a gente quis ver o circo pegar fogo. O Mark cou insistindo pra gente ir l ver, e eu dizendo que era melhor no irmos. Como a gente era muito colado e ele insistiu muito, aca-bamos indo. Naquela noite, a gente estava com a moto do Jean, outro grande amigo. Pegamos a moto a parti-mos. Uma esquina antes da casa do Mark, onde vira-ria direita, ele me falou: Passa na minha casa que vou pegar uma blusa. No mesmo instante, quando voltei a acelerar a moto, recebi um impacto lateral na motoci-cleta. Fomos arremessados para longe. Tive mais sorte-por estar usando capacete e jaqueta. Alm disso, ca no meio da rua e fui deslizando. O Mark, no entanto, coli-diu com um poste. O carro, um Fusca vermelho, descia a rua aps sair de uma festa na casa de outro conhecido do bairro. No momento da correria, ningum se tocou, mas o motorista, por estar alcoolizado, teria passado o volante mulher, e ela desceu uma rua em que obrigato-riamente teria que parar e passar com ateno, porque a preferncia era nossa. Na mesma hora, conseguimos parar um carro que o levou ao hospital do Mandaqui. O quadro dele se agravou e a famlia resolveu transferi-lo

  • 78 Coletivo canal*MOTOBOY 79Meu nome Ronaldo

  • 80 Coletivo canal*MOTOBOY 81Meu nome Ronaldo

    Fiquei nesta empresa por uns dois anos. Naquela poca, eu no tinha muitas responsabilidades. Aps algum tempo comecei a trabalhar na contabilidade, e todos os dias tinha um roteiro diferente. Foi l que pude conhe-cer outras regies da cidade. Como todo motoboy, eu s queria andar de moto. Mas com o passar do tempo a gente v que no s isso. preciso estar atento aos ladres e polcia.

    Fiquei na contabilidade uns oito anos. Quando os lhos do dono comearam a administrar, ela durou um ano ape-nas. A contabilidade chamava-se Roma Contabilidade Ltda. Novamente quei sem saber o que fazer, a nal, foram oito anos naquele contrato. Ento resolvi fazer alguns cartes e trabalhar por conta prpria. No comeo no foi fcil. Alguns dias eu no tinha nenhum servio.Cheguei a pensar em parar. Mas como todo brasileiro sofredor, lutar sempre, desistir jamais. Depois de alguns dias consegui dois clientes muitos bons. Eles me davam trabalho todos os dias. A minha sorte morar desde que nasci no bairro do Bom Retiro, que alm de ser prximo ao centro de So Paulo, onde se localizam muitas das empresas para as quais distribua os cartes.

    Graas as Deus hoje tenho alguns clientes que so gran-des amigos como o pessoal da Araguaia e alguns clien-tes especiais como a Sra. Regina Silveira, a Sra. Mrcia Veek entre outras, que me oferecem trabalho todos os dias. Tenho duas paixes: as duas rodas e o Corinthians, meu time do corao. Nos nais de semana, vou qua-dra da Gavies da Fiel, onde encontro meus amigos e levo minha famlia para passear. O bairro do Bom Retiro um dos mais antigos de So Paulo. Aqui vieram morar italianos, judeus, gregos, srio-libaneses, coreanos, bolivianos. Alm deles, temos, claro, os nordestinos e os paulistanos, que sempre estiveram aqui. Por isto um dos motivos que tenho para no mudar deste bairro

    que alm de ser aonde alguns amigos de infncia moram onde se concentram muitas das empresas que estes imigrantes constituram aqui. Foi onde conheci minha mulher e vi minhas lhas nascerem aqui e espero que cresam como eu cresci.

    A vantagem de trabalhar por conta prpria que voc no tem s um cliente e nunca falta servio. Muitos des-ses clientes viraram grandes amigos e sempre passam servio.

