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SILVA, L. M. T. . Áreas Protegidas e Sustentabilidade Urbana: Considerações sobre a Conservação da Mata Atlântica, em João Pessoa, Paraíba, Brasil. In: ANJOS, Leonardo Fernandes dos. (Org.). Novos Direitos Urbanos: Necessidades que Nascem nas Cidades . 1ed.Lisboa: Theya Editores, 2017, v. I, p. 80-100. Áreas Protegidas e Sustentabilidade Urbana: Considerações sobre a Conservação da Mata Atlântica, em João Pessoa, Paraíba, Brasil. Resumo A Lei da Mata Atlântica, nº. 11.428, de 22 de dezembro de 2006, foi regulamentada pelo Decreto nº. 6.660, de 21 de novembro de 2008, que estabelece as diretrizes para a elaboração de Planos Municipais de Conservação e Recuperação da Mata Atlântica no Brasil. O município de João Pessoa, Paraíba, deu início, em 2010, a uma política de conservação da Mata Atlântica Municipal, ao elaborar o primeiro Plano Mata Atlântica do país. Avaliamos a importância deste Plano para a promoção da sustentabilidade urbana e o contexto político de sua implementação, bem como as barreiras institucionais e sociais para a sua concretização, evidenciando a realidade da sustentabilidade urbana, no que concerne à conservação das áreas verdes. Palavras –chave: Sustentabilidade Urbana – Conservação Ambiental – Mata Atlântica – João Pessoa – Paraíba Protected Areas and Urban Sustainability: Considerations on the Conservation of Atlantic Forest in João Pessoa , Paraíba, Brazil . Abstract

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SILVA, L. M. T.. Áreas Protegidas e Sustentabilidade Urbana: Considerações sobre a Conservação da Mata Atlântica, em João Pessoa, Paraíba, Brasil. In: ANJOS, Leonardo Fernandes dos. (Org.). Novos Direitos Urbanos: Necessidades que Nascem nas Cidades. 1ed.Lisboa: Theya Editores, 2017, v. I, p. 80-100.

Áreas Protegidas e Sustentabilidade Urbana: Considerações sobre a Conservação

da Mata Atlântica, em João Pessoa, Paraíba, Brasil.

Resumo

A Lei da Mata Atlântica, nº. 11.428, de 22 de dezembro de 2006, foi

regulamentada pelo Decreto nº. 6.660, de 21 de novembro de 2008, que estabelece as

diretrizes para a elaboração de Planos Municipais de Conservação e Recuperação da

Mata Atlântica no Brasil. O município de João Pessoa, Paraíba, deu início, em 2010, a

uma política de conservação da Mata Atlântica Municipal, ao elaborar o primeiro Plano

Mata Atlântica do país. Avaliamos a importância deste Plano para a promoção da

sustentabilidade urbana e o contexto político de sua implementação, bem como as

barreiras institucionais e sociais para a sua concretização, evidenciando a realidade da

sustentabilidade urbana, no que concerne à conservação das áreas verdes.

Palavras –chave: Sustentabilidade Urbana – Conservação Ambiental – Mata Atlântica – João Pessoa –

Paraíba

Protected Areas and Urban Sustainability: Considerations on the Conservation of Atlantic Forest in João Pessoa , Paraíba, Brazil .

Abstract

The Atlantic Forest Law, no. 11428 of 22 December 2006, was regulated by Decree nº.

6660 of 21 November 2008, establishing guidelines for the elaboration of Municipal

Plans for Conservation and Recovery of the Atlantic Forest in Brazil. The city of João

Pessoa, Paraíba, initiated in 2010, the Atlantic Forest conservation policy, in drawing up

the first Atlantic Forest Plan of Brazil, according to law. We assess the importance of

this Plan to promote urban sustainability and the political context of its implementation,

as well as the institutional and social barriers, showing the reality of urban sustainability

in the city, with regard to the conservation of green areas.

Key words: Urban Sustainability - Conservation - Atlantic Forest - João Pessoa - Paraíba

Áreas Protegidas e Sustentabilidade Urbana: Considerações sobre a

Conservação da Mata Atlântica, em João Pessoa, Paraíba.

Lígia Maria Tavares da Silva1

Introdução

A elaboração de Planos Municipais de Conservação e Recuperação da Mata Atlântica

(PMMA) representa um avanço na discussão e implementação da sustentabilidade

urbana, ao estimular iniciativas de proteção da floresta, como preconiza o capítulo sobre

Meio Ambiente, da Constituição de 1988, em seu Artigo 225, que, no parágrafo quarto,

estabelece: “ A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o

Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização

far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio

ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.”

Enquanto instrumento técnico de diagnóstico da situação da Mata Atlântica ao nível

local (Município), o Plano Municipal de Conservação e Recuperação da Mata Atlântica

(PMMA) estabelece as diretrizes para a implementação de uma política urbano-

ambiental afinada com os paradigmas da sustentabilidade urbana, conforme

estabelecidos na escala global pelos documentos produzidos nos Fóruns Mundiais de

Meio Ambiente, a exemplo do Relatório Brundtland2, que aborda detalhadamente as

transformações institucionais e jurídicas necessárias para a promoção da

sustentabilidade e aponta a necessidade do fortalecimento das democracias locais e o

fomento às iniciativas cidadãs (DALE, DUSHENKO & ROBINSON, 2012).

A capital do Estado da Paraíba, João Pessoa, deu início, em 2010, a uma política de

conservação da Mata Atlântica Municipal, ao elaborar o primeiro Plano Municipal de

Conservação e Recuperação da Mata Atlântica do país e ao criar uma legislação para a

criação e a gestão de unidades de conservação e parques municipais, de acordo com o

SNUC, o Sistema Nacional de Unidades de Conservação. Veremos como essas

1 Professora adjunta do Departamento de Geociências da Universidade Federal da Paraíba (www.ligiatavares.com)

2 Documento da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, publicado na Alemanha em 1987, por Volker Hauff, sob o título Nosso Futuro Comum. (KUSTER, 2003:31)

2

iniciativas de planejamento urbano sustentável vêm sendo implementadas no município

de João Pessoa, avaliando a situação das áreas verdes municipais, de acordo com as

diretrizes do Plano Mata Atlântica.

As avaliações são considerações resultantes de pesquisas bibliográficas e jornalísticas,

da participação em fóruns especializados de discussão em redes sociais e de

observações empíricas, por meio de trabalhos orientados de campo e entrevistas

informais, com as populações adjacentes às áreas verdes visitadas, durante a

coordenação de uma pesquisa em Educação Ambiental intitulada: “Mata Atlântica na

Paraíba: Criatividade e Cidadania para a Conservação Ambiental”, financiada pela

Agência Capes, por meio do Edital Novos Talentos, realizada nos anos de 2014 e 2015,

na Universidade Federal da Paraíba, cujo produto final foi o livro “Mata Atlântica nas

Escolas” (SILVA, 2015).

1. Sustentabilidade Urbana: Uma panorâmica

A noção generalizada do conceito de Desenvolvimento Sustentável sugere um

desenvolvimento econômico que supre as necessidades de produção e consumo do

presente, sem comprometer as necessidades do futuro (DALE, DUSHENKO &

ROBINSON, 2012). De acordo com Leff (2001, p.15), este conceito surge no contexto

histórico da Globalização, apontando o limite da crise ecológica global, gerada por uma

racionalidade econômica que baniu a natureza da esfera da produção, cujas

consequências, em todo o mundo, foram a destruição ecológica e a degradação

ambiental. Para este autor, a degradação ambiental global é uma crise de civilização,

que aponta para a desconstrução do paradigma econômico da modernidade e para a

construção de futuros possíveis “fundados nos limites das leis da natureza, nos

potenciais ecológicos, na produção de sentidos sociais e na criatividade humana”

( LEFF: 2001:17).

De acordo com Dale, Dushenko & Robinson (2012), a discussão sobre a

sustentabilidade ambiental, de 1987 a 1995, foi marcada por intensos debates para se

discutir se a sustentabilidade era mais econômica ou mais ecológica. Para Kuster

(2003), a falta de uma definição clara do conceito e seu caráter transigente possibilitou

qualquer tipo de interpretação: “Sustainable Development is a term that everyone likes

but nobody is sure what it means” (2003, p.31).

3

Considerando a falta de precisão teórica do conceito e as ambiguidades permeadas por

interesses corporativos que, fortalecidos com a globalização, promoveram o

enfraquecimento dos governos (HAESBAERT, 2013), houve atrasos nas agendas para a

tomada das decisões mais urgentes, visando frear as tendências responsáveis pelas

causas das mudanças climáticas, cujas piores consequências tornaram-se realidade,

principalmente nas cidades.

Para Dale, Dushenko & Robinson (2012), passado o período das incertezas teórico-

conceituais, o período de 1995 a 2005, foi de conciliação dos três imperativos

integrados: econômico, ambiental e social. As cidades, neste período, ganham uma

grande relevância, em todo o mundo, na promoção da sustentabilidade, decorrente do

fato de a maioria das populações planetária, incluindo a brasileira, viver nas cidades. No

censo de 2010, a população urbana Brasileira era de 84%3. Como consequência, as

cidades promovem impactos, sugando para a sua área territorial recursos naturais e

energéticos e produzindo lixo.

A partir da constatação da gravidade dos impactos ambientais resultantes do aumento

das populações urbanas, a sustentabilidade urbana passou a ser uma preocupação nas

agendas dos grandes encontros mundiais, sendo definida como um processo de

interação sinergética e de evolução simultânea de quatro grandes subsistemas que fazem

uma cidade: os ambientes econômico, social, físico e ambiental, os quais garantem às

populações urbanas um grau não decrescente de bem-estar a longo prazo, sem

comprometer as possibilidades de desenvolvimento de áreas do entorno e contribuindo

para isso por meio da redução dos efeitos malignos do desenvolvimento da biosfera.4

Neste século XXI, intensificam-se os estudos de Ecologia Urbana, e surgem os

conceitos de Eco-cidade, Cidades Ecológicas e Cidade Legal, que passam a fazer parte

dos discursos das agências de fomento e de financiamento, ao tempo em que, muitas

iniciativas locais, por parte de grupos da sociedade civil e de Organizações Não

Governamentais, passam a permear a vida urbana, estimulando mudanças

paradigmáticas, por meio de práticas sustentáveis em cidades por todo o mundo.

3 www.censo2010.ibge.gov,br. Acessado em: 10 de agosto de 2015.

