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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIENCIAS SOCIAIS APLICADAS DEPARTAMENTO DE PÓS-GRADUÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL KATIANE PEREIRA SOARES DESNUDANDO AS CONDIÇÕES PARA MATERIALIZAÇÃO DA REFORMA PSQUIÁTRICA EM NATAL/RN: para além da implantação dos serviços substitutivos em saúde mental NATAL/RN 2009

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIENCIAS SOCIAIS APLICADAS

DEPARTAMENTO DE PÓS-GRADUÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL

KATIANE PEREIRA SOARES

DESNUDANDO AS CONDIÇÕES PARA MATERIALIZAÇÃO DA REFORMA PSQUIÁTRICA EM NATAL/RN: para além da implantação dos serviços substitutivos

em saúde mental

NATAL/RN

2009

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KATIANE PEREIRA SOARES

DESNUDANDO AS CONDIÇÕES PARA MATERIALIZAÇÃO DA REFORMA PSQUIÁTRICA EM NATAL/RN: para além da implantação dos serviços substitutivos

em saúde mental

NATAL/RN

2009

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KATIANE PEREIRA SOARES

DESNUDANDO AS CONDIÇÕES PARA MATERIALIZAÇÃO DA REFORMA PSQUIÁTRICA EM NATAL/RN: para além da implantação dos serviços substitutivos

em saúde mental

Dissertação elaborada sob orientação da Profª.Dra. Eliana Costa Guerra apresentada ao

programa de Pós-graduação em Serviço Social da

Universidade Federal do Rio Grande do Norte,

como requisito parcial à obtenção do título de

Mestre em Serviço Social

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Dedico a:

Meus avós maternos. Minha amada avó, por ser responsável pelas minhas mais preciosas lembranças. Ao meu avô por ensinar-me a grandeza da resistência e

superação, mesmo em face das situações as mais adversas.

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AGRADECIMENTOS

Não podia ser diferente! Agradeço inicialmente a meu carinhoso “talento branco”

(Jucian Lima) pela incansável companhia e compreensão em meus momentos de

silêncio e ausências durante o processo de construção exaustiva dessa dissertação.

Pelas risadas... Pelo afeto... Pelo desejo... Por sua segura crença em acreditar que tudo

sempre melhora... Por me ensinar a sonhar... Por amar...

Ao CAPS II- Leste e todos os sujeitos que lhe dão vida. Aos profissionais pela

disponibilidade e contribuições a minha formação profissional. Aos usuários e familiares

por permitirem dividir um pouco de suas histórias. As professoras Rita de Cássia,

Silvana Mara... Essenciais para maturação de meu processo de formação enquanto

pesquisadora. Acompanharam de muito perto as nossas primeiras inquietações,

quando ainda não havia se quer um texto construído.

Ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social, em especial a pessoa de

“Lucinha”, que nos acalma quando inquietos com sua voz mansa...

A geógrafa Neuma, ao bibliotecário Silvestre. A minha amiga Upa pela vitalidade

e por me ensinar a acreditar no rio da vida... Ao meu amigo Erinaldo, pelo requinte de

seu trabalho.

Em especial a minha orientadora Eliana Guerra por todo apoio incondicional em

todos os momentos que passamos nesse tortuoso processo de pesquisa e de vida,

pois, como sabemos essa não para... Por compreender minha vida de

”mestranda/trabalhadora”. Durante grande parte de todo esse tempo participou em

minha vida para além dos âmbitos acadêmicos. Ocupando a posição muitas vezes, de

amiga, mãe, terapeuta... Eternamente grata por tudo... Não só escrevo, analiso melhor

hoje, como também posso afirmar que sou uma pessoa melhor, depois desses anos de

convivência... Registro aqui também meus pedidos de desculpas pelas agonias...

Desejo que nossos laços perdurem por toda nossa existência.

A prática do surf e ao mar pelo efeito terapêutico que gera em mim...

