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Revista do Instituto de Filosofia e Cincias HumanasUniversidade Estadual de Campinas

ISSN 0104-7876

Diretor: Rubem Murilo Leo RgoDiretor Associado: Rita de Cssia Lahoz Morelli

Comisso Editorial: Ciro Flamarion S. Cardoso Dcio Saes Eduardo Viola Jacynto Lins Brando Joo Jos Reis JosCavalcanti de Souza Jos Vicente Tavares dos Santos LygiaOsrio Machado Marilena Chau Marisa Lajolo Octavio Ianni Pedro Jacobi Roberto Cardoso de Oliveira Ubirajara Rebouas

Editor e Organizador deste nmero: Marcelo RidentiComisso de Redao: Hector Benoit Leandro Karnal Leila daCosta Ferreira John Monteiro Reginaldo C. Moraes

Setor de Publicaes: Marilza A. Silva Magali Mendes

Editorao: Marilza A. SilvaProjeto da capa: Carlos Roberto Fernandes Capa: Edvard Munch. O grito, 1893, tmpera sobre prancha (91 x73,5 cm). Nasjornalgalleriet, Oslo.Impresso: Grfica do IFCH Unicamp.

7 ApresentaoMarcelo Ridenti

9 Violncia e globalizaoRenato Ortiz

17 A luta do Santo Guerreiro contra o Drago daMaldade: consideraes sobre o 11 de setembro Joo Roberto Martins Filho

55 As faces e conseqncias do terror: de11/09 Doutrina Bush Cristina Soreanu Pecequilo

83 A Doutrina Bush e o terrorismo Elizer Rizzo de Oliveira

111 O grande imprio delinqente e a caa aoterroristaJoo Quartim de Moraes

129 A necessidade poltica e a conveninciaestratgica de definir TerrorismoHctor Luis Saint-Pierre

163 Trindade de Clausewitz e sua aplicao anlise do terrorismoCarlos Eduardo M. Viegas da Silva

185

191 Normas para apresentao dos artigos

APRESENTAO

Marcelo Ridenti*

Um tema tem mobilizado coraes e mentes neste incio de s-culo, sobretudo a partir dos atentados de 11 de setembro de 2001:terrorismo e guerra. Convocamos reconhecidos especialistas daUnicamp e de outras universidades para abord-lo neste nmero darevista Idias inspirado num seminrio realizado no IFCH em se-tembro de 2002.

Renato Ortiz abre o dossi com reflexes sobre Violncia eglobalizao, apresentando resumidamente alguns pontos aborda-dos nos outros artigos, como o 11 de setembro, o terrorismo e o in-tervencionismo norte-americano. Em seguida, Joo Roberto Mar-tins Filho faz uma anlise do evento desencadeador do debate emA luta do Santo Guerreiro contra o Drago da Maldade: conside-raes sobre o 11 de setembro. Os desdobramentos do 11 de se-tembro esto em As Faces e Conseqncias do Terror: De 11/09 Doutrina Bush de Cristina Soreanu Pecequilo. Ela entende que o11 de setembro forneceu o elemento legitimador de um processointerno de mudana conservadora para os americanos, a chamadadoutrina Bush, que retomada por Elizer Rizzo de Oliveira em

* Professor do Departamento de Sociologia do IFCH/UNICAMP; orga-nizador do dossi e editor da revista Idias.

Idias, Campinas, 10(2):7-8, 2003

8 Apresentao

A Doutrina Bush e o terrorismo. Essa doutrina representaria aatualizao da estratgia americana em sua mais elevada versoimperial, margem do ordenamento jurdico internacional.

A definio do terrorismo e sua ligao indissocivel com o im-perialismo norte-americano aparecem no texto de Joo Quartim deMoraes intitulado O grande imprio delinqente e a caa ao terro-rista. J Hctor Luis Saint-Pierre questiona um certo emprego doconceito extensional de terrorismo em A necessidade poltica ea convenincia estratgica de definir terrorismo. Por fim, CarlosEduardo M. Viegas da Silva lana mo de um clssico para pensaro fenmeno do terrorismo em A Trindade de Clausewitz e suaaplicao anlise do terrorismo.

Em suma, nas prximas pginas o leitor encontrar uma ricavariedade de perspectivas diante da violncia poltica no mundo dehoje, assolado pelo terrorismo e pela guerra.

Campinas, julho de 2003.

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VIOLNCIA E GLOBALIZAO*

Renato Ortiz**

Refletir a partir de uma data determinada sempre problemti-co, sobretudo quando as implicaes polticas, sociais e humanas,esto muito prximas do observador. Elas turvam a viso e o dis-cernimento. Por isso preciso, artificialmente, construir um dis-tanciamento em relao ao que se passou, conferindo ao olhar ana-ltico um relativo grau de liberdade. H ainda uma outra dificulda-de. Passado um tempo em relao destruio da World TradeCenter, escutamos repetidamente na mdia internacional, a redun-dante frase, tudo mudou, como se o fato, em si, fosse o marcozero de uma nova era. No se deve banalizar o que aconteceu. Oevento heurstico, isto , contm diversos nveis, camadas de sig-nificado, que condensam elementos de compreenso da realidade.Pens-lo, permite-nos decifrar questes do mundo contemporneoque vo muito alm de um simples atentado terrorista. Mas seriaingnuo tomar um fato heurstico como sinnimo de marco, ruptu-ra supostamente dividindo a histria em um antes e um depois. Nopanorama das transformaes mundiais, visto na sua abrangncia,

* Uma verso diferente deste texto, mais sinttica, foi publicada no Cader-no Idias, Jornal do Brasil, em 10 de novembro de 2001.

** Departamento de Sociologia do IFCH/UNICAMP.

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10 Violncia e globalizao

no apenas do ponto de vista dos Estados Unidos, o acontecimentose explica por razes anteriores, situando-se numa cadeia interpre-tativa bem mais complexa de argumentos.

Qualquer reflexo a partir de um ato de violncia sempre po-lmica. Diante da brutalidade do fato a mente oscila entre a facul-dade de compreenso e a reprovao tica. Para evitar malentendi-dos digo logo no incio deste texto: o ataque ao World Trade Cen-ter, ceifando a vida de milhares de inocentes, um ato condenvel.Como todo atentado contra a populao civil bombardeio das ci-dades europias durante a II Guerra Mundial, bomba atmica emHiroshima e Nagasaki, napalm no Vietn, massacres tnicos nafrica no podemos com ele ser coniventes. Mas a condenaomoral, malgrado sua inteno, no nos ajuda a compreender o quepassou. A indignao no pode cegar-nos a ponto de desconhecer-mos o significado do evento. Por isso, qualquer explicao do tipo,trata-se de obra de fanatismo, um ato irracional, um com-portamento psictico nada acrescenta ao que se quer analisar.Categorias como essa tm talvez uma compensao psicolgicadiante do que ocorreu mas dificilmente apreendem o mago daquesto. A violncia no algo gratuito (como gostaramos quefosse) pois se insere na lgica da sociedade. Como o crime paraDurkheim, ela um fato social normal, isto , um fenmeno so-cial significativo sendo portanto passvel de entendimento. Essaverdade dolorosa, incmoda, corroborada pela existncia de umaformidvel indstria blica, pelos conflitos e pelas guerras.

Muito do que ocorreu pode ser considerado sob o ngulo daglobalizao. Esta uma chave importante para entendermos oquadro da sociedade contempornea. Durante os inmeros debatesque participei ao longo da dcada de 90, costumava dizer que, en-tre a queda do muro de Berlim e a Guerra do Golfo, eu preferiaesta ltima como metfora de uma nova poca. A debacle soviticadeterminou mais o fim de uma ordem do que o incio de outra. J aGuerra do Golfo trazia os germes de algo desconhecido. Foi umaao militar orquestrada no seio de uma organizao internacional

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(ONU), havia um inimigo claro a ser abatido, e a vontade de umaao coletiva realizada em nome de todos os pases do planeta.A invaso ao Iraque (no tenho a menor inteno de justific-la)contou inclusive com o apoio do mundo rabe, e se os americanosno conseguiram derrubar o regime de Sadam Hussein foi porqueas prprias regras que iniciaram o ataque (fazer com que os ira-quianos recuassem seu exrcito para atrs de uma zona considera-da ocupada) mantiveram sua validade. O conflito se esgotou quan-do os objetivos foram atingidos, ou seja, a comunidade internacio-nal havia circunscrito sua legitimidade determinadas condies.O atentado ao World Trade Center expressa o movimento de glo-balizao de forma ainda mais perfeita. O inimigo j no maisum Estado-nao, mas um grupo nmade capaz de controlar e ad-ministrar em escala ampliada um conjunto de tcnicas de violn-cia. Sabendo que uma das caractersticas do processo atual a fra-gilizao do Estado-nao, nos encontramos diante de um eventoparadigmtico. At recentemente, sobretudo na literatura sobre asrelaes internacionais, predominava uma viso que apontava paraa existncia de uma desordem mundial. Lida de maneira ing-nua, tal afirmao levava a um entendimento inteiramente equvo-co do sculo passado. No se pode esquecer que a ordem ante-rior conteve dentro dela duas guerras mundiais, diversas guerras dedescolonizao, um primeiro experimento atmico, alm de mlti-plos massacres de populaes civis nas esferas de influncia sovi-tica e norte-americana. No entanto, tudo isso fazia sentido nosmarcos da Guerra Fria. A noo de ordem advinha da existncia deum quadro organizado das foras envolvidas mas nada tinha a vercom uma situao de paz. A ordem mundial que inaugura este s-culo XXI no dispensa a presena da violncia, o novo que ela seorganiza em outro molde, distinto do monoplio que a confinavaaos limites dos territrios nacionais. Neste sentido as fronteirasdos pases, a separao entre interno e externo, ns e eles,se dilui. Ficou clara a dificuldade de se nomear um inimigo semrosto, desterritorializado, de se detectar o centro de operaes que

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deslanchou a ao militar. No h centro, existe apenas a intenoviolenta amparada por uma rede descontinua que lhe d sustenta-o material. Por outro lado, os americanos tinham se acostumadoa se pensar como estando fora do mundo, como se ainda fosse pos-svel traar uma linha divisria, ntida e segura, entre eles e os ou-tros. Esta iluso, alimentada por uma poltica internacional isolacio-nista, se desfez (os reiterados atritos entre os Estados Unidos e aUnesco, sua retirada do protocolo de Kyoto, a poltica no OrienteMdio, etc.). Mas seria errneo pensarmos que o embaralhamentodas fronteiras diz respeito apenas a eles, na verdade, todos esta-mos envolvidos. Se estamos discutindo sobre o 11 de setembro porque o fato nos interpela diretamente. No se trata pois de algoque aconteceu longe, distante de ns. Os desdobramentos emquesto (uma eventual generalizao da guerra com a invaso doIraque) tm conseqncias para todos, brasileiros, japoneses, oufranceses. Neste sentido, o atentado no se passou nos EstadosUnidos mas numa provncia do mundo.

O evento do World Trade Center simboliza tambm o declniodo imprio americano. A rigor, um domnio de curta durao, es-tendendo-se da II Grande Guerra ao final do sculo XX. As anali-ses econmicas apontavam para isso j h algum tempo. A emer-gncia do Japo e da Comunidade Europia, sem esquecer o de-senvolvimento recente da China, criou novas zonas de produo ecomrcio diretamente concorrentes com os produtos americanos.O capitalismo flexvel, descentrando as unidades produtivas, in-fligiu uma reestruturao radical na economia dos Estados Unidos.A prpria indstria cultural, que at ento reinava sem contestata-o, foi obrigada a redimensionar suas ambies. Pokemon des-bancou Pato Donald e a indstria televisiva da comunidade euro-pia e asitica (e mesmo latino-americana) deslocou a predomi-nncia das sries americanas para as fices televisivas locais. Per-maneceu apenas a hegemonia dos filmes de Hollywood, sem es-quecer porm que boa parte de seus estdios so hoje propriedadede capitais japoneses e europeus. Dificilmente poderamos escre-

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ver, como o fez na dcada de 70, Jeremy Thunstall (um idelogodo domnio americano) que a media are American. Neste mo-mento, a preponderncia dos Estados Unidos era indiscutvel. Noquero com isso dizer que o pas j no tenha mais importncia. Se-ria um equvoco. Mas as bases materiais para exercer sua domina-o se desfizeram. Vive-se no entanto uma contradio, diante des-sas transformaes, contrapondo-se a ela, a mentalidade imperia-lista sobrevive e se manifesta. Em 1941 a revista Life, com orgu-lho e auto-segurana, dizia: Amrica o centro dinmico dos tra-balhadores da humanidade. Amrica o bom samaritano. Amrica a casa de fora dos ideais da Liberdade e da Justia. Verso po-pular e apologtica do americanismo. Hoje o lema, Quem noest conosco est contra ns de outra natureza. Sua funo meramente reativa. As convocaes guerra do presidente Bush, avontade da retaliao a qualquer custo, a oposio entre o bem eo mal, a desqualificao da civilizao islmica, so parte destamentalidade bligerente. O que nos leva uma primeira conclu-so: os Estados Unidos tornam-se uma ameaa mundial. Pois abusca por uma compensao ao ataque cometido pode colocar emmarcha um perigoso mecanismo para a convivncia planetria.Dito em termos mais abstratos: qualquer ao imperialista nummundo globalizado fonte potencial de conflito. Segue desta argu-mentao o seu corolrio: a retomada do nacionalismo, pois afinal,o conceito de imperialismo funda-se na idia da centralidade danao. Na discusso sobre a globalizao, o nacionalismo muitasvezes visto como um freio ao processo de integrao. Como se elefosse capaz de reafirmar a autoridade do Estado-nao face ao mo-vimento de sua debilitao. Exemplo: o esfacelamento das antigasrepblicas soviticas. Na verdade, deve-se pensar as coisas do pon-to de vista inverso. O nacionalismo norte-americano, liberado peloacontecimento sangrento em New York, no foge regra. Dianteda impossibilidade de uma ao imediata, no se sabe onde se en-contra o inimigo, a retrica nacional atua como conscincia coleti-va unindo os indivduos em pnico. Ela tem ainda uma funo ide-

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olgica, preparar o pas para a guerra e as medidas de exceo.Mas no nos iludamos. No se trata do retorno do Estado-nao.Retomo de Marx uma metfora sugestiva, ela caracteriza bem nos-sa situao. Ele dizia que durante a Revoluo Industrial a burgue-sia tinha tido um papel herico ao romper com a ordem social an-terior. Porm, no final do XIX, esta mesma burguesia vivia som-bra de si mesma. No mundo atual o Estado-nao perdeu o seulado herico. Sua afirmao revela mais a fragilidade do que suafora. Ele no mais cria, como antes, sociedade civil e democracia,sua inteno puramente reativa. Retaliar para afirmar-se. O na-cionalismo certamente um captulo deste sculo que se abre, des-mentindo a tese apressada do desaparecimento do Estado-nao,mas a sua face e o seu significado mudaram de sentido.

Por fim a questo dos valores. O advento da modernidade-mun-do implica na emergncia de um territrio pblico em escala am-pliada. Ele transcende e atravessa os espaos locais e nacionais.Por isso os meios de comunicao, que j haviam transformado apoltica nacional particularmente a televiso tornam-se cadavez mais importantes. Satlites, cabos, computadores, fibras ticas,transnacionalizao das empresas de comunicao, so fatores de-terminantes no quadro poltico atual. No sem razo que asONG, espcie de metfora do fazer poltica em mbito global, seidentificam ao uso das novas tecnologias (utilizao vista usual-mente como sendo alternativa). Tambm sintomtico que seinicie neste sculo XXI um debate sobre uma possvel democra-cia cosmopolita, uma sociedade civil mundial, uma cidadaniamundial, isto , temas extensivos ao planeta como um todo e jno mais restritos s fronteiras do Estado-nao. Ele envolve ato-res diferenciados, ONGs, movimento ecolgico, religies. signi-ficativo constatar que nos ltimos anos a discusso sobre a ticatenha ressurgido em termos planetrios. Na dcada de 90 a Unescoorganizou dois debates sobre tica universal e sua relao com atemtica da globalizao (Paris, maro 1997; Npoles, dezembro1997). O filsofo Karl Apel tem insistido sobre a necessidade dos

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problemas mundiais serem equacionados a partir de uma base co-mum de valores partilhados por todos O livro de Edgar Morin,Ptria Terra, exprime o mesmo estado de esprito. Como os pro-blemas ambientais existentes tm uma envergadura planetria, se-ria urgente, segundo o autor, construirmos uma plataforma comumde valores eticamente partilhados. Pode-se ler essa discusso devrias formas, concordarmos ou discordarmos dos pontos de vistaapresentados. s vezes tenho a impresso de que a nfase na ticasignifica um abandono da poltica, porm, o que gostaria de subli-nhar neste texto, que no quadro atual o debate encontra-se com-prometido. Valores como democracia, cidadania, liberdade, estoameaados quando no plano mundial o tema da segurana adquireuma dimenso desproporcional. Tudo se passa como se estivsse-mos assistindo emergncia de uma ideologia da segurana, nomais nacional, como a conhecamos no Brasil na poca da ditaduramilitar, mas mundial. Diante de uma violncia ilegtima (os atosterroristas) e outra orquestrada pelo poderio militar, os ideais ante-riores tm pouco espao para se manifestar. Isso no apenas in-quietante mas profundamente perigoso. Pois as questes do abusoaos direitos individuais, da xenofobia, da discriminao, da desi-gualdade, que vivemos no cotidiano de nossas cidades (do terceiroao primeiro mundo), so traduzidas em linguagem de inseguran-a, demandando daqueles que tm os meios da fora, mas no aautoridade, uma reposta simples: a legitimao da violncia em es-cala planetria. Este o ponto central da discusso em curso. Inva-dir um pas, seja esta uma vontade unilateral do governo dos Esta-dos Unidos, ou partilhada pelo conselho de segurana da ONU,significa fundar a autoridade de tal deciso, nesta ou naquela insti-tuio. Da a importncia da mdia neste contexto. Ela funcionacomo espao estratgico de formulao de crena, ou como prefe-rem os cientistas polticos, de consenso. Entretanto, diante daguerra, as verdadeiras questes so eludidas. Pois a nova ordemem que vivemos requer outras instituies para arbitrar a polticainterna mundial. Instituies que no sejam o mero reflexo das

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ambies e dos interesses dos pases mais ricos, reproduzindo, emnvel global, as desigualdades existentes. Neste sentido, nem osEstados Unidos, nem o conselho de segurana da ONU, tm auto-ridade para decidir pelo planeta como um todo, embora, claro,disponham da fora para isso. Fundar uma deciso desta monta embases to dspares no fundo validar a excluso da maioria dassociedades em sua formulao. O que est em jogo saber quemir deter o monoplio da violncia em escala planetria.

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A LUTA DO SANTO GUERREIRO CONTRA O DRA-GO DA MALDADE:

CONSIDERAES SOBRE O 11 DE SETEMBRO

Joo Roberto Martins Filho*

P: O senhor no se arrepende de ter apoiado o fundamentalismo

islmico, de ter dado armas e orientao a futuros terroristas?

R: O que mais importante para o mundo?

O Talib ou o colapso do imprio sovitico?

Alguns poucos muulmanos enlouquecidos ou a

libertao da Europa Central e o fim da guerra fria?

(Zbigniew Brzezinski, assessor de segurana nacional do presidenteCarter, ao Nouvel Observateur 15 a 21-1-1998 (Ali, 2002: 289)

As sementes de drago plantadas em 2.500 madrassas

produziram uma colheita de 225.000 fanticos prontos

para matar e morrer por sua f quando seus lderes re-

ligiosos o ordenassem (Ali, 2002: 273).

O objetivo deste artigo expor algumas idias muito simplessobre o significado dos ataques terroristas do 11 de setembro, suascausas e conseqncias. Nas pginas seguintes, com o mximo de

* Professor do Departamento de Cincias Sociais e do Programa de Ps-Graduao em Cincias Sociais da Universidade Federal de So Carlos.Pesquisador do CNPq e da Fapesp.

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evidncias concretas, procuramos mostrar que os ataques ao Pent-gono e s torres gmeas de Nova Iorque imprevistos e imprevis-veis na forma especfica em que aconteceram eram, no entanto,possveis de antever diante dos indcios de que um grupo de funda-mentalistas antes incentivados pelos Estados Unidos crescera aponto de se tornar uma ameaa ao mais poderoso imprio da hist-ria e de que Osama bin Laden e a Al-Qaeda j eram suficientemen-te conhecidos dos servios de inteligncia norte-americanos. Poroutro lado, tentaremos enfocar os atentados como um exemplo tr-gico e terrvel do tipo de reao tardia a polticas militaristas ame-ricanas que o historiador Chalmers Johnson chamou de blowback. 1

Com esse propsito, examinaremos suas origens mais imediatas e,principalmente, a seqncia de reaes americanas que provoca-ram. Estas, no nosso entender, colocaram o mundo numa rota ins-tvel, arriscada e de final imprevisvel. De certa forma, depois des-tes acontecimentos tudo parece possvel aos EUA e assim pareceque as coisas continuaro, a menos que surja, em escala interna-cional, um movimento pacifista e antiimperialista capaz de reper-cutir, principalmente, no interior da superpotncia.

Por motivos de espao, nossa pesquisa se restringir a algumasregies do globo e aos aspectos mais importantes dos temas abor-dados. As evidncias aqui examinadas tm o objetivo de funda-mentar uma tese central: a de que o mundo nada ganhou com oepisdio de 11 de setembro. Nesse sentido, nem os agentes daque-les atentados, nem seu programa de ao e muito menos as conse-qncias que provocaram podem ser vistos com condescendnciapelo pensamento crtico. Em outros termos, no h o que admirarnaquilo que um autor como Noam Chomsky chamou de atrocida-de de propores colossais e horrendo crime terrorista (Chom-sky, 2002: 26, 65). Nem por isso, porm, deixa de ser fundamental

1 O termo tem sido traduzido em portugus como contra-exploso, epoderia ser substitudo aproximadamente por ricochete ou tiro pela cu-latra, mas neste artigo optarei por usar a expresso em sua forma origi-nal, mais precisa e sinttica.

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situ-los no processo mais geral que os gerou e ainda os alimenta.Diante da deteriorao da poltica externa norte-americana e dosurgimento de tendncias antiamericanas marcadas pelo maisacentuado obscurantismo, mais do que nunca parece indispensvelaguar os instrumentos da crtica.

Um ato sem precedentes

Quando se forte, a guerra fica na casa dos outros, disse ohistoriador Fernand Braudel na sua magnfica obra dedicada an-lise da civilizao material e do capitalismo nos sculos XV aoXVIII (1998: 49-50). Para ele, um dos objetivos da guerra travadapelos imprios em seu apogeu o de levar obstinadamente ocombate ao vizinho, ao mais fraco ou ao mais forte. No entanto,alertava, se um ricochete a traz de volta ao Santo dos Santos,adeus primazia! (Idem: 49). Guardadas as propores, o ataque aocentro militar do imprio, mais exatamente, s instalaes doPentgono na capital americana, sinaliza no apenas o advento deum estgio crtico da hegemonia americana, mas marca um acon-tecimento de caractersticas histricas de certa forma inditas.Por outro lado, faz-se necessrio tambm reconhecer que o acon-tecimento que roubou completamente a cena do 11 de setembro,tornando-se o prprio smbolo daquele dia, foi a estpida destrui-o das torres do World Trade Center e das vidas que elas abriga-vam. Afinal, j se disse que o poder americano tem trs sedes Washington, DC, no aspecto militar; Los Angeles, no da domina-o cultural e Nova Iorque, como sede mundial do capital financei-ro. Referindo-se a uma poca passada, Fernand Braudel afirmava:Uma economia-mundo possui sempre um plo urbano, uma cida-de no centro da logstica de seus negcios: as informaes, as mer-cadorias, os capitais, os crditos, os homens, as encomendas, ascartas comerciais chegam a ela e dela voltam a sair. Nela quemdita as regras so os grandes comerciantes, por vezes excessiva-

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mente ricos (Braudel, 1998: 20). E acrescentava: Uma cidade-mundo no pode atingir nem manter o seu alto nvel de vida sem osacrifcio, desejado ou no, das outras. Das outras com as quais separece uma cidade uma cidade mas das quais difere: umasupercidade. Por fim, salientava o historiador:

Excepcionais, enigmticas, essa cidades rarssimas deslum-bram. Para Philippe de Commynes, em 1495, Veneza a maistriunfante cidade que j vi. Na opinio de Descartes, Amster-dam uma espcie de inventrio do possvel (...). Mas essascidades deslumbrantes tambm desconcertam, escapam ao ob-servador. No tempo de Voltaire ou de Montesquieu, qual o es-trangeiro que no se empenha em compreender, em explicarLondres. (...) E quem nos contaria, hoje, o verdadeiro segredode Nova Iorque? (Braudel, 1998: 20).

As razes do 11 de setembro

Chalmers Johnson hoje provavelmente o maior especialistanorte-americano em estudos sobre os pases do Leste asitico. Pro-fessor da Universidade da Califrnia em San Diego, ele se consti-tui num dos poucos exemplos disponveis de um professor politi-camente moderado que, a partir de suas prprias observaes sobreos rumos da poltica de projeo de poder de seu pas, evolui parauma posio extremamente crtica sobre a postura imperial dos Es-tados Unidos. Em um livro recentemente publicado Blowback,the Costs and Consequences of American Empire (2001) seufoco principal so as conseqncias das polticas imperialistas dosEUA na ltima metade de sculo em pases como Japo, China eas duas Corias. Com profuso de evidncias, ele defende a a tesede que a poltica militarista dos Estados Unidos cria e prepara in-cessantemente as condies para a ecloso de processos e atos que,no final, se voltaro contra esse prprio pas. A esse processo deexploso tardia em casa de uma bomba que a superpotncia plan-tou fora do pas ele apelidou de blowback. Na sua prpria defini-

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o, Blowback significa, em forma taquigrfica, que uma naocolhe o que semeia, ainda que no saiba ou compreenda inteira-mente o que est semeando. Mais especificamente, a expresso seaplica s conseqncias de polticas calcadas na pressuposio deinvulnerabilidade tpica das naes imperiais, com toda a soberbaque lhes conferiu seu imenso poder militar e econmico. Em resu-mo, diz ele, o problema o Imprio. E conclui: Quanto maisprojetos imperialistas, mais se gera blowback (p.223).

bom lembrar que o livro de Johnson foi escrito mais de doisanos antes dos atentados de 11 de setembro. Assim, soa ainda maisinteressante sua advertncia de que dados sua riqueza e poder, osEstados Unidos sero um receptor primordial, no futuro previsvel,de todas as mais esperadas formas de blowback, particularmenteataques terroristas contra americanos dentro ou fora das Foras Ar-madas, em qualquer parte da terra, inclusive dentro dos EstadosUnidos (Johnson, 2001: 223). No entanto, o pas parecia poucosensvel a essas ameaas e no parecia no enxergar que a prpriaforma de tratar o terrorismo pode levar a uma espiral de violncia.Nesse sentido, Johnson cita como exemplos positivos os casos dasnegociaes diplomticas que, em 1994, permitiram, ao governofrancs receber do Sudo o terrorista de origem venezuelana Car-los e, em setembro de 1998, a entrega a uma corte internacionalem Haia, Holanda, dos supostos culpados pela derrubada de umavio da Pan Am sobre a localidade de Lockerbie, na Esccia.Para ele, esses exemplos de enfrentamento do terror com armasno violentas impediram a espiral de blowback e retaliao. Ecompleta: esta, sem sombra de dvida, est longe de um fim, nocaso de bin Laden (Johnson, 2001: 11).

Cria cuervos...

Note-se que nessa anlise o terrorista rabe no apareceu comoum raio em cu azul. Seu surgimento s pode ser entendido no

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contexto de uma srie de aes promovidas pela poltica militaristados Estados Unidos. Com efeito, como veremos a seguir, tanto emdocumentos oficiais como em obras jornalsticas e acadmicas, possvel encontrar antes do 11 de setembro menes relativamentefreqentes ao novo terrorismo. O que parece faltar uma explica-o plausvel de sua origem. Tudo se passa como se bin Laden e aAl-Qaeda tivessem surgido do ter. Assim, a 20 de agosto de 1998 trs anos antes do 11 de setembro e duas semanas depois dosatentados contra embaixadas dos EUA na Tanznia e no Qunia -,o presidente Bill Clinton procurou, em nota oficial, justificar aopovo americano por que mandara atacar com msseis instalaesterroristas no Afeganisto e no Sudo2, devido ameaa imi-nente que apresentavam segurana nacional dos EUA. Segundoo presidente: Nosso alvo foi o terror. Nossa misso foi clara, ata-car a rede de grupos radicais associada a Osama bin Laden, talvezo mais importante organizador e financiador do terrorismo interna-cional hoje (Alexander e Swetnam, Apndice 5 A). Nenhuma pa-lavra sobre de onde tinha surgido to maligno personagem.

Seis meses depois, em depoimento para uma comisso do Sena-do americano, o ento diretor do FBI, Louis Freeh, referia-se aosmesmos episdios: como resultado de nossas investigaes, 11indivduos associados a Al-Qaeda, inclusive Osama bin Laden, fo-ram indiciados individualmente por conspirao com o propsitode matar cidados americanos, por atentados a bomba das embai-xadas dos EUA na Tanznia e no Qunia, e por assassinato. Nomesmo documento, o FBI dividia a ameaa terrorista em trs cate-gorias: aquela que se apresenta como instrumento de Estados fora-

2 Nessa ocasio, sob o pretexto de destruir instalaes onde se produ-ziam armas qumicas, os bombardeios destruram, na localidade de Al-Shifa, uma fbrica de medicamentos responsvel pela produo de meta-de dos remdios consumidos pelo Sudo (Chomsky, 2002: 50 segs). Nose deve esquecer que tais ataques se deram no auge das tentativas republi-canas de conseguir o impeachment de Clinton, no bojo do escndalo pro-vocado por suas relaes com a estagiria da Casa Branca.

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da-lei; o terrorismo constitudo por organizaes mais formais e decarter em geral transnacional e, finalmente aquele que provm deextremistas fluidamente associados, caracterizado por terroristasviles como Ramzi Ahmed Yousef e o financista terrorista interna-cional Osama bin Laden (Idem, Apndice 5 B).

Dois dias antes desse depoimento, a 2 de fevereiro de 1999, odiretor da CIA, George Tenet, diante da comisso do Senado en-carregada de examinar as ameaas atuais e futuras segurana na-cional dos EUA, afirmava:

Olhando para o prximo ano, Sr. Presidente, deixe-me men-cionar duas ameaas especficas. Em primeiro lugar, no hsombra de dvida de que Osama bin Laden, seus aliados emtodo o mundo, e seus simpatizantes planejam futuros ataquescontra ns. A despeito de certos progressos contra as suas re-des, a organizao de bin Laden tem contactos praticamente emtodo o mundo, inclusive nos Estados Unidos e ele declarouinequivocamente Sr. Presidente que qualquer americano um alvo. O alvo mais abrangente de bin Laden expulsar osEstados Unidos (sic) do Golfo Prsico, mas ele atacar emqualquer parte do mundo onde ache que somos vulnerveis.Antecipamos atentados a bomba com explosivos convencio-nais, mas seus militantes (operatives) so capazes tambm deseqestros e assassinatos (Idem, apndice 5 E).3

Tambm aqui, nenhuma palavra nos ajudava a entender o queos Estados Unidos foram fazer no Golfo Prsico e quais as condi-es que permitiram a uma nica organizao desafiar um imprioto poderoso como o americano. De resto, at mesmo uma Resolu-o (1267) do Conselho de Segurana da ONU, datada de 15 deoutubro de 1999, cujo tema era a situao no Afeganisto, conde-nava fortemente o uso do territrio afego, especialmente reascontroladas pelo Taleban, para o abrigo e treinamento de terroris-tas e planejamento de ataques terroristas. A mesma resoluo de-

3 Idem, ver www.cia.gov/cia/public_affairs/speeches/archives/1999/ps020299.html

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plorava o fato de que o Taleban continua a prover abrigo seguro aOsama bin Laden e a permitir que ele e seus associados operemuma rede de campos de treinamento terrorista, a partir do territriocontrolado pelo Taleban e utilizem o Afeganisto como base daqual patrocinam operaes terroristas internacionais (Idem,Apndice 6 A).4 No mesmo sentido, o jornalista ingls WilliamShawcross referia-se a um relatrio anual do Secretrio-Geral daONU dirigido Assemblia Geral daquele organismo, em queKofi Annan afirmava que o Afeganisto est se tornando um ce-leiro para o extremismo religioso e a violncia sectria assim comovrias formas de terrorismo. Segundo Annan, tudo indica que oincndio comeou a se espalhar em todas as direes (Shawcross,2000: 405).

V-se, assim, que o sistema de informaes do EUA tinha ple-no conhecimento da ameaa colocada por bin Laden. Ainda assim,ele foi capaz de efetuar uma ao que, na sua forma especfica, nofoi prevista por nenhuma agncia do complexo sistema de inteli-gncia dos Estados Unidos. Afinal, como salientou Donald Snow,professor de Cincia Poltica na Universidade do Alabama umadas dificuldades da luta contra o terror justamente que a efic-cia terrorista reside em atacar em hora e em local impossveis deserem visados. Dada a natureza clandestina das organizaes terro-ristas muito mais fcil reconstruir uma trama terrorista em retros-pecto que prev-la antecipadamente (Snow, 1997: 158).

Mas voltando idia de que bin Laden surgiu do nada, valemencionar o livro O Lexus e a Oliveira publicado em 1999 porThomas Friedman, o colunista de assuntos internacionais do NewYork Times, cujo subttulo era Entendendo a globalizao. A, ofamoso jornalista explicava que no mundo da globalizao, os pa-ses em especial a superpotncia americana ainda so de enor-me importncia, hoje em dia, mas tambm o so os Supermercadose os Indivduos com Superpoderes. E conclua, impossvel

4 Idem, ver www.un.org/Docs/scres/1999/99sc1267.htm.

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compreender o sistema da globalizao ou a primeira pgina dosjornais, sem a viso da interao complexa entre esses trs agen-tes: os Estados em choque com os Estados, os Estados em choquecom os Supermercados e Estados em choque com os superindiv-duos. Como exemplo supremo destes ltimos, Friedman dizia:Osama bin Laden, milionrio saudita com a sua prpria rede glo-bal, declarou guerra aos Estados Unidos, em fins dos anos 90, e aFora Area americana desfechou contra ele um ataque com ms-seis cruise, como se fosse contra outro pas. Disparamos msseiscruise contra um indivduo! (Friedman, 1999: 37).

O que Friedman no disse, embora soubesse exausto, quebin Laden, o superindivduo, era em parte uma criatura das polti-cas da superpotncia durante a guerra fria, um tpico caso de feiti-o que se volta contra o feiticeiro. Nesse sentido, num artigo muitooportuno publicado na revista norte-americana Extra!, em sua edi-o de janeiro-fevereiro de 2002, o professor de Cincia Polticada Universidade do Arizona, David N. Gibbs, lembra justamenteque, para a grande imprensa dos EUA, os viles das notcias dehoje eram heris nos anos 80. E complementa:

Houve, em resumo, uma mudana bastante dramtica e orwel-liana no tom do discurso pblico com relao ao Afeganisto.Enquanto o extremismo islmico agora visto com grande hos-tilidade, nos anos 1980, a poltica dos EUA apoiava vigorosa-mente esse extremismo; raramente se reconhece que, poucomais de uma dcada atrs, a imprensa dos EUA expandia-se emeloqncia sobre os combatentes da liberdade afegos (Gi-bbs, 2002: 13)

Gibbs tambm se encarrega de nos lembrar a cronologia bsica dosurgimento do terrorismo islmico e do Taleban. Em 1978, o Parti-do Democrtico do Povo do Afeganisto tomou o poder, provocan-do a resistncia fundamentalista que levou fatdica deciso daUnio Sovitica de mandar tropas para proteger o governo aliado.No contexto da guerra fria, a CIA americana despejou dinheiro e

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prodigalizou toda forma de apoio para os grupos de mujahidin cu-jas bases se situavam em Peshawar, no Paquisto.5 Em suma, a po-ltica imperial americana criou as cobras que depois iriam picar opovo americano. Difcil imaginar um caso mais tpico de blow-back. No por acaso, o jornalista do Guardian Fred Halliday sali-entou, em 1986, que diante dos rebeldes afegos, Khomeini pare-cia um estudante de ps-graduao do MIT. Com efeito, aprovei-tando-se das facilidades fornecidas pelos servios de intelignciados EUA, grupos guerrilheiros logo passaram a traficar pio para oPaquisto. A CIA, como mostrou Alfred McCoy no livro The Poli-tics of Heroin, citado por Gibbs, fez o possvel para que ningumatrapalhasse os negcios de seus aliados.6 Desnecessrio dizer queos guerrilheiros usavam contra os soviticos e contra grupos rivaismtodos brbaros de guerra. Em suma, todos os traos hoje empre-gados para satanizar bin Laden e os Taleban estavam nitidamentepresentes nos anos 80 entre os grupos de guerrilha ento aliadosdos EUA na luta contra o imprio do mal sovitico (Gibbs, 2002:14).

5 Um dos mais conhecidos guerrilheiros patrocinados pela CIA, Gulba-din Hekmatyar, especializou-se em jogar cido no rosto de mulheres afe-gs encontradas em pblico sem vu (Gibbs, 2002: 13). De resto, em1985, documentos de organizaes humanitrias deixavam claro quemeram os homens apoiados pela CIA. Uma das caractersticas mais notadasfoi a proibio de exerccio da profisso mdica pelas mulheres, num pasonde os mdicos homens eram tambm proibidos de tratar pacientes femi-ninas. Nesse sentido, como aponta Gibbs (2002: 15), documentos reserva-dos do prprio governo dos EUA notavam, j em 1987 que, para os guer-rilheiros anti-soviticos, qualquer mudana no modo de vida tradicional considerada um erro e as idias modernas fossem comunistas ou oci-dentais, eram vistas como ameaa.

6 Conforme Tariq Ali (2002: 264), o islamismo fundamentalista e aproduo de herona cresceram no mesmo ritmo e a Cia fechou os olhospara a venda da herona, supostamente destinada a financiar a guerra noAfeganisto. O nmero de viciados em herona registrado oficialmente noPaquisto cresceu de 130 em 1977 para 30.000 em 1988 (Idem, p.271).

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Mas a histria, como se sabe, no para por a. vidos de au-mentar a eficincia da guerrilha anti-sovitica, os Estados Unidosincentivaram a entrada de jovens militantes islmicos no Afeganis-to, vindos de pases de todo o Oriente Mdio. Entre eles, o saudi-ta Osama bin Laden que, segundo o Le Monde de 15 de setembrode 2001, foi recrutado pela CIA. Como recorda Gibbs, a Janes In-telligence Review, dizia que bin Laden atuava ao longo da frontei-ra paquistanesa, especializando-se em arrecadar dinheiro para aguerrilha, em ntima associao com agentes norte-americanos.Por sua vez, o jornal ingls Daily Telegraph mostrou logo depoisdos atentados que bin Laden tinha conta no Bank for Credit andCommerce International (BCCI), instituio amplamente usadapela CIA para o financiamento de operaes clandestinas.7 Saba-mos que no era gente muito boa. Tnhamos esse terrvel problemade fazer escolhas, reconheceu Economist de 25 de junho de1998, o prprio secretrio de Defesa dos EUA (todas as citaesem Gibbs, 2002: 15).

Mas a parte mais interessante e original do artigo de Gibbs suapesquisa no noticirio da poca, a fim de mostrar como os grandesrgos da imprensa dos EUA tratavam ento os futuros inimigosmximos dos Estados Unidos. Segundo ele, apesar das nuances,praticamente todos os jornais apoiavam algum tipo de apoio militaramericano; e havia quase acordo unnime em que os guerrilheiroseram hericos, corajosos e, acima de tudo, combatentes da li-berdade Assim, o Los Angeles Times de 23-6-86 afirmava que osguerrilheiros afegos ganharam a admirao do povo americano porsua corajosa luta. Os rebeldes merecem irrestrito apoio poltico e,dentro dos limites da prudncia, equipamento militar. O ChristianScience Monitor de 9-1-87 dizia que heris aparecem em muitasformas e tamanhos, comparando os guerrilheiros afegos aos mili-tantes pelos direitos civis norte-americanos e aos dissidentes soviti-

7 Tariq Ali refere-se ao BCCI como o banco que funcionava como ocanal para a CIA financiar atividades clandestinas e lavava os lucros dotrfico da herona (Ali, 2002: 292)

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cos. O Washington Post de 27-12-84 elogiava tambm os futurosinimigos: Eles conseguiram estabelecer uma brava resistncia.Gente simples, lutando com armas elementares, suportaram tremen-dos custos e impediram um estado bem armado de impor uma von-tade poltica externa (todas as citaes em Gibbs, 2002:15).

Rumo estao Al-Qaeda

A Al-Qaeda8 surgiu a partir do mekhtab al khidemat (MAK), oescritrio de servios dos mujahadin afegos, por volta de 1989,afirmava-se num livro cujo prefcio data de 28 de fevereiro de 2001e cuja quarta edio ainda teve tempo de inserir um breve ps-escritoque prometia incluir os acontecimentos de Nova Iorque e Wa-shington numa edio posterior. Tambm chamada de al-Qaida, alQadr ou outras cinco longas denominaes, ela atuava como redeterrorista internacional pesadamente financiada e liderada por seuprncipe, Usama bin Laden. Ainda segundo essa fontes, essa redefrouxamente tecida compreende vrias organizaes terroristas,como a al-Jihad egpcia e dezenas de outras. A Al-Qaeda servecomo uma estrutura organizacional informal para rabes-afegos, aolado de milhares de novos recrutas e simpatizantes em cerca de 55pases, incluindo o Brasil (Alexander e Swetnam, 2001: x).9 Por sua

8 A Base.9 O alcance geogrfica da organizao ainda matria polmica e a men-

o a 55 pases deve ser vista com cuidado. O grupo ganhou notoriedadepor ser acusada de participao numa srie de atentados contra alvos ameri-canos: 1) exploso no World Trade Center em Nova Iorque, em 1993; 2)exploso, a 13 de novembro de 1995, de um carro-bomba em frente s ins-talaes do centro de treinamento da Guarda Nacional saudita, operada pe-los americanos, em Riad, que resultou na morte de cinco americanos; 3) ex-ploso semelhante nas instalaes onde moravam membros da Fora Areados EUA em Dhahran, tambm da Arbia Saudita, a 25 de junho de 1996,com a morte de dezenove soldados e ferimentos em centenas de outros; 4)exploso de caminhes-bomba nas proximidades das embaixadas dos EUA

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vez, Tariq Ali menciona os seguidores de [Sayyid] Kutb no JihadIslmico, que se uniram com o exrcito dos rabes wahhabitas deOsama bin Laden para formar a Al-Qaeda (Ali, 2002: 157). E, vol-tando um pouco mais no tempo, lembra que todos os grupos armadosatualmente engajados no jihad contra os EUA e outros muulma-nos so filho da constelao do fundamentalismo islmico formadanos anos 50 e que inclua o wahhabismo, o Jihad Islmico e os Ir-mos Muulmanos. Ironicamente, esses eram os grupos vistos porWashington como um essencial anteparo ideolgico contra o co-munismo e o nacionalismo radical no mundo muulmano, noauge da guerra fria (Ali, 2002: 245).

Em termos programticos, o alvo mais amplo do grupo de binLaden era unir todos os muulmanos e estabelecer um governoque siga a lei dos califas. Para atingir tal meta, seria necessrioderrubar os governos muulmanos, corrompidos pela influnciaocidental. Seriam abolidas depois todas as fronteiras dos estadosmuulmanos, a fim de permitir o surgimento de um governo unifica-do sob a lei dos califas.10 Nesse sentido a Al-Qaeda se opunha a to-das as naes e instituies no governadas de forma coerente coma sua interpretao do Isl. Seu alvo mais visvel era e ainda a in-terferncia dos EUA no Oriente Mdio, especialmente as tropas es-tacionadas na Arbia Saudita desde a guerra do Golfo, em 1991.11

no Qunia e na Tanznia, a 7 de agosto de 1998, com a morte de 234 pes-soas e ferimentos em milhares; 5) provavelmente, o ataque suicida ao naviode guerra americano USS Cole, a 12 de outubro de 1998, que matou dezes-sete marinheiros e feriu outros 39, no porto de Aden, no Imen (Alexandere Swetnam, 2001: viii). Agradeo a meu colega da UFSCar, Paul Freston,especialista em questes religiosas, a sugesto desta fonte.

10 Aparece aqui um dos mitos mais fortes do fundamentalismo atual: oculto a um a unidade islmica perdida. No entanto, segundo Tariq Ali(2002: 62), a noo de uma civilizao islmica monoltica e todo-pode-rosa deixara de ter sentido no incio do sculo X e provavelmente antesdisso.

11 Vale lembrar que a prpria rbia Saudita foi uma criao dos impe-rialismos ingls e norte-americano. Desde 1938, este ltimo explorava pe-trleo naquele pas. A base da fora rea americana em Dhahran veio logo

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Mas seria interessante que os documentos da organizao falassempor si ss.

Nesse sentido, em agosto de 1996, bin Laden divulgou uma De-clarao de Jihad contra os EUA e a Arbia Saudita, ou Declara-o de guerra contra os americanos ocupantes da terra dos dois lo-cais sagrados. A podia-se ler: De forma clara, segundo a Crena(Im), no h nenhum dever mais importante que expulsar o inimi-go americano do solo sagrado (Swetnam, 2001, apndice 1 A: 6).Quanto Arbia Saudita, dizia o documento: Ao abrir a pennsulaArbica aos cruzados, o regime desobedeceu e agiu contra aquiloque foi prescrito pelo mensageiro de Al (Idem: 9). Em termos t-ticos, o mesmo texto explicava que:

devido desigualdade de poder entre nossas foras armadas eas foras inimigas, deve se adotar um modo adequado de luta,vale dizer, recorrer a foras leves de rpida mobilidade queoperem sob completo sigilo. Em outras palavras, iniciar umaguerra de guerrilhas, onde os filhos da nao e no as forasmilitares tomem parte (Idem: 11).

Em outro trecho, o documento se dirigia diretamente ao Secretriode Defesa dos EUA: Digo a voc, William [Cohen]: Esses jovensamam a morte como voc ama a vida. Eles herdaram dignidade,orgulho, coragem, generosidade, amor verdade e esprito de sa-crifcio de pai para filho. Eles so mais eficazes e inflexveis naguerra (Idem, 15). E, finalmente bin Laden afirmava: Esses jo-vens sabem que suas recompensas na luta contra vocs, os EstadosUnidos, o dobro que as recompensas na luta contra qualquer ou-tro povo que no esteja no Livro. Eles no tm outro intuito senoo de entrar no paraso assassinando vocs (Idem: 16).

Depois disso, em fevereiro de 1998, bin Laden e seu principalaliado, Ayaman al-Zawahiri, lanaram uma fatwa com o ttulo

depois. Durante a guerra fria, a rbia Saudita iria se tornar uma impor-tante barreira contra o comunismo e o nacionalismo secular no mundorabe (Ali, 2002: 143).

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Jihad contra judeus e cruzados onde salientam trs fatos, conhe-cidos de todos: em primeiro lugar, por mais de sete anos, os Esta-dos Unidos tm ocupado as terras do Isl no mais sagrado dos lo-cais, a Pennsula Arbica, pilhando suas riquezas, dando ordens aseus governantes, humilhando seu povo, aterrorizando seus vizinhose tornando suas bases na pennsula uma ponta de lana, por meio daqual lutam contra os povos muulmanos vizinhos (Alexander eSwetnam, 2001, apndice 1 B: 1) conforme o texto, toda a popula-o da Arbia tinha conhecimento agora desse fato, para o que con-triburam as aes da lanadas contra o Iraque, contra a vontade in-clusive dos impotentes governantes do pas; em segundo lugar,apesar da grande devastao infligida ao povo iraquiano pela alian-a cruzado-sionista e apesar do enorme nmero de mortos, [...] osamericanos mais uma vez tentam repetir os terrveis massacres(Idem: 2); em terceiro, se os alvos americanos por trs dessa guerraso religiosos e econmicos, o alvo tambm servir o pequeno esta-do de Israel e distrair a ateno de sua ocupao de Jerusalm e doassassinato de muulmanos ali. Finalmente, em maio do mesmoano, bin Laden emitiu uma declarao com o ttulo nada tranqiliza-dor e talvez um pouco otimista de A bomba nuclear do Isl, emque afirmava ser dever de todo muulmano reunir o mximo de for-a possvel contra os inimigos de Deus (Alexander e Swetnam,2001: 2).

Como se v, trata-se de um programa que, por nenhum ngulo,poderia ser assimilado tradio revolucionria dos sculos XIX eXX. De resto, vrios autores j chamaram a ateno para este pon-to, mas nunca demais voltar a ele.12 Como disse Immanuel Wal-lerstein, referindo-se ao primeiro exemplo de ecloso do funda-mentalismo islmico, no final dos anos 70,

12 Para Tariq Ali (2002: 99): No fim do sculo XX, com a derrota dosimpulsos seculares, modernistas e socialistas em uma escala global, umaonda de fundamentalismo religioso varreu o mundo.

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o que os Estados Unidos certamente no esperavam era que omovimento liderado pelo Aiatol Komeini fosse de naturezaabsolutamente diferente dos movimentos de libertao nacionalque o Terceiro Mundo experimentara no ps-guerra. O PartidoComunista Chins e o Vietmin, os nasseristas e a FLN argelina,O Movimento 26 Julho de Cuba e o MPLA de Angola todosse opunham hegemonia norte-americana e ao sistema interna-cional existente, mas agiam dentro da estrutura bsica de suaWeltanschauung, produto do Iluminismo do sculo XVIII. Elaseram contra o sistema, mas tambm eram do sistema (...) Ko-meini no era nada disso. Ele reconhecia Sat quando o via. Oprimeiro Sat eram os Estados Unidos, o segundo a Unio So-vitica (Wallerstein, 2002: 194).

A essa avaliao, podemos acrescentar a de Tariq Ali: Em trsmeses, os contornos do novo regime tinham se tornado visveis: erao rosto srio e intransigente do jacobinismo islmico [...]. Esta erauma revolta contra a Histria, contra o Iluminismo, a euromania ea ocidentoxicao. Contra o progresso (Ali, 2002: 186). Tratava-se de um antiimperialismo dos tolos: as mobilizaes diante da em-baixada americana tornaram-se um disfarce para forar medidas so-ciais profundamente reacionrias que logo levariam execuo deadlteros e homossexuais e um esmagamento total da esquerda, dasminorias nacionais (a guerra no Curdisto foi retomada) e dos muja-hidin (Idem, 194).

O dia seguinte

Em entrevista recente concedida a Antonio Polito, Eric Hobs-bawm colocava srias dvidas quanto possibilidade da hegemo-nia americana perdurar no sculo XXI. Mas o que nos chamou aateno nas reflexes do historiador ingls foi sua nfase nas dife-renas entre o carter da hegemonia britnica e da norte-america-na. Segundo ele:

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Ao contrrio da Gr-Bretanha no sculo XIX, os Estados Uni-dos so uma potncia revolucionria, baseada em uma ideologiarevolucionria. Assim, como a Frana revolucionria e a Rssiasovitica, os Estados Unidos no so apenas um Estado, masum Estado empenhado em transformar de certo modo o mundo.Nesse sentido, a hegemonia cultural americana possui uma di-menso poltica que a hegemonia britnica nunca teve. Os bri-tnicos, mesmo no auge de seu poderio, nunca tentaram con-verter o mundo (Hobsbawm, 2000: 56).

A tese de Hobsbawm ajuda a introduzir nosso tema seguinte. Oataque de 11 de setembro liberou na poltica externa americana umconjunto de pulses j existentes, mas que encontraram um terrenoperigoso e frtil em sua traduo diretamente religiosa, para nodizer messinica, despertada pelo confronto de fundamentalismos13

propiciado pelo desafio direto dos fanticos de bin Laden ao imp-rio americano. Aqui, antes de tudo, preciso reconhecer as simila-ridades entre o governo republicano de Bush e o governo democr-tico de Clinton. Afinal, em fevereiro de 1998, ao defender o uso demsseis de cruzeiro contra o Iraque, a ento secretria de EstadoMadeleine Albright disse com todas as letras: Se temos que usar afora, isso ocorre porque somos a Amrica. Somos a nao indis-pensvel. Nossa altura maior. Vemos mais longe no futuro (ci-tado em Johnson, 2001: 217).

Mas h que reconhecer que o mito do destino manifesto adqui-riu coloraes inusitadas na terceira presidncia norte-americanaque conviveu com o fim da guerra fria. Veja-se por exemplo o queocorreu em fevereiro de 2002, no auge da polmica sobre o trata-mento que os EUA conferiam aos prisioneiros de guerra talebansna base militar de Guantnamo, em Cuba. Ento, o procurador-ge-ral, John Ashcroft, falando na conveno anual da Associao Na-cional das Emissoras Religiosas, disse sem subterfgios: Todopovo chamado em defesa daquele que nos concedeu a liberdade edo quadro de liberdade que ele criou. E, em seguida: essa nos-13 O termo de Tari Ali (2002).

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sa responsabilidade: ser o guardio da liberdade que Deus nos con-cedeu a nobre misso do Departamento de Justia. uma causana qual todos os povos podem participar (Los Angeles Times, 20-2-2002). No espanta, assim, que, ao ser questionado sobre as con-dies em que os EUA mantinham os prisioneiros de guerra tale-bans em Guantnamo com mos e ps amarrados, vendas nosolhos e tampes nos ouvidos, forados a ficar de joelhos em jaulasestreitas o secretrio da Defesa Donald Rumsfeld tenha reagidocom furor, como se o tema nem sequer devesse ser mencionado.Mais sincero, foi o general reformado Bernard Trainor, que co-mentou: Ora, eles gostam de passar boa parte do tempo de joe-lhos, de qualquer modo (Los Angeles Times, 25-1-02).

O fato que o fundamentalismo do discurso do governo Bushveio juntar-se a um trao persistente da poltica americana na ltimametade de sculo: a tendncia a substituir diplomacia e negociaespela fora bruta. Aqui, bom lembrar que o livro de Chalmers John-son inicia-se justamente com um captulo sobre os riscos de blow-back provocados pela inexplicvel presena de cem mil militaresamericanos, mais de uma dcada aps o final da guerra fria, nas bas-es do Japo, principalmente em Okinawa, e nas da Coria do Sul.As teses de Johnson tm sua complementao na idia de que polti-cas desse tipo provocam uma espiral de violncia a cada reao mi-litarista aos efeitos de blowback provocados pelo militarismo ameri-cano. Infelizmente para o resto do mundo, o governo de George W.Bush parece tenazmente empenhado em demonstrar que os piorestraos da poltica de projeo de poder dos EUA esto destinados ater longa vida e parecem ter se intensificado de forma indita na es-teira dos ltimos atentados. Nesse sentido, propomos examinar a se-guir alguns exemplos da mudana provocada pelos acontecimentosde 11 de setembro nas polticas militares dos EUA.