    Quando recebo uma chamada, vejo meu roteiro para poder atend-las rpido. No comeo era mais difcil tra-balhar como motoboy em So Paulo, pois dependamos de uma mensagem que viria por bip, ou se estivesse na prpria empresa, quando estava passando em frente. Mas tudo se modernizou - e o motoboy tambm mudou. Ganhei meu primeiro telefone celular de uma grande amiga e patroa, que era a me do Tutu, outro amigo meu que faleceu em um acidente de motocicleta trs meses depois de ter me convidado para trabalhar na rma que ele montara em sua casa. Na poca, foi um choque para todos os amigos e, principalmente, sua me, Maristela, que alm de me era uma grande amiga para ele. Mas no desanimamos e seguimos em frente com um dos seus sonhos: demos continuidade Speed Express rma de motoboys , na Alameda Baro de Limeira. L ramos uma grande famlia. A tia fazia tudo pela gente. At moto ela j nanciou para dois motoqueiros que no tinham condies de comprar as suas. Comigo no foi diferente: ela me deu meu primeiro celular. Antes eu era pequeno, agora me transformara em um gigante, aten-dendo toda a freguesia da regio.

    Em 2004, tive o prazer de conhecer o Antoni Abad por meio de uma cliente minha, artista plstica, chamada Regina Silveira. Ela me falou que em breve um amigo

  • 82 Coletivo canal*MOTOBOY 83Meu nome Ronaldo

    dela, tambm artista plstico, viria ao Brasil com o desejo de realizar um projeto que mostrasse a reali-dade dos motoboys em So Paulo usando celulares. Na poca achei que no era verdade, pois se um celular sem cmera j era muito caro, um com cmera era uma for-tuna. Por isso, no acreditei. Mas resolvi apostar. Em outra ocasio, ela me ligou para fazer uma entrega e per-guntei sobre o projeto. Ela me disse que seu amigo espa-nhol viria com uma proposta de entregar vinte celulares para alguns motoboys para registrarem fatos do nosso cotidiano. Neste momento, quei mais empolgado ainda e sa falando para todos os meus amigos que tinham motos. Com o passar do tempo um bom tempo meus amigos me perguntavam:

    E a Ronaldo? Quando vai comear aquele projeto...Eu sem saber o que dizer: ... Em breve!

    Mas s depois de trs anos e muitos contatos tive a notcia que daria certo! Voltei a comentar com meus camaradas e desta vez tnhamos a esperana de que o projeto seria realizado. Naquela poca eram poucos aparelhos que tinham a tecnologia que tm hoje, com cmeras, MP3, internet, GPS etc. Quando comentei com meus amigos motoqueiros sobre este projeto, ningum botou f, pois ningum d nada a ningum, e se tratando de motoboys, as coisas eram muito mais difceis, um camarada at comentou:

    De novo?Fiquei com cara de mentiroso.

    Estvamos em 2005 e toquei minha vida. Ento, um belo dia recebi um grande presente: minha primeira lha, Fernanda, que seria uma das primeiras palavras-chave (TAG) que um dia eu criaria naquele projeto.

    Ao nal de 2006 tivemos nalmente uma boa notcia: Antoni ligou dizendo que algumas instituies resolve-ram apoiar o projeto, o que no fora fcil, pois nenhuma empresa queria vincular sua marca aos motoboys. Ou seja, faltavam o patrocnio o projeto e os vinte celulares!

    Quando esteve no Brasil, em 2004, este grande amigo cara impressionado com o grande nmero de motoboys que trafegavam pela cidade e perguntara ao taxista, ao passar pela Marginal vindo do aeroporto de Cumbica:

    Quem so este caras? E o taxista respondeu: Esses so os donos da rua.E ele falou: Como assim?

    Ento o taxista disse que aqueles motociclistas que passavam pelos corredores eram os motoboys.

    Naquele mesmo dia, ele comentou aquele seu espanto em relao aos motoboys com Regina Silveira, sua amiga. Ento, desde aquele momento at agora, quando amos comear a construir o projeto havia sido uma grande luta para conseguir trazer o projeto ao Brasil, alm do que ainda no tnhamos os celulares para comear o projeto. Mas isto foi resolvido na ltima hora, pois anteriormente, o Antoni Abad havia realizado um projeto com celulares com a comunidade de cadeirantes em Barcelona e por conta disso, sobraram 10 celulares daquele projeto e foi graas a eles que nosso projeto pde ser realizado. J era um grande comeo. Para quem j estava esperando h trs anos, foi uma maravilha! Tinham a a oportuni-dade de realizar um sonho. O melhor que no passa-ria mais por mentiroso entre meus amigos e ainda seria um dos coordenadores do projeto. No nal de 2006, tive nalmente a oportunidade de conhec-lo, e zemos os primeiros testes pela internet. Antoni Abad mudou

  • 84 Coletivo canal*MOTOBOY 85Meu nome Ronaldo

    minha vida, pois passei a transmitir para uma pgina na internet, que at ento era um bicho-de-sete-cabeas, meu dia a dia. Com o passar dos meses, a cada dia me empolgava mais com aquela experincia de poder enviar fotos, vdeos e comentrios que at ento eu no podia compartilhar com ningum.

