vencer a ansiedade
DESCRIPTION
O texto aborda os aspectos mais importantes da ansiedade na vida emocional do sujeito, o que é, como enfrentar e como lidar com a questão.TRANSCRIPT
-
1/40
VENCER A ANSIEDADE
Minha vida foi cheia de desgraas terrveis, a maioria delas nunca aconteceu, Michel de Montaigne
Quando muda o modo em que v as coisas, as coisas que v mudam tambm, Wayne Dyer
Por Patrcia Ramrez
Medo, suores, sufoco, palpitaes os sintomas o paralisam e o mundo parece ameaador
Encare-o sem medo e descubra a vida. Na zona de conforto nada acontece
Mindfulness': a ateno plena ideal para combater as distraes
Dirigir, falar em pblico, relacionar-se com um grupo de pessoas conhecidas,
matricular-se em um curso interessante, ir ao mdico, fazer compras, educar os
filhos, passar por uma prova, paquerar, relaxar em um jantar com amigos, ver um
filme no cinema, andar de metr, correr ou fazer uma viagem de frias. So
situaes cotidianas, nas quais se poderia aproveitar e aprender, mas que se
transformam em um verdadeiro desafio ou at martrio para as pessoas que sofrem
de ansiedade.
Alguns dos sintomas que acompanham essas pessoas so sensao de sufoco,
asfixia, palpitaes, transpirao, tenso muscular, boca seca, bloqueios mentais,
sensao de irrealidade, estado de confuso mental, esquecimento de palavras ou
at do desenrolar de uma conversa, insnia, apatia e vontade de chorar. A cabea
parece uma mquina de lavar centrifugando. Uma ideia atrs da outra, os
pensamentos se repetem, se atropelam, questionando, avisando, ameaando,
fazendo a pessoa sentir que intil e no capaz de tomar o controle de sua vida.
Basta!
-
2/40
Respire, tenha um momento de calma e leia a seguir como ganhar o jogo contra a
ansiedade. Aplicando os conselhos abaixo, voc aprender a coloc-la no lugar que
merece. Voc pode escolher os pensamentos e as emoes que o tornaro uma
pessoa com recursos. No seja uma marionete de suas emoes. Voc tem
capacidade para escolher e participar ativamente da sua vida.
Mude o foco da ateno. Seus sintomas no so os protagonistas, o protagonista
voc. Chega um momento em que surge o famoso medo do medo: voc fica
dependente de como seu corpo se comporta, da intensidade com que se manifestam
seus sintomas de ansiedade e como eles condicionam sua vida. Voc faz um check-
up, se submente a exames, comprova suas funes vitais para decidir se est apto
ou no para enfrentar cada situao. Todo o seu mundo gira em torno do que
ocorre dentro de voc. Quanto mais concentrar sua ateno naquilo que no quer
que ocorra, mais aumenta a possibilidade de que aquilo acontea. Por que? Porque
voc est instruindo seu crebro a ficar dependente de qualquer sinal de alerta.
Voc converteu em ameaa sinais que no so isso. Sua mente agora est treinada
para buscar palpitaes, transpirao e outras reaes. E quando as detecta, ela o
adverte dizendo Perigo!. O sinal vai rapidamente ao sistema nervoso simptico, e
este se acelera pensando que tem que proteg-lo da fera. Ele prepara voc para sair
correndo ou lutar. E como ningum luta com ferocidade estando em estado de
calma, a mente ativa todos os seus sentidos. O corao bate forte, seus msculos se
tencionam, voc comea a suar e a respirar de forma agitada. Voc est pronto para
o combate. A resposta do corpo lgica. O que no lgico que seu mundo seja
to ameaador. preciso parar de fazer tanto exame.
Conselho: Aprenda tcnicas de relaxamento e meditao? J experimentou
o mindfulness? Sua ateno tem que estar naquilo que ocorre a seu redor. No no
que resta, mas sim no que o alimenta. Se voc est passando uma boa tarde na
companhia de amigos, observe seus rostos, entre de cabea na conversa, saboreie o
que est sendo servido, preste ateno na temperatura e na paisagem. A vida est
acontecendo a seu redor. A vida no est nas respostas de seu organismo. A ateno
no pode estar em dois assuntos ao mesmo tempo. Ou voc vai notar o quanto est
se sentindo mal ou vai se concentrar em aproveitar o momento. E se um sintoma
der sinais, fique tranquilo, deixe-o acontecer. Mas no converse com ele nem
expresse seu temor. maravilhoso ter sintomas: significa que voc est vivo!
Converse consigo mesmo em outro idioma. O tipo de vocabulrio que uma pessoa
ansiosa mais utiliza para se expressar algo como estou com medo, estou
sobrecarregado, no posso, e se..., no estou preparado, outra hora, estou
-
3/40
tremendo, est tudo pssimo e inmeras expresses que tendem ao catastrofismo
e com as quais a pessoa se sente insegura e incapaz.
A maneira que voc tem de pensar e se expressar condiciona suas emoes e seu
comportamento. Se expressa que h ameaas, seu sistema nervoso se ativa e
desencadeia a resposta da ansiedade. Simples assim. a terceira lei de Newton:
ao e reao. Voc precisa falar consigo mesmo em outros termos. Voc passa
tanto tempo antecipando o fracasso e o perigo que carece de expresses e do
vocabulrio adequado para enfrentar as situaes.
Conselho: Quem escolhe os pensamentos que invadem a sua mente? Ningum mais
do que voc. Agora voc est acostumado a se relacionar com um estilo cognitivo
alarmante. Mas possvel substitu-lo por outro que o permita contemplar o mundo
sem esse carter ameaador. Para modific-lo, voc ter que escrever... Diante da
situao temida, anote como gostaria de enfrent-la e os pensamentos que
poderiam ajud-lo. No evite pensar nela, apenas aceite-a. Ela no perigosa, s
incmoda.
Desapaixone-se. No de sua namorada ou esposa, mas da possessiva ansiedade. Se
voc se der conta, ver que se comporta com ela como se vivesse um romance em
plena efervescncia. Voc a observa, a encara, responde a ela, fala com ela e fala
dela para todo o mundo. Seu crculo se limita ansiedade. Ela decide por voc se
pode fazer algo ou no. Voc deu a ela poderes demais. Mantenha um dilogo para
colocar uma distncia entre vocs, e at a desafie.
Conselho: Cada vez que notar que est atemorizado pelos sintomas, em vez de
verbalizar no aguento mais, estou pssimo, assim no posso continuar, no sairei
nunca desse buraco, diga algo como que chata, o dia inteiro com um sintoma
aqui, outro ali. Se voc no se importa, vou ler, trabalhar, correr etc., e mais tarde,
se tiver vontade, volto a te escutar. Agora no hora.
Deixe de evitar. Cada vez que acontece aquilo que voc teme, comum se sentir
protegido e conformado em sua zona de conforto. Mas este no o lugar onde voc
quer estar. A no acontece nada interessante, apenas ter tudo sob controle.
Conselho: Proponha a si mesmo se transformar em um explorador, um
aventureiro. A vida para ser descoberta, inclusive atravessando emoes
desagradveis. Qualquer um que estabelea um desafio para si mesmo sabe que
haver momentos de alegria e orgulho, e outros de desvanecimento, desiluso,
esforo e preocupaes. No preciso esperar por uma luz para dar um passo
adiante. Ser necessrio sair da sua zona de conforto com dor de cabea, enjoos e
-
4/40
palpitaes. E sabe o que voc vai descobrir? Que capaz de fazer isso, que no
to dramtico quanto antecipava e que as emoes desagradveis no so
incompatveis com a vida cotidiana. Quanto antes voc se familiarizar com elas,
melhor. Rafael Nadal gosta de jogar tnis, mas no deve apreciar competir com as
mos cheias de bolhas. Ele o faz mesmo assim. o passo necessrio para tentar
ganhar.
Tome uma atitude. Ningum vai fazer isso por voc. Deixe de ruminar. A soluo
no est em pensar cada vez mais em seu mal-estar. A soluo est em recarregar as
baterias e fazer o que incompatvel com a resposta de ansiedade: relaxar, pensar
de maneira til, rir muito e desdramatizar mais, descansar, levar uma vida
equilibrada, ter amigos e bons momentos para guardar na memria.
Conselho: No tente racionalizar tudo. Deixe de pensar mil vezes no que pode
acontecer. A vida tem seu ponto de inconscincia. Se voc quer se superar, ter que
correr algum risco, ainda que pequeno. Mas a vida est cheia deles. Nada acontece
se voc no participa. E cometa erros. Falhar faz parte da aprendizagem. O nico
que pode se reprimir e censurar voc mesmo, e deve se lembrar o tempo todo que
no obrigado a faz-lo.
Aquele que no corre nenhum perigo aquele que deixou de viver por tudo sempre
sob controle. No desanime. Acomodar-se e proteger-se no a soluo para sua
ansiedade. Se voc colocar estes conselhos em prtica, posso at j prever o
resultado do jogo: Ansiedade 0 5 Voc.
Mudar o discurso
-
5/40
ILUSTRAO DE JOO FAZENDA
LIVROS
The Happiness Trap (A Armadilha da Felicidade)
Russ Harris
FILMES
Encontrando Forrester
Gus Van Sant
Um dos protagonistas tem agorafobia. A histria mostra a relao entre um famoso escritor e seu discpulo.
Mindfulness': a ateno plena ideal para
combater as distraes Ser plenamente consciente do que est ocorrendo aqui e agora um desafio na era digital
POR GABRIEL GARCA DE ORO
-
6/40
ILUSTRAO ANNA PARINI
Mal acabo de comear a escrever este artigo quando meu computador me avisa que
tenho trs e-mails novos na minha caixa de entrada. Alm disso, recebi duas
ligaes e vrias mensagens. Ento aproveitei e entrei no site do jornal As para ver
se havia acontecido algo de relevante no mundo do esporte. Meia hora se passou e
ainda no escrevi uma s linha.
A falta de concentrao contnua, o bombardeio no para. Meu nico consolo, se
podemos chamar assim, que no acontece apenas comigo, mas o sinal dos
tempos digitais. Segundo as estatsticas, passamos cerca de onze minutos no
mximo concentrados em uma atividade antes que algum nos interrompa. E, se
ningum faz isso, somos ns mesmos que nos desconectamos. Se isso fosse pouco,
cada momento de falta de concentrao faz com que se leve entre dez e 20 minutos
para recomear a atividade. No estamos acostumados a estar situados no presente.
Nosso corpo est, mas nossa cabea no. Nos acostumamos com a distrao, a
ateno parcial, algo parecido a uma praga universal da sndrome de dficit de
ateno. Temos tanta vontade em estarmos conectados que nos esquecemos de
primeiro conectar com ns mesmos. E isso produz estresse, ansiedade, sensao de
opresso, de estar sempre atrasado, de no ter tempo para nada.
Assim, no de se estranhar que o conceito de mindfulness tenha surgido com
tanta fora. Essa prtica de origem budista conta com mais de 2.500 anos, no
-
7/40
entanto s passou a ser difundida no Ocidente h cerca de 30 anos para tratar
problemas associados ao estresse e dor crnica. Hoje, a aplicao desse conceito
se estende a quase todos os campos, como por exemplo nas salas de aula. normal
ver as universidades oferecendo aos seus alunos oficinas de ateno plena,
conscientes de que na maioria dos casos a distncia que separa o sucesso do
fracasso no tem a ver com o talento natural, mas com a capacidade de nos
concentrarmos, que permite reter conceitos, relacion-los, entend-los e incorpor-
los em nossas estruturas de pensamento. porque, por mais que uma pessoa seja
intelectualmente capacitada, sem ateno a reprovao quase certa. preciso
entender que o crebro no multitarefa. Apenas podemos nos concentrar em uma
coisa de cada vez e, se no fazemos isso, se tentamos estar em vrios lugares ao
mesmo tempo, no conseguimos um resultado satisfatrio como aqueles que com
igual ou menor capacidade que a nossa conseguem, colocando o foco de toda sua
ateno na atividade concreta que esto desenvolvendo.
A ateno um msculo que deve ser treinado
As pesquisas cientficas demonstraram o que os budistas j sabiam h mais de dois
mil anos, quer dizer, que um estado de ateno consciente ajuda no apenas na
reduo do estresse ou da ansiedade, mas tambm a ser mais criativos, em poder
julgar e avaliar as situaes com maior clareza, aumentar a resistncia emocional e
desfrutar mais do que estamos fazendo.
Como tantas outras capacidades do ser humano, a ateno tambm pode ser
treinada. Porque um msculo que quando se utiliza fortalecido e, quando no,
atrofia. Os resultados, logicamente, so progressivos e podemos, pouco a pouco, ir
conseguindo maiores cotas de ateno. Alm disso, se vamos enfrentar atividades
que exigem maior concentrao, como por exemplo uma poca de provas, treinar
alguns minutos vai nos preparar para expandir os limites de nossa ateno,
minimizar os efeitos das distraes, prprias e alheias, e desfrutar do momento.
Assim vamos criar agora nossa prpria academia de mindfulness. Para isso
precisamos reservar entre cinco e 20 minutos por dia de treinamento e fazer estes
trs exerccios que podem ser repetidos vontade e, inclusive, introduzir todas
aquelas variaes que nos venham cabea. O importante praticar.
Para saber mais
-
8/40
ILUSTRACIN DE ANNA PARINI
LIVROS
Focus
Daniel Goleman (Kairos)
Neste livro encontrassem-se as chaves
de como aumentar a capacidade de ateno
para conseguir a excelncia.
Colore mandalas
Susanne F. Fincher (EDAF)
Com ele poderemos colorir 48
mandalas inspirados nas
formas da natureza.
A uva passa. Este um dos exerccios mais utilizados nas oficinas
de mindfulness em todo o mundo. to simples como revelador. Trata-se de pegar
uma uva passa. Sim, uma simples uva passa. Mas no a comemos, no por
enquanto.
Primeiro, observa-se a passa com detalhe e preciso se concentrar e se dar conta do
amplo leque de cores e tonalidades, de como a luz incide em suas dobras, em sua
textura rugosa. Suas formas irregulares aos nossos olhos. A ideia captar tudo o
que possa ser visto. Depois, preciso fechar os olhos e tocar a uva passa. Mas com
carinho. Fazer com que ela dance entre os dedos para sentir sua textura e o nosso
tato, de como sua pele se mescla com a nossa.
Depois, ainda com os olhos fechados, colocamos a passa na boca. No a mordemos,
mas a acariciamos com os dentes primeiro, para depois notar que cai em nossa
lngua, acomodando-a. Agora a exploramos com a lngua, da mesma maneira que
-
9/40
fizemos com os dedos. Lentamente. Sem pressa. Desfrutando de tudo o que uma
simples e insignificante uva passa possa nos oferecer. No final, agora sim, a
mordemos. E somos conscientes de uma exploso magnfica produzida em nossos
sentidos.
Percebemos seu sabor, como se funde e confunde com o nosso, com a saliva, com o
gosto. Tratamos de encher toda a boca com essa mescla, chegando a todos os
cantos. Apenas ento engolimos a uva passa e notamos como cai pela garganta,
como abandona a boca e se integra em nosso interior. Um vez finalizado o exerccio,
esperaremos alguns segundos para abrir os olhos e comemorar que desfrutamos de
uma uva passa, talvez pela primeira vez na vida, em vez de engoli-la. Exploramos
todas as possibilidades que tinha para nos oferecer. Isso o que ocorre com o
presente, que se o engolimos com a pressa e a falta de ateno, no deixamos que
nos d tudo o que tem para oferecer.
Pintar e colorir. No a primeira vez que nesse espao se comenta a importncia
de recuperar certas atitudes e atividades infantis em benefcio do desenvolvimento
pessoal. Sem dvida, este um dos casos mais chamativos. E, ultimamente, se
insiste muito, em muitos mbitos, nos benefcios de pintar e colorir, que todos j
praticamos, para a obteno do estado de ateno plena. Apenas so necessrias
algumas folhas brancas e pretas, pegar dois lpis de cor e comear a pintar. Com
ateno. Abstrados. Concentrados. Da mesma maneira de quando ramos crianas.
Um estado de ateno consciente ajuda no apenas na reduo do estresse ou
da ansiedade, mas tambm a ser mais criativo
Tentar no custa nada, na Internet podemos encontrar uma infinidade de modelos
para pintar de todo tipo, especialmente mandalas, que so as representaes do
macrocosmos e do microcosmos usadas no budismo e no hindusmo. Essa
atividade, to simples, reduzir nosso rudo interior, nos permitir treinar a arte de
focarmos em apenas uma atividade, nos conectaremos com nossa parte criativa e
estimularemos a psicomotricidade. Carl Jung, o grande psiquiatra suo, no
duvidava disso ao afirmar que a prtica da mandala a nica terapia que pode ser
feita sozinho".
Respirao. Como os atletas, que aprendem que para melhorar o rendimento
devem respirar corretamente, ns tambm temos que praticar a respirao em
nossa academia de ateno plena. Apesar de existirem muitas tcnicas de
respirao, possvel comear com a mais simples, que a respirao quadrada.
Basicamente trata-se de cadenciar a respirao, se dando conta de que se est
respirando e afastar todo pensamento que tente interferir neste exerccio. Eduard
-
10/40
Punset, em seu blog, ensina com sua aparente simplicidade carregada de pedagogia
como praticar a respirao em benefcio da ateno plena:
Em primeiro lugar, adotar uma postura de descanso. Em segundo lugar, respirar
profundamente graas a uma absoro moderada de ar e sua consequente e
posterior exalao. Em terceiro lugar, deixar que o organismo supere o ato de
respirar profundamente para acariciar, muito brevemente, os pensamentos aos
quais se renuncia. Em quarto lugar, anotar que o ato de respirar foi interrompido
por algum pensamento para voltar o quanto antes ao processo respiratrio. Basta
repetir durante dez minutos todos os dias o exerccio e esse o quinto passo
para constatar que o foco da ateno melhorou.
Pegue o coelho
Um estudante de artes marciais se aproximou do mestre para fazer a seguinte pergunta: Querido mestre,
apesar do muito que aprendo com o senhor, gostaria de melhorar meus conhecimentos das artes marciais.
Alm de aprender com o senhor gostaria de aprender com outro mestre para dominar outro estilo e outras
vises que com certeza me enriqueceriam.
O que o senhor acha da ideia? O mestre, que havia escutado com ateno as palavras de seu discpulo,
meditou por alguns instantes e disse: O caador que persegue dois coelhos no pega nenhum.
Como se fabricam crianas loucas Os manicmios no so passado, so presente. Uma pesquisa realizada no hospital psiquitrico Pinel,
em So Paulo, mostra que, mesmo depois das novas diretrizes da poltica de sade mental no Brasil,
crianas e adolescentes continuaram a ser trancados por longos perodos, muitas vezes sem diagnstico
que justificasse a internao, a mando da Justia. Conhea a histria de Raquel: 1807 dias de
confinamento. E de Jos: 1271 dias de segregao. Ambos tiveram sua loucura fabricada na primeira
dcada deste sculo
ELIANE BRUM
Em uma noite de novembro de 2007, a psicloga Flvia Blikstein escutou de uma menina
duas perguntas. E descobriu que no tinha respostas. Flvia trabalhava num Centro de
Ateno Psicossocial (CAPS) infantil, em So Paulo, e encontrava-se na ambulncia para
levar a garota para sua primeira internao psiquitrica. Maria, como aqui ser chamada,
tinha 14 anos. Era negra, alta e magra. Falava pouco, frases curtas. Gostava de brincar de
boneca e de desenhar. s vezes pintava as unhas, arrumava o cabelo, anunciando a
adolescncia. Maria se molhava o tempo todo, em pequenos rituais. Abria a torneira, fazia
uma conchinha com as mos e molhava os ps, as pernas, os braos. Fazia isso em
qualquer lugar, causando vergonha me. Talvez Maria estivesse esculpindo com a gua
os limites do prprio corpo. Quando fez a primeira pergunta Flvia, ela ainda tinha as
pontas dos dedos midas, e o seu olhar tambm era molhado:
-
11/40
- Por que eu vou ficar aqui?
Flvia descobriu que no tinha resposta.
Maria fez ento a segunda pergunta:
- Quem t a? Quem vai dormir no quarto comigo?
Flvia descobriu que no tinha resposta tambm para essa. No tinha resposta porque, ao
contrrio do que costuma acontecer quando crianas e adolescentes nos mostram a face
do abismo, ela tinha escutado as perguntas. Escutado mesmo. A menina louca tinha
indagado sobre a estrutura do Estado e da sociedade que a obrigava a dar o primeiro
passo para dentro de uma instituio psiquitrica. Talvez Maria intusse que esse passo
poderia ser longo. Talvez Maria adivinhasse que os dentes do sistema estavam sua
espera, logo ali.
Flvia abraou Maria. E pediu desculpas por no saber responder. Maria entrou,
carregando olhos molhados e pontos de interrogao.
A menina louca tinha indagado sobre a estrutura do Estado e da
sociedade que a obrigava a dar o primeiro passo para dentro de uma
instituio psiquitrica O que Maria perguntou Flvia, perguntou a todos ns: por que, no sculo 21, crianas e
adolescentes brasileiros, a maioria filhos de famlias pobres, continuam a ter suas vidas
mastigadas num hospital psiquitrico. A criana louca fez aos normais a pergunta mais
lcida: por que a condenavam a uma existncia de manicmio. A habitar um mundo de
dor, vagando entre paredes, desvestindo a si mesma para vestir um uniforme, sem direito
ao desejo. Por que lhe negavam a humanidade to cedo.
Flvia no pde esquecer as perguntas, menos ainda a sua falta de respostas. Dedicou-se
a busc-las. Encontrou-as no arquivo do Ncleo da Infncia e da Adolescncia (NIA) do
Centro de Ateno Integrada em Sade Mental (CAISM) Philippe Pinel. O Pinel uma das
instituies de referncia para internao de crianas e adolescentes com problemas
mentais no estado de So Paulo. Flvia sabia que aquilo que se costuma chamar de
arquivo morto era bem vivo. Ento, botou-o para falar. Fechou-se na pequena sala
bordada de estantes durante todos os sbados de um ano inteiro. Analisou 451 casos,
correspondentes a 611 internaes ocorridas entre janeiro de 2005 e dezembro de 2009.
Destes, 79% das crianas e adolescentes haviam sido internados apenas uma vez. Os
21% restantes tiveram de duas a sete reinternaes. Alguns casos, que continuaram a
voltar ao Pinel, ela acompanhou tambm nos anos de 2010 e 2011. Flvia queria saber
qual era o percurso que levava crianas e adolescentes ao hospital psiquitrico como
primeira providncia e no como exceo pontual e por tempo determinado.
O arquivo do Pinel ficava logo abaixo da enfermaria das crianas e adolescentes.
Enquanto pesquisava, Flvia podia ouvir os gritos. Percebeu, porm, que mais do que
gritos havia um silncio longo. Um silncio, nas suas palavras, estranho e profundo, um
silncio que no imaginamos num lugar cheio de crianas e adolescentes. Dentro do
-
12/40
arquivo, no. Os pronturios contavam histrias. Ainda que a voz de meninos e meninas
ressoasse mais nas ausncias, nas entrelinhas, os pronturios diziam de infncias
aniquiladas numa vida de manicmio. E mostravam por que caminhos a fabricao de
crianas loucas uma verdade profunda do Brasil. Flvia chamava o arquivo de sala das
almas. E as almas falavam.
Duas crianas, que se transformaram em adolescentes no hospital psiquitrico, contaram
histrias que poderiam ilustrar livros escabrosos sobre os manicmios do passado, mas
que se passaram na primeira dcada desse sculo. Aqui, elas sero chamadas de Jos e
de Raquel. Jos permaneceu confinado por 1271 dias ou trs anos e cinco meses.
Raquel, por 1807 dias. Ficou trancada dos 11 aos 16 anos e de l foi transferida para
outra instituio psiquitrica. Jos e Raquel estavam segregados no Pinel, a mando da
Justia, sob reiterados protestos da equipe tcnica. Foram depositados como coisas no
Pinel porque ainda este o destino dado a crianas como eles no Brasil.
Por qu?
Flvia sabia que aquilo que se costuma chamar de arquivo morto era
bem vivo. Ento, botou-o para falar. Analisou 451 casos,
correspondentes a 611 internaes ocorridas entre janeiro de 2005 e
dezembro de 2009 preciso prestar muita ateno s respostas que Flvia encontrou. Sua escuta de trs mil
horas dentro do arquivo transformou-se numa dissertao de mestrado em psicologia
social na Pontifcia Universidade Catlica (PUC) de So Paulo. Somando-se a trabalhos
fundamentais de outros pesquisadores do tema, tanto em So Paulo como em vrios
estados do Brasil, a investigao mostra por que os manicmios persistem apesar das
diretrizes da poltica de sade mental e do Estatuto da Criana e do Adolescente (ECA). A
Lei n 10.216, de 2001, orientada pela reforma psiquitrica, prioriza o atendimento em
rede, em servios inseridos na comunidade, perto da famlia, e determina que a internao
s pode ocorrer depois de esgotados todos os recursos extra-hospitalares. No o que
acontece em casos demais.
Medievais, desumanos e criminosos. Essas so algumas das palavras usadas para
definir os hospcios desde que a luta antimanicomial se intensificou a partir do final dos
anos 1970 e conquistou avanos significativos nesse sculo. A pesquisa mostra, porm,
que mesmo instituies e profissionais que tentam fazer diferente so seguidamente
vencidos pelas engrenagens e pela escassez de servios pblicos de base. Na prtica,
ainda hoje, de manicmio e de vida manicomial que se trata em uma parte significativa
dos casos, uma realidade s possvel pelo descaso quase absoluto da sociedade com o
destino dessas crianas, em geral filhas de famlias pobres. Ao fazer o arquivo morto falar,
Flvia constri respostas que precisam ser escutadas se quisermos, de fato, estancar o
crime de fabricar crianas loucas e, muitas vezes, tambm o de conseguir enlouquec-
las.
Raquel nasceu em 1994. A me estava presa por trfico de drogas, no porque era chefe
de uma organizao criminosa, mas porque vendia uma pequena quantidade para
-
13/40
sustentar seu prprio vcio. Esse destino comum nos presdios do pas, tambm
gerador de rfos de mes vivas. Pobre demais para dar conta dela, a av colocou Raquel
num abrigo aos cinco anos. A menina de imediato descrita como agressiva. E, por esse
motivo, afastada das outras crianas. Passa a morar com o que se chama de me
social, isolada numa casa nos fundos do abrigo. A escolha, como mostra Flvia, evidencia
que, desde sempre, a resposta agressividade de Raquel a excluso. Obviamente,
tambm no deu certo. De abrigo em abrigo, Raquel virou aquela que no dava certo em
abrigo nenhum.
Talvez valesse a pena perguntar se a agressividade, ao se olhar para o contexto e as
circunstncias, no era o principal trao de sanidade de Raquel. Mas o direito histria o
primeiro a ser arrancado das crianas loucas. Ela j tinha quase tantos rtulos quanto
anos de vida: filha de presidiria, abandonada, agressiva, no d certo... Raquel s era
vista por estigmas e fragmentos.
Ela queria saber qual era o percurso que levava crianas e adolescentes
ao hospital psiquitrico como primeira providncia e no como
exceo pontual e por tempo determinado Negra como Maria, ela foi internada pela primeira vez em 2005, aos 11 anos. Entrou no
sistema por ordem da Justia. Antes de seguirmos o seu destino, crucial entender as
duas formas de entrada nas instituies psiquitricas, identificadas pela pesquisa. Nelas
se encontra uma das chaves para compreender a fabricao das crianas loucas no Brasil
atual. Assim como os caminhos pelos quais mantida viva a funo histrica dos
manicmios como lugar de segregao daqueles que so decodificados como perigosos
para a ordem social, ainda que sejam apenas pobres e abandonados.
Em pouco mais da metade dos casos 55% o pedido de internao psiquitrica foi feito
por familiares e por diferentes servios da rede de sade. Nos outros 45%, crianas e
adolescentes foram internados por ordem judicial. Estes so os dois caminhos de entrada
nos hospitais psiquitricos. A pesquisa mostrou, porm, algumas diferenas fundamentais
para compreender o problema: no perodo pesquisado, a Justia internou mais cedo, por
mais tempo e mais vezes. A maioria dos casos era de adolescentes, mas as crianas
respondiam por 20% das internaes por ordem judicial. Pela via da rede de sade, menos
de 6% eram crianas. Por ordem judicial, o tempo mdio de internao era quase o dobro
(55 dias contra 30). A Justia tambm foi responsvel por 92% das internaes com
durao maior do que 150 dias. Entre os 14 casos que sofreram internaes de quatro a
sete vezes, 12 tinham sido confinados por ordem judicial.
Entre eles, Raquel. Dos 11 aos 16 anos, ela foi internada seis vezes no Pinel. A queixa da
primeira vez: Paciente institucionalizada h oito meses (nome de outro hospital), com
transtorno de comportamento, heteroagressiva (agressividade dirigida a terceiros), em
tratamento ambulatorial pouco resolutivo. Depois de seis dias, o Pinel deu alta e a menina
foi encaminhada a um abrigo. Oito dias mais tarde, ela foi novamente internada por ordem
judicial: Paciente portadora de transtorno de conduta grave. Uma vez no abrigo, voltou a
ficar agressiva. Crtica seriamente comprometida, ameaadora. Outros 19 dias de
internao, e o Pinel pediu justia que ela tivesse alta. Passada uma semana, o pedido
-
14/40
foi atendido, e ela voltou ao abrigo. Mais trs dias e Raquel de novo foi internada no Pinel
por ordem judicial: Ao retornar ao abrigo volta a apresentar quadro importante de
liberao de agressividade e falta de controle de impulsos. Raquel ficou trancada no Pinel
por 1004 dias.
Nessas trs primeiras vezes, tornou-se evidente que a justia internava e o hospital
liberava, porque no havia razo para manter Raquel confinada. Documentos anexados ao
pronturio mostram que a direo da instituio enviou diversos relatrios justia, tanto
informando da alta mdica da paciente quanto pedindo encaminhamento a um abrigo e
tratamento ambulatorial. Num dos documentos, a direo afirma: Nosso hospital est
fazendo o papel de Abrigo para esses adolescentes. Sabedores dessa ilegalidade pedimos
com urgncia uma resoluo para esse problema. E, em outro ofcio: Atualmente a
adolescente continua residindo na enfermaria para tratamento de pacientes agudos,
encontra-se longe da escola e com enormes prejuzos psicolgicos e sociais.
Medievais, desumanos e criminosos. Essas so algumas das
palavras usadas para definir os hospcios desde que a luta
antimanicomial se intensificou a partir do final dos anos 1970 A cada trs meses, o Pinel mandou ofcios justia. S foi atendido depois de quase dois
anos e nove meses. Mas a vida de Raquel fora do hospital durou apenas uma semana.
Mais uma vez ela foi internada na instituio. O motivo: Evolui com episdios recorrentes
de agressividade, fugas necessitando atendimento em unidades de emergncia. H dois
dias em acompanhamento no CAPS sem aderncia ao tratamento. Depois de mais 413
dias de internao, Raquel fugiu do hospital. Voltou espontaneamente dois dias mais
tarde. Para onde mais ela iria, j que o longo perodo de confinamento esgarou ainda
mais os frgeis vnculos familiares e a impediu de criar novos?
Raquel permaneceu internada mais 244 dias, antes de ser encaminhada a outro abrigo.
Quinze dias fora do hospital, e a justia mandou-a de volta: Jogou fora seus remdios,
quebrou o vidro da brinquedoteca, feriu-se, pegou o telefone para se enforcar e fugiu para
uma cidade vizinha dizendo que ia procurar seus avs.
Na sexta vez, est registrado no pronturio: A paciente verbaliza que a maior dificuldade
que enfrentou no retorno ao abrigo foi uma sensao de inadequao na convivncia com
adolescentes sem problemas psiquitricos; infelizmente, criou-se um vnculo inadequado
iatrognico (provocado pela prpria prtica mdica) de segurana com o ambiente de
internao, o que se configura como Hospitalismo.
Em outras palavras. Raquel no sabia mais viver fora do hospital psiquitrico, seus
vnculos estavam dentro da instituio. Se tinha a algum afeto, era ali. Era no hospital que
ela sabia como se comportar, identificava uma rotina, fazia amigos entre outras crianas e
adolescentes como ela ou realmente doentes. Considerava profissionais de sade como
parentes. E, mais tarde se saberia, quebrava coisas e agredia pessoas quando era
mandada para o abrigo porque sabia que assim voltaria quele que era o nico lugar
parecido com um lar que tivera na vida.
-
15/40
No total, Raquel ficou trancada no Pinel cinco anos. Sublinha-se: sem
necessidade. Sua vida cabe em trs caixas do arquivo. Mas esse no foi o
fim de sua trajetria manicomial. Em 2010, aos 16 anos, ela foi
transferida para outro hospital psiquitrico Nessa poca, a direo do Pinel mandou mais um ofcio justia: Aproveito a
oportunidade para dizer da indignao dessa equipe tcnica que, por diversas vezes,
acionou o judicirio solicitando a desinternao desses adolescentes que, na ocasio,
precisavam apenas de um abrigo para moradia e dar continuidade ao atendimento
ambulatorial, tendo assim seu direito constitudo.
No total, Raquel ficou trancada no Pinel cinco anos. Sublinha-se: sem necessidade. Sua
vida cabe em trs caixas do arquivo. Mas esse no foi o fim de sua trajetria manicomial.
Em 2010, aos 16 anos, ela foi transferida para outro hospital psiquitrico.
O diagnstico que sustentou a condenao de Raquel a uma vida manicomial bastante
revelador: transtorno de conduta. Segundo a Classificao Estatstica Internacional de
Doenas (CID), os transtornos de conduta so caracterizados por padres persistentes de
conduta dissocial, agressiva ou desafiante. Tal comportamento deve comportar grandes
violaes das expectativas sociais prprias idade da criana; deve haver mais do que as
travessuras infantis ou a rebeldia do adolescente e se trata de um padro duradouro de
comportamento (seis meses ou mais). Essa patologia, assim como outras que compem
a CID, contestada por parte dos psiquiatras, psicanalistas e psiclogos, assim como por
profissionais de outros campos do conhecimento. Mas, ainda que se aceite que essa
doena de fato existe, o tratamento recomendado insero comunitria e no
asilamento.
Em sua investigao, Flvia mostrou que o diagnstico de transtorno de conduta tem
sido usado de modo generalizado e quase displicente para justificar internaes em
hospitais psiquitricos. Tanto na internao pela via da rede de sade como na internao
por ordem judicial, o principal diagnstico esquizofrenia. Mas o transtorno de conduta
tem aumentado. Numa comparao com uma pesquisa anterior, na qual Julia Hatakeyama
Joia analisou os pronturios do Pinel entre fevereiro de 2001 e agosto de 2005, Flvia
constatou que os chamados transtornos do comportamento e transtornos emocionais
dos quais transtornos de conduta correspondem a 75% dos casos cresceram como
motivo de confinamento. Em 2002, eram causa de 5,26% das internaes. Passaram para
7,14% em 2005. E alcanaram 15,2% das ocorrncias em 2009. Em muitos casos,
diagnosticado em crianas com episdios de descontrole e agressividade, sem que exista
uma anlise sobre sua histria e contexto de vida, afirma a psicloga. Outro dado
comparativo de extrema relevncia que, entre 2001 e 2004, a proporo de internaes
no Pinel por ordem judicial era de 23% do total. De 2005 a 2009 saltou para 45%.
Em sua investigao, Flvia mostrou que o diagnstico de transtorno
de conduta tem sido usado de modo generalizado e quase displicente
para justificar internaes em hospitais psiquitricos
-
16/40
O transtorno de conduta bem mais recorrente na internao por ordem judicial do que
na internao pela via da rede de sade. o diagnstico de um quarto das internaes
com durao maior do que 150 dias e por mais de um tero dos casos de crianas e
adolescentes internados de quatro a sete vezes. o rtulo de Raquel e tambm o de
Jos. Meninos representam quase 80% das crianas e adolescentes internados, um dado
cujas razes precisam ainda ser melhor compreendidas.
Jos tinha 10 anos quando deu o primeiro passo para dentro do Pinel, por ordem judicial.
Tinha passado, segundo o relatrio da instituio, por maus tratos, negligncias e
privao afetiva. Apresentou comportamentos desafiadores e transgressores, o que
resultou em rejeio e abandono familiar, principalmente de sua me. A me decidiu
entreg-lo para o pai, na Bahia. No dia da viagem, Jos recusou-se a ir. Ele no queria se
separar da me. Para no ser obrigado a viajar, por duas vezes tentou se jogar diante dos
carros, na rua. A crise de agitao levou sua primeira internao. A durao: 623 dias.
Quando teve alta, Jos foi encaminhado a um abrigo. Permaneceu apenas trs dias antes
de ser internado novamente. Dessa vez, ficou trancado por 255 dias. Jos fugiu. Para
onde? Para a casa de me. Mais uma internao, por agitao psicomotora com intensa
heteroagressividade, baixa tolerncia frustrao, sem crtica, e risco de vida. Dessa vez,
ficou 84 dias na instituio antes de fugir novamente. Para onde? Para a casa da me. Na
quarta e ltima internao, ele permaneceu 309 dias no Pinel. Foi ento encaminhado
para um abrigo. De onde fugiu. Para a Bahia, em busca de um lugar e de um afeto.
No total, Jos ficou 1271 dias trancado no Pinel: trs anos e cinco meses. Sobre Jos e
Raquel, a equipe tcnica do hospital enviou um ofcio Justia, em 2008: (...) Esto em
alta mdica, mas permanecem nesta enfermaria psiquitrica para tratamento de pacientes
com transtornos mentais agudos, privadas de ter uma vida digna, por no terem
retaguarda familiar e no existirem vagas em abrigos. Sobre esse destino, Flvia afirma:
As internaes so motivadas por uma combinao complexa, que resulta numa situao
de vulnerabilidade. A resposta da internao psiquitrica, alm de redutora de
complexidade, ela mesma produtora de maior sofrimento. A internao por ordem judicial
revela uma concepo sobre a infncia e a adolescncia pautadas no medo e no perigo.
Prope uma resposta nica a todas as situaes, sem considerar diferenas,
singularidades e contextos. Reduz crianas e adolescentes ao status de paciente
psiquitrico perigoso, produzindo sua cronificao. assim que se fabricam crianas
loucas.
Vale a pergunta: fugir pode ter sido um ato de sanidade de Jos, na tentativa de no ser
enlouquecido? De algum modo, apesar de tudo e de todos, ele parece acreditar que existe
um lugar para ele, um lugar com afeto. Jos, Raquel e Maria nos mostram que no h
desamparo maior do que o de uma criana num manicmio. Ningum est mais sozinho
nesse mundo do que Jos, Raquel e Maria. Expostos a uma sociedade que, alm de no
proteg-los, os enlouquece. Eles fogem, como Jos, eles quebram tudo, como Raquel,
eles fazem perguntas, como Maria. Mas esto sozinhos. E cada um de seus atos de
resistncia mais um carimbo de sua suposta loucura num arquivo morto.
-
17/40
O desafio exposto pela pesquisa tambm o de completar a reforma
psiquitrica no Brasil. Crianas e adolescentes, segundo a legislao,
devem ser tratados dentro da comunidade, junto famlia, sem
afastamento da escola Ao analisar os pronturios, Flvia conseguiu identificar claramente as diferenas entre a
internao via rede de sade e a internao por ordem judicial. Essas so concluses
cruciais do trabalho, porque apontam o que funciona e o que no funciona, apontam
sadas. Na rede de sade, a maior parte dos encaminhamentos feita pela emergncia de
hospitais, o que no o melhor percurso. Apenas 8% so enviados para internao por
Unidades Bsicas de Sade ou por CAPS (Centro de Ateno Psicossocial) infantil, que
deveriam ser a porta de entrada para crianas e adolescentes com sintomas de doenas
mentais. Esses dados demostram a falta desses servios, causando desamparo na
populao que necessita de assistncia pelo SUS. Em vez de comearem o tratamento
pela rede bsica, inserida na comunidade, o iniciam pelo fim e por aquilo que uma
exceo necessria num mnimo de casos: a internao. A hiptese de Flvia de que, se
houvesse mais servios comunitrios de sade mental, como est previsto na legislao,
provvel que a necessidade de internao fosse bem menor. Em vez do hospital
psiquitrico, uma rede articulada, com investimento maior em equipes de sade mental, na
capacitao e implantao do Programa de Sade da Famlia e de centros de ateno
psicossocial. A patologizao das crianas em situao de vulnerabilidade social
evidencia a precariedade da rede de ateno e cuidado, e tambm a insuficiente
articulao entre as polticas pblicas nos campos da educao, sade, habitao e lazer,
afirma.
A diferena clara na anlise dos dados. Nos casos encaminhados pelos Centros de
Ateno Psicossocial, a mdia de dias de internao mais baixa do que pelos outros
caminhos. Quando crianas e adolescentes so cuidados pelos CAPS depois da alta,
apenas 3% so reinternados. Isso mostra que os servios comunitrios funcionam, mas
so em nmero insuficiente, afirma Flvia. Nos pacientes encaminhados pela rede de
sade, o hospital funciona como enfermaria de crise. A maioria de adolescentes de 15 a
17 anos, em seu primeiro surto psictico, que so cuidados e liberados. J na internao
por via judicial, o hospital funciona como instituio de asilamento.
O desafio exposto pela pesquisa tambm o de completar a reforma psiquitrica no Brasil.
Crianas e adolescentes, segundo a legislao, devem ser tratados dentro da
comunidade, junto famlia, sem afastamento da escola. A doena, se de fato existe, deve
ser compreendida como uma das vrias caractersticas e no como a verdade nica
sobre aquela criana e adolescente. Mesmo a internao, se for necessria, deve ser
entendida como uma parte da histria e no como a histria inteira. A internao um
momento, no um destino.
Flvia permanecia das 10h at as 21h de cada sbado na sala das almas do Pinel. Numa
noite, estava to mergulhada nos pronturios que se esqueceu da hora e se atrasou para
sair. O guarda do porto recusou-se a deix-la ir. Eram as regras. Ele no estava ali para
pensar sobre elas, mas para cumpri-las. E Flvia soube o que era estar entre muros e
-
18/40
no ser escutada. Depois de um tempo que pareceu largo demais, Flvia conseguiu provar
que era uma psicloga, fazendo um trabalho de ps-graduao para a PUC. Acredita que
o fato de ser branca, loira e de olhos azuis possa ter ajudado na sua soltura. Mas, ao
abrir o porto, o segurana alertou: Na prxima vez, fica. Por um momento, trmula,
Flvia teve uma tnue aproximao do que sentiram Raquel, Jos e Maria, apenas trs
entre as centenas de crianas loucas fabricadas nesse sculo.
Ao final de sua estadia no arquivo morto que ela descobriu ser vivo, Flvia finalmente tinha
as respostas para Maria.
1) Por que eu vou ficar aqui?
- Porque as instituies que compem a rede de atendimento criana e ao adolescente
trabalham de forma desintegrada e no conseguem atender s suas necessidades.
2) Quem t a? Quem vai dormir no quarto comigo?
- As crianas e os adolescentes que tiveram seus destinos produzidos ativamente pela
desresponsabilizao e pelo abandono.
Maria perguntou. Flvia escutou. Escutou de fato no quando a ouviu, mas quando fez o
movimento de buscar as respostas. Elas esto a, mas s provocaro mudana se o
Estado, os governos e a sociedade as escutarem. Se ns as escutarmos. , afinal, de
escuta que se trata.
Flvia desconhece o paradeiro de Jos. Raquel foi libertada ao completar 18 anos. Mas o
que h para Raquel depois do que fizemos com ela? possvel, moral, decente dizer
Raquel: v estudar, v trabalhar, v construir uma vida? uma marca to profunda que
pessoas como Raquel, mesmo saindo da instituio, continuam institucionalizadas, diz
Flvia. A institucionalizao parece uma grande mquina que suga a potncia humana,
criando seres humanos sem desejo. A institucionalizao a patologia mais grave da
sade mental.
Aos 19 anos, Raquel hoje perambula pelas ruas e albergues de So Paulo, ao redor das
instituies. s vezes declara-se louca e internada por curtos perodos. Raquel sempre
pergunta pelo seu melhor amigo:
- Onde est Jos?
Eliane Brum escritora, reprter e documentarista. Autora dos livros de no ficoColuna Prestes - o
Avesso da Lenda, A Vida Que Ningum v, O Olho da Rua, A Menina Quebrada, Meus
Desacontecimentos e do romance Uma Duas. Email: [email protected]. Twitter: @brumelianebrum
Dependentes de ansiolticos O consumo de medicamentos psiquitricos aumenta apesar de as patologias mentais permanecerem
estveis
MILAGROS PREZ OLIVA
-
19/40
A tristeza no uma doena. Sentir dor pela morte de algum querido no patolgico.
Tremer quando se fala em pblico pela primeira vez, tambm no. A vida no pode ser
tratada com comprimidos e, no entanto, recorremos cada vez mais a eles para combater o
que no mais do que o simples mal-estar de viver. Em vez de assumir as enormes
nuvens que pairam pela manh com um bom dia tristeza, corremos para um mdico para
que ele nos receite antidepressivos. E ao invs de encarar o chefe insuportvel que nos
importuna, corremos para um psiquiatra em busca de tranquilizantes.
Em 10 anos, houve na Espanha um aumento do consumo de medicamentos psiquitricos
que no tem justificativa. De fato, a maioria das patologias mentais de causa endgena
tem uma incidncia estvel durante o tempo e similar em todos os tipos de sociedade. O
que pode aumentar a ocorrncia de transtornos transitrios de carter reativo, como a
depresso causada por estresse, por exemplo. Mas nem isso explica o aumento de
prescries observado. No existe lugar na Espanha, pas alegre e ensolarado, onde seja
possvel haver, por mais que a crise aperte, tanta depresso como indicam as vendas de
Prozac e de outros antidepressivos. Tambm no h explicao para a Espanha estar em
segundo lugar nas estatsticas da OCDE sobre o consumo de tranquilizantes.
O que propiciou este salto to espetacular do que poderamos chamar de psiquiatria de
complacncia? A presso da indstria farmacutica, com sua estratgia de ganhar
mercados s custas de criar novas sndromes, apontada por muitos autores como o
desencadeante da espiral de medicao. mais barato e lucrativo criar novos mercados
para velhos princpios ativos reciclados, como novos frmacos, do que encontrar novos
tratamentos. Aps alertar as pessoas por meio de publicao no British Medical
Journal em 2002 (Selling sickness: the pharmaceutical industry and disease mongering),
Ray Moynihan remexeu vrios livros e pesquisas para encontrar os mecanismos que
levaram a etiquetar como doenas processos que no so: desde a fobia social
sndrome das pernas inquietas. A psiquiatria infantil, com o espetacular aumento de
diagnsticos de autismo e hiperatividade, mostrou ser um campo frtil.
A presso da indstria farmacutica assinalada por muitos autores
como o desencadeador da espiral da medicao Embora seja fcil colocar o rtulo de vil na indstria farmacutica, esse no o nico
fator. E, em algumas ocasies, nem sequer o mais importante. De acordo com princpios
populares de sade, somos o que comemos, mas, antes de tudo, somos o que pensamos.
Autores como Byung-Chul Han e Zygmunt Bauman nos do, a partir da sociologia e da
filosofia, chaves que ajudam a explicar melhor o fenmeno. Por um lado, como Han afirma
em Die Mdigkeitsgesellschaft (a sociedade do cansao), h consequncias em deixar
para trs a organizao social disciplinar, na qual aquele que cumprir com seu dever pode
viver satisfeito, para submergir sociedade do rendimento, cujo paradigma esse
indivduo exausto por uma competitividade autoimposta e sem limites que o obriga a estar
sempre alerta e sempre em forma, e que percebe qualquer distrao ou contratempo como
uma ameaa para sua carreira.Caso fracasse, a culpa totalmente do prprio ator.
Para Bauman, nestes tempos hipercompetitivos, aqueles que no seguem as tendncias
ficam excludos, e isso gera muita angstia. As pessoas veem a vida como uma dana das
-
20/40
cadeiras, na qual um momento de distrao pode comportar uma derrota irreversvel.
Dessa forma, incapazes de controlar a direo e a velocidade do carro que nos leva, nos
dedicamos a apurar os sete sinais do cncer, os cinco sintomas da depresso, os
fantasmas da hipertenso e do colesterol, e nos entregamos compra compulsiva da
sade.
Tudo isso, no marco de uma cultura que fomenta o consumismo e o individualismo
hedonista, que produz indivduos exigentes, impacientes e com pouca tolerncia
frustrao, d suporte advertncia do diretor do projeto Los Fines de la Medicina, do
Hastings Center, em Nova York, Daniel Callahan. Segundo ele, as pessoas esperam da
medicina aquilo que esta no pode oferecer. Esses indivduos so muito vulnerveis
publicidade, aberta ou disfarada, que apresenta o recurso dos comprimidos como um
elixir mgico que ajuda a construir uma bolha de felicidade, embora esta seja induzida pela
qumica.
A maior parte dessa presso se canaliza para a consulta do mdico de cabeceira, que,
muitas vezes, s tem o bloco de receitas para fazer frente a demandas to peremptrias.
Mas os remdios no so incuos. Barbara Starfield, da Universidade John Hopkins,
indicava, j em 2002, em To err is human que a iatrogenia dos tratamentos era a terceira
maior causa de morte nos Estados Unidos. O problema que, como aponta Enrique
Gaviln, mdico de famlia que averiguou os processos de medicao, se no houver um
acompanhamento adequado, alguns destes frmacos podem causar dependncia.
Nesse caso, temos uma nova forma de gerar viciados. Andreu Segura, especialista em
sade pblica, lamenta que a sociedade no tenha conscincia de que os remdios
podem ajudar quando so necessrios, mas que tambm tm efeitos adversos, que so os
nicos resultados de seu consumo quando so receitados sem uma real justificativa. Mas,
enquanto nos excedemos em prescries para processos que no so patolgicos, h, ao
mesmo tempo, muitos doentes com verdadeiros problemas mentais que no so tratados.
Para Antoni Bulbena, chefe do Departamento de Psiquiatria da UAB, esse o grande e
injusto paradoxo deste histrico. No final, uns sofrem por serem medicados demais e
outros por serem medicados de menos.
Precisamos nos drogar para no
sucumbir? Ningum nasce destinado felicidade, que paradoxalmente uma conquista dolorosa
JUAN ARIAS
So infinitas as formas com que o ser humano conseguiu, atravs de uma paixo, resistir
dureza, violncia e monotonia da existncia.
H um aspecto das drogas do qual pouco se fala, porque o ser humano ou se droga de
algum modo ou enlouquece. A falcia radica em que hoje chamamos de droga tudo que
pode ser uma ncora para poder sobreviver sem perder o gosto pela existncia.
-
21/40
Chamamos de droga tudo que nos oferece prazer, do sexo comida e no s os
estupefacientes qumicos. Na verdade, mais que de drogas, trata-se de paixes, como se
apelidavam antes que o comrcio milionrio e violento das drogas qumicas se apropriasse
da palavra.
Desde os tempos mais antigos, o ser humano se drogou em busca de uma alterao da
conscincia que lhe produzisse prazer e alegria e lhe permitisse esquecer as agruras da
vida. Fez isso at ritual e religiosamente, usando as plantas e tudo que alterava os
sentidos.
Os psiclogos alertam que o ser humano assim como provavelmente muitos dos animais
enlouqueceria se no tivesse paixo por algo. Podem ser grandes ou pequenas paixes,
mas necessitamos de algo que nos excite, oferea-nos iluso a cada dia que amanhece e
a cada noite em que nos rendemos ao sono.
So infinitas as formas com que o ser humano, atravs de uma paixo que lhe oferea
algum tipo de satisfao, conseguiu resistir dureza da existncia, a sua monotonia ou a
sua violncia.
Busca-se essa paixo ou essa droga por todos os meandros de nossa vida. Pode ser o
poder como afrodisaco, o sexo, o amor, a leitura, a arte ou a paixo pela natureza. E at a
religio.
Pode ser que haja paixes que consideramos mais nobres que outras, mas no final so
todas elas um medicamento mais ou menos ilustre que nos impede de enlouquecer.
H quem se refugie na fruio das drogas qumicas, ou do lcool. Uma grande paixo de
amor tambm uma grande droga at o ponto em que se diz, sobre as pessoas que a
vivem, que parecem enlouquecidas.
Atribui-se uma periculosidade especial s drogas, s quais se diferencia das paixes,
porque elas podem levar morte e alterar nossa capacidade cerebral. Entretanto,
igualmente perigosa e letal pode ser uma grande paixo de amor ou sexual.
Quantos se suicidaram no mundo por amor, ao no ser correspondidos ou no conseguir
superar essa paixo? Ou mataram arrastados por ela? O jogo e o poder so outras
paixes que podem levar ao suicdio. Mas o que produziria mais morte no mundo seria a
falta de paixes. Sem elas, o ser humano ou enlouqueceria ou se embruteceria.
Pode ser uma droga tambm a paixo pelo exerccio fsico ou at pela religio, qualificada
por Marx de pio do povo, mas o certo que o fato religioso pode chegar a ser uma das
drogas mais fortes capazes de alterar as conscincias. Basta recordar os grandes
msticos, seus xtases e suas paixes por imitar o Crucificado.
J houve msticas que passaram at meses sem comer, alimentando-se da Eucaristia, e
at sem dormir E os santos com chagas, como Francisco de Assis ou, em nosso tempo, o
Padre Pio? Hoje a cincia sabe que essas chagas so produzidas por esses msticos com
a fora de sua paixo pela identificao com Cristo. Existe maior droga? E os mrtires?
-
22/40
Alguns mdicos agnsticos me confessaram que morrem menos desesperados aqueles
que tm nesse momento a ncora de alguma f religiosa.
O ser humano, apesar de toda sua arrogncia externa, nasce frgil e carrega essa
fragilidade fsica e psquica por toda a vida. Ningum nasce destinado felicidade, que
paradoxalmente uma conquista dolorosa. Nenhum beb nasce rindo, nasce chorando
talvez de medo e de estupor.
A vida por si mesma nem sempre basta para uma realizao total das nsias de felicidade
e de conquista do Homo sapiens. O homem, para melhor realizar-se e melhor lutar contra
suas frustraes, necessitar de alguma paixo se no quiser sucumbir ou render-se
mediocridade.
Poucas drogas so mais fortes na vida, por exemplo, que uma amizade verdadeira,
sincera, forte, inquebrvel. o melhor antdoto contra a solido.
Existem as drogas consideradas positivas e as negativas, como existem os verdadeiros e
falsos amores. Entre as negativas, poucas so to fortes e to letais, em nossa existncia,
como a solido forada, a falta de amor ou o abandono dos que amvamos.
At no ser humano que se sente realizado segue viva em seu interior, como uma ameaa
latente, essa fragilidade com que todos nascemos.
Entre os satisfeitos ou falsamente satisfeitos com sua fatia de poder e autossatisfao,
pulsa, filho dessa fragilidade congnita, o medo de perder seu paraso
Sem algo que o sacuda da rotina e da mediocridade, o ser humano, do mais culto ao mais
analfabeto, cairia na infelicidade. s vezes, entretanto, uma pequena paixo ou alegria,
como o perfume do caf ao despertar; o sorriso de um filho ou um neto, a ajuda generosa
e desprendida a algum que chega at voc em busca de ajuda e de consolo, pode
constituir a melhor e mais poderosa droga para poder continuar apreciando a vida.
Podemos at alterar nossa conscincia, por exemplo, com a fruio de uma msica, com a
contemplao de uma pintura que nos empolga e at com o esplendor de um arco-ris,
como o que esta manh, depois de uma chuva outonal, surgiu como um deus, sobre o
Atlntico que tenho diante de meus olhos ao escrever.
Pode algum drogar-se com a beleza ou com uma leitura o apaixone? A melhor droga
seria na verdade a vida em si, mas s vezes, para tantos, to cruel, que precisam
temper-la e ado-la com alguma paixo. Quando at isso falta, a noite se torna
duplamente escura.
Por que esto aumentando no mundo a depresso e o estresse?
Possivelmente por falta dessas pequenas ou grande paixes que so o melhor remdio
para desfrutar a vida e fugir de sua crueldade e frustrao.
-
23/40
Sem alguma paixo que nos sacuda de dentro, at um amanhecer acabar ferindo nossos
olhos acostumados escurido das noites vazias e at o silncio nos far um rudo
insuportvel.
Embalados, em vez disso, por alguma paixo, tudo recupera o frescor e a beleza do
primeiro dia da criao.
comprimidos para a dor da vida O uso de antidepressivos disparou em toda a Europa
Na Espanha e no Reino Unido, dobrou nos ltimos dez anos
Eles so receitados para a tristeza cotidiana ou para o luto
MARA R. SAHUQUILLO
DUNCAN WALKER (GETTY IMAGES)
O consumo de antidepressivos disparou na Espanha. Desde que o diagnstico e
respectiva prescrio da depresso foram estendidos aos postos de sade, na dcada de
noventa, o uso desses frmacos registra uma escalada constante. Seu uso dobrou em
uma dcada. Das 30 doses dirias por cada 1.000 habitantes em 2000 passou-se a 64
doses em 2011, segundo os ltimos dados da OCDE. E, se esse aumento vinha sendo
progressivo desde o grande salto provocado pela apario e popularizao de
medicamentos como a fluoxetina, no final dos anos oitenta , a escalada se intensificou
aps o comeo da crise econmica. Entre 2008 e 2009, a venda de antidepressivos nas
farmcias cresceu 5,7%, e entre 2009 e 2010 o aumento foi de 7,5%, chegando a 37,8
milhes de frascos, segundo dados da IMS Health, consultoria de referncia do setor. Em
2012 foram superados, de longe, os 38 milhes.
A extenso do diagnstico daquilo que se considera uma depresso, a medicalizao do
sofrimento mais cotidiano e a indicao desses frmacos para outras patologias (como
-
24/40
para alguns transtornos endcrinos ou para a fibromialgia) so algumas das razes com
as quais os especialistas explicam esse aumento que se produziu, alm do mais, em toda
a Europa. Mas, enquanto seu consumo no decai, a utilidade e a eficcia desses
medicamentos para combater as depresses leves e moderadas est em xeque. O El
Pas, junto com outros cinco grandes jornais que compartilham do projeto Europa The
Guardian, Le Monde, La Stampa, Gazeta Wyborcza e Sddeutsche Zeitung , perguntou
durante vrias semanas aos leitores se j prescreveram (no caso dos mdicos) ou
consumiram antidepressivos, e se eles funcionaram. Mais de 4.000 pessoas da Alemanha,
Frana, Reino Unido, Itlia e Espanha ofereceram suas experincias por meio de um
questionrio on-line. A maioria delas assegura que os frmacos ajudaram, embora isso
seja particularmente vlido nos casos em que os remdios foram acompanhados por
outros tipos de terapias.
Nos ltimos anos, vrias pesquisas cientficas analisaram a eficcia ou o benefcio dos
antidepressivos no combate aos sintomas leves ou moderados da depresso quanto aos
severos no h dvidas. As concluses foram similares entre todos eles: por si s, sua
eficcia muito limitada. Assim determinou, por exemplo, um amplo estudo realizado em
2008 por pesquisadores britnicos a respeito de trs dos princpios ativos que estavam
entre os mais vendidos na poca (embora j no o sejam): a fluoxetina (o popular Prozac,
denominado durante anos como a plula da felicidade), a venlafaxina (Efexor) e a
paroxetina (Serotax, conhecida tambm como plula do acanhamento). A anlise,
publicado na revista Plos Medical, determinou que, para pacientes sem sintomas graves,
os antidepressivos eram to teis quanto um comprimidinho de acar, ou seja, um
placebo. Outro trabalho mais recente deste ms , realizado por especialistas
neozelandeses com os dados de 14.000 pessoas que consumiram antidepressivos
durante mais de um ano, determina que este tratamento farmacolgico no se traduz em
uma melhora de longo prazo nos pacientes com transtornos do estado de nimo.
Sem outra terapia, os frmacos nem sempre servem para os sintomas
leves H um consumo indicado pelos mdicos, mas reclamado pelo paciente, para problemas
relacionados ao sofrimento e dor. Para enfrentar um luto, para paliar o mal-estar depois
de um rompimento amoroso, tambm para os problemas profissionais, aponta Eudoxia
Gay, presidenta da Associao Espanhola de Neuropsiquiatria (AEN). Os mdicos,
reconhece ela, prescrevem-nos para confrontar essas realidades e tambm para os
sintomas leves e moderados. E esses frmacos, observa o laboratrio Lilly fabricante de
alguns deles , so indicados para o transtorno depressivo grave. Para isso so teis,
sim. Mas, embora seja preciso rever caso a caso, para paliar o sofrimento cotidiano, assim
como para os quadros menores de ansiedade, so mais eficazes outras terapias que
melhoram e no tornam crnico o sofrimento humano, to mal tolerado hoje, e ao qual se
responde medicamentalizando-o, prossegue Gay.
Exemplo disso que, no mesmo ritmo dos antidepressivos, cresceu tambm o uso de
ansiolticos (37,3% entre 2000 a 2011) e dos medicamentos hipnticos e sedativos, que
tiveram alta de 66,2%, segundo um estudo de pesquisadores da Agncia Espanhola de
Medicamentos e Produtos Sanitrios. De fato, um relatrio do governo regional da
-
25/40
Andaluzia resume que a depresso e os transtornos ansioso-depressivos so a terceira
causa de consultas nos prontos-socorros.
O psiquiatra Alberto Ortiz Lobo acredita que sob a etiqueta de depresso estejam sendo
patologizadas emoes normais. Ele afirma que nos anos noventa a indstria farmacutica
e algumas sociedades mdicas fizeram programas especficos e campanhas de difuso
para ajudar a detectar a depresso. Desde ento foi algo incessante, porque foram
ampliados os limites do que se considera uma depresso. Agora, detrs dessa construo,
sob esse guarda-chuva, mete-se qualquer sintomatologia de tristeza ou desnimo que se
possa ter, mesmo que seja s, legtima e proporcional, diz. Tanto a deteco atual da
depresso quanto a prescrio de antidepressivos, aponta, so parmetros que esto
longe das cifras de prevalncia dessa patologia na populao geral, conforme apontado
por estudos epidemiolgicos clssicos, que sustentam que afetaria entre 3% e 9% da
populao.
Jos Antonio Sacristn, diretor mdico da Lilly da Espanha, aponta outros fatores que
poderiam ter contribudo para o aumento do uso desses frmacos. Primeiro, que os atuais
so mais seguros e bem tolerados do que os primeiros antidepressivos, diz. Segundo,
assegura, que se demonstrou sua eficcia e eles foram aprovados pelas agncias
reguladoras para o tratamento de outras patologias mentais, como os transtornos de
ansiedade.
Cada vez mais mdicos receitam esporte, livros ou psicoterapia Em outros pases, com algumas tmidas excees, como a Holanda, a situao similar.
Na Alemanha, Blgica ou Reino Unido, o consumo de medicamentos indicados para esse
problema aumentou tanto quanto na Espanha. H o costume de se prescrever esses
frmacos com muita facilidade. E muitas vezes os pacientes pensam que, se esto sendo
medicados e no funciona, porque precisam de algo mais forte, e no que possivelmente
no estejam deprimidos, observa Alain Valle, psiquiatra em Nantes e um entre mais de
uma centena de profissionais de sade que responderam pesquisa promovida pelos seis
jornais europeus. A maioria deles, como conta o The Guardian que verificou e tem feito
um tratamento aprofundado dos dados , sustenta que em grande parte da Europa h uma
ampla cultura da prescrio. Esses mdicos apontam que os antidepressivos so um
bom recurso, e necessrio, para tratar a depresso severa, mas tambm falam de sua
frustrao na abordagem de casos leves ou moderados, por causa da escassez de
recursos, tanto de tempo quanto de disponibilidade de outras terapias.
Na Espanha, a maior parte das prescries de antidepressivos ocorre nos prontos-
socorros. De fato, apenas 30% desses frmacos so receitados por um especialista. Os
recursos no so, nem de longe, abundantes: na sade pblica h menos de 6
profissionais especializados em sade mental (psiclogos clnicos ou psiquiatras) para
cada 100.000 habitantes. Essa cifra, afirma Carlos Mur, diretor cientfico da Estratgia
Nacional de Sade Mental do ministrio espanhol de Sade, Servios Sociais e Igualdade,
no crtica, mas est longe de pases como os nrdicos. Na Sucia, por exemplo, h
quase o dobro.
-
26/40
Mur que acredita na necessidade de gerir melhor o pessoal existente, em vez de
aument-lo esclarece que essa cifra obtida por estimativa. No h dados oficiais que
permitam contabilizar de maneira clara os servios de sade mental que existem na
Espanha, embora a estratgia que ele coordena esteja realizando um estudo para poder
desenhar um mapa claro. Uma pesquisa de 2010 da Associao Espanhola de
Neuropsiquiatria falava de dados similares aos mencionados por Mur, mas mostrava
tambm outro ngulo importante: a grande diferena entre as regies. Um exemplo: na
Galcia foram contabilizados 2,3 psiquiatras atuando na sade pblica para cada 100.000
habitantes; nas Astrias, eles chegavam a ser 5,2.
Laura Crespo tomou antidepressivos durante mais de seis meses. Seu mdico de
cabeceira os receitou quando sua me foi diagnosticada com cncer. Naquele momento,
a medicao me ajudou. Eu no levantava cabea, estava muito triste e precisava me
recompor rpido para poder assumir o tratamento com ela; para poder acompanh-la e
ampar-la, conta. No fez outra terapia. A verdade que preferia o tratamento com
frmacos, admite. Carlos R. foi ao posto de sade porque estava triste e desinteressado.
Estava deprimido, resume. Receitaram-me antidepressivos, mas depois, por minha
conta, decidi ir ao psiclogo. Acredito que isso foi o que mais me ajudou, embora eu tenha
combinado ambas as coisas at que deixei progressivamente a medicao, conta. No seu
caso, foram problemas trabalhistas e familiares que lhe provocaram o sofrimento.
Continuo indo ao psiclogo, embora tenhamos espaado as consultas, diz.
Experincias europeias diversas
Mais de 4.000 europeus que tomam ou tomaram antidepressivos contaram seu caso na pesquisa lanada
pelo El Pas e outros cinco veculos europeus The Guardian, Le Monde, La Stampa,Gazeta
Wyborcza e Sddeutsche Zeitung. A maioria acredita que os remdios foram teis; outros consideram
que no teriam servido de nada sem terapias adicionais. Tambm h experincias negativas. Dois
exemplos:
Bob tomou um frmaco desse tipo durante trs anos. Deixou de faz-lo pelo efeito deles sobre seu
cotidiano. No princpio me senti melhor, mas em longo prazo me tornei uma pessoa que no tinha
emoes nem sentimentos, conta ele por meio do questionrio on-line.
Megan conta como os frmacos no lhe devolveram a felicidade. Mas me tiraram da escurido e me
permitiram ver meu problema em perspectiva, diz. No caso dela, o problema era causado pela
enfermidade da sua me e por suas dificuldades profissionais.
Embora em alguns casos eles possam ajudar a superar uma situao pontual, os
frmacos no vo solucionar as depresses ou os problemas cuja origem seja social ou
psicolgica. So frmacos, alm disso, que, embora muito aperfeioados, tm efeitos
adversos, e seu tratamento no pode ser descontinuado de qualquer jeito, esclarece Mur.
Esse especialista, que tambm gestor de um instituto psiquitrico do Legans (Madri),
assegura que so cada vez mais os mdicos de pronto-socorro que encaminham
pacientes para os servios de sade mental embora a grande maioria j tenha o
tratamento farmacolgico pautado e que recomendam outras terapias capazes de ajudar
a superar o problema ou obter um maior bem estar. Esto ganhando terreno a
psicoterapia e opes como a ioga e a conscincia plena, diz.
-
27/40
Adriano, funcionrio pblico de 43 anos, recebeu do mdico a recomendao de vrios
livros, e Luca, de 17, foi encaminhada para uma especialista em sade mental do
ambulatrio. L, a psicloga me disse que visse vrios filmes, todos protagonizados por
mulheres; a ideia era que eu ganhasse referncias, conta. O psiclogo Antoni Bolinches,
que j escreveu vrios livros de autoajuda, com ttulos comoVoc e Eu Somos
Seis e Peter Pan Pode Crescer, argumenta que nas depresses leves ou moderadas os
frmacos tratam os sintomas, mas no a causa. Por isso, s vezes, quando o tratamento
acaba o problema continua l. As depresses exgenas ou reativas, ou seja, aquelas que
vm de fora, de algo que est afetando voc ou que lhe aconteceu, deveriam ser tratadas
sobretudo, ou tambm, psicologicamente. Porque se o paciente aprende a conduzir bem o
problema ele obtm o dobro de benefcio: supera-o, mas alm disso aprende, diz.
Entretanto, ele reconhece que h pessoas que preferem tomar medicao. Criamos um
modelo social no qual no estamos acostumados ao esforo e s dificuldades, por isso
recorremos farmacologia, diz.
Gema (que prefere no dar seu sobrenome) explica que durante quase um ano andou
tomando ansiolticos, primeiro, e depois antidepressivos. No meu caso se juntou tudo: o
falecimento de meu pai, problemas no trabalho e na minha relao. Falei com o mdico
porque estava pssima, e ele me receitou isso. Agora estou melhor, me sinto mais forte
para enfrentar as coisas. A verdade que se h algo para me ajudar no sei por que no
haveria de usar.
O sofrimento mal tolerado hoje e est sendo medicalizado, diz uma
especialista O psiquiatra Ortiz Lobo explica que os frmacos que tratam a depresso induzem a certos
estados psicolgicos. Eles costuma produzir um distanciamento emocional, para bem ou
para mal, em relao ao que est acontecendo. Se estou muito triste isso me convm,
mas j no vivo to intensamente. Isso, por exemplo, provoca uma perda de desejo sexual
ou um distanciamento das outras coisas, adverte.
Este especialista acredita que uma das dificuldades que os mdicos enfrentam diante dos
sintomas que poderiam ser definidos como depressivos leves ou moderados a de saber
onde est o limite entre a normalidade e a patologia. Para isso, ser preciso fazer uma
avaliao do indivduo, necessrio tempo e tambm um acompanhamento, expe. s
vezes, abrir esse buraco no fcil para nenhuma das duas partes.
Mur explica que dentro da reviso da Estratgia de Sade Mental atualmente em curso h
vrias linhas destinadas a melhorar a colaborao e a interao entre os prontos-socorros
e o atendimento especializado. Com isso, se melhorar o atendimento dessa patologia,
observa. Ele reconhece, entretanto, que o texto que ele coordena e serve de pauta para
abordar os transtornos mentais se centra sobretudo nos mais graves. A abordagem dos
sintomas leves ou moderados de depresso uma disciplina pendente, apesar de ser um
problema social crescente, diz.
-
28/40
24 sinais de que voc um vencedor (embora
ainda no saiba) Festejou a ltima promoo do colega de trabalho? Aspectos simples que definem sucesso
PATRICIA PEYR JIMNEZ
Mesmo em pocas de alegre chegada do tempo bom, paradoxalmente vivemos dias
de crise nos quais lamentamos nossa situao. Seja isso uma astenia primaveril ou
desnimo, nessas situaes nos tornamos chores e tendemos a filosofar sobre
nossa vida, no precisamente em tom jovial. Os especialistas em psicologia positiva
observam como muitas vezes nos queixamos por vcio e sem que exista um motivo
verdadeiro.
Em algumas ocasies tambm protestamos at quando as coisas esto indo bem.
Embora o sucesso seja medido por cada um de ns, o importante o prazer que
sentimos em cada momento, saber identificar e expressar os prprios talentos,
sentir qual o propsito de nossa vida e dispor de relaes construtivas com as
quais compartilh-la, explicam com base nessa orientao.
Como disse Napoleo Bonaparte, o sucesso no est em vencer, mas em no
desanimar nunca. O governante francs punha nfase na persistncia e em manter
o esforo, apesar das dificuldades. a mesma opinio de Dafne Catalua, psicloga
e coach do Instituto Europeu de Psicologia Positiva, que esclarece que no existe
uma definio universal do sucesso, mas isso depende do que nos rodeia: da
cultura, do entorno e da prpria forma de ser. Especificamente, o triunfo
definido por cada um de ns, levando em conta aspiraes, metas, sonhos e valores.
Algumas pessoas tm como objetivo a glria de se sentir plenas com sua vida,
-
29/40
outras em conseguir ser pai, algumas em encontrar uma profisso que as preencha
e muitas outras em ter amigos ou companheiros com os quais se sintam com a
liberdade de serem elas mesmas, observa a especialista.
A felicidade tambm tem uma definio subjetiva, mas existem alguns indicadores
de que as coisas vo bem, at mesmo melhor do que poderamos pensar. A coach e
escritora norte-americana Shannon Kaiser, especialista em conseguir a conexo de
seus clientes com o prprio eu para que possam viver seu verdadeiro objetivo
vital, descreve, entre os sinais de sucesso, alguns dos estados cotidianos de nossa
realidade nos quais nem sequer reparamos, mas que se relacionam com aquilo que,
segundo a psicologia positiva, facilita a sensao de plenitude.
Sucesso e felicidade material?
Madonna no parece ser a nica material girl. Na realidade, todos tendemos a
medir o quanto estamos bem em funo de nosso poder aquisitivo, sendo esse um
fenmeno global prprio da sociedade de consumo: vivemos para consumir e
ansiamos pela acumulao material, por ser a que nos d o status e a segurana.
Mas no somos mais felizes do que nossos antepassados que viveram uma carestia
real. Por que isso acontece? A psicologia explica isso pelo princpio da habituao,
que aplicado a este caso significa o seguinte: Por mais que eu goste de algo, quanto
mais eu o tiver, menos me impressiona. Ou, o que d no mesmo: ns nos
acostumamos a t-lo, ento, com o tempo, nos parece normal, por isso deixamos de
apreci-lo como no comeo. Pode ser que isso acontea pelo fato de a novidade nos
causar excitao e sempre procurarmos conseguir o que no temos.
SOBRE A EXIGNCIA PRPRIA E ALHEIA
1. Deixou de culpar-se por essa viagem frustrada h semanas. Haver mais opes...
2. Cada vez controla melhor sua ira e faz menos dramas
3. Deixar de ser mileurista (com renda mensal por volta de mil euros, o equivalente
a 3 mil reais) seria bom, mas no sua prioridade
4. Aceita os defeitos de seus pais com naturalidade
5. Quando se deparou com sua ex h meses e a encontrou feliz, se alegrou (e no foi
encenao)
-
30/40
Com essas atitudes conseguiu relaxar o nvel de exigncia, permitindo que a magia
triunfe no que se refere a no se sentir culpado por no conseguir certos objetivos,
alm de liberar de culpa os demais.
SOBRE O AMOR PRPRIO
6. Voc no est gordinho: s um amante dos prazeres da vida, algum que adora
comer
7. Vista-se como quiser, sem se importar com o que digam
8. Festejou a ltima promoo de seu colega de trabalho
9. Quando elogiam a sua inteligncia, no enrubesce. Sim, verdade!
Quando a necessidade de aprovao diminui, a insegurana se transforma em
autoestima e a pessoa fica satisfeita com o que , independentemente das
conquistas e da opinio dos demais.
SOBRE O ENTORNO
10. Pediu ajuda naquela vez em que precisou
11. capaz de se colocar no lugar do outro
12. Quando chega o domingo, tem a quem telefonar para tomar um caf
Comunicar as necessidades pessoais com empatia incrementa as possibilidades de
criar e manter relaes satisfatrias. Perder o medo de pedir ajuda favorece as
relaes satisfatrias. Tan Bem Shahar, professor da Universidade Harvard,
descreve os perfeccionistas como pessoas que no tm finalidade, j que sempre
se propem metas cada vez mais altas e objetivos mais difceis. Em seu livro Seja
Mais Feliz, Shahar observa como, no entanto, quando conseguem suas metas no
sentem a satisfao nem a felicidade que esperavam, j que essa expectativa
idealizada se esmigalha e o equilbrio entre o esforo e o desfrute se torna negativo
ao ter o esforo um peso desproporcional. Concluso: menos ambio e mais
amigos.
-
31/40
SOBRE A ACEITAO
13. Quando chega a sua casa, suspira: Ufa, enfim em casa.
14. Decorou a sala de um modo que voc gosta
15. No acontece todos os dias, mas, s vezes, fica surpreso com a prpria beleza no
reflexo do espelho
16. Sabe com fundamento que um bom trabalhador
Claro, no s de amigos vive o homem. Assim, necessrio que em seu canto de
casa e do trabalho impere uma certa ordem. Isso no se traduz em habitar uma
manso de sonhos ou ser o funcionrio mais brilhante da empresa, mas em, como
proclamava o empresrio Henry Ford, desfrutar do que se obtm como a chave do
sucesso. Pense em sua ltima conquista no trabalho, e festeje.
SOBRE A REBELIO
17. Reconhece as ms pessoas e as expulsa de sua vida
18. No se lamenta pelos males do fumo: simplesmente, deixou o cigarro
19. Recorda perfeitamente da ltima vez que disse no
A aceitao s positiva se for acompanhada de assertividade, uma palavra que
agora todos os especialistas em psicologia usam para definir o ponto exato em que
somos capazes de nos fazer respeitar sem recorrer agressividade
SOBRE OS SONHOS COMPATVEIS COM O TALENTO
20. Ao falhar naquele exame, estudou mais para o prximo
21. Tem metas para cumprir
No se acovardar ante a adversidade uma grande conquista. Em geral, isso significa
conhecer aquilo em que bom e, alm disso, o faz se sentir bem: Conhecer nossos
pontos fortes tem um impacto positivo no bem-estar, explica a diretora do Instituto
Europeu de Psicologia Positiva. J detectou os seus pontos fortes e estabelece os seus
objetivos de acordo com eles? Ento, voc uma pessoa de sucesso.
-
32/40
SOBRE O AMOR
22. Pode enumerar, pelo menos, cinco pessoas que o amam
23. Diz-lhes te amo com frequncia
24. Em todas as ocasies, essa declarao verdadeira
A capacidade de amar e ser amado uma das 24 foras pessoais descritas pelos
psiclogos Seligman e Peterson. Sentir-nos queridos significa tambm nos
sentirmos seguros. Como tambm dizia o psiclogo Bowbly em seus estudos das
relaes do apego na infncia, quando criamos um apego seguro com as pessoas
que se encarregaram de nosso cuidado na infncia, as possibilidades de desenvolver
relaes afetivas e saudveis so muito maiores.
Esclarecidos os termos de felicidade e vitria, hora de passar para o teste infalvel.
Porque, sim, h uma srie de sinais que s vezes ignoramos, e que dizem que voc
uma pessoa bem-sucedida. Se voc se reconhece neles, diga adeus melancolia e d
as boas-vindas a um grande vencedor.
A vida mais que uma lista de tarefas Vivemos submersos na sociedade de rendimento e hiperatividade. Resultado? Ansiedade.
GABRIEL GARCA DE ORO
ANNA PARINI
-
33/40
Vamos comear com um conto de fadas. O da Cinderela. Mas no nos importa tanto o
sapato de cristal, nem a abbora que se transforma em carruagem, nem o prncipe azul.
Vamos prestar a ateno na quantidade de tarefas que Cinderela deve fazer antes ir ao baile.
Esfregar, limpar, passar roupa, organizar, cozinhar e, de novo, esfregar, limpar, organizar...
Logicamente, quando chega a hora de ir ao baile, que o que ela realmente quer e o que vai
mudar sua vida, est to cansada que precisa da ajuda mgica da Fada Madrinha para
conseguir. Sem isso, Cinderela teria ficado em casa, cansada e pensando com ansiedade em
tudo que ainda precisa fazer e em tudo aquilo que no ter tempo de terminar.
Pois bem, ns no somos muito diferentes dela. Antes de poder ir aos nossos bailes, quer
dizer, fazer aquilo que realmente queremos, que nos motiva e quem sabe at pode mudar
nossas vidas, estamos submersos em uma quantidade infinita de tarefas: a casa
perfeitamente organizada, a mquina de lavar trabalhando, a criana matriculada em quatro
atividades extracurriculares; preciso ser, claro, muito produtivo em nossos empregos,
amantes excelentes e criativos com uma vida social rica, ativa e variada... e ter o Facebook
atualizado. Ah, e seria bom comer cinco frutas por dia e correr 10 quilmetros e no ter
olheiras e,... fazer, fazer e fazer. No final de nosso conto de fadas, o que acontece que o
baile sempre fica relegado para o dia seguinte, quando isso acabar.... E assim passam os
dias.
Primeiro, o primeiro
Stephen Covey
No mnimo, Cinderela tem uma ou duas desculpas. As malvadas meias-irms a obrigam e
maltratam. Uma fora externa a pressiona, submete e explora. Mas hoje ns mesmos somos
as meias-irms. Byung-Chul Han, em seu famoso livro La sociedad del cansancio (A
Sociedade do Cansao), adverte que vivemos em uma sociedade de academias, torres de
escritrios, bancos, avies e laboratrios genticos. Quer dizer, na sociedade do alto
rendimento, do multitasking(multitarefa). E uma das caractersticas desta sociedade que o
indivduo se autoexplora com o libi da obrigao. As meias-irms esto dentro de ns,
dizendo tudo aquilo que devemos fazer em uma contnua e excntrica corrida em espiral.
Porque hoje o nico pecado no fazer nada. At os momentos de cio ou os perodos de
frias se transformaram em uma conjuno inesgotvel de tarefas que nos deixam mais
cansados do que quando comeamos.
Alm disso, como afirma o filsofo sul-coreano, ao no ter um explorador externo que
possamos enfrentar com um forte no!, a luta termina sendo ainda mais complicada. No
entanto, tambm verdade que basta querer para vencer as duas meias-irms que nos
tiranizam e desatar a magia da Fada Madrinha que temos dentro de ns.
-
34/40
Para se conectar
ANNA PARINI
Livros
La sociedad del cansancio (A Sociedade do Cansao)
Byung-Chul Han (Herder Editorial)
O filsofo reflete sobre como o excesso de positividade est nos levando a uma sociedade do cansao, que produz
pessoas esgotadas, fracassadas e depressivas. Tambm apresenta as chaves para combater isso.
Contos de Fadas Edio Comentada
Maria Tatar (Zahar)
Podemos repassar aqueles contos com os quais crescemos e que, agora, podem nos ajudar a continuar crescendo.
Manual de limpieza de un monje budista (Manual de Limpeza de um Monge Budista)
Keisuke Matsumoto (Duomo Ediciones)
Podemos transformar as tarefas do lar em um exerccio espiritual.
Devemos admitir ento que estamos rodeados pelo af de produtividade, que todos
acabamos seduzidos por esses insuportveisapps que nos alertam de tudo aquilo que ainda
devemos fazer. Ou pelas cadernetas preparadas para fazermos listas de tarefas. Ou por
livros que nos explicam como fazer tudo, como chegar a todas as partes e que o tempo
renda mais. Mas chega o momento de abandonar essa loucura, porque no fundo, e
paradoxalmente, no h nada menos produtivo do que o af de produtividade. Byung-Chul
Han assegura que o multitasking pode nos levar a um estado de ateno superficial e
-
35/40
devemos levar em conta que as conquistas da humanidade aconteceram por causa da
ateno profunda e contemplativa. Assim, tambm nossas conquistas dependem de saber
colocar o foco e a ateno nas coisas importantes, nos bailes que valem a pena. E para isso
vamos atacar o inimigo com as suas prprias armas e criar uma lista, s que inteligente, que
sirva para ns e no que acabemos servindo a ela. Como?
O baile, em primeiro lugar. preciso virar a lista de cabea para baixo. No deixar o baile
para quando acabar de fazer tudo isso. Ocupar-se primeiro do fundamental, de ns
mesmos. Comear o dia dedicando-se quilo que sabemos que nos far bem. Vamos
imaginar que algum precisa escrever um artigo e, antes de comear, no entanto, l os e-
mails pendentes, entra nas redes sociais e responde umas mensagens de Whatsapps.
Resultado? Cansao antes de comear. Cinderela pode ir ao baile e deixar essas outras
coisas que exigem menos brilhantismo para depois.
Bem, e o que fazemos com todo o resto? Porque est claro que h coisas que simplesmente
no podemos deixar de lado. Como fazer, ento? Dividir o registro de tarefas em trs
grandes grupos pode ajudar.
Coisas que devemos realizar. Fazer o que precisamos fazer. Depois de ir ao baile, no
devemos deixar que essas outras coisas, que voltaro a aparecer cedo ou tarde, fiquem
dando voltas por nossa cabea. Por exemplo, uma ligao incmoda que vamos
postergando. So trs minutos! Mas se continuamos postergando, em lugar de 180
segundos, chegar a durar seis meses na nossa cabea.
Coisas que devemos organizar. No preciso carregar tudo. Podemos delegar, pedir
ajuda, dividir tarefas, conseguir que certas coisas aconteam sem cair sobre ns.
Coisas que no devemos fazer. Com certeza, nesta lista h muitos elementos que
realmente no so necessrios. Que podem ser eliminados diretamente e, desta maneira,
liberar espao. Cada um deve decidir quais so. Mas importante perceber que n