web viewa procuração é um negócio jurídico unilateral...

22
OS CONTRATOS DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO O MANDATO COMO CONTRATO PADRÃO I. A inserção do mandato no sistema dos contratos de prestação de serviço previstos no Código Civil 1. A noção do contrato de prestação de serviço é dada pelo artigo 1154.º (em função do resultado ) versus a noção do contrato de trabalho, definido pelo artigo 1152.º e pelo artigo 10.º do Código do Trabalho (em função de uma actividade exercida de maneira subordinada). O Código Civil de 1867 não conheceu um conceito geral “prestação de serviços”mas possuía um elenco dos vários contratos a este respeito (ver Anexo I ). 2. As três modalidades do contrato de prestação de serviço previstas no artigo 1155.º são: mandato, depósito, empreitada. O mandato (artigos 1157.º e seguintes), um negócio consensual, é o contrato padrão para toda uma variedade de condutas (nomeadamente a prática de actos jurídicos) assumidas no interesse alheio (fremdnützige Interessenwahrnehmung) → remissão para II a V. O depósito (artigos 1185.º e seguintes), um negócio real, é um contrato que se conclui pela “entrega” de uma coisa (= não basta o mero consenso das partes → artigo 232.º): objecto do contrato é a mera guarda da coisa, sem a transferência da sua utilização (artigo 1189.º). [São ainda negócios reais o comodato (artigos 1129.º e seguintes) em que uma das partes “entrega” certa coisa para que a outra parte se sirva dela, havendo

Upload: hacong

Post on 02-Feb-2018

218 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Web viewA procuração é um negócio jurídico unilateral receptício, para o qual o contrato do mandato pode constituir – à semelhança de outros contratos

OS CONTRATOS DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO

O MANDATO COMO CONTRATO PADRÃO

I. A inserção do mandato no sistema dos contratos de prestação de serviço previstos no Código Civil

1. A noção do contrato de prestação de serviço é dada pelo artigo 1154.º (em função do resultado) versus a noção do contrato de trabalho, definido pelo artigo 1152.º e pelo artigo 10.º do Código do Trabalho (em função de uma actividade exercida de maneira subordinada).O Código Civil de 1867 não conheceu um conceito geral “prestação de serviços”mas possuía um elenco dos vários contratos a este respeito (ver Anexo I).

2. As três modalidades do contrato de prestação de serviço previstas no artigo 1155.º são: mandato, depósito, empreitada. O mandato (artigos 1157.º e seguintes), um negócio consensual,

é o contrato padrão para toda uma variedade de condutas (nomeadamente a prática de actos jurídicos) assumidas no interesse alheio (fremdnützige Interessenwahrnehmung) →

remissão para II a V. O depósito (artigos 1185.º e seguintes), um negócio real, é um

contrato que se conclui pela “entrega” de uma coisa (= não basta o mero consenso das partes → artigo 232.º): objecto do contrato é a mera guarda da coisa, sem a transferência da sua utilização (artigo 1189.º).

[São ainda negócios reais o comodato (artigos 1129.º e seguintes) em que uma das partes “entrega” certa coisa para que a outra parte se sirva dela, havendo aqui transferência da utilização, e o mútuo (artigos 1142.º e seguintes) em que uma parte “empresta” a outra parte dinheiro ou coisa fungível e onde há a transferência da propriedade pelo facto da entrega (artigo 1144.º).O artigo 1144.º consagra um dos regimes específicos da transferência da propriedade, ressalvado pelo artigo 1316.º (os “demais modos previstos na lei”).

Page 2: Web viewA procuração é um negócio jurídico unilateral receptício, para o qual o contrato do mandato pode constituir – à semelhança de outros contratos

Sendo o depósito irregular, uma vez que tem por objecto coisa fungível (artigo 1205.º), aplica-se-lhe por isso o regime do mútuo (artigo 1206.º), inclusive o artigo 1144.º (a transferência da propriedade pelo facto da entrega).]

A empreitada (artigos 1207.º e seguintes), um negócio consensual, é um contrato em que uma das partes se obriga a realizar uma obra mediante um preço ← remissão para as aulas anteriores.

[Também aqui a lei conhece mais regimes específicos da transferência da propriedade ressalvados pelo artigo 1316.º (os “demais modos previstos na lei”) quando, no artigo 1212.º, n.º 1, 1.ª parte, diz que a “aceitação da coisa (móvel) importa a transferência da propriedade” e, no seu n.º 2, determina que a “incorporação no solo” faz adquirir a propriedade (ver também os artigos 408.º, n.º 2, e 204.º, n.º 2).]*

3. O resultado do serviço prestado é: ou a prática de um acto jurídico (mandato) ou a mera guarda da coisa (depósito) ou a realização da obra (empreitada).

4. Há modalidades não previstas no Código Civil (e ainda em legislação especial); segundo o artigo 1156.º, o mandato serve para estas como regime padrão cujas regras se aplicam com as necessárias adaptações.

II. As disposições gerais sobre o mandato; delimitação de figuras afins

1. Há relações jurídicas em que se verifica um agir no interesse de outrem, em proveito alheio, não sendo todavia o agir necessariamente de modo altruístico ou desinteressado:a) Por lei, acto judicial ou acto administrativo;b) Por negócio jurídico, designadamente por mandato. Tratando-se de actos de favor (negócios de mera obsequiosidade) não estamos perante relações jurídicas.

2. A noção legal do mandato (artigo 1157.º)a) O mandato é contrato

*Atenção: Os contratos reais que se concluem pela “entrega” de uma coisa não podem ser confundidos com os regimes específicos da transferência da propriedade, ressalvados pelo artigo 1316.º. Quanto aos contratos reais, temos um regime específico da transferência da propriedade apenas no caso do mútuo (e do depósito irregular). De resto, os regimes específicos da transmissão da propriedade previstos no caso da empreitada nada têm a ver com os negócios reais.

Page 3: Web viewA procuração é um negócio jurídico unilateral receptício, para o qual o contrato do mandato pode constituir – à semelhança de outros contratos

b) que obriga a praticar actos jurídicos (em sentido lato [= factos jurídicos vo-luntários lícitos: negócios jurídicos [artigos 217.º a 294.º] e actos jurídicos [artigo 295.º]); no mesmo sentido já o Código Civil de 1867 (ver Anexo I)

c) por conta de outrem (não necessariamente em nome de outrem)d) com a (possível) dissociação daí resultante entre os efeitos

económicos, sempre e desde já suportados pelo mandante, e os efeitos jurídicos que, numa primeira fase, podem ser assumidos pelo mandatário.

3. As disposições gerais relativas ao mandato (artigos 1158.º a 1160.º)a) Gratuidade****(aqui temos um contrato bilateral imperfeito) ou

onerosidade (contrato bilateral perfeito ou sinalagmático) do mandato.

b) A característica essencial do mandato é a relação de confiança mútua que existe entre mandante e mandatário (há um dever específico de fidelidade e de lealdade, uma vinculação fiduciária).

c) A delimitação do mandato gratuito dos actos de favor; estes últimos não se caracterizam por uma relação de confiança específica; além disso, falta a consciência de declaração e a vontade de assumir as responsabilidades contratuais; a delimitação depende das concepções do tráfico jurídico que, porém, podem contrariar a vontade das partes.

d) Quanto à extensão do mandato, o artigo 1159.º distingue entre o mandato geral (actos de administração ordinária) e o mandato especial (todos os actos necessários, inclusive os actos acessórios). A norma do artigo 1159.º é dispositiva: por isso, tudo se decide com o conteúdo preciso do mandato.

e) A pluralidade de mandatos (artigo 1160.º): convenientes (aumentam as hipóteses de o acto vir a ser praticado) e inconvenientes (descoordenação entre os mandatários que agem de forma independente [por exemplo: advogado e solicitador], mas o mandante pode determinar que devem agir conjuntamente.

4. A delimitação do mandato de figuras afinsa) A representação (artigo 258.º), que pressupõe:

aa) que é o representante quem actua, age, ao realizar negócios jurídicos

**** Outros contratos gratuitos são (ou podem ser) – além do mandato (artigo 1158.º, n.º 1, 1.ª parte) e da prestação de serviço (artigo 1154.º, última parte) – ainda a doação (artigo 940.º), o comodato (artigo 1129.º), o mútuo (artigo 1145.º, n.º 1) e o depósito (artigos 1185.º/1186.º).

Page 4: Web viewA procuração é um negócio jurídico unilateral receptício, para o qual o contrato do mandato pode constituir – à semelhança de outros contratos

(aos quais pertence o exercício do poder de direcção quando corresponde ao exercício de um direito potestativo modificativo e não apenas a uma mera concretização da prestação do trabalho acordado)[Há casos específicos em que a lei permite a representação sem que se trate um negócio jurídico (por exemplo, no artigo 1805.º, n.º 1).]

bb) em nome (e não por conta) do representado (inclusive por pessoal diri-

gente de uma empresa quando dispõe de um poder de representação)

cc) nos limites dos seus poderes (caso contrário, temos representação sem poderes ou abuso da representação)

dd) com efeitos imediatos na esfera jurídica do representado que assume, como titular da relação, os efeitos jurídicos do agir do representante ee) com a coincidência imediata dos efeitos jurídicos e dos efeitos econó- micos na esfera do representado.ff) Não há representação quando alguém age “sob o nome” de outrem; há doutrina que defende, neste caso, a aplicação analógica do regime da representação sem poderes.

b) A procuração (artigo 262.º, n.os1 e 2 [exige forma])A procuração é um negócio jurídico unilateral receptício, para o qual o contrato do mandato pode constituir – à semelhança de outros contratos – a relação jurídica que lhe serve de base (à que se refere o artigo 265.º, n.º 1); quanto à procuração e à relação jurídica que lhe serve de base valem os princípios da separação (são dois negócios diferentes) e da abstracção (a validade dos dois negócios é aferida autonomamente em relação a cada um deles); não obstante, é possível aproveitar o conteúdo do mandato para efeitos de interpretação da procuração que foi outorgada a seguir.

c) A relação entre declarante e o núncio

Page 5: Web viewA procuração é um negócio jurídico unilateral receptício, para o qual o contrato do mandato pode constituir – à semelhança de outros contratos

O papel do núncio ou do mensageiro limita-se a transmitir declarações negociais ou de ciência pré-formuladas. Segundo o artigo 1156.º, as regras do mandato são aplicáveis a esta relação.

d) A relação entre comitente e comissário (artigo 500.º)Nesta relação de comissão está em, causa a execução de actos materiais (e não actos jurídicos) pelo encarregado sob controlo ou na dependência de outrem. O artigo 1156.º não se sobrepõe.

III. O regime do contrato do mandato em pormenor

1. A conclusão do contrato; aplicação das regras gerais dos artigos 217.º a 235.º; contrato consensual; distinguir: mandato expresso, tácito, tolerado e aparente (este último é controverso e não é permitido pelo Código Civil [argumentum ex artigo 457.º])

2. O enunciado geral: distinguir o mandato com representação (artigos 1178.º e 1179.º) do mandato sem representação (artigos 1180.º a 1184.º).Delimitação de outras constelações “triangulares” (ver as anotações de PL-AV ao artigo 1180.º no Anexo II):a) O contrato a favor de terceiro (artigo 443.º), o terceiro não é parte

do negócio mas adquire um direito à prestação (artigo 444.º) que, todavia, pode rejeitar (artigo 447.º);

b) O contrato para pessoa a nomear (artigo 452.º), onde é a pessoa nomeada que acaba por ficar parte contratual (artigo 455.º);

c) a gestão de negócios (artigo 464.º), em que a iniciativa de agir no interesse e por conta do dono parte do próprio gestor.

3. Direitos e obrigações do mandatário (artigos 1161.º a 1166.º; 762.º, n.º 2):a) A responsabilidade por incumprimento do contrato resulta dos

artigos 798.º e seguintes, 762.º, n.º 1, 487.º, n.º 2, inclusive nos casos do mandato gratuito. Portanto, a responsabilidade do mandatário é severa, sendo a sua culpa determinada de forma objectiva (“diligência de um bom pai de família”) [o Código Civil de 1867, dentro de uma concepção subjectiva, obrigava o mandatário a ter “a diligência e o cuidado de que é capaz”]. Por isso, na altura da celebração do contrato do mandato devem ser bem perceptíveis os riscos da responsabilidade para o delimitar dos actos de favor. A razão da responsabilidade severa é justificada especial relação de confiança mútua que caracteriza o mandato (que falta nas relações

Page 6: Web viewA procuração é um negócio jurídico unilateral receptício, para o qual o contrato do mandato pode constituir – à semelhança de outros contratos

de favor). Mesmo assim, a severidade da responsabilidade é duvidosa. Devido à responsabilidade severa, a relevância prática do mandato gratuito será reduzida.

b) Em especial, o mandatário tem as obrigações de:aa) seguir as instruções do mandante (artigo 1161.º, alínea a)) antes e ao

longo do mandato, tendo em conta a complexidade dos actos a praticar. Não deve obediência cega, cadavérica; mantém certa autonomia devido aos conhecimentos qualificados que possa ter, esperando-se dele uma “obediência pensante” no sentido de ir ao encontro dos interesses perceptíveis do mandante;

bb) prestar as informações (artigo 1161.º, alínea b)) que, por seu lado, condi

cionam as instruções a receber; há interdependência entre umas e outras;

cc) comunicar prontamente a execução ou não execução do mandato (artigo

1161.º, alínea c)), podendo haver novas instruções que permitam a futura execução;

dd) prestar contas (artigo 1161.º, alínea d)), tendo havido fluxos de dinheiro

(créditos e débitos), sempre que o mandante o exigir ou quando o mandato findou;

ee) entregar ao mandante tudo o que tiver recebido (inclusive de terceiro) em

execução ou no exercício do mandato [mas não por ocasião deste], des-contadas as despesas normais, devendo o mandatário repor o que despendeu anormalmente (artigo 1161.º, alínea e) [→ artigos 1181.º/ /1184.º]).

c) O mandatário pode não executar o mandato ou não observar instruções face a certas circunstâncias (normalmente supervenientes), desconhecidas do mandante, quando seja razoável supor que ele aprovaria esta conduta (artigo 1162.º); há uma faculdade com margem decisória (“pode”), dentro da lógica da confiança e da vinculação fiduciária; de acordo com as suas obrigações, o mandatário raciocina e age no interesse do mandante em “obediência antecipada” face a dados desconhecidos ou

Ver também a norma correspondente do artigo 465.º, alínea e).

Page 7: Web viewA procuração é um negócio jurídico unilateral receptício, para o qual o contrato do mandato pode constituir – à semelhança de outros contratos

supervenientes ou novos que não foi possível comunicar em tempo útil. Em caso de silêncio do mandante aplica-se o artigo 1163.º.

d) A conduta (execução ou não execução do mandato) tem que ser aprovada. O silêncio por tempo superior aos usos ou, na sua falta, de acordo com a natureza do assunto vale como aprovação (artigo 1163.º → artigo 218.º) e isto mesmo nos casos de excesso dos limites do mandato (abuso) ou de desrespeito das instruções (mau uso); o artigo 1163.º é norma supletiva.No caso do abuso e havendo mandato com representação, o silêncio tem valor de uma ratificação tácita. Esta não é possível no caso do artigo 262.º, n.º 2 (exigência de forma); neste caso, também a ratificação exige forma (artigo 268.º, n.º 2), não bastando o silêncio.

e) O mandatário deve pagar ao mandante os juros legais correspondentes às quantias que recebeu dele ou por conta dele (artigo 1164.º). Também esta norma é supletiva.

f) Atendendo à natureza confidencial do mandato, em princípio não é possível ao mandatário fazer substituir-se. Contudo, o artigo 1165.º permite que o mandatário pode fazer-se substituir ou servir-se de auxiliares apenas nos mesmos termos em que um procurador o pode fazer (→ artigo 264.º, n.º 1). Sendo autorizada a substituição, o mandatário responde por culpa in eligendi (artigo 264.º, n.º 3); mas sendo a substituição não autorizada, o mandatário responde nos termos gerais e severos dos artigos 798.º e seguintes, 762.º, 487.º, n.º 2. Em caso de dúvida não se deve proceder à substituição.

g) Havendo pluralidade de mandatários cada um responde pelos seus actos (artigo 1166.º); não há responsabilidade solidária mas só responsabilidade individual. Também o artigo 1166.º é norma supletiva.

25-11-2011 4. Obrigações do mandante (artigos 1167.º a 1169.º; 762.º, n.º 2)

a) À responsabilidade por incumprimento aplicam-se as regras gerais (artigos 798.º e seguintes, 762.º, 487.º, n.º 2).

b) O elenco das obrigações do mandante em pormenor (artigo 1167.º, alíneas a) a d)). Desta forma o mandante deve:aa) Fornecer, antecipada ou sucessivamente, os meios necessários, sendo a norma dispositiva (alínea a) do artigo 1167.º: “se outra coisa não foi convencionada”)

Page 8: Web viewA procuração é um negócio jurídico unilateral receptício, para o qual o contrato do mandato pode constituir – à semelhança de outros contratos

bb) Pagar a retribuição, e fazer as provisões por conta dela, conforme os usos (alínea b) do artigo 1167.º).cc) Reembolsar as despesas indispensáveis (alínea c) do artigo 1167.º) → segue o critério do artigo 1161.º, alínea e), última parte: “despender normalmente no cumprimento do contrato” dd) Indemnizar o mandatário pelos prejuízos sofridos, independentemente de culpa do mandante (alínea d) do artigo 1167.º [responsabilidade objectiva do mandante pelo risco de haver um prejuízo]); exige nexo de causalidade adequada.

c) A mora (no sentido de atraso, demora) relativa à obrigação de fornecer os meios necessários (artigo 1167.º, alínea a), pode (se outra coisa não tiver sido convencionada) justificar que o mandatário suspende a execução do mandato (artigo 1168.º).

d) Em caso de pluralidade de mandantes, as suas obrigações para com o mandatário são solidárias se o mandato tiver sido conferido para assunto de interesse comum (artigo 1169.º).Mas em caso de pluralidade de mandatários, a responsabilidade é individual (artigo 1166.º).

5. Revogação e caducidade do mandato (artigos 1170.º a 1177.º)a) A revogação do mandato (artigos 1170.º a 1173.º)

aa) O princípio geral: a livre revogabilidade, sem forma e sem fundamento (artigo 1170.º, n.º 1: excepção ao artigo 406.º [há semelhança com o artigo 81.º, n.º 2]); justificações (históricas, interesses do mandante, falta de diligência do mandatário, perda de confiança do mandante no mandatário [ver também artigo 164.º, n.º 1, última parte; artigo 170.º, n.º 2, e ainda artigo 265.º, n.º 2]); declaração receptícia (artigo 224.º, n.º 1, 1.ª parte) com efeitos ex nunc.

Page 9: Web viewA procuração é um negócio jurídico unilateral receptício, para o qual o contrato do mandato pode constituir – à semelhança de outros contratos

No caso do mandato com representação aplica-se, quanto a terceiros, o artigo 266.º: levar ao seu conhecimento sob pena de inoponibilidade.

bb) Havendo convenção em contrário ou renúncia ao direito de revogação, é discutido o significado da cláusula, que é lícita; não há invalidade; há ineficácia em relação à liberdade de revogar que se mantém; no artigo artigo 1170.º, n.º 1, vêm consagrados dois regimes (ver infra ee) β)). cc) O regime do artigo 1170.º, n.º 2; proteger o interesse do mandatário (p. ex., participação nos resultados dos actos praticados, fora da remu- neração se a houver); sempre revogação ocorrendo justa causa que torna a continuação inexigível para o mandante. dd) O mandato pode ser revogado tacitamente conforme o artigo 1171.º; a prova pode ser difícil; a questão é relevante porque, enquanto não há conhecimento do mandatário, mantêm-se as obrigações deste (artigo 1161.º); há dificuldades de delimitação com a pluralidade de mandatos (artigo 1160.º). Havendo mandato com representação, aplicação do artigo 266.º. ee) A obrigação de indemnizar (artigo 1172.º); a sua natureza jurídica: contratual, extra-contratual por facto lícito, ou dano pela confiança com base na conduta (?) [ver também os artigos 229.º, n.º 1; 245.º, n.º 2]; decisivo é que a lei prevê a obrigação de indemnizar; esta está limitada ao interesse negativo. Os casos da obrigação de indemnizar:

Page 10: Web viewA procuração é um negócio jurídico unilateral receptício, para o qual o contrato do mandato pode constituir – à semelhança de outros contratos

α) A obrigação foi acordada (alínea a) do artigo 1172.º) β) O caso de ter sido convencionada a irrevogabilidade ou a renúncia à revogação (alínea b) do artigo 1172.º); há relevância jurídica da con- vencão para efeitos de indemnização);venire contra factum proprium → a ideia do abuso; o desiludir da confiança da outra parte na esta- bilidade do contrato γ) A revogação antecipada por parte do mandante (alínea c) do artigo 1172.º) δ) A revogação antecipada por parte do mandatário (alínea d) do artigo 1172.º) ff) A revogação em caso de mandato colectivo (artigo 1173.º), conferido por várias pessoas normalmente em um único acto, deve ser realizada por todos os mandantes; a situação é diferente de uma pluralidade de mandatos prevista no artigo 1169.º.

b) A caducidade do mandato (artigos 1174.º a 1177.º)aa) Os casos de caducidade; enunciado geral: artigo 1174.º, alíneas a) e b)

(no caso da inabilitação depende ainda do conteúdo da sentença quais são os actos que não podem ser praticados → artigos 153.º/154.º).

bb) A caducidade por morte, interdição ou inabilitação do mandante (artigo 1175.º); o mandato não caduca tendo sido conferido no interesse do mandatário ou de terceiro; nos outros casos o mandato apenas caduca a partir do conhecimento do mandatário.cc) A caducidade por morte, interdição ou incapacidade natural (o conceito

Page 11: Web viewA procuração é um negócio jurídico unilateral receptício, para o qual o contrato do mandato pode constituir – à semelhança de outros contratos

é diferente da incapacidade acidental do artigo 257.º) do mandatário; a relação de confiança não se transmite aos herdeiros ou conviventes que devem prevenir o mandante. dd) A caducidade em caso de pluralidade de mandatários (artigo 1177.º): a causa da caducidade individual atinge todos os outros.

IV. O mandato com representação (artigos 1178.º e 1179.º)

1. As normas cumulativamente aplicáveis (artigo 1178.º, n.º 1: artigos 1157.º e seguintes e artigos 258.º e seguintes).

2. A modificação do agir do mandatário (artigo 1178.º, n.º 2); a distinção da lei entre os “poderes de representação” e os efeitos “ por conta”, isto é à custa, a expensas ou a favor de outrem ou com destino para outrem. Todos os efeitos produzem-se imediatamente na esfera do mandante, o representado, que é a parte do negócio celebrado pelo mandatário, o representante, cujos poderes resultam de uma procuração conferida em simultâneo ou a seguir à conclusão do contrato do mandato (que é a relação jurídica de base da procuração).

3. A revogação (artigo 265.º, n.º 2) e a renúncia (artigo 265.º, n.º 1) da pro-curação implicam a revogação do mandato (artigo 1179.º); sendo mandato e procuração negócios separados, a lei tinha que clarificar expressamente este efeito atendendo ao disposto no artigo 265.º, n.º 1, última parte.Segundo o artigo 265.º, n.º 1, última parte, no caso da cessação do mandato, como relação jurídica de base, a procuração como negócio separado, pode continuar isoladamente se for esta a vontade do representado.Contudo, PL-AV sustentam que o artigo 1179.º é dispositivo de modo que o mandato poderá continuar sem representação.

V. O mandato sem representação (artigos 1180.º a 1184.º)

1. Princípio geral (artigo 1180.º):

Page 12: Web viewA procuração é um negócio jurídico unilateral receptício, para o qual o contrato do mandato pode constituir – à semelhança de outros contratos

O mandatário age em nome próprio e só ele é parte do negócio com o terceiro; há um interesse lícito (nem sempre legítimo) do mandante em não ser “parte visível”; até pode ser uma obrigação do mandatário não revelar a pessoa do mandante; por isso trata-se de uma interposição real; formalmente o mandante é estranho às relações jurídicas entre o mandatário e a outra parte (terceiro) mesmo que esta conheça a existência do mandato (embora não possa nem precise de conhecer o mandante); todos os efeitos jurídicos (incluindo a transferência do risco [artigo 796.º]) produzem-se na esfera jurídica do mandatário: é ele o titular da relação com a outra parte (terceiro) e é ele quem adquire todos os direitos e assume todas as obrigações decorrentes dos actos que celebrar na execução do mandato.Na interposição fictícia (artigo 241.º; i. é., a simulação relativa subjectiva), pelo contrário, a pessoa interposta não é verdadeira parte mas é apenas uma parte simulada. Ninguém pretende a produção de quaisquer efeitos na esfera jurídica da parte simulada.

2. Distinções prévias a) A aquisição de direitos (reais e/ou obrigacionais) em execução do

mandato (artigo 1181.º, n.º 1). Em princípio, vale a regra da dupla transmissão (terceiro → mandatário → mandante).

b) A responsabilidade dos bens adquiridos pelo mandatário em execução do mandato (artigo 1184.º). Estes bens podem não estar ou podem estar sujeitos a registo (artigo 205.º, n.º 2).

c) A alienação de direitos em execução do mandato (artigos 1157.º → 892.º/ /939.º [alienação a título oneroso] versus artigos 1157.º → 956.º, n.º 1 [alienação a título gratuito]).

d) As obrigações contraídas pelo mandatário na execução do mandato (artigos 1182.º e 1183.º).

3. A aquisição de direitos (reais e/ou obrigacionais) em execução do mandato (artigo 1181.º, n.º 1).a) O mandatário adquire (primeira transmissão). Com isso há uma

dissociação entre os efeitos jurídicos (na pessoa do mandatário) e os económicos (na pessoa [“por conta”] do mandante [que assume as obrigações nas relações internas]).

b) Obrigação do mandatário de transferir todos os direitos por ele adquiridos para o mandante. Por força do mandato existe uma vinculação pessoal e fiduciária neste sentido. Antes da transmissão, o mandante não possui nenhum direito sobre os

Page 13: Web viewA procuração é um negócio jurídico unilateral receptício, para o qual o contrato do mandato pode constituir – à semelhança de outros contratos

bens adquiridos. O direito continua a pertencer ao mandatário enquanto não tiver sido transferido.

c) O cumprimento da obrigação leva a uma nova (dupla) transmissão do direito do mandatário para o mandante. A aquisição por parte do mandante faz com que os efeitos jurídicos e económicos acabem por coincidir na pessoa/esfera jurídica do mandante.

d) Mas, em relação aos créditos, o mandante pode substituir-se directamente ao mandatário no exercício dos respectivos direitos (artigo 1181.º, n.º 2). Trata-se de uma especialidade em relação à regra da dupla transmissão (PL-AV). O mandante pode exigir, para si, a entrega da prestação (acção directa e não acção sub-rogatória). Mas enquanto não houver substituição, o mandatário é titular do crédito.A possibilidade da substituição directa destina-se a proteger o mandante dos credores do mandatário ao “minar” a titularidade formal deste.

4. Problemas específicos relativos a aquisição de direitos reaisa) Quanto aos direitos reais (maxime: propriedade), há vinculação

fiduciária do mandatário em relação ao mandante (não há, todavia, em obediência ao artigo 1305.º, uma espécie de “propriedade fiduciária”). O mandante adquire ao mandatário através de um acto específico de transmissão da propriedade.

b) No caso de o mandatário – ao violar a sua obrigação (vinculação fiduciária) para com o mandante – alienar a um terceiro, estando este de boa ou de má fé, este adquire sempre «a domino», de modo que a sua aquisição é válida (e com efeitos erga omnes).Neste caso, o mandatário responde ao mandante por incumprimento do contrato nos termos gerais.Em casos excepcionais poderá ainda o terceiro adquirente, que determinou o incumprimento do mandatário (por meio de uma actuação dolosa e contra os bons costumes) responder com base no artigo 334.º pelos danos causados ao mandante.

c) O direito, meramente obrigacional, do mandante para que o mandatário lhe transfira o direito real não é susceptível de execução específica (artigo 830.º), mesmo se o mandato observou a forma do artigo 410.º [muito controverso; cf. os

Temos aqui mais um dos “demais modos previstos na lei” da aquisição da propriedade, ressalvado pelo artigo 1316.º. Ver também supra nota ***.

Page 14: Web viewA procuração é um negócio jurídico unilateral receptício, para o qual o contrato do mandato pode constituir – à semelhança de outros contratos

Acórdãos do STJ de 26-10-2004 e 22-01-2008; ver Anexos III e IV a) e b)].Mas sempre o cumprimento do mandato é exigível em acção comum.

d) A responsabilidade dos bens adquiridos pelo mandatário (artigo 1184.º).aa) A situação jurídica é que o mandatário é titular dos bens. E os bens do devedor respondem pelas dívidas deste (artigo 605.º). Contudo, há vinculação fiduciária do mandatário, que é o proprietário em termos jurídico-formais mas não é o “proprietário económico”. Há a obrigação de transmitir e o cumprimento desta obrigação não está sujeito à impugnação pauliana pelos credores do mandatário.bb) Na mesma lógica da protecção do mandante, que justifica o desvio à dupla transmissão nos casos de direito de créditos (artigo 1181.º, n.º 2), o artigo 1184.º determina que os bens adquiridos pelo mandatário em execução do mandato e que, nos termos do n.º 1 do artigo 1184.º, devem ser transferidos para o mandante não respondem desde que o mandato conste de documento anterior à data da penhora destes bens e não tenha sido feito o registo da aquisição quando ela está sujeita a registo.cc) A redacção do artigo 1184.º, de 1967, estava sintonizada com o regime do Código do Registo Predial, de 1967, e, nessa altura, nem para ad- quirir nem para transmitir era preciso fazer o registo. A transmissão foi feita (podia ser feita) com base no título de aquisição precedente. Por

Page 15: Web viewA procuração é um negócio jurídico unilateral receptício, para o qual o contrato do mandato pode constituir – à semelhança de outros contratos

isso, o mandatário podia evitar o registo na sua pessoa. Não havia uma publicidade que fazia presumir a propriedade do mandatário e assim os interesses do mandante ficavam protegidos. dd) Com o Código do Registo Predial de 1984 foi introduzido o princípio da legitimação (artigo 9.º). O notário não pode titular um direito que não esteja previamente inscrito a favor da pessoa de quem se adquire, ou seja, do mandatário. Assim, a redacção do artigo 1184.º, de 1967, com a sua finalidade de proteger o mandante, está desfasado da legalidade registral em vigor (além do princípio da legitimação vale, desde 2008, o registo obrigató- rio), quebrando a harmonia com a solução do artigo 1181.º, n.º 2, e criando desigualdades entre os bens sujeitos a registo e não sujeitos a registo (por mais valiosos que fossem!). Agora, o mandante não tem apenas que confiar na lealdade incondicio- nal do mandatário para este não aliene a outrem como ainda na sua solvabilidade e, à cautela, deve adoptar uma forma voluntária, se não houver lugar à forma legal, para que haja um documento do mandato.

5. A alienação de direitos em execução do mandatoA matéria vem regulada fora do regime do mandato. Aplicam-se os artigos 1157.º, 892.º e 939.º, tratando-se de uma alienação de coisa alheia a título oneroso, e os artigos 1157.º e 956.º, n.º 1, em caso de alienação de coisa alheia a título gratuito.Também aqui é preciso ter presente a distinção entre coisas (bens) sujeitas a registo e não sujeitas a registo (artigo 205.º, n.º 2).Nos casos de alienação o mandatário age com legitimidade que provém do seu mandato. Assim, a alienação não é nula mas é válida.

Page 16: Web viewA procuração é um negócio jurídico unilateral receptício, para o qual o contrato do mandato pode constituir – à semelhança de outros contratos

Segundo PL-AV a questão se houve uma única transferência – do mandante para o terceiro – ou uma dupla transferência – do mandante para o mandatário e deste para o terceiro – só interessa no domínio da construção doutrinária.Dizem o que importa é reconhecer que, no momento da execução do mandato, o mandante perde o seu direito de propriedade, em consequência da venda (ou da doação) e passou a ser proprietário, nesse mesmo momento, o terceiro adquirente.Todavia, não será assim se o bem a alienar estiver sujeito a registo. Como o mandatário age em nome próprio e como vale o princípio da legitimação, deve haver uma dupla transferência.Em qualquer caso, o mandatário fica obrigado a transmitir ao mandante o preço recebido (artigo 1161.º, alínea e)).

6. As obrigações contraídas pelo mandatário na execução do mandato.a) Dentro da lógica do mandato (o mandatário age “por conta”), nas

relações internas o mandante assume as obrigações contraídas pelo mandatário (artigo 1182.º com remissão para o artigo 595.º). Nas relações externas o mandatário é parte. O artigo não confere ao credor uma acção directa sobre o mandante.

b) Quanto à responsabilidade pessoal do mandatário determina o artigo 1183.º que não é responsável pelo cumprimento das obrigações assumidas pelas pessoas com que contratou. Solução adequada à lógica do instituto em que o interesse económico é do mandante.A regra da irresponsabilidade sofre duas excepções em que o mandatário é responsável:aa) No momento da celebração do contrato com o terceiro (outra parte) conhecia ou devia conhecer a insolvência dela (é a consequência dos artigos 762,º, 1161.º e 1162.º);bb) O mandatário assumiu a garantia quanto às pessoas com que contra- tou (garantia del credere).

09-12 -2011

VI. O mandato na administração dos bens do casal

1. Breve referência aos regimes do Código de Seabra e do Código Civil de 1966 na sua redacção primitiva.

Page 17: Web viewA procuração é um negócio jurídico unilateral receptício, para o qual o contrato do mandato pode constituir – à semelhança de outros contratos

a) Os mais amplos poderes administrativos do marido, irresponsável quanto à sua administração, e seu poder de conferir o mandato à mulher, previstos nos artigos 1189.º e 1117.º, § único, Código de Seabra.

b) Os poderes administrativos do marido; o princípio da irresponsabilidade do administrador (o princípio tradicional); o poder de conferir um mandato à mulher nos termos dos artigos 1678.º, n.º 1, 1681.º e 1682, n.º 2, alínea e), do Código Civil de 1966.

2. O regime do Código Civil de 1966 depois da Reforma de 1977 (em vigor desde 1 de Abril de 1978).a) As competências administrativas são atribuídas de acordo com o

artigo 1678.º, n.os 1 e 3, última parte; os desvios às regras segundo os n.os 2 e 3, primeira parte.

b) A preservação do princípio da irresponsabilidade do cônjuge administrador no exercício da sua administração segundo o previsto no artigo 1681.º, n.º 1, quando as competências administrativas lhe são conferidas por lei.

c) A outorga do mandato segundo o artigo 1678.º, n.º 2, alínea g), livremente revogável (sem indemnizações) [delimitar das situações previstas no artigo 1678.º, n.º 2, alínea f), e no artigo 1679.º].

d) A forma do mandato (expresso, tácito e tolerado) em caso de mandato com ou sem poderes de representação (artigo 262.º, n.º 2, ≠ artigos 217.º e 219.º)

e) A responsabilidade do cônjuge administrador com base em mandato nos termos do artigo 1681.º, n.os 2 e 3 (é um “não” à doutrina da fragilidade da garantia).

Não leccionado