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RESUMO

Esta pesquisa objetivou analisar a concretização da reforma psiquiátrica em natal,

partindo de um dos serviços substitutivos que compõe a rede psicossocial deste

município. A política de saúde mental tem passado por mudanças paradigmáticas,

definindo como objetivo maior o processo de desistitucionalização. Redirecionando sua

ação para os serviços substitutivos e não, mas o hospital psiquiátrico tradicional. Nesse

cenário os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) se mostram estratégicos para

materialização dos objetivos pretendidos pela reforma psiquiátrica. O estudo transcorre

dentro da perspectiva materialista dialética. A presente pesquisa teve como lócus de

investigação empírica o primeiro Centros de Atenção Psicossocial implantado em

Natal/RN. A escolha por um serviço extra-hospitalar vai ao encontro de uma postura

defendida pelo movimento de Reforma Psiquiátrica. Considerando o CAPS um serviço

substitutivo estratégico em saúde mental para a efetivação da Reforma Psiquiátrica,

neste sentido objetivamos apreender as contradições que marcam o processo de

concretização da Reforma Psiquiátrica através da vivência dos usuários e de suas

famílias, no interior de uma unidade integrante do novo modelo de atenção em saúde

mental. Partimos do pressuposto de que os usuários e seus familiares são sujeitos-

chave no processo de reforma psiquiátrica, por vivenciarem em seu cotidiano as

mudanças concretas realizadas, que acenam para um processo de re-inserção social,

mas também, contraditoriamente, os limites e entraves desse processo.

Palavras-Chaves: Reforma psiquiátrica, serviços substitutivos, desistitucionalização,

sociabilidade capitalista.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Organograma da rede de atenção psicossocial

Mapa 1- Rede de atenção psicossocial do município de natal/rn Mapa 2- Distribuição dos usuários por tipo de modalidade de atendimento Mapa 3- Dispositivos psicossociais localizados na zona leste Planta Baixa do Pavimento Térreo do CAPS II- Leste Planta Baixa do Pavimento Superior do CAPS II- Leste

LISTA DE TABELAS

Tabela 1- Ranking UF População Nº hospitais Leitos SUS % leitos SUS Leitos por 1000

hab. Leitos/1000 hab

Tabela 2- Número de Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) por tipo e UF e

Indicador CAPS/100.000 habitantes

LISTA DE QUADROS

Quadro 1- quantidade geral de usuários por tipo de atendimento e sexo

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 01 – Usuários em atendimento intensivo- Por regiões administrativas de Natal

Gráfico 02 – Usuários em atendimento intensivo- Por ano de entrada

Gráfico 03 – Usuários em atendimento intensivo - Por idade

Gráfico 04 – Usuários em atendimento semi-intensivo - Por regiões administrativas de Natal

Gráfico 05 – Usuários em atendimento semi-intensivo - Por ano de entrada

Gráfico 06 – Usuários em atendimento semi-intensivo – Por faixa etária

Gráfico 07 – Usuários em atendimento – não-intensivo (ambulatorial)- Por regiões

administrativas de Natal

Gráfico 08 – Usuários em atendimento não-intensivo (ambulatorial)- Por ano de entrada

Gráfico 09 – Usuários em atendimento não-intensivo (ambulatorial)- Por faixa etária

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Gráfico 10 – Usuários em atendimento visita domiciliar- Por Gênero

Gráfico 11 – Usuários em atendimento visita domiciliar- Por ano de entrada

Gráfico 12 – Usuários em atendimento visita domiciliar- Por idade

LISTA DE SIGLAS

- Ações Integradas de Saúde – AIS

- SUDS – Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde

- Sistema Único de Saúde - SUS

- Centro de Atenção Psicossocial – CAPS

- Núcleo de Atenção Psicossocial – NAPS

- Serviço de Residência Terapêutica – SRT

- Serviço Nacional de Doenças Mentais – SNDM

- Divisão Nacional de Saúde Mental – DINSAM

- Organização Mundial de Saúde – OMS

- Plano de pronta Ação – PPA

- Plano Integrado de Saúde Mental – PISAM

- Programa de Interiorização das Ações da Saúde e Saneamento - PIASS

- Sistema Único de Assistência Social – SUAS

- Secretaria Municipal de Saúde – SMS

- Unida Básica de Saúde –UBS

- Movimento de Luta Antimanicomial – MLAM

- Conselho Regional de Medicina – CREMERN

- Secretaria Estadual de Saúde – SESAP

-Sindicato dos Trabalhadores em Saúde do Rio Grande do Norte – SINDSAÚDE

- Institutos de Aposentadorias e Pensões¬¬ – IAPs

- Caixas de Aposentadorias e Pensões¬¬ – CAPs

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- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE

- Instituto Nacional de Previdência Social - INPS

- Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN

- Escola Nacional de Saúde Pública - ENSP

- Fundação Oswaldo Cruz – Fiocruz

- Hospital Doutor João Machado – HJM

-Região Metropolitana de Natal – RMN

- Programa Saúde da Família – PSF

- Partido Verde – PV

- Partido Democrata – DEM

- Partido do Movimento Democrático Brasileiro ¬- PMDB

- Partido Socialista Brasileiro - PSB

- Partido da Frente Liberal Brasileiro - PFL

- Partido Verde – PV

- Termo de Ajustamento de Conduta – TAC

- Casa de Saúde Professor Severino Lopes– CSPSL

- Classificação Internacional de Doenças - CID

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11

INTRODUÇÃO----------------------------------------- 11-23

CAPÍTULO 1- A CONSTRUÇÃO DE BASES PARADIGMÁTICAS NO CAMPO

DA SAÚDE MENTAL-------------------------------------------------------------------- 24-48

1.1. DA LOUCURA AO SOFRIMENTO PSÍQUICO: A PSIQUIATRIA COMO

CONSTRUÇÃO SOCIAL ---------------- 25

1.2. INSTITUCIONALIZAÇÃO X DESINSTITUCIONALIZAÇÃO:

CONFRONTANDO PARADIGMAS E PRÁTICAS SOCIAIS ----------------- 31

CAPÍTULO 2- POLÍTICAS DE SAÚDE MENTAL: TRANSITANDO PELA

CONSTRUÇÃO DA REFORMA PSIQUIATRICA DO ÂMBITO NACIONAL AO

MUNICIPAL ------------- 49-104

2.1. A AÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO NA ÁREA DE SAÚDE MENTAL: DAS

PRIMEIRAS INICIATIVAS DE CONTROLE À CONCEPÇÃO DE UM NOVO

MODELO DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL-------- 49

2.2. A REFORMA PSIQUIÁTRICA NO BRASIL: EXPRESSÕES DO

MOVIMENTO SANITARISTA NA SAÚDE MENTAL----------- 56

2.3. A REFORMA PSIQUIÁTRICA EM NATAL E O LUGAR DOS CAPS-------------

- 70

2.4. OS CAPS E A REDE DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL: LIMITES E

CONTRADIÇÕES NA CONSTITUIÇÃO DE UMA REDE DE ATENÇÃO

PSICOSSOCIAL-------------- 95

3. O CAPS II- LESTE EM BUSCA DA MATERIALIZAÇÃO DA REFORMA

PSIQUIÁTRICA EM NATAL/RN --------- 105-173

3.1. MATERIALIZAÇÃO DA REFORMA PSIQUIÁTRICA EM NATAL:

CONTRADIÇÕES E LIMITES NA AÇÃO DO CENTRO DE ATENÇÃO

PSICOSSOCIAL (CAPS) DR. ANDRÉ LUÍS COELHO DE MELO DE LIMA-

CAPS II – LESTE -------------105

3.1.1. CAPS II- LESTE: IMPASSES E LIMITES NA CONCRETIZAÇÃO DE UMA

POLÍTICA DE “BASE TERRITORIAL”---------- 108

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12

3.1.2. CAPS II- LESTE: EQUIPE DE TRABALHO E SISTEMÁTICA DE

ATIVIDADES -------------132

3.1.3. O PROCESSO DE ATENDIMENTO: UM LEQUE IMPORTANTE DE

ATIVIDADES, MAS CONDIÇÕES EFETIVAS NEM SEMPRE PLAUSÍVEIS... -----

----------145

3.2. O COTIDIANO NO CAPS II- LESTE EM SEUS DIFERENTES ESPAÇOS

TERAPÊUTICOS -------------151

3.2.1. OS SUJEITOS DA REFORMA PSIQUIÁTRICA EM CENA: USUÁRIOS,

FAMILIARES, TÉCNICOS... --------------------156

3.2.2. AS RELAÇÕES E VIDA SOCIAL: COMO TECER A TEIA DE LAÇOS

SOCIAIS A DESPEITO DAS DIFERENÇAS? ----------------- 160

3.2.3. RELAÇÃO CONTRADITÓRIA DE DEFESA DA AUTONOMIA E DE

ESTABELECIMENTO DE FORMAS DE CONTROLE ---------------169

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13

INTRODUÇÃO

Nosso interesse pela temática saúde mental não é recente. Com efeito, ainda

estudante da graduação, nos inquietávamos com relação à situação dos chamados

“loucos” e, em particular, com a condição daqueles que se encontravam nos hospitais e

