· ... publicamos um artigo em algum periódico científico. ... para ascensão na carreira e...

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Editores de texto:Bruna Mayara Komarchesqui

Paulo César Boni

Editor de fotografia:Paulo César Boni

Digitalização e tratamento de imagens:Uriá Fassina

Revisão:José de Arimathéia Cordeiro Custódio

Normalização:Laudicena de Fátima Ribeiro / CRB 9/108

Programação visual:Heliane Miyuki Miazaki

Capa:Arte de Heliane Miyuki Miazaki sobre fotografias de época e o jornal Paraná Norte

Projetos de pesquisa:A História de Londrina (década de 40) em textos e imagens, e

Fragmentos da História do Norte do Paraná (décadas de 30 a 60) em textos e imagens

Catalogação elaborada pela Divisão de Processos Técnicos da Biblioteca Central daUniversidade Estadual de Londrina.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

CDU 070(816.2)

B715p Boni, Paulo César.O papel do Paraná Norte na construção da Santa Casa e o esporte nas ondas do rádio :duas experiências históricas da imprensa londrinense / Paulo César Boni, BrunaMayara Komarchesqui, Natália de Fátima Rodrigues. – Londrina : Planográfica, 2010.202 p. : il.

A obra é resultado dos Projetos de Pesquisa da UEL: A história de Londrina (décadade 40) em textos e imagens e Fragmentos da História do Norte do Paraná (décadas de30 a 60) em textos e imagensISBN 978-85-62797-01-9

1. Imprensa – Londrina (PR) – História. 2. Paraná, Norte – História. 3. Fotojornalismo – Londrina (PR). I. Rodrigues, Natália de Fátima. II. Komarchesqui, Bruna Mayara. III. Título.

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A todos os entrevistados, pela acolhida, simpatia,paciência e, claro, por seus importantes depoimentos.

Aos funcionários do CDPH – Centro de Documentação e Pesquisa História da UEL,da Biblioteca Pública Municipal de Londrina, do Museu Histórico de Londrina Padre

Carlos Weiss e do Sistema de Bibliotecas da Universidade Estadual de Londrina.

À Assessoria de Comunicação da Irmandade da Santa Casa de Londrina,pelo empréstimo de fotografias absolutamente inéditas sobre a construção

e os primeiros anos de funcionamento do hospital.

Ao Uriá Fassina pelo excelente trabalho na recuperação e tratamento de imagens.

Ao professor Hermann Iark Oberbiek pela revisão na parte históricada Santa Casa.

Aos estudantes da turma 54 de Jornalismo da UEL, por nos acompanhareme apoiarem em todas as etapas das pesquisas.

Ao José de Arimathéia pela revisão, sugestões e puxões-de-orelha.

À Heliane Miazaki pelo carinho e competência com que cuidouda programação gráfica.

Muito obrigado!

Agradecimentos

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À professoraFlávia Lúcia Bazan Bespalhok,essência de amizade e profissionalismo,

que nos inspira e motiva, sempre.

Dedicatória

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Sumário

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Tirar a história das cabeças e das gavetas ..................................................... 11

O papel do Paraná Norte na construção da Santa Casa .......................... 17· O uso da comunicação para promover mudanças .................................................... 21· Premissas teóricas da comunicação para o desenvolvimento .............................................. 25· Intervenções planejadas: condições para a eficiência da comunicação ...................... 30· O jornalismo de desenvolvimento ....................................................................................... 34· Principais tarefas – ou atribuições – do jornalismo de desenvolvimento .............. 38· Valores informativos para o jornalismo de desenvolvimento ................................ 43· A estruturação dos serviços médicos em Londrina nas décadas de 30 e 40 ........... 46· O Hospitalzinho de Indigentes .................................................................................. 51· O impasse para a construção da Santa Casa de Misericórdia .................................... 55· O jornal Paraná Norte .................................................................................................... 67· Comunicação e desenvolvimento nas páginas do Paraná Norte ............................... 71· Comunicação planejada: o êxito do projeto .............................................................. 78· Características do jornalismo de desenvolvimento praticado pelo Paraná Norte ............... 87· Constatações e considerações finais da pesquisa ....................................................... 90· Referências ..................................................................................................................... 93· Álbum fotográfico da Santa Casa de Londrina ......................................................... 97

O esporte nas ondas do rádio ............................................................................ 115· Radiojornalismo esportivo: os caminhos para a descoberta .................................. 119· História oral: o caminho mais eficiente .................................................................... 120· Análise documental: o caminho mais difícil ............................................................ 127· Análise iconográfica: o paradoxo do caminho mais trabalhoso e prazeroso ....... 130· Rádio e futebol: uma mistura que se tornou paixão nacional ............................... 132· O início das transmissões esportivas no Brasil ....................................................... 136· Do amadorismo à profissionalização ...................................................................... 138· O rádio em Londrina: alto-falantes prenunciavam a necessidade de uma emissora .... 140· O surgimento da ZYD-4 Rádio Londrina .............................................................. 143· A era de ouro do rádio londrinense ......................................................................... 146· O rádio esportivo em Londrina ................................................................................ 151· Dificuldades e adversidades ....................................................................................... 153· O futebol como esporte amador .............................................................................. 158· O surgimento de novas emissoras de rádio em Londrina .................................... 163· Nem só de futebol vivia o radiojornalismo esportivo ........................................... 166· Os Jogos Abertos do Paraná .................................................................................... 168· Dificuldades e conquistas ........................................................................................... 171· Londrina: uma escola de rádio .................................................................................. 188· O prazer da pesquisa: prestar um serviço à sociedade ............................................ 191· Referências ................................................................................................................... 195

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Tirar a história das cabeçase das gavetas

Há anos pesquisamos a história do norte do Paraná, especialmente a deLondrina e sua imprensa. Por força das circunstâncias – nosso vínculo com aUniversidade Estadual de Londrina – pesquisamos, preenchemos relatórios,vez ou outra apresentamos algum trabalho em congressos e, com certaregularidade, publicamos um artigo em algum periódico científico. Tambémpor força das circunstâncias, na maioria das vezes, o resultado de pesquisas ede trabalhos de conclusão de curso, monografias, dissertações e teses acabamnuma gaveta.

Para os estudantes, a finalização de um trabalho significa a satisfaçãodo dever cumprido e, não raro, a realização de um sonho. Para os professores,a defesa de uma dissertação de mestrado ou tese de doutorado é fundamentalpara ascensão na carreira e melhor remuneração (incentivo de mérito portitulação). Projetos de pesquisa significam possibilidade de melhor remuneraçãona instituição (por meio da dedicação exclusiva) e aprovação de verbas emeditais de instituições de fomento à pesquisa. Porém, na maioria dos casos,tanto a produção dos estudantes quanto a dos professores acaba mesmo énuma gaveta. Bem feita, revisada, encadernada, bonita, mas inacessível àsociedade e seus cidadãos. Depois de formado, depois de titulado, depois doprojeto de pesquisa encerrado, o destino mais comum, infelizmente, é mesmoa gaveta.

Gaveta não é lugar de história. A história precisa ser difundida,compartilhada, democratizada. A pesquisa e preservação da memória sãofundamentais para uma sociedade criar, fortalecer e consolidar sua identidade.Saber o passado é imprescindível para entender o presente e planejar o futuro.

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Por isso – e para isso – a importância da pesquisa e da democratização deseus resultados. Democratizar resultados significa publicar livros oudisponibilizar o acesso às informações na rede mundial de computadores, ouambos. Significa distribuir convenientemente os exemplares de livros publicados(precisam estar em escolas, bibliotecas e centros de estudo e pesquisa, e nãoem estantes particulares de autoridades e amigos do autor, acumulando poeira)e disponibilizar eletronicamente em sites de pesquisa, notadamente os dasuniversidades e órgãos oficiais do município e do estado, e não em blogs ouespaços virtuais de relacionamento.

Entre 2006 e 2009, pesquisamos e produzimos alguns materiais sobrea história de Londrina. Entre essas produções estão duas experiências daimprensa londrinense, que decidimos não engavetar. A primeira relaciona ojornal Paraná Norte ao projeto de construção do Hospital de Londrina, maistarde denominado (antes mesmo de construído e inaugurado) Santa Casa deMisericórdia de Londrina e hoje denominado apenas Santa Casa de Londrina.O jornal foi uma espécie de motivador – e aglutinador de forças – para osucesso do projeto de construção de um hospital de excelência médica,guardadas, naturalmente, as devidas proporções e circunstâncias da época, ede atendimento à população carente.

A publicação deste episódio destaca a possibilidade de aplicar a teoriaà prática, sem mistérios. Identificamos na ação do Paraná Norte elementos dateoria da comunicação para o desenvolvimento, posta em prática nas décadas de 40 a60 em países subdesenvolvidos, principalmente da América Latina. Muitosveículos de comunicação e jornalistas, de uma forma ou de outra, em ummomento ou outro, trabalharam com esta teoria, mas a maioria absolutadesses veículos e profissionais sequer ouviu falar dessa “tal” teoria. Identificadosos aspectos da teoria no papel do Paraná Norte antes e durante a realizaçãodesse projeto grandioso à época (décadas de 30 e 40), simplesmente aplicamosa teoria à realidade, ou seja, pesquisamos a história da Santa Casa de Misericórdiade Londrina e fomos encaixando o papel do jornal – e destacando suaimportância – na motivação de autoridades, instituições, empresas e populaçãopara o sucesso do empreendimento.

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Coletamos – e estamos organizando – fatos e informações novos doprocesso de construção da Santa Casa, como os motivos da paralisação doprojeto no final dos anos 30, por exemplo. Para tanto, além das entrevistas(história oral), pesquisamos a bibliografia disponível, jornais e revistas de época,e rastreamos, por indicações pessoais e pela internet, quatro teses de doutoradoe uma dissertação de mestrado que versam sobre a organização da classemédica, os serviços médicos prestados e a assistência social em Londrina. Ouseja, boa parte de nossas referências sobre a Santa Casa de Londrina é dehistória engavetada (teses e dissertações), inacessível para a maioria da população,e que priva a sociedade de conhecer seu passado e entender seu presente.Assim, para recuperar a história, abrimos algumas gavetas. Nosso empenho,agora, é no sentido de não trancar – e isolar – o resultado dessa pesquisanuma outra gaveta. Afinal, de nada adiantaria tirar de uma para trancar emoutra...

Num esforço constante e consistente, envolvendo médicos e as irmãsde Maria de Schoenstatt da instituição, descobrimos fotografias absolutamenteinéditas da construção da Santa Casa (diversas fases, em diferentes tempos),inauguração do serviços médicos (atendimentos e centro cirúrgico) e deinfraestrutura administrativa (lavanderia, cozinha e rouparia) e as estamospublicando para reconhecer o esforço dos que se empenharam em construire colocar um hospital para funcionar e democratizar essas informaçõesimagéticas. Ainda há muito por recuperar, organizar e democratizar. Nãotemos sequer uma fotografia da inauguração da Santa Casa de Londrina.Uma de nossas fontes disse que havia um álbum com as imagens da inauguração,mas que esse precioso acervo foi emprestado para alguém que nunca odevolveu. Fica, então, o nosso apelo: quem pegou emprestado esse álbum,que, pelo bem da história o devolva, pois em 2011 a instituição comemoraráos 75 anos da Irmandade da Santa Casa de Londrina (Iscal), fundada em 1ºde março de 1936, e pretende publicar um livro para comemorar a data.Agora, não um apelo, mas um pedido: quem, por acaso, tiver em casa algumafotografia da Santa Casa e puder doá-la ou emprestá-la para reprodução, porfavor o faça. Tanto a administração do hospital quanto o Museu Histórico de

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Londrina Padre Carlos Weiss estão muito interessados em ampliar o acervoimagético deste marco histórico da saúde em Londrina.

Com o episódio do Paraná Norte, pretendemos deixar claro que escolae sociedade podem, sim, interagir melhor. Não nos limitamos a estudar apenasa teoria e imaginar hipoteticamente sua aplicação. Ela foi, de fato, aplicadanum objeto de estudo que ajuda a recuperar, preservar e, inclusive, instigarnovos estudos: a Santa Casa de Londrina.

Outra experiência histórica da imprensa londrinense foi a do rádioesportivo. Nesse caso, pudemos comprovar que é possível aplicar umametodologia de pesquisa a situações locais e obter resultados relevantes paraa preservação da memória. Para recuperar parte da história do rádio esportivoem Londrina (1947-1963), elegemos a história oral de corrente inglesa, usadacomo técnica (nessa modalidade, os depoimentos colhidos são analisados demaneira cruzada com outras fontes de pesquisa, geralmente, impressas).

Entrevistamos oito profissionais que fizeram esporte no rádiolondrinense entre os anos de 1947 e 1963 (ano em que a cidade ganhou suaprimeira emissora de televisão), além do filho do já falecido técnico de somresponsável pela montagem do equipamento utilizado na primeira transmissãoesportiva do rádio local. Os depoimentos foram fundamentais para escrevera história com as palavras de quem a viveu. A escassa bibliografia sobre orádio em Londrina é bastante frágil em alguns pontos, principalmente no quediz respeito a datas e acontecimentos. Com esta pesquisa, descobrimos – ecomprovamos – que a data da irradiação da primeira partida de futebol foi 7de setembro de 1947, e não de 1949, como se acreditava até então.

Com essa técnica de entrevista, pudemos tirar a história da cabeça, oumelhor, da memória de fontes primárias, ou seja, dos sujeitos e personagensque viveram e construíram a história do rádio esportivo londrinense. Alémdo valor histórico dos depoimentos, essas entrevistas ajudaram a, literalmente,abrir mais algumas gavetas. Fotografias e recortes de jornais que faziam partedo acervo pessoal dos colaboradores foram emprestados para reprodução.Não foi fácil pesquisar e escrever essa história. Pelo contrário, foi extremamentetrabalhoso, pois nem todos os profissionais que passaram pelo rádio local

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residem em Londrina atualmente. Fomos até Guaratuba entrevistar DeolindoCosta e, mais tarde, viajamos até Belo Horizonte para conversar com WillyGonser. A impossibilidade de novos deslocamentos nos obrigou a fazer outrasduas entrevistas por telefone: uma com Elias Harmuch – que mora em Irati –e outra com João Bosco Tureta – residente nos Estados Unidos.

Quando o assunto é história do rádio londrinense, existe muitapreciosidade engavetada. A Folha de Londrina publicava, diariamente, a partirde 1953, uma coluna, intitulada Coluna de Rádio, que divulgava fatos e fotografiasenvolvendo o rádio da região. Esse tesouro histórico infelizmente está sedeteriorando nas estantes da Biblioteca Pública Municipal de Londrina.Pesquisamos e fotografamos todas as edições da coluna que fizessem algumamenção às transmissões esportivas. Além disso, encontramos na BibliotecaCentral da Universidade Estadual de Londrina dois bons trabalhos deconclusão de curso sobre a história do rádio na cidade, que, depois deapresentados, foram esquecidos à poeira. O primeiro deles é um documentáriosobre o rádio em Londrina, feito por Marcelo Rocha e Sidnei Cuissi.Felizmente, conseguimos as fitas VHS com as entrevistas brutas em vídeo, jámigrados para DVD e disponibilizadas para auxiliar pesquisas futuras. Osegundo trabalho era especificamente sobre o rádio esportivo na cidade.Entramos em contato com o autor, Marcelo Militão, mas as fitas com asentrevistas gravadas em áudio acabaram se perdendo. Levando emconsideração que alguns de seus entrevistados já faleceram, trata-se de umaperda histórica irreparável.

Mais do que demonstrar que é possível aplicar localmente teorias emetodologias de abrangência mundial, a publicação destas duas experiênciashistóricas da imprensa londrinense objetiva chamar a atenção da sociedadepara a necessidade de recuperar e preservar a memória para a consolidaçãode sua identidade. Para tanto, é preciso envolvimento e democratização deresultados. Neste sentido, esta publicação é uma tentativa de impedir que,mais uma vez, a história seja engavetada.

Boa leitura!

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A construção da Santa Casa de Misericórdia em Londrinarepresentou um grande marco para o atendimento à saúde. Inauguradaem 7 de setembro de 1944, possibilitou uma significativa ampliaçãodos serviços médicos, que já na década de 30 evidenciavam suaslimitações estruturais diante da crescente demanda. Além de suaimportância para o desenvolvimento da região, a construção da SantaCasa se deu em circunstâncias peculiares, em que a participação dapopulação foi decisiva para sua viabilização.

O envolvimento popular na construção de um dos maioreshospitais do Paraná foi possível por meio de campanhas queincentivaram a mobilização social em torno do projeto. Essascampanhas encontraram no jornal Paraná Norte – o primeiro veículode comunicação de massa de Londrina – um meio de se propagar, eassim suscitar a participação de todos no empreendimento.

O uso da comunicação de massa – sempre conjugada com ainterpessoal – para despertar o interesse e o apoio das pessoas ao projeto,apresenta as características da comunicação para o desenvolvimento1, teoriaaplicada em redes comunicativas que apoiam programas de mudançanos países em desenvolvimento.

As bases teóricas sobre a comunicação para o desenvolvimentosurgiram no pós-Segunda Guerra Mundial e em meio à Guerra Fria,derivadas de teorias de mudança social que tentavam identificar os

O papel do Paraná Nortena construção da Santa Casa

1 O termo comunicação para o desenvolvimento aparece, aqui, destacado em itálico para referir-se àteoria. Ele será repetido diversas vezes ao longo do texto sem destaque em itálico. Só apareceránovamente grafado em itálico quando referir-se incisivamente à teoria.

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problemas que impediam o crescimento econômico de paísessubdesenvolvidos. Sua aplicação, no entanto, nem sempre estárelacionada ao conhecimento ou domínio de suas fundamentaçõesteóricas. Na realidade, em grande parte dos casos, ela éinconscientemente aplicada, sem que seus protagonistas (jornalistas eveículos de comunicação) conheçam a existência do termo e osbastidores da teoria.

Seus principais teóricos alertam que não se trata de um modelofechado. Assim, os conceitos, critérios e procedimentos defendidospor Schramm (1973) e Waisbord (2003) não são classificados comoregras universais e imutáveis. São, na realidade, característicasobservadas em experiências bem-sucedidas de sua aplicação.

Conceitos e aplicações deste modelo foram utilizados noprocesso comunicativo que mobilizou autoridades, instituições,empresários e a população para a construção da Santa Casa deMisericórdia de Londrina. Aspectos como a integração entreabordagens governamentais e comunitárias, a articulação entrecomunicação de massa e interpessoal, a distribuição das mensagense a dinâmica planejada – algumas das condições defendidas porSchramm e Waisbord – são identificados e analisados nas mensagensveiculadas pelo Paraná Nor te . Essa análise pode def inir acontribuição do jornal no processo, uma vez que, de fato, o projetofoi concretizado com a participação dos cidadãos londrinenses.

A teoria do jornalismo de desenvolvimento2 que, em sua essência,se propõe a “contribuir para o desenvolvimento do país”, tambémé utilizada para explicar como se deu o apoio do jornal aoempreendimento. Contudo, este tipo de jornalismo apresenta umdilema ético, responsável pela distinção entre suas duas principaisformas de aplicação: o investigativo e o autoritário-benevolente. Essedilema diz respeito à postura que a imprensa deve adotar quando

2 O termo jornalismo de desenvolvimento aparece, aqui, destacado em itálico para referir-se à teoria. Ele serárepetido diversas vezes ao longo do texto sem destaque em itálico. Só aparecerá novamente grafadoem itálico quando referir-se incisivamente à teoria.

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se trata do envolvimento – e apoio – aos projetos de mudançalançados pelo governo.

O jornalismo de desenvolvimento que se coloca a favor dosprogramas de mudança deve saber equilibrar sua função de mobilizadore incentivador com o seu papel crítico, fundamental à prática jornalísticae à sociedade democrática. O jornalismo de desenvolvimento queapresenta esse dois aspectos em equilíbrio é o chamado investigativo. Jáo autoritário-benevolente – que se relaciona muito mais a um projetodesenvolvimentista e não de desenvolvimento – não exerce a críticaobjetiva, servindo unicamente como porta-voz das ideias e projetosdo governo.

Na atuação do Paraná Norte durante a construção da Santa Casa,essas questões éticas foram analisadas, considerando os interessesenvolvidos na criação do hospital e as influências externas noconteúdo das mensagens veiculadas. Os motivos que levaram àcriação do jornal e sua relação com a Companhia de Terras Norte doParaná são alguns fatores analisados para se definir o tipo dejornalismo de desenvolvimento (investigativo ou autoritário-benevolente)por ele praticado.

Além do suporte teórico aplicado na análise do jornal, o contextohistórico que levou à construção da Santa Casa também será abordado.A estrutura precária e limitada de assistência médica nos primeirosanos da colonização tornava necessária a construção de um hospital.O crescimento acelerado da população e os surtos de doenças tropicais– que encontravam no cenário de desmatamento as condições ideaispara sua proliferação – evidenciavam a limitação dos serviços médicos.

Também nessa época, os indigentes se tornaram um dos principaisfocos de preocupação do jornal, dos médicos e da população. Isso porquea situação de miséria e a falta de ações do poder público para garantircondições básicas de saúde a essas pessoas – principalmenteatendimento médico durante as epidemias de doenças tropicais – eramconstantemente retratadas em suas páginas. Ao expor a situação dosindigentes, o Paraná Norte buscou incitar o comprometimento da

O papel do Paraná Norte na construção da Santa Casa

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população com uma causa “cristã” e “humana”: a construção de umhospital de caridade que os atendesse.

Um impasse manteve, durante anos, o projeto de construção dohospital estagnado. Interesses de grupos sociais distintos (a CTNP, aclasse médica e o poder econômico dominante) provocaram aparalisação das campanhas em favor do empreendimento. Mesmo como apoio social, e os constantes apelos do jornal, o projeto passou algunsanos apenas no papel, sem que alguém assumisse as rédeas dacampanha.

O contexto histórico de Londrina, nas décadas de 30 e 40, éessencial para compreender o porquê do apoio a este projeto específico,em detrimento de tantos outros de igual importância para a cidade emseus primeiros anos de formação. Entender o contexto também éfundamental para analisar o modo como o jornal despertou o interessee o envolvimento social na viabilização do hospital, cumprindo, assim,como afirma Schramm (1973), com a principal função da comunicaçãopara o desenvolvimento: a de criar o “clima” para que mudanças setornem aceitas e, mais que isso, desejáveis.

Para tanto, foi realizada uma pesquisa bibliográfica sobre os temas(história de Londrina, saúde e jornalismo), além do resgate dedocumentos e periódicos de época e uso da história oral, fundamentalpara o direcionamento descritivo, que permitiu a reconstrução históricaa partir de entrevistas realizadas com pioneiros, médicos e historiadores.A pesquisa bibliográfica, como defende Ida Regina Stumpf (2005), é oplanejamento global e inicial de qualquer trabalho, e se refere àidentificação, localização e obtenção de bibliografia pertinente ao tema.

Neste caso, a revisão bibliográfica foi realizada para apresentaros referenciais teóricos da comunicação para o desenvolvimento – com autorescomo Schramm (1973) e Waisbord (2001, 2005) – do jornalismo dedesenvolvimento – apresentado por Kunczik (2002) – e para construir ocontexto histórico de Londrina nas décadas de 30 e 40.

A pesquisa em documentos e periódicos foi essencial para odirecionamento analítico do trabalho, que se propôs a pesquisar a

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atuação do Paraná Norte antes e durante a construção da Santa Casade Misericórdia de Londrina. Para tanto, além do estudo de trechospublicados pelo jornal e reproduzidos em teses e dissertações, foramrealizadas pesquisas nas edições microfilmadas do periódico,disponíveis para leitura no Centro de Documentação e PesquisaHistórica (CDPH) e no Museu Histórico de Londrina Padre CarlosWeiss, ambos da Universidade Estadual de Londrina.

A história oral, por fim, se somou aos demais métodos pararecuperar o contexto histórico em que se deu a construção do hospital.As narrativas de uma história de vida, segundo Lang (1996), permitema reconstrução das relações sociais, profissionais e afetivasestabelecidas com os demais membros da sociedade. Ela possibilita,ainda, romper com o valor apenas informativo da entrevista. Odepoimento oral tem sua riqueza, muitas vezes, na descrição de umfato desconhecido, corriqueiro, que se adiciona à narrativa de umahistória detalhada e “humana”.

Além da recuperação histórica, o objetivo foi confirmar aexperiência da comunicação para o desenvolvimento nas páginas doParaná Norte e atestar seu papel de mobilizador de instituições, empresase população para a participação efetiva na construção da Santa Casa.Experiências como essa – em que a comunicação assume posturafavorável a projetos de desenvolvimento – são muito comuns, emboraquase sempre seus protagonistas desconheçam a existência da teoria.

O uso da comunicação parapromover mudanças

Das mudanças sofridas pelas sociedades no processo dedesenvolvimento, as que provocaram mais impactos foram as docampo da comunicação. O avanço dos meios de comunicação e dostransportes permitiu ao homem transcender as experiências que se

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limitavam ao contato direto com outros seres humanos, para umarelação indireta com o mundo. As transformações que vêm marcandoo desenvolvimento das sociedades têm suas origens nesta mudança depercepções do homem em relação à natureza e à extensão do mundoem que vive.

Segundo Schramm (1973, p.20), “na sociedade humana, sempreque a mudança é iminente, ou onde ela ocorre, há um fluxo decomunicação”. No processo de desenvolvimento a comunicaçãodesempenha papel fundamental na viabilização das mudanças, poispode espelhar as aspirações da (ou, pelo menos, parte da) população,orientar e dinamizar os trâmites, e esclarecer as novas realidades aoscidadãos. Nas sociedades em modernização, o uso planejado epropositado da comunicação é essencial para a eficácia do modelo dedesenvolvimento.

Nos países em desenvolvimento, a luta constante contra apobreza, a fome e outros problemas estruturais e sociais, justifica anecessidade de participação da imprensa no esforço para amobilização em busca de mudanças. Desta necessidade surge, comoapresenta Pye (1973), um dilema fundamental inerente ao papel daimprensa, ou seja, por um lado, mobilizar a população e, por outro,ser crítica e objetiva.

É atribuição da imprensa democrática atuar como inspetor-geraldo governo, ou seja, que o sujeite a uma análise crítica para assegurarcerto grau de integridade política. Eximir-se desta função não sócomprometeria seu desenvolvimento como instituição social, mastambém privaria a sociedade do mais importante elemento para odesenvolvimento – a crítica objetiva. Por outro lado, aliada a essafunção, a imprensa deve enfrentar o desafio de mobilizar a populaçãopara os programas de desenvolvimento, atuando como principalcomunicadora dos líderes e inspiradora das massas. “Isso requer umequilíbrio entre o papel normal, o de crítica livre e objetiva, e o papeldinâmico, o de inspirar mudança e influenciar as mentes de povos emtransição.” (PYE, 1973, p.54).

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Além de atuar na mobilização das massas, a comunicação para odesenvolvimento apresenta outras funções. De acordo com Schramm(1973), ela estabelece o clima em que as mudanças podem realizar-se.Ou seja, por meio da construção de imaginários desejados – queexpressem as mudanças de vida, as possibilidades de desenvolvimentoeconômico e de modernização – a comunicação pode despertar nosindivíduos a vontade de participar e trabalhar pelo desenvolvimento.Ela também atua como multiplicador, posto que, como explica Oshima(1973, p.32), “o desenvolvimento pode ser incentivado sobre uma basede amostragem, e a comunicação usada para tomar parte nos padrões,nas descobertas, e no exemplo daquele desenvolvimento”.

A função multiplicativa da comunicação é resultado de seu poderde aumentar e difundir a empatia entre suas audiências. Os meios decomunicação têm introduzido na vida das pessoas, através daexperiência indireta, o contato com o novo e o inusitado, incutindoum sentimento empático com relação a estas novas realidades, quepermite, deste modo, a incorporação destas novas experiências nasociedade. Na realidade atual, esse processo é identificado e denunciadopela teoria da Agenda Setting.

Ao ampliar a escala humana de observação, os meios decomunicação aumentam também a capacidade humana decompreensão. A pessoa que ouve ou vê um “programa decomunicação de massa” não está simplesmente excedendo oalcance de seus próprios órgãos do sentido, ela está sendo atingida,e de algum modo transformada, por uma versão composta eorquestrada da nova realidade sensorial. O que é mais, ela estáaprendendo como identificar a si mesma nas situações apresentadasa ela. Este é o elemento principal que dá à comunicação suapropriedade multiplicativa [...]. (LERNER, 1973, p.140).

Disseminando-se ideais de mudança, apoiados por experiênciasbem-sucedidas de desenvolvimento, e construindo-se o clima favorávelàs inovações, os “custos” humanos e econômicos do projeto demodernização diminuem significativamente. Isso porque as pessoas

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são encorajadas a tentar novos comportamentos e incentivar seuscolegas e familiares a fazer o mesmo. Ao perceber as vantagens dasinovações das experiências relatadas, buscam se adaptar e experimentara aplicação das sugestões que lhes foram mostradas através dos meiosde comunicação.

O papel da imprensa também é fundamental para obter a coesãodas pessoas e implantar a ideia de nacionalidade e unidade. Somente apóso estabelecimento desta unidade é que a comunicação deve se voltarpara o estímulo de aspirações e desejos de mudança, e, então, mobilizaras pessoas a serem ativas no programa. De acordo com Lerner (1958,p.348 apud SCHRAMM, 1973, p.33), o processo de modernizaçãocomeça quando “alguma coisa estimula o camponês a querer ser umfazendeiro ou agricultor proprietário, o filho do camponês a quereraprender a ler, de modo que ele possa trabalhar na cidade, a filha aquerer usar um vestido e fazer um penteado”.

No Brasil, a utilização da comunicação para incitar valoresnacionalistas foi intensificada nos períodos de governo Vargas (1930-1945 e 1950-1954), mas se tornou explícita e evidente durante aditadura militar. Neste período, programas como Amaral Neto, orepórter – exibido pela Rede Globo na década de 70 – buscavamimplantar os ideais de integração nacional por meio da exaltação dosbelos cenários do país e das realizações do regime. Com um discursoufanista dotado de interpelações ideológicas, Amaral Netoapresentava a construção de um Brasil próspero que justificava aexistência de um governo militar.

Apesar de a comunicação ter reconhecida importância noprocesso de desenvolvimento, abordagens teóricas distintas, que sebaseiam em diferentes premissas sobre a origem dosubdesenvolvimento, apontam os problemas e limitações de suaaplicação. Para conciliar as bases teóricas com a experiência prática,na sequência, serão abordadas algumas teorias – e suas limitações –para só então explicitar o modelo defendido por teóricos como o idealde aplicação da comunicação para o desenvolvimento.

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Premissas teóricas da comunicaçãopara o desenvolvimento

Os estudos sobre a comunicação para o desenvolvimentosurgiram nos anos 50 com os programas de ajuda internacional,realizados no pós-guerra em países da América Latina, Ásia e África.Tais estudos derivam de teorias de desenvolvimento e mudança socialque buscavam identificar os principais problemas que impediam ocrescimento de países subdesenvolvidos. Segundo Waisbord (2001),essas teorias baseavam-se em visões otimistas que acreditam napossibilidade do mundo pós-colonial se aproximar – em termos dedesenvolvimento – dos países ocidentais.

O conceito de desenvolvimento era originalmente pensado como“o processo pelo qual sociedades do Terceiro Mundo poderiam se tornarmais parecidas com sociedades desenvolvidas do ocidente, em termosde sistema político, crescimento econômico e níveis de educação3”.(INKELES; SMITH, 1974 apud WAISBORD, 2001, p.1).

Neste contexto surgiram as primeiras definições de comunicaçãopara o desenvolvimento, que refletiam diferentes premissas científicasalém de interesses políticos e de organizações do campo dodesenvolvimento. Seu objetivo, apontado por recentes definições, é ode “aumentar a qualidade de vida da população, incluindo aumento derenda e bem-estar, erradicar as injustiças sociais, promover a reformaagrária e a liberdade de expressão e estabelecer centros comunitáriospara o lazer e entretenimento4”. (MELKOTE, 1991 apud WAISBORD,2001, p.2).

Os primeiros estudos nesse campo foram dominados peloparadigma da mudança de comportamento, defendida pela teoria da

3 Tradução livre do original: “the process by which Third World societies could become more likeWestern developed societies as measured in terms of political system, economic growth, andeducational levels”.4 Tradução livre do original: “to raise de quality of life of populations, including increase incomeand well-being, eradicate social injustice, promote land reform and freedom of speech, and establishcommunity centers for leisure and entertainment”.

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modernização como a base das transformações. Os problemas desubdesenvolvimento estariam ligados à falta de conhecimento, portanto,não poderiam ser solucionados apenas com assistência econômica –como feito na Europa do pós-guerra com a aplicação do Plano Marshall,mas sim eliminando-se os déficits culturais e informacionais destassociedades.

A teoria da modernização defendia a existência de uma culturatradicionalista – ligada a valores de autoritarismo e de resistência àsinovações – que inibia atitudes de mudança. Baseados na ideiaapresentada por McClelland (1961 apud WAISBORD, 2001) e Hagen(1962 apud WAISBORD, 2001), de que comportamentos pessoaisdeterminam a estrutura social, os defensores da teoria da modernizaçãoacreditavam que a mudança de ideias – por meio dos meios decomunicação – seria capaz de transformar comportamentos, econsequentemente, incitar valores de modernidade em oposição aosda cultura tradicionalista dominante. A ênfase centrada na mídia, comoexplica Waisbord (2001), foi dada a atividades que visavam aumentara alfabetização e, consequentemente, permitir às pessoas abandonaros valores tradicionais.

A difusão de mídias tecnológicas se tornou indispensável para oprocesso de desenvolvimento defendido pela teoria da modernização.O nível de modernização seria, então, medido pela penetração dosmeios de comunicação nas sociedades. “A mídia se tornou canal eindicadora de modernização: ela serviria como agente difusora dacultura moderna, e também, apresentaria o grau de modernização dasociedade.” (WAISBORD, 2001, p.4).

A teoria da modernização deu origem a vários estudos sobre acomunicação para o desenvolvimento, que, apoiados no paradigma damudança de comportamento, diferenciavam-se no enfoque dado àanálise. Um dos principais estudos derivados da teoria da modernizaçãofoi elaborado por Everett Rogers (1962, 1983 apud WAISBORD, 2001,p.4), e focava na importância da difusão de inovações. De acordo comsua teoria, um indivíduo passa por cinco fases para adotar uma inovação:

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sensibilização; conhecimento e interesse; decisão; experiência eadoção/rejeição. Para a eficácia da incorporação de inovações, aspessoas mais propensas a adotá-las tornam-se modelos incentivadoras,estimulando a aceitação das mudanças.

O foco psicológico e individualista dado às teorias damodernização foi alvo de críticas nos anos 70. Seus defensoresreconheceram a necessidade de inserir uma análise sóciocultural darealidade que se buscava transformar por meio da comunicação. Oparadigma da mudança de comportamento foi abandonado por grandeparte dos pesquisadores.

As premissas que baseavam os estudos da modernização tambémforam questionadas pela teoria da dependência. Esta teoria,desenvolvida na América Latina, incorporava visões marxistas de queos problemas do Terceiro Mundo eram, em tese, reflexos da dinâmicageral do capitalismo. Seus teóricos defendiam que os problemas dospaíses subdesenvolvidos não eram internos, como pregava a teoria damodernização, mas externos, referentes à forma com que as antigascolônias foram incorporadas à economia global.

Além disso, fatores internos – como a distribuição desigual deterras, assistência médica precária e outros problemas estruturais –agravavam a situação de países subdesenvolvidos. “Intervençõesestavam condenadas ao fracasso uma vez que as condições básicas,que poderiam tornar possível para as pessoas a adoção de novas atitudese comportamentos, estavam faltando5.” (WAISBORD, 2001, p.16).

A crítica à teoria da modernização também é direcionada àinexistência de uma análise da estrutura midiática, que deveriaconsiderar as implicações de conteúdo, propriedade e controle da mídia.Pesquisas mostraram que a programação dos meios de comunicaçãoem grande parte dos países da América Latina não apresentavaconteúdo voltado para mudanças sociais e estruturais; ao contrário,estava centrada em interesses comerciais.

5 Tradução livre do original: “Interventions were doomed when basic conditions that could makeit possible for people to adopt new attitudes and behaviors were missing.”

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Soluções para o desenvolvimento exigiam uma grande mudançanas estruturas midiáticas que eram dominadas por princípioscomerciais e interesses estrangeiros. Seriam necessárias políticaspara promover metas de interesse público que colocariam a mídiaa serviço das pessoas e não da ideologia capitalista6. (WAISBORD,2001, p.17).

A ineficácia dos programas para amenizar os problemas em paísesdo Terceiro Mundo colocava em questionamento as premissas teóricasnas quais tais intervenções estavam baseadas. A teoria da modernizaçãotornou-se alvo de críticas também pela teoria da participação, quequestionava a visão de desenvolvimento dos estudos da modernização,considerada paternalista e etnocêntrica por basear-se em uma concepçãoocidental de progresso.

A maior crítica, porém, à teoria da modernização foi direcionadaà inexistência de participação de pessoas na instrumentalização dosprojetos de desenvolvimento, que ignoravam as diversidades culturaise as implicações de cada contexto social. As inovações estavam sendoimpostas sem considerar os valores tradicionais aos quais a populaçãose encontrava atrelada, o que condenou ao fracasso a maioria dosprogramas de desenvolvimento.

Segundo Waisbord (2001, p.18), “projetos de modernizaçãosubestimaram a importância do conhecimento local e as conseqüênciasda interação entre a cultura local e idéias estrangeiras”. O autor relataque em uma determinada comunidade a chegada de água encanadanão agradou a todos, que reservaram seu uso apenas para o banho, jáque seu gosto não havia sido aprovado. Nesta situação, ele coloca quenão adiantaria tentar convencer as pessoas dos benefícios da águabaseados em razões científicas. Seus costumes e hábitos tradicionaisestavam sendo simplesmente descartados para a introdução de um novoconhecimento que se apresentava como “verdadeiro”.

6 Tradução livre do original: “Solutions to underdevelopment required major changes in mediastructure that were dominated by commercial principles and foreign interests.”

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A comunicação para o desenvolvimento ganhou uma redefiniçãosegundo a teoria da participação. Alguns passaram a considerá-la como“a utilização sistemática de canais e técnicas de comunicação paraaumentar a participação das pessoas no desenvolvimento7”(WAISBORD, 2001, p.18), além de informar, motivar e treinar aspessoas para as inovações. Outros defendiam a necessidade decentralizá-la não mais na mídia, mas nas questões humanas dos projetosdesenvolvimentistas, deixando de lado a abordagem persuasiva dacomunicação.

Comunicação é a articulação de relações sociais entre indivíduos.As pessoas não devem ser forçadas a adotar novas práticas, nãoimportando quão benéficas possam parecer para agências egovernos. Ao contrário, as pessoas precisam ser encorajadas aparticipar ao invés de simplesmente adotar práticas baseadas nainformação8. (WAISBORD, 2001, p.18).

Os ideais da teoria da participação foram fortalecidos, também,pelos estudos de Paulo Freire, que apresentou a necessidade deconscientização por meio da comunicação, cuja essência era por eledefinida como interação comunitária e educação. Seu diagnóstico dosproblemas do Terceiro Mundo revelava falhas comunicativas e nãoinformacionais, como foram apontadas no início pela teoria damodernização.

O modelo de comunicação para o desenvolvimento apresentadopor Freire (1990 apud WAISBORD, 2001, p.18), era focado nas pessoase na importância da comunicação interpessoal. Estudos mostraramque grupos marginalizados preferiam a comunicação “cara a cara” àcomunicação intermediada por meios de comunicação. Freire

7 Tradução livre do original: “the systematic utilization of communication channels and techniquesto increase people’s participation in development”.8 Tradução livre do original: “Communication is the articulation of social relations among people.People should not be forced to adopt new practices no matter how beneficial they seem in the eyesof agencies and governments. Instead, people needed to be encouraged to participate rather thanadopt new practices based on information.”

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introduziu a noção de “grupos de mídia”, em que as pessoas eramincentivadas a analisar criticamente os problemas da comunidade e“articular seus pensamentos e sentimentos no processo de organizaçãocomunitária”. (WAISBORD, 2001, p.19).

Apesar das divergências quanto às premissas teóricas para afundamentação da comunicação para o desenvolvimento, autores têmapresentado ideias gerais para sua análise e aplicação. As intervençõespara o desenvolvimento devem considerar questões e estratégias quepoderão determinar ou não a eficácia dos projetos.

Intervenções planejadas: condições para aeficiência da comunicação

Experiências bem-sucedidas de aplicação tornaram possível aformulação de condições gerais para a eficiência das intervençõescomunicativas no processo de mudanças. Waisbord (2005) apresentacinco ideias-chave na prática da comunicação para o desenvolvimento:a centralização do poder, a integração entre abordagens governamentaise comunitárias, estratégias múltiplas de comunicação, articulação entrecomunicação de massa e interpessoal e incorporação de fatores pessoaise contextuais para compreender o papel da comunicação na mudançade comportamentos.

