yerma - federico garcia lorca
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Escrita em 1934, e apresentada pela primeira vez no mesmo ano, conta a história de Yerma, uma mulher que vive o drama de não poder conceber um filho. Busca de todas as formas engravidar e enfrenta a indiferença do marido, João, que não demonstra nenhum interesse em compartilhar da sua angústia.. É uma obra popular trágica, ambientada em Andaluzia, no início do século XX.TRANSCRIPT
Desvendando Teatro (www.desvendandoteatro.com)
Yerma (Federico Garcia Lorca)
PRIMEIRO ATO
PRIMEIRO QUADRO
(Ao levantar-se o pano, Yerma est adormecida, tendo aos ps uma cestinha de costura. A cena
tem uma estranha luz de sonho. Entra um pastor nas pontas dos ps, fitando firmemente Yerma.
Leva pela mo um menino vestido de branco. O relgio bate. Quando o pastor entra, a luz
substituda por uma alegre claridade matinal de primavera. Yerma desperta)
CANTO - (Voz dentro)
Nana, nana, nana, nana,
nana, nana, que faremos
uma palhoa no campo
e nela nos meteremos.
YERMA - Joo, no me ouves, Joo?
JOO - J vou.
YERMA - Est na hora.
JOO - J passaram as juntas?
YERMA - Passaram.
JOO - At logo. (Faz meno de sair)
YERMA - No tomas um copo de leite?
JOO - Para qu?
YERMA - Trabalhas muito e no tens corpo para tanto trabalho.
JOO - O corpo enxuto de carne torna-se forte como o ao.
YERMA - Mas o teu, no. Quando casamos, eras outro. Agora tens a cara branca como se o sol
no te batesse nela. Gostaria que fosses ao rio e nadasses, e subisses ao telhado quando a chuva
nos entra pela casa adentro. J estamos casados h vinte e quatro meses e tu cada vez mais triste,
mais seco, como se crescesses ao contrrio.
JOO Acabaste?
YERMA - (Levantando-se) No me leves a mal. Se eu estivesse doente, gostaria que me tratasses. Minha mulher est doente vou matar este cordeiro para fazer-lhe um bom ensopado. Minha mulher est doente vou guardar esta enxndia de galinha para aliviar-lhe o peito; vou levar-lhe esta pele de ovelha para resguardar-lhe os ps da neve. Eu sou assim. Por isso trato de ti.
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JOO - E eu te agradeo.
YERMA - Mas no te deixas tratar.
JOO - que no tenho nada. Todas essas coisas so suposies tuas. Trabalho muito. Todos
os anos irei ficando mais velho.
YERMA - Todos os anos... Tu e eu continuaremos aqui todos os anos...
JOO - (Sorridente) Naturalmente. E muito sossegados. Os negcios vo bem; no temos filhos que gastem.
YERMA - No temos filhos... Joo!
JOO - Fala.
YERMA - Eu no gosto de ti?
JOO - Gostas.
YERMA - Sei de raparigas que tremeram e choraram antes de se entregarem a seus maridos. E
eu? Chorei? A primeira vez que dormi contigo? No cantava ao levantar as barras dos lenis
de holanda? E no te disse: Como cheiram a maa estas roupas?
JOO - Foi o que disseste!
YERMA - Minha me chorou, porque no tive pena de separar-me dela. E era verdade!
Ningum se casou com mais alegria. E no entanto...
JOO - Cala-te. J estou cansado de ouvir a todo instante...
YERMA - No. No me repitas o que dizem. Vejo com os meus olhos que isso no pode ser...
De tanto cair a chuva nas pedras, elas amolecem e fazem nascer saramagos, que o povo diz que
no servem para nada. Os saramagos no prestam para nada... Mas eu bem os vejo moverem pelo ar suas flores amarelas.
JOO - preciso esperar.
YERMA - Sim; querendo (Yerma abraa e beija o marido, tomando ela a iniciativa)
JOO - Se precisas de alguma coisa, dize-me que a trarei. J sabes que no gosto que saias.
YERMA - Nunca saio.
JOO - Ests melhor aqui.
YERMA - .
JOO - A rua para os desocupados.
YERMA - (Sombria) Claro. (O marido sai e Yerma dirige-se para a costura. Passa a mo pelo ventre, levanta os braos num lindo bocejo e senta-se a coser)
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De onde que vens, amor, meu filho?
Da crista do duro frio.
De que precisas, amor, meu filho?
Do morno pano de teu vestido.
(Enfia a agulha)
Que se agitem as ramas ao sol
e as fontes saltem todas, em redor!
(Como se falasse com uma criana)
Ladra o co pelo terreiro,
na folhagem canta o vento.
Muge o boi ao boiadeiro
e a lua me encrespa o cabelo.
Que pedes, filho, de to longe?
(Pausa)
Os brancos montes que h no teu peito.
Que se agitem as ramas ao sol
e as fontes saltem todas, em redor!
(Cosendo)
Filho meu, dir-te-ei que sim.
Despedaada me dou a ti.
Sofre a cintura que te ofereo,
e que ser teu primeiro bero!
Quando, meu filho, poders vir?
(Pausa)
Quando teu corpo cheire a jasmim.
que se agitem as ramas ao sol
e as fontes saltem todas, em redor!
(Yerma continua a cantar. Pela porta entra Maria, que vem com um embrulho de roupa)
YERMA - De onde vens?
MARIA - Da loja.
YERMA - Da loja? To cedo?
MARIA - Por mim, teria ficado porta., esperando que abrissem... Quem capaz de saber o
que comprei?
YERMA - Deves ter comprado caf, para de manh, acar e po.
MARIA - Nada disso. Comprei rendas, trs varas de linho, fitas de l de cor para fazer borlas. O
dinheiro era de meu marido e foi ele mesmo que me deu.
YERMA - Vais fazer uma blusa.
MARIA - No. por que... Sabes?
YERMA - Que ?
MARIA - Por que... J chegou! (Fica de cabea baixa. Yerma levanta-se e deixa-se estar
contemplando-a com admirao)
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YERMA - Aos cinco meses!
MARIA - .
YERMA - E j o percebeste?
MARIA - Naturalmente.
YERMA - (Com curiosidade) E que sentes?
MARIA - No sei. Angstia.
YERMA - Angstia (Agarrada a ela) Mas... Quando chegou? Dize-me. Tu estavas descuidosa.
MARIA - , descuidosa...
YERMA - Estarias cantando, no ? Eu canto. Tu... Dize-me...
MARIA - No me perguntes. Nunca tiveste um pssaro vivo apertado na mo?
YERMA - J.
MARIA - Pois o mesmo... Mas por dentro do sangue.
YERMA - Que maravilha! (Mira-a extasiada)
MARIA - Estou aturdida. No sei nada.
YERMA - De qu?
MARIA - Do que tenho que fazer. Vou pergunt-lo a minha me.
YERMA - Para qu? J est velha e ter esquecido estas coisas. No andes muito, e, quando
respirares, respira de leve, como se tivesses uma rosa entre os dentes.
MARIA - Ouve: dizem que, mais para adiante, empurra suavemente com as perninhas.
YERMA - E ento quando se lhe tem mais amor; quando j se diz: meu filho!
MARIA - No meio de tudo, tenho vergonha.
YERMA - Teu marido, que disse?
MARIA - Nada.
YERMA - Gosta muito de ti?
MARIA - No me fala nisso, mas pe-se ao p de mim e seus olhos tremem como duas folhas
verdes.
YERMA - Ele sabia que tu...?
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MARIA - Sabia.
YERMA - E como o sabia?
MARIA - No sei. Mas na noite do nosso casamento me dizia tantas vezes isso, com a boca na
minha face, que at me parece que o meu filho um pombinho de luz que ele deixou escorregar
pelo meu ouvido.
YERMA - Criatura feliz!
MARIA - Mas tu ests mais inteirada disto do que eu.
YERMA - De que me serve?
MARIA - verdade. Por que ser? De todas as noivas de teu tempo, s a nica...
YERMA - Assim . Claro que ainda tempo. Helena levou trs anos; e outras, antigas, do
tempo de minha me, levaram muito mais. Mas dois anos e vinte dias, como eu, j esperar
demasiado. Acho que no justo que me consuma aqui. Muitas noites saio descala pelo ptio,
para pisar a terra, no sei por qu. Se continuo assim, acabarei tornando-me m.
MARIA - Mas, criatura, vem c: falas como se fosses uma velha. Que digo! Ningum se pode
queixar destas coisas. Uma irm de minha me teve-o depois de quatorze anos!... e se visses que
lindeza de criana!
YERMA - (Com ansiedade) Que fazia?
MARIA - Chorava como um tourinho, com a fora de mil cigarras cantando ao mesmo tempo, e
nos molhava, e nos puxava as tranas, e quando fazia quatro meses nos enchia a cara de
arranhes.
YERMA - (Rindo) Mas essas coisas no doem.
MARIA - Eu sei!...
YERMA - Ora! Eu vi minha irm dar de mamar ao filho com o peito cheio de gretas e lhe
produzia uma grande dor, mas era uma dor fresca, boa, necessria sade.
MARIA - Dizem que se sofre muito com os filhos.
YERMA - Mentira. Isso o que dizem as mes fracas, queixosas. Para que os tm? Ter um
filho no ter um ramo de rosas. Precisamos sofrer, para v-los crescer. Acho que nisso se vai
metade do nosso sangue. Mas isso bom, sadio, belo. Toda mulher tem sangue para quatro ou
cinco filhos, e quando os filhos no vm, o sangue torna-se veneno, como me vai acontecer.
MARIA - No sei o que tenho.
YERMA - Sempre ouvi dizer que, da primeira vez, as mulheres tm medo.
MARIA - (Tmida) Vamos a ver... Como coses bem...
YERMA - (Apanhando o embrulho) D c. Cortarei duas roupinhas. E isto?
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MARIA - So as fraldas.
YERMA - Est bem. (Senta-se)
MARIA - Ento... At logo. (Aproxima-se e Yerma toma-lhe amorosamente o ventre nas
mos)
YERMA - No corras pelas pedras da rua.
MARIA - Adeus. (Beija-a e sai)
YERMA - Volta, assim que puderes (Yerma fica na mesma atitude do comeo. Apanha a
tesoura e comea a cortar. Entra Victor) Ol, Victor.
VICTOR - (Srio, de aspecto grave) Por onde anda Joo?
YERMA - Pelo campo.
VICTOR - Que est cosendo?
YERMA - Estou cortando umas fraldas.
VICTOR - (Sorrindo) Muito bem!
YERMA - (Rindo) Vou botar-lhes uma cercadura de renda.
VICTOR - Se f