O ano em que vivemos em perigo

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O instrumento indispensvel para manter o imprio americano seu imenso aparato militar lembrava no livro j citado o histo-riador Chalmers Johnson. E adicionava: Apesar do dinheiro nelasesbanjado, dos elogios infindveis por parte da imprensa e da su-per-extenso e blowback que geram, as Foras Armadas semprequerem mais. Para Johnson, no final do sculo os militares ame-ricanos esto se tornando um sistema autnomo (2001: 221) eessas foras exigem vorazmente equipamentos maiores e mais no-vos, enquanto agora o Pentgono estabelece, mais ou menos, suaprpria agenda. (2002: 222). Na anlise seguinte, mostraremosnossa concordncia com a primeira afirmao de Johnson: o poderamericano depende cada vez mais de seu aparelho militar. Quanto segunda afirmao, sobre a influncia poltica do Pentgono,vale destacar aqui um trao do governo republicano de George W.Bush que lembra os governos democratas de John Kennedy e Lyn-don Johnson nos anos 60. Explicando melhor, em ambas as con-junturas, presencia-se a ao de uma equipe de civis no comandodo aparato de defesa norte-americano, aparentemente mais dispos-ta do que os prprios militares a militarizar a poltica americana.Antes, a motivao para isso era a guerra contra o comunismo noVietn, hoje a guerra contra o terrorismo em todas as partes domundo. Outrora, os radicais civis atendiam pelos nomes de RobertMcNamara, Walt Rostow , McGeorge Bundy e Dean Rusk; nos diasatuais seus nomes so Donald Rumsfeld, Condoleeza Rice,Paul Wolfowitz e Dick Cheney. Assim como Lyndon Jonhson pa-recia deslumbrado com o brilho dos assessores civis herdados deKennedy (Halberstam, 1992: 41), George W. Bush o principalpartidrio dos falces de seu governo, para desespero inclusive deseu secretrio de Estado, o general Colin Powell. Diante do mpetodos falces civis as quatro foras armadas americanas, embora fe-lizes com o aumento explosivo do oramento, parecem temer que anfase na luta contra o terror prejudique os grandes projetos de

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modernizao e transformao ou beneficie uma fora em detri-mento das outras.14

Como se recorda, no dia 23 de janeiro de 2002, o presidenteBush anunciou que apresentaria ao Congresso a proposta de umaumento nas despesas militares no oramento de 2003 no valor de48 bilhes de dlares. Na ocasio, o mandatrio norte-americanodisse que o salto destinava-se a financiar a luta contra o terror, sis-temas de armamentos futuristas e aumentos nos soldos. Comoapontou o Los Angeles Times (24-1-02), a proposta de aumentode 14% em relao ao oramento de defesa deste ano de 331 bi-lhes marcaria o maior empurro nos gastos, em termos percen-tuais, desde os saltos na defesa sob os presidentes Carter e Reagan,duas dcadas atrs.15 Segundo lembrou John Isaacs, presidente doprogressista Council for a Liveable World: Apenas o aumento em

14 Nesse sentido, a revista inglesa Janes Defence Weekly (17-10-2001),intimamente ligada grande indstria armamentista, publicou matriacom o ttulo Dinheiro cado do cu a curto prazo ... mas a que preo?,com o lead Um empurro nos oramentos de defesa, para ajudar a lutacontra o terrorismo liderada pelos EUA pode resultar num atraso na trans-formao e reforma das Foras Armadas dos EUA. Para o debate intra-foras, ver, por exemplo, o artigo de Derek Lundy, do conservador Coun-cil on Foreign Relations, de Washington, onde se afirma que a vitria so-bre o Taleban dificilmente pode ser vista como parmetro que devemosusar para avaliar o futuro papel do poder areo dos EUA na construo desua poltica externa (Los Angeles Times, 13-1-02). Aparentemente, trata-va-se de uma resposta a artigo de Edward Luttwak, do Center for Strate-gic and International Studies, onde este defendia que com ou sem aliadoslocais, a nova sinergia das foras de elite com o poder areo tornou-se oinstrumento militar essencial da atualidade e um meio muito econmi-co (Los Angeles Times, 10-1-02). Por sua vez, o artigo j citado da Ja-nes afirmava: Cada fora j comea a defender que seus programas deestimao so importantes para a campanha antiterrorista (17-10-01: 18).Enfim, setores militares ainda assim reclamaram que o dinheiro destinado compra de novos armamentos no oramento de 2003 U$ 68 bilhes era insuficiente (Los Angeles Times. 1-2-02). Para efeitos comparativos, ototal do oramento militar da Frana solicitado para 2003 foi da ordem deU$ 87 bilhes (O Estado de S.Paulo, 12-09-02).

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relao ao ano passado maior que o oramento militar de qual-quer outra nao do globo. Gastamos agora nas nossas Foras Ar-madas o mesmo que o restante do mundo em conjunto (Los An-geles Times, 24-1-02).16 No mesmo sentido, Michael OHanlon dacentrista Brookings Institution destacou que : Ser o maior au-mento oramentrio para a defesa, em um s ano, desde a guerrada Coria. As despesas de defesa americanas excederiam a normada Guerra Fria e praticamente igualariam a mdia da era Reagan.Excederiam o oramento militar da Rssia ou da China em dez ve-zes (Los Angeles Times, 28-1-02).

Internamente, o aumento nos gastos militares teria efeitos pre-visveis. As projees oramentrias para 2003 cortariam fundoem programas sociais, como as reformas, h muito esperadas, naprevidncia social americana e os planos de subveno para acompra de remdios (Los Angeles Times, 25-1-02). Alm disso,grandes impactos oramentrios recairiam no Departamento doTrabalho, onde vrios programas de emprego so alvo de redu-es; na Agncia para a Proteo do Meio-Ambiente, que recebe-ria menos dinheiro para programas de limpeza do ar e da gua e noCorpo de Engenheiros do Exrcito, cujas atividades de ao cvi-ca, segundo o governo, estariam fugindo de sua misso especficade auxiliar a navegao e minimizar conseqncias de enchentes

15 Para atingir essa meta, o governo republicano mandava s favas umdos princpios mais alardeados do neoliberalismo dominante: o equilbriooramentrio. O prprio diretor de oramento de Bush, Mitchell E. Dani-els Jr., admitiu que o oramento de 2002 j apresentou um dficit de 106bilhes de dlares, uma dramtica guinada em relao ao supervit de 231bilhes que o governo previa apenas um ano antes (Los Angeles Times,24-1-02).

16 No dia seguinte ao anncio da proposta para a defesa, George W.Bush disse que pediria ao Congresso a aprovao de gastos no valor de 38bilhes de dlares para a segurana interna principalmente investimen-tos na polcia, corpo de bombeiros e servios de emergncia o dobro doque os EUA gastaram no oramento de 2002 e uma soma que faria invejaa qualquer Fora Armada do mundo (Los Angeles Times, 25-1-02).

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(Los Angeles Times, 5-2-2002). Essa transferncia de despesas so-ciais para gastos militares confirmava uma tendncia apontada porestudiosos da poltica imperial dos EUA no ps-guerra fria. Proli-ferao de conflitos regionais, clivagens sociais cada vez mais pro-fundas e crescente animosidade diante da pilhagem ocidental po-dem forar a Casa Branca a desviar cada vez mais recursos doms-ticos para guerras regionais e conflitos internacionais, diziamJames Petras e Morris Morley (1995: 133), num livro que tinhajustamente como subttulo: O poder global americano e a deca-dncia domstica.

Uma histria sem fim

Em artigo publicado em maio de 2001 a revista National Defen-se retomava o debate sobre a eficcia da guerra contra as drogas,iniciada pelo presidente Reagan h vinte anos e ainda em pleno de-senvolvimento.17 Na matria, destacava-se que o prprio secretriode Defesa de Bush, Don Rumsfeld, declarou ao tomar posse que oproblema das drogas nos EUA predominantemente um problemade demanda e na medida em que a demanda est a e poderosa, elavai encontrar formas de colocar drogas em nosso pas. Por sua vez,especialistas citados pela revista reafirmavam a preocupao de se-tores expressivos das Foras Armadas diante da possibilidade deatolar suas instituies numa guerra sem inimigo visvel e sem fim.Timothy Lynch, especialista em drogas do direitista Cato Institutefoi bastante claro nesse sentido: As Foras Armadas precisam sedesintoxicar de seu papel atual, que inteiramente inapropriado.No entanto, precisamente quando comeava a duvidar da eficcia da

17 Ron Chepesiuk (1999) dedicou um livro guerra contra as drogas,onde mostra que o inimigo difuso espalha-se da Siclia ao Sul da sia, daChina Jamaica, passando pelo Japo, Nigria, Rssia, Vietn at chegarao Mxico e Colmbia.

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guerra contra as drogas, o governo republicano embarcou numanova guerra sem fim: a luta contra o terrorismo.

No por acaso, Susan Sontag perguntava em artigo publicadono New York Times, na vspera do primeiro aniversrio do 11 desetembro: Que tipo de guerra essa? E argumentava: Guerrascontra inimigos como o cncer, a pobreza e as drogas so vistascomo guerras sem fim. Sempre haver cncer, pobreza e drogas. Esempre haver terroristas desprezveis, assassinos em massa [...],assim como combatentes da liberdade (como a Resistncia France-sa e o Congresso Nacional Africano), que antes eram chamados deterroristas por aqueles que eles combatiam mas foram rebatiza-dos pela histria. Para a intelectual nova-iorquina, as guerras aci-ma mencionadas s podem ser entendidas como metforas. Emcontraste, dizia, as guerras reais no so metforas. E guerrasreais tm comeo e fim. Mesmo o conflito intratvel e horrendoentre Israel e a Palestina terminar um dia. Assim, a resposta sua pergunta inicial parecia clara: essa guerra contra o terror ja-mais pode ter fim. Eis um sinal de que no se trata de uma guerra,mas, ao invs disso, um mandato para expandir o uso do poderamericano (The New York Times, 10-9-02).

A verdade que, se as guerras contra a pobreza e o cncer soverdadeiras metforas, a guerra contra as drogas permitiu prolon-gar a presena militar americana em regies como a Amrica Lati-na, depois do fim da guerra fria. Mas, de um modo ou de outro, aconcluso mais geral de Sontag aplica-se com preciso doutrinainaugurada pelo presidente George W. Bush em seu primeiro dis-curso sobre o Estado da Nao, pronunciado diante das duas casasdo Congresso americano a 29 de janeiro de 2002. Segundo o LosAngeles Times (30-1-02). Bush, na oportunidade, convocou o pasa abraar um esprito de tempo de guerra calcado na resoluo ena responsabilidade: Nossa guerra contra o terror est apenas nocomeo, alertou o presidente. No entanto, o trecho do discursoque mais causou preocupao em todo o mundo foi aquele em queBush resumiu suas consideraes sobre os regimes que patroci-

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nam o terror e ameaam a Amrica e seus amigos com armas dedestruio em massa. Citando nominalmente a Coria do Norte, oIr e o Iraque, ele afirmou:

Estados como esses, e seus aliados terroristas, constituem umeixo do mal, que se arma para ameaar a paz mundial. Ao pro-curar armas de destruio em massa, esses regimes colocam umperigo grave e crescente. Poderiam fornecer tais armas aos ter-roristas, dando-lhes os meios adequados ao seu dio. Poderiamatacar nossos aliados ou tentar chantagear os Estados Unidos.Em qualquer desses casos, o preo da indiferena seria catas-trfico (Los Angeles Times, 30-1-02).

Depois do chefe, falaram os assessores civis. No dia seguinteao informe de Bush, Condoleezza Rice, a assessora presidencialpara assuntos de segurana nacional, disse ao plenrio da Confe-rncia da Ao Poltica Conservadora, reunida em Arlington, Vir-gnia, que a Coria do Norte agora o comerciante nmero 1 demsseis balsticos, aberto para negcios com qualquer pessoa, noimportam as intenes do comprador. Quanto ao Iraque continuaa ser um regime disposto a comprar essas armas terrveis. Final-mente, o Ir apia o terrorismo regional e global e seus esforosagressivos para adquirir armas de destruio em massa suplantamas boas intenes, evidenciadas depois do 11 de setembro. ParaCondoleezza, todas essas naes tm uma escolha (sic) a fazer:abandonar a rota que seguem agora. Usaremos qualquer recurso anossa disposio para enfrentar essa grave ameaa global (LosAngeles Times, 1-2-02).

Fora dos EUA, o discurso caiu como uma bomba. Feito emgrande medida com vistas ao pblico americano, ignorava de for-ma surpreendente a situao geopoltica especfica de cada um doscasos que agrupou sob o mesmo rtulo, colocando problemas s-rios aos aliados americanos que tinham a infelicidade de viver aolado dos pases excomungados pelos EUA, ou tinham interessesestratgicos neles. Tais preocupaes ficam visveis numa colet-

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nea de editoriais e matrias de vrios jornais do mundo, que o LosAngeles Times publicou logo depois do discurso de Bush no Con-gresso americano. Nesse sentido, o direitista Jerusalem Post foi onico a tecer elogios ao presidente americano, considerando o pro-nunciamento ousado, mais ousado do que o mundo esperava, masno mais ousado do que o necessrio. Em contraste, um artigo dogeralmente comedido Times ingls, dava o tom da estupefaomundial: a orao mais poderosa que [Bush] pronunciou Amri-ca, deve ser vista judiciosamente como um ensaio em fundamenta-lismo, dizia o jornal londrino. E criticava a seguir a escolhaequivocada do Ir como alvo, seu silncio sobre Israel e o ape-lo missionrio para a propagao dos valores americanos. Para oarticulista, a idia do eixo do mal era para falar claro, nonsense.Bush estaria completamente equivocado se pensa que h uma co-alizo para atacar o Ir. Nem provavelmente para agir contra a Co-ria do Norte, ou mesmo o Iraque. Por fim, o Times mostrava in-dignao com o fato de Bush no ter mencionado uma nica vez asNaes Unidas ou quem diria o primeiro-ministro britnicoTony Blair.

Por sua vez, o Jordan Times, publicado na Jordnia, forte alia-do rabe dos EUA, destacou que uma das razes por que os fal-ces de Bush esto determinados a atacar em breve que o Iraqueest comeando a emergir de seu isolamento poltico. J na Tur-quia, uma das trs naes que mais recebem ajuda militar america-na, o Cumhuriyet, preocupado com o transbordamento do proble-ma curdo em caso de um ataque ao Iraque, destacava que os EUAesto perseguindo uma poltica inteiramente diversa dos interessesestratgicos turcos com relao a uma interveno no Ir e no Nor-te do Iraque. [...] A Turquia, a Sria e o Ir se opem diviso doIraque, assim como a Rssia e a China. Os interesses da Turquiano se alinham com os do Ocidente mas com os de seus aliadosregionais. Por fim, o jornal canadense The Globe and Mailpublicou em editorial uma pergunta interessante: O que aconte-ce se h mais foras-da-lei do que se imagina e se eles no entram

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na linha? Eles devem ser submetidos base de bombas, comoparte de uma campanha global que dure para sempre? Ou umaabordagem diplomtica deve ser de alguma forma recuperada?.E conclui: No ser Bush mas seus sucessores que provavelmentetero que responder a essa questo (todas as citaes em Los An-geles Times, 3-2-02).Nascido a 4 de julho

Seis meses depois dos atentados de 11 de setembro, o NewYork Times (3-3-02) alertava no principal editorial de sua ediode domingo: Antes que o presidente Bush decida onde levar aguerra seguinte contra o terrorismo, ele e o povo americano devemparar por um momento para pensar sobre como pretendemos noscomportar nesse papel novo e avassalador. O jornal se referia proposta de aumento nas despesas de defesa do governo Bush e disposio indita dominante no pas no sentido de avanar novospassos na luta contra o terror. Segundo o editorial, o globo viveum desequilbrio de poder global de feio provavelmente nuncavista desde o apogeu do Imprio Romano. No entanto, dizia oNew York Times, num mundo de alta tecnologia, mesmo uma su-perpotncia no pode se proteger sem o auxlio de outros pases.E acrescentava: At nossos aliados detestam serem forados asentir-se como se vivessem num planeta em que apenas a opiniode um pas que conta. Concluindo, dizia o mais importante jor-nal americano: O poder das armas americanas por mais impressio-nante que seja, tem seus limites. A ao militar apenas parte deuma equao de poltica externa, como mostram os processos atuaisno Afeganisto.

Uma semana depois, o mesmo jornal noticiava os esforos dosecretrio de Estado Colin Powell e do chefe do Estado-Maioramericano, general Richard B. Myers, para aplacar o alarme in-ternacional diante da divulgao de um documento de reviso dapoltica nuclear (Nuclear Posture Review), elaborado pelo Pent-gono, onde se identificavam pases como Ir, Iraque, Coria do

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Norte e Sria como alvos potenciais de um ataque nuclear preven-tivo dos EUA. Ambos procuraram defender que o documento emquesto no significava qualquer hiptese concreta de emprego dearmas nucleares num futuro imediato (The New York Times, 11-3-02). Em contraste com essas intenes apaziguadoras, Joseph Ci-rincione, especialista em armamentos da Carnegie Endowment forInternational Peace, declarou ao Los Angeles Times: O governoeliminou a fronteira entre armas nucleares e armas qumicas e bio-lgicas [...]. Ele fala de armas de destruio em massa, como se ogs mostarda fosse equivalente a uma arma nuclear capaz de des-truir uma cidade. Isso simplesmente no verdade. Mas o pontoprincipal para Cirincione eram os riscos de blowback embutidos nanova postura: Os Estados Unidos costumavam dizer aos outrospases que, se eles no adquirissem armas nucleares, ns no osatacaramos com nossas armas nucleares. Este governo abandonouessa poltica [...]. Agora, no h razo para outros pases evitaremadquirir armas nucleares (Los Angeles Times, 12-3-02).

Essa mesma opinio era compartilhada por trs fsicos SidneyDrell, Raymond Jeanloz e Bob Peurifoy que trabalharam para o go-verno americano em questes tcnicas relativas a artefatos nucleares.Em artigo assinado no Los Angeles Times, com o ttulo Bunkers,Bombs, Radiation, eles criticavam a suposio de que era possveldesenvolver armas nucleares tticas, capazes de destruir bunkerssubterrneos sem contaminao da atmosfera com radioatividademortal. Talvez mais importante diziam os fsicos citados o em-prego dessas armas teria provavelmente um efeito extremamente da-noso sobre esforos correntes para frear se no impedir a prolife-rao de armas nucleares. Mais especificamente, eles se referiam aoTratado de No Proliferao, cuja extenso indefinida recebeu em1995 a adeso de 185 pases e ao Tratado de Proibio de Testes,que os EUA assinaram com outras 160 naes, embora sem ratifi-c-lo. Em contraste, trs potncias nucleares Rssia, Inglaterra eFrana , assim como o Japo, assinaram este acordo. A China de-clarou que faria o mesmo, uma vez que os EUA o fizessem. O mes-

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mo ocorreu com a ndia. Nesse sentido, bom destacar a concluso deDrell, Jeanloz e Perifoy: A proibio de qualquer teste nuclear au-menta nossa segurana nacional no futuro visvel (Los Angeles Ti-mes, 18-3-02).18

Justamente o contrrio do que anunciava o documento de revi-so da postura nuclear dos EUA a que vimos nos referindo. Paraalguns, como o colunista Robert Scheer, tratava-se de um sinal dedesespero do governo Bush diante do fracasso de sua promessa deeliminar bin Laden: Considerem o absurdo dizia o jornalista corremos o risco de escalar uma corrida mundial por armas nuclea-res para lanar armas atmicas sobre um inimigo terrorista invis-vel, cuja ao militar mais efetiva at aqui comeou com lminasde abrir caixas. Para ele, mais do que apavorar o mundo comameaas de emprego de artefatos nucleares, Bush deveria conse-guir a paz no Oriente Mdio. Ainda uma vez, no entanto, o que seanunciava era uma poltica geradora de blowbacks:

Com efeito, dizia Scheer, os planejadores militares chineses erussos seriam atacados por seus prprios linhas-duras se falhas-sem em responder a esse documento, colocando nfase aindamaior na transformao de suas prprias foras nucleares, tor-nando-as mais robustas, capazes de sobreviver e de novo emalerta sensvel, em antecipao de um primeiro ataque america-no. Encorajar temores intensificados face s intenes nuclea-res dos EUA, num momento em que russos e chineses so nos-sos aliados contra o terrorismo , de forma estarrecedora, con-traproducente (Los Angeles Times, 12-3-02).

18 Alm disso, preciso notar que no so esses os nicos tratados queos EUA de Bush no querem ratificar. Como notou Susan Sontag, estegoverno tomou a posio radical de que todo tratado internacional umpotencial inimigo dos interesses dos Estados Unidos uma vez que ao as-sinar um tratado sobre qualquer coisa (sejam questes ambientais ou aconduo da guerra e o tratamento de prisioneiros) os EUA se comprome-tem a obedecer convenes que podem um dia ser invocadas para limitara liberdade dos de ao para fazer seja o que for que o governo pense que do interesse do pas (The New York Times, 10-9-02).

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Por fim, at mesmo o ex-secretrio de Defesa dos EUA de Kennedye Johnson ( poca da escalada da Guerra do Vietn), Robert Mc-Namara, publicou um artigo em co-autoria com Thomas Graham Jr.,ex-representante especial do presidente Clinton para assuntos de de-sarmamento, onde se lia: Caso a Nuclear Posture Review, ou NPR,recentemente vazada para a imprensa, se torne poltica oficial, pode-mos esperar que as armas nucleares se espalhem pelo mundo. Emreforo a seus argumentos, eles citavam o Ministro da Defesa da n-dia, Bob Fernandes: Para desafiar os EUA, preciso antes adquirirarmas nucleares (Los Angeles Times, 13-3-02).

A volta ao mundo em oitenta bases

Em artigo assinado no Los Angeles Times, William Schneiderlembrou a reao do ministro das Relaes Exteriores da Alema-nha frase sobre o eixo do mal de George W. Bush. Parceirosde aliana, disse, Joschka Fischer, no so satlites (Los AngelesTimes, 24-2-02). A declarao do ministro de um pas aliado sinto-maticamente empregava o termo utilizado repetidas vezes porChalmers Johnson para descrever as relaes entre os EUA com oJapo e a Coria no ps-guerra, para ele dois exemplos de satli-tes do imprio informal americano (Johnson, 2001: 37).19 Para Jo-hnson, a poltica americana no Leste Asitico constitui um tristeexemplo de tendncias mais gerais da atitude militarista americanano mundo atual:

Ainda que os Estados Unidos no final do sculo paream ter opoder de fogo e os recursos econmicos necessrios para neu-tralizar qualquer desafiante, acredito que nossa prpria soberbaassegure nossa runa. Um clssico erro dos administradores doimprio passar a acreditar que no h nenhum lugar em seu

19 No por acaso, o segundo captulo de seu livro tem o ttulo: Oki-nawa: a ltima colnia na sia, referindo-se s dezenas de milhares deamericanos ainda instalados na ilha japonesa onde se deu a batalha terres-tre mais terrvel da frente do Pacfico na II Guerra Mundial.

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domnio em nosso caso, nenhum lugar na terra em que suapresena no seja crucial. Mais cedo ou mais tarde, torna-sepsicologicamente impossvel no insistir no envolvimento emtoda parte, o que, certamente, uma boa definio de sobre-ex-tenso imperial (Johnson, 2001: 221).

Nesse quadro, ele lembra que, por volta de 1999, os EUA ti-nham em todo o mundo cerca de 800 instalaes militares america-nas, de bases completas a simples estaes de rdio. E perguntava:Por que h tropas estrangeiras baseadas em pases como o Japo,mais de meio sculo depois do fim da II Guerra Mundial e mais deuma dcada aps o desaparecimento da Unio Sovitica comoameaa militar? (Johnson, 2001: 37). O certo que o ps-11 desetembro testemunhou uma sucesso de atitudes americanas queapontavam para um recrudescimento do militarismo j denunciadopor vrios autores aqui citados. Para no superar os limites desteartigo, dedicaremos nossa ateno especificamente a certas regiesda sia. Nesse sentido, no clima da guerra contra o terror, os Esta-dos Unidos romperam uma tradio de dez anos e voltaram a en-viar soldados s Filipinas, a ex-colnia dos EUA cuja independn-cia foi concedida em 1946. Em 1992, o governo filipino que subs-titui o ditador cleptocrata e pr-americano Ferdinando Marcos so-licitou finalmente a desocupao da imensa base naval americanaem Subic Bay (Johnson, 2001: 24, 26, 190). Contudo, apesar doforte sentimento antiamericano ainda presente no pas e de umaproibio constitucional bastante clara, os EUA iniciaram em feve-reiro de 2002, nesse pas, a maior operao militar numa zona decombate fora do Afeganisto desde o incio da guerra contra o ter-ror (Los Angeles Times, 1-2-02). Segundo o jornal, a OperaoBalikatan (Ombro a Ombro) envolveu 650 soldados, inclusive160 das Foras Especiais, para ajudar o governo das Filipinas a lo-calizar e derrotar o implacvel Abu Sayyaf, um bando de seqes-tradores islmicos que podem ter laos com Osama bin Laden.No entanto, o assessor para segurana nacional da presidente Glo-ria Macapagal Arroyo reconheceu que o governo filipino no en-

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controu at agora nenhuma evidncia de uma conexo entre oAbu Sayyaf e a Al Qaeda. De forma previsvel, a notcia da prxi-ma chegada dos soldados americanos levantou ampla polmica nopas. Nesse sentido, o governo de Arroyo esforou-se por superarobjees constitucionais, procurando descrever como simplesexerccios uma operao de natureza claramente diversa, o quepermitiria contornar o claro veto presena de soldados america-nos em solo filipino, se fosse respeitada a letra da Constituio dopas (Los Angeles Times, 1-2-02). Sobre o mesmo assunto, o insus-peito New York Times noticiou a seguir que para contornar aquesto semntica, o governo filipino desautorizou a palavra [ope-rao] conjunta e afastou uma sugesto de denominar os exerc-cios guia da Liberdade. Para o jornal, o nome ombro a om-bro foi escolhido porque o termo utilizado para os exercciosanuais filipino-americanos. Ainda assim, um alto oficial reformadodo Exrcito das Filipinas reiterou que a operao no tinha sentido(The New York Times, 4-2-02).

Depois da Filipinas, podemos examinar brevemente as relaesdos Estados Unidos com os pases do Leste Asitico, visitados porGeorge W. Bush no auge da guerra contra o terror, em meados defevereiro de 2002. Comecemos pela Coria do Sul. Em abril de1997, em visita a Seul, o ento secretrio da defesa do governo de-mocrata de Clinton, William Cohen, estarreceu os coreanos do sule do norte ao anunciar que os EUA pretendiam manter suas forasestacionadas na Coria mesmo depois de uma eventual unificaoda pennsula (Johnson, 2001: 128). Com a posse de Bush, as coi-sas parecem ter piorado um pouco. Em seu primeiro encontro como colega sul-coreano em Washington, em maro de 2001, ele des-norteou Kim Dae Jung ao se distanciar da poltica do sol brilhan-te, pela qual a Coria do Sul procurava um degelo nas relaescom a Coria do Norte (Los Angeles Times, 21-2-02) iniciativaque deu a Kim o Prmio Nobel da Paz e talvez o acontecimentomais importante da histria do pas depois da guerra da Coria.No espanta assim que a visita de George W. Bush em fevereiro de

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2002 tenha sido precedida por uma onda de denncias efetuadaspor editoriais dos grandes jornais, sindicatos, grupos budistas ecristos, estudantes e mesmo grupos conservadores. Seul presen-ciou vrios protestos nas duas ltimas semanas dizia o Los An-geles Times (17-2-02) com a polcia antimotim se esforando pormant-los afastados da Embaixada americana. O mesmo jornalnoticiou a seguir que uma enquete promovida pelo partido gover-nante descobriu que os sul-coreanos, por uma margem de 3 a 2,acreditavam que a caracterizao de Bush sobre a Coria do Norteera inapropriada. Referindo-se presena de 37 mil soldadosamericanos na Coria do Sul e aos planos de modernizao dasbases dos EUA naquele pas, o dirio de Los Angeles salientava acrescente oposio de grupos cvicos que reclamam que a presen-a militar dos Estados Unidos no corao da capital (em Young-san) uma afronta soberania nacional (Los Angeles Times, 18-2-02a). Na mesma edio, o jornal reconhecia que a observaosobre o eixo do mal provavelmente obscurecer a viagem de umasemana de Bush a Tquio, Seul e Pequim (Los Angeles Times,18-2-02b).20

A prxima escala da visita de Bush o Japo foi precedidapela contrariedade dos japoneses diante das presses americanasem prol de reformas no sistema poltico do pas, a fim de eliminarbarreiras globalizao (Los Angeles Times, 17-2-02). Obviamen-te, contribuiu para a indignao japonesa a atitude dos EUA deno assinar o protocolo de Kyoto sobre mudanas no clima da ter-ra (Los Angeles Times, 18-2-02). No surpreende, assim, que oprincipal jornal do pas, o Asahi Shimbum tenha afirmado que oscomentrios de Bush sobre o eixo do mal colaboraram paraagravar as tenses regionais e mostraram um completo desprezopelas sensibilidades locais. J para o Okinawa Times, particular-

20 O tom da cobertura da grande imprensa norte-americana sobre a via-gem pode ser avaliado pelo ttulo de uma matria do Los Angeles Timesde 20-2-02, que se referia a protestos estudantis e um greve de fome deuniversitrios: Estudantes querem dar a Bush uma lio de diplomacia.

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mente sensvel presena militar americana21, as ameaas agres-sivas da Amrica, ao invs de reduzir o isolamento da Coria doNorte, trazem o risco de isolar ainda mais o pas e aguar a instabi-lidade. Particularmente, o Japo se preocupava ento, como sepreocupa ainda hoje, com uma grave crise energtica, no caso deuma interveno americana no Iraque (todas as citaes em LosAngeles Times, 19-2-02).

Em Pequim, os chineses aproveitaram a ltima escala da via-gem de Bush para reafirmar os pontos principais da agenda estrat-gica sino-americana: fim s vendas de armas americanas a Taiwan,suspenso das sanes dos EUA contra companhias chinesas acu-sadas de vender tecnologia em armamentos e das restries ian-ques ao projeto de lanar satlites comerciais americanos com fo-guetes chineses (Los Angeles Times, 27-2-02). Trs semanas de-pois da visita do presidente americano, o governo da China anun-ciou um aumento de 17,6% no oramento de defesa, consolidandotendncia anterior de modernizao de suas Foras Armadas. verdade que tal elevao, equivalente a cerca de 3 bilhes de dla-res, significava dezesseis vezes menos que o aumento do oramen-to militar americano para 2003.22 Segundo anunciou o ministrochins das Finanas Xiang Huai-Xeng, no plenrio do CongressoNacional do Povo, em Pequim, os fundos extras visam ajudar aChina a utilizar moderna tecnologia, especialmente alta tecnolo-gia, para aumentar as capacidades de defesa e combate de nossoExrcito. Os especialistas concordam nas motivaes chinesas

21 Sobretudo depois do caso escandaloso do estupro de uma menina ja-ponesa de 12 anos por dois fuzileiros navais e um marinheiro, em setem-bro de 1995 (Johnson, 2001: 34-37)

22 O oramento militar oficial da China de 20 bilhes de dlares, mash srias dvidas sobre se esse nmero no seria acentuadamente subesti-mado, pois no contaria despesas em pesquisa e desenvolvimento e com-pras de armas de pases como a Rssia. Ainda assim, segundo o Los An-geles Times (27-3-02), as despesas militares a empalidecem em compa-rao com as americanas.

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para os aumentos militares em anos recentes: a constatao da su-perioridade americana na guerra do Golfo e os planos de Bushpara retomar o projeto do escudo contra msseis (Los Angeles Ti-mes, 27-3-02).

Ainda no captulo asitico das repercusses do 11 de setembro,no final de fevereiro de 2002, a imprensa mencionou a disposioamericana a aumentar a ajuda militar ex-repblica sovitica daGergia, com o pretexto de impedir o uso da garganta de Pankisipor guerrilheiros da Al-Qaeda dispostos a ir e vir entre o Afeganis-to e a Chechnia. Na ocasio, Ivo Daalde, do Brookings Instituteafirmou temer que a luta contra o terror estivesse se transformandonum saco de gatos para justificar tudo o que [os funcionrios dogoverno Bush] sempre quiseram fazer (Los Angeles Times, 28-2-02). Por sua vez, analistas georgianos afirmaram que no haviaameaa comprovada na garganta de Pankisi e que o programa ame-ricano teria o efeito de dar flego novo ao frgil e corrupto estadogeorgiano, numa regio onde so grandes os interesses americanosno petrleo (ver a este respeito Klare, 2001). Essas fontes disseramque o alvo principal dos EUA era cravar os ps no Cucaso, apro-veitando-se do clima ps-11 de setembro (Los Angeles Times, 19-3-02). Por fim, no que diz respeito sia Central, teatro das ope-raes da ltima guerra americana, o ps-11 de setembro acentou ointeresse dos EUA em intensificar os contatos militares na regi-o.23 Nesse sentido o novo clima mundial ter conseqncias segu-ras tambm nessa rea do globo, principalmente nas ntimas rela-es entre os EUA e o Usbequisto, pas de maioria muulmanaque permitiu o uso de seu espao areo e concedeu direito de ater-rissagem aos avies militares dos EUA, na recente guerra contra oAfeganisto.24 Neste caso, de esperar que o esforo de coopera-

23 Para mais informaes, ver www.usembassy.uz/news/zinni2.htm .24 Aqui, vale lembrar que nem mesmo a guerra recente no Afeganisto

conseguiu resolver um problema dos EUA na regio. Como apontou umartigo recente, o Comando Central difere dos outros trs comandos mili-tares geogrficos Europa, Amrica Latina e Pacfico no sentido em

Idias, Campinas, 10(2):17-54, 2003

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o at aqui movido pela OTAN que inclui o programa Parceriapela Paz e projetos de apoio tecnolgico e cientfico, bem como deplanejamento para situaes de desastre (Nato Review,2001/2002), seja sobrepujado pelas parcerias militares de iniciati-va do Comando Central norte-americano. Como o Kazaquisto, oQuirgizsto e o Tajiquisto tm maiorias muulmanas, talvez tam-bm aqui os EUA estejam plantando agora os problemas que co-lhero no futuro.

Para onde vamos?

O espao desse artigo no permite enfrentar as conseqnciasdo 11 de setembro em outras regies crticas do globo, como oOriente Mdio e o Sul da sia.25 Quanto Amrica Latina, bastaassinalar