A centralização do poder se refere à delegação de autoridadeaos membros da comunidade, que, adquirindo conhecimento de seusproblemas, podem tomar decisões sobre os rumos das mudanças aserem implementadas. Segundo o autor, “o propósito de iniciativas dedesenvolvimento é contribuir no processo pelo qual as comunidadesadquirem maior controle de suas vidas9”. (WAISBORD, 2005, p.79).

A segunda ideia apresentada pelo autor surgiu de experiênciasde intervenção que não deram certo por se basearem em projetos9 Tradução livre do original: “the purpose of development initiatives is to contribute to processesby which communities gain more control over their lives”.

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impostos pelos governos, que não correspondiam às expectativas enecessidades das comunidades. A ideia defendida por Waisbord é deque as intervenções devem integrar atuações do governo e dascomunidades, que, como foi apresentado pela teoria da participação,têm papel fundamental no processo de desenvolvimento, tanto em seuplanejamento como em sua concretização.

Essa abordagem integrada não deve, de maneira nenhuma,subestimar a importância da atuação dos governos nos programas dedesenvolvimento. Campanhas e projetos que recebem apoio degovernos são, segundo o autor, muito mais propensos a alcançaremresultados positivos.

A utilização de estratégias múltiplas de comunicação é a terceiraideia apontada pelo autor para a eficácia das intervenções. Diferentescontextos exigem aplicação de diferentes técnicas e abordagenscomunicativas. Casos em que o problema detectado necessita daconscientização de um grande número de pessoas – situações deepidemia, por exemplo – devem contar com a educação convencionale intervenção midiática. Problemas de nutrição, condições sanitárias,educação, planejamento familiar, AIDS, mortalidade infantil e outrosdevem ser tratados com a mobilização da sociedade e de organizações.Também a mídia popular – grupos de música, teatro, rádioscomunitárias – é eficaz para promover o debate nas comunidades.

As campanhas de vacinação contra a poliomielite demonstram autilização eficaz dos meios de comunicação de massa para aconscientização da população. Estudos10 apontam que os fatoresdecisivos para a erradicação da doença no Brasil foram: o aumento dopoder imunogênico da vacina e os elevados índices de vacinaçãoobtidos por campanhas nacionais a partir de 1988, quando passaram aser disseminadas pela mídia.

A quarta ideia apresentada consiste na articulação dacomunicação de massa e a interpessoal. Os meios de comunicação de

10 Estudos disponíveis em: <http://www.medicinanet.com.br/conteudos/biblioteca/2176/poliomielite.htm>.

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massa são importantes para o conhecimento de problemas, e, pelo seuamplo alcance, disseminar informações entre as audiências parapromover discussões. Sua utilização, porém, deve estar combinada coma intervenção de redes sociais, uma vez que o processo de tomada dedecisões depende não apenas do conhecimento coletivo dos problemas,mas da troca de opiniões entre os membros da comunidade.

A mídia tem efetivos poderes apenas indiretamente, estimulando,por meio da comunicação, e tornando possível que as mensagenssejam introduzidas nas redes sociais para, deste modo, tornar-separte das interações cotidianas. Comunicação interpessoal éfundamental para persuadir pessoas sobre crenças específicas epráticas, como a decisão de mães para a vacinação de seus filhos, aincorporação de hábitos de higiene e limpeza da comunidade11.(WAISBORD, 2005, p.81).

A última ideia sugerida por Waisbord apresenta-se como umanecessidade deixada de lado nas teorias da modernização, e mais tardeincorporada pelos seus próprios teóricos. Trata-se da importância dosfatores pessoais e contextuais na constituição do comportamento dosindivíduos. As intervenções, portanto, devem considerar ambos para aintrodução – e consequente aceitação – de novas atitudes.

Schramm (1973) também reconhece a necessidade de adaptar acomunicação à cultura que se pretende implantar o projeto de mudança.As inovações devem ser viáveis e exequíveis à comunidade, e o projetode desenvolvimento deve ser explicado de maneira que as pessoaspossam compreendê-lo. O porquê e o como terão prioridade nasmensagens de mudança, caso contrário, tornam-se descontextualizadase despropositadas.

O autor também aponta outros fatores importantes para oplanejamento de intervenções. A dinâmica planejada, segundo Schramm

11 Tradução livre do original: “The media have powerful effects only indirectly, by stimulating peercommunication and making it possible for messages to enter social networks and become part ofeveryday interactions. Interpersonal communication is fundamental in persuading people aboutspecific beliefs and practices such as mothers’ decisions to vaccinate their children, adopt hygienepractices, and keep communities clean.”

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(1973), é importante para determinar a eficiência do conteúdo dasmensagens, que deve ser elaborado nos níveis sociológicos epsicológicos. Niehoff e Anderson (apud SCHRAMM, 1973, p.34)afirmam que “quando existem necessidade sentida e forte benefíciode ordem prática juntamente com a cooperação voluntária dosreceptores”, então as condições que impedem a mudança podem sersuperadas. As mensagens, portanto, devem ser construídas para suscitar“uma necessidade sentida”, destacar uma “forte vantagem prática” eestimular a “cooperação voluntária”. Na construção da Santa Casa deMisericórdia de Londrina, como será visto adiante, as reportagenselaboradas pelo jornal Paraná Norte se estruturavam sobre estes trêsaspectos apresentados por Schramm: A necessidade de ampliar osatendimentos médicos na cidade; a vantagem de construir um grandehospital para atender a demanda crescente; e a consequente mobilizaçãoda população para a participação neste empreendimento.

Também a demonstração é apontada como eficiente abordagemna comunicação para o desenvolvimento. Utilizar-se de exemplos bem-sucedidos de mudança pode incentivar e encorajar as pessoas aadotarem atitudes de mudança e participarem do processo detransformação. Uma campanha lançada em 2009 pelo Ministério daEducação para a valorização dos professores utilizou exemplos de paísescom elevados índices de desenvolvimento, nos quais, segundodepoimentos, o grande responsável por tais conquistas foi o professor.A propaganda é um convite para as pessoas participarem do processode desenvolvimento do país, assumindo o papel apresentado comofundamental para este crescimento: o de professor.

Islam (2002), em sua análise da comunicação para odesenvolvimento, aponta três fatores básicos para sua eficácia: aindependência, para que mensagens não sejam afetadas por interesses degrupos específicos; a qualidade da informação, que, obedecendo aoscritérios de “valores da notícia”, constituirá uma fonte de conhecimentodos problemas para os membros da comunidade; e o amplo alcance, quedeterminará a amplitude dos reflexos das intervenções na sociedade.

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Essas questões – e outras apontadas por diferentes autores –são analisadas, juntamente com as características do jornalismo dedesenvolvimento, abordado a seguir, nas mensagens do jornal Paraná Nortedurante o processo de mobilização social para a construção daquelaque se tornou o mais importante empreendimento da saúde na décadade 40 em Londrina: a Santa Casa de Misericórdia.

O jornalismo de desenvolvimento

Os meios de comunicação, de uma maneira geral, têm servidocomo instrumentos para o desenvolvimento de países, o jornalismo,claro, também exerce essa função. O jornalismo de desenvolvimentose refere a uma visão do jornalismo segundo a qual “a reportagemdos eventos de importância nacional e internacional deveria serconstrutiva, no sentido de contribuir positivamente para odesenvolvimento do país em questão”. (KUNCZIK, 2002, p.131).

Esse termo surgiu pela primeira vez em 1967, e, ainda quecomunicadores desconheçam tal denominação, seus fundamentos têmsido aplicados nas redes comunicativas que sustentam projetos demudança. Segundo Kunczik, não se trata de uma forma específicade jornalismo. Em termos, sem considerar o conteúdo ou a éticaprofissional, todo jornalista que atua em um país em desenvolvimentoexerce a função de jornalista de desenvolvimento.

Para Vilanilam (1979, p.33 apud KUNCZIK, 2002, p.132), ojornalismo de desenvolvimento é aquele que “se relaciona com osprojetos e os programas lançados em um país economicamenteatrasado a fim de oferecer certos níveis mínimos de vida para aspessoas”. A relação estabelecida com os projetos de mudança devese basear na divulgação de mensagens, no encorajamento das pessoaspara a incorporação de inovações e na mobilização das pessoas paraparticiparem do processo.

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Para se ter uma ideia da eficácia prática do jornalismo dedesenvolvimento, ainda que este esteja bastante presente na imprensabrasileira, basta lembrar que sua aplicação foi um dos pilares para aimplementação do projeto nacional-desenvolvimentista no governoJuscelino Kubitschek (1955-1960). A atuação das revistas Manchete eO Cruzeiro, neste sentido, foi de fundamental importância para que apopulação brasileira acreditasse na grandiosidade do projeto econtribuísse direta ou indiretamente para sua consolidação.

Pesquisas de opinião12 realizadas no período de 1958 a 1960revelaram uma mudança bastante significativa no número de pessoasque se declaravam favoráveis ao projeto de modernização do país. Napesquisa realizada em janeiro de 1958, as opiniões a favorrepresentavam apenas 21% dos entrevistados. Já em março de 1960,quando se realizou nova contagem, o número de pessoas favoráveisao projeto havia subido para 74%.

Essa progressiva simpatia pelo nacional-desenvolvimentismo,como conclui Prado (2007), só poderia ter sido causada por uma amplacampanha midiática de divulgação do projeto de mudança. O autoridentifica, portanto, a atuação decisiva das revistas Manchete e O Cruzeirona construção simbólica dos ideais de desenvolvimento que buscavamser implantados.

A temática do desenvolvimento era recorrente nestas publicações,que aumentavam seu impacto sobre o público com o uso constante deimagens. Para incutir na população os ideais de mudança emodernidade, as revistas buscaram, como afirma Prado (2007, p.90),“familiarizar os brasileiros com ícones da sociedade industrial e novoshábitos de consumo”. Um exemplo disso pode ser verificado na ênfasedada por essas revistas às reportagens sobre construção de estradas.Como analisa Prado (2007), nelas a imagem de máquinas derrubandoárvores representavam o desbravamento do território para dar lugarao desenvolvimento. Também a máquina sugere a força da indústria,que se tornaria a nova matriz econômica que sustentaria o país,

12 Fonte: PRADO, Eugênio Pacceli Areias. Brasília: construção da imagem do poder. 2007. Dissertação(Mestrado em História) - Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Vitória, 2007.

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abandonando-se sua base até então limitada à exportação de matérias-primas.

O autor atribui esta importante contribuição da imprensa, comopropagadora da mudança e grande responsável pela aceitação da opiniãopública, ao caráter mediador que a mídia passou a desempenhar a partirda segunda metade do século XX. Segundo Prado (2007, p.88), “osmeios de comunicação de massa estariam respondendo tanto pelamobilização de camadas da população, quanto atendendo a algumasde suas demandas”.

O jornalismo de desenvolvimento, porém, não deve atuar comoporta-voz das ideias do governo. Os projetos de desenvolvimentodevem ser criticamente analisados pelos comunicadores a fim defornecer critérios objetivos para a formação de opiniões. Alguns autoresfazem uma distinção entre o jornalismo de desenvolvimento e ojornalismo desenvolvimentista, em que o segundo serviria unicamentepara disseminar opiniões do governo.

O jornalismo desenvolvimentista, assumindo o papel depropagandista do governo, estaria comprometendo a qualidade ecredibilidade das informações, manipulando-as de acordo cominteresses específicos. Amithaba Chowdhury, um dos criadores doconceito do jornalismo de desenvolvimento, lamenta a corrupção dotermo e sua utilização para justificar ações autoritárias.

Desta distinção, surge o fundamento para as duas principaisdefinições do jornalismo de desenvolvimento: o investigativo e oautoritário-benevolente (ou patrimonial). A forma investigativa foca noquestionamento e avaliação crítica dos projetos de mudança, tornandoimprescindível a liberdade de imprensa como condição para sua eficácia.

Ao transmitir as notícias de desenvolvimento, a tarefa do jornalistaé examinar e informar criticamente sobre a aplicabilidade de umprojeto de desenvolvimento às necessidades nacionais e locais, adiferença entre o programa e sua implementação na prática e adiferença entre seu impacto real sobre as pessoas e as declaraçõesdos membros do governo. (KUNCZIK, 2002, p.133).

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O jornalismo de desenvolvimento autoritário-benevolente se baseiana manipulação seletiva de informações, apoiado na ideia de que, emse tratando de países subdesenvolvidos, nos quais se verifica umaespécie de crise permanente, a supressão de informações se tornariajustificável, como o é em países ocidentais em tempo de crise. O bem-estar público é colocado como foco das ações e da atuação destejornalismo.

As premissas teóricas que baseiam os estudos do jornalismo dedesenvolvimento são as mesmas analisadas na abordagem dacomunicação para o desenvolvimento. De acordo com a teoria damodernização, o jornalista deve atuar como disseminador dos ideaismodernizadores. Sua tarefa, segundo Kunczik (2002, p.137), é“transmitir o ‘vírus do modernismo’ aos tradicionalistas e, dessamaneira, promover a modernização da sociedade em geral”.

A conquista dos objetivos dos projetos de desenvolvimentodepende da atuação eficaz dos meios de comunicação, que devemestimular o desejo e o esforço coletivo. As mensagens difundidas,porém, devem ser adequadas ao processo de mudança evitando-seincutir ideais inalcançáveis ou modelos de comportamento baseadosno consumo.

A teoria da dependência, que fundamenta-se em ideais marxistas,é a base do jornalismo de desenvolvimento autoritário-benevolente.Seus teóricos buscam desvencilhar o jornalismo do imperialismo culturale do sistema mundial capitalista, delegando o controle e proteção dosmeios de comunicação ao governo. Além de impedir a absorção devalores capitalistas pela sociedade a mídia deveria ser utilizada “deuma maneira benévola e autoritária para mobilizar as massas,modernizar as sociedades e promover identidades culturais e nacionais”.(KUNCZIK, 2002, p.139).

A terceira teoria que baseia os estudos do jornalismo dedesenvolvimento é a teoria dos sistemas. Nesta, a comunicação demassa é vista como um subsistema que interage com outros subsistemassociais, como a política, a economia e a religião. O funcionamento

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eficiente do subsistema da comunicação depende de sua interação comos demais subsistemas, com o ambiente e com fatores estruturais. Aeficácia da relação estabelecida com o ambiente, por sua vez, serádeterminada pela correlação entre as características do subsistema eas expectativas dos receptores.

A teoria dos sistemas apresenta a mesma premissa que baseia asQuatro Teorias da Imprensa, de Siebert (apud KUNCZIK, 2002, p.140),cuja argumentação é de que “os meios de comunicação de massasempre tomam a forma e as características das estruturas sociais epolíticas dentro das quais operam”. Para Ogan (1980), o jornalismo dedesenvolvimento não seria uma “quinta teoria”, mas a variação dostipos autoritário – em que a imprensa deve servir ao Estado, como propõetambém a visão autoritário-benevolente do jornalismo dedesenvolvimento – e de responsabilidade social – que pressupõe aexistência de uma imprensa livre e comprometida com a sociedade, omesmo papel assumido pelo jornalismo de desenvolvimentoinvestigativo.

Principais tarefas – ou atribuições – dojornalismo de desenvolvimento

Kunczik (2002) apresenta as principais funções e tarefas dojornalismo de desenvolvimento para sua eficiência no processo demudanças. O autor rejeita a aplicação do conceito para definir ojornalismo que se faz porta-voz dos supostos êxitos do governo. Paraele, a base do jornalismo de desenvolvimento deve ser crítica e analítica,o que não significa rejeitar ou hostilizar o Estado, mas controlar suasações.

É importante salientar essa distinção do papel do jornalista dedesenvolvimento, uma vez que sua função dentro da sociedade estariacomprometida, caso trabalhasse submetido a interesses específicos.

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Sua eficaz participação no processo de desenvolvimento exige oequilíbrio entre sua atuação crítica e seu papel de mediador eincentivador de mudanças.

Para definir os aspectos que norteiam a aplicação do jornalismode desenvolvimento, é necessário, antes, apresentar uma definiçãopara o conceito de desenvolvimento. Segundo Kunczik (2002, p.342),“desenvolvimento é um processo de mudança social, a partir dointerior de uma sociedade, que pode ocorrer de diversas maneirasem diversos setores”. Nesta conceituação, é claro que o autor se refereàs mudanças para melhor. Neste sentido, por incluir, não só aspectosmateriais, mas a elevação de valores humanos – justiça, igualdade,segurança – a maioria dos estudiosos empregam o termo “qualidadede vida”.

A qualidade de vida significa uma sensação de plenitude notrabalho, um apreço pela beleza natural e artística, umsentimento de identificação com a comunidade e uma consciênciade realização do próprio potencial. [...] A qualidade de vida nãoé tão palpável como os automóveis ou televisores, nem tãofácil de quantificar como, digamos, as unidades monetárias [...].(KUNCZIK, 2002, p.344).

Considerando, portanto, que a qualidade da vida humana não sesubordina apenas às implicações econômicas, a edificação de umasociedade “desenvolvida” deve elevar os aspectos humanos e valoresmorais do contexto. A principal função do jornalismo dedesenvolvimento, deste modo, é promover o orgulho e o respeito pelacultura e o patrimônio local, sem convertê-lo em uma nostalgiainfrutífera, que determine uma postura relutante à implantação deinovações.

O jornalismo de desenvolvimento também apresenta oimportante papel de mediador. Diante dos desacordos em relação aosobjetivos das intervenções, ou ao estabelecimento de prioridades edos custos do projeto, que facilmente geram relações conflituosas, ojornalista deve buscar expor as opiniões conflitantes e definir objetivos

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compatíveis para incentivar a participação dos diversos segmentos dapopulação. Como afirma Kunczik (2002, p.345), “ao fim da jornadaisso produz a integração das partes heterogêneas num complexo sistemasocial; as pessoas devem tornar-se conscientes de suas mútuasdependências”.

Esse papel mediador não deve limitar-se, porém, a umaatuação passiva que apenas dissemina opiniões de outros. Ojornalista deve estimular discussões, promover debates, mastambém, segundo Groth (1960, p.566 apud KUNCZIK, 2002,p.346), “contribuir e intervir com suas próprias idéias”. Se o objetivotraçado pelo jornalismo de desenvolvimento é o de buscar aparticipação ativa da população no processo de mudança, ele deveapontar e esclarecer os caminhos para a definição do ideal dereconstrução possível para a sociedade.

Quando existe uma base comum de interesses na sociedade,e se vive a situação de ameaça da comunhão de ideais por algumconflito externo, a função do jornalismo de desenvolvimento é de,em primeiro lugar, criar a consciência do conflito e ratificar osinteresses que os unem.

Os conflitos podem ser verificados, por exemplo, nos diferentesimpactos que uma intervenção pode causar nos níveis locais e globais.A manutenção da atividade pesqueira tradicional em umacomunidade, como forma de preservar a cultura local, pode ter efeitosnegativos em termos de um sistema global, reconhecendo suasdesvantagens econômicas e limitações produtivas para atender ademanda. A tarefa do jornalismo de desenvolvimento é, neste caso,apresentar as variações de prioridades inerentes aos diversoscontextos, e propor alternativas de intervenções.

Para evitar situações de conf lito, o jornalismo dedesenvolvimento deve se focar, primeiramente, na análise e avaliaçãodo projeto de desenvolvimento. Deve assinalar as consequênciasimprevistas dos projetos de intervenção e advertir contra açõesapressadas que buscam resultados rápidos sem que haja uma avaliação

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de seus reflexos negativos. Esse tipo de intervenção, com metas decurto prazo, é comum nos governos, por servirem como forma depropaganda política e se tornarem objetivos facilmente cobiçados pelapopulação, mas seus resultados – a médio e longo prazos – podem serdesastrosos.

Quando as influências que ameaçam o êxito dos projetos sãoexógenas, portanto, fora do controle do país, o jornalismo dedesenvolvimento deve apresentá-las à população, mas de modo algumatribuir a totalidade da culpa a esses fatores. A criação estereotipadade inimigos externos – comunistas, imperialistas, especuladores,comerciantes ambiciosos, judeus –, bastante comum à atividadejornalística, não deve ser aplicada pelo jornalismo de desenvolvimento.A criação de “bodes expiatórios” apenas desviam a atenção dosproblemas internos que, de forma ainda mais direta, comprometem oprojeto de desenvolvimento.

O jornalista de desenvolvimento, segundo Kunczik (2002,p.351), também deve apresentar uma visão específica da história, ecompreender que o futuro da humanidade não é determinado apenaspelo seu passado. “O futuro deve ser visto como algo capaz de sermoldado ativamente; o jornalismo de desenvolvimento implica, nessesentido, acreditar num ‘evolucionismo ativo’.”

O principal desafio desse evolucionismo ativo é combater ofatalismo, em que a resignação e passividade dos indivíduos – que sesentem incapazes de resolver seus problemas, de controlar seu destino– criam uma barreira para a promoção de transformações. Incentivar amudança de atitude e a absorção de novos hábitos é função dojornalismo de desenvolvimento, mas sua execução se dá em longo prazo,sem que novidades sejam simplesmente impostas e valores culturaisrapidamente substituídos.

O jornalista de desenvolvimento deve aceitar o fato de que osubdesenvolvimento é também um estado mental. Tentardemover sentimentos de alienação, como impotência, auto-alienação, isolamento, insensatez, e até mesmo fé nas normas,

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constitui uma tarefa essencial do jornalismo de desenvolvimento.[...] A mais importante crença que se nos impõe é a de que temoscontrole de nossa própria vida. A sensação de não ter o controleda própria vida pode diminuir o esforço e a motivação paraenfrentar ativamente os problemas. (KUNCZIK, 2002, p.352).

No processo de mudança, o preparo da população, não sópara o aceite das novidades, mas para sua participação ativa noprojeto, é fundamental e determinada diretamente pelos meios decomunicação. A realidade construída pelos comunicadores éresponsável por incitar a colaboração massiva, e, principalmente,moldar a própria capacidade de realização da comunidade. De certaforma, como coloca Kunczik (2002, p.354), “o jornalismo ‘manipula’as massas para alcançar metas positivas”, buscando simplificar asideias políticas complexas e apresentar novos ideais de qualidadede vida. Essa, segundo o autor, é a tarefa decisiva do jornalismo dedesenvolvimento para a eficácia dos projetos e intervenções.

Outra importante função do jornalismo de desenvolvimento,segundo o autor, é a de disseminar a ideia de unidade nacional. Asintervenções somente serão aceitas quando se tiver incutido naspessoas alguns valores mais ou menos comuns, que passem aconsiderar benefícios coletivos e não particulares. Mas a eficáciadeste tipo de comunicação depende, também, da maneira como asnotícias e reportagens são estruturadas. A fim de angariar o apoioda população e informá-la com objetividade sobre os projetos demudança, o jornalismo deve apresentar características específicasna construção das mensagens. Alguns aspectos, tratados nasequência, são relevantes para as notícias de desenvolvimento.

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Valores informativos para ojornalismo de desenvolvimento

As notícias de desenvolvimento, como as apresenta Aggarwala(1979), são semelhantes às reportagens investigativas. Elas nãodevem simplesmente apresentar os projetos de desenvolvimento,mas analisar seus impactos, consequências e relevância para asnecessidades locais.

Schramm e Atwood (1981 apud KUNCZIK, 2002, p.366)definem como notícia de desenvolvimento “todos os artigos sobreo crescimento ou melhoramento social e econômico que implicama planificação e o esforço humano”, incluindo, ainda, informaçõessobre o fracasso de projetos. Vilanilam também apresentaespecificações sobre o que são e quais temas tratam as notícias dedesenvolvimento.

Notícias que relatam as necessidades primárias, secundárias eterciárias de um país em desenvolvimento. Necessidades primáriassão comida, vestuário, e moradia. Necessidades secundárias sereferem ao desenvolvimento da agricultura, indústria e dasatividades econômicas que levam à satisfação das necessidadesprimárias, somando ainda a educação, alfabetização, saúde,assistência médica, planejamento familiar, emprego, condições detrabalho, reformas sociais, integração nacional e desenvolvimentourbano e rural. Necessidades terciárias abrangem odesenvolvimento da comunicação de massa, transporte, turismo,telecomunicação, artes e atividades culturais13. (VILANILAM,1976, p.36 apud BANJADE, 2002, p.54-62).

13 Tradução livre do original: “News relating to the primary, secondary, and tertiary needs of adeveloping country. Primary needs are food, clothing, and shelter. Secondary needs are developmentof agriculture, industry and all economic activity which lead to the fulfillment of the primaryneeds, plus development of education, literacy, health environment, medical research, familyplanning, employment, labor welfare, social reforms, national integration and rural and urbandevelopment. Tertiary needs are development of mass media, transport, tourism, telecommunication,arts and cultural activities.”

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Mas as notícias de desenvolvimento apresentam valoresinformativos diferentes daqueles aplicados à construção das mensagensno jornalismo diário. O principal critério que as distingue reside naaplicação do princípio da atualidade. A necessidade de realizar umacobertura informativa baseada na rapidez de disseminação e atualidadedos fatos pouco se aplica ao jornalismo de desenvolvimento. Sua eficazexecução depende da apuração e contextualização dos fatos, para quepossam esclarecer com maior precisão a realidade para os leitores.

A regra da atualidade, que domina o jornalismo diárioocidental , prioriza o “furo” e se rende às necessidadesmercadológicas da comunicação. A concorrência entre empresasjornalísticas transforma a rapidez – em detrimento da precisão,contextualização, apuração e checagem dos fatos – no foco principalda produção do jornalismo. Essa constante busca pela novidade,criou, como classificou Kunczik (2002, p.365), um “jornalismo deretalhos”, onde fatos apresentam-se como um mosaico, sem refletira menor conexão uns com os outros.

O jornalismo de desenvolvimento, ao contrário, deve priorizarpela conexão entre os acontecimentos, seus antecedentes epossíveis consequências, para gerar a reflexão entre os leitores. Suaprática não deve relevar valores como o sensacionalismo ou priorizarconteúdos despolitizados e empobrecidos apenas para ganhar aatenção do público. Por não se atrelar às preferências do público, ojornalismo de desenvolvimento deve, segundo Kunczik (2002,p.365), “escolher seus temas pensando num público específico”.

É preciso deixar claro que, apesar de estudada, classificada edesenvolvida nas décadas de 50 e 60, a teoria do jornalismo dedesenvolvimento não está morta e sepultada. Ela continua latenteno jornalismo atual. Porém, na maior parte das vezes, é aplicada deforma inconsciente. Para se ter uma ideia de sua atualidade eaplicabilidade basta recorrer ao editorial da Folha de Londrina dodia 31 de dezembro de 2009. Intitulado Em 2010, por favor, leiamais, ele chama a atenção para a necessidade e importância dessa

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modalidade de jornalismo. Começa alertando: “Leia para pensar.Nunca a ausência do questionamento foi tão prejudicial para asociedade como nos últimos anos. E questionamentos só podemser formulados com base em informações confiáveis.”

Em sua continuidade, fala da importância de conhecer os projetose ações do governo, mas principalmente do compromisso dos veículosde comunicação de massa em análise e divulgação, para “orientar”seus leitores. Ressalta o papel da Folha de Londrina nesse sentido:

Então buscamos fugir do lugar comum. A informação de que oleitor precisa é aquela que emerge da pauta desalienada, aquela quenão quis aninhar-se no conforto do oficialismo trivial, porque ooficial, como se vê quase todos os dias, joga o jornalismo para aindigência da mesmice. Daí derivam o conformismo, oalinhamento político etc. (EM 2010..., 2009, p.2).

Por fim, lembra a necessidade da pluralidade. “Contudo, nãopodemos perder de vista a pluralidade. Não é produtiva uma imprensafixada na contestação, que leva à descrença. Esse extremo tambémnão interessa.” (EM 2010..., 2009, p.2). Ou seja, mesmo sem conhecera teoria – ou se pautar por ela – o editorial recupera algumas daspremissas das duas frentes do jornalismo de desenvolvimento e alertapara o papel da imprensa na análise e interpretação do contexto paramelhor orientar seus leitores.

Considerando a importância do contexto na produçãoinformativa deste tipo de jornalismo, torna-se necessário umpanorama histórico e social de Londrina nas décadas de 30 e 40,para a compreensão dos antecedentes que levaram à construção daSanta Casa de Misericórdia. A concretização deste empreendimentoé analisada, pontuando a atuação do jornal Paraná Norte, que,aplicando os princípios do jornalismo de desenvolvimento – mesmoantes da existência formal dessa teoria – tornou possível a viabilizaçãodeste projeto.

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A estruturação dos serviços médicos emLondrina nas décadas de 30 e 40

Em 21 de agosto de 1929, chegou a Londrina a primeira caravanade desbravadores, para dar início ao processo de colonização da regiãonorte do Paraná. Começou nesse dia a grande empreitada da Companhiade Terras Norte do Paraná (CTNP), responsável pela colonização daregião, que se viu diante do desafio de estruturar uma cidade – com osserviços essenciais necessários para o seu funcionamento – numterritório inóspito, ainda coberto por mata nativa.

A preocupação com a assistência médica pautou as primeirasações da CTNP. Quando ela firmou contrato com os governos federale estadual para a compra da extensão de terras no norte do Paraná14,ficou estabelecido que o provimento dos serviços médicos seria, desdeo início, uma de suas obrigações. Alertados sobre os problemas que odesbravamento de florestas nativas poderia acarretar à saúde – pelaexistência de doenças endêmicas, como febre amarela silvestre emalária, entre outras – a companhia inglesa, como afirma Tomazi (1985),trouxe consigo um médico e incluiu em seu projeto de colonização aconstrução de um hospital.

Em 1933, a Companhia de Terras Norte do Paraná construiu oprimeiro hospital do povoado, que ficou conhecido como Hospitalzinho,devido ao seu tamanho diminuto e aos poucos leitos – apenas 12 –que oferecia. Os atendimentos eram principalmente a colonos comtraumatismos – na maioria das vezes ocasionados pela derrubada demata – e urgências cirúrgicas. A estrutura era precária, com poucosinstrumentos e uma pobre farmácia, como revelou o Dr. João Figueiredoem depoimento a Nogueira e Francisco (2005).

14 A CTNP “adquiriu 515 mil alqueires paulistas, equivalente a um milhão, duzentos e trinta e seis milhectares – a maior parte no norte do Paraná”. (HOFFMANN; PIVETA, 2009, p.20).

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Esse hospital, como explica Tomazi (1985), era “fechado”, ouseja, de uso exclusivo dos médicos contratados pela CTNP. Emdepoimento a Nogueira e Francisco (2005), o médico pioneiro AdolfoBarbosa Góis afirma que desenvolvia suas atividades de assistênciamédica no próprio consultório ou no domicílio do paciente, e quandohavia a necessidade de hospitalização, recorria ao hospitalzinho, tendoque transferir o paciente para um médico contratado pela colonizadora.“Naquele hospital, o paciente que entrava, passava a ser cliente dosmédicos que ali trabalhavam.” (OBERDIEK, 2008, p.70).

Os médicos que chegavam – atraídos pelo cenário propício parao crescimento do campo médico, devido às epidemias e ao constanteaumento da demanda15 pelos serviços de saúde – estabeleciam-se emconsultórios ou clínicas particulares. Com as restrições ao uso dohospital da CTNP, os médicos pioneiros desenvolviam suas atividadesem caráter privado ou caridoso (como será visto um pouco mais àfrente). Em 1937, o médico Jonas Farias de Castro criou seu própriohospital, aberto a todos os médicos da cidade e região. O hospital, queficou conhecido como Hospitalzinho do Dr. Jonas, contava com 16 leitose uma sala de cirurgia. Mais tarde foi incrementado com um laboratóriode análises clínicas. Os serviços laboratoriais foram facilitados graçasà ativação da usina elétrica em 1938, que viabilizou, também, o uso deequipamentos para o aprimoramento das atividades médicas.

Também em 1937 o médico Ernesto Cavalcanti fundou umaclínica-hospital, conhecida como Clínica Médico Cirúrgica e de Partos,também aberta aos médicos da região. O hospital oferecia atendimentoclínico geral16 e foi o primeiro a contar com um aparelho de Raio X,que ajudou a melhorar diagnósticos e revolucionou as atividadescirúrgicas na cidade17.

15 A população do município crescia em um ritmo muito rápido nos seus 10 primeiros anos. Em1940 sua população era de 75.296 habitantes, sendo 10.531 urbanos e 64.765 rurais. No ano de 1941a população já atingia 95.000, dos quais 13.000 urbanos e 82.000 rurais. (OBERDIEK, 2008, p.57).16 Com a inexistência de grandes instituições clínicas, hospitais ou laboratórios no interior, médicosque se dispunham a trabalhar nessas regiões tinham que executar sua função “com os conhecimentosde formação geral que obtiveram em seus cursos. Somente com o tempo foram se dedicando àsespecialidades para a qual se prepararam”. (OBERDIEK, 2008, p.73).17 Paraná Norte (17-09-1938, p.6 apud OBERDIEK, 2008, p.115).

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O Hospitalzinho do Dr. Jonas oferecia análises laboratoriais e aclínica do Dr. Ernesto Cavalcanti os serviços de radiografia. Osmédicos completavam o que era mais importante naqueles anos,em relação aos diagnósticos, equiparando-se os atendimentos aosque eram realizados nos grandes centros urbanos. (OBERDIEK,2008, p.115).

A dificuldade de transporte dos doentes até os consultórios tornoucomum, neste período, os atendimentos médicos domiciliares,especialmente na zona rural. As estradas de terra e as longas distânciasa serem percorridas, na maioria das vezes em carroças, eram fatoresnocivos às condições já debilitadas do doente. Essa situação tornava,portanto, muito mais viável o deslocamento do médico até o paciente,o que caracterizou essa fase inicial da medicina em Londrina, segundoPellegrini (1991, p.5), como desbravamento pioneiro. O médico AdolfoBarbosa Góis, em depoimento a Nogueira e Francisco (2005, p.20),revelou que 80% dos casos que atendia eram em domicílio. Às vezes,quando se deslocava a lugares ermos e era surpreendido por chuvasque faziam transbordar os córregos, impedindo-o de prosseguir ouretornar, era obrigado a dormir dentro de seu próprio carro, um Ford.

Somado aos fatores que dificultavam o transporte dos pacientes,a falta de instituições médicas bem estruturadas na cidade desestimulavaainda mais as tentativas de deslocamento dos doentes até os centrosurbanos.

Como não havia um grande hospital que acolhesse o paciente, afamília não tinha interesse em vir para a cidade e a gente tinha quedar assistência a domicílio, ir aos sítios dessa região toda em viagenslongas de 50 a 100 km. Era um médico itinerante. Passava, àsvezes, três a quatro dias sem entrar no escritório, só atendendochamados. (TOMAZI, 1985, p.36)18.

Além da falta de pavimentação, outros problemas infraestruturaisafetavam a saúde dos moradores do norte do Paraná. Segundo o médico

18 Depoimento de entrevistado não identificado na dissertação da autora.

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Afonso Nacle Haikal, em relato a Nogueira e Francisco (2005), asdoenças que atingiam as crianças estavam relacionadas à falta desaneamento. Ele revela que eram muito comuns os casos dedesidratação e gastrenterite com desidratação, em crianças e recém-nascidos. O tratamento era feito com soro caseiro, já que nessa épocanão dispunham de soro por via venosa.

Outro grande problema enfrentado nos primeiros anos dacolonização foi a proliferação de doenças tropicais. Em 1936 houveuma epidemia de febre amarela silvestre que provocou a morte dedezenas de pessoas e alarmou a colonizadora quanto ao futuro deseus negócios. A possibilidade de uma epidemia havia sido notificadapelo médico da Missão Rockefeller a um de seus diretores, o Dr.Willie Davids, ainda em 1935. O médico havia traçado o mapaepidemiológico da doença, evidenciando sua presença na região.Mesmo alertada da situação, a colonizadora não tomou providênciase o assunto foi esquecido.

A CTNP temia que o alerta da possibilidade de uma graveepidemia pudesse comprometer seus negócios. Quando ocorreramas primeiras mortes confirmadas por febre amarela, o representanteda Saúde Pública, Dr. Osvaldo Dias, teve de notificá-las, “apesar datentativa de suborno por parte dos diretores da Companhia19”. Anotícia se espalhou rapidamente e causou a redução do número depotenciais compradores de lotes urbanos e rurais. Diante da situação,o médico Osvaldo Dias, que mais tarde foi obrigado a se demitir,conseguiu a vinda da Missão Rockefeller, com dois médicos,enfermeiros, e pessoal de campo, que fizeram a vacinação em massae controlaram a epidemia20.

19 Depoimento do médico Adolfo Barbosa Góis a Domingos Pellegrini. In: PELLEGRINI, Domingos.Revista 50 Anos de Arte, Londrina, p. 20, 1991.20 A epidemia foi controlada, mas manteve-se latente como endemia. Ocorreram surtos da doençaaté 1942, quando a geada de 19 de junho matou em massa os macacos portadores do vírus que eramtransmitidos às pessoas pelos mosquitos.. (Depoimento do médico Adolfo Barbosa Góis a DomingosPellegrini. In: PELLEGRINI, 1991, p.20).

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Em 1938, ocorreu uma epidemia de tifo na localidade onde hojefica a cidade de Rolândia. A doença, que indicava problemas deurbanização por ser resultante da baixa qualidade dos serviçossanitários, conforme Oberdiek (2008, p.100), foi agravada pelaincipiente estrutura de assistência médica na cidade, que se limitavaao hospitalzinho da CTNP e clínicas particulares. Esse episódio resultouna construção de um novo hospital, conhecido como Hospitalzinho deIndigentes. Sua construção, ainda que motivada pela urgência da situação,manifestou um propósito ainda maior: atender pessoas impossibilitadasde pagar pelos serviços médicos.

A preocupação em garantir atendimento médico a todos –independente da forma, ou mesmo possibilidade, de pagamento –sempre pautou a conduta da maioria dos médicos pioneiros. Pacientesque não podiam pagar eram atendidos gratuitamente. “Se não podepagar, não pague. Se pode, pague como puder”, era como o Dr. EulalinoIgnácio de Andrade definia seu método de cobrança pelas consultas.“Alguns pagavam com feijão, arroz, abóboras, pamonhas, frangos,frutas”, revelou o médico. Em depoimento a Pellegrini (1991) elelembrou-se, ainda, de uma superssafra de feijão, que se tornou, na época,a “moeda” mais comum para o pagamento das consultas. “Nunca vitanto feijão! Todo mundo queria me pagar em feijão! Aí pensei emvender todo aquele feijão. Fui ver, não valia nada, estavam dando feijãoaos porcos.”

No caso do Dr. Justiniano Clímaco da Silva, que ficou conhecidocomo “o Dr. Preto” (ele era negro), a gratidão das pessoas pela suaatitude solidária de atender a todos indiscriminadamente, pode sermedida pela quantidade de afilhados que o médico deixou. “Era aforma que encontravam de mostrar gratidão, já que não podiam pagar.E aí eu tinha de comprar presentes para os afilhados!” afirmou omédico em depoimento a Pellegrini (2003, p.37).

Mais tarde, com a inauguração da Santa Casa de Misericórdia, oatendimento gratuito foi ampliado, dando início, segundo Tomazi (1985,p.43) “a uma nova fase da prática médica no município que secaracteriza pela clara definição da clientela entre particular (ou privada)

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e indigente”. A medicina praticada nessa época passou a apresentarcaráter liberal e filantrópico.

A assistência médica é entendida, por um lado, como um bemque deve ser comprado pela população que se constitui comoclientela privada e, de outro lado, como uma ação de caridade paraa população considerada indigente, mas nunca como um direitodo cidadão. (TOMAZI, 1985, p.43).

A situação de “não pagamento” por parte dos chamados“indigentes” fazia parte de um acordo informal entre proprietáriosrurais e médicos:

[...] os empregados, parceiros ou meeiros ao precisar de assistênciamédico-hospitalar, serão atendidos ou internados no hospitalcomo “indigentes”, conforme as fichas de controles, mas na verdadepagarão o próprio tratamento com o rápido retorno ao trabalho,enquanto os patrões enviarão ao hospital donativos em dinheiroou mercadorias de consumo. (PELEGRINI, 1991, p.32).

Essa nítida preocupação com os indigentes foi definitiva para aviabilização de dois importantes projetos na área da saúde em Londrina,que, apesar das inúmeras questões circunstanciais que os motivaram,foram resultados, principalmente, da solidariedade dos cidadãos e desua mobilização para garantir assistência médica a todos. Trata-se doHospitalzinho de Indigentes e da Santa Casa de Misericórdia.

O Hospitalzinho de Indigentes

Os serviços de saúde oferecidos nos primeiros anos dacolonização de Londrina logo se tornaram insuficientes para atender acrescente demanda pela assistência médica. Para piorar, a estruturalimitada de atendimento encontrou um agravante: o desmatamento dafloresta propiciava a proliferação de doenças tropicais.

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Em 1938, ocorreu um surto de tifo, o que tornou urgente anecessidade de ampliar os serviços médicos para atender os infectados.Mesmo havendo rumores sobre a construção de um grande hospitalna cidade, o médico Gabriel Martins, delegado de Higiene, organizouum hospital de emergência, em uma casa cedida por AlexandreRazgulaeff, um dos engenheiros da Companhia de Terras Norte doParaná. Era uma casa de madeira com quatro cômodos – uma sala,uma cozinha e dois quartos – situada na rua do Comércio (atual ruaBenjamin Constant), praticamente em frente ao hospital da CTNP. Alocalização foi importante, como afirma Oberdiek (2008), em razãoda relação de dependência do segundo para com o primeiro, pois essenovo estabelecimento recebia materiais esterilizados e medicamentosdo hospital da colonizadora.

Além das questões circunstanciais (o surto de tifo) que levaramà sua construção, uma preocupação recorrente dos médicos e outrosmembros da sociedade à época – o atendimento aos indigentes, foidecisivo para a concretização do projeto. Segundo Alves (2002, p.390),“havia já um considerável número de pessoas necessitadas na região,às quais se dava o nome de indigentes”. Por essa razão, o hospital doDr. Gabriel Martins ficou conhecido como Hospitalzinho de Indigentes.

Enquadravam-se na categoria de indigentes, segundo umentrevistado não identificado na dissertação de Zelma Tomazi, ostrabalhadores rurais e os pequenos proprietários. Pertenciam tambéma esse grupo os chamados mendigos ou vadios, indigentes urbanosque, diferente dos rurais, não se integravam como força de trabalho noprocesso produtivo.

O médico pioneiro Jonas de Farias Castro Filho, em depoimentoa Nogueira e Francisco (2005), afirma, no entanto, que a situaçãoeconômica das pessoas que procuravam atendimento médico era muitoboa, e que o chamado “indigente” vinha de fora, à procura deassistência médica em Londrina. Porém, a realidade descrita pelo Dr.Jonas Filho não se confirma quando analisadas, por exemplo, amotivação dos médicos e cidadãos envolvidos na criação do

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Hospitalzinho de Indigentes, ou mesmo nos relatos de jornalistas daépoca:

Atraída pela justa fama de Londrina muita gente humilde depoucos recursos pecuniários, aqui chega na visão de um futuromelhor, de uma fatia de pão para a prole sem abastança. E essagente luta, mourejando na gleba portentosa. Luta e vence. Mas háexceções dolorosas. Na gleba ou nas atividades da urbs, há osvencidos. Há os que foram surpreendidos pelas enfermidadestraiçoeiras e que tombaram exaustos com o coração amarguradoao lado da esposa soluçante, dos filhinhos famintos...[...] Pois bem para esses vencidos, enfermos, desvalidos, não hámédicos nem remédios na cidade rumorosa, mesmo porque, ondenão há possibilidade de remédios, a presença do médico se tornainútil [...]. (PARANÁ NORTE, jul. 1940 apud ALVES, 2002,p.391).

A reportagem do Paraná Norte atesta a existência de indigentesquando se refere aos “vencidos”, aqueles que não conseguiram seestabelecer na cidade que se formava. Nela fica explícita a motivação– e implícita a necessidade – dos médicos pioneiros em garantiratendimento de saúde aos “vencidos”, que são, ainda nestas condições,“surpreendidos pelas enfermidades traiçoeiras”.

O Hospitalzinho dos Indigentes era mantido por doações decaridade. Duas figuras importantes se destacaram, na época, por suapreocupação com as condições de pobreza em Londrina e seu apoioao hospitalzinho: dona Nina Bonifácio (Evangelina Bonifácio e Silva)e seu marido, o cerealista José Bonifácio e Silva. Durante os anos de1938 a 1944, Dona Nina prestou grande ajuda naquele estabelecimento,“fazendo curativos, administrando medicamentos e providenciandoalimentação para os internos”. (ALVES, 2002, p.398). A própriabenemérita relatou as dificuldades para manter o hospitalzinho emfuncionamento:

[...] quando a epidemia de tifo foi controlada passamos a atenderoutros tipos de pacientes como trabalhadores acidentados naderrubada das matas, pessoas com doenças contagiosas, comotuberculose, hanseníase e fogo selvagem. Com isso, os 15 leitos

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do Hospitalzinho viviam sempre lotados e as despesas aumentavamuito. Para piorar, não havia auxílio financeiro dos poderespúblicos. Os recursos vinham dos donativos de comerciantes eda população em geral. (NINA BONIFÁCIO apud ALVES, 2002,p.397).

Alguns médicos pioneiros – como os doutores Anísio Figueiredo,João Figueiredo, Caio Rangel e Newton Câmara – também dedicaramparte de seu tempo ao atendimento voluntário no hospitalzinho do Dr.Gabriel Martins. Segundo o historiador André de Faria P. Neto (apudOBERDIEK, 2008, p.101), os atendimentos caritativos, demonstrandoespírito cristão e amor à humanidade, garantiam prestígio social aosmédicos que os praticavam, tornando-os “conhecidos junto a uma faixada população que normalmente se valia de curandeiros e práticaspopulares de curas” e criando, desta forma, o hábito da procura poratendimento médico.

Com o crescimento da cidade, aumentava-se também a procurapelo Hospitalzinho dos Indigentes. Em meados de 1940, como afirmaAlves (2002, p.402), ele enfrentou grandes dificuldades para manteros atendimentos gratuitos. O fato se agravou em razão de uma epidemiade malária, que ocorreu em março de 1941. Com a estrutura limitada eos poucos recursos “o Hospitalzinho tinha que dispensar diariamenteinúmeros flagelados por não estar em condições de lhes prestar mínimosocorro”. Foi então que membros da sociedade começaram a realizardiversas campanhas com o objetivo de angariar fundos para suamanutenção. O Paraná Norte noticiava os bailes e quermesses realizadasem seu benefício e exaltava a atitude dos envolvidos em sua promoção:

Essas senhoras que correram o município em busca de donativos,que bateram à nossa porta à procura do nosso óbolo, queorganizaram a festa e imprimiram à mesma aquele cunhoimpressionante de distinção, se já gozavam do nosso respeito eda nossa admiração, merecem agora, sobretudo, a nossa estima.(ROCHA, 1942 apud ALVES, 2002, p.403).21.

21 PARANÁ NORTE, v.8, nº.379, 18, jan, 1942, p.2, In: ALVES, 2002, p.403.

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Esse fato evidenciou a limitação do Hospitalzinho de Indigentes22

diante da demanda e da situação de risco em que a população seencontrava – considerando a possibilidade de novas eclosões de surtose epidemias na região. Deste modo, intensificaram-se as intenções demelhorar a estrutura de assistência médica, e construir um grandehospital para dar continuidade aos atendimentos caritativos. Suaconstrução, no entanto, demandou anos e enfrentou diversosempecilhos e problemas.

O impasse para a construçãoda Santa Casa de Misericórdia

Antes de analisar o jornal Paraná Norte durante o processo deconstrução da Santa Casa de Misericórdia de Londrina – aplicando ascaracterísticas do jornalismo de desenvolvimento –, é necessárioentender as condições em que se deu sua viabilização, com a exposiçãode fatos importantes que marcaram o processo.

A necessidade de construir um grande hospital se justificava acada dia, considerando o rápido crescimento da cidade (é importanteressaltar que, nesse momento, Londrina era a “cidade”, mas o municípioera enorme e nele se multiplicavam povoados, vilas, patrimônios edistritos, como as atuais Cambé, Rolândia, Arapongas, Apucarana,Tamarana, Faxinal, Marilândia do Sul e outros) e o aumento da procurapor assistência médica. Em 1936, com a epidemia de febre amarelasilvestre, a situação se agravou e a ideia de construir um hospital ganhouforça.

A vinda da Fundação Rockefeller – para controlar a epidemia defebre amarela – foi importante para o início desse processo, posto queesta instituição incentivava a ampliação da estrutura médica nas cidades

22 O Hospitalzinho de Indigentes foi desativado em 1944, com a inauguração da Santa Casa de Misericórdia.Com o fechamento, seus 27 doentes internados foram transferidos para o novo hospital. (ALVES,2002, p.407).

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em que realizava suas missões. Somado a isso – e considerando aslimitações e precariedade dos serviços médicos na região, que seevidenciaram durante a epidemia – o diretor geral da CTNP, ArthurThomas, propôs, nas páginas do jornal Paraná Norte, a construção deum grande hospital em Londrina.

No mês de março de 1936 foi criada, sob a direção do próprioArthur Thomas, “uma comissão de pessoas responsáveis para discutire viabilizar a construção de um hospital”. (OBERDIEK, 2008, p.102).A comissão pró-hospital se empenhou na realização de festas ecampanhas, utilizando as dependências da prefeitura, para arrecadarfundos para o empreendimento. A CTNP e o poder público estavamdirecionando grande apoio ao projeto. Para colaborar com a campanha,a empresa de ônibus que fazia o transporte de pessoas da zona ruralpara a cidade – e que pertencia à colonizadora – reduziu em 50% ocusto das passagens nos dias de festa, incentivando a participação dapopulação nos eventos.

A participação da população foi massiva nas festas e nas doaçõespara a viabilização do projeto. Com a adesão popular declarada, osucesso da campanha – reproduzido dia a dia nas páginas do ParanáNorte – e os interesses comerciais na construção de um grande hospital,que garantiria a continuidade do processo de colonização, a CTNPdoou um terreno correspondente a uma quadra, coberto de mata nativa,para a construção do Hospital de Londrina23.

Depois do fervor inicial, que mobilizou a população em tornoda construção do novo hospital, a campanha “esfriou”, e só voltou aser noticiada em novembro de 1938, quando o Paraná Norte passou aindagar os motivos da interrupção do projeto.

Há muito que não havíamos mais falar do Hospital de Londrina.No começo houve muito enthusiasmo, muita fé, muita força devontade... Depois, é isso que estamos vendo: uma dolorosa

23 O hospital que se planejava construir passou a ser chamado de Hospital de Londrina nas reportagensdo Paraná Norte.

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indifferença pelo assupto e... é pena. Nada, no momento queinteressa o município deveria estar mais em foco, mais emevidência que essa palpitante questão que é o Hospital. (PARANÁNORTE, 13-11-1938, p.1 apud OBERDIEK, 2008, p.103).

Por que a campanha tão bem aceita pela população e querepresentava um grande avanço para a cidade foi simplesmente deixadade lado? Não só a população seria beneficiada com a ampliação daestrutura de assistência médica. Médicos poderiam usufruir deste novohospital, permitindo a melhoria e ampliação dos atendimentos e o iníciode uma nova fase da medicina na região. Seus pacientes quenecessitassem de internação para tratamento ou intervenção cirúrgica,não mais precisariam ser deslocados para outras cidades. Também aCTNP e o poder público tinham interesses neste projeto, que garantiriaa prosperidade dos negócios da colonizadora e determinaria o sucessodo processo de colonização. Por que, então, estes setores interessadosnão assumiam o projeto do Hospital de Londrina?

A ausência da CTNP durante parte do processo pode ser explicadapelo envolvimento do Sr. Arthur Thomas em outro empreendimento.Em 1938, ela estava construindo uma ferrovia que ligava o projeto decolonização ao porto de Santos. Os recursos para o empreendimentovinham de um esquema montado com uma companhia de emigraçãode Berlim. Por esse esquema, os judeus alemães, proibidos de sair deseu país com grandes somas em dinheiro, compravam na Alemanhamateriais necessários para a construção da ferrovia, em nome da CTNPe, em troca, recebiam terras no norte do Paraná. Porém, segundoOberdiek (2008, p.104), a situação se complicou em 1938 devido àsdificuldades impostas pelo governo de Hitler, que não permitiam maisa saída de judeus da Alemanha.

Contudo, é preciso ressaltar que esse fato pontual nãocorresponde à totalidade dos motivos que explicam a ausência da CTNPdo projeto do novo hospital. Em primeira instância, ela desejava manter,também na estrutura de assistência médica, o perfil dos serviços quese constituíam na cidade: serviços privados, com a instituição de

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mercados de livre iniciativa e concorrência, coerentes com o modeloda sociedade capitalista. Portanto, para ela não interessavaprioritariamente a criação de um hospital público24. Mas, até essemomento, não havia ficado explícito que o hospital seria uma SantaCasa de Misericórdia – este fato só se concretizou em 1940 –pertencente, portanto, a uma irmandade. A dúvida é: por que os setoresinteressados não assumiam o projeto?

Vale ressaltar, neste contexto, a situação do campo médico emLondrina. Em 1937, começaram a surgir consultórios e clínicasparticulares, nos quais médicos recém-chegados à cidade passaram aatuar. Contudo, o fato de os médicos constituírem seus própriosestabelecimentos não explica uma possível oposição à construção deum grande hospital, uma vez que este representaria um grande avançonos atendimentos. Porém, essa “explosão” de iniciativas privadas nocampo médico – da chamada medicina liberal – é sintomática, tendoseu início motivado pelo perfil de assistência que se configurou nosprimeiros anos da colonização, que revelava uma disputa pelo controledos serviços médicos.

Essa situação, a do controle da colonizadora sobre a estruturade atendimento médico, parecia se reafirmar nos rumos que vinhamtomando as campanhas pró-hospital. Como expõe Oberdiek (2008,p.105), o presidente da comissão foi o diretor máximo da CTNP; foiela, inclusive, que doou o terreno para o hospital; a prefeitura – querepresentava a conjugação do poder público e privado, já que o prefeitoeleito também havia sido diretor da colonizadora anteriormente – cedeuespaços para a realização de festas; o prefeito sobretaxou os impostosmunicipais para aumentar os fundos para o hospital; e ainda o governodo estado se propôs a contribuir com o projeto. O perfil da campanhaapresentado leva a crer que “o Hospital de Londrina estava tendo todas

24 Desde seu primeiro momento, o Hospital de Londrina havia sido concebido como um hospitalpúblico, que seria administrado pela Sociedade Beneficente Santa Casa de Londrina, fundada em 1ºde março de 1936, cujo primeiro presidente foi Arthur Hugh Miller Thomas, que, por coincidênciae ironia, era um dos diretores da Companhia de Terras Norte do Paraná. Arthur Thomas presidiu asociedade beneficente até 30 de janeiro de 1939.

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as características que deveria ter um hospital ligado ao poder público,ou ao poder da CTNP”.

Este fato pode explicar a falta de entusiasmo por parte dacomunidade médica durante essa primeira fase da campanha pró-hospital.

Aparentemente a categoria médica não manifestou entusiasmocom os serviços hospitalares que seriam ampliados com umhospital de grande porte. Por um lado, os esforços da CTNP,através de seu diretor e do jornal Paraná Norte, podem sercompreendidos como tentativa de manter o próprio processo decolonização em andamento. Por outro lado, os médicos pouco semanifestaram, o que nos permite inferir que um grande hospital,se fosse administrado pela CTNP, traria mais concorrência entremédicos na realização de atendimentos, no caso de se manteremos mesmos critérios do Hospital da Companhia, ou seja, se oatendimento dos internados fosse exclusividade de médicos dohospital. Outra vez, o controle do hospital seria motivo deconflitos, porém, na verdade o campo médico que estava sendoconstituído em Londrina já se manifestava com suficientepresença, com três ou quatro anos de existência na cidade,manifestando as lutas e concorrências internas. (OBERDIEK,2008, p.71).

Esse impasse que se configurou durante o ano de 1938 envolveuos interesses de diferentes setores da sociedade no que diz respeito àscaracterísticas que este novo empreendimento assumiria. Seria umhospital privado, controlado pelos médicos ou pela CTNP? Seria umhospital público, contrariando o perfil adotado para os demais serviçosna cidade? Ou seria um estabelecimento de caridade, como vinhaesboçando a tendência de atendimentos médicos frente ao crescentenúmero de indigentes na cidade? O ano de 1938 terminou sem quegrandes mudanças tivessem ocorrido, como relata o jornal Paraná Norte.

O anno de 1938 está terminando e nada se fez em beneficio doHospital. Ninguém tomou a dianteira para organizar a comissãodiretora. De balde temos, nesta folha, gritado aos quatro ventos a

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necessidade de se tomar providências para que se reinicie ostrabalhos de campanha pró-hospital. Não há quem se apresentepara dirigir o movimento...Mais uma vez apellamos para o Dr. Willie Davids, o digno ehonrado governador do município, para que reorganize a comissãodirectora. É uma obra de caridade que sua excia. participará e queterá êxito mais brilhante que se possa imaginar. (PARANÁNORTE, 25-12-1938, p.1 apud OBERDIEK, 2008, p.105).

Este trecho, que relata a falta de iniciativa dos setores sociais epede apoio dos poderes públicos, será, adiante, analisado segundo ascaracterísticas do jornalismo de desenvolvimento, procurando-seexplicitar a participação efetiva – e essencial – do veículo naviabilização deste projeto, que, apesar de interrompido no início, foiposteriormente concretizado pela própria sociedade.

Porém, é preciso destacar que o “digno e honrado governadordo município”, como o jornal tratou o então prefeito Willie Davids,estava sendo pressionado pelo setor mais forte da sociedade, o do podereconômico dominante, a tomar providências em outro setor, o dasegurança. Desde que Londrina se emancipou, em 10 de dezembro de1934, cresceram os roubos, assaltos e homicídios no município, comoum todo, e na cidade, principalmente. A insegurança ameaçavaprioritariamente as pessoas mais abastadas, que pressionaram o poderpúblico para que este tomasse as providências cabíveis. Londrina nãopossuía nem delegacia de polícia, nem cadeia. A estrutura de segurançase limitava a poucos homens fardados e uma cadeiazinha que, de tãopequena (mal acomodava dois presos) era motivo de piada pelapopulação.

Face ao aumento da criminalidade, por força das circunstânciaso poder público desviou temporariamente seu foco de atenção: priorizoua segurança em detrimento dos serviços médicos. Em 22 de outubrode 1939, foi inaugurada a Cadeia Pública de Londrina, na rua Maranhão,um prédio relativamente amplo, de madeira, coberto com telhasfrancesas, com diversas celas, construído em forma de L. O efetivopolicial também foi ampliado e, com isso, o poder público pôde retomar

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o foco na saúde. E não sem justa causa, pois os problemas semultiplicavam e a pressão da sociedade voltou a crescer.

Em 1938, ocorreu uma epidemia de tifo, o que alertou a sociedadepara a limitação da estrutura médica na cidade e para a situação dosindigentes acometidos pela doença, que não tinham onde seremtratados. Em janeiro de 1939, alguns membros da sociedade – incluindoo médico Jonas de Farias Castro, o diretor da CTNP Arthur Thomas, ojornalista Humberto Puiggari Coutinho e os empresários DavidDequech e José Bonifácio e Silva – se reuniram em assembleia edeterminaram que o Hospital de Londrina deveria ser confiado a umairmandade. Ou seja, a partir de então, ficou definitivamente acordadoentre as partes que o hospital seria gerido pela Irmandade da SantaCasa de Londrina (Iscal).

Após essa determinação da assembleia, a de confiar o hospital auma irmandade, o poder público demonstrou interesse em assumir asobras, como fica claro neste trecho extraído do jornal Paraná Norte:

O Hospital de LondrinaConhecedores da intenção do ilustre prefeito de Londrina, detomar a si o encargo da fundação do Hospital Municipal, vimosmais uma vez, pedir a S. Excia., implorar mesmo, em nome dosnecessitados, dos desfavorecidos da sorte... Com estes infelizesjuntamos também as mãos como numa prece e pedimos ao dignoe honrado prefeito que tome quanto antes a iniciativa da fundaçãodo Hospital. Leve à realidade a sua grande idéia... (PARANÁNORTE, 24-09-1939, p.1 apud OBERDIEK, 2008, p.106).

Diante desta nova situação, a classe médica, que tinha clarasobjeções ao controle do novo (futuro) hospital por parte da CTNP –que neste caso se mesclava ao poder público – tomou uma atitude:decidiu criar uma Associação Médica, constituída em 1941. Não queeste evento tenha sido a única causa, mas, com certeza, ele se somoua outros motivos que desencadearam sua criação. Com uma associaçãorepresentativa de classe, os médicos buscavam obter o controle docampo médico.

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O domínio da estrutura de atendimento médico exercido pelaCTNP – evidenciado em experiências anteriores vividas porprofissionais da saúde – levou os doutores Newton Câmara e AdolfoBarbosa Góis a se reunirem com outros médicos25, em 1941, paraplanejar um estatuto que seria apresentado em uma assembleia com apresença de odontólogos, médicos e farmacêuticos, para se constituira Sociedade Médica Odontológica e Farmacêutica de Londrina. Essasociedade, no dia 18 de outubro (data em que se comemora o Dia doMédico) de 1941, passou a ser a Associação Médica de Londrina, filiadaà Associação Médica Brasileira.

Além de realizar encontros, seminários, congressos e palestras,que ajudavam no aperfeiçoamento da medicina praticada na cidade, aAML, juntamente com a Associação Comercial de Londrina (atualACIL), interagiam com a comunidade e interferiam na vida social. “AAssociação Médica interferia em tudo, dando ânimo e apoio, até porquequase nada se fazia sem que nos procurassem (os médicos da AML),para a criação dos clubes recreativos, associações, para festas epromoções. Éramos pioneiros em tudo”, revelou o Dr. Jonas de FariasCastro Junior em depoimento a Pellegrini (1991, p.35).

Mas o principal objetivo da Associação Médica de Londrina erao de obter coesão da classe médica diante dos conflitos internos egarantir o controle dos serviços e proteção aos profissionais associados.

O universo, ou campo social, com suas próprias leis adquireautonomia e se diferencia – como possuidor de uma especificidade,ou singularidade – do contorno social onde está inserido. Acompreensão é de que a criação da AML em 1941, quando a cidadede Londrina estava sendo construída, a colonização da CTNPestava sendo implantada, e continuava a afluência de imigrantes etambém de médicos, foi uma maneira explícita de os médicosexpressarem tautologicamente que médicos são médicos e são

25 Também foram sócio-fundadores da Sociedade Médica Odontológica e Farmacêutica de Londrinaos médicos: Jonas de Farias Castro, Caio Moura Rangel, Justiniano Clímaco da Silva, RicardoSkowroneck, Orlando Vicentini, João Figueiredo, Anísio Figueiredo, Gabriel Martins e EulalinoAndrade.

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autônomos, ou seja, se regulam ou se orientam pelas própriasleis, “irredutíveis aos outros universos” de possíveis outrosprofissionais existentes na cidade, ou até da Irmandade, que dealguma forma seria a proprietária do Hospital Santa Casa.(OBERDIEK, 2008, p.94).

A criação da AML, no entanto, se deu em 1941, quando oimpasse relacionado à construção da Santa Casa já havia se resolvido,com o empreendimento confiado a uma irmandade. Portanto, não houveuma mobilização dos profissionais da saúde para assumir aresponsabilidade da construção, já que estes ainda não haviam seorganizado em torno de seus interesses de assumir o controle do campomédico que se formava.

Durante o período em que se configurou este impasse, oParaná Norte – mesmo ligado à CTNP – manteve sua campanha demobilização, consciente de que havia um impedimento para aviabilização do Hospital de Londrina. Esse impedimento semanifestava nas divergências de interesses – expostos anteriormente– entre profissionais da saúde, a CTNP e o poder econômicodominante, o que colocava o jornal em uma situação difícil, umavez que não poderia tratar abertamente do assunto por estarsubordinado financeiramente à colonizadora, uma das envolvidasno impasse.

O trecho a seguir, extraído do jornal, exemplifica essa situaçãode autocensura que, ainda assim, não impediu o posicionamentofavorável ao empreendimento, assumido pelo veículo, e sua posturaincentivadora adotada nas matérias: “Nossa campanha peloestabelecimento de um hospital em Londrina... não esmorecerá...no que pese as opiniões contrárias, vindas da dureza de coraçõesde muita gente sem fé, sem caridade”. (PARANÁ NORTE, 09-10-1939, p.1 apud OBERDIEK, 2008, p.107).

Neste contexto, a atuação do Paraná Norte foi decisiva paraque o projeto do hospital saísse deste impasse. Em maio de 1940, foipublicada no jornal uma reportagem que afirmava que a Associação

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dos Escoteiros Bandeirantes de Londrina havia assumido o projeto,“trabalhando ativamente ao sentido de serem as obras iniciadasimpreterivelmente no mês de junho26”. A iniciativa dos escoteirosdemonstra o envolvimento de diferentes classes no processo deviabilização do hospital e revela uma participação efetiva dasociedade, que, diante do impasse que interrompeu o andamento doprojeto, assumiu o comprometimento com esta causa, de extremaimportância para o município. Esta participação foi, de forma diretaou indireta, instigada pelo Paraná Norte. Oberdiek (2008, p.110)afirma que o envolvimento dos escoteiros no processo de construçãodo hospital foi uma “resposta aos constantes apelos do jornal ParanáNorte”. Ele destaca a magnitude da participação dos escoteiros noprocesso:

A atuação dos Escoteiros mobilizou as pessoas que estavamenvolvidas durante anos no processo da campanha para o Hospitalde Londrina, motivando-os a formar uma diretoria para oficializara irmandade que ficou assim constituída: Presidentes: Sr. AntonioCamargo C. Ferraz; Secretário: Mario C. Miranda; Tesoureiro:Orestes de Medeiros Pulin. [...] Segundo o depoimento de AdolfoBarbosa Góis, os principais membros da Irmandade foram doRotary Clube, entre os quais se destaca Gabriel Martins.(OBERDIEK, 2008, p.110).

A campanha foi então retomada e a população continuou acontribuir com doações e a participar das festas promovidas pró-construção do hospital. As doações foram realizadas não só paraviabilizar sua construção, como mais tarde para manter seufuncionamento. A historiadora e pioneira, Amélia Tozetti Nogueira27,lembra com deferência de um grande colaborador, o Sr. JoséBonifácio e Silva, um cerealista bem sucedido na cidade, sócio daimportante firma Frederico Platzeck & Co Ltda – uma das maiores

26 Paraná Norte (19-05-1940, p.1 apud OBERDIEK, 2008, p.109).27 Amélia Tozetti Nogueira. Entrevista concedida a Bruna Mayara Komarchesqui, Juliana de OliveiraTeixeira, Natália de Fátima Rodrigues e Paulo César Boni, em sua residência, dia 13 de março de 2008.

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organizações comerciais da Sorocabana –, que participou de diversascampanhas e doou muito dinheiro para a construção da Santa Casa.Por fim, a historiadora destaca que as doações de particulares forammuito importantes para a realização desse projeto.

A Rádio Londrina também colaborou, doando a renda publicitáriade sua programação inaugural – Cr$ 18.070,00 (dezoito mil e setentacruzeiros) – para as obras do hospital. Inaugurada, oficialmente, nodia 15 de novembro de 1943, a rádio apresentava uma programaçãodiversificada, trazendo programas femininos, culturais e deentretenimento. O jornalismo também era explorado, com o programaCoisas da Cidade, que mostrava o cotidiano e denunciava os principaisproblemas da cidade.

O primeiro Estatuto da Irmandade da Santa Casa de Londrina,transcrito em ata da reunião da diretoria, ocorrida em 24 de março de1941, informava a respeito das verbas para a manutenção de seusserviços médicos: “As rendas constarão: a)- das contribuições dossócios; b)- das doações e legados; c)- dos frutos e rendimentos dosbens referidos no artigo antecedente; d)- das esmolas e pensões; e)-das subvenções; f)- das rendas do hospital.” (TOMAZI, 1985, p.44).Segundo a autora, “a Santa Casa era vista como uma instituição decaridade – no sentido cristão de responsabilidade pelo cuidado àpobreza” (TOMAZI, 1985, p.48), e correspondia, historicamente, aobras de caridade e ao perdão dos pecados.

Os atendimentos caritativos, que motivaram as preocupaçõesda população quanto à necessidade de ampliar os serviços médicosem Londrina, foram incorporados pelo novo hospital. Os médicosreservariam parte de seu tempo para prestar assistência médica gratuitaaos indigentes a quem, como afirma Tomazi (1985, p.43) “era destinadauma ala do hospital e, em contrapartida, os médicos adquiriam o direitode internar seus pacientes particulares, em outra ala, especialmenteequipada para esse fim”.

Essa relação dos médicos com a Santa Casa mostrou-se favorávela estes profissionais uma vez que

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[...] possibilitou aos médicos ampliar seus espaços, pois, aoconservarem seus consultórios particulares, é bem provável queos atendimentos na Santa Casa lhes proporcionariam conquistasde mais pacientes-clientes. Ademais, a Santa Casa, ao assumirtodos os atendimentos não remunerados, aliviaria os médicosdesse compromisso. Ao dedicarem-se, parte de seus tempos,atendendo indigentes na Santa Casa, os médicos conseguiriamser mais conhecidos, importante fator para a conquista de capitalsocial dentro do denominado campo médico, pois ampliaria aspossibilidades de serem livremente escolhidos por potenciaispacientes. (OBERDIEK, 2008, p.112).

Segundo Tomazi (1985), a construção da Santa Casa28 marca asegunda fase da prática médica em Londrina, que teve início nametade da década de 40 e foi até o início da década de 60. A primeirafase, que se caracterizou pelas dificuldades inerentes ao processo decolonização da região – momento em que os médicos se deslocavamaté os doentes para realizar os atendimentos – teve seu fim assinaladocom a criação de uma estrutura hospitalar, mesmo que precária, parao atendimento médico no centro urbano. Essa estrutura, mais o iníciodo calçamento de diversas ruas do centro, que, segundo Pellegrini(1991, p.32), “revoluciona a vida na cidade”, permitiu (ou facilitou)o deslocamento de pacientes em busca dos serviços médicosoferecidos em estabelecimentos fixos.

A cerimônia de inauguração da Santa Casa, realizada na sedesocial do Aeroclube, dia 7 de setembro de 1944, foi transmitida pelaZYD-4 – Rádio Londrina. A imprensa, que esteve presente no início,representada pelo jornal Paraná Norte, impulsionando sua construção,agora mostrava a concretização de um sonho construído com aparticipação e colaboração de diversos segmentos da sociedadelondrinense.

28 Ao final do trabalho, há um álbum com fotografias das diversas fases da construção da Santa Casa.

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O jornal Paraná Norte

O Paraná Norte surgiu em 9 de outubro de 1934 e até a criaçãoda Rádio Londrina, em 1943, foi o principal – e por algum tempo único– veículo de comunicação da cidade. Apesar do número limitado deleitores, o jornal narrava em suas páginas relatos da realidade dosprimeiros anos da cidade, que podem ser – e são constantemente –utilizados para contar, somar fragmentos ou mesmo dirimir dúvidassobre a história de Londrina e região.

O contexto em que se deu a criação do jornal revela os interessesempresariais e políticos que motivaram seu surgimento. Neste período,as condições que se apresentavam não eram favoráveis à constituiçãodeste tipo de veículo de comunicação na cidade. Como expõe Boni(2004), o número reduzido de leitores – considerando o fato de apopulação ser diminuta e grande parte dos habitantes serem analfabetosou estrangeiros – somado a incipiente atividade comercial e industrial– que costuma ser grande fonte de captação de recursos, por meio dosanúncios – apresentavam-se como empecilhos para a criação de umjornal em Londrina.

O surgimento do periódico revelava, portanto, os interesses daCompanhia de Terras Norte do Paraná em ampliar a venda de terras daregião, propagando nas páginas do jornal “o novo ‘Eldorado’ parapossíveis compradores em outros estados, especialmente São Paulo eMinas Gerais”. (BONI, 2004, p.233). Além dessa vantagem, a CTNPtambém se preocupava com os rumos políticos e econômicos queLondrina tomaria após sua emancipação – que já se anunciava e seefetivou em 10 de dezembro de 1934 –, temendo que um prefeitopudesse revogar seus privilégios e interferir em seus interessescomerciais.

Segundo Boni (2004, p.234), não apenas a colonizadora seinteressava na criação do jornal: “outras pessoas da cidade tambémsimpatizavam com a possibilidade de um jornal, pois o vislumbravamcomo um instrumento de lutas e reivindicações”. Mas a iniciativapara a elaboração do periódico foi tomada por funcionários da CTNP

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que, juntamente com Carlos de Almeida, se empenharam na viabilizaçãodo projeto.

O primeiro desafio de seus fundadores foi convencer o jornalistaHumberto Puiggari Coutinho, recém-chegado à cidade, a assumir aedição do jornal. Puiggari Coutinho havia chegado em março de 1934,depois de haver trabalhado em São Paulo, Mato Grosso e Rio de Janeiro.Com grande experiência no jornalismo, ele sabia das dificuldadesfinanceiras e técnicas – tanto na produção quanto no transporte ecirculação do jornal – que encontrariam para viabilizar o projeto doParaná Norte. Mesmo assim topou o desafio e se uniu a Carlos de Almeidana criação do periódico.

As dificuldades técnicas previstas por Puiggari Coutinhoapareceram já na primeira edição. Um problema mecânico na impressoraMinerva, na qual foi impresso, impossibilitou que o jornal entrasse emcirculação na data prevista e que constava em seu cabeçalho: 9 deoutubro de 1934. O jornal, de fato, ficou pronto e começou a circulartrês dias depois do anunciado, em 12 de outubro de 1934.

O jornal era impresso na Tipografia Oliveira, pelo tipógrafo JoãoIsolírio Correa de Oliveira. Sua paginação não obedecia a um projetográfico padrão, era “um misto da experiência profissional de PuiggariCoutinho, dos tipógrafos e acomodações de matérias pequenas, grandes,cercadas, notas, anúncios mensagens e ‘calhaus’29". (TRIGUEIROSFILHO; TRIGUEIROS NETO, 1991, p.24).

A vinculação do jornal à CTNP era nítida. Como afirma Boni(2004, p.235), “a Companhia de Terras tinha dois tipos de publicidadeno Paraná Norte: a explícita e a implícita”. A primeira se dava por meiode anúncios (Figura 1), que apresentavam as riquezas do ‘Eldorado’,destacando principalmente a fertilidade da terra e o fato de não haversaúvas30 na região.29 “Termo usado para designar preenchimento de espaços vazios numa página.” (TRIGUEIROSFILHO; TRIGUEIROS NETO, 1991, p.24).30 Segundo Boni (2004), destacar o fato de não haver saúvas nas terras do norte do Paraná tratava-sede uma grande estratégia publicitária, já que o problema era encarado como uma grande ameaça, àépoca, em todo o país. Neste tempo, inclusive, imperava um ditado: “Ou o Brasil acaba com a saúva,ou a saúva acaba com o Brasil.”

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Já a publicidade implícita era identificada na linha editorialassumida pelo jornal, que se vinculava diretamente aos interesses daCTNP. Deste modo, era comum a defesa das ações e estratégias dacolonizadora, como também omissões de fatos que pudessem macularsua imagem.

Esse posicionamento assumido pelo jornal pode ser observadoem diversas matérias veiculadas em suas páginas. A intenção deimpulsionar o projeto de colonização e os negócios da CTNP eradeterminante nas abordagens de assuntos que pudessem comprometertais objetivos. O trecho abaixo, extraído de uma de suas reportagens,mostra como foi noticiado um crime protagonizado por um dos médicoscontratados pela colonizadora, que era constantemente elogiado pelomesmo veículo:

Figura 1: Anúncio da CTNP no Paraná Norte: destaque para a fertilidadedo solo e a inexistência de formigas saúva

Fonte: Boni (2004, p.242)

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Quinta-feira última pela manhã a cidade esteve emocionada. Umnervosismo intenso dominava a população, entristecida comtrágico acontecimento que tão grave abalo causou em todo mundo.Corria uma notícia quase impossível. O Dr. Muller havia abatidoa tiros seu compatriota.Ninguém queria acreditar semelhante cousa. Entretanto, a realidadeamarga era aquela. De fato o Dr. Pedro Kurt Muller, médico,diretor do sanatório local, gravemente offendido em sua honrapor Julio Von Schütz, foi fazer a este uma interpelação. Malrecebido pelo interpellado e antes uma nova injuria, pesada egravíssima, o Dr. Muller, saindo de sua calma habitual, saca orevolver e detona três tiros contra Von Schütz que, gravementeferido veio a falecer cincoenta minutos depois. (PARANÁNORTE, 27-01-1935, p.10 apud OBERDIEK, 2008, p.69).

Esse trecho permite identificar as intenções do jornal emamenizar – ou ainda anular – a culpa do médico envolvido no crime,buscando justificar sua ação. Essa abordagem, segundo Oberdiek(2008), pode ser justificada pela cultura da época, em que médicosgozavam de grande prestígio social, portanto, não seriam crucificadosnas páginas do jornal, que tentou identificar na vítima as motivaçõespara o crime.

Mas a postura assumida pelo Paraná Norte também pode revelarsua subordinação aos interesses da CTNP por meio da publicidadeimplícita. O envolvimento de um médico, por ela contratado paratrabalhar em seu hospital, em um crime como este, poderiacomprometer tudo o que ela difundia, em anúncios e até mesmo emmatérias sobre seus médicos. Deste modo, o jornal adotou a estratégiade justificar a ação do médico, e, de forma implícita, defendê-lo diantedo acontecido.

Com a emancipação do município, o jornal passou a contartambém com verbas publicitárias da prefeitura, com a “publicação deeditais, avisos e publicidade da administração pública”. (BONI, 2004,p.235). Os recursos do poder público foram viabilizados por PuiggariCoutinho, que, na época, também exercia o cargo de secretáriomunicipal da Prefeitura de Londrina.

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Puiggari Coutinho manteve-se à frente do jornal por nove anos,quando este foi comprado pelo corretor de imóveis Dario Ferreira,que, em 1944, vendeu para os irmãos João Alves e Josino Rocha Loures,que passaram a utilizá-lo “com fins declaradamente políticos”. (BONI,2004, p.237). Em 1953, o Paraná Norte, que já apresentava umaperiodicidade irregular, deixou de circular. Puiggari Coutinho continuousua atividade no jornalismo. Em 1944, ele havia lançado a Gazeta deLondrina, o segundo jornal da cidade.

Apesar das relações políticas e econômicas que motivaram osurgimento do jornal e do alinhamento ideológico que determinou suasobrevivência financeira, o Paraná Norte se tornou importante fonte derecuperação histórica da cidade. Além de informações estatísticas,nomes, datas e locais que podem ser recuperados nas páginas doperiódico, também é possível analisar fatos históricos, e reconstruir osacontecimentos, considerando sempre as questões ideológicas que asubordinação política e econômica do jornal implicavam às mensagens.

Diante dessa possibilidade e das considerações quanto ao seucaráter ideológico, o papel desempenhado pelo Paraná Norte naconstrução de um dos principais empreendimentos em Londrina nasdécadas de 30 e 40, a Santa Casa de Misericórdia, é analisado nasequência. Para tanto, são aplicados os conceitos da comunicação para odesenvolvimento na constituição de suas mensagens, analisando ainfluência do contexto histórico e das relações de poder e interessesque envolviam a produção do jornal.

Comunicação e desenvolvimento naspáginas do Paraná Norte

A Santa Casa de Misericórdia foi inaugurada em 1944, e, muitoalém de representar um marco na história da saúde em Londrina – porser, ainda hoje, um dos principais hospitais da cidade –, sua construçãorevela a mobilização e participação de diversos segmentos da sociedade

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na concretização do projeto. Com isso, tornou-se um exemplo “dacapacidade da comunidade londrinense de resolver seus problemas deforma cooperativa”. (LOMBA, 1994).

A Santa Casa, como afirma o jornalista Luís Lomba31, “foiconstruída pelas mãos de toda sociedade londrinense”, que seempenhou na viabilização deste empreendimento de fundamentalimportância para a cidade – e cuja implantação, na época, era deextrema necessidade. Essa mobilização social, verificada no contextode sua construção, contou com a atuação do jornal Paraná Norte, que,dentro deste processo, assumiu o papel de incentivador das massas equestionador dos rumos do projeto.

A participação do Paraná Norte neste contexto constitui-se comoum claro exemplo da utilização da comunicação – ou ainda maisespecificamente, do jornalismo – em favor do desenvolvimento, criandocondições para que mudanças sejam implementadas. Essas condiçõessão viabilizadas, segundo Schramm (1973), promovendo-se asaspirações de segmentos da população, orientando o processo dinâmicoe socializando os indivíduos para a nova realidade que se implantará.

Para introduzir mudanças na sociedade e promover a mobilizaçãosocial – que demonstra não só a abertura da população em relação àsnovidades, mas também seu empenho em torná-las parte de suarealidade – as redes de comunicação que sustentam os projetos dedesenvolvimento devem, em primeiro lugar, como coloca Schramm(1973), criar o “clima” em que serão efetivadas as mudanças, ou seja,devem construir imaginários desejados de mudança de vida queestimulem a empatia dos indivíduos.

A construção e divulgação destes imaginários é uma dasdificuldades que se impõem à mobilização social, como afirma Rabelo(2002, p.99). “Na mobilização social o imaginário torna-se a referência,o objetivo, horizonte ou acordo que faz pessoas diferentescompartilharem os mesmos propósitos.” Deste modo cabe à

31 LOMBA, Luis. Santa Casa foi feita pela cidade. Revista Especial 60 Anos – Associação Médica,1994.

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comunicação analisar seus receptores, identificar suas necessidades etraduzi-las em textos, imagens e representações. Essa, portanto, é aprimeira função a ser executada pela imprensa na implantação deprojetos de desenvolvimento: criar o “clima” para que a mudança sejaaceita e desejada, levando a sociedade (ou os segmentos interessados)a se mobilizar para sua viabilização.

Na construção da Santa Casa de Misericórdia de Londrina, odesenvolvimento almejado – que significaria um grande incrementona precária estrutura médica da cidade – foi incitado pelo Paraná Norte,quem primeiro divulgou as intenções de membros da sociedade –liderados pelo diretor da Companhia de Terras Norte do Paraná, ArthurThomas – de construir um grande hospital. O jornal que deu início àcampanha pró-hospital deveria, então, explicitar para a população anecessidade e os benefícios que o projeto traria à Londrina, e encorajá-la a participar do esforço coletivo.

Diante da limitada estrutura de assistência médica, criar o “clima”para a implantação do projeto de um grande hospital não parecia seruma missão muito difícil. Porém, além da necessidade evidenciada pelacrescente demanda por serviços médicos, o jornal precisou atentar paraum importante detalhe: o tradicionalismo. Ainda eram muito comunsna época os tratamentos de doenças através da medicina caseira.Benzimentos, chás à base de ervas e outros procedimentosfitoterápicos, eram, segundo a historiadora e pioneira Amélia Tozzetti32,os primeiros recursos utilizados pelas pessoas no tratamento de doenças.

O tempo mostrou que a prática da medicina caseira não seconfigurou como uma resistência à implantação de hospitais. Elarevelava – e revela até hoje, em muitos lugares – a existência de umacultura ligada a valores tradicionais, mas que não excluía a premênciade introduzir ideais modernizantes, também ansiados pela população.Ou seja, ainda que o “seo Joaquim”, morador do campo, acostumadoa se curar de doenças à base de “chás”, não fosse contra a construção

32 Amélia Nogueira Tozzetti. Entrevista concedida a Bruna Mayara Komarchesqui, Juliana de OliveiraTeixeira, Natália de Fátima Rodrigues e Paulo César Boni, em sua residência, dia 13 de março de 2008.

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do hospital, precisaria ser convencido da extrema importância destetipo de estrutura e se mobilizar, participando ativamente no processopara sua implantação.

Além disso, em uma cidade em formação, em que não só aassistência médica, mas todas as demais estruturas fundamentais àorganização social davam seus primeiros passos, e onde cidadãos,vindos de todas as regiões do Brasil e diversos lugares do mundo,passavam seus dias trabalhando para estruturar suas vidas neste novoambiente, o desafio era tornar a construção do hospital prioridade,diante das demais questões urgentes que se apresentavam.

Esses eram, portanto, alguns dos problemas que o Paraná Norteenfrentou para efetivamente criar o clima de “aceitação” eparticipação por parte da sociedade. A resistência à inovaçãopraticamente não existia, mas o desafio era tornar o projeto “desejado”pela população e somar forças para sua viabilização. Como o jornaltrabalharia, então, para incutir nos cidadãos atitudes conducentes àmodernização?

Para alcançar esse objetivo, a comunicação lançou mão de umaestratégia baseada no estímulo de sentimentos de união entre aspessoas, buscando, deste modo, implantar a ideia de unidade,considerada por Schramm (1973) como fator fundamental para obtercoesão e participação social em torno do projeto.

A proximidade e união entre as pessoas já era efetivada pelaspróprias circunstâncias em que viviam. Nos primeiros anos, enfrentaros desafios e dificuldades que se impõem à difícil missão de construiruma cidade em meio a condições muitas vezes inóspitas, exigia dospioneiros o esforço coletivo e a cooperação diante dos problemasque se apresentavam. Independente de seus planos pessoais, e osobjetivos que os trouxeram à nova terra, era preciso somar forçaspara transpor os obstáculos. Essa união foi cultivada pelo ParanáNorte que buscou, em suas matérias sobre o projeto do Hospital deLondrina, despertar nas pessoas um sentimento que as aproximariaainda mais: a solidariedade.

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Como já existia na sociedade o sentimento de cooperação entreos indivíduos, o jornal tratou de intensificá-lo, retratando nasreportagens que denunciavam a necessidade de um grande hospital, asituação daqueles que não contavam com nenhum tipo de auxíliomédico. Os indigentes se tornaram foco do constante apelo por açõesdo poder público e da própria população para construir o hospital, quealém de ampliar a estrutura de saúde, poderia oferecer assistênciamédica àqueles que não podiam pagar.

Alguns trechos extraídos de reportagens do jornal evidenciamsua estratégia para obter a coesão e participação popular em torno doprojeto:

[...] Pois bem, para esses vencidos, enfermos, desvalidos não hámédicos nem remédio na cidade rumorosa, mesmo porque, ondenão há possibilidade de remédio, a presença do médico se tornainútil.A essa gente infeliz a sociedade deve auxílio. É muito triste, muitoconstrangedor a idéia de deixar alguém morrer de miséria,desamparada, caído por uma enfermidade, numa terra de tantafartura, tanta opulência. (PARANÁ NORTE, 07-06-1940, p.1 apudOBERDIEK, 2008, p.98).

Ao se referir aos indigentes como “vencidos”, o Paraná Nortetentava eximi-los de culpa pela situação em que se encontravam,colocando-os como vítimas dos infortúnios de sua empreitada em buscade uma nova terra. Nessas condições, o jornal despertava a solidariedadedo leitor e logo em seguida o convocava a lutar pela causa, definindocomo “triste” e “constrangedora” a postura indiferente à situação.

Em outro artigo, o jornal, cobrando ações da sociedade, revelavao valor modernizador e humano da obra:

[...] Pode-se mesmo dizer que a fundação desse hospital é oassunpto do dia em Londrina, pois que todos, mesmo os queparticularmente não têm o menor interesse na existência de umestabelecimento dessa natureza, sentem a necessidade social que omesmo representa, dado elevado número de doentes,

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desprotegidos da fortuna, que arrasta seus padecimentos emLondrina, como em todos os centros populosos.[...] E esperamos ser attendidos. Londrina sem um hospital,desmente tudo quanto se possa dizer do seu progresso, do seudesenvolvimento, de sua cultura, dos sentimentos dehumanidade de seus habitantes. (PARANÁ NORTE, 15-10-1939,p.1 apud OBERDIEK, 2008, p.108).

Neste trecho, o jornal tentava mostrar que, mesmo aqueles que“não têm o menor interesse na existência de um estabelecimento dessanatureza”, também se solidarizaram com a causa devido ao seu valorsocial. Essa constatação revela o perfil caritativo do hospital que vinhase delineando durante o processo, uma vez que este se configurariacomo um tipo de serviço que algumas pessoas não teriam necessidadede usufruir.

Para estimular o envolvimento de todas as classes sociais –independente de seu interesse nos serviços caritativos que se buscavacriar – o jornal não só caracterizava a situação dos indigentes emLondrina, mas também se utilizava de argumentos religiosos parareafirmar o valor humano da obra. Ao definir o objetivo como“superiormente christão”, anulava quaisquer abismos sociais –financeiro, político, cultural, étnico – que pudessem separar osindivíduos, e os unia em torno de um valor compartilhado por todos.

Também pode se observar, no último parágrafo, o valormodernizante que é atribuído ao empreendimento, na tentativa deestimular aspirações e desejos de mudança. Ao inserir o projeto dohospital na imagem que se tinha do progresso, o jornal criava, noimaginário do leitor, um ideal a ser alcançado para a cidade continuarno rumo do desenvolvimento.

Além do sentimento de solidariedade explorado pelo jornal emsuas matérias e da construção de imagens desejadas de mudança – quese pode inferir na análise das mensagens – outro fator fundamentalpara criar o “clima” favorável à implantação do projeto do hospital foia ocorrência de epidemias de doenças tropicais: a de febre amarela

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silvestre, em 1936, e a de tifo, em 1938. Isso levou a população amobilizar-se por soluções emergenciais.

A estrutura limitada dos pequenos hospitais que existiam emLondrina era insuficiente para fazer frente às demandas e a situaçãovoltou a se agravar quando, em 1941, eclodiu uma epidemia de maláriana região. Doentes eram dispensados diariamente devido à falta deleitos e recursos médicos. Diante deste fato, o jornal Paraná Norte voltoua cobrar ações do poder público e implorar da população atitudes desolidariedade e mudança.

Os rios que circundam e correm nesta zona, espalham a malárianas populações rurais. A gente pobre, a gente produtiva da gleba,morre sem recursos, desamparada numa miséria comovente. Ascrianças, os pequeninos entes indefesos, sucumbem de fomequando os seios maternos secam, se esterilizam pela ardênciaescaldante da febre.E nós, cuja função pública é essa de denunciar ao governo osmales que infelicitam o povo, vimos denunciar esse, afirmandoao benemérito sr. Presidente da República, ao sr. Interventorfederal, que nesta região há gente que morre de miséria, criançasque morrem de fome, todos flagelados pela malária.[...] O chamado hospitalzinho de Londrina, não tem maismedicamentos, nem dieta, nem cousa alguma. Dali sãodispensados diariamente inúmeros flagelados sem o menorsocorro, de mãos vazias. Só lhes acompanham a comiseração domédico e uma lágrima furtiva da enfermeira. (PARANÁ NORTE,02-03-1941, p.1 apud ALVES, 2002, p.402).

Diante disso, segmentos da sociedade passaram a organizarcampanhas com o objetivo de angariar fundos para o hospitalzinho.Mais uma vez, o jornal, expondo a condição dos indigentes afetadospela malária, conseguiu mobilizar a população para buscar soluções.Ainda que as soluções buscadas neste caso tenham sido assistenciais,o problema das epidemias foi definitivo na criação do “clima” paraviabilizar a construção de um grande hospital. Foi diante destes surtosque se evidenciou a limitação estrutural da assistência médica, o que

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transformou o “Hospital de Londrina” em algo desejado pela população,que, portanto, somaria esforços para sua concretização.

Com o estabelecimento das condições favoráveis aoempreendimento, o jornal deveria focar agora nas estratégiascomunicativas que determinariam a eficácia seu apoio ao projetodesenvolvimentista. Considerando que, de fato, o projeto da Santa Casade Misericórdia de Londrina se concretizou, serão analisados, nasequência, os aspectos – apontados por teóricos da comunicação para odesenvolvimento – que determinaram seu sucesso.

Comunicação planejada:o êxito do projeto

A eficácia dos projetos de intervenção depende do planejamentodas estratégias e ações por parte das redes comunicativas que ossustentam. Ainda que não exista uma fórmula geral para determinar aeficiência da comunicação para o desenvolvimento, experiências bem-sucedidas de intervenções permitiram a formulação de condições quecontribuem com o sucesso do projeto.

No processo comunicativo que mobilizou segmentos sociais paraa viabilização do projeto da Santa Casa, pode-se identificar algumascaracterísticas que, segundo teóricos, são determinantes para a eficáciadas intervenções. A atuação do Paraná Norte revelou, portanto, aaplicação de conceitos e princípios de uma teoria que ainda estava emgestação (existente na prática, mas ainda não classificada pelaacademia), demonstrando uma característica comum à prática dacomunicação para o desenvolvimento: o desconhecimento do termo.

Mesmo não conhecendo a teoria e as condições que estaapresentava para sua eficiente aplicação, o jornal construiu suaintervenção comunicativa de acordo com importantes aspectosapontados por teóricos como Waisbord, Schramm e Kunczik. A

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centralização do poder, as abordagens integradas, a articulação entrecomunicação de massa e interpessoal, a dinâmica planejada, sãoalgumas características defendidas pelos autores como fundamentaisna comunicação para o desenvolvimento, e estão presentes na atuaçãodo Paraná Norte durante o processo de viabilização da Santa Casa deMisericórdia de Londrina.

Desde a concepção da ideia de um grande hospital na cidade,até a realização das campanhas de arrecadação de fundos, eposteriormente, de recursos para manter o hospital, é possívelidentificar a atuação integrada entre comunidade e poder. As abordagensintegradas, que, segundo Waisbord (2005), são essenciais no projetopara evitar imposições e intervenções que não estejam de acordo comas necessidades da comunidade, foram decisivas para definir a urgênciado empreendimento que se pretendia construir e para viabilizar acampanha em favor de sua construção.

A formação de uma Comissão pró-Hospital, em 1936, reunindolideranças comunitárias sob a presidência do diretor da CTNP, ArthurThomas – quem primeiro propôs, nas páginas do Paraná Norte, aconstrução de um hospital na cidade – revelava a aproximação entreos interesses da comunidade e do poder – neste caso representadopela CTNP, que mesmo antes de conjugar-se ao poder público com aeleição de um de seus diretores a prefeito de Londrina, já se incumbiada administração da cidade – e a atuação conjunta para se definir asprioridades referentes às carências infraestruturais da cidade.

Hospital de CaridadeUm grupo de pessoas de relevante conceito social reuniu-se nasemana passada e, sob a presidência do Sr. Arthur Thomas,assentou a fundação de um hospital de caridade nesta cidade.Para tão humanitário quão oportuno desideratum, ficou resolvido,na citada reunião, se realizasse uma assembléia preliminar, a fimde eleger-se uma directoria provisória que tomasse a seu cargo oestudo sobre o assunpto, planos, organização do quadro social,etc. Uma vez que o quadro social esteja organizado, e pagas asrespectivas contribuições do primeiro mês e a conseqüente jóia de

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entrada, será imediatamente convocada uma assembléia geraldos sócios para eleição da directoria definitiva e confecção dosestatutos. (PARANÁ NORTE, 16-02-1936, p.1 apud ALVES,2002, p.393).

As festas e promoções realizadas durante a campanha contaramcom a participação massiva da população e o apoio decisivo da prefeiturae da CTNP, que além de ceder um barracão – o redondo, como eraconhecido – para a realização das festas, diminuiu em 50% o valor daspassagens de ônibus nos dias de festa, para incentivar a participaçãopopular nos eventos.

Durante toda a campanha, o Paraná Norte, além de noticiar osfestejos em favor do hospital, também reproduzia em suas edições alista de pessoas que contribuíam com doações em beneficio da obra.Uma edição quase inteira do jornal, a do dia 27 de setembro de 1936,foi dedicada à listagem dos contribuintes, desde aqueles que doaramgrandes quantias em dinheiro, aos que colaboravam com um frango ouuma dúzia de ovos.

Esse tipo de reconhecimento, estampado nas páginas do únicoveículo de comunicação da cidade, era importante para estimular aparticipação da sociedade na campanha pelo hospital. Ao ver seuesforço e sua colaboração – ainda que pequena – sendo reconhecidapelo jornal e anunciada para todas as pessoas, os cidadãos sentiriam aimportância de sua participação para a concretização do projeto.Também aqueles que não haviam colaborado por não terem muito queoferecer, perceberiam que um frango, um mamão, um bolo – comoconsta na lista reproduzida pelo jornal – eram suficientes eimprescindíveis para a realização das festas da campanha.

As abordagens integradas, verificadas no processo, também foramdecisivas diante das situações conflituosas que surgiram no projeto.Durante o impasse que paralisou as iniciativas, cerca de um ano apóso início da campanha pró-hospital, o Paraná Norte buscou envolver apopulação e o poder público na discussão sobre os rumos do projeto,incitando o debate que questionava a paralisação da campanha. Essa,

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segundo Kunczik (2002), é uma das funções do jornalismo dedesenvolvimento. Além de mediar situações conflitantes, definindo-se objetivos compatíveis para estimular a participação dos diferentessegmentos, deve promover discussões questionando a viabilidade econsequências dos programas de desenvolvimento.

Em reportagem veiculada em 20 de novembro de 1938, o jornalquestionava os motivos da paralisação da campanha, denunciando o“silêncio” a que se converteram todas as iniciativas pelo hospital. Aindagação do veículo despertou um debate referente ao impasse atingidopelo projeto, sobre o qual o diretor da CTNP se pronunciou nas páginasdo próprio jornal:

Sr. Redator. As suas referências sobre a Campanha pró-Hospitalde Londrina [...] são justas e merecem attenção. A Campanhainiciada com tantas esperanças de êxito em 1936, não alcançou,infelizmente, o resultado desejado – fracassou – e fracassou pormotivo que não será lícito especificar e discutir agora...Desde o ano passado nenhum novo esforço foi feito para alcançaro objetivo visando a construção do Hospital, salvo o acertadíssimoacto de nosso ilustre prefeito, decretando a taxa adicional sobre oimposto municipal destinado ao Hospital. [...] Uma vez que seache construído, servirá para mantê-lo. [...] É de esperar-se tambémque o governador do estado não negue sua cooperação e teremosbases sólidas para iniciar a construção. Mas isso somente seconseguirá conjugando esforços de pessoas de actividade e debom coração. A.H.M Thomas. (PARANÁ NORTE, 04-12-1938,p.1 apud OBERDIEK, 2008, p.105).

Em outra matéria, fica evidente que o jornal vinha incitandodiscussões com as reportagens veiculadas a respeito do Hospital deLondrina:

Vem causando, como é natural, extraordinário eco na opiniãopública os commentários feitos pelo ‘Paraná Norte’ a proposta danecessidade extrema, em que nos encontramos, de possuir umhospital.Pode-se mesmo dizer que a fundação desse hospital é o assunptodo dia em Londrina, pois que todos, mesmo os que

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particularmente não têm o menor interesse na existência de umhospital dessa natureza, sentem a necessidade social que o mesmorepresenta [...]. (PARANÁ NORTE, 15-10-1939, p.1 apudOBERDIEK, 2008, p.108).

Além de atestar a existência do debate popular sobre o projeto,este trecho revela outra característica, considerada por Waisbord (2005)como fundamental para a eficaz aplicação da comunicação para odesenvolvimento: o envolvimento da população no projeto, quecaracteriza a articulação entre comunicação de massa e interpessoaldurante o processo. Essa estratégia, segundo o autor, é definitiva paraa tomada de decisões. Os meios de comunicação, devido ao seu amploalcance, são capazes de disseminar informações e gerar consciênciasobre os problemas, mas é somente com a intervenção de redes sociais,viabilizando a troca de opiniões entre membros da comunidade, queas decisões são tomadas.

Além disso, no contexto da construção da Santa Casa deMisericórdia de Londrina, a comunicação interpessoal tinha ainda umoutro valor. O veículo de comunicação de massa que direcionava apoioao projeto, o jornal Paraná Norte – até 1943, o único da cidade –, nãotinha grande circulação na cidade, já que a maior parte de seusexemplares circulava em outros estados. Isso porque sua criação esteveligada aos interesses comerciais da CTNP – que buscava através deleanunciar as terras do ‘Eldorado’ para compradores de outras regiões –e, portanto, desconsiderava o grande número de analfabetos eestrangeiros na cidade.

Essas pessoas, que por algum motivo não tinham contato com ojornal – até mesmo pela falta do hábito de leitura – eram, então, inseridasno processo de mobilização social por meio de debates públicos –instigados e alimentados pelo próprio jornal – que se promoviamocasionalmente na comunidade, em conversas de portão, em bares enas próprias festas realizadas durante a campanha.

A intervenção das redes sociais foi facilitada pela proximidadeentre os cidadãos, e o sentimento de comunidade compartilhado pelos

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indivíduos. Prova disso foi a participação massiva da população nasfestas e promoções da campanha pró-hospital, e sua mobilizaçãodurante sua construção, visando os benefícios que a instituição trariaa toda a comunidade.

Nessas redes de comunicação interpessoal alguns personagensdesempenharam papel importante. Médicos que apoiaram o projeto, egozavam de grande prestígio social, tanto pela função que exerciamcomo pelo caráter caritativo de grande parte de seus atendimentos,juntamente com alguns membros da comunidade, respeitados por suasfunções e realizações, eram capazes de influenciar a comunidade eincitar sua participação no projeto. O cerealista José Bonifácio e Silvafoi um importante personagem neste processo. Cidadão honorário deLondrina, trabalhou ativamente na construção da Associação Comercialde Londrina e colaborou com a fundação dos colégios Londrinense eCoração de Jesus – além de outras importante obras na cidade. Foi pormuito tempo o principal colaborador do Hospitalzinho de Indigentes edispensou grande apoio à construção do Hospital de Londrina (SantaCasa), participando da comissão que definiu seu perfil caritativo. Porsuas realizações na cidade, seu envolvimento nas ações pró-hospitalconferia credibilidade ao projeto, e sua simples solicitação danecessidade do comprometimento de toda a comunidade, seriaconsiderada por aqueles que o admiravam.

Esses personagens, no processo de mobilização social, sãoclassificados, segundo Toro (1997, p.41 apud RABELO, 2002, p.97),como re-editores sociais, termo utilizado para designar “pessoa que,por seu papel social, ocupação ou trabalho tem a capacidade dereadequar as mensagens segundo circunstâncias e propósitos, comcredibilidade e legitimidade”. Não se trata de uma mera reproduçãodos conteúdos veiculados. O re-editor é capaz de modificar formas depensar, atuando “em campos de influência localizados, como o seutrabalho ou vizinhança”. (RABELO, 2002, p.98).

A atuação desses re-editores também revela outro aspecto,apresentado por Schramm (1973), determinante no sucesso das

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intervenções comunicativas: a distribuição das mensagens. Segundo oautor, a comunicação dirigida para a mudança deve “atingir a pessoaou pessoas capazes de decidir a mudança”. (SCHRAMM, 1973,p.36).

No planejamento da comunicação para o desenvolvimento,fatores pessoais e contextuais devem ser analisados não só para sepropor um projeto de intervenção que atenda às necessidades dapopulação, como também para a construção das mensagens queincentivem a participação coletiva no processo. Segundo Kunczik(2002), o jornalismo de desenvolvimento deve apresentar, em suasreportagens, a conexão entre os acontecimentos, contextualizandoos fatos e apresentando suas possíveis consequências.

Na construção da Santa Casa de Misericórdia de Londrina, oprojeto foi definido considerando o contexto – a estrutura limitadade assistência médica e as constantes epidemias – que justificava anecessidade urgente de construir um hospital na cidade. Tambémas mensagens veiculadas pelo Paraná Norte foram construídaslevando em conta fatores contextuais. Nas notícias sobre a situaçãoda população durante os surtos epidêmicos, o jornal embutia nosimples relato do fato a crítica à precariedade da estrutura médica,clamando por ações do poder público e da própria população.

Mas como o jornal, em suas mensagens sobre o hospital,incentivaria a participação popular para, de fato, concretizar oprojeto? O conteúdo das mensagens, segundo Schramm (1973), deveser planejado em termos sociais e psicológicos, para promover umamudança desejada no comportamento. Para Niehoff e Anderson(apud SCHRAMM, 1973, p.34), “quando existem necessidadesentida e forte beneficio de ordem prática, juntamente com acooperação voluntária dos receptores”, as condições que inibem amudança podem ser superadas. Neste sentido, é preciso destacarque o Paraná Norte construiu mensagens que suscitaram uma“necessidade sentida”, evidenciaram uma “forte vantagem prática”e estimularam a “cooperação voluntária”.

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No trecho da reportagem veiculada em 2 de março de 1941 –reproduzido anteriormente – foram identificados as principais questõesexploradas pelo jornal para evidenciar a necessidade da construção deum hospital na cidade: a existência de doenças tropicais, a grandequantidade de indigentes e a limitada estrutura médica. Diante desituações que justificavam a necessidade da construção de um grandehospital, o Paraná Norte, em outras reportagens, buscou expor osbenefícios que o empreendimento traria à população. Desde 1936, aliás,ele vinha batendo nessa tecla:

[...] Londrina estará deslumbrante para a sua grande festa decaridade collectiva, para seu Hospital, num bello gesto dehumanidade, no socorrer e amparar os que soffrem, gesto essevaliosamente secundado pelos que residem em outros municípiose outros Estados, trazidos pela bondade de coração a participardessa grande lição de beneficência, onde, sob um sorriso,estylizando a alegria, abrem as mãos para que delas possa cahirdiscretamente o obulo da caridade, ou muitas vezes, para darparecendo que recebe.[...] Essa gente piedosa, compra, cobrindo-se com a capa da usurae fingindo fazer um grande negócio, por duzentos uma modestaprenda que vale um! [...] Assim é o coração magnânimo da genteque vem de fora, cooperar comnosco no monumento de caridadeque desejamos levantar, não somente em beneficio de Londrina,mas também para amparar os que residem em municípios‘circumjacentes’ e que necessitam dum leito nas horas desoffrimento, de uma intervenção cirúrgica rápida e segura... Paratodos, as portas do Hospital de Londrina, estarão abertas de parem par, acolhedoras e convidativas. (PARANÁ NORTE, 04-09-1936, p.1 apud OBERDIEK, 2008, p.189).

A “vantagem prática”, apresentada pelo jornal, referia-se não sóà ampliação de atendimentos para quem vivia em Londrina, comoàqueles residentes em cidades vizinhas, que também sofriam com alimitação dos serviços de saúde. O aprimoramento e melhoria daassistência médica – privada de modernos recursos tecnológicos –também foram apresentados na reportagem, enfatizando-se aspectos

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como “rapidez” e “segurança” nas intervenções cirúrgicas, que seriamviabilizados com a construção de um grande e moderno hospital. Essesargumentos são explorados em uma abordagem persuasiva, que seutiliza de expressões como “horas de sofrimento”, “hospital de portasabertas”, para sensibilizar o leitor dos benefícios que o hospital trariapara a vida de todos, sem distinções.

Apresentadas a “necessidade sentida” e a “vantagem de ordemprática”, o jornal precisava, então, suscitar a participação popular paraa concretização do projeto. Eram constantes seus apelos para envolvera população na mobilização social pelo Hospital de Londrina. Emreportagem veiculada em 15 de outubro de 1939, o jornal revelava jáno título – Todas nossas classes sociaes empenhadas na fundação do hospital deLondrina – o envolvimento de toda a população no projeto, respondendoaos seus apelos.

Verifica-se, no primeiro parágrafo do trecho reproduzido, umconvite aos moradores de Londrina e região para participarem dosfestejos em favor do hospital. A participação, além de ser justificadapelos benefícios apresentados ao final da matéria, também foi incitadapelo valor humano e caridoso atribuído ao ato. A participação eradefinida pelo jornal como um “gesto de caridade” que revelava a“humanidade” e a “bondade de coração” daqueles que se mobilizavam.A atuação dos escoteiros, decisiva no processo de construção dohospital, segundo Oberdiek (2008, p.110), foi uma “resposta aosconstantes apelos do jornal Paraná Norte”.

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Características do jornalismo dedesenvolvimento praticado

pelo Paraná Norte

A aplicação da comunicação para o desenvolvimento exige, daimprensa, um equilíbrio entre seu papel motivador – que direcionaapoio aos projetos do governo – e sua função crítica, que deve analisarobjetivamente os programas de desenvolvimento. Esse dilema, segundoSchramm (1973), é inerente à atuação da imprensa em países emdesenvolvimento, onde a luta constante contra os problemas sociais eestruturais justifica a participação do jornalismo no esforço nacionalem busca de mudanças, mas não deve anular sua função primeira efundamental: a crítica objetiva.

Esse equilíbrio entre o papel normal – o de crítica livre e objetiva –e seu papel dinâmico – o de incentivar a mudança – é o que distingue,também, os dois principais tipos de jornalismo de desenvolvimento: oinvestigativo e o autoritário-benevolente. O jornalismo de desenvolvimentoautoritário-benevolente se exime do papel crítico da imprensa, atuandounicamente como porta-voz dos ideais e programas do governo. Já otipo investigativo foca-se no questionamento e análise crítica dos projetosde mudança, examinando a aplicabilidade e consequências dos mesmos.

Segundo Kunczik (2002), a prática do jornalismo dedesenvolvimento investigativo exige, como condição fundamental àsua viabilidade, a liberdade de imprensa. Assim, é possível concluirque as relações mantidas entre imprensa e poder, não raro, são decisivaspara se definir o tipo de jornalismo praticado, uma vez que oatrelamento a interesses específicos pode comprometer seu papel crítico.

A atuação do Paraná Norte na construção da Santa Casa deMisericórdia de Londrina, por sua vez, revela aspectos de subordinaçãoao poder uma vez que o jornal era vinculado à Companhia de TerrasNorte do Paraná, posto que foi criado em razão de seus interessescomerciais e sobreviveu de suas verbas publicitárias. Teria esse

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atrelamento comprometido a atuação crítica do jornal no processo demobilização social para a construção do hospital? Ao analisar suasreportagens, fica claro que nenhuma crítica foi expressamentedirecionada à colonizadora, afinal ele não arriscaria perder sua maiorfonte de verbas. Ainda assim, durante o período de paralisação dacampanha, o jornal não se calou e continuou a exigir ações para acontinuidade do projeto, mesmo sabendo que o impasse envolviainteresses da própria CTNP.

A crítica ao impasse – que envolvia diferentes interesses daclasse médica e da CTNP sobre o controle do hospital – era velada,com comentários que não explicitavam a disputa travada por estesdois grupos. Oberdiek (2008) afirma que o jornal tinha, de fato,conhecimento dos motivos que impediam a construção do hospital,mas não os revelava em suas matérias, como fica claro no trecho aseguir: “Nossa campanha pelo estabelecimento de um hospital emLondrina... não esmorecerá... no que pese às opiniões contrárias, vindada dureza dos corações de muita gente sem fé, sem caridade.”(PARANÁ NORTE, 24-09-1939, p.1 apud OBERDIEK, 2008,p.107).

Essa supressão de informações que poderiam comprometer osinteresses da colonizadora qualificaria, portanto, o jornalismo dedesenvolvimento praticado pelo Paraná Norte como autoritário-benevolente. Mas, com uma análise mais apurada de sua atuação, épossível encontrar críticas à ausência de ações do poder público nacidade, que, apesar de não ter sido o idealizador do projeto do hospital,deveria, na visão do jornal, “socorrer” as questões emergenciais dasaúde em Londrina.

A inexistência de ações, segundo o poder público, era resultadode um contrato firmado entre CTNP e governo do estado, quedeterminava as obrigações da colonizadora com o provimento deserviços nas terras por ela adquiridas no norte do Paraná. O contratodeixava claro apenas que o governo estadual se eximia deresponsabilidades. Porém, como ele foi celebrado antes da emancipação

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de Londrina, em nenhum momento o papel da administração públicamunicipal ficou delineado e definido.

[...] o contrato celebrado entre a CTNP e o governo do Estado doParaná estabeleceu como obrigação da empresa a responsabilidadee, ao mesmo tempo, o monopólio sobre os serviços públicos,tais como: iluminação, comunicações, transportes, fornecimentode água e assistência médica aos funcionários da companhia e aosadquirentes dos lotes de terras comercializados pela empresa,liberando, portanto, o governo do estado destas obrigações.(ARIAS NETO, 1993 apud MENDONÇA, 2004, p.62).

As críticas e apelos do Paraná Norte ao poder público – tantomunicipal como estadual – para assistir adequadamente os doentes donorte do Paraná, podem ser interpretadas, portanto, como uma críticaa esse contrato, que delegou grande parte de suas obrigações, com apopulação, à iniciativa privada. De acordo com Mendonça (2004, p.63),“esperava-se que o governo tivesse maior iniciativa e atuasse maisintensamente em áreas de interesse público, no caso, os serviçosmédicos e de saneamento”.

A atuação do jornal, neste aspecto, revela características dojornalismo de desenvolvimento investigativo, que se fundamenta noquestionamento dos projetos de mudança. Essa posição crítica podeser identificada quando ele publicava suas indagações sobre os rumos– até então incertos – do projeto.

Chega a não se comprehender a razão pela qual todas as iniciativasem marcha para se dotar a cidade com um Hospital digno dessenome, estancaram e se envolveram num silêncio que traduz umaderrota em frente da inércia para que esta se aposse do campo játão brilhantemente conquistado. (PARANÁ NORTE, 20-11-1938,p.31 apud OBERDIEK, 2008, p.104).

Além disso, o jornal publicava, constantemente, apelos por açõesque dessem continuidade ao projeto, revelando seu comprometimentocom a viabilização do hospital, cuja importância e necessidade havia

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sido tão defendida pelo veículo enquanto se buscava mobilizar apopulação para participar ativamente das campanhas em benefício desua construção.

Mesmo não tendo direcionado, declaradamente, suas críticas àfalta de ações por parte da CTNP – quem primeiro propôs a construçãodo hospital, através de seu diretor, Arthur Thomas – os apelos ao poderpúblico dotaram o jornal de uma posição crítica, típica do jornalismode desenvolvimento investigativo. Ainda que a colonizadora tivesse aobrigação contratual de prover os serviços básicos à população, o estadonão poderia abandonar seus deveres para com os cidadãos. Sua funçãoseria a de, ao menos, exigir o cumprimento das obrigações assumidaspela colonizadora de garantir condições básicas de vida para apopulação.

Deste modo, a vinculação à CTNP não foi decisiva, como sepoderia presumir, para definir o papel assumido pelo jornalismo dedesenvolvimento. No caso do Paraná Norte, mesmo atrelado a interessesespecíficos, o jornal manteve uma posição crítica e mobilizadora, quepermitiu a viabilização do projeto pelas autoridades constituídas, porinstituições filantrópicas e representativas de classe, pela colaboraçãode empresários e profissionais liberais, e pela participação dos cidadãosnas campanhas pró-hospital.

Constatações e considerações finaisda pesquisa

A ampliação dos serviços médicos em Londrina – com aconstrução da Santa Casa de Misericórdia – revelou a preocupação dasociedade não só com a limitação da estrutura de atendimento médico,mas com a situação dos indigentes na região, e demonstrou a capacidadeda população de se organizar e cooperar para a viabilização de umgrande empreendimento.

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Neste contexto, a imprensa também assumiu um importantepapel, sendo a grande responsável pela mobilização social queconcretizou o projeto do hospital. Articulando-se o potencial de alcancedas mensagens do jornal Paraná Norte com a capacidade influenciadora,não só do veículo como de membros respeitados da sociedade, acomunicação – de massa e interpessoal – colocou-se a favor dodesenvolvimento.

A postura adotada pelo jornal revela a prática da comunicação – emais especificamente do jornalismo – para o desenvolvimento. Essas teoriasapresentam a mídia voltada ao apoio a projetos de mudança que visemao desenvolvimento do país. Sua prática eficaz implica a aplicação deprocedimentos sugeridos por diferentes autores – definidos por meioda análise de experiências bem-sucedidas da comunicação para odesenvolvimento – e do equilíbrio entre o papel crítico da imprensa esua função mobilizadora e incentivadora de massas. Deste modo, antesde incentivar a participação da população em torno de um projeto, aimprensa deve analisá-lo criticamente, avaliar sua viabilidade e possíveisconsequências para a cidade, o estado ou mesmo o país, e apontarcaminhos possíveis de ser trilhados para seus leitores.

O jornalismo de desenvolvimento praticado pelo Paraná Norteapresentou algumas condições defendidas pelos autores como eficazesno apoio aos projetos de mudança. A centralização do poder – que consistiuna delegação de autoridade a membros da sociedade – a articulação entrecomunicação de massa e interpessoal – que revelou a capacidade do jornalde incitar o debate público – a dinâmica planejada – referente à construçãode mensagens que suscitassem o envolvimento social no projeto – foramalgumas estratégias adotadas pelo jornal para efetivar seu potencialmobilizador.

Outra importante característica da comunicação para o desenvolvimento– que, segundo Schramm (1973), é responsável por atribuir àcomunicação sua capacidade de promover mudanças – refere-se àcriação do “clima” em que as inovações serão implementadas. Os meiosde comunicação agem no sentido de construir no imaginário da

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população uma mudança “desejada”, pela qual vale a pena lutar eparticipar de sua concretização.

Esse foi o primeiro desafio enfrentado pelo Paraná Norte: criaro clima de aceitação e participação no projeto. Aparentemente, atarefa não seria muito difícil, considerando a precariedade estruturalda assistência médica e as constantes epidemias de doenças tropicaisque evidenciavam a limitação destes serviços. Mas ainda existia umacultura tradicional entre os habitantes, que, quando se tratava dedoenças, procuravam em primeiro lugar, tratamentos a base de chás,benzedeiras e outros procedimentos fitoterápicos. Ainda que essaspessoas não se opusessem à construção do hospital, elas teriam queser convencidas da necessidade de construir um grande hospital nacidade, e somar esforços para sua viabilização.

Para transformar o projeto em prioridade – não só para essaspessoas, mas a todos que se ocupavam de estruturar suas vidas nessanova cidade – o jornal explorou, em suas matérias, a situação dosindigentes, e procurou, com isso, despertar a solidariedade dapopulação e conscientizá-la da extrema necessidade de se construirum hospital para atendê-los.

A reivindicação por ações do poder público e da sociedadepara a construção do hospital era constante no jornal. Em suaspáginas, ele demonstrava seu descontentamento em relação àinexistência de ações públicas para a melhoria dos serviços médicos.Por meio da constatação da situação de “abandono” da cidade peloestado, o Paraná Norte evidenciava a prática do jornalismo dedesenvolvimento investigativo, que exerce, acima de tudo, sua função decrítica livre e objetiva. Ainda que os serviços de saúde devessem sergarantidos pela Companhia de Terras Norte do Paraná – obrigaçãoestabelecida em um contrato com o governo do estado – econsiderando a inexistência de uma crítica direta do jornal àcolonizadora – responsável por grande parte da verba publicitária dojornal – pode-se constatar o posicionamento crítico do Paraná Norteà própria existência deste contrato ou ao fato dele não ter sido

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retificado mesmo diante do não cumprimento das obrigações por parteda colonizadora.

A experiência do Paraná Norte revela a eficaz aplicação de umconceito, que apesar de ter surgido e haver sido sistematizadoposteriormente, já se efetivava – com resultados concretos – na práticapioneira da imprensa londrinense. A Santa Casa de Misericórdia deLondrina, construída pela participação de diversos segmentos dasociedade, teve sua importância e benefícios – que se evidenciam aindanos dias de hoje – difundidos regularmente nas páginas do jornal, queincitou a participação de todos no projeto.

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Uma missa campal, celebrada pelo padre palotino Carlos Probst, no local onde hojeestá edificada, marcou o lançamento da campanha para a construção da Santa Casa.A missa foi acompanhada por diversos segmentos da sociedade londrinense, inclusiveos Escoteiros.Fotografia: Autor desconhecido (provavelmente José Juliani)Fonte: Acervo da Irmandade da Santa Casa de Londrina (ISCAL)

Pré-construção 1

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Pré-construção 2

Para arrecadar fundos para a construção do hospital foram realizadas inúmeraspromoções (quermesses, leilões, bailes). Nos dias de promoção, como forma deincentivar a participação dos residentes na zona rural, a empresa de ônibus cobravaapenas metade do valor da passagem.Fotografia: José Juliani (data: 09/11/1935)Fonte: Acervo da Irmandade da Santa Casa de Londrina (ISCAL)

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Construção 1

Pausa para a posteridade. Durante a construção, os trabalhadores foram convocadospara uma fotografia histórica. A maior parte posou sobre a marquise da entradaprincipal; alguns trabalhadores estão um pouco acima e outros sob a marquise, naescada.Fotografia: Autor desconhecido (provavelmente José Juliani)Fonte: Acervo da Irmandade da Santa Casa de Londrina (ISCAL)

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Construção 2

Prédio da Santa Casa recém-concluído, ainda com parte dos entulhos na entrada.As ruas que cercam o prédio ainda não eram pavimentadas. A inauguração deu-seem 7 de setembro de 1944. No primeiro andar, à direita da marquise, é possívelobservar quatro janelas.Fotografia: Autor desconhecido (provavelmente José Juliani)Fonte: Acervo da Irmandade da Santa Casa de Londrina (ISCAL)

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Construção 3

Em 1946, apenas dois anos depois de inaugurado, o prédio foi ampliado. Nessaampliação foram construídas duas unidades de internação: no térreo, a ala masculinae no andar superior a ala feminina. No primeiro andar, à direita da marquise, agoraé possível observar seis janelas.Fotografia: Autor desconhecido (provavelmente José Juliani)Fonte: Acervo da Irmandade da Santa Casa de Londrina (ISCAL)

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Construção 4

Prédio da Santa Casa, visto da esquina das ruas Espírito Santo e Senador SouzaNaves. Esta é a primeira fotografia do hospital em que se vê o calçamento das ruascom paralelepípedo. Pela beleza arquitetônica do prédio, esta fotografia foitransformada em cartão postal de Londrina.Fotografia: Autor desconhecidoFonte: Acervo da Irmandade da Santa Casa de Londrina (ISCAL)

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Administração 1

O provedor José Bonifácio e Silva (ao centro) e os integrantes da mesa administrativano dia da inauguração (7 de setembro de 1944). À esquerda de Bonifácio e Silvaestão Celso Garcia Cid, Lícinio Maragliasso e Aristides de Souza Mello; à direitaClaudino Francisco dos Santos, Humberto Puiggari Coutinho e Orestes MedeirosPullin.Fotografia: Carlos Stenders (Foto Estrela)Fonte: Acervo da Irmandade da Santa Casa de Londrina (ISCAL)

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Administração 2

Grupo diretor da Santa Casa, logo após a inauguração, em 1944. Na primeira fila,sentados, da esquerda para a direita: Celso Garcia Cid, Anísio Figueiredo, EdmundoMercer, Ruy Cunha, Claudino Francisco dos Santos, Humberto Puigari Coutinho,Orestes Medeiros Pullin, José Bonifácio e Silva, Munhoz de Mello, Aristides deSouza Mello, Licínio Maragliasso e Mr. Arthur Hugh Miller Thomas.Fotografia: Autor desconhecido (provavelmente José Juliani)Fonte: Acervo da Irmandade da Santa Casa de Londrina (ISCAL)

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Atendimento e serviços 1

Irmãs Maria Trutperta (à esquerda, que atuava na enfermagem), Maria Lúcia (nomeio, que trabalhava na admininistração) e Maria Osvalda (à direita, que atuava naenfermagem) – em frente ao hospitalzinho de madeira da CNTP – Companhia deTerras Norte do Paraná. As irmãs chegaram em 22 de janeiro de 1936 e começarama prestar serviços de saúde e educação.Fotografia: Autor desconhecidoFonte: Acervo da Irmandade da Santa Casa de Londrina (ISCAL)

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Atendimento e serviços 2

Irmãs prestando atendimento de enfermagem no hospitalzinho da CTNP, antes daconstrução da Santa Casa. Irmã Burga (à esquerda, mais próxima do rosto dapaciente) é considerada a primeira anestesista de Londrina. Ela exerceu essaatividade até a década de 50.Fotografia: Autor desconhecidoFonte: Acervo da Irmandade da Santa Casa de Londrina (ISCAL)

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Atendimento e serviços 3

Atendimentos médico e de enfermagem na Sala de Emergência da Santa Casa, queficava no andar térreo. Aqui já é possível perceber melhorias estruturais noatendimento à saúde, como salas em alvenaria e azulejadas. A Irmã Maria Gothardaé quem aparece auxiliando no atendimento. A fotografia é de outubro de 1949.Fotografia: Autor desconhecido (provavelmente Carlos Stenders, do Foto Estrela)Fonte: Acervo da Irmandade da Santa Casa de Londrina (ISCAL)

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Atendimento e serviços 4

Atendimento médico na Sala Cirúrgica, que era anexa ao Centro Cirúrgico. Estasala era utilizada para pequenos procedimentos cirúrgicos. A Irmã Burga era a chefedo Centro Cirúrgico. Aqui ela aparece junto à cabeça do paciente, anestesiando-o.As irmãs Maria Serviam e Maria Miriana auxiliam no procedimento médico. Afotografia é de outubro de 1949.Fotografia: Autor desconhecido (provavelmente Carlos Stenders, do Foto Estrela)Fonte: Acervo da Irmandade da Santa Casa de Londrina (ISCAL)

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Atendimento e serviços 5

A Santa Casa precisou estruturar o serviço de lavanderia, pois todos os lençóis,toalhas, roupas de internação e procedimentos cirúrgicos eram lavados, passados aferro e esterilizados no próprio prédio do hospital. Esta fotografia é de outubro de1949.Fotografia: Autor desconhecido (provavelmente Carlos Stenders, do Foto Estrela)Fonte: Acervo da Irmandade da Santa Casa de Londrina (ISCAL)

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Atendimento e serviços 6

Outro serviço que precisou ser estruturado foi o de cozinha, que funciona até osdias atuais no mesmo local em que foi montada. Ao fundo, com um cesto nas mãos,a Irmã Maria Trutperta. Um pouco à sua frente (próxima à porta), a Irmã MariaMargrith e, abrindo massa sobre a mesa, a Irmã Maria Assunção. Esta fotografia éoutubro de 1949.Fotografia: Autor desconhecido (provavelmente Carlos Stenders, do Foto Estrela)Fonte: Acervo da Irmandade da Santa Casa de Londrina (ISCAL)

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Atendimento e serviços 7

Cirurgia na sala principal do primeiro Centro Cirúrgico da Santa Casa. Em ação aIrmã Burga, anestesista, e os médicos Anísio Figueiredo (cirurgião, de costas, àesquerda) e seu irmão João Figueiredo (auxiliar). Atualmente, nesse espaço funcionauma das Unidades de Terapia Intensiva (UTI) do hospital. A estrutura arredondadapode ser vista do pátio interno, pela rua Alagoas. Esta fotografia é de outubro de1949.Fotografia: Carlos Stenders, do Foto EstrelaFonte: Acervo da Irmandade da Santa Casa de Londrina (ISCAL)

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Farol: símbolo da luta pela vida

A história de uma pequena torre de vidro no alto do prédio da Santa Casa traduzcom fidelidade as dificuldades estruturais enfrentadas pelos profissionais da saúdenos primórdios de Londrina. Na falta de outros meios de comunicação, como otelefone, a luz da torre era acesa para chamar os médicos em casos de emergências.O sinal também era usado para avisar a companhia de energia elétrica sobre cirurgiasem andamento, para que ela não interrompesse o fornecimento. O método semprefuncionou bem, pois o hospital fica no alto de um espigão e, nas décadas de 40 e 50,não havia prédios altos na cidade.A torre, protagonista de uma história de lutas pela vida, ainda pode ser vista no altodo hospital, chamando atenção pela arquitetura preservada e avivando a memóriados que viveram os distantes tempos da comunicação pela luz. A estrutura,lembrando um farol, tornou-se a logomarca da Santa Casa de Londrina. Um símbolo,que, no passado, emanou luz para o desenvolvimento da saúde na cidade – hojereferência no Estado.Fotografia: Edmara Célia Michetti (Assessora de Imprensa da ISCAL)Fonte: Acervo pessoal de Edmara Célia Michetti

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Sete de setembro de 1947. No estádio Capitão Aquiles Pimpão,em Londrina, Operário e Palmeiras aguardavam o árbitro VicenteGengo dar início à partida. Fora do campo, Ambrósio Neto se preparavapara narrar lance por lance o jogo que terminaria com uma goleada dospaulistas sobre o time da casa. Exatos vinte e cinco anos depois daprimeira demonstração do rádio no Brasil – que aconteceu durante ascomemorações do Centenário da Independência – o ainda jovem rádiolondrinense irradiava sua primeira partida de futebol.

Em 2009, Londrina comemorou os 80 anos do início de suacolonização. Exatamente em 21 de agosto de 1929, chegavam osdesbravadores da Companhia de Terras Norte do Paraná (CTNP) –empresa de capital majoritariamente inglês –, para abrir clareiras,demarcar terrenos e atrair pessoas de diversas partes do mundo para aregião. De lá para cá, Londrina cresceu de maneira acelerada. Oprogresso, trazido principalmente pelo “ouro verde”, em pouco tempoa transformou na grande e famosa “capital mundial do café”. Já em1943, ano em que foi presenteado com sua primeira emissora de rádio,o município contava com mais de 75 mil habitantes.

Esta pesquisa recupera a história do rádio esportivo em Londrinadesde sua primeira transmissão esportiva, em 1947, até a implantaçãoda primeira emissora de televisão na cidade, em 1963. Com a chegadada televisão, ocorreu o fim da “era de ouro” do rádio, uma vez que onovo veículo atraiu para si boa parte dos profissionais do rádio, asverbas publicitárias e o encanto das audiências. O objetivo não é analisaras mudanças que este novo veículo trouxe às transmissões esportivas

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do rádio, o que demandaria uma investigação do período posterior a1963. A data limite foi estabelecida apenas por se entender que suachegada impôs ao rádio a necessidade de adequação e que, portanto,uma nova fase se iniciou.

O trabalho se justifica pela escassez de pesquisas e publicaçõessobre a história do rádio esportivo em Londrina, pela fragmentação deestudos pontuais (e não contextualizados) e, mais ainda, pela nãodisponibilização total – em espaço devidamente criado para essafinalidade – do pouco material existente à consulta pública, posto quemuitas publicações, documentos e fotografias estão em mãos departiculares. A intenção é organizar e sistematizar o máximo possívelde informações, para facilitar consultas e pesquisas futuras.

Para isso, recorreu-se principalmente à técnica de história oral.A intenção era dar voz às testemunhas oculares da história, ou seja, àspessoas que fizeram – e contribuíram de forma relevante com – o rádioesportivo da cidade. Por meio da história oral, foram entrevistadosoito profissionais que passaram pelos departamentos de esporte dorádio londrinense no período estudado: Augusto Reis, José Maria deBrito, Deolindo Costa, João Bosco Tureta, Fiori Luiz, Elias Harmuch,Willy Gonser e Tatinha (Jair Antônio Prata); além de João SchobinerNeto, filho do já falecido técnico de som que montou os equipamentospara a primeira irradiação de futebol na cidade. Com baseprincipalmente nesses nove depoimentos, procurou-se reconstruir osfatos que marcaram os primeiros anos de rádio esportivo em Londrina.

As análises documental e iconográfica também foramimportantes suportes de pesquisa. Além de fotografias e documentosescritos cedidos pelos entrevistados, esta pesquisa contou com umainvestigação detalhada da Coluna de Rádio, publicada diariamente a partirde 1953 pela Folha de Londrina. Para o período anterior, ela se concentrouem alguns jornais de vida efêmera que existiram na cidade. Porém,diferentemente da análise feita na Folha (em que todas as edições daColuna de Rádio, exceto os poucos números faltantes na BibliotecaPública Municipal, foram examinadas), esses periódicos somente foram

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consultados em situações de confronto de informações ou em datassignificativas para a história do rádio londrinense.

Apesar de ser sobre rádio, o trabalho também utiliza imagenscomo fontes de pesquisa. Por sua força documental, a fotografia merecedestaque, uma vez que registra a cena dos acontecimentos e ajuda aconstruir a história “o mais próximo possível da realidade”. Importanteressaltar que a presente pesquisa surgiu a partir de um projeto deIniciação Científica1 sobre a história da imprensa londrinense na décadade 40, época em que surgiu a Rádio Londrina, primeira emissora dacidade. Portanto, alguns depoimentos foram aproveitados, como o dopioneiro João Gersy Terciotti, o do ex-reitor da Universidade Estadualde Londrina Jackson Proença Testa e os dos ex-radialistas AymoréKley e Antônio Marcos, que foram fundamentais na composição docapítulo sobre o surgimento do rádio em Londrina.

Passados quase 60 anos da implantação da TV no país2, o rádiomantém sua importância como veículo de comunicação de massa. Entreos meios eletrônicos é, hoje, o líder de audiência das sete da amanhãàs sete da noite. Dada sua mobilidade, é possível ouvi-lo durante arealização de outras atividades: no trabalho, na rua, no ônibus ou emcasa. Uma recente pesquisa (LEMOS, 2009) encomendada pelo GrupoMáquina ao Vox Populi mostrou que, embora a televisão seja a principalfonte de informação do brasileiro (com 59,9% da preferência do público,contra apenas 7,8% do rádio), o rádio é o primeiro lugar quando oassunto é credibilidade.

O fascínio que o veículo continua exercendo sobre as audiênciasé ainda mais perceptível no que diz respeito às irradiações de esportes.Chama a atenção o fato de as transmissões esportivas manterem-se

1 O projeto de Iniciação Científica A imprensa londrinense na década de 40: desafios e conquistas foi umsubprojeto da pesquisa A história de Londrina (década de 40) em textos e imagens, desenvolvida na UniversidadeEstadual de Londrina. Um segundo – e sequencial – subprojeto de Iniciação Científica, intituladoOlho no lance: a história do rádio esportivo em Londrina, vinculado ao projeto de pesquisa Fragmentos dahistória do norte do Paraná (décadas de 30 a 60) em textos e imagens, foi a gênese deste trabalho.2 A PRF-3 TV Tupi de São Paulo, primeira emissora de televisão brasileira, entrou no ar no dia 18 desetembro de 1950, por iniciativa do jornalista e empresário Assis Chateaubriand.

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ativas no rádio desde a década de 30, enquanto outros formatoscontemporâneos, como radionovelas e programas de auditório, foramextintos com o passar do tempo. É possível afirmar que a irradiação deesportes foi de grande importância para a transformação do futebolnum esporte de massas, além de haver contribuído para odesenvolvimento do jornalismo radiofônico.

Pode-se dizer que o departamento de esportes prenunciou acriação dos departamentos de jornalismo nas emissoras. Um ano antesde Heron Domingues implantar, em 1948, a primeira redação dejornalismo na Rádio Nacional, a Rádio Panamericana, “Emissora dosEsportes”, já havia montado seu departamento esportivo, com umaequipe de locutores, repórteres e comentaristas, que realizavamcobertura diária do esporte. Além disso, as experiências de irradiaçãoesportiva contribuíram para o desenvolvimento tecnológico do veículo,uma vez que as soluções encontradas para os eventuais problemastécnicos logo eram aplicadas a outras situações.

Esta pesquisa recupera parte da história das transmissõesesportivas do rádio londrinense, contemplando as modalidadesirradiadas no período de 1947 a 1963. O destaque ao futebol acontece,algumas vezes, pelas próprias características do meio, que privilegiaesse esporte em sua programação. Ressalte-se que a pesquisa não tema pretensão de esgotar a história dos primeiros anos de transmissõesesportivas feitas pelo rádio em Londrina. Mais do que apontar umaverdade absoluta e definitiva – ao recuperar reminiscências de quemtrabalhou com as irradiações esportivas na cidade e, portanto, viveu ahistória aqui contada – a pesquisa objetiva trazer à tona históriasdesconhecidas que, juntas, contribuirão para formar a história.

Para tanto, a pesquisa inicialmente aponta os caminhos trilhados:as técnicas da história oral, aliadas à análise documental e à análiseiconográfica. Num segundo momento, para efeitos de contextualização,é traçado um panorama do surgimento das transmissões esportivas norádio brasileiro, analisando a relação entre o desenvolvimento do rádioe dos esportes, especialmente do futebol.

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O nascimento do rádio em Londrina é o foco, na sequência. Nestaparte, já como resultado da pesquisa, estão apresentadas as condiçõesque levaram ao surgimento da ZYD-4 Rádio Londrina, em 1943, alémdos principais fatos que marcaram o veículo na cidade até o ano de1947, quando a primeira partida de futebol foi irradiada. Por fim, ahistória do rádio esportivo londrinense de 1947 a 1963, recuperadapor meio de entrevistas, jornais de época e atuais e fotografias.

Radiojornalismo esportivo:os caminhos para a descoberta

Recuperar a história dos primeiros anos das transmissõesradiofônicas esportivas em Londrina não é tarefa das mais fáceis. Abibliografia sobre o rádio londrinense, especialmente sobre o rádioesportivo, é escassa. Além dos raros livros que trazem algumainformação – na maioria das vezes pouco esclarecedora ou confiável –sobre o tema, existem as revistas e os jornais publicados na época.Porém, grande parte das histórias continuam guardadas na lembrançade quem as viveu. Narradores, repórteres de campo, comentaristas,técnicos de som, chefes de equipe e outros profissionais do rádio(pioneiros ou não) guardam consigo histórias, fotografias e documentosque se perderiam se não fossem organizados, sistematizados edisponibilizados.

Por ser uma história relativamente recente, muitos dosprofissionais que participaram do início das transmissões esportivasde rádio em Londrina estão vivos e em perfeitas condições de serementrevistados. Para a realização dessas entrevistas, adotou-se, então, ahistória oral que, segundo Meihy (2002, p.13), “[...] é um recursomoderno usado para a elaboração de documentos, arquivamento eestudos referentes à experiência social de pessoas e de grupos”. Para oautor, isso implica na percepção do passado como algo que não estáacabado, mas que tem continuidade no presente:

O esporte nas ondas do rádio

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A presença do passado no presente imediato das pessoas é arazão de ser da história oral. Nessa medida, ela não só oferece umamudança do conceito de história, mas, mais do que isso, garantesentido social à vida de depoentes e leitores, que passam a entendera seqüência histórica e se sentem parte do contexto em que vivem.(MEIHY, 2002, p.15).

Dentre as várias possibilidades existentes, a opção foi pela correnteinglesa da história oral, que tem Paul Thompson como um de seusrepresentantes. Apesar disso, algumas vezes se recorreu ao pensamentoda corrente norte-americana, aqui representada por José Carlos Sebe BomMeihy, como forma de ampliar a discussão sobre o tema.

História oral:o caminho mais eficiente

Uma das maiores polêmicas envolvendo a história oral dizrespeito a sua credibilidade, uma vez que os depoimentos orais nutrem-se das memórias individuais, sujeitas a falhas e distorções. De fato, asupremacia da palavra escrita sobre a palavra falada sempre foi umarealidade nos meios acadêmicos. Porém, essa situação vem se alterandonos últimos tempos e já se pode afirmar que “[...] está superada adiscussão, ocorrida no surgimento da história oral, de que as evidênciasobtidas por meio de entrevistas poderiam estar contaminadas com asubjetividade dos depoentes”. (BESPALHOK, 2006, p.17). ParaThompson (1992, p.18), a subjetividade não é característica exclusivados depoimentos orais, mas está presente “[...] em todas as fonteshistóricas, sejam elas orais, escritas ou visuais”.

Dentre os méritos da história oral, Thompson (1992) destaca acapacidade que a palavra falada tem de “insuflar” vida na história.Além disso, ela é especialmente valiosa em pesquisas de âmbito localquando, ao dar voz aos idosos que viveram os acontecimentos – e quenem sempre são ouvidos pela historiografia oficial –, gera neles “[...]

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um sentimento de pertencer a determinado lugar e a determinadaépoca”. (THOMPSON, 1992, p.44).

Para a história oral, os entrevistados – ou colaboradores, comochama Meihy (2002) – são verdadeiros documentos históricos, mascom algumas vantagens em relação ao documento escrito: “Um falante[...] pode ser imediatamente contestado.” (THOMPSON, 1992, p.147).O entrevistador tem a possibilidade de retomar uma pergunta eesclarecer possíveis dúvidas, o que não acontece com um livro, porexemplo.

A história oral pode ser encarada como método ou técnica,dependendo do tratamento que o pesquisador der às informaçõesobtidas por meio de fontes orais. É método quando os depoimentossão o foco principal do estudo, e técnica quando “[...] articula diálogoscom outros documentos”. (MEIHY, 2002, p.145). Ou seja, a históriaoral como técnica lança mão de uma documentação paralela, escritaou imagética, admitindo os depoimentos como mais um complemento.Para Vansina (apud THOMPSON, 1992, p.307, grifos do autor), “todaevidência, escrita ou oral, que remonte a uma única fonte deve serencarada com reserva; deve-se buscar uma corroboração para ela”.

Neste trabalho, adota-se a história oral como técnica, uma vezque as informações dadas pelos colaboradores foram, sempre quepossível, checadas e confirmadas junto a outras fontes: livros, jornais,revistas, documentários e pesquisas anteriores. Optou-se, portanto, pelachamada “análise cruzada”, de que fala Thompson (1992, p.307):

A respeito de muitos itens, pode-se fazer uma conferência comoutras fontes. Claro que isso será um processo cumulativo à medidaque o material for coletado: uma série de entrevistas numa mesmalocalidade proporcionará inúmeras conferências entre elas a respeitode fatos. Do mesmo modo, certos detalhes podem ser comparadoscom fontes manuscritas e impressas.

Convém lembrar que, por se tratar de memórias individuais, todanarrativa deve ser sempre encarada como uma construção, uma seleção

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de impressões e acontecimentos. “Portanto, como discurso em eternaelaboração, a narrativa para a história oral é uma versão dos fatos enão os fatos em si.” (MEIHY, 2002, p.50). Nesse sentido, Thompson(1992, p.307) alerta: “Quando houver discrepância entre evidênciaescrita e oral, não se segue que um dos relatos seja necessariamentemais fidedigno que outro.” Isso porque todas as fontes “[...] são falíveise sujeitas a viés, e cada uma delas possui força variável em situaçõesdiferentes”. (THOMPSON, 1992, p.176). Se em alguns casos aevidência oral é o que há de melhor, em outros ela pode servir comocomplemento a outras fontes.

Independentemente do tratamento que se escolha dar às fontes,a história oral se subdivide em Tradição Oral, História Oral de Vida eHistória Oral Temática. Meihy (2002, p.149) explica que a primeira é“uma das mais complexas e raras expressões da história oral”, usadacomumente nas sociedades ágrafas. A segunda modalidade, bastanteexplorada pela corrente britânica, trata o colaborador como sujeitoprincipal, dando-lhe “[...] maior liberdade para dissertar, o maislivremente possível, sobre sua experiência pessoal”. (MEIHY, 2002,p.131). Já na terceira forma, o objetivo é esclarecer detalhes sobrealgum evento definido.

Como o objetivo desta pesquisa é recuperar a história do iníciodas transmissões esportivas radiofônicas em Londrina, elegeu-se ahistória oral temática. Apesar dos depoimentos serem apenas uma versãodos fatos, “[...] pretende-se que a história oral temática busque a verdadede quem presenciou um acontecimento ou que pelo menos dele tenhaalguma versão discutível ou contestatória”. (MEIHY, 2002, p.146).

Estabelecer a colônia, ou seja, o grupo a ser estudado ou acoletividade ligada ao tema central (no caso da história oral temática),é uma parte importante do trabalho. É a partir dessa colônia que opesquisador pode construir sua rede de colaboradores. Como primeiropasso da pesquisa, elaboramos – a partir de conversas com ouvintes eda leitura da pouca bibliografia disponível – uma lista com nomes deprofissionais que tiveram algum envolvimento com o rádio esportivo

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londrinense, mas ainda não sabíamos como e onde encontrá-los. Poresse motivo, não foi possível estabelecer, de maneira antecipada, umarede de entrevistados.

Em 2008, o colunista social da Folha de Londrina Oswaldo Militãopublicou, em sua coluna, uma nota sobre a conversa que teve em umencontro casual com o advogado Augusto Reis, ex-narrador de futebolda Rádio Londrina. Prontamente enviamos um e-mail para o jornalista,pedindo o contato de Reis. Militão não tinha o telefone, mas publicououtra nota falando deste trabalho e do interesse em entrevistar o ex-radialista. Augusto Reis leu a nota e telefonou ao Departamento deComunicação da UEL, deixando seu contato com a secretária. Aocontrário do que costuma acontecer, Reis não tinha o telefone denenhum ex-colega de profissão e, após essa entrevista, tivemos quereiniciar o trabalho de investigação.

No dia 12 de abril de 2008, a Rádio Paiquerê levou ao ar oprograma “Paiquerê Rádio Exposição”, realizado no stand-estúdio daemissora, montado no Parque Ney Braga, durante a ExposiçãoAgropecuária e Industrial de Londrina. O programa relembrou passagensdo rádio esportivo londrinense e contou com a presença de radialistasesportivos da nova e da velha geração, dentre eles José Maria de Brito.Mandamos uma mensagem pelo site da rádio, explicando nossa pesquisa,e o locutor esportivo J. Mateus enviou o telefone de Brito, que hojemora em Cambé.

Conhecedor e colecionador de material sobre rádio e futebol, J.Mateus ajudou a encontrar grande parte dos colaboradores destapesquisa. Foi ele quem providenciou o telefone de Deolindo Costa, oe-mail de João Bosco Tureta, além do endereço de João SchobinerNeto. Mateus também deu indicações de onde encontrar EliasHarmuch, cuja família é proprietária da Rádio Najuá de Irati. Dois dosentrevistados deste trabalho ainda estão na ativa no departamentoesportivo da Rádio Paiquerê: Fiori Luiz e Tatinha. Por fim, a internetfoi um importante meio de localização e contato com as fontes.Encontramos o radialista Willy Gonser por meio da rede social do

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orkut. Nas comunidades “As Feras do Rádio Esportivo” e “Eu sou fãdo Willy Gonser”, pudemos conversar com apreciadores dastransmissões de futebol pelo rádio e localizamos Guilherme Gonser,filho de Willy, que acertou os detalhes da entrevista com o pai.

Apesar de não ser o mais indicado pela metodologia, duasentrevistas tiveram que ser feitas por telefone. A primeira delas foicom João Bosco Tureta, que hoje mora em Miami, e a outra com EliasHarmuch, que está em Irati (PR) atualmente. A falta de recursosfinanceiros e de tempo hábil para viagens impossibilitou que tivéssemosum encontro pessoal com esses dois colaboradores. Mesmo se tratandode um estudo sobre o rádio local, boa parte dos possíveis entrevistadosnão residem mais em Londrina, o que obrigou a selecionar alguns paraentrevistar pessoalmente e outros por telefone. A entrevista comDeolindo Costa foi realizada em sua residência no município deGuaratuba (PR). Também fomos até Belo Horizonte para entrevistarWilly Gonser, que mora na capital mineira há 30 anos. A entrevistacom José Maria de Brito foi feita em sua residência, em Cambé (PR), eas demais foram realizadas em Londrina, na residência ou no local detrabalho dos colaboradores.

A todos os entrevistados foram solicitadas informações sobreos radialistas que atuaram no rádio esportivo da cidade entre 1947 e1963. Porém as respostas eram sempre vagas. Na maioria das vezes, sóinformavam o estado ou a cidade em que a pessoa poderia estar. Mesmocom a possibilidade de encontrar mais colaboradores, decidimos pararas entrevistas quando atingimos o ponto de saturação, ou seja, quandopercebemos que os argumentos se repetiam e que pouca coisa novaera acrescentada. Para Meihy (2002, p.123-124): “O argumentodecisivo para marcar o limite do número de entrevistas remete a suautilidade e a seu aproveitamento. [...] Quando os argumentos começama ficar repetitivos, deve-se parar as entrevistas.”

As formas de entrevista dentro da história oral também variam.Elas tanto podem se basear num roteiro pré-elaborado, ser feitas demaneira livre, sem perguntas anteriormente estabelecidas, ou ainda,

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mesclar as duas alternativas “[...] estimulando o informante a expressar-se livremente, mas introduzindo gradativamente um conjuntopadronizado de perguntas na medida em que não tenham ainda sidorespondidas”. (THOMPSON, 1992, p.158). Nesta pesquisa, preferiu-se adotar a última maneira. Depois de cada uma das entrevistas, oroteiro era avaliado, novas perguntas surgiam e outras eramreelaboradas. Nas primeiras vezes, perguntava-se aos colaboradores arespeito dos bordões que usavam durante a narração dos jogos. Logoficou claro que a palavra “bordão” não os agradava, todos diziampreferir uma “linguagem mais simples e sem invenções” durante airradiação das partidas. A solução foi reelaborar a perguntar para o queos diferenciava dos outros locutores, quais as particularidades dalinguagem de suas transmissões?

Outra vantagem da história oral é a possibilidade de “[...]descobrir documentos escritos e fotografias que, de outro modo, nãoteriam sido localizados”. (THOMPSON, 1992, p.25). O autor defendeque esses materiais são, possivelmente, o subproduto mais valioso dasentrevistas. Além disso, a utilização de uma amplitude de fontesproporciona ao trabalho uma rica multiplicidade de pontos de vista.

Todas as entrevistas foram gravadas em áudio digital e,posteriormente, arquivadas em computador e CD. Alguns historiadoresorais defendem que o primeiro contato com o colaborador seja apenaspara combinar detalhes e perguntar se a entrevista pode ser gravada.“Segundo minha própria experiência, o melhor é pôr o gravador afuncionar logo que você possa, assim que você comece a falar.”(THOMPSON, 1992, p.268). Seguindo essa orientação, o gravadorera ligado antes do início da entrevista. Ainda assim, nas primeirasentrevistas, ao desligá-lo, algumas informações preciosas eramperdidas. A partir desse problema, o gravador passou a ser desligadosomente depois de sair do local da entrevista.

Uma questão polêmica relacionada à história oral envolve osdireitos da entrevista. Meihy (2002, p.175) defende que, encerrada aentrevista, deve-se pedir que o depoente assine um “duplo termo de

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cessão”. Para Thompson (1992), o direito de utilização das informaçõespelo entrevistador fica implícito a partir do momento que a pessoaaceita ser entrevistada:

Assim, parece claro que uma pessoa que, sabedora de que umhistoriador está colhendo material para uma pesquisa, concordouem ser entrevistada não teria muitos motivos justificados para sequeixar quando descobrisse ter sido citada num trabalho impresso.(THOMPSON, 1992, p.287).

Excetuando-se os poucos casos envolvendo material delicado,o autor desaconselha o uso de cartas de cessão de direitos, uma vezque isso pode preocupar o entrevistado, deixá-lo com medo ou acanhado.Por essa razão, a nenhum dos entrevistados foram solicitados termosde cessão. Porém, desde que o contato inicial era estabelecido portelefone, eles ficavam cientes de que se tratava de uma pesquisaacadêmica, com possibilidade posterior de publicação.

Realizadas as entrevistas, veio a etapa da transcrição que, depreferência, deve ser feita pelo próprio entrevistador. SegundoBespalhok (2006, p.25), “estima-se que para cada hora de gravaçãogastem-se pelo menos seis horas de transcrição”. Outro complicador éa transformação da palavra falada em escrita, sem que se percam atextura e as nuances próprias da fala. Nesse sentido, Meihy (2002,p.171) acredita que a transcrição “palavra por palavra” é fruto de umavisão conservadora e retrógrada e que “o que deve vir a público é umtexto trabalhado no qual a interferência do autor seja clara, dirigidapara a melhoria do texto”. Outra possibilidade é a textualização daentrevista, que consiste em suprimir perguntas e transformar o textonuma narração. Thompson (1992) discorda dessa visão e defende quenada substitui a transcrição completa, o que inclui perguntas e respostasintegrais. “O gaguejar em procura de uma palavra pode ser eliminado,mas outro tipo de hesitações e de ‘muletas’, como ‘você sabe’ ou ‘vejabem’ devem ser incluídos. A gramática e a ordem das palavras devemser deixadas como foram faladas.” (THOMPSON, 1992, p.293). A

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opção por seguir essa orientação de Thompson se justifica pela intençãode que a história das transmissões esportivas em Londrina fosse escritacom as palavras de quem a viveu.

Pela mesma razão, a recomendação – feita por Meihy (2002) –de enviar as transcrições para que o entrevistado revise também nãofoi seguida neste trabalho. Isso porque, apesar da possibilidade queesse procedimento traz de que novas lembranças sejam trazidas à tona,o colaborador pode ficar tentado a reescrever o texto de modo que seaproxime da linguagem escrita culta.

Análise documental:o caminho mais difícil

Além da história oral, a análise documental foi outro importantemeio de obtenção de informações sobre as transmissões esportivas emLondrina. Segundo Moreira (2009, p.276), este recurso “[...] muito maisque localizar, identificar, organizar e avaliar textos, som e imagem,funciona como expediente eficaz para contextualizar fatos, situações,momentos” e costuma ser utilizado nos estudos sobre a história dosmeios de comunicação.

Quando se trata de pesquisa científica, a análise documental éconsiderada método e técnica simultaneamente. Método à medida quea investigação se baseia num ângulo predeterminado, e técnica porqueserve como recurso complementar a outras fontes de informação, comoas entrevistas, por exemplo.

Inicialmente, a pesquisa se concentrou em fontes documentaisde origem secundária3. Jornais, revistas e outras publicações da épocaestudada estão disponíveis para consulta pública no Museu Histórico3 Moreira (2009, p.272) define como fontes secundárias as informações já organizadas anteriormente,entre elas “[...] a mídia impressa (jornais, revistas, boletins, almanaques, catálogos) e a eletrônica(gravações magnéticas de som e vídeo, gravações digitais de áudio e imagem) e relatórios técnicos”.Já as fontes primárias seriam escritos pessoais, como cartas, documentos oficiais, textos legais,documentos internos de empresas e instituições.

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de Londrina Padre Carlos Weiss, no Centro de Documentação ePesquisa Histórica, ambos da Universidade Estadual de Londrina, ena Biblioteca Pública Municipal. A intenção era encontrar materiais(escritos e iconográficos) que pudessem ser analisados de maneiracruzada com as entrevistas.

A partir de 1953, a Folha de Londrina passou a publicar,diariamente, uma coluna sobre o rádio da cidade. Escrita nos primeirosanos pelo jornalista Walmor Macarini, e, posteriormente por EstélioFeldman, ambos sob o pseudônimo Radialino, a Coluna de Rádio erasucesso entre o público leitor do jornal, como relataram os entrevistadosdesta pesquisa. Essa coluna foi fundamental para que se descobrissemfatos importantes a respeito do rádio esportivo londrinense, além denomes de profissionais da época e fotografias dos radialistas “em ação”.Todos os números da Folha entre 1953 e 1963 (exceto os poucosfaltantes no acervo da Biblioteca Pública Municipal) foram consultados,e foram fotografadas as edições em que as transmissões esportivaseram citadas pela coluna.

Apesar da Folha de Londrina ter sido fundada em 1948, parte deseus arquivos se perderam numa tragédia (alagamento ou incêndio, asinformações divergem) e somente existem exemplares disponíveis apartir do ano de 1953. Portanto, quando necessário checar informaçõessobre o intervalo de tempo compreendido entre 1947 e 1953 foi precisoconsultar outros periódicos. A consulta, entretanto, foi feita apenasem casos de choque de informações, e não de maneira detalhada, comoa que se realizou na Coluna de Rádio, no período de 1953 a 1963.

Dadas as dificuldades de manter um jornal no final dos anos 40em Londrina, muitos deles circulavam esporadicamente, outrosdeixavam de existir pouco tempo depois de sua fundação e, na maioriadas vezes, sem aviso prévio. Por esse motivo, quando necessáriorecorreu-se aos chamados “jornais efêmeros” que circularam emLondrina no período entre 1947 e 1953, como Paraná-Jornal, Gazeta deLondrina, Correio do Norte e Folha do Sul. A análise de periódicos éfundamental à medida que funciona como “[...] fio condutor para a

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memória de eventos, pessoas e contextos. Muitas vezes a consulta aosacervos pode estimular aspectos ou ângulos de abordagem nãoprevistos na fase de elaboração do projeto de pesquisa.” (MOREIRA,2009, p.274).

O jornal Paraná Norte, pioneiro na cidade, que circulou de 1934a 1954, também foi utilizado neste trabalho. Por meio de suas páginas– disponíveis em microfilme e CD – pôde-se confirmar informaçõespreciosas, como a data da primeira partida irradiada pelo rádiolondrinense.

Das revistas publicadas em Londrina na época, existem apenasalguns poucos e esporádicos números. Assim, não se pode afirmar comcerteza durante quanto tempo essas publicações circularam na cidade.A Pioneira4, Hinterlândia5, Revista Paraná-Jornal6 e Revista-Jornal (TerraRoxa)7 renderam algumas boas fotografias e dados importantes àpesquisa. Moreira (2009, p.275) defende que, paralelamente ao estudodo objeto específico, deve ocorrer uma apuração de informaçõescomplementares. “A contextualização é imperativa para o pesquisadorque pretenda concretizar um projeto de análise documental.”

Matérias sobre a história do rádio londrinense publicadas emjornais contemporâneos também balizaram o trabalho. Além domaterial secundário disponível à consulta pública, os documentosprimários utilizados na pesquisa (especialmente os iconográficos)foram cedidos por pioneiros durante as entrevistas. José Maria deBrito, por exemplo, cedeu álbuns de fotografia, credenciais,carteirinhas de radialista e recortes de jornais de época e atuais paraserem reproduzidos.

Também foram considerados documentários em vídeo e áudio,além de Trabalhos de Conclusão de Curso defendidos anteriormenteno Departamento de Comunicação da Universidade Estadual de

4 Circulou a partir de 1948.5 Circulou a partir de 1958.6 Edição comemorativa do 1º aniversário do Paraná-Jornal (1947).7 Circulou a partir de 1946.

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Londrina. Dentre eles, destaca-se O Rádio em Londrina: documentário(ROCHA; CUISSI, 1998), cujas entrevistas brutas em DVD compersonagens já falecidos da história do rádio local renderam dadosvaliosos à pesquisa.

Análise iconográfica: o paradoxo docaminho mais trabalhoso e prazeroso

Por sua característica documental e sua força testemunhal, asimagens foram tratadas com especial atenção neste trabalho. Compropriedade de documentos iconográficos, as fotografias contribuírampara dissipar dúvidas e ajudaram a construir a história o mais próximopossível da realidade. A análise iconográfica está situada no nível dadescrição e não da interpretação.

A análise iconográfica tem o intuito de detalhar sistematicamentee inventariar o conteúdo da imagem em seus elementos icônicosformativos; o aspecto literal e descritivo prevalece, o assuntoregistrado é perfeitamente situado no espaço e no tempo, além decorretamente identificado. (KOSSOY, 2001, p.99).

Borges (2005, p.23) afirma que, durante muito tempo, a fotografiafoi considerada um “documento de segunda categoria”, usado apenaspara confirmar o que já estava dito no texto. Para Kossoy (2001), o“preconceito” em relação ao uso da fotografia como fonte históricasempre existiu. Ela só passou a ser tratada com mais cuidado de umasdécadas para cá, a partir do advento da chamada “revoluçãodocumental”. Para Kossoy (2001, p.32), “[...] são as imagensdocumentos insubstituíveis cujo potencial deve ser explorado. Seusconteúdos, entretanto, jamais deverão ser entendidos como meras‘ilustrações’ ao texto”.

É importante alertar para o fato de que a fotografia, comodocumento histórico, não pode ser vista como realidade absoluta.

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“Qualquer que seja o assunto registrado na fotografia, esta tambémdocumentará a visão de mundo do fotógrafo.” (KOSSOY, 2001, p.50).Nesse sentido, ela será sempre uma interpretação, resultado de umaseleção sujeita a critérios subjetivos, “[...] apenas um fragmento darealidade, um e só um enfoque da realidade passada: um aspectodeterminado”. (KOSSOY, 2001, p.113, grifo do autor).

A fotografia é, então, um “fragmento congelado e datado” quetraz informações sobre acontecimentos, personagens e cenários de umadada cultura material. Borges (2005, p.85) esclarece que o historiador,ao escolher um documento fotográfico, deve estar ciente de que asintenções do fotógrafo podem ter sido diferentes das que motivaram apesquisa histórica. Posto isso, “[...] o cruzamento do documento visualcom os textuais e orais torna-se um imperativo para responder asquestões tipicamente históricas”.

Para Burke (2004, p.17), um dos méritos da imagem é apossibilidade que ela traz consigo de permitir ao espectador “[...]‘imaginar’ o passado de forma mais vívida”.

Embora os textos também ofereçam indícios valiosos, imagensconstituem-se no melhor guia para o poder de representaçõesvisuais [...] imagens, assim como textos e testemunhos orais,constituem-se numa forma importante de evidência histórica. Elasregistram atos de testemunha ocular. (BURKE, 2001, p.17).

Com relação à imagem fotográfica, ela é ainda mais reveladorauma vez que alguns de seus elementos trazem dados “[...] jamaismencionados pela linguagem escrita da história”. (KOSSOY, 2001,p.160). Como segunda realidade, ela se diferencia de outras fonteshistóricas por trazer refletida em si a primeira realidade, a própriaimagem do referente. Por isso a preservação da fotografia comodocumento histórico é tão importante. “Desaparecida esta segundarealidade – seja por ato voluntário ou involuntário –, aquelaspersonagens morrem pela segunda vez. O visível fotográfico aliregistrado desmaterializa-se. Extingue-se o documento e a memória.”(KOSSOY, 2001, p.162).

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Definida a metodologia de pesquisa, nosso ponto final será oano de 1963, quando a primeira emissora de televisão foi implantadana cidade. Antes, porém, para efeitos de contextualização,destacaremos alguns aspectos do início das transmissões esportivasno rádio brasileiro.

Rádio e futebol: uma misturaque se tornou paixão nacional

A história das transmissões esportivas pelo rádio tem início nosprimeiros anos da última década de 30, época em que o novo meio decomunicação ainda engatinhava em terras brasileiras. O pioneirismoda irradiação de um jogo de futebol lance por lance é atribuído a NicolauTuma. O radiojornalismo esportivo é uma fórmula que continuafazendo sucesso, enquanto outros formatos radiofônicoscontemporâneos – como programas de auditório e radionovelas – hámuito foram extintos.

A afinidade entre rádio e futebol é antiga. Soares (1994) consideraa data da primeira transmissão direta de uma partida de futebol pelorádio como o marco do início do radiojornalismo esportivo no Brasil.“No início dos anos 30, o rádio e o futebol brasileiros passavam poruma fase semelhante. Ambos tentavam se profissionalizar e se livrarde vez do elitismo que caracterizou sua introdução no país.” (SOARES,1994, p.22).

Em 7 de setembro de 1922, durante a Exposição Internacionaldo Rio de Janeiro, que comemorava o Centenário da Independência doBrasil, ocorreu a primeira demonstração pública de rádio no país. Aspessoas presentes ao evento puderam ouvir, por meio de alto-falantes,o discurso do presidente Epitácio Pessoa, além de trechos da ópera Oguarani, de Carlos Gomes. A Westinghouse, empresa responsável pelademonstração radiofônica, também distribuiu 80 receptores para

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autoridades civis e militares, o que possibilitou que as transmissõeschegassem ao Palácio do Catete e a alguns prédios públicos da entãocapital federal.

Entretanto, a trajetória da radiodifusão sonora no Brasil sócomeçou efetivamente um ano mais tarde, com a criação da RádioSociedade do Rio de Janeiro. Interessado nas possibilidades de difusãocultural proporcionadas pelo novo meio de comunicação, o professore cientista Edgard Roquette-Pinto mobilizou um grupo de intelectuaisda Academia Brasileira de Ciências em torno do empreendimento.Como resultado, em 1º de maio de 1923, entrava no ar a primeiraemissora brasileira de rádio com transmissões regulares.

O rádio no país nasceu marcado por certo elitismo. “O professorRoquette-Pinto teria visto no rádio um instrumento de transformaçãoeducativa. Conferências científicas, música erudita e análise dos fatospolíticos e econômicos marcam, deste modo, as primeiras transmissões[...].” (FERRARETTO, 2001, p.98). No início, as rádios eram clubesou sociedades de ouvintes e se mantinham por meio das mensalidadespagas pelos sócios. Além das taxas necessárias para começar a receberas transmissões radiofônicas, o alto custo dos aparelhos receptorestornava o rádio inacessível à maioria da população.

A situação mudou em 1932, com a regulamentação dapublicidade no rádio, pelo Decreto 21.111. A possibilidade de ocupar10% da programação com comerciais (atualmente o percentual estáfixado em 25%) trouxe ao veículo uma nova fonte de recursos e odesafio de criar programas que atraíssem o grande público. As emissoraspassaram a “[...] ter uma programação mais agressiva, com apelos àmassa, e foi deflagrado um sistema competitivo, onde valia tudo eonde o poder econômico mais alto vencia”. (FEDERICO apudSOARES, 1994, p.26). Nesse contexto, a transmissão esportivaapareceu como um forte apelo para conquistar a audiência.

Da mesma maneira que o rádio, o futebol teve sua implantaçãono Brasil ligada às camadas mais abastadas da população. Trazido daInglaterra por Charles Miller, em 1894, no início o esporte era praticado

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por estrangeiros e estudantes da alta classe média brasileira. As regrassimples e a aparente facilidade de praticar a modalidade logo atraírama atenção de operários e lavradores, que passaram a jogar as “peladas”,nome dado ao futebol praticado com elementos improvisados: pésdescalços, bola de borracha e tijolos para demarcar o limite dos gols.

Daolio (2005) explica que a identificação do Brasil com o futebolfoi imediata. Tão logo chegou ao país, no final do século XIX, o esportese tornou uma paixão nacional. Tanto que a própria expressão “jogarbola” se refere de maneira clara ao futebol e não a outras modalidadesque utilizam bola.

[...] o futebol demandaria um estilo de jogo, uma exigência técnica,uma eficácia e uma eficiência, que se adequaram às característicasculturais do povo brasileiro. Assim, o novo esporte que chegavada Inglaterra não oferecia apenas momentos lúdicos de lazer aosseus praticantes, mas permitia, principalmente, a vivência de umasérie de situações e emoções típicas do homem brasileiro. Issoexplicaria o alto poder simbólico que o futebol foi adquirindo aolongo deste século [século XX], passando a representar o homembrasileiro, da mesma forma que o fazem outros fenômenosnacionais, como o carnaval, por exemplo. (DAOLIO, 2005, p.4).

Para Silva (2005, p.21), “a pompa inglesa” rapidamente deuespaço ao jeito apaixonado de ser do brasileiro. “O futebol desbancaoutros esportes, como o remo e o turfe, no quesito popularidade e vaiaos poucos tornando-se a paixão nacional.” Pode-se dizer que otorcedor tem uma relação apaixonada de co-participação, que: “[...] éintensificada pelo sentimento do ‘também poder’, que no futebol éincomparavelmente maior do que no tênis ou no hóquei no gelo (‘Eunão teria chutado fora!’)”. (ROSENFELD apud SOARES, 1994, p.24).

Ao torcer por determinado time, o indivíduo projeta dentro dasquatro linhas sua própria vida. “O que parece é que o torcedor vai aojogo buscando, muitas vezes, a alegria, a realização ou o sucesso quenão conseguiu ter naquele dia ou nos últimos tempos em sua vida.”(SILVA, 2005, p.25). Com o surgimento das transmissões esportivas

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pelo rádio, essa sensação se ampliou e se estendeu a um número maiorde pessoas. Antes das irradiações de futebol, o torcedor só tinha duasalternativas: ir ao estádio para assistir ao jogo, ou esperar que asemissoras lessem os resultados das partidas mais importantes – obtidosvia telegrama ou por meio de telefonemas ao clube ou entidadeorganizadora da competição. Saber alguma coisa sobre um jogo nomomento em que ele se desenrolava só era possível a quem ia ao campo.

Soares (1994, p.39) argumenta que, quando o rádio iniciou “[...]suas transmissões diretas de esporte, muitos torcedores preferiamacompanhar a irradiação radiofônica a ir ao campo”. Ainda hoje écomum encontrar pessoas que vão ao estádio e levam seu “radinho” àpilha para saber o que está acontecendo. Segundo Saroldi (apudBARBOSA FILHO, 2003, p.108), isso acontece porque: “[...] atransmissão esportiva no Brasil constitui um gênero à parte. Umaespécie de ópera sonora, muitas vezes superior ao espetáculo quesupostamente procura descrever”.

O contexto dos anos 30 era propício para a união entre rádio efutebol: de um lado um meio de comunicação que precisava setransformar num veículo de massas; de outro um esporte de massasque, para se sustentar, necessitava de jogos que atraíssem grandespúblicos pagantes; tudo isso tendo como pano de fundo um governocentralizador e restritivo, marcado pela inibição e pelo controle deconcessões. Para Soares (1994, p.27), a mistura de rádio e futebolalcançou sucesso porque o rádio esportivo atende às três demandas:“[...] é informativo sem se envolver com a política do governo;conquistou o público e, em conseqüência, os anunciantes; mantinha,nesses ouvintes, o interesse pelo futebol”.

As transmissões esportivas são consideradas de grandeimportância para a transformação do futebol num esporte de massas,além de terem contribuído para o desenvolvimento do jornalismoradiofônico. “Pioneiro e desbravador, o gênero antecipou soluções emostrou caminhos, nem sempre aproveitados rapidamente pelos outrossetores das empresas de radiodifusão.” (SOARES, 1994, p.58).

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Ortriwano (1985, p.27) defende que o rádio esportivo tambémcontribuiu para o desenvolvimento tecnológico do veículo. “Osproblemas técnicos precisavam ser resolvidos e as soluções encontradaseram aplicadas a outras situações. A formação de redes – cadeias deemissoras – muito deveu às transmissões de eventos esportivos.” Poressa razão:

As transmissões esportivas e sua contribuição para odesenvolvimento do jornalismo radiofônico e do próprio rádioseriam assunto para um trabalho específico, aliás de muitaoportunidade em função da ausência de pesquisas nesse campo edo progressivo desaparecimento de profissionais que ‘viveram’ –e criaram – o rádio esportivo e que constituem, praticamente osúnicos ‘arquivos’ existentes. (ORTRIWANO, 1985, p.27).

O início das transmissõesesportivas no Brasil

No dia 19 de julho de 1931, os ouvintes sintonizados na RádioSociedade Educadora Paulista puderam acompanhar lance a lanceuma partida disputada entre as seleções de São Paulo e do Paraná,válida pelo VIII Campeonato Brasileiro de Futebol. Pela primeiravez, o rádio transmitia um jogo de futebol na íntegra, e trazia oespetáculo, antes restrito aos estádios, para dentro da residência dosbrasileiros. Naquele dia, o speaker (como eram chamados os locutores)Nicolau Tuma pediu para que o ouvinte imaginasse um retângulo outomasse uma caixa de fósforos nas mãos: do lado direito estariam ospaulistas e do esquerdo, os paranaenses. “Sem transmissões anterioresque lhe sirvam de modelo, o jovem radialista tem de criar um estilo.Opta por uma descrição fotográfica que dê ao ouvinte a imagemexata do campo e do jogo.” (SOARES, 1994, p.29).

Sem numeração nas camisas, Tuma precisou memorizarcaracterísticas físicas dos atletas. A ausência de repórteres de campo ou

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comentaristas e a proibição da publicidade eram outros fatores quedificultavam a tarefa de irradiar um jogo. Sozinho, coube ao locutorpreencher os 90 minutos da partida. Na tentativa de “filmar oralmente”o jogo, Tuma enunciava os detalhes de maneira rápida, como umametralhadora de palavras, o que lhe rendeu o apelido “speakermetralhadora”. Logo nos primeiros minutos, um ataque da seleçãoparanaense resultou no momento mais esperado pelos torcedores. Pelaprimeira vez, ouviu-se um grito de gol nas ondas do rádio paulista. Masainda não era um gol longo (que seria criado poucos anos depois porRebello Junior), como o que os ouvintes estão acostumados atualmente.Isso porque Tuma considerava perda de tempo um gol anunciado deforma demorada, já que o ouvinte quer saber detalhes. A palavra preferidada torcida se repetiu por mais nove vezes na irradiação da disputa, queterminou com vitória dos paulistas sobre os paranaenses por 6 x 4.

Em 1938, o rádio brasileiro fez sua primeira transmissãoesportiva em rede nacional. Gagliano Neto, titular do departamentode esportes da PRA-3 Rádio Clube do Brasil, do Rio de Janeiro,irradiou diretamente da Europa os cinco jogos disputados pelo Brasilna Copa do Mundo da França. Sob o comando da PRA-3, a cadeiaera formada pelas emissoras Cruzeiro do Sul do Rio de Janeiro,Cruzeiro do Sul de São Paulo e Clube de Santos. Gagliano Neto, ocomentarista José Maria Scassa e um radioperador levaram mais de15 dias para atravessar o Atlântico de navio. As narrações das partidasforam feitas via linhas telefônicas da companhia telegráficaINESTERN e nem sempre chegavam de maneira clara aos receptoresespalhados pelo país. Naquela época, não era possível transmitir “[...]com a mesma clareza e a mesma fidelidade que a eletrônicadesenvolveu na atualidade, quando essas ‘irradiações’ são feitas viasatélite em som estéreo Hi-Fi”. (TAVARES, 1999, p.133).

Apesar das dificuldades técnicas, as transmissões foram umsucesso. Segundo Murce (1976, p.57), os ouvintes brasileiros estavamatentos aos menores detalhes preparatórios do Mundial. “Quando este

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começou, o Brasil inteiro parou, nas ruas, em frente às lojas, em casa,em toda a parte, para ouvir as irradiações do Gagliano Neto.”

Além do futebol, nos primeiros anos o rádio brasileiro transmitiaoutras modalidades esportivas como o boxe, o turfe e oautomobilismo. Em 1934, foi realizada a segunda edição da corridade automóveis do Circuito da Gávea. Interessado em transmitir pelaRádio Mayrink Veiga do Rio de Janeiro, Nicolau Tuma foi informadode que os direitos da irradiação haviam sido negociados com a RádioClube do Brasil, da Organização Byington (que seria responsável pelaCopa de 1938 na França). A solução encontrada por Tuma foi colocar12 telefones em pontos estratégicos da pista. Em cada ponto ficariamtrês informantes. E assim a transmissão da Mayrink Veiga deu aoouvinte todos os detalhes do Circuito da Gávea, enquanto a RádioClube do Brasil, detentora exclusiva dos direitos, centrada em apenasum ponto, não foi muito além em sua cobertura.

Também a tradicional corrida de São Silvestre (disputada pelaprimeira vez em 31 de dezembro de 1925) era irradiada pela maioriadas emissoras da capital e do interior paulista. Tavares (1999) explicaque a competição era realizada à noite e seu término coincidia com apassagem do ano. Em 1989, a prova foi transferida para a parte datarde, horário que atendia melhor aos interesses comerciais da televisão,e possibilitava à maioria dos atletas participantes passar o réveillon coma família.

Do amadorismo à profissionalização

Durante os primeiros anos, o rádio esportivo sofreu com aprecariedade de recursos técnicos que afetava de maneira maissignificativa as transmissões externas. Grande parte das vezes, oslocutores irradiavam “no escuro”, já que, sem retorno, era impossívelsaber se o som estava chegando aos ouvintes. Além disso, a transmissãopor linha telefônica apresentava falhas e quase não se podia entender

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o que era irradiado. Os microfones eram a carvão, pesados e poucoeficientes. “Os locutores davam-lhe socos, na tentativa de conseguirum som um pouco melhor.” (SOARES, 1994, p.33). Não havia cabinesnos estádios, nem numeração na camisa dos jogadores.

Para completar, os profissionais do rádio esportivo enfrentavamproblemas com a direção dos clubes, que se sentia prejudicada pelastransmissões diretas dos jogos. Muitos torcedores preferiam ficar emcasa e acompanhar a partida pelo rádio a ir ao estádio, o que fez asarrecadações caírem. Como consequência, muitos narradores foramproibidos de entrar nos campos para fazer as irradiações. Asproibições, no entanto, só aguçaram a criatividade dos profissionais,que passaram a transmitir as partidas de cima de escadas ou de lajesde casas vizinhas aos estádios.

Aos poucos, as soluções encontradas pelo rádio esportivo foramaplicadas ao veículo como um todo. “A agilidade do rádio esportivoem incorporar novas técnicas e tecnologias foi determinante na suainfluência no desenvolvimento da radiodifusão.” (SOARES, 1994,p.103). Se nos primeiros anos o locutor era responsável por fazertudo sozinho, com o passar do tempo foi surgindo uma equipe deprofissionais formada por radioescutas, repórteres de campo,comentaristas, redatores e técnicos. A narração ganhou novosingredientes como sinais sonoros, vinhetas eletrônicas, reprises degols, placar da partida e tempo de jogo. O surgimento do gravadormagnético também deu mais agilidade ao rádio, ao tornar possível ainserção de entrevistas e dos melhores momentos da partida.

Para Ortriwano (1990), no entanto, foi a criação do transistor,em 1947, que revolucionou o rádio e lhe deu condições de, mais tarde,competir com a televisão. Ao livrar o rádio de fios e tomadas, o transistortornou a escuta mais dinâmica e individualizada. “Ao mesmo tempo, orádio ganha em mobilidade, tanto de emissão como de recepção.”(ORTRIWANO, 1990, p.84). Tavares (1999, p.45) defende que:

[...] o rádio continua forte e imbatível, já que, com a ajuda dotransistor, o veículo ampliou seu poder de penetração a públicosinatingíveis pela televisão ou pelos jornais; a público de lugares

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onde não existe energia elétrica e onde o percentual de analfabetosé muito grande... O analfabeto não lê, mas pode ouvir...

Os receptores transistorizados se popularizaram no Brasil aolongo dos anos 60, quando a indústria do país começou a produziro componente eletrônico. Ferraretto (2001) destaca que, antes disso,somente a burguesia poderia possuir um rádio a transistor. “Porém,ele só atingiu seu apogeu em meados da década de 60, devido àstransmissões dos jogos das Copas do Mundo de Futebol, em 1962e 1966.” (MELLO apud FERRARETTO, 2001, p.138). Asubstituição das pesadas e limitadoras válvulas pelo transistorfortaleceu o rádio, transformando-o num meio móvel de audiênciaindividual.

As transmissões esportivas foram de fundamental importânciapara o desenvolvimento do rádio no Brasil. A combinação rádio-futebol é antiga e permanece forte e consistente na programaçãode emissoras de todo o país. Essas duas constatações não foramdiferentes em Londrina. Elas praticamente se repetem no processode afunilamento do objeto de pesquisa, cujo próximo passo éhistoriar a implantação da primeira emissora de rádio londrinense,a ZYD-4 Rádio Londrina, e seu desenvolvimento até o ano de 1947,quando se iniciam as transmissões esportivas na cidade.

O rádio em Londrina: alto-falantesprenunciavam a necessidade

de uma emissora

Não foi objetivo desta pesquisa contar detalhadamente a históriado rádio em Londrina, mas recuperar o percurso do rádio esportivo de1947 a 1963. Entretanto, antes que se chegue ao início das transmissõesesportivas, é necessário pontuar alguns eventos que marcaram osurgimento e o desenvolvimento da primeira emissora de rádio

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londrinense, até 1947, ano em que a cidade ouviu, pela primeira vez,uma partida do futebol local nas ondas do rádio.

Cinco anos antes da implantação da primeira estação de rádioem Londrina, já era possível perceber a necessidade de comunicaçãoda jovem cidade. Uma fotografia publicada no Álbum do Município deLondrina – 1938 (Figura 1), editado por Marino Adriano Gomes, mostraum sistema de alto-falantes implantado na Praça Ruy Barbosa (hojePraça Floriano Peixoto). Segundo Schwartz (2002, p.10A), a imagemcontraria “[...] a suposição de que o primeiro serviço de alto-falantesfoi o de Alziro Segantin, por volta de 1941-42”.

Figura 1: Já em 1938, na antiga praça Ruy Barbosa, ao lado da Igreja Matriz, era possívelobservar um serviço de alto-falantes, no meio das árvores

Fotografia: Autor desconhecido (publicada no Jornal de Londrina)Fonte: Schwartz, 2002

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Até então, acreditava-se que Segantin, percebendo o potencialeconômico do footing –como era chamado o trecho da avenidaParaná, onde as pessoas passeavam a pé –, resolveu instalar ali umsistema de alto-falantes para transmitir recados, dedicar músicas (apedidos) e fazer propagandas de estabelecimentos comerciais dacidade. A fotografia, no entanto, atua como um documentohistórico, mostrando um serviço de alto-falantes anterior ao deAlziro Segantin. Supõe-se que esses alto-falantes pertenceriam a P.P. Pereira Lima e seriam parte da “[...] Rádio Propaganda Londrina,na avenida Rio de Janeiro, 190 – anexo à ‘Casa do Rádio’; e daTransmissora e Alto-falante do Café do Centro, também na avenida”.(SCHWARTZ, 2002, p.10A, grifos do autor).

A inexistência de uma rádio na cidade fazia dos alto-falantesum bom negócio para quem desejava anunciar seus produtos:

Fundada há nove anos, (Londrina) já era a ‘quarta (cidade) doEstado em tamanho, aspecto e renda’ - conforme o Álbum. Nafrente estavam Curitiba, Paranaguá e Ponta Grossa. [...] as lojasjá anunciavam geladeiras, móveis, tecidos, relógios, rádios,automóveis e caminhões zero quilômetro; as cervejas Brahma eAntarctica tinham seus distribuidores locais e no ano anterior,formara-se a Associação Comercial. Dois bancos (Noroeste eCaixa Econômica Federal); a arrecadação da prefeitura estavapróxima de 800 contos de réis, algo descomunal. (SCHWARTZ,2002, p.10A).

Não se sabe se Alziro Segantin comprou os alto-falantes de PereiraLima na década de 40. O fato é que, mesmo após a instalação daRádio Londrina, em 1943, o serviço de alto-falantes de Segantin – queviria a ser um dos locutores da emissora – continuou funcionando pormais algum tempo.

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O surgimento da ZYD-4 Rádio Londrina

O sucesso do sistema de alto-falantes prenunciava a necessidadeda implantação de uma rádio em Londrina. Sim, pois na década de 40,o município já contava com mais de 75 mil habitantes e os alto-falantesatingiam poucas pessoas, num espaço geograficamente muito restritoe apenas por algumas horas por dia, notadamente nos finais de semana.O comércio se desenvolvia, e a criação de uma emissora de rádio quetrouxesse informação e entretenimento à população – e servisse aosinteresses publicitários do empresariado – era um empreendimento cadavez mais importante. Percebendo isso, o advogado paulista ItagibaSantiago – membro da Comissão Técnica de Rádio – tratou de conseguiruma concessão para a cidade. A instalação da emissora ficou por contade seu irmão Eufrozino Lázaro Santiago que, para evitar despesas,“[...] obteve do prefeito Miguel Blasi, de graça, um ‘sobradinho’ atrásdo Paço Municipal. Em cima foi instalado o escritório da rádio eembaixo o estúdio”. (SCHWARTZ, 1996, p.8A).

No dia 11 de setembro de 1943, às 22 horas e 10 minutos – aosom do tango Oh! Esses olhos negros, executado a partir de um disco de78 rotações –, entrou no ar, em caráter experimental, a ZYD-4 RádioLondrina. A inauguração oficial da emissora aconteceu no dia 15 denovembro do mesmo ano, em uma cerimônia simples: “Presentes àsolenidade, além dos diretores e funcionários, o Padre, o Juiz de Direitoe os representantes dos primeiros patrocinadores de programas: IrmãosFuganti, Alfaiataria Progresso e um cerealista da região.” (PINHEIRO,2001, p.6).

Em sua edição de 13 de setembro de 1943, o jornal Paraná Norte,primeiro veículo de comunicação da região, louvou a iniciativa,chamando-a de “uma poderosa estação rádio emissora”:

O empreendimento é, não resta a menor dúvida, de grandeenvergadura e virá colocar Londrina numa posição invejável noconcerto das cidades paranaenses, visto como se tornará centroirradiador da cultura e do pensamento de nossa gente. E nesta

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hora em que as atenções estão voltadas para os magnos problemasnacionais, a cidade arregimentará os seus valores e tomará posiçãode destaque na campanha de brasilidade, que se desenvolve portodo o paiz, usando desta arma poderosa que, si bem orientada edirigida, é de uma eficiência extraordinária. (LONDRINA..., 1943).

Informações do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia eEstatística (RADIODIFUSÃO..., 2009) mostram que, em 1944,existiam 106 emissoras de rádio no Brasil, mas apenas seis no Paraná.Em 1943 – ano de fundação da Rádio Londrina –, somente trêsemissoras foram inauguradas em todo o país.

O próprio Eufrozino Santiago, que não tinha experiência algumaem rádio, foi quem anunciou a emissora: “Aqui fala a ZYD-4, RádioLondrina, em 820 kilociclos, transmitindo em caráter experimental.”Segundo Schwartz (2001), a renda publicitária arrecadada com aprogramação inaugural da rádio – Cr$ 18.070,00 – foi doada para asobras da Santa Casa de Misericórdia de Londrina, inaugurada em 1944.

O primeiro locutor de rádio em Londrina foi Antônio D’Andréa,que veio de Cambará (PR), com certa experiência profissional no ramo.Um documento de época, disponível no Museu Histórico de LondrinaPadre Carlos Weiss, afirma que o primeiro funcionário da ZYD-4 foiVicente de Sousa Pereira, contratado como encarregado da discotecae registrado ainda no dia 11 de setembro de 1943. Já a primeira mulherregistrada foi Olfia Ofélia Peron, contratada como datilógrafa em 7 deoutubro de 1943. Conforme o censo demográfico de 1940 (IBGE,1951), dos 75.296 habitantes de Londrina, 510 trabalhavam na áreade transportes e comunicações, sendo 499 homens e 11 mulheres.

Em 1945, Itagiba Santiago vendeu a rádio para um grupo dePonta Grossa (PR), liderado por Raul Pedro Dal-Col, que trouxe UadyChaiben para cuidar dos negócios e comandar o departamentocomercial. A partir daí começou o desenvolvimento da ZYD-4,acompanhando o ritmo frenético da Londrina dos anos 40 e 50.

O trabalho nos primeiros anos não foi fácil: “As dificuldadesiniciais de funcionamento da rádio iam desde os problemas com

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energia elétrica, até as limitações impostas pelo momento político,social e econômico que o país vivia.” (PINHEIRO, 2001, p.7). Eramcomuns oscilações no sistema de abastecimento de energia da cidade,que obrigavam a emissora a interromper sua programação. Nemmesmo a compra de um gerador resolveu o problema, já que os rádiosà pilha não existiam na época, e o transistor, componente eletrônicoque permite ouvir o rádio sem conectá-lo a uma tomada, só surgiriaem 1947. Assim, a Rádio Londrina poderia até transmitir suaprogramação valendo-se de um gerador, mas ninguém na cidadeouviria.

No cenário político, o Brasil da década de 40 vivia o EstadoNovo, implantado por Getúlio Vargas. Reinavam a censura e apropaganda ideológica, comandadas pelo DIP – Departamento deImprensa e Propaganda. Segundo Pinheiro (2001), “as marcas davigilância” do governo podem ser observadas em scripts da RádioLondrina dos anos 40 e 50. O carimbo do DEIP – DepartamentoEstadual de Imprensa e Propaganda, órgão que exercia as funções doDIP em nível estadual – é encontrado tanto em scripts de noticiários,quanto de programas de variedades ou religiosos, como o Ave Maria,programa de preces da década de 40, apresentado por Luper Marti(pseudônimo de Lourdes Perandréa Martins).

O DIP chegava a exigir atestado de boa conduta dos locutores.“A intromissão era ainda maior porque o mundo vivia tempos de guerra.Havia até mesmo a obrigatoriedade de se apresentar um programadedicado aos pracinhas que lutavam na Itália.” (MOURA, 2004, p.16).Tratava-se de um programa diário que ia ao ar das 21h15 às 21h30,com o prefixo musical Canção do Expedicionário.

Apesar da censura e das obrigatoriedades, a programação da RádioLondrina era bastante diversificada. Havia programas femininos, comoo Rádio Lar, que ia ao ar todas as sextas-feiras à noite e tinha comoslogan “programa semanal da mulher, um programa para os coraçõesfemininos”. Durante meia hora, as londrinenses podiam ouvir músicas,poesias, sugestões para problemas domésticos e regras de etiqueta.

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Havia também programas culturais como o Programa do Livro(resenhas de livros), o Programa Seleto (música clássica), o Quer vocêsaber? (perguntas de ouvintes – reais ou fictícios – e respostas doapresentador sobre temas variados: usos, costumes, fatos históricos...),o Na Rota da Civilização (falava de história, descobertas científicas,artes e curiosidades), além de programas de entretenimento, comoEsquetes Sofisticadas, um humorístico apresentado pelo inspetor deensino Otávio Telles, com a participação de sua esposa e filha.

A era de ouro do rádio londrinense

Em maio de 1946, a Rádio Londrina mudou pela primeira vezsuas instalações. Do “sobradinho” na rua Santa Catarina (onde hojeé o estacionamento de um banco) foi para a rua Goiás, 819, em umbarracão de madeira, com direito a um pequeno auditório de 120lugares. Era o suficiente para o gaúcho Aymoré Kley, que assumiu adireção artística da emissora em 1945, vislumbrar um programa deauditório. Surgiram, então, os programas Cassino de Atrações e Clubeda Raia Miúda (infantil), produzidos e apresentados por ele.

Em 15 de novembro de 1955, dia do 12º aniversário daemissora, a ZYD-4 mudou-se para um luxuoso prédio próprio na ruaQuintino Bocaiúva, 41 – seu endereço atual. A inauguração das novasinstalações contou com a presença da Companhia de Carlos Machadoe suas vedetes. Com um auditório para 512 pessoas, cortinas develudo com sistema eletrônico para abrir e fechar, piano de cauda –que hoje se encontra no Museu Histórico de Londrina Padre CarlosWeiss –, órgão eletrônico e um conjunto de instrumentos musicais, aRádio Londrina tornou-se “[...] ‘o centro artístico-cultural da região’e uma das expressões radiofônicas do país na década de 50".(SCHWARTZ, 1996, p.8A).

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Pelo auditório da emissora (Figura 2) passaram grandes nomesda música brasileira da época, como Dalva de Oliveira, HeriveltoMartins, Grande Otelo, Marlene, Emilinha Borba, Ivon Cury, OrlandoSilva, Nelson Gonçalves, Cauby Peixoto e outros. A ZYD-4 chegou aser considerada uma “Nacionalzinha”. Todos os cantores que oslondrinenses ouviam na Rádio Nacional do Rio de Janeiro podiam servistos no auditório da Rádio Londrina.

O professor Jackson Proença Testa (2008), ex-reitor daUniversidade Estadual de Londrina, chegou à cidade em 1968 e passoua frequentar o auditório da Rádio Londrina. Para ele, os programas deauditório eram um acontecimento social. “A gente fazia o footingdomingo de manhã. Ia para a missa e da missa já ia para o programa doAymoré Kley. Era um programa social. A rádio mobilizava muitosocialmente.” Testa recorda ainda que, além do entretenimento, umadas principais funções do rádio era o serviço de utilidade pública: “Antesde sair de casa à noite para comprar um remédio, as pessoas ouviamquais farmácias estavam de plantão.” A figura 2 mostra o auditório daZYD-4 lotado. A presença de crianças e famílias inteiras evidenciaque o tipo de rádio que se fazia na época era uma diversão para todasas idades.

O sucesso da ZYD-4 também era perceptível pela quantidadede anunciantes, tanto locais quanto nacionais que a procuravam.Antonio Marcos – que veio para a Rádio Londrina no ano de 1954 –em depoimento a Rocha e Cuissi (1998), conta que o anunciante chegavae dizia: “eu quero [anunciar] dez vezes por dia, mas um texto diferentedo outro”. Essa premissa é corroborada por Pinheiro (2001). Um dessesanunciantes eram as lojas Hermes Macedo, que faziam propaganda deaparelhos eletrônicos e utilidades domésticas: “A senhora ficaapreensiva porque seu marido sai todas as noites? Prenda-o em casa,adquirindo um rádio Philco de cabeceira nas lojas famosas de HermesMacedo S.A.” (PINHEIRO, 2001, p.15).

Aymoré Kley, em entrevista a Moura (2004, p.14), conta que ospatrocinadores eram “[...] tantos, que havia lista de espera”. O pioneiro

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de Londrina João Gersy Terciotti (2007)8 recorda que sua famíliapreferia escutar as rádios de fora, porque a Rádio Londrina tocava“pouca música e muita propaganda”.

Figura 2: Com capacidade para 512 pessoas, o auditório da Rádio Londrina era a própriaimagem do sucesso da emissora em sua “Era de Ouro”

Fotografia: Autor desconhecido (publicada no Jornal de Londrina)Fonte: Acervo pessoal da Sra. Irene Ziober; emprestada ao jornalista Widson Schwartz

(1996), para ilustrar uma de suas reportagens

A programação da Rádio Londrina era bastante eclética, doclássico ao sertanejo. Mas no campo do radioteatro a produção daemissora não foi muito significativa. J. Negrão (apud ROCHA; CUISSI,1998), que começou a trabalhar na ZYD-4 no dia 1 de julho de 1955,diz se recordar de uma novela em especial, chamada Nossa Senhora

8 João Gersy Terciotti. Depoimento. Entrevista concedida a Bruna Mayara Komarchesqui, Juliana deOliveira Teixeira, Natália de Fátima Rodrigues e Paulo César Boni, em sua residência (Londrina –Pr.), dia 15 de setembro de 2007, para o projeto de Iniciação Científica A imprensa londrinense na décadade 40: desafios e conquistas.

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Aparecida, da qual foi o narrador. Veiculada às segundas, quartas e sextase patrocinada pela Clínica G. de Araújo, a novela teve 108 capítulos:

Nós gravávamos no sábado para sair na segunda, na terça para sairna quarta e na quinta para sair na sexta. O ‘seu’ Antonio [Marcos]dirigia a novela e cuidava do gravador. No 8º capítulo, ele disse“chega, vamos ensaiar e vai ser ao vivo”. O último capítulo foi aovivo no auditório.

Aymoré Kley (2008)9 explica que o processo de produção denovelas era muito caro e complicado e, por isso, eles preferiam comprá-las prontas: “Elas vinham em discos de 33 rotações, com meio capítuloem cada lado. Era bem lento. Vinham do Rio de Janeiro. Nóscomprávamos das equipes que gravavam novelas.”

A Rádio Londrina também marcou presença no campo dojornalismo. Em 1944, a emissora transmitiu ao vivo o desfile de 7 desetembro e a solenidade de inauguração do Aero Clube, no mesmodia. Em 1950, irradiou a inauguração do Jockey Clube. Por ser a únicada cidade (a Rádio Difusora, a segunda a ser implantada, só surgiu em1955), foi por meio da ZYD-4 que muitas pessoas se informaram sobrefatos importantes como o fim da Segunda Guerra Mundial ou o suicídiode Vargas.

O programa Coisas da Cidade era uma espécie de “jornal falado”que mostrava o cotidiano e denunciava os principais problemas dacidade. Seus apresentadores e redatores foram, em diferentes épocas:Oliveira Junior, Carlos Silva, Antonio Marcos, Raul Zanoni e AmbrósioNeto. Antonio Marcos (2008)10 explica que o programa era “[...] o retratofiel de tudo quanto acontecia na cidade, o único canal pelo qualpassavam todos os acontecimentos locais do dia”. Ele conta que não

9 Aymoré Kley. Depoimento. Entrevista concedida a Bruna Mayara Komarchesqui, em sua residência(Londrina – PR), dia 27 de maio de 2008, para o projeto de Iniciação Científica A imprensa londrinensena década de 40: desafios e conquistas.10 Antonio Marcos. Depoimento. Entrevista concedida a Bruna Mayara Komarchesqui, em uma salada Igreja Coração de Maria, Av. Higienópolis x Av. Juscelino Kubitschek (Londrina – PR), dia 20 demaio de 2008, para o projeto de Iniciação Científica A imprensa londrinense na década de 40: desafios econquistas.

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havia repórteres naquela época; eram os próprios apresentadores quesaíam para fazer as entrevistas:

O gravador na época não era desses gravadorezinhos de bolso,não. Era de carregar nas costas. Geralmente, um gravador pesavadois, três quilos. A gente levava esse peso para entrevistar o cidadãoe voltava cansado. Então a gente não fazia muita entrevista, a nãoser quando a pessoa se dispunha a vir no estúdio. Mas, via deregra, conforme o assunto, a gente tinha de ir ao encontro danoticia. (MARCOS, 2008)

A denúncia de problemas era o carro chefe do programa Coisasda Cidade. Em depoimento a Pinheiro (2001, p.29), Raul Zanoniconta que, naquela época, “[...] noventa por cento das ruas nãotinham calçamento e quando chovia a cidade ficava puro barro. Ailuminação, além de precária, sofria blecautes de até seis horas”.Esses problemas davam origem às pautas e, como maneira de cobrarsoluções do poder público, Zanoni criou o quadro Boa noite, senhorprefeito. O quadro incomodou tanto o prefeito que a direção daemissora solicitou ao radialista que cessasse os comentários. Elepreferiu pedir demissão. Mais tarde, voltou à ZYD-4 para participarde outros dois programas.

Naquela noite de 11 de setembro de 1943, ao ver nascer suaprimeira emissora, Londrina tinha apenas uma vaga ideia de seu grandepotencial radiofônico. Aos poucos, improviso e amadorismo foramdeixados para trás e se passou a fazer um rádio capaz de competir comemissoras de fora, principalmente no que diz respeito à qualidade deseus profissionais.

Se os programas jornalísticos da Rádio Londrina alcançavam bonsíndices de audiência, as transmissões esportivas – especialmente defutebol – contribuíram ainda mais para o sucesso da emissora, quepassou a usar o slogan “Majestade do Esporte”. Essa história depioneirismo começou a ser escrita no dia 7 de setembro de 1947, quandoos lances do jogo Operário x Palmeiras foram narrados por AmbrósioNeto aos ouvintes da ZYD-4.

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O rádio esportivo em Londrina

A chegada do rádio em Londrina foi celebrada como um grandeacontecimento, não só pela mídia impressa, como pela população emgeral. Em pouco tempo, os programas de auditório passaram a fazerparte da rotina de lazer do londrinense e o rádio alcançou uma posiçãoimportante no dia-a-dia das pessoas. Logo, novos gêneros de programaforam surgindo, mas talvez nenhum deles tenha sido tão importantepara o desenvolvimento do veículo como as transmissões de eventosesportivos. Agora, o objetivo é recuperar como foram os primeirosanos do rádio esportivo em Londrina, uma história que teve seu iníciono ano de 1947.

Para isso, entrevistamos oito profissionais11 que trabalharam nosdepartamentos especializados das emissoras entre 1947 e 1963, alémdo filho de um técnico de som já falecido:

a) Augusto Reis: ingressou no departamento esportivo da RádioLondrina em 1956, depois de ter trabalhado como locutor em umcinema e na Rádio Caviúna de Bandeirantes (PR). Atualmente éadvogado em Londrina.

b) José Maria de Brito: começou na Rádio Difusora, nos anos50, fazendo plantão esportivo. Trabalhou também na Rádio Londrina,Paiquerê e Clube durante o período estudado. Hoje é aposentando emora em Cambé (PR).

c) Deolindo Costa: participava da resenha esportiva dominicaldo sistema de alto-falantes da avenida Paraná. Foi comentaristaesportivo e chefe de equipe na Rádio Londrina, com participação ativana criação dos Jogos Abertos do Paraná. Atualmente está aposentadoe reside em Guaratuba (PR).

d) João Bosco Tureta: iniciou em rádio como sonoplasta, e foiresponsável por colocar a emissora no ar em 1947. Atuou como repórter

11 A ordem de apresentação dos entrevistados segue a cronologia da realização das entrevistas.

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esportivo, comentarista e narrador. Hoje comenta jogos de basquetepara um canal de TV dos Estados Unidos, onde fixou residência.

e) João Schobiner Neto: filho do técnico de som João Schobiner,que montou o primeiro transmissor da Rádio Londrina e improvisouos equipamentos para a primeira transmissão esportiva de rádio nacidade.

f) Fiori Luiz: iniciou na Rádio Londrina, como radioescuta, nadécada de 60. Foi repórter de campo e atualmente é narrador dodepartamento esportivo da Rádio Paiquerê.

g) Elias Harmuch: trabalhou em 14 emissoras do Paraná e deSão Paulo. Em Londrina, foi locutor de futebol e chefe do departamentoesportivo da Difusora. Hoje reside em Irati (PR) e tem um programadominical na Rádio Najuá.

h) Willy Gonser: iniciou no rádio em 1953, após vencer umconcurso na Rádio Marumbi de Curitiba. Em 1955, passou a integraro departamento esportivo da emissora. Veio para a Rádio Paiquerê,em 1957, onde integrou a equipe de esportes até 1959. A últimaemissora em que trabalhou foi a Rádio Itatiaia de Belo Horizonte, ondemora atualmente.

j) Tatinha (Jair Antonio Prata): começou a trabalhar na RádioLondrina aos 18 anos, levando as informações do time do Londrinapara o repórter Paulinho Fernandes. Sua estreia no microfone aconteceuem 1962, num dia em que Paulinho estava doente e não pôde trabalhar.Foi repórter e apresentador de programa esportivo. Hoje Tatinha atuacomo repórter de campo na Rádio Paiquerê.

Também procuramos cruzar as informações obtidas por meiodos depoimentos com publicações impressas de época, principalmentea Coluna de Rádio, e atuais. Fotografias, produções em áudio, vídeo e aescassa bibliografia sobre o tema foram outros suportes de pesquisa.

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Dificuldades e adversidades

Existe muita confusão quanto à data da primeira transmissãoesportiva feita pelo rádio londrinense. A maioria das fontes de pesquisadisponíveis adota o dia 7 de setembro de 1949 como o início do rádioesportivo. Em seu livro Da Rádio Londrina à Radio Universidade - umahistória de muitas histórias, Francisca Pinheiro (2001) reproduz asinformações de uma entrevista concedida por Ambrósio Neto, em 1989,à Folha de Londrina, em que o locutor afirma ter sido o responsável pelairradiação da primeira partida de futebol na cidade.

Segundo Pinheiro (2001), todos os dias 7 de setembro e 1º demaio, o empresário Jacob Bartholomeu Minatti trazia um time de SãoPaulo, quase sempre o Palmeiras, para jogar contra sua equipe amadora,o Operário. “E como não podia deixar de ser, a primeira transmissãoapresentada pela Rádio Londrina aconteceu no dia 7 de setembro de1949, entre a Sociedade Esportiva Palmeiras de São Paulo e o Operário,time da casa.” (ORICOLLI apud PINHEIRO, 2001, p.30). AmbrósioNeto12, que já havia trabalhado com esportes na Rádio Cultura de SãoPaulo, lembra como foram os preparativos para a irradiação dessapartida:

[...] eu disse ao Uady Chaiben, diretor da Rádio Londrina: “Olha,vamos começar a transmitir futebol com este jogo.” Ele respondeuque não tinha gente para fazer. Eu o tranqüilizei dizendo para nãose preocupar com isso, pois daríamos um jeito. [...] Então, euchamei o João Shobiner, que era o técnico da rádio e pedi pra queele providenciasse um equipamento. (ORICOLLI, 1989, p.20).

Em depoimento a Rocha e Cuissi (1998), possivelmente o últimoantes de sua morte em novembro de 2004, Ambrósio Neto disse queveio a Londrina a passeio em 1947. Chegando aqui, foi se entrosandocom o pessoal da Rádio Londrina, especialmente com o amigo Uady

12 ORICOLLI, Sílvio. Rádio: e a bola rolou. Folha de Londrina: 30 de novembro de 1989. p.20.

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Chaiben, e acabou ficando para trabalhar na emissora, já que seucontrato com a Rádio Cultura de São Paulo havia acabado. Ambrósiorecorda que naquele mesmo ano, no dia 7 de setembro, o esportistaJacob Bartholomeu Minatti trouxe o Palmeiras para jogar na cidade:

Mas nesse 7 de setembro nós não, nós não... nós participamosapenas. Quando foi no ano de 48, que o Minatti foi trazer oPalestra Itália novamente, hoje Palmeiras, para jogar emLondrina, contra o Operário [...]. E eu cheguei ao Uady Chaibene disse: ‘Uady, nós vamos transmitir essa partida de futebol’. OUady ficou meio apavorado. Ele disse: ‘Mas como, Ambrósio,que nós vamos fazer uma transmissão dessa natureza? Nós nãotemos elementos, nós não temos condições...’. ‘Não seincomode, não se incomode, que eu vou cuidar dessa parte, eutenho condições de fazer a transmissão esportiva.’ [...] Nãotínhamos equipamentos, não tínhamos microfone, nãotínhamos coisíssima nenhuma. [...] Em cima da horaconvidamos o João Schobiner, que era o técnico da RádioLondrina, e o João Schobiner preparou lá então um amplificadormeio às pressas, meio pegando peça daqui, peça de lá, e conseguiufazer um amplificador pequeno, para mandar o som do campode futebol para o estúdio. E assim foi feito esse equipamento. Efomos pra luta, eu e o Uady Chaiben só. E nós lá empunhandoo microfone, irradiando a grande partida, que foi do Palmeirascom o Operário, e o Palmeiras ganhou de onze a zero. (ROCHA;CUISSI, 1998).

Uma pesquisa mais cuidadosa, porém, revela que o jogo Operárioe Palmeiras, citado por Ambrósio Neto, se realizou em 7 de setembrode 1947 e não em 1948, e que o narrador também se enganou no placar.Em sua edição de 10 de setembro de 1947, o jornal Paraná Norte trouxematéria de contracapa, com o título: “Fácil vitória do Palmeiras pelaalarmante contagem de 10 x 0”. Apesar de o primeiro parágrafo citarum gol do Operário – “Jogando domingo nesta cidade, o PalmeirasPaulista colheu uma brilhante vitória frente ao Operário local, marcando10 tentos contra um do adversário” – a descrição da partida confirmao placar anunciado na manchete.

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Com o estádio “completamente lotado”, o Palmeiras entrou emcampo com a seguinte formação: Oberdã, Osvaldo e Turcão, ZezéProcópio, Tulio e Waldemar, Lula, Arturzinho, Osvaldinho, Canhotinhoe Mario Miranda. Brandão era o técnico da equipe alviverde. Já oOperário jogou com: Julio, Gouveia e Rubens, Gilberto, Baianinho eOscar, Boanerges, Albertinho, Leonidas, Fagundes e Canhoto. Amatéria do Paraná Norte não informa o nome do técnico da equipelondrinense. “A arbitragem do Sr. Vicente Gengo, da F.P.F. foi bôa,mesmo porque foi auxiliado pelas duas equipes que conduziram-se nogramado com bastante disciplina. A renda atingiu a apreciavel somade mais ou menos Cr$ 80.000, 00.” (FÁCIL ..., 1947).

A possibilidade de que o confronto Palmeiras e Operário tenhase repetido nos anos de 1948 e 1949 pode ser descartada, uma vez quea presença da delegação alviverde em Londrina foi um grandeacontecimento, como mostra uma fotografia publicada na revistacomemorativa ao primeiro ano do Paraná-Jornal. A imagem (Figura 3)exibe uma faixa pendurada na rua, durante o desfile de 7 de setembrode 1947, em que se lê: “O comércio, indústria e esportistas de Londrinasaúdam a embaixada da Sociedade Esportiva Palmeiras”.

Também um panfleto de divulgação da época (Figura 4), tratouo jogo como “A mais importante partida de futebol de 1947, que serátravada no tapete mágico do Estádio Cap. Aquiles Pimpão Ferreira”.Tanto destaque leva a deduzir que, se o confronto tivesse se repetidonos anos seguintes, os jornais voltariam a mencioná-lo. Porém não háregistros nos impressos londrinenses de que o Palmeiras tenha retornadoa Londrina nas comemorações da independência de 1948 ou 1949.

Segundo Thompson (1992, p180), a cronologia é uma das maioreslimitações da história oral. Isso porque “[...] a maioria das pessoas estámenos interessada nos anos do calendário do que em si mesmas, e quenão organizam suas memórias demarcadas por datas.” Assim, pode-seconcluir que o primeiro jogo narrado por Ambrósio Neto pela RádioLondrina aconteceu em 7 de setembro de 1947. Definida a data, surgeoutro problema: Ambrósio foi realmente o primeiro locutor esportivo

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da cidade? Nenhum dos nove entrevistados soube responder comexatidão quem teria sido o pioneiro nesse tipo de irradiação, mas amaior parte deles acredita que foi mesmo Ambrósio Neto.

Figura 3: Desfile de 7 de setembro de 1947 em LondrinaFotografia: Autor desconhecido (publicada na revista comemorativa

do primeiro ano do Paraná-Jornal, em 1947)Fonte: Acervo do Museu Histórico de Londrina Padre Carlos Weiss

Figura 4: Panfleto de divulgação da partida Operário e PalmeirasFonte: Acervo do Museu Histórico de Londrina Padre Carlos Weiss

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Apesar de não se lembrar de datas, Augusto Reis (2008)13 arriscaque ele próprio pode ter sido o primeiro narrador esportivo da cidade:

Eu não sei, não, viu. Eu não sei, não, mas... Vou dar um chute pravocê: profissionalmente falando, profissionalmente falando, achoque fui eu, hein? Não tenho certeza. [...] Então eu acho que eu fuio primeiro, eu não tenho... A única coisa que eu posso dizer pravocê com toda certeza, que o primeiro jogo oficial do Londrina noestádio VGD, eu estava lá pra narrar. [...] Parece que foi Londrinae Prudentina, Corinthians de Presidente Prudente, uma coisaassim.

No entanto, uma nota divulgada na Coluna de Rádio do dia 16 dejunho de 1956, afirma que: “Augusto dos Reis é o mais recentecontratado da D-4. Atuará como locutor comercial e esportivo.” Ouseja, quando Reis ingressou na Rádio Londrina, a emissora já tinha seudepartamento esportivo consolidado e realizava transmissões regularesde futebol e outros esportes. Augusto Reis, possivelmente, referia-seao fato de ter participado da transmissão da primeira partida realizadapelo time profissional do Londrina Futebol Clube14 contra o Corinthiansde Presidente Prudente, em 24 de junho de 1956, que terminou com oplacar de 1 x 1.

Já João Bosco Tureta (2009)15 levanta a possibilidade de AntônioEuclides Sapia ter sido o pioneiro nas irradiações esportivas emLondrina:

13 Augusto Reis. Depoimento (CD-ROM). Entrevista concedida a Bruna Mayara Komarchesqui, emsua residência (Londrina – Pr.), dia 15 de setembro de 2007.14 Na ata de fundação, assinada em 5 de abril de 1956, o time foi batizado de Londrina Futebol Clube.Suas cores eram o azul e o branco. Poucos anos depois, no início da década de 60, o nome foialterado para Londrina Futebol e Regatas, uma estratégia que visava conseguir verbas do governoestadual para a construção da sede do clube. Em janeiro de 1970, os dois times da cidade – ParanáEsporte Clube e Londrina Futebol e Regatas – se uniram e, a partir dessa fusão, nasceu o LondrinaEsporte Clube, alterando suas cores para vermelho e branco, as cores da bandeira do município,segundo Mateus (1996). Foi só em 1972, com o retorno de Carlos Antonio Franchello à presidênciado LEC, que o clube voltou a adotar o uniforme alviceleste.15 João Bosco Tureta. Depoimento (CD-ROM). Entrevista concedida a Bruna Mayara Komarchesqui,por telefone, dos Estados Unidos, dia 2 de outubro de 2009.

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Não, eu não tenho a data precisa. [...] Eu sei que a Rádio Londrinacomeçou nos esportes no início da década de 50, tanto que eu citeique em 53 já o Antônio Euclides Sapia ganhava destaque e eracontratado pela Rádio Panamericana. [...] O basquete veio antesdo futebol, o basquete... é, o basquete, a natação. Londrina teveuma equipe, teve equipes fantásticas de natação e equipes debasquete.

A Coluna de Rádio do dia 21 de fevereiro de 1953, porém, traz ainformação de que naquele dia a ZYD-4 estudava a possibilidade deirradiar, diretamente da quadra do Country, a partida final doCampeonato Extra de Bola ao Cesto, e completa: “Caso se concretize,será a primeira vez que a D-4 transmite um jogo de bola ao cesto”.Esses elementos levam a concluir que, apesar da fragilidade das datas,a versão de Ambrósio Neto sobre o início das transmissões esportivaspelo rádio londrinense é a mais plausível e confiável. Portanto, tudoleva a crer que a irradiação da primeira partida de futebol feita pelorádio local se realizou em 7 de setembro de 1947 e terminou com umagoleada de 10 x 0 do Palmeiras sobre o Operário. Pela primeira vez, olondrinense pôde acompanhar lance por lance uma partida do futebolamador local sem sair de casa.

O futebol como esporte amador

Segundo Schwartz (2003), no início dos anos 30, maisespecificamente em 1934, surgia na cidade o primeiro clube de futebolamador, o Esporte Clube Londrina. Naquele tempo, os jogadores tinhamque “pagar” para atuar na equipe, ou seja, além de não receber qualquerremuneração, ainda tiravam do próprio bolso para comprar camisas edemais materiais necessários.

Anos depois, na década de 50, eram comuns times amadorespertencerem a grandes empresários da cidade, que viam no futebol ummeio de divulgar sua empresa no rádio e nos jornais. “O Nakashi

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Futebol Clube lembrava a retificadora dos irmãos Nakashi; o Fugantirepresentava o maior e mais diversificado estabelecimento comercialdo Norte do Paraná [...].” (SCHWARTZ, 2004, p.4B). Emboraamadoras, essas equipes contavam com alguns jogadores da categoria“profissional”, a quem pagavam em dinheiro ou com ofertas deemprego. Contrato escrito não existia, era tudo à base da palavra e daconfiança. Willy Gonser (2009)16 dá mais detalhes de como era essasituação no ano de 1957:

Naquele tempo, você sabe bem, sendo de Londrina, era o café oforte da economia, na rua se via muita gente com jipe, roupasuja... Eles enfiavam a mão no bolso e saía um monte de dinheiro,né. O café dava muito dinheiro a muita gente, então a economiatava forte naquela época. Mas o futebol de Londrina e de CornélioProcópio, de Maringá, de Mandaguari, de Cambé, de Rolândia,não era filiado à Federação Paranaense, não era oficial, não tinhavínculo. Era um futebol dito amador. Só que não tinha nada deamador, já que eles, muito inteligentes, traziam jogadores do Rio,de São Paulo, de Minas, do Paraguai, da Argentina... E gente queeventualmente se dispusesse a jogar lá uma partida ou outra,porque não podiam ficar grande tempo. Então os jogadores, àsvezes suspensos, dos clubes, não poderiam jogar a próxima docampeonato carioca ou paulista, eram trazidos pra fazer umapartida no domingo, né. E ganhavam um bom dinheiro. Comoo futebol não era oficial... podia.

Impossível falar do esporte amador em Londrina sem citar JacobBartholomeu Minatti, um descendente de italianos que veio de Assis(SP) para Londrina em 1932. Em sociedade com o irmão Lauro Minatti,estabeleceu sua oficina de artefatos de ferro, que dez anos depois setornou a Indústria & Comércio Minatti, situada na esquina das ruas SantaCatarina e Mato Grosso. Visionário, já nos anos 40, Minatti montouum time de futebol amador, o Esporte Clube Operário (Figura 5). “Há

16 Willy Gonser. Depoimento (CD-ROM). Entrevista concedida a Bruna Mayara Komarchesqui, emsua residência (Belo Horizonte – MG), dia 15 de outubro de 2009.

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indicativos de que na ‘fase Minatti’ começou o semiprofissionalismo.Gratificações a atletas, ainda que pequenas, e contratações.”(SCHWARTZ, 2000b, p.8A).

Figura 5: Jacob Bartholomeu Minatti com uma das formações do Esporte Clube OperárioFotografia: Autor desconhecido (publicada no Jornal de Londrina)

Fonte: Schwartz (2000b)

Um dos maiores empreendimentos de Minatti foi a construçãodo Estádio Capitão Aquiles Pimpão Ferreira, o “Pacaembuzinho deLondrina”, como o local ficou conhecido. Em 1944, o empresáriopediu ao então prefeito, Aquiles Pimpão, um terreno onde pudesseconstruir um estádio. Segundo informações de Schwartz (2000a), aárea de 20.355 m² foi doada por mister Arthur Thomas, presidenteda Companhia de Terras Norte do Paraná, e muitas pessoas ajudaramna construção, como mostra um anúncio de jornal de 1945 (Figura6). Minatti, porém, arcou com a maior parte dos custos: “[...] ‘fizemoso nivelamento e o cercado do campo com o auxílio do comércio eamigos. Como a arrecadação não bastasse para cobrir as despesas, eusaldei o déficit’ [...]”. (SCHWARTZ, 2000a, p.8A). Em 1951, a

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prefeitura desapropriou o estádio, denominando-o, no ano de 1954,Vitorino Gonçalves Dias, em homenagem ao professor de educaçãofísica, morto na cidade depois de haver sido mordido por um “cachorrolouco”.

Figura 6: Lista de pessoas que contribuíram financeiramente coma construção do Estádio Capitão Aquiles Pimpão Ferreira

Fonte: Schwartz (2000a)

O estádio construído por Minatti recebeu o nome de CapitãoAquiles Pimpão Ferreira, pois, além de haver ajudado a conseguir oterreno, o prefeito era um grande amigo do empresário. Nomeado paraa prefeitura de Londrina em 23 de outubro de 1943, Pimpão era homemde confiança do interventor Manoel Ribas e exercia simultaneamentea função de delegado na cidade, algo comum na época. Segundo

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Schwartz (2000a), o campo foi inaugurado em 7 de setembro de 1945,com a presença do time do Palmeiras, que teria goleado o Operário.Não há registros desse jogo no Paraná Norte, embora o jornal tenhaapoiado a construção do estádio. Dois anos mais tarde, em 1947,Minatti fundou a Liga Comercial de Esportes de Londrina. “Em síntese,Minatti era ‘a alma do futebol londrinense, o espírito empreendedor, abolsa gerenosa’ [...]”. (SCHWARTZ, 2000b, p.8A).

Nos primeiros anos das transmissões esportivas em Londrina,todo o destaque era para o esporte amador, posto que não havia clubesprofissionais na cidade. Até o início da década de 50, as irradiações deesporte da D-4, ainda única emissora londrinense, ficavam a cargo dadupla Ambrósio Neto e Jaime Galmacci. Com a saída de Galmacci,em fevereiro de 1953, Rubens Greiffo passou a formar dupla comAmbrósio no microfone.

Em entrevista a Oricolli (1989, p.20), Ambrósio Neto relata queos profissionais de rádio se concentravam na Brasserie da avenidaParaná – onde hoje é a Casa Hudersfield – para avaliar o trabalho dodia. Até que certo domingo, o telefone tocou:

A gente estava lá fazendo um lanche quando eu fui chamadopara atender uma ligação de Curitiba. [...] E para minha surpresa,era o Colombino Grassano, da Rádio Guairacá, que queria umresumo do nosso campeonato regional. Pego de surpresa,tentei me esquivar dizendo que as anotações tinham ficado narádio, o que era verdade. Aí ele falou: ‘Passa o que você selembrar. Da próxima vez a coisa será diferente.’ Então eu chameio Deolindo Costa e mais um companheiro e fizemos umresumo para a Guairacá. E como o campeonato amador deLondrina era muito forte, todos os domingos transmitíamos,diretamente da cabine telefônica da Brasserie, o resumo dodomingo para Curitiba.

Ambrósio Neto garantia que, “[...] mesmo a Rádio Londrina sendoa única emissora da cidade, nós procurávamos fazer a coisa com amaior seriedade”. (ORICOLLI, 1989, p.20). Segundo Deolindo Costa

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(2009)17, no entanto, essa resenha esportiva já era feita antes mesmodo surgimento da Rádio Londrina:

Em Londrina, antes de ter rádio, o esporte nosso nós começamos,por incrível que pareça, ali onde é aquela pracinha que tem nafrente ali do Cine Ouro Verde, ali tinha um serviço de alto-falantee todos os domingos, à noite, por volta das 9 horas da noite nósestávamos apresentando a resenha esportiva. [...] O AntonioEuclides Sapia, eu... Então a gente corria, porque havia umcampeonato regional. Então tinha jogo em Bela Vista, Ibiporã,em Cambé, Arapongas, Rolândia. E chegava as 9 horas a genteprecisava se encontrar lá. Era tudo na base do entusiasmo, navontade de fazer, ninguém tava visando lucro, nem nada. [...]nesse serviço de alto-falante, nós começamos a fazer um tipo decomunicação esportiva. É, das nove às dez horas. Uma hora pordia, todo domingo.Apresentava resultado de todos os jogos, o comentariozinho, asequipes que jogaram, era um negócio bem feito. [...] Depois eu fuipra Curitiba, fui trabalhar num jornal esportivo lá em Curitiba, oParaná Esportivo. E voltei pra Londrina. E quando voltei praLondrina, daí entrei em contato com o seu Raul [Dal Col] emontamos então a Majestade do Esporte. Eu criei, eu comandava,eu organizava. Então coloquei a melhor equipe que tinha na época.

O surgimento de novas emissorasde rádio em Londrina

Até meados da década de 50, a Rádio Londrina reinou sozinhana cidade. Em maio de 1955, entrou no ar, em caráter experimental, aRádio Difusora do Paraná. A concessão em duas faixas de ondastornou-a conhecida como “a emissora dos dois prefixos”: ZYS-44 ondasmédias e ZYS-45 onda tropical. Recém inaugurada, em agosto domesmo ano, a Difusora já planejava cobrir os Jogos Abertos do Interior

17 Deolindo Costa. Depoimento (CD-ROM). Entrevista concedida a Bruna Mayara Komarchesqui,em sua residência (Guaratuba – Pr.), dia 18 de julho de 2009.

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de São Paulo. E assim a nova rádio entrava na concorrência pelasirradiações esportivas em Londrina.

Dois anos mais tarde, a cidade ganhou sua terceira emissora,a ZYS-57 Rádio Paiquerê. No dia 9 de fevereiro de 1957, dataoficial de sua inauguração, a nova estação levou ao ar um jogo defutebol que havia sido gravado quatro dias antes. João Bosco Tureta(2009) foi um dos membros da equipe esportiva responsável pelagravação:

Fizemos a primeira transmissão esportiva em janeiro, antes dela[Paiquerê] entrar no ar definitivamente, em caráter experimental.Um jogo no Vitorino Gonçalves Dias, que eu não me recordobem o jogo. O Arceno Attas [...], e o Militão, que pertencia à Folhade Londrina e eu como repórter, nós gravamos num gravadorGeloso, com Valdomiro Repa, que era o técnico de som, pra sercolocado no primeiro domingo de janeiro de 57.

Com o slogan “Esporte é com a Paiquerê”, como mostra umapropaganda da época (Figura 7), a ZYS-57 formou um departamentoesportivo forte, capaz de concorrer à altura com as duas emissoras jáexistentes em Londrina. José Maria de Brito (2008)18, que trabalhounas três emissoras, confessa ter saudade dos tempos da Londrina,Difusora e Paiquerê. “Nós tínhamos uma concorrência forte, masfortíssima mesmo, que era um dos setores onde se tinham os melhoresprofissionais da cidade.”

Somente nos anos 60 a cidade veria nascer novas estações derádio. Em outubro de 1961, a Rádio Clube passou a operar em caráterexperimental. Apenas dois meses mais tarde, o setor de esportes daemissora já contava com Brasil Filho, um grande nome das transmissõesesportivas do rádio araponguense. Em janeiro do ano seguinte, JoséMaria de Brito ingressou na Clube, fortalecendo ainda mais odepartamento especializado.

18 José Maria de Brito. Depoimento (CD-ROM). Entrevista concedida a Bruna Mayara Komarchesqui,em sua residência (Cambé – Pr.), dia 19 de maio de 2008.

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Figura 7: Propaganda do departamento esportivo da Rádio PaiquerêFonte: Esporte... (1962)

Figura 8: Propaganda do departamento esportivo da Rádio ClubeFonte: Decisão?... (1963)

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Também no início dos anos 60, Londrina ganhou a Rádio Cruzeirodo Sul. Como a concessão pertencia ao mesmo grupo que detinha osdireitos da Paiquerê, a Cruzeiro não chegou a fazer transmissõesesportivas. Em janeiro de 1963, surgiu a Rádio Atalaia. Entretanto, aemissora não se dedicava tanto às transmissões esportivas. Seu negócioeram as radionovelas. Vez ou outra a Atalaia irradiava algum esporte,mas até agosto de 1963 ainda não havia um departamento esportivoconsolidado. Curiosamente, sua primeira transmissão esportiva –realizada em fevereiro de 1963 – foi de uma partida de beisebol feitaem língua japonesa. A informação é da Coluna de Rádio, que acrescentou:“Ninguém entendeu (pelo menos os brasileiros)”. (COLUNA..., 1963a).

Nem só de futebol viviao radiojornalismo esportivo

Nem só de futebol viviam os departamentos esportivos dasemissoras, especialmente nos primeiros anos. Já em 1953, Carlos Silvaapresentava um programa de turfe diário, às 12h15. Havia tambémirradiação de basquete e de corridas de pedestre. Ao longo dos anos,as rádios londrinenses transmitiram as mais variadas modalidadescomo natação, pugilismo, futebol de salão, atletismo, vôlei, provasautomobilísticas e, até mesmo, boliche (ou bolão, como se dizia naépoca). A ideia surgiu com Deolindo Costa (2009), que estava certanoite de domingo na Rádio Londrina, quando chegou um sujeito comuma súmula de bolão pedindo para que eles divulgassem o resultadono ar:

Ninguém entendia aquilo. ‘Que diabo tanto ponto? Vamos dar,né, já que isso é notícia...’. [...] Aí eu falei: ‘Puxa vida, que coisagozada isso aí. Vamos dar o resultado? Vamos dar.’ Demos oresultado e eu falei: ‘Eu vou ver um desses jogos.’ Tinha, treino,tinha segunda, terça, quarta, quinta e sexta tinha... cada dia é uma

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equipe diferente. E eu fui lá no Clube Alemão e vi, achei interessanteaquilo lá e falei: ‘Puxa vida, isso aqui acho que vai dar samba.’ E daícomecei a divulgar e depois pus na cabeça ‘Se um rapaz com 20, 25anos, ele se torna líder, ídolo e é aplaudido, recebe medalha, porque um homem, uma mulher depois dos 40 não pode tambémreceber esses afagos? Pode sim, eu vou criar’. Daí criei a coluna dobolão. [...] Imagina você fazer um programa de uma hora sófalando de bolão? Começamos com 15 minutos, foi pra 30, foipra 45, depois eu completei, quando vi tava uma hora. Uma horafalando de bolão. [...] E a gente fazia, a gente fazia, por exemplo,duas vezes por semana, a gente fazia um tipo de, de... pegar todosos dados da pessoa e escrevia a história da pessoa, dramatizava,colocava contrarregra e todo mundo pra fazer aquilo, dramatizavaa vida da pessoa. [...] E isso nós fizemos 10 anos o bolão emLondrina. Chegamos a transmitir partida de bolão. [...] Às vezesa gente vinha até aqui em Curitiba transmitir partidas de bolão.

Deolindo Costa garante que as transmissões rendiam grandesíndices de audiência. Fiori Luiz (2009)19 relembra como começou anarrar o bolão:

Tinha a AREL, tinha o Tomara que caia, tinha o Clube Curitibano,tal... E a Rádio Londrina tinha o Deolindo Costa, então ele falou:‘Fiori, você vai transmitir bolão.’ Eu falei: ‘Você tá ficando louco!’Ele falou: ‘Não, vai sim, aqui no Clube Alemão.’ E era aquelafesta, tal né. E eu não sei nem, eu sei que... ‘prepara o Fritz, correu,jogou... oito pontos, oito pinos, oito pontos! Nove, dez!’. Etransmitimos em Rolândia, transmitimos em Curitiba, tudo,campeonato paranaense de bolão. Isso foi a coisa mais estranhaque eu transmiti. Agora, futebol de salão transmiti muito, basquetetransmiti muito, tanto por rádio, como televisão. Isso, agora,futebol sempre foi o básico mesmo.

Além dos jogos e competições, havia variados programasesportivos nas grades de programação das emissoras locais. Em suamaioria, eram noturnos e diários. Aos domingos e nos dias de partidas,

19 Fiori Luiz. Depoimento (CD-ROM). Entrevista concedida a Bruna Mayara Komarchesqui, naRádio Paiquerê (Londrina – PR), dia 8 de outubro de 2009.

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também eram realizadas as jornadas esportivas nos moldes destas queexistem no rádio atual: a preparação antes de começar a transmissãodo jogo e uma grande resenha com comentários ao final.

Os Jogos Abertos do Paraná

Em 1957, a cidade já contava com três emissoras de rádio:Londrina, Difusora e Paiquerê. As equipes amadoras de diversasmodalidades continuavam sendo o forte do esporte local. Nesse anoforam criados os Jogos Abertos do Paraná. Deolindo Costa (2009)recorda que todos os anos saíam delegações de atletas de Londrinapara disputar os Jogos Abertos do Interior, realizados no estado de SãoPaulo.

Eu trabalhava em Curitiba, como eu já disse, estava no [Paraná]Esportivo, eu era secretário. Eu fui à Londrina e encontrei [...] oprofessor Reinaldo [Ramon]... E nós colocamos essa ideia: ‘Porque todo ano tem que sair daqui pra ir disputar em São Paulo?Porque não vão fazer os jogos aqui?’ Foi aquele ‘vamos que vamos’e nesse ínterim eu mudei, eu voltei pra Londrina. [...] Bom, atéagora prevaleceu o idealismo, a vontade, o desejo, mas pra tocarprecisa de dinheiro. E como é que nós vamos fazer? Então duaspeças chaves: uma que tinha o dinheiro e a outra capaz de correr ascidades pra trazer gente pra cá e corria também em busca de dinheiro.O que foi trabalhar, cavoucar pra trazer dinheiro é o AbrahãoAndery, acho que faleceu. Abrahão Andery. E quem bancava ocaixa nesse ínterim era o Mário Fuganti, entendeu? Então naverdade, fomos nós que fizemos os Jogos Abertos do Paraná. Etaí, né, hoje.

Na época, Deolindo mantinha uma coluna sobre esportes na Folhade Londrina, intitulada Observando. Na edição do dia 30 de agosto de1957, véspera da abertura dos Jogos Abertos, ele escreveu: “É necessáriocompreender que o I JOAPA representa o início de uma nova era parao desporto paranaense.” (COSTA, 1957). O evento, organizado pela

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Liga de Esportes Atléticos de Londrina (LEAL), não só movimentouos esportistas da cidade, como foi uma motivação a mais para osdepartamentos especializados das emissoras de rádio. Segundo Mateus(1996), a criação dos Jogos Abertos, juntamente com a fundação doLondrina Futebol Clube em 1956, foi um dos pontos chave para ocrescimento do rádio esportivo londrinense.

No dia 31 de agosto de 1957, a Folha de Londrina anunciava,em manchete de capa, a realização de cinquenta e seis jogos debasquete durante a competição, com a presença de delegações deoito cidades. Na mesma data, a Rádio Paiquerê dava um grande passono esporte, ao contratar o locutor Willy Gonser, grande nome do“sem fio” brasileiro, para comandar seu departamento esportivo.Chamada “Caçula” na época, por ser a emissora mais jovem deLondrina, a Paiquerê foi a única a dar ampla cobertura a todos osacontecimentos ligados aos Jogos Abertos do Paraná. Esteve presentenão só nas competições de basquete, vôlei, tênis, atletismo e outrasmodalidades, como na chegada dos atletas ao aeroporto, no desfilena avenida Paraná (com quatro postos instalados em locais diversos)e no Juramento do Atleta, realizado no estádio Vitorino GonçalvesDias. Segundo a Coluna de Rádio, as outras duas emissoras da cidade,Londrina e Difusora, fizeram cobertura menos completa, mas seusmicrofones também estiveram presentes.

O próprio Willy Gonser (2009), que encerrou o contrato com aPaiquerê em 1959, recorda seu ingresso no rádio londrinense:

[...] realizaram-se os Jogos Abertos do Paraná, foi a primeira vez,foi em Londrina. É... setembro, outubro de 57. Foi quando eufui pra lá e... pra... primeira missão a cobertura dos Jogos. Tinhaoutro locutor na equipe, nós fazíamos tudo: basquete, vôlei,natação... Futebol nem tinha no conjunto dos jogos. Outrascompetições também, outras modalidades. E a gente transmitiuaquilo 15 dias. Depois eu permaneci dois anos em Londrina, nototal, inclusive fazendo um dos primeiros torneios extra-oficiaisde futebol do norte do Paraná.

O esporte nas ondas do rádio

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Aos poucos, as emissoras de Londrina foram perdendo o interessepelos Jogos Abertos e pelo próprio esporte amador. Em 1958, apenasa Paiquerê compareceu a Curitiba para cobrir sua segunda edição. Noano seguinte, com a realização das competições novamente emLondrina, as três emissoras voltaram a dedicar certa atenção à coberturado evento. Em 1960, porém, Francisco Natal, da Paiquerê, foi o únicorepórter da cidade presente em Cornélio Procópio para a coberturados IV Jogos Abertos do Paraná.

Em 1961, as três estações de Londrina começaram a dedicarmais atenção ao esporte amador. Jogos de vôlei, basquete e futebol desalão passaram a merecer espaço maior na programação esportiva daRádio Londrina. Em sua edição de 18 de junho, a Coluna de Rádiodivulgou nota afirmando que a Difusora “[...] espera, de agora em diante,proporcionar a mais completa cobertura aos desportes amadoristas”.A cobertura da Paiquerê ao futebol amador também foi consideradabastante completa pela Coluna: “O noticiário apresentado nosprogramas de esporte da Paiquerê, a respeito do assunto, é dos maiscompletos.” (COLUNA..., 1961c).

No ano seguinte, porém, houve ausência total das emissoraslondrinenses na cobertura dos Jogos Abertos da Alta Sorocabana. Em19 de julho de 1962, a Coluna de Rádio (COLUNA..., 1962) dedicougrande espaço para falar do assunto, criticando a postura dosdepartamentos especializados de Londrina: “Ora, o esporte amadortambém tem público.” No dia 19 de outubro, sob a retranca “Desabafo”,a Coluna voltou a discutir o problema: “Um diretor da Liga Regional deFutebol de Londrina queixa-se da falta de cobertura das emissoras deLondrina ao esporte amador, mais especialmente ao futebol.”

Reconstruindo a história do rádio esportivo londrinense, hoje,por meio de depoimentos saudosos e bem humorados de seus primeiroslocutores, parece que tudo foi simples em sua evolução. Nada disso.Para cada conquista, muitas dificuldades. Para cada transmissão, muitasimprovisações. Dificuldades, improvisações e, principalmente, acriatividade e disposição de seus protagonistas, transformaram Londrinanuma verdadeira escola de rádio.

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Dificuldades e conquistas

Se no início o amadorismo imperava nos campos, nosmicrofones a situação não era muito diferente. Durante os primeirosanos de rádio esportivo londrinense, algumas deficiências de ordemtécnica dificultavam as transmissões. Na década de 50, a eletricidadeainda era um problema em Londrina. A energia elétrica chegou àcidade em 1933, por meio de um gerador movido a óleo cru, compotência suficiente para iluminar o Hotel Campestre, o escritório e aresidência de alguns diretores e funcionários da Companhia de TerrasNorte do Paraná. Apenas em 1936 foi criada a Empresa Elétrica deLondrina Sociedade Anônima (EELSA), e a iluminação pública foiinaugurada somente em 11 de junho de 1938.

Em maio de 1953, era impossível irradiar uma partida defutebol no período da manhã, já que a Empresa Elétrica não ligava aenergia antes das 10 horas. Dois anos depois, em junho de 1955, asituação de racionamento de energia continuava, agora prejudicandoduas emissoras: “[...] a Rádio Londrina não funciona das 8 às 10 horas.A ZYS-44 Rádio Difusora Paraná, em vias de ser inaugurada, sofrerámuito mais: o período sem energia para a nóvel estação écompreendido entre 12 e 16h.” (COLUNA..., 1955).

Além da eletricidade, outro grande problema enfrentado pelosprofissionais de rádio era a escassez de linhas telefônicas,especialmente as interurbanas. Irradiar uma partida fora de Londrinaera um trabalho complicado que se iniciava com horas deantecedência. Em entrevista a Oricolli (1989, p.20), Ambrósio Netoexplica que, no início, todas as transmissões externas eram feitas àbase de linha física, ou seja, fio mesmo:

Naquele tempo tinha a Companhia Telefônica Nacional, aconcessionária do serviço no Paraná, que tinha dificuldades emnos conseguir linhas. [...] Quando a companhia não tinha, o jeitoera emprestar da Companhia de Terras. Isto aconteceu certa vez

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que fomos transmitir um jogo do Nacional, em Rolândia. Às seisda manhã começamos a puxar o fio, amarrando-o poste por postepara, às três da tarde, estar tudo pronto para a transmissão. Depoisdo jogo foi aquele trabalhão de novo.

O telefone chegou a Londrina em 1932, antes mesmo daeletricidade e da emancipação política do município. A primeira linhafoi instalada também no Hotel Campestre, por ordem do diretortécnico da CTNP, o engenheiro Willie Davids que, mais tarde, veio aser prefeito da cidade. “A promissora Londrina (ainda PatrimônioTrês Bocas) estava agora interligada a todas as outras estações eescritórios da Cia. De Terras até Ourinhos, sede da companhiaferroviária.” (TAVARES, 2003, p.18).

Em 1945, a Companhia Telefônica Paranaense (CTP) efetuouum levantamento preliminar para a instalação de uma centraltelefônica na cidade, e 450 pessoas se mostraram interessadas em teracesso a esse serviço. No ano de 1946, em decorrência da expansãoda cultura de café, “[...] foram interligados por telefone, a partir deCambará, os municípios de Andirá, Bandeirantes, Cornélio Procópio,Jataizinho e Londrina aproveitando o posteamento da Estrada deFerro São Paulo-Paraná”. (TAVARES, 2003, p.19). Em 31 de julhode 1947, a Companhia Telefônica Paranaense (CTP) instalou, nonúmero 85 da atual alameda Manoel Ribas, a primeira centraltelefônica manual de Londrina, com capacidade para atender 578assinantes.

Com o surgimento de novas emissoras de rádio na cidade, oproblema das linhas ficou cada vez mais sério. José Maria de Brito(2008) relembra a época em que havia três emissoras interessadasem transmitir uma partida e apenas duas linhas telefônicas (uma daCompanhia Telefônica e outra da Companhia de Terras). A soluçãoera apelar para um sorteio: quem ganhasse faria o jogo, quem perdesseteria que se virar para preencher o horário reservado aos esportes.Augusto Reis (2008) ressalta que ganhar a linha no sorteio poderianão ser a solução dos problemas, mas apenas o início deles:

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[...] muitas ocasiões, você só tinha uma linha, você começava muitobem a transmissão e, de repente, havia uma falha técnica, a própriaTelefônica não tinha assim um sentido de aprimoramento técnicopra cuidar da coisa. Pifava, caía a linha, voltava, ou seja, era aquelacoisa daquele tempo. Mas isso a gente já convivia com aquelasituação, já tava preparado... Londrina e Jacarezinho, Esportivo deJacarezinho, jogão, faltavam duas rodadas pra terminar ocampeonato paranaense naquele tempo, no auge... no auge, noauge, no auge, no auge caiu a linha. Comigo. Uns 10 minutosmais ou menos, 15 minutos do primeiro tempo. Não voltoumais. E só eu tava transmitindo, porque eu ganhei a linha. Entãoo povo aqui que tava ouvindo, ficou sem saber quem ganhou. Sóficou sabendo quando o Londrina voltou à noite, ou mais oumenos à noitezinha, ou no dia seguinte que tinha havido empate.[...] Essa ficou fora do ar. Quando saía assim temporariamente,por 2 minutos, 3, até mais, você dava um jeito de falar com eles,ou eles falarem com você... deu problema, ou não falava, vocêentrava direto em contato com a Telefônica, era um problema.

João Schobiner Neto (2009)20, filho do técnico de som da RádioLondrina, explica que hoje as transmissões são feitas por microondas,por satélite. “E naquele tempo não, era tudo linha física. Então tinharonco, tinha interferência, tinha uma porção de coisa que tinha quecorrigir, então, por isso que tinha que ir um técnico junto.” Algumasvezes, as panes não eram causadas por defeitos nas linhas, mas porroubos de fios, um procedimento bastante comum naquele tempo. Masnão era só o interesse financeiro que motivava o roubo, segundo Tatinha(2009)21, também havia quem cortasse o fio da transmissão por maldade:

[...] lá em Jandaia do Sul tem apenas uma linha pra se transmitirfutebol e, de repente, tem três rádios pra fazer o jogo. Aí vocêtinha que pedir um barracão, um telefone de um barracãoemprestado a cem metros do campo, puxar essa fiação toda pravocê fazer. E, às vezes, você se deparava com um engraçadinho

20 João Schobiner Neto. Depoimento (CD-ROM). Entrevista concedida a Bruna Mayara Komarchesqui,em sua residência (Londrina – PR), dia 7 de outubro de 2009.21 Jair Antonio Prata (Tatinha). Depoimento (CD-ROM). Entrevista concedida a Bruna MayaraKomarchesqui, na clínica onde trabalha atualmente (Londrina – PR), dia 22 de outubro de 2009.

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que falava pra você assim: “Ô, você vai acabar de falar agora.’ Vinhae cortava o teu fio de telefone que você estava conversando com oouvinte. Quer dizer, isso acontecia muito.

Muitos são os “causos” envolvendo o problema das linhastelefônicas e o rádio esportivo londrinense. Mas uma história em especialganha de goleada na preferência dos colaboradores entrevistados. Ocaso ficou conhecido como “O 1 x 1 da Paiquerê” e foi definido porDeolindo Costa (2008) como “o maior mico em rádio”. Não há locutoresportivo na cidade que não se lembre dessa história. A Rádio Londrinatinha Augusto Reis no microfone e havia ganhado a linha para atransmissão da final Londrina e Mandaguari, em 1957. Derrotada nosorteio, a Paiquerê precisou apelar para a criatividade. Quem conta osdetalhes é o próprio Willy Gonser (2009), protagonista do fato:

Foi Londrina e Mandaguari. E o jogo final foi em Mandaguari. OLondrina tinha um ponto atrás do Mandaguari, último jogo quefaltava e o Mandaguari, portanto, jogava pelo empate, ele tinhaum ponto à frente. A linha telefônica para transmitir de lá eramuito ruim, em termos de qualidade, e havia uma só. Havia trêsrádios em Londrina, mais duas além da Paiquerê, interessadas emfazer o jogo. Houve um sorteio e a Paiquerê não ganhou o sorteio.Uma das outras duas é que ficou com a linha, que era de péssimaqualidade. De que outra forma fazer o jogo? É... tinha uma rádiode Mandaguari que, às vezes, podia ser captada em Londrina, masmal também. Então nós ficamos nas duas, ouvindo o rapaz daoutra rádio, e um som muito ruim, e a rádio de Mandaguaritambém, um som parecido. E o diretor da Paiquerê me propôs:‘Você quer fazer uma dublagem?’. ‘O que que é isso?’, nuncatinha... era novo. ‘Não, você vai ouvindo e repetindo do estúdio...’.Hoje se diz que... off tube... Mas eu acho que quem faz isso táenganando seu ouvinte. Em todo caso, deixa pra lá. Na época,como não tinha outra solução, vamos fazer. O senhor quer...’.‘Eu vou te ajudar com mais uma equipe aí, vamos todos ouvir evocê vai falando, como se tivesse no campo.’ ‘Tá bom!’ Aí,estávamos transmitindo, início de segundo tempo, Londrina fazum a zero. Fez um a zero. Aí era um resultado favorável proLondrina, se terminasse assim seria campeão. E o Mandaguari vai

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pra cima e pressiona. Tinha jogadores paraguaios, tinha um tal deLescaño, que não perdia pênalti nunca. E o som desaparecendo. Eeu já não ouvia mais direito. E nervoso, e suava. E... claro que aaudiência era toda nossa, né? De cada 100, 110 nos ouviam. Comum som limpo de estúdio! (risos) As outras lá, tentando fazerdireto só que sem boas condições técnicas. Aí faltando uns 5minutos pra terminar, pênalti contra o Londrina. Se o Mandaguaricompletasse, confirmasse... campeão. Pelo empate, pela vantagemque tinha. Quem vai bater? Lescaño, paraguaio que nunca tinhaperdido um pênalti na vida. Aí ‘Vai bater Lescaño e atenção...esperança do goleiro do Londrina. E...’. E desaparecia, fade in...E... (gesticula perguntando ‘O que eu falo?’). ‘E vai fazer...’, e euto enrolando, tal e de repente volta um resquício de som assim,era o final ‘Uaaaaaaaaaahhhh’. O que que era? Gol! Foi o que eufiz! ‘É bateu Lescaño... é goooooool’. E não voltou mais o somdepois disso. Como faltavam poucos instantes pra terminar, nósterminamos o jogo com esse placar. Significa: Londrina perdeu otítulo, o Mandaguari campeão. Aquele barulho na verdade era atorcida do Londrina que tava lá, comemorando que o cara chutoufora. Só que nós não soubemos. Não havia telefone pra falar coma cidade, pra perguntar. Uma hora depois, uma hora e pouco opessoal do Londrina que tava lá voltou fazendo festa. Aí... Mas eaí? ‘Ora, campeão!’. ‘Nãããão, a Paiquerê informou que foi 1 x 1,vocês perderam’. ‘Nããão, ganhamos de 1 x 0’. Barbaridade. Nooutro dia a Folha de Londrina publicou um editorial com o título‘O 1 x 1 da Paiquerê’, com ripa em mim e na rádio toda!

E as dificuldades não paravam por aí. José Maria de Brito (2008)reforça que, para se fazer uma transmissão em Cambé, era mais fácil“[...] subir na torre da igreja e transmitir, se o cara tivesse uma boa vozassim, do que você transmitir por linha”. As condições eram realmenteprecárias: sem dinheiro para pagar um táxi, muitas vezes Brito, o técnicode som e o repórter tinham que se revezar para carregar os equipamentospesados dos estúdios da Paiquerê – que ficavam na rua Sergipe, ondehoje é o Camelódromo – até o Estádio Vitorino Gonçalves Dias.

Os repórteres de campo (ou de pista, como se costumava dizer)também sofriam com as limitações impostas pelos equipamentos daépoca. Tatinha (2009) conta que os gravadores eram enormes e pesados.

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“[...] era um negócio que você carregava praticamente em duas mãos,pra poder conversar com a pessoa. [...] Você botava um fone enormeno ouvido e uma maleta que você carregava a tiracolo, parecendo umabolsa.” João Bosco Tureta (2009), que também atuou com repórter,recorda da grande quantidade de fios que dificultava o trabalho decampo:

A gente tinha muito fio enrolado no braço e com a ajuda de umtécnico, onde foi destaque aí um rapaz chamado Salvador Baquete.Eles iam ajudando, soltando o fio e a gente ia até o campo, depoiseles iam enrolando e às vezes dava um... enrolava um fio nooutro e aí atrasava a transmissão de futebol.

Figura 9: Paulinho Fernandes entrevistando jogadoresFotografia: Autor desconhecido (publicada na Folha de Londrina)

Fonte: Coluna... (1960a)

Em depoimento a Militão (1994), o repórter Paulinho Fernandes,da Rádio Londrina, contou que o fio do microfone era “agarrado aoalambrado” e por isso sua mobilidade em campo era mínima. “Tinhaque ter uma pessoa para ir buscar os jogadores para a gente poder

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entrevistar. E o Tatinha, muitas vezes, ia lá pegava, trazia. Enquanto agente entrevistava um, ele pegava outro. Tatinha é desta época.”Paulinho relembra uma vez em que transmitiu uma corrida de pedestreamarrado à garupa de uma lambreta. Além dele, havia outros narradoresem pontos estratégicos, como em cima do Edifício Julio Fuganti. Umafotografia do repórter Paulinho Fernandes (Figura 9) entrevistandojogadores em campo comprova que era preciso se municiar de umaparafernália para fazer esse tipo de trabalho: uma bolsa à tiracolo, fonesde ouvido e um gravador enorme.

No setor de reportagem, algumas inovações passaram a serintroduzidas no rádio londrinense no final dos anos 50. Em janeiro de1959, a Paiquerê fez a primeira transmissão direta do vestiário doVitorino Gonçalves Dias. Pela primeira vez o microfone de umaemissora entrou naquela parte do estádio. Dois anos depois, foi a vezda Difusora inovar, com a instalação de postos de transmissão nosvestiários e atrás dos gols.

Figura 10: Carlos Silvano, José Maria de Brito e Carlos Silvatransmitindo um jogo de futebol de cima de um telhado

Fotografia: Autor desconhecido (publicada na Folha de Londrina)Fonte: Coluna... (1960b)

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Na mesma época, as equipes esportivas ainda tinham problemasaparentemente comuns, como a falta de cabines nos estádios. No dia 3de janeiro de 1958 (COLUNA..., 1958), uma nota da Coluna de Rádiodizia que a Difusora ia pleitear junto à prefeitura a construção de umacabine no Estádio Municipal para suas irradiações esportivas. Atéentão, locutor, comentarista e técnico se instalavam no telhado, acimadas arquibancadas. “Quando faz sol é uma lástima. E quando chove?Aí é que a coisa piora. Se resfriam, e há o perigo de escorregaremabaixo... Além de tudo, os aparelhos se danificam constantemente.”Uma fotografia de 1960 (Figura 10) mostra o locutor José Maria deBrito narrando um jogo de cima de um telhado, o que evidencia aprecariedade enfrentada pelos profissionais de rádio da época. Anosmais tarde, com o surgimento de novas emissoras, a situação se repetiu.Em fevereiro de 1962, membros da Rádio Clube, ainda sem cabine,eram obrigados a irradiar diretamente da “pista”, como mostra umaimagem da época (Figura 11).

Figura 11: Paulo Correia de Oliveira (de costas), Paulinho Fernandes e José Maria de Brito(com o microfone na mão), transmitindo à beira do gramado no Estádio Pedro Vilela,

em Jacarezinho (PR)Fotografia: Autor desconhecido

Fonte: Acervo pessoal de José Maria de Brito

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Até o ano de 1963, o problema das linhas ainda não estavacompletamente resolvido. Pelo contrário, com o surgimento de maisemissoras a situação só se complicou. Mas as soluções criativas eramo forte dos departamentos esportivos das rádios londrinenses. Muitasvezes a saída era fazer uma “parceria” com alguma emissora do localda partida e utilizar sua onda curta para irradiar o jogo. O acordo muitasvezes funcionava como um revezamento: o locutor de Londrina narravaum tempo e o da emissora local narrava outro. Na falta de linhatelefônica, a alternativa era gravar o jogo para transmitir no dia seguinte.Até mesmo a compra de uma perua de FM pela Rádio Londrina foiuma solução para o problema da irradiação dos jogos da Série Norte,realizados em cidades mais próximas.

Segundo Mateus (1996), o Campeonato Norte-Paranaense deFutebol surgiu em 1957, com o nome de Torneio da Amizade. Aorganização ficava a cargo da recém-criada subsede da FederaçãoParanaense. O comando da sucursal da federação no norte do Paranáficava a cargo do radialista Elias Harmuch, que “[...] organizou umcampeonato com seis clubes: Londrina, Arapongas, Nacional deRolândia, Comercial de Cornélio Procópio, Guarani de Cambé eMandaguari”. (MATEUS, 1996, p.37). A partir de 1959, o campeãodo norte passou a disputar o título estadual com o campeão do sul.Até que em 1965 houve a unificação dos times em um campeonatoestadual único. Informações da Coluna de Rádio, no entanto, dão contade que o radialista Elias Harmuch foi nomeado para comandar aFederação Paranaense de Futebol Zona-Norte apenas em fevereiro de1960.

Eleito o “melhor cronista esportivo do norte do Paraná de 1956”,Arceno Attas deixou a Paiquerê em agosto do ano seguinte para assinarcontrato com o departamento de publicidade da Maltaria e CervejariaLondrina S/A. A ideia era que Attas comandasse uma grande cadeiade emissoras norte-paranaenses, formada para a irradiação decompetições esportivas locais, sob o patrocínio da empresa. A cadeiada Maltaria chegou a anunciar a transmissão de jogos (Figura 12), mas

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Para vencer as dificuldades técnicas valia tudo, até mesmoduas emissoras concorrentes se juntarem. Foi o que aconteceu emjulho de 1960. O jogo Londrina e Nacional seria disputado em

o negócio não deu certo. No dia 17 de setembro de 1957, a Coluna deRádio divulgou nota afirmando que o locutor foi a Maringá transmitirsua primeira partida desde a assinatura do contrato com a MaltariaLondrina, mas por falta de linha telefônica a irradiação não saiu. Dezdias depois, Arceno Attas rescindiu contrato com a Maltaria e ingressouno departamento esportivo da Rádio Difusora. O último jogopatrocinado pela empresa foi realizado no domingo seguinte, entreLondrina e Comercial de Cornélio Procópio.

Figura 12: Propaganda da cadeia de emissoras patrocinadapela Maltaria e Cervejaria Londrina

Fonte: Ouçam... (1957)

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Rolândia. A Rádio Paiquerê optou por transmitir pela onda curtada Rádio Clube de Rolândia, em cadeia com a Cultura de Arapongas.Sem alternativas e com apenas uma linha, Difusora e Londrinairradiaram conjuntamente a partida. Augusto Reis e Elias Hamuchse revezaram na narração, enquanto os comentários ficaram a cargode Valter Néri. Em março do ano seguinte, uma parceria ainda maisinusitada: as três emissoras da cidade se uniram para transmitir emcadeia o jogo Mandaguari e Comercial, novamente por conta daescassez de linhas. Foi feito até um sorteio para escolher osnarradores, comentaristas e o técnico de som. O locutor da Difusorafez o primeiro tempo e o da Londrina o segundo. Radialino criticoua situação na Coluna do dia 16 de março de 1961: “Se com 3emissoras apenas a situação é essa, imagine-se o que ocorrerá naépoca (que não está longe) em que Londrina contar com 5 ou 6estações.”

Além das limitações técnicas, outra grande dificuldade doscronistas esportivos era a rivalidade entre o Londrina e os times daregião, especialmente o Mandaguari. Para os radialistas, transmitir umapartida fora da cidade, algumas vezes, significava arriscar a própriavida. João Bosco Tureta (2009) descreve dois casos em que jogadorese radialistas londrinenses sofreram atentados por parte da torcidaadversária:

Num jogo em Rolândia, Nacional de Rolândia e Londrina, oLondrina acabou ganhando e a torcida protestou, especialmentecontra os repórteres de Londrina e eu estava no campo. Eu fuiobrigado a colocar um fio de eletricidade. Naquela época, a caixa detransmissão tinha a parte da linha e da eletricidade. E eu coloqueium fio de eletricidade no alambrado pra não ser agredido e deixeio fio e saí do outro lado, deixei o material, e saí do outro lado pelotúnel, protegido pela polícia. [...] E um outro aspecto, quando oLondrina ganhou um torneio chamado Torneio da Amizade, emMandaguari, cortaram a luz, cortaram a eletricidade e a água dovestiário do Londrina e ainda colocaram fogo e o Londrina foicampeão lá, ganhamos de 1 a 0, gol de Armandinho.

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A final do Torneio da Amizade entre Mandaguari e Londrina serealizou no dia 1º de dezembro de 1957. O locutor Fiori Luiz (2009)se recorda de outra passagem que ocorreu em uma partida na décadade 60, novamente em Mandaguari:

[...] o juiz era daqui de Londrina, um tal de José Yoshitaki. EMandaguari tinha um timão e era uma rivalidade com o Londrina.Fui eu, o Tatinha (que tá aqui até hoje) e o Jorge Scaff comocomentarista. Aí a cabine era de madeira, quatro balaústras assim,quatro pedaços de pau assim (gesticulando com as mãos) e a cabineem cima, de madeira. Aí o..., ele pega e marca um pênalti contra oMandaguari, eu pensei comigo, falei: ‘Meu, hoje morre todomundo aqui’, você imagina. Aí o cara já pôs uma escada noalambrado, já pulou lá, já bateu no repórter, já foi uma confusãodanada, parou o jogo... Daí a pouco, um cara começou a jogarpedra na cabine. E pedaço de tijolo, tudo... A cabine era alta, batiaatrás e caía no chão assim. Eu falei: ‘Meu Deus do céu.’ Ficou ummonte de pedra, de tijolo, tudo, falei: ‘É hoje.’ Aí o cara subiu porcima da cabine, com um machado e falou: ‘Tá falando bem oumal aí, seu filho disso?’, tal né... Eu falei: ‘É hoje.’ Daí a pouco, jáiniciou o jogo, eu tô transmitindo tremendo de medo, porque sóo cara esquizofrênico é que não tem medo, eu tenho (risos). Aí,daí a pouco escuto um ‘tum, tum, tum, tum...’. O cara com omachado cortou o pezinho da cabine, um pé da cabine. Aí elapendeu pro lado, aí material tudo, maleta, tudo, bateu aqui. Aquilocheio de pedra, tal, eu sei que eu transmiti 10 minutos sem ver ojogo, ficava transmitindo sem ver nada, sem nem pôr a cabeça ali.Fui inventando, mas o Tatinha também já tinha levado uns tapaslá, já tava sem o fone, sem o microfone também. Gente, pra sairdali... Hora que acabou o jogo, encerramos rapidinho. Tinha umparedão alto assim, um... de madeira era cercado o campo, pulamosna rua e entramos correndo na casa que tinha vizinho ali, e falamos:‘Pelo amor de Deus, chama a polícia.’ E os caras procurando agente dentro do campo, tinha muito disso aquela época. [...] Eucheguei em casa e minha mãe tava com 200 velas acesas, rezando.

No dia 11 de outubro de 1960, a Coluna de Rádio noticiou asuspensão da rodada de futebol da Série Norte. Na mesma edição, oradialista Valter Néri, presidente da Associação dos Cronistas

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Esportivos do Norte do Paraná (ACENP), prometeu tomar providências“para evitar que os cronistas esportivos sofram novos atentados”, comoos “ocorridos na última semana, em Mandaguari e Arapongas”. Nãohá como afirmar se existe relação entre a suspensão da rodada e asameaças sofridas pelos radialistas. Porém, no ano seguinte, a RádioLondrina anunciou que não irradiaria o jogo Londrina e Mandaguari“[...] em virtude de se temer novos incidentes que poderão colocar emrisco inclusive os repórteres presentes”. (COLUNA..., 1961a).

Em abril de 1961, as três emissoras romperam com a FederaçãoParanaense de Futebol (FPF), anunciando que não reportariam qualquerjogo oficial, ou seja, as partidas do Torneio Início do CampeonatoParanaense da Série Norte. A Coluna de Rádio não explica o motivo dorompimento, que teria ocorrido por conta de uma “orientação perniciosada Federação”, o que torna impossível saber se o fato teve algumaligação com a violência sofrida pelos profissionais de rádio nos estádios.Independente das razões, somente no final daquele mês, a ACENPanunciou o fim do boicote e as emissoras voltaram a irradiar jogos daFPF.

No dia 7 de junho do mesmo ano, no entanto, uma nota doRadialino afirma que nenhuma das emissoras de Londrina transmitiriano domingo o jogo entre Londrina e GERA (Grêmio Esportivo eRecreativo Apucarana), em represália ao time de Apucarana, que seposicionou favorável à Federação no caso do desentendimento comos cronistas. Qualquer que tenha sido o motivo da briga radialistas xFPF, “[...] quem pagou pelo que não fez foram os ouvintes, que tiveramde, ou ir ao campo, ou ficar torcendo mentalmente, sem saber a quantasandava o jogo...”. (COLUNA..., 1961b). A afirmação confirma que orádio esportivo, já nessa época, era considerado um serviço fundamentalao ouvinte londrinense.

Nota-se que, no período de 1947 a 1963, eram comuns tensõesentre radialistas esportivos e Federação Paranaense de Futebol. Emjulho de 1963, o radialista Francisco Natal foi ameaçado de serprocessado pelo secretário da federação, caso continuasse fazendo suas

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críticas à instituição. “Natal diz que não tem medo de ninguém e quecontinuará ‘contando os fatos como eles são e criticando tudo aquiloque há de errado em nosso pobre futebol...’.” (COLUNA..., 1963b).Mas a relação da federação com os locutores também tinha seus pontosde cordialidade. Como já foi dito, em fevereiro de 1960, Elias Harmuch,chefe do departamento de esportes da Difusora, foi convidado pararepresentar a Federação Paranaense de Futebol no Norte do Paraná,função que desempenhou até novembro daquele ano. Harmuch (2009)22

ressalta a importância dessa parceria para a profissionalização de dozeclubes locais:

E um belo dia, o presidente da Federação Paranaense de Futebol,Gêneris Calvo, hoje de saudosa memória, foi a Londrina e menomeou representante da Federação Paranaense de Futebol.Colocando a, a... era o título... a, como é que é? É, FederaçãoParanaense de Futebol, zona norte. Porque naquela época fundiramnorte e sul. Aqui no sul Coritiba, Atlético etc. E lá no norte euconsegui esse trabalho, foi cansativo. Eu consegui [...] dois timesem Londrina, né? O Londrina, a Portuguesa, enfim, depois emAstorga, em Paranavaí, eu consegui montar 14 times de futebol,incluindo, registrando eles na Federação. Dos 14, 2 antes de dar oseu parecer à Federação, desistiu. Então trabalhamos com 12 timesde futebol lá em Londrina, em Arapongas, em Apucarana, emParanavaí, em Astorga e Rolândia... E, enfim, são 12 times queficaram.

Em março de 1962, ocorreu outra briga dos radialistaslondrinenses, dessa vez com a Autarquia Municipal de Esportes. Omotivo eram as altas taxas que a Autarquia impôs aos profissionais derádio que quisessem autorização para transmitir no VGD. Indignados,os representantes dos departamentos esportivos das emissoras serecusavam a pagar o valor exigido. A Coluna de Rádio não relata odesfecho dessa história, e não encontramos documentos escritos querelatem a que tipo de acordo se chegou.

22 Elias Harmuchi. Depoimento (CD-ROM). Entrevista concedida a Bruna Mayara Komarchesqui,por telefone (Irati – PR), dia 9 de outubro de 2009.

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Além das tensões entre os locutores e órgãos esportivos,alguns conflitos internos também marcaram os departamentosespecializados de duas emissoras londrinenses no ano de 1961. Nodia 24 de setembro, a Rádio Paiquerê ficou fora do ar por conta deuma greve dos funcionários. Solidários ao diretor artístico da estação,Hiran Holanda, demitido pelo proprietário Pedro Worms, quinzeradialistas preferiram deixar a emissora. Apenas Francisco Natal,Valdomiro Repa, Salvador Baquete e João Bosco permaneceram narádio. Coube a João Bosco Tureta (2009), montar uma nova equipede radialistas:

Se ficasse mais algumas horas fora do ar a emissora teria seusdireitos cassados. Ela estava situada na rua Souza Naves, [...]perto da Concha Acústica, onde já havia sido fundada a RádioCruzeiro do Sul também, da mesma companhia. A Rádio Paiquerêfazia esportes e noticiário geral e a Rádio Cruzeiro tocava músicaorquestrada, um texto de 20 notícias e propaganda, a hora certa eo tempo. E quando eu cheguei as rádios estavam fora do ar. E oseu Roberto de Toledo, que era o superintendente, me incumbiude colocar as duas rádios no ar. E eu tive que correr atrás em SãoPaulo, Rio, Maringá, aí pelo norte do Paraná, onde confesso quearrumei a melhor equipe até hoje que essas duas rádios tiveramem termos de locutores comerciais e noticiaristas e igualando-seàs rádios de São Paulo e de todo o Brasil.

Em novembro foi a vez do departamento esportivo da RádioLondrina entrar em crise. José Maria de Brito e os demais membros daequipe tiveram um desentendimento com a cúpula da emissora, quecancelou de última hora uma transmissão em Jacarezinho. Os detalhesda irradiação, inclusive patrocínio, estavam todos acertados. Emconsequência da briga, Brito foi bruscamente retirado do ar enquantoapresentava as despedidas dos profissionais demissionários dodepartamento esportivo. O prefixo do programa cobriu a voz do cronistae várias músicas foram apresentadas depois. Tatinha (2009), quepermaneceu na ZYD-4 depois da crise, relata o que aconteceu naquelaocasião:

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E aí houve inclusive o arrendamento do horário. Naquela época,a rádio parou, não queria mais fazer futebol e houve umarrendamento. Quer dizer, os funcionários se reuniram, aquelesque trabalhavam no esporte, e compraram. [...] Então vamosdizer o horário de meio dia a uma, quanto custa? “X”. Nós vamoscomprar. E ficou a responsabilidade desses profissionais. Issorealmente existiu. [...] Às vezes, a emissora ela não quer ter essa,essa pendência de encargos sociais, uma série de coisas, ela acabaarrendando...

Dinheiro (ou a falta de) realmente era um problema que asemissoras londrinenses precisavam enfrentar para manter seusdepartamentos esportivos. José Maria de Brito (2008), por exemplo,diz que nunca deixou seu trabalho na prefeitura para se dedicar somenteao rádio.

[...] não era a minha intenção realmente ser um profissional derádio, certo? Eu fazia aquilo porque gostava do futebol, gostavadas coisas assim. E fazia assim, desinteressadamente até. Depoiso negócio foi... a gente tinha até uma ajuda de custo, eles medavam uma ajuda de custo, né? E não era um salário, não era umacoisa assim, um salário profissional. Então eu prestava aquelaajuda a eles ali no setor esportivo, nas transmissões, as emissoraspor uma questão assim de coisa até me davam um cachezinho, eufalo. Um cachê, mas não era um salário, não era coisa... eu não eraregistrado na emissora, não era nada. [...] eu não confiava muitono rádio, né? Porque eu via a dificuldade daquele pessoal daquelaépoca aqui no rádio. Eram três estações só, a dificuldade doscolegas de rádio, tô dizendo entre aspas, que eles tinham no aspectofinanceiro. [...] Tanto é que por aqui passaram grandesprofissionais, tanto do setor esportivo, quanto no setor deradiojornalismo, setor comercial mesmo, locutor comercial, comoeles chamavam na época... é, mas que não puderam aquipermanecer por causa do problema de ordem financeira.

Uma análise da Coluna de Rádio entre os anos de 1953 a 1963demonstra que os locutores esportivos de Londrina trocavamconstantemente de prefixo. Não é possível afirmar com certeza que as

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motivações fossem financeiras, mas o fato é que havia muita mobilidadeentre os membros dos departamentos esportivos. Deolindo Costa (2009)comenta que essa situação de amadorismo praticamente não existiamais na época em que ele foi trabalhar como chefe do departamentoesportivo da “Majestade do Esporte”:

Montamos uma equipe que... essa já podia falar de cunhoprofissional. Eu por exemplo já, eu montei a equipe pensandona minha sobrevivência. [...] [Antes] não, fazia tudo noamadorismo. Mas esse já tinha cunho profissional, quer dizer, jáse fazia pra ganhar dinheiro. A gente já se reunia antes dasjornadas esportivas, já se reunia, a equipe que vai fazer o serviçode campo já sabia o que é que ia perguntar pro jogador dentrodo campo. A gente já fazia mesmo perguntas picantes pra tirar oatleta um pouco do centro dele, fazer ele falar bobagem, que daídava um estardalhaço. Falava “Ô Fulano, falaram isso de você!Tal e quem que é?”

Pinheiro (2001) explica que o slogan “Majestade do Esporte”passou a ser usado pela Rádio Londrina em decorrência de suaprogramação esportiva cada vez mais dinâmica e variada. “Váriosprofissionais, que mais tarde conseguiram se destacar nas coberturasde esporte em Londrina e até mesmo em São Paulo, iniciaram suasatividades ou tiveram passagem pela Rádio Londrina.” (PINHEIRO,2001, p.31, grifos da autora).

Há indícios, entretanto, de que o rádio londrinense não pagavatão mal se fossem levados em conta os salários de emissoras dointerior de São Paulo. Em 20 de fevereiro de 1962, uma nota naColuna de Rádio reproduziu uma conversa entre Francisco Natal, daPaiquerê, e o diretor de uma emissora de Guaratinguetá. Interessadoem contratar um “locutor bom mesmo”, o proprietário da emissoradisse a Natal que pagaria até 8 mil cruzeiros mensais. Radialinobrincou que “em Londrina 8 mil mensais é o salário do rapaz quesegura o fio do microfone que o locutor esportivo usa”.

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Londrina: uma escola de rádio

Dificuldades à parte, grandes nomes do rádio esportivobrasileiro começaram ou tiveram passagem pelas emissoras deLondrina. Antonio Euclides Sapia e Arceno Attas são bastantelembrados por terem saído da cidade para trabalhar em departamentosesportivos de grandes emissoras brasileiras. Em 1953, Sapia venceumais de 700 candidatos em um concurso da Panamericana, “AEmissora dos Esportes”, e passou a narrar basquete naquela estação.Já Attas deixou Londrina em 1961 para trabalhar na Rádio Globo doRio de Janeiro. Era dele a voz da famosa vinheta “Globo no ar”, quetocava de hora em hora.

De 1947 a 1963, foram inúmeros os cronistas esportivos quepassaram pelas emissoras de rádio londrinenses. Entre eles: AmbrósioNeto, Germano Junior, Rubens Greiffo, Jaime Galmacci, Carlos Silva,Antonio Euclides Sapia, Deolindo Costa, Valter Néri, Wilson Silva,Abrahão Andery, Francisco Natal, Estélio Feldman, PaulinhoFernandes, José Augusto Viegas, Tatinha, Augusto Reis, João Bosco,José Maria de Brito, Jacy Scaff, Arceno Attas, Rubens Lemos, WillyGonser, Elias Harmuch, Flávio Toledo, Edgar Arantes, Brasil Filho,Pedro Said, Fumio Nakamura, Batista Junior, Dácio Leonel, OsvaldoMilitão, Jairo Augusto, Jurandir Panza e tantos outros.

O estilo de narração das partidas era sóbrio. Nada de bordões,ou “invencionices”, como definem os colaboradores entrevistados.Todos eles garantem que preferiam uma locução mais simples eobjetiva. Brito (2008) explica que nunca gostou muito de enfeites:“O nosso negócio era bem concreto, bem sincronizado assim, quandodava gol era gol, não tinha muito enfeite, compreende?” AugustoReis (2008) também não utilizava bordões: “Eu sempre fui um alunode um dos grandes locutores esportivos do país, que se chamou PedroLuís. Esse foi um dos grandes narradores que esse Brasil teve. Eusempre, eu sempre me dediquei muito à sobriedade.” Fiori Luiz(2009) conta que começou sua “carreira” ainda nos tempos de escola,

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imitando o locutor Edson Leite. O microfone era o lápis e os ouvintesseus colegas de sala de aula. Para ele, mais do que bordões ou palavraspré-fabricadas, o que diferencia sua narração é a grande identificaçãoque criou ao longo dos anos com o Londrina Esporte Clube. “Euchego até a ser meio passional. Porque diz que tem que ser umanarração técnica, imparcial, mas eu não consigo com relação aoLondrina.”

Nas décadas de 50 e 60, o rádio era uma escola, como JoséMaria de Brito (2008) faz questão de ressaltar. Os novatos geralmentecomeçavam fazendo jogos gravados e no outro dia escutavam juntocom o narrador mais experiente, que dava dicas e corrigia os possíveiserros. Também era comum que se colocasse um narrador jovem apenasnos minutos finais da partida, para que narrasse o “finalzinho” dojogo. Brito lembra que era bastante inseguro quando começou atransmitir futebol na Paiquerê. O titular da emissora na época era oveterano Willy Gonser, que tratou de lhe dar umas dicas:

Aí ele falava: ‘Você tá muito lento, você precisa vibrar mais.’ Maseu não conseguia, porque não tinha condição de vibrar mais.Primeiro, porque eu tinha muito medo de vibrar mais, você tánaquela fase de transição de estilo e coisa e você não tem segurançadaquilo que você tá fazendo. [...] Então ele falava assim: ‘Você vaifazer uma coisa, você vai tomar uma dose de conhaque, toda vezantes da transmissão do jogo.’ Ah, então... aquele tempo desciapro Vitorino Dias ali, tal e tal e antes descia a pé, nem ia de carro,era ali na Mato Grosso a rádio, o estúdio. Você atravessava ali,passava defronte a delegacia e já cruzava a linha férrea e já tavadentro do Vitorino Dias. E a entrada era inclusive aqui em cima,perto da linha férrea, não era lá embaixo, naquela entrada do outrolado da rua lá, no outro quarteirão. Então tava facinho. Entãovocê já descia e tinha uns botecos por ali, você já carcava um, eucarcava uns dois ou três, e assim já ia meio turbinado. Aí um diaele falou assim: ‘Agora você precisa parar de tomar o conhaque.’[...] Então era, esse negócio foi bom, foi boa a receita dele, viu?[...] Então são esses detalhes assim que, esse é o rádio escola.Hoje, eu não sei, não posso te adiantar assim, te afirmar, masacho que nem existe mais isso.

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Anos depois, foi a vez de José Maria de Brito fazer escola norádio. Um de seus alunos foi o locutor Fiori Luiz (2009):

Nossa, o Brito foi um dos maiores narradores que nós tivemos![...] foi meu professor no rádio. Ele, Nossa Senhora, o Brito meensinava tudo. Ele dava cada bronca na sala fechada: ‘Você num,isso aqui num pode falar, não sei o que lá, não sei o quê, tá, pá...’Dava uma hora de bronca. Aí terminava, abria a porta e dizia:‘Vamos tomar uma cerveja ali embaixo no bar...’

Mesmo com todas as dificuldades dos primeiros anos, osentrevistados lembram com saudade do tempo em que trabalharam norádio esportivo londrinense. Augusto Reis (2008), diz que “[...] o rádioera mais eficiente, mais competitivo”. Os departamentos esportivosde todas as emissoras contavam com profissionais competentes e degrande qualidade. Tanto que, de vez em quando, os profissionais dorádio local eram assediados por emissoras de outras cidades e estados,como conta Reis (2008):

Era um rádio muito bem feito, muito bem feito meeesmo! Àsvezes chegava final do ano [...]: ‘Escuta, faz tempo que eu nãovejo o fulano de tal falar, ele tá de férias?’ ‘Não, você não sabia?Não, ele foi pra São Paulo.’ ‘Escuta, cadê aquele rapaz que trabalhavaassim, assim, no horário, tinha um programa assim?’ ‘Você nãotá sabendo? Foi pra Campinas!’ Todo final de ano, um ou doissaía daqui, ou Rio, Campinas ou São Paulo.

Na definição de José Maria de Brito (2008), o departamentoesportivo das emissoras “era um dos setores onde se tinha os melhoresprofissionais da cidade”. Willy Gonser (2009) completa que antigamenteera preciso ser realmente bom para trabalhar em rádio. “A gente dizia,brincando, que alguns com voz muito ruim eram proibidos até de passarperto da sala onde o microfone tava guardado. E hoje qualquer umpode falar ao microfone, porque a tecnologia permite isso.” Osentrevistados são unânimes ao afirmar que o rádio mudou. Diferençasà parte, a magia do veículo permanece intacta. Deolindo Costa (2009)

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defende que “o rádio nunca morre. Pode vir televisão e tudo...”. ParaFiori Luiz (2009) o grande trunfo do rádio é a capacidade de exercitara mente, levando o ouvinte a criar suas próprias imagens do jogo, doestádio, dos lances. “É por isso que nada substitui o rádio. Hoje tem atelevisão, com toda a tecnologia, tal, mas o velho rádio ainda, pratransmissão de futebol, é insubstituível.”

O prazer da pesquisa:prestar um serviço à sociedade

Mais de 60 anos depois que Ambrósio Neto narrou a primeirapartida de futebol pela Rádio Londrina, em 7 de setembro de 1947, orádio esportivo continua exercendo fascínio sobre as audiências. Aindahoje, é bastante comum ver torcedores no estádio com os olhos atentosem cada lance e o ouvido grudado no radinho à pilha. A combinaçãorádio e esporte, especialmente rádio e futebol, deu certo. Prova dissofoi a profissionalização e popularização de ambos, em consequênciade seu sucesso junto ao público.

Desde 2006, pesquisamos a história da imprensa londrinense,como um todo, do rádio em particular, e do rádio esportivo, em especial.Começamos o trabalho com o projeto de pesquisa A história de Londrina(década de 40) em textos e imagens e demos prosseguimento no projeto depesquisa Fragmentos da história do norte do Paraná (décadas de 30 a 60) emtextos e imagens, que sucedeu o anterior, ambos desenvolvidos naUniversidade Estadual de Londrina. Um dos projetos de IniciaçãoCientífica23 desenvolvidos nesse espaço de tempo (2006-2009) foi sobrea história do rádio esportivo em Londrina, do qual derivou o Trabalhode Conclusão de Curso (TCC) de Bruna Mayara Komarchesqui. Numprimeiro momento, havíamos traçado o recorte temporal de 1949 (dataque tínhamos como a da primeira irradiação esportiva na cidade) a1963, data da chegada da televisão a Londrina.

23 Um projeto de Iniciação Científica é considerado um subprojeto de um projeto de pesquisa.

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Durante o período de pesquisa e processo de produção dotrabalho, um mundo novo foi se descortinando: as entrevistas com ospioneiros, que contavam suas memórias com brilho no olhar; o acessoa documentos e fotografias; as constantes descobertas, que incitavamnovas dúvidas; a possibilidade de confrontar fontes de informação parachegar o mais próximo possível da realidade; tudo mostrava que oconhecimento do passado é coisa em constante movimento, como jádizia Marc Bloch. Com tudo isso, organizamos um pouco mais a históriado rádio e a própria história de Londrina, dirimimos algumas dúvidashistóricas e, inclusive, redimensionamos o recorte temporal para 1947a 1963. Para nós, a conclusão deste trabalho significa um serviçoprestado à sociedade. Para a Bruna, em especial, a realização pessoalde um sonho que nasceu e se desenvolveu durante os últimos quatroanos.

No plano acadêmico, uma das contribuições desta pesquisa foirecuperar a data da primeira transmissão feita pelo rádio esportivolondrinense. Com o auxílio de publicações periódicas da época e defotografias, descobrimos que foi em 1947 e não em 1949, como pregavaa bibliografia disponível, que os ouvintes da Rádio Londrina receberampela primeira vez em sua casa os lances completos de uma partida dofutebol amador local. A partir daí, as irradiações esportivas passaram afazer parte do cotidiano do veículo. Nos primeiros anos, havia grandedestaque para o esporte amador. Além do futebol, turfe, basquete,natação, atletismo, vôlei e futebol de salão eram algumas dasmodalidades transmitidas pelo rádio.

Se o amadorismo reinava dentro de campos e quadras, nomicrofone a situação não era muito diferente. Antes da era dos satélites,todas as transmissões externas tinham que ser feitas por linha física,telefone mesmo, um artigo raro na época. Irradiar um jogo, mesmo navizinha cidade de Cambé, demandava trabalho árduo por parte detécnicos de som e dos próprios locutores. Era preciso, por vezes, subirnos postes e amarrar o fio que seria utilizado. Mas a trabalheira nãoacabava por aí. Muitas vezes, aconteciam panes nas transmissões por

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problemas técnicos ou até por roubo de cabos. Durante o período de1947 a 1963, as dificuldades com linhas telefônicas não foramcompletamente resolvidas. Pelo contrário, com o surgimento de novasemissoras, a demanda por linhas aumentou, mas não a oferta. A soluçãoencontrada pela Companhia Telefônica era fazer um sorteio: quemganhasse transmitiria a partida, quem perdesse precisaria encontrar umasolução alternativa.

A mesma concorrência que complicava a vida dos departamentosesportivos no quesito das linhas telefônicas era um estímulo para fazerum rádio cada vez melhor. Os colaboradores entrevistados destacaramter saudades do tempo em que todos as emissoras tinham ótimosprofissionais em seus setores especializados. Com concorrentes à alturanos outros prefixos, era preciso caprichar na irradiação para ganhar asimpatia do público e, consequentemente, a audiência.

A criatividade também foi uma marca forte do rádio esportivolondrinense no período pesquisado. Para driblar a técnica precária valiade tudo, até mesmo se unir ao concorrente e transmitir em cadeia. Nãoera incomum duas ou três emissoras se juntarem para irradiar um jogo.Nesse caso, os locutores de cada uma delas se revezavam no microfone,ou seja, cada um transmitia um tempo ou um pedaço da partida.

Além da escassez de linhas, os profissionais de rádio daquelaépoca sofriam com a precariedade dos equipamentos, por vezesbastante pesados e ineficientes. O trabalho do repórter de campo eralimitado por metros e metros de fios e por uma parafernália pesadaque precisava ser carregada. A falta de cabines nos estádios tambémera uma dificuldade enfrentada naquele tempo. Mas nada impedia queo esporte chegasse aos ouvintes, mesmo que fosse necessário trabalharà beira do gramado ou em cima de telhados.

A fundação do Londrina Futebol Clube em 1956 (que nos anos70 se tornaria o Londrina Esporte Clube) e a criação dos Jogos Abertosdo Paraná em 1957 contribuíram para o fortalecimento do rádioesportivo na cidade. Os Jogos Abertos deram novo fôlego ao esporteamador e movimentaram os departamentos esportivos das emissoras.

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Ao longo dos anos, porém, as rádios passaram a centrar sua atençãono esporte profissional, deixando de lado o amadorismo. No final de1963, eram raras as menções ao esporte amador nos programasespecializados. Cobrir os jogos do Londrina era outro desafio para osprofissionais. O sucesso do clube despertava a ira das torcidas rivais e,algumas vezes, “sobrava” para os radialistas, que arriscavam a própriavida para irradiar um jogo fora da cidade.

Um ponto a ser destacado é a qualidade das transmissões feitaspelo rádio local. Alguns entrevistados ressaltam que, naqueles anos, orádio era uma escola na qual os novatos podiam aprender com os maisexperientes. Era comum um locutor estreante gravar jogos simplesmentepara “treinar” e depois ouvir o produto junto com o locutor titular daemissora, que corrigia erros e dava dicas. Aos poucos, a escola de rádiovirou celeiro de bons profissionais. Todos os anos narradores, repórteres,comentaristas e técnicos de som saíam de Londrina para trabalhar ememissoras de São Paulo ou do Rio de Janeiro. Os casos mais lembradossão o de Antonio Euclides Sapia, que venceu um concurso na famosaPanamericana, “A emissora dos esportes”, e o de Arceno Attas, quedeixou o rádio local para trabalhar na Rádio Globo do Rio de Janeiro.

A análise da Coluna de Rádio, da Folha de Londrina, no período de1953 a 1963 evidencia que as emissoras londrinenses davam grandedestaque ao setor esportivo. Era o departamento com os melhores emais bem pagos profissionais. Apesar disso, alguns colaboradoresgarantiram que não dava para viver com o que o rádio pagava, erapreciso ter mais de um emprego. Tinha-se realmente “um rádio muitobem feito”, em que imperavam o idealismo e a boa vontade.

Com esse trabalho, pretendemos organizar a história dastransmissões esportivas em Londrina de 1947 a 1963, que se encontravafragmentada e dispersa. Obviamente, existem muitas outras históriasque não foram contadas aqui. Muitos depoimentos tiveram que sersuprimidos – pela falta de espaço e de tempo hábil – e muitos outrosainda estão guardados nas memórias dos pioneiros ou em alguma gavetade escola. A parte mais interessante de pesquisar a história é saber que

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não existe verdade absoluta e as informações nunca se esgotam. Sempreé possível cavar mais fundo, descobrir erros, corrigi-los e ampliar acompreensão dos acontecimentos de determinada época. Ou seja, aindahá muito da história de Londrina, do rádio e do rádio esportivolondrinense para ser pesquisado, organizado e democratizado por meiode novas publicações.

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