4 É a camada do globo terrestre habitada pelos seres vivos. Contém o solo, o ar, a água, a luz, o calor e os alimentos, que fornecem as condições ambientais necessárias para o desenvolvimento da vida (Vide HERZOG, 2013:83)

4

A ONG Urban Ecology assim define a cidade ecológica: “a human settlement that

enables its residents to live a good quality of life while using minimal natural

resources”. O Banco Mundial assim define a eco-cidade : “cities that create economic

opportunities for their citizens in an inclusive, sustainable, and resource-efficient way,

while also protecting and nurturing the local ecology and global public goods, such as

the environment, for future generations. (LIAN, GUNAWANSA & BHULLAR,

2013:85)

No Brasil, o Ministério do Meio Ambiente5 possui os seguintes programas de

sustentabilidade urbana: Programa de Águas, para controle de inundações, mananciais,

orla e parques fluviais; Programa de Áreas verdes urbanas para manutenção e

conservação de Áreas protegidas, Parques e Áreas verdes urbanas; Programa de

Planejamento Ambiental Urbano com indicadores econômicos e analíticos do

Planejamento; Programa de Qualidade do Ar, com políticas para a melhoria do ar nas

cidades; Programa de Resíduos sólidos, com informações sobre a política de Resíduos

Sólidos, orientação para a elaboração das Leis municipais, coleta seletiva, logística

reversa e catadores; e Programa de Gerenciamento de resíduos perigosos e de áreas

contaminadas por substâncias químicas.

O Plano Municipal de Conservação e Recuperação da Mata Atlântica de João Pessoa,

seguindo o Manual de Adequação Ambiental da Mata Atlântica, do Ministério do Meio

Ambiente, assim definiu a Cidade Legal: “Cidade legal é a que tem ruas e calçadas

largas, estacionamentos amplos e arborizados, espaços de lazer como praças e jardins,

parques e áreas verdes conservadas, transporte coletivo suficiente e de qualidade,

ciclovias, sistemas de segurança pública, de educação e de saúde funcionando,

saneamento básico, além de moradia digna” (BRASIL, 2010:66).

Embora as definições acima sejam aparentemente diferentes, existe o consenso em torno

da harmonia entre os três pilares citados: o econômico, o ambiental e o social. O mais

importante, porém, com a emergência do conceito de Cidade Sustentável, Eco-cidade ou

Cidade Legal é a ideia de que as iniciativas de sustentabilidade devem ser

responsabilidade do Governo Local, isto é Municipal, conforme o capítulo VIII do

Artigo 30 da Constituição Federal: “ promover, no que couber, adequado ordenamento

5 http://www.mma.gov.br/cidades-sustentaveis

5

territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do

solo urbano”.

Vamos, portanto, avaliar a sustentabilidade urbana na perspectiva das políticas públicas

ambientais municipais, tendo por base o Plano Municipal de Conservação e

Recuperação da Mata Atlântica (PMMA), de acordo com a Lei Federal no. 11.428 de

2006 (Lei da Mata Atlântica) e a Constituição Federal, nos artigos supracitados. Nosso

foco é o Município de João Pessoa, Paraíba, cujo Plano Municipal de Conservação da

Mata Atlântica fora aprovado em 2010, seguido da Lei 12.101, de 30 de junho de 2011,

que estabelece o Sistema Municipal de Áreas Protegidas.6

De acordo com Dale, Dushenko & Robinson (2012), sobre os diferentes períodos de

tempo na discussão acerca da sustentabilidade no mundo, atualmente predomina a

visão crítica das barreiras institucionais e sociais para a implementação do

desenvolvimento sustentável. Dito isto, vejamos o que nos revela a experiência da

cidade de João Pessoa, na conservação da Mata Atlântica, cuja proteção à sua

biodiversidade e aos serviços ambientais promovidos pela floresta7 forma um dos

pilares essenciais da sustentabilidade urbana.

2. A Sustentabilidade Urbana e a Mata Atlântica Brasileira

O Brasil é um país considerado megadiverso, em termos de biodiversidade e por isso

tem uma grande importância estratégica em nível mundial. De acordo com o Relatório

da Convenção Mundial da Biodiversidade de 2005, a perda da biodiversidade planetária

é comparável à dos dinossauros, tantas são as espécies de plantas e animais que já foram

extintos no planeta.

O país possui 20% das espécies de todo o globo terrestre, sendo a Mata Atlântica um

imenso reservatório genético de biodiversidade, com várias espécies ameaçadas. Por

tudo isso, a Mata Atlântica é considerada um dos 34 hotspots de biodiversidade do 6 http://www.joaopessoa.pb.gov.br/portal/wp-content/uploads/2011/03/SMAP2.pdf?4028d87 serviços fornecidos pela natureza de forma silenciosa, gratuita e continuada, trazendo uma série de benefícios aos seres viventes, tais como: Regular o clima, amenizando desastres como enchentes, secas e tempestades; Manter o ciclo hidrológico, absorvendo, filtrando e promovendo a qualidade da água; Atuar na prevenção da erosão do solo, mantendo a sua estrutura e estabilidade; Contribuir na produção de oxigênio; Oferecer espaços para moradia, cultivos, recreação e turismo; Manter as condições dos recursos ambientais naturais, em especial a biodiversidade e a variabilidade genética, das quais os homens retiram elementos essenciais à sobrevivência; Manter processos que a tecnologia humana não domina e nem substitui como a polinização e a decomposição de resíduos; Regular a composição química dos oceanos (BRASIL, 2010:14).

6

mundo, ameaçado por um elevado grau de degradação, sendo portanto, um ecossistema

prioritário para conservação (SILVA, 2015:4).

Não obstante a sua importância ecológica, a Mata Atlântica, atualmente, é um dos

conjuntos de ecossistemas mais ameaçados do planeta. Se, em 1500, quando os

colonizadores portugueses iniciaram o processo de ocupação do território, a floresta

ocupava uma área de 1.360.000 km², perfazendo 15% do território brasileiro, hoje

restam apenas entre 7% a 11% da floresta original. Neste bioma, estão as principais

cidades do país e capitais de Estado, e onde estão 62% dos municípios brasileiros

(ROCHA, 2006).

A defesa da Mata Atlântica vem sendo a bandeira de luta dos principais ambientalistas e

cientistas no país desde os anos de 1960, quando muitos acreditavam que o progresso

era incompatível com a preservação das florestas, visto que os países ricos haviam

destruído as suas e agora queriam impedir que o Brasil fizesse o mesmo, o que para

muitos significava estagnar economicamente. Foi quando, em 1983, a resposta veio com

o Relatório Brundtland, a partir da definição de Desenvolvimento Sustentável,

reconhecendo assim o direito das futuras gerações a um ambiente saudável e

equilibrado. Os processos desencadeados, pelos Relatório Brundtland e pela

Conferência Mundial de Meio Ambiente, a Rio 92, impulsionaram ações e promoveram

uma ampla conscientização da população quanto aos temas ambientais, a exemplo da

importância das florestas para a conservação da biodiversidade ameaçada e das

mudanças climáticas, resultantes da degradação ambiental, sobretudo em áreas urbanas.

Muitas das proposições do Relatório Brundtland foram incorporadas no capítulo de

Meio Ambiente da Constituição de 1988, devido aos esforços dos ambientalistas,

sintonizados com os novos paradigmas e participantes, como delegados, da construção

da Carta Magna (ROCHA, 2006).

A Constituição Federal de 1988 é, de fato, um marco histórico da abertura política e do

processo de redemocratização política do Brasil, pois representa um Estado com direitos

sociais instituídos, e um sistema político organizado, que visa garantir a democratização

da sociedade, por meio da democracia representativa e participativa. A sociedade passa

a participar mais ativamente do sistema governamental, com direito a voto nas

7

instâncias públicas, para as questões ambientais, como o Conselho Nacional de Meio

Ambiente (CONAMA), os Conselhos estaduais e municipais.

A Carta Magna considera a Mata Atlântica como Patrimônio Nacional, mas foi em 2006

que houve a aprovação da Lei 11.428, de 22 de dezembro de 2006, conhecida como Lei

da Mata Atlântica. Após 14 anos de tramitação no Congresso, foi posteriormente

regulamentada pelo Decreto 6.660, de 21 de novembro de 2008. A Lei e o Decreto

procuram proteger efetivamente o que restou da Mata Atlântica ao estabelecer que,

quaisquer novos empreendimentos no bioma sejam implementados, de preferência, em

áreas já substancialmente alteradas ou degradadas. Além disso, objetiva alcançar o

“desmatamento ilegal zero”, bem como conciliar o desenvolvimento socioeconômico

com a necessária conservação do que restou deste conjunto de formações florestais e

ecossistemas associados, que ainda guarda um dos maiores índices de biodiversidade do

planeta (SILVA & CASTRO, 2013).

O Decreto que regulamenta a Lei da Mata Atlântica veio consolidar a legislação que a

protege, criando uma segurança jurídica ao estabelecer em detalhes “o que”, “como” e

“onde” pode haver intervenção ou uso sustentável da floresta e de seus ecossistemas

associados. Detalha ainda os tipos de vegetação protegidos pela Lei, que são

delimitados no “Mapa da Área de Aplicação da Lei 11.428/2006”, elaborado pelo

IBGE, com base nesta Lei e nas Resoluções do CONAMA (Conselho Nacional de Meio

Ambiente) relacionadas. Ele também discorre sobre a necessidade da elaboração de

Planos Municipais de Conservação e Recuperação da Mata Atlântica (PMMAs),

apontando os requisitos mínimos para sua elaboração, e promovendo assim a

municipalização da discussão a respeito da proteção e recuperação dos remanescentes

vegetais do bioma.

Estes Planos Municipais (PMMA) são cartas normativas potencialmente orientadoras de

políticas públicas de meio ambiente nos municípios, que têm por objetivo a

sustentabilidade urbana. Nestes planos são necessários um mapeamento e um

diagnóstico da vegetação nativa, a indicação dos principais vetores de desmatamento e

de áreas prioritárias para conservação e recuperação, além de indicações de ações

preventivas aos impactos ambientais e à utilização sustentável da Mata Atlântica nos

municípios (SOS MATA ATLÂNTICA, 2008).

8

João Pessoa foi o primeiro dos 3.420 municípios inseridos no bioma Mata Atlântica a

elaborar seu Plano Municipal de Conservação e Recuperação da Mata Atlântica,

aprovado pelo Conselho Municipal de Meio Ambiente (COMAM), no dia 4 de

novembro de 2010. Desde então, vários municípios foram mobilizados pela ONG SOS

Mata Atlântica, que apresenta o seguinte quadro da situação dos municípios quanto aos

PMMAs:

Fonte: www.sosma.org.br

De acordo com a ONG SOS Mata Atlântica, João Pessoa apresenta a situação de “em

implementação” sobre a qual iremos avaliar, considerando o que é possível acessar em

termos de informação, já que a Secretaria de Meio Ambiente (SEMAM – JP- PB),

responsável por sua implementação, até a presente data não respondeu ao questionário

encaminhado pela ONG, para o acompanhamento da implementação.

2.1. O Plano Municipal de Conservação e Recuperação da Mata Atlântica de João

Pessoa

O PMMA de João Pessoa segue a metodologia estabelecida pelo Ministério do Meio

Ambiente e pelas resoluções pertinentes do CONAMA, previstas no Decreto 6.660, que

regulamenta a Lei da Mata Atlântica, sendo os seus objetivos (JOÃO PESSOA,

2012:19):

»  “Elaborar o mapeamento cartográfico de áreas com remanescentes vegetais,

dimensionando-os e classificando- os de acordo com a relevância biológica;

»  Diagnosticar as áreas degradadas e as características do meio físico onde elas se

encontram, para priorizar as áreas de recuperação ambiental;

»  Estabelecer diretrizes estratégicas de ação para a conservação e recuperação da Mata

Atlântica do município de João Pessoa, considerando: áreas prioritárias para

9

conservação e manutenção dos serviços ambientais, que serão objetos de pesquisas e

projetos futuros; áreas prioritárias para recuperação, visando ampliar os fragmentos

vegetais, criar unidades de conservação e corredores ecológicos para a conservação da

biodiversidade; estabelecer áreas não prioritárias de recuperação e, portanto, destinadas

à expansão urbana; elencar propriedades rurais potencialmente parceiras para a

conservação, preservação e recuperação da Mata Atlântica.”

De acordo com o diagnóstico elaborado no PMMA de João Pessoa (2012), a cidade

possuía, em 2010, 30,67% de áreas públicas e privadas de remanescentes florestais de

Mata Atlântica no Município, perfazendo uma media de 47,11 metros quadrados de área

verde por habitante. Deste total, 85,95% de áreas verdes estão em áreas privadas,

enquanto apenas 14.5 são áreas verdes públicas. Constituem áreas verdes: os vazios

urbanos, em zona rural ou Zonas Especiais de Preservação, como encostas e margens de

rios. O PMMA chama a atenção para esta informação sobre a maior parte das áreas

verdes serem privadas: “Este dado merece uma consideração maior no sentido da

criação de mecanismos institucionais de políticas públicas transversais, em consonância

com as políticas de urbanização, visando garantir a permanência desses remanescentes

vegetais em áreas consideradas estratégicas para a conservação da biodiversidade e da

garantia da manutenção dos serviços ambientais” (JOÃO PESSOA, 2012:50).

O PMMA de João Pessoa (2012, p.67) enfatiza a necessidade de mudança para uma

concepção de Cidade Legal ou Cidade Verde8, enquanto ainda há tempo para repensar o

crescimento urbano desordenado e tornar o desenvolvimento sustentável uma realidade

cotidiana na cidade de João Pessoa. Para isso foram estabelecidas as seguintes

diretrizes:

» Criação de um Sistema Municipal de Unidades de Conservação e Parques Urbanos em

áreas Públicas e Privadas;

» Identificação e Estabelecimento de Corredores Ecológicos;

» Recuperação e Proteção de áreas frágeis e de risco de enchentes, deslizamentos e

desbarrancamentos;

8 Após a Conferência Rio 92, João Pessoa passou a ser conhecida como Cidade Verde, título que rendeu publicidade sobre sua qualidade de vida para atrair turistas (SILVA, 1996). No entanto, o primeiro diagnóstico realizado para quantificar e qualificar o verde da cidade veio com o PMMA, em 2012.

10

» Proteção e recuperação de mananciais e de áreas de recarga de aquíferos;

» Indicação de áreas para recuperação, tais como, APPs degradadas ou ocupadas por

agricultura e pastagens; ou áreas de Reserva Legal degradadas;

» Implantação de atividades de Ecoturismo;

» Elaboração de Plano de sensibilização e Educação Ambiental junto às comunidades;

» Ações da Divisão de Fiscalização voltadas para o Monitoramento de Áreas Verdes;

» Indicação de áreas para expansão urbana;

» Elaboração de um projeto de lei para a aprovação do Plano Municipal de Conservação

e Recuperação da Mata Atlântica de João Pessoa, e sua regulamentação;

» Fortalecimento e continuidade do Programa João Pessoa Verde parao Mundo, de

Arborização Urbana, estabelecido em 2007;

» Manutenção e ampliação do Viveiro Municipal de Plantas Nativas.

3. Considerações sobre a Implementação do Plano da Mata Atlântica em João Pessoa

O primeiro aspecto a ser observado nesta avaliação é de natureza política. A elaboração

do PMMA em João Pessoa só foi possível devido a um contexto político favorável de

participação democrática, onde os movimentos sociais passaram a ter voz ativa no

diálogo com o governo. É mister destacar o fato de que a Mata Atlântica vem sendo

defendida pela APAN (Associação Paraibana dos Amigos da Natureza) desde 1979, que

vem participando, organizando mobilizações e dialogando enquanto sociedade civil

organizada, nos assentos dos conselhos de Meio Ambiente (estadual e municipal), de

Desenvolvimento Urbano e no Comitê Gestor Orla. Em 2005, passou a ocupar a pasta

de meio ambiente, em meio a conflitos, decorrentes da pressão urbana (diga-se capital

imobiliário e de construção civil) por espaços na cidade, mas realizando contribuições

inestimáveis para o ambiente urbano, a exemplo da consolidação de ações voltadas para

a preservação da Mata Atlântica, com a criação do Viveiro Municipal de plantas nativas

e o programa de arborização urbana “João Pessoa Verde para o Mundo”, além da

organização do Licenciamento Ambiental, que passou a ser referência de seriedade e

resistência em todo o Estado.

11

Tal contexto político, oriundo de um processo democrático participativo, permitiu, na

secretaria de meio ambiente (SEMAM), a elaboração do Plano Municipal de

Conservação e Recuperação da Mata Atlântica, um trabalho realizado em equipe, com

a valorização e motivação dos técnicos locais e de seus acervos científicos, para a

construção participativa de uma política ambiental, sendo esse um aspecto pioneiro na

gestão ambiental na cidade (SILVA, 2013).

Após o lançamento nacional do PMMA de João Pessoa, a Secretaria de Meio Ambiente

passou a implementá-lo. Das diretrizes e ações apontadas para a preservação do bioma

Mata Atlântica, em nível municipal, está a criação do Sistema Municipal de Áreas

Protegidas, Lei no 12.101, aprovada em 30 de junho de 2011. Elaborada pela Secretaria

de Meio Ambiente, em parceria com a Câmara dos Vereadores, os órgãos ambientais do

Estado da Paraíba, do IBAMA, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos

Renováveis, do Ministério do Meio Ambiente, do ICMBio, Instituto Chico Mendes para

a Proteção da Biodiversidade, essa lei define e estabelece critérios e normas para a

criação, implantação e gestão das Unidades de Conservação da Natureza e dos Parques

Municipais de João Pessoa, utilizando-se das classificações oriundas do Sistema

Nacional de Unidades de Conservação e criando categorias particulares à cidade, no

âmbito dos Parques Urbanos, visando estimular parcerias público-privadas,

considerando que a maior parte das áreas verdes é privada, conforme diagnosticado no

PMMA.

Para a implementação da Lei, a SEMAM aprovou na Câmara Municipal a Divisão de

Áreas Protegidas para atuar junto às comunidades, estabelecendo parcerias e diálogos,

mobilizando-as para audiências públicas e a participação nos projetos. A primeira

audiência pública foi realizada para a implementação do Parque Natural Municipal do

rio Cuiá, que seria a primeira unidade de conservação municipal a entrar no cadastro do

MMA, mas que não saiu do papel, com a mudança de gestão administrativa.9

O planejamento estratégico de parques na cidade de João Pessoa passa pela definição de

parques e unidades de conservação, que tem por fundamento o conceito de Área

Protegida, assim definida como: “área instituída pelo poder público, que recebe

proteção e gestão devido aos valores ambientais, culturais e similares, promovendo a

9 parquemunicipaldocuia.blogspot.com

12

manutenção dos processos ecológicos e dos serviços ambientais, bem como a educação

ambiental e o lazer, incluindo as categorias de unidades de conservação da natureza e

parques municipais” (Lei nº 12.101, Art 2o. § 1).

Na referida Lei, ficaram classificados os seguintes tipos de Unidades de Conservação e

Parques para João Pessoa: As Unidades de Conservação, de acordo com as categorias

estabelecidas pelo SNUC (Sistema Nacional de Unidades de Conservação) são estas no

município (OLIVEIRA ET ALL, 2010):

1) de Proteção Integral - cujo objetivo é preservar a natureza, sendo admitido apenas o

uso indireto dos seus recursos naturais, ou seja, as atividades científicas, educativas e de

recreação, com exceção dos casos previstos em Lei e se classificam em: Reserva

Biológica; Parque Natural Municipal; Monumento Natural, e; Refúgio de Vida

Silvestre.

2) de Uso Sustentável – cujo objetivo é compatibilizar a conservação da natureza com o

uso sustentável de parcela dos seus recursos naturais e se classificam em: Área de

Proteção Ambiental e Área de Relevante Interesse Ecológico.De acordo com o Sistema

Municipal de Áreas Protegidas (Smap, 2011), os

Parques Municipais têm por objetivo compatibilizar a preservação ambiental com a

inclusão social das comunidades do entorno (Irving, 2006), sendo classificados em:

a) Linear - com o objetivo de proporcionar mobilidade urbana, implantação de uma

infraestrutura verde de recuperação ambiental e lazer, por meio de um espaço

urbanizado com equipamentos sociais, que permitam atividades contemplativas e

culturais, associando a função social com a manutenção de serviços ambientais,

recuperando e preservando as matas ciliares e renaturalizando os leitos dos córregos e

rios do município;

b) de Requalificação Ambiental – constitui-se em uma área de conforto ambiental que

tem por objetivo a convivência, circulação, lazer, esporte e a contemplação da natureza,

e que pode integrar áreas naturais em qualquer estágio de regeneração e áreas

degradadas a serem recuperadas. Os parques de requalificação ambiental são

localizados prioritariamente em Zonas Especiais de Interesse Social, projetos de

moradia popular e em áreas de relocação habitacional;

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c) Temático Urbano – com o objetivo de proporcionar espaços de convivência social e

lazer por meio de atividades contemplativas, culturais e educativas, baseadas em

aspectos de relevância natural, cultural, educativa, histórica e geográfica, e;

d) Rural – com o objetivo da preservação dos atributos naturais e culturais existentes em

área rural, estimulando ações de práticas econômicas sustentáveis (agricultura familiar,

orgânica e atividades artesanais), bem como o ecoturismo e o turismo rural,

contribuindo para preservação das atividades tradicionais, dos recursos hídricos e a

manutenção dos serviços ambientais. Serão consideradas como áreas prioritárias para a

instalação dos parques rurais as nascentes, os mananciais e as áreas de recarga de

aquíferos.

Uma vez planejados e estabelecidos formalmente, de acordo com as categorias

estabelecidas no SMAP (2011), as áreas protegidas públicas deverão ser geridas pelo

poder municipal. Nas unidades de conservação e nos parques municipais devem constar,

em sua criação, a denominação, as categorias de manejo e uso, os objetivos, os limites e

a área territorial, e o órgão responsável por sua administração. A lei prevê ainda

parcerias para a gestão, bem como as normas para criação de parques privados, de

preferência em zonas de amortecimento da paisagem, conforme estabelecidas no Plano

Diretor vigente.

O Sistema Municipal de Áreas Protegidas (SMAP, 2011) tem, portanto, por objetivo,

proteger os remanescentes vegetais de João Pessoa, no sentido de agregar os atributos

naturais da cidade e salvaguardar os cursos e corpos d’água, bem como os espaços

inseridos na malha urbana, que se apresentam como áreas de manutenção de processos

ecológicos, amenização climática, lazer, turismo, circulação e proteção do patrimônio

cultural do município. Desta forma, a municipalização da discussão e a efetivação de

uma política pública de meio ambiente, que visa a conservação dos remanescentes

florestais, objetivo geral do Plano Municipal de Conservação e Recuperação da Mata

Atlântica, possui, em João Pessoa, o respaldo legal para orientar um urbanismo

sustentável.

Não obstante, do ponto de vista da execução de uma política pública de conservação

ambiental, e apesar do planejamento estratégico estabelecido no Plano Municipal de

Conservação e Recuperação da Mata Atlântica e no Sistema Municipal de Áreas

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Protegidas, as ações governamentais vêm, até a presente data, se limitando na colocação

de algumas cercas de estaca de cimento e arame farpado e placas informativas, enquanto

os parques públicos principais permanecem nos projetos e, junto com outros parques

menores, estão à espera de uma gestão que tenha como prioridade a criação e a gestão

de áreas protegidas na cidade, de acordo com a Lei Municipal (SILVA, 2012).

Para a promoção da Educação Ambiental no Município, foi criado o CEPAM – Centro

de Práticas Ambientais, inaugurado em 2010 para desenvolver ações de sensibilização e

mobilização junto às comunidades, envolvendo-as para a conservação ambiental.

Tendo o fundamento metodológico da Permacultura10, o CEPAM foi responsável pelo

primeiro curso de Permacultura no Estado, cujas técnicas são afinadas com a

conservação ambiental, a exemplo da agrofloresta, do teto verde, da horta mandala e

outras práticas sustentáveis que envolvem a saúde pública. O CEPAM, em parceria

com a Secretaria de Saúde, deu início ao Programa de Práticas Integrativas

Complementares no Município, que atualmente possui duas unidades de atendimento à

população. O CEPAM, por sua vez, não deu continuidade aos projetos de mobilização

para a conservação da Mata Atlântica e nem aos de Permacultura, perdendo importância

nas gestões subsequentes da Secretaria de Meio Ambiente do Município, conforme

estudos posteriores constataram (RUFINO, 2014).

O projeto Mata Atlântica Na Paraíba: Cidadania Ativa e Criatividade para a

Conservação Ambiental, integrante do projeto “A Universidade Federal da Paraíba na

Sua Escola”, financiado pelo Edital Capes “Novos Talentos”, se insere nas diretrizes

propostas pelo PMMA: construir uma consciência cidadã sobre a importância da

preservação, conservação e recuperação da Mata atlântica. Por meio de cursos, oficinas,

trabalhos de campo orientados e trilhas, foram produzidos um blog e um livro para a

capacitação em educação para a Mata Atlântica, envolvendo alunos e professores das

escolas públicas do Estado (Silva, 2015).

Quanto às demais diretrizes do PMMA, o Plano de arborização, realizado em 2012,

previa a criação de corredores ecológicos, mas não se tem notícia da concretização

10 Conforme definida pelo criador deste método, que se expandiu por todo o mundo, Bill Mollison, a Permacultura é um sistema de design para a criação de ambientes humanos sustentáveis e produtivos em equilíbrio e harmonia com a natureza.

15

destas ações, bem como de realização de pesquisas ambientais para a conservação ou

recuperação da Mata Atlântica, de natureza técnica e/ou científica em andamento,

atualmente, no órgão ambiental municipal. O Plano tem uma previsão de revisão após 5

anos de sua elaboração e, passado este período, não há notícia sobre a possibilidade

dessa revisão. Para a Fiscalização Ambiental, o PMMA previu ações de

monitoramento, com rondas periódicas em áreas relevantes para a conservação. Passado

um ano, após elaborado o Plano de Fiscalização para as Áreas Verdes, mudou a chefia

do setor, sendo o referido plano descontinuado.

O Viveiro Municipal de Plantas Nativas, por exemplo, criado no programa “João Pessoa

Verde para o Mundo” foi quase desativado, quando a sociedade civil denunciou pelas

redes sociais e por meio de radialistas. Hoje, com poucos viveiristas, a incipiente

arborização urbana possui uma atuação mais voltada para a autorização de cortes de

árvores adultas na cidade, como confirmam as imagens de fotografias e vídeos na

internet, com uma periodicidade ininterrupta, que deu ao atual prefeito o título de

prefeito lenhador (#prefeitolenhador). Outro aspecto de constante denúncia nas redes

sociais é com relação à falta de transparência nas ações e na ausência de diálogo com as

populações sobre a implantação de projetos urbanos na cidade, que causam a retirada de

muitas árvores. A exemplo da avenida Beira Rio e da Lagoa do Parque Solón de

Lucena, objeto de várias matérias jornalísticas e televisivas, além de colunas de rádio e

blogs, conforme recente estudo acadêmico (SILVA, Daniel, 2015)

Em face destas constatações quanto à descontinuidade, no Município de João Pessoa,

das ações em prol da sustentabilidade ambiental, por meio da conservação da Mata

Atlântica, concordamos com Kuster (2003:58) que, ao estudar o processo de

redemocratização no Brasil, afirma: “Apesar dos esforços de ONGs e da sociedade

civil, inspiradas no paradigma da sustentabilidade, na esfera nacional o

desenvolvimento das estruturas democráticas não têm correspondido às demandas

necessárias para a promoção da sustentabilidade urbana.”

E concordamos com Silva (2008, p.81), argumentando sobre o Estado Brasileiro na

redemocratização do país, onde afirma que “a sociedade brasileira se organiza cada vez

mais de forma “horizontal”, através da construção de “redes” de participação, com o

objetivo de influir na formulação e na implementação das políticas públicas...No

entanto, apesar dos avanços da sociedade, que se organiza cada vez mais com base num

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paradigma pós-moderno, o Estado, por sua vez, continua a seguir uma lógica weberiana

tecnocrática, vertical, hierárquica e até mesmo autoritária nas suas relações

intragovernamentais. A democratização das políticas públicas e da sociedade como um

todo passa necessariamente pela democratização do Estado”.

Complementando, concordamos com a socióloga Elza Maria Franco Braga, da

Universidade Federal do Ceará, citada por Kuster (2003: 61), ao constatar que o

desenvolvimento sustentável poderia contribuir para a democratização das estruturas

políticas locais e para a redução da distância entre Governo e governados. Ou seja,

trazendo para o planejamento urbano municipal os três pilares básicos da

sustentabilidade urbana: - a economia, o ambiente e a sociedade -, a horizontalidade das

ações integradas aproximaria, necessariamente, os diferentes setores da administração

pública para dialogar entre si e com a sociedade, promovendo, de fato, a

sustentabilidade urbana, por meio da democratização das relações intra e

intergovernamentais.

De acordo com Silva (2013), o PMMA de João Pessoa respaldou e deu as

diretrizes para a implementação da política Ambiental de Meio Ambiente, em 2010-

2011, por meio de práticas horizontais e de diálogo, como a parceria com a sociedade

civil, através da Fundação SOS Mata Atlântica, o diálogo com os órgãos ambientais

federais e estaduais, a Câmara de Vereadores e o Conselho Municipal de Meio

Ambiente, que participou do processo. Criou-se uma agenda intragovernamental,

envolvendo técnicos das Secretarias de Planejamento, Habitação, Meio Ambiente e

Orçamento Democrático para a elaboração do Plano e da mobilização social para a sua

implementação. Houve também o diálogo intersetorial na Secretaria de Meio Ambiente,

com as diretorias de Controle Ambiental (fiscalização e licenciamento), Educação

Ambiental (CEPAM) e de Arborização, na construção da política pública de

preservação e conservação da Mata Atlântica no Município. Silva (2013) afirma que a

elaboração do PMMA, sua aprovação e implementação só foram possíveis devido ao

ambiente político democrático participativo, que permitiu uma agenda de práticas

horizontais e descentralizadas na gestão pública, sendo esse um aspecto inovador e

pioneiro na forma de gestão, que se mostrou eficaz na promoção da sustentabilidade

urbana.

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Não obstante, em João Pessoa, na gestão urbana que sucedeu o poder, após 2012, novos

atores entraram na cena política, levando à descontinuidade das ações pioneiras de

conservação da Mata Atlântica Municipal. As barreiras institucionais e sociais para a

implementação da sustentabilidade urbana são, portanto, uma realidade em João Pessoa,

onde a sustentabilidade urbana, no que concerne à conservação das áreas verdes, existe

apenas nos papéis, ou seja, nos planos, projetos, leis e decretos de criação de áreas

verdes protegidas.

4. Referências Bibliográficas

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19