    No primeiro momento em que vi esse cara j gostei dele. Como todos sabem, a vida do motoboy no fcil, e aquele dia estava cheio de trampo. Mas consegui um tempo para passar na casa da dona Regina, onde ele estava hospedado. Ele me parecia ser uma pessoa muito sincera e preocupada com a realidade de pessoas que muitas vezes no so valorizadas pela sociedade. Como os motoboys, aqui em So Paulo, os taxistas na Cidade do Mxico, as prostitutas e os cadeirantes na Europa. Por isso, este projeto com os motoqueiros era muito importante, pois iramos participar de algo que envol-via comunidades no mundo todo, alm de fazer parte de uma grande famlia, que seria a ZEXE.NET na internet.

    Nesse dia ele me perguntou se eu tinha um aparelho celular com cmera. Eu disse que no, pois, naquela poca, ter um celular j era uma grande conquista para os motoboys. Aps trs meses, minha operadora mandou uma carta dizendo que tinha um bnus que poderia ser revertido em um aparelho com cmera. Rapidamente, fui saber como poderia adquiri-lo. Teria um perodo a permanecer naquela operadora. Mesmo assim, adquiri o aparelho e comecei a fazer fotos da minha famlia, dos meus amigos e algumas coisas mais.

    Nessa oportunidade tivemos um segundo encontro com o Antoni, em 2006, e eu j tinha o aparelho compatvel com o projeto. No mesmo ano, zemos alguns testes de envio e achei legal essa possibilidade de mostrar coi-sas que at ento eu apenas via pela cidade. Ficamos

  • 86 Coletivo canal*MOTOBOY 87Meu nome Ronaldo

  • 88 Coletivo canal*MOTOBOY 89Meu nome Ronaldo

  • 90 Coletivo canal*MOTOBOY 91Meu nome Ronaldo

    uma tarde inteira fazendo alguns testes na casa da dona Regina Silveira. No nal da tarde, eu j estava me empol-gando com a situao. Pois, no mesmo momento que tirava uma foto, a mesma j estava no computador. Uma coisa maravilhosa!

    At esse momento eu nunca tivera contato com um com-putador. Achei aquilo maravilhoso e sai fotografando tudo o que via pela cidade. Mas tnhamos um grande pro-blema: naquela poca, ningum ningum queria patro-cinar este projeto. A razo era o nome motoboy, uma pro sso indispensvel, mas muito discriminada. Esse foi um dos motivos pelos quais passei por mentiroso com os motoboys com quem eu j tinha comentado esse projeto, que eu acreditava que podia ser realizado, mas os caras no.Quando o conheci Antoni, ele me perguntou:

    O que voc gostaria de ser se no fosse motoboy? Respondi: Eu gostaria de ser o Ronaldinho, mas no tive a chance de ser jogador de futebol. Ento pre ro ser um pessoa feliz, que pode realizar seus sonhos.

    Assim, em 12 de maio de 2007, tivemos a oportunidade de realizar este sonho com a inaugurao da exposio do projeto canal*MOTOBOY, no Centro Cultural de So Paulo, onde tive a oportunidade de conhecer pessoas maravilhosas, lsofos, antroplogos, socilogos, artis-tas de vrias categorias e muitas outras que compare-ceram para prestigiar o evento que mudaria de nitiva-mente minha vida.

    Como coordenador do projeto, junto com o Neka, eu tinha a misso de organizar os motoboys que convidara para participar. Cada um recebeu um celular e uma pgina no Canal. Eram 12 motoboys, alguns convidados por artis-tas amigos do Antoni, outros eram meus amigos, Cleyton,

    Luis, Deton, Tadeu, Edison, Alexandre e uma mina que eu havia conhecido no dia a dia louco da cidade guardando motos no estacionamento da avenida Paulista, que tinha o sonho de ser motogirl. Por sorte, quando comeamos o projeto, ela j era motogirl e convidei-a imediatamente.

    Fiquei impressionado com a dimenso que o projeto tomou. O que era um simples projeto para mim poderia alcanar tamanha repercusso nos meios de comunica-o. Da noite para o dia, comeamos receber convites para TV, para o rdio e para revistas e jornais, aquilo era muito louco. Pela primeira vez, o motoboy era visto com outros olhos. Poderamos mostrar a verdadeira reali-dade e tambm o nosso dia a dia.

    Aos sbados a gente se reunia em volta de uma grande mesa redonda que cava ao centro da biblioteca do CCSP. A exposio deveria durar apenas dois meses. Mas tivemos a ideia de continuar este projeto ao tr-mino. No entanto, logo na primeira semana aps a inau-gurao, liguei minha televiso pela manh e escutei que havia cado um balo no CCSP. Logo imaginei: O Centro Cultural grande! Meia hora depois de ter escutado esta notcia, o artista me ligou, muito triste, dizendo que o balo que tinha cado justamente em cima da nossa exposio! Eu nem acreditei...

    No mesmo momento, liguei para o meu amigo Luis e comentei com ele:

    Meu! A nossa exposio acabou! E ele me perguntou: Por qu?

    E eu lhe disse que tinha cado um balo sobre o telhado e causado um incndio que destruiu nossa exposio, computadores, banners, mesas e at as TVs de plasma! No mesmo momento, larguei tudo e fomos para l.

  • 92 Coletivo canal*MOTOBOY 93Meu nome Ronaldo

    Chegando l, vimos a dimenso do estrago. Eu nem acreditei...

    Levamos a mo cabea. Depois de tantos anos, de tantos sacrifcios e de tudo que passamos, parecia que o projeto tinha acabado ali. Mas nossa histria estava apenas comeando.

    O que era para ser uma exposio de dois meses acabou durando quase quatro meses, pois o Centro Cultural So Paulo reservou uma grande espao em outro local, onde foram refeitas todas as instalaes do canal*MOTOBOY. Mas no era mais a mesma coisa. Aquele incndio cou marcado para sempre em nossa memria. Nosso amigo Antoni Abad tinha ido embora do Brasil logo depois aqueles fatos totalmente desolado, mas com a pro-messa da reinaugurao, dali a umas semanas, depois que tudo tivesse pronto novamente, ele cou aliviado. Ento, quando retomamos o projeto, todos j esta-vam enviando para o canal*MOTOBOY e editando seus canais com muito pro ssionalismo.

    O projeto cresceu. Estas reunies de sbados com os motoboys emissores eram uma grande confraterniza-o em que muitas vezes aconteciam discusses sobre a realidade do motoboy, o dia a dia.

    Eu era o encarregado de combinar os horrios, ligando para cada um dos motoboys, enquanto o Neka, o outro coordenador, cuidava das relaes institucionais. Eu tambm fazia toda a logstica para que pudssemos atender todos os jornalistas. E eram muitos, s vezes at mais de dois reprteres por dia, e terminvamos fal-tando ao servio para dar entrevistas. Por m, solucio-namos o problema revesando as entrevistas com cada um dos motoboys participantes, a nal, todos tinham que ganhar o dia! Mas melhor de tudo isso, alm do reco-nhecimento da mdia, era saber que muitas pessoas

    tambm descobririam que poderiam utilizar seu pr-prio celular para e enviar pra qualquer meio de comu-nicao. Nesse sentido, o inovador e muito interessante poderia sim dar voz sua comunidade. Demos entrevis-tas para todos os grandes jornais e telejornais, e at para o programa da Ana Maria Braga fomos convidados. Estvamos bastante empolgados. Todo dia encontrava algum motoboy na rua e falava:

    Voc no o motoboy daquele site, no foram vocs que apareceram na televiso (ou jornal)?

    Mas no era somente a vida no trnsito que a gente enviava para o site. Tambm zemos vrios TAGs (pala-vras-chave) que mandvamos com as fotos e vdeos da famlia, amigos, lazer etc. Ou seja, motoboy tambm tem famlia! Mas como tudo na vida, nem todos acreditaram no projeto, e tivemos alguns que simplesmente desisti-ram, aps algum tempo, de enviar para seus canais. Ali no CCSP tambm tivemos a oportunidade de conhecer muitas pessoas que visitavam o canal*MOTOBOY, pes-quisadores, artistas e personalidades, que vinham aos debates que realizvamos para discutir os problemas da categoria dos motoboys. Coisas assim esto registra-das no site, mostrando a preocupao dos rgos pbli-cos com os motociclistas, que expunham no site o des-caso que as autoridades tinham em relao rotina do motoboy em uma cidade to grande como So Paulo. O projeto canal*MOTOBOY vinha pra car, agora os meios de comunicao tinham bastante cuidado ao falar do motoboy. Eles estavam acostumados com aqueles moto-boys que s falavam besteiras, se achavam os melhores e no respeitavam ningum. Pela primeira vez, tnhamos a oportunidade de mudar esta imagem negativa com diversos projetos relacionados cultura motoboy e ao meio ambiente, que nasceram ali nas reunies dos moto-boys e motogirls. Como todos os TAGs, o mais importante,

  • 94 Coletivo canal*MOTOBOY 95Meu nome Ronaldo

  • 96 Coletivo canal*MOTOBOY 97Meu nome Ronaldo

    naquele momento, para ns, era o TAG FALA, que criamos para ouvirmos a voz do prprio motoboy. Isto representou uma grande vitria para ns. Um ano depois, durante a 1 Semana de Cultura Motoboy, recebemos a notcia de que o canal*MOTOBOY receberia o Prmio Orilax 2008, como veculo de comunicao do ano, do Grupo Afroreggae, no Rio de Janeiro.

    No nal dos quatro meses em que o projeto canal*MOTOBOY cou no CCSP, muitas pessoas vieram nos visitar. Uma dessas pessoas se tornaria um grande amigo e parceiro, o Eleilson, e que nos convidaria para continuarmos a nos reunir em uma sala cedida pela ONG Ao Educativa, de que ele diretor, e tambm onde estamos at hoje. Sempre fui motoboy em So Paulo. No meu dia a dia, sempre tive contato com muitas pessoas, mas no imaginava ter con-tato com antroplogos, socilogos e ambientalistas, que se tornariam grandes amigos e parceiros em um projeto que elaboramos sobre o descarte de leo das motocicle-tas no meio ambiente. A maior parte da populao desco-nhece que 1 litro do leo de moto - que tem que ser tro-cado em mil e mil quilmetros -, quando lanado no meio ambiente, pode contaminar 1 milho de litros de gua?

    Calcule-se, assim, o estrago causado por 300 mil moto-boys! Se 20% deles zerem de maneira errada a troca de leo , qual ser o impacto no meio ambiente? Esta preocupao levou a uma parceria com o Instituto Socioambiental, que cuida dos mananciais h anos em So Paulo.

    Ohando agora para trs, apesar de todas as di culda-des que passamos, vejo que o projeto est vivo e j anda com suas prprias pernas, graas ao esforo daqueles que sempre acreditaram nele. Com o conhecimento que acumulamos e as parcerias que realizamos, o prximo passo a criao de uma associao que se chamar canal*MOTOBOY.

  • 98 Coletivo canal*MOTOBOY 99Meu nome Ronaldo

  • 100 Coletivo canal*MOTOBOY 101Meu nome Ronaldo

    Hoje tenho 36 anos, tenho duas lhas e at j fui cha-mado de motoboy reprter:

    Estou aqui na avenida Pacaembu, trnsito bom. Um dos nicos problemas grande quantidade de lixo, devido falta de scalizao. Ento, quando chove, a gente perde tudo por causa dessas pessoas que, em vez de pedir uma caamba pra limpar seu estabeleci-mento, arrumam um carroceiro e pedem que ele remova o material. Os carroceiros tm seus lhos, mas acho isso errado. Ento, se no tiver scalizao, a cidade vai car desse jeito: um lixo.

    Palavra-chave: cidade limpa

    Ronaldo Simo da Costa

  • Cap.02

    Andra Motogirl

    Cap.02

    Andra Motogirl

  • 104

    105Andra Motogirl

    Desa o contemporneo, aventura e novidades!

    Maio de 2006. Minha situao nanceira estava pssima, ento resolvi procurar um trabalho. Minha me viu um anncio de emprego de motoboy