hospícios, cuja existência social parecia negada ou camuflada, escondida por trás dos

muros de instituições que mais contribuíam para esta apartação do que para uma vida

social mais rica destas pessoas. Assim, escolhemos fazer nosso estágio curricular no

Hospital Casa de Saúde Professor Severino Lopes (CSPSL) e a partir desta experiência

redigimos nossa monografia para conclusão do Curso de Serviço Social na UFRN, em

2004.1.

Este contato direto com a realidade das pessoas em sofrimento psíquico nos

instigou a conhecer melhor esta área de pesquisa e atuação profissional. Assim, ao nos

prepararmos para a seleção do mestrado em serviço social na UFRN, apresentamos

como objeto de pesquisa o estudo da reforma psiquiátrica em Natal-RN, movidos pela

idéia de que uma nova forma de tratamento em saúde mental estava sendo implantada

e merecia um olhar atento de pesquisador. Indagava-me sobre a atuação do assistente

social neste novo campo.

O processo de realização do mestrado possibilitou-nos ampliar os horizontes

teórico-metodológicos e escolher uma perspectiva de análise para guiar-nos na

aventura da pesquisa. A partir do amadurecimento teórico e pela nova apreensão da

realidade que construímos ao longo do mestrado, entendemos que nossa pesquisa

ganha relevância ao ser situada no contexto atual da sociabilidade capitalista, marcada

pela super-exploração do trabalho, por precárias condições de vida, por tipos diversos

de violência e de violação de direitos propiciadoras e/ou desencadeadoras de

processos de adoecimento, em particular, de diferentes formas de sofrimento psíquico

(LOBOSQUE, 2003).

Nesta sociedade, ao organizar condições materiais de produção e reprodução,

criam-se simultaneamente misérias e riquezas, produzindo também diversificados

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adoecimentos, dentre eles problemas que afetam a saúde mental, que agravam ou

desencadeiam adoecimentos de diversos tipos, em particular, psicossociais.

Considerando os tempos contemporâneos, os últimos 30, 35 anos, as

mudanças operadas no mundo da produção, como forma do capital enfrentar mais uma

de suas crises, caracterizando o que se designa por reestruturação produtiva, têm

afetado as diversas dimensões da vida social: temos um aprofundamento das

desigualdades, entre países e no interior destes, o crescente desemprego, a

informalidade integrando a lógica da acumulação, a perda e/ou redução de direitos

além de um apelo excessivo ao consumo. O individualismo marcando as relações, as

mais variadas formas de violência, aparecendo muitas vezes de forma naturalizada, a

descartabilidade, a “flexibilidade” adentrando nas vidas de sujeitos particulares e nas

suas maneiras de se relacionar. Estas são algumas das marcas do nosso tempo.

No caso brasileiro, tais mudanças na forma de operar preconizadas e impostas

pelo capital ganham maior dimensão a partir dos anos 1990, quando a economia

brasileira busca se reestruturar para inserir-se de modo mais efetivo no processo em

curso de mundialização da economia com dominância financeira, sobretudo, a partir

dos anos 1970. Vivíamos ainda processos sociais singulares decorrentes das lutas que

puseram fim ao regime militar e empenharam-se na reconstrução do Estado de Direito,

com uma perspectiva de ampliação dos direitos sociais e de maior participação social

pactuada na constituição federal de 1988 e nas leis dela decorrentes. Ainda que

reconheçamos os limites da democracia burguesa, no Brasil, pós-constituição de 1988,

alimentou-se a esperança de efetivação ampla de políticas sociais públicas e de caráter

universal no campo da saúde, da educação, da assistência social. Esta esperança

urdida nas lutas sociais apontava para perspectivas de reformas nestes variados

campos de atuação do Estado, visto então, como Estado ampliado. No decorrer dos

anos 1990, as chamadas contra-reformas do Estado (BEHRING, 2003), vão

progressivamente derruir conquistas históricas, reduzindo a ação do Estado em

especial no campo das políticas sociais.

É neste contexto contraditório no qual se move o Estado brasileiro e se

materializam relações sociais de produção, que se inscrevem tanto a luta pela reforma

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sanitária e, dentro desta, pela reforma psiquiátrica, como as tentativas de

materialização de algumas conquistas do campo popular. Neste sentido, nosso

processo de investigação ganha dimensão e revela interesse ao buscar pôr em

evidencia os determinantes da reforma e da contra-reforma no âmbito da política de

saúde mental, evidenciando impasses e conquistas, limites e possibilidades em um

chão social fértil e favorável aos processos de adoecimento psicossociais. Neste

contexto, lutar por outra sociabilidade, por uma sociedade justa, por relações sociais

que ponham no seu centro o homem e não a mercadoria pode parecer utópico, mas

indispensável!

Compartilhamos com Iamamoto (2007) ao afirmar que:

A desigualdade entre o desenvolvimento econômico e o desenvolvimento social, entre a expansão das forças produtivas e as relações sociais na formação capitalista revela-se como reprodução ampliada da riqueza e das desigualdades sociais, fazendo crescer a pobreza relativa à concentração e centralização do capital, alijando segmentos majoritários da sociedade do usufruto das conquistas do trabalho social (p.129).

Situamos nossa pesquisa na particularidade de uma cidade – Natal – capital de

um dos estados do Nordeste do Brasil, caracterizada, por um lado, pela exuberância de

suas belezas naturais e, por outro, pela desigualdade marcante entre as camadas da

elite local e as classes trabalhadoras, que compõem o universo heterogêneo da

pobreza por vezes, invisível aos olhos dos visitantes e observadores desatentos.

Ao iniciar a seleção do material bibliográfico para a pesquisa, nos deparamos

com a necessidade de ampliar o acervo para leitura e análise, pois, percebemos o

quanto precisávamos aprofundar o referencial teórico. Na medida em que nos

aproximamos progressivamente do tema específico “saúde mental” tornava-se mais

evidente a necessidade de aprofundar também áreas afins e de caráter mais geral,

objetivando coletar/obter informações necessárias para realizarmos as mediações

precisas para responder ao questionamento inicial de nossa pesquisa: Como a reforma

psiquiátrica está se concretizando, em Natal/RN e quais as contradições que marcam o

processo da reforma nesta capital? Durante todo o percurso da pesquisa nos

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questionávamos: O discurso propalado pelo Ministério da Saúde e sua atual política de

saúde mental tem trazido mudanças significativas para o setor? Em caso afirmativo,

estas são de que ordem? Quais os sujeitos envolvidos nesses processos de mudanças

paradigmáticas no cenário da saúde mental?

Antes mesmo da qualificação do projeto de pesquisa, a entrada no campo de

investigação já havia sido iniciada, devido à necessidade de aproximação com relação

à realidade dos serviços substitutivo1 em Natal, espaços essenciais para a

concretização da reforma psiquiátrica.

Ao chegar ao campo de pesquisa, constatamos a falta de registro da própria

história do serviço: como foi implantado, que objetivos orientam a atuação de sua

equipe etc. Essa situação nos forçou a fazer um verdadeiro resgate de documentos

existentes no serviço, os quais a própria coordenação não sabia ao certo se existiam e

do que tratavam. Em uma tarde procedemos à arrumação dos armários do CAPS e

ocasião em que foram encontrados três documentos relevantes tratando das diferentes

fases do serviço. Com esses relatórios em mãos tecemos um breve histórico do serviço,

como intuito de aprofundar o conhecimento sobre a história desse CAPS.

Durante cinco meses, passamos, então, a freqüentar de modo sistemático o

serviço três vezes por semana e, em algumas ocasiões, um número maior. Nessas idas

ao serviço concentramos esforços no rico processo da observação participante2, na

tentativa de conhecer todo seu funcionamento, participando dos diversos espaços e

atividades propostos aos usuários e a seus familiares. Decorrida a fase inicial da

1 A expressão serviços substitutivos refere-se ao conjunto de serviços implantado a partir da lei 10.216

(06/04/2001) que: “dispões sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental”, inscreve-se nos marcos do processo de descentralização, através do qual os municípios passam, também na saúde mental, assumir responsabilidades no provimento de serviços. Estes novos serviços visam possibilitar outras formas de acompanhamento às pessoas em sofrimento psíquico evitando, deste modo, o recurso a internações, e a soluções manicomiais. 2 Processo pela qual se mantém a presença do observador numa situação social, com a finalidade de realizar uma investigação científica. O observador está em relação face a face com os observados e, ao participar da vida deles, no seu cenário cultural, colhe dados. Assim o observador é parte do contexto sob observação, ao mesmo tempo é modificado por este contexto (SCHWARTZ, apud MINAYO, 1996, p.135).

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17

observação (não que esta tenha sido conclusiva), freqüentamos, então, o CAPS com

visitas mais esparsas e direcionadas. Elaboramos roteiros/guias para utilizarmos em

nossas entrevistas. Estas foram realizadas entre os dias 10 de março e 10 de abril de

2009.

No processo de aproximação sucessiva com relação à realidade estudada,

confrontando leituras, questionamentos e reflexões originados a partir de nossa

presença sistemática no campo, de nossas conversas e observações, fomos compondo

um rico material de pesquisa em nosso caderno de campo, transformado em material

digitalizado. Uma vez transcritas, as entrevistas foram objeto de leitura flutuante para

identificarmos os temas recorrentes e aspectos mais relevantes nas falas de nossos

entrevistados.

O processo de elaboração da dissertação indicou a necessidade de dados

complementares que foram colhidos entre os dias 06 e 24 de julho de 2009 e

organizados em forma de quadros ( Cf. ANEXO A) e de gráficos inseridos e analisados

no capítulo 3, através dos quais podemos ter uma visão geral dos usuários do CAPS II-

Leste quanto a sexo, idade, local de residência e tipo de atendimento recebido. Tais

quadros foram produzidos a partir de consulta direta de prontuários. Em seguida,

procedemos à sistematização e análise desses quadros para dispormos de elementos

passíveis de evidenciar alguns dos limites na ação do CAPS, com relação, em

particular, ao objetivo de facilitar ou apoiar os processos de reinserção social, através

de dinâmicas territoriais e da proximidade entre realidade/local de moradia dos usuários

e local de implantação dos serviços substitutivos.

O processo de pesquisa de campo e de elaboração da dissertação foi cotejado

sistematicamente com a leitura de documentos e textos de caráter teórico e

metodológico que nos apoiaram no aprofundamento de nossa compreensão da

realidade social brasileira e, em particular, de Natal, para situarmos neste contexto

nosso objeto de estudo e podermos problematizar nosso processo de investigação.

Entendemos metodologia segundo conceito definido por Minayo (1996):

concepções teóricas de abordagem, conjunto de técnicas que possibilitam a apreensão

da realidade, integrando também o potencial criativo do pesquisador. Entendemos que

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o caminho metodológico escolhido relaciona-se intrinsecamente com a opção

ideológica assumida pelo pesquisador e conseqüentemente com sua posição política. O

uso das técnicas está, assim, subordinado à concepção de mundo de quem faz a

intervenção: é necessária uma coerência paradigmática e teleológica. Além disso,

enfatizamos que a eficácia dos instrumentais depende das condições concretas do seu

emprego.

Nesta pesquisa, abordamos nosso objeto em uma perspectiva materialista e

dialética, concepção teórica que permite trabalhar com a categoria de totalidade,

buscando apreender a realidade social em sua complexidade. Como ressalta Minayo

esta perspectiva:

Abarca não somente o sistema de relações que constrói o modo de conhecimento exterior ao sujeito, mas também as representações sociais que constituem a vivência das relações objetivas pelos atores sociais, que lhe atribuem significados (1996, p.11).

O materialismo histórico e dialético entende a realidade enquanto “totalidade”,

compreendendo o social como um todo orgânico, um complexo de complexos, no qual

devemos apreender um elemento, sem perder de vista sua relação com o todo. Esta

concepção teórica possibilita ao pesquisador a apreensão de questões específicas e

suas inter-relações. A abordagem dialética busca analisar o processo histórico em sua

dinamicidade e transformação. Essa análise introduz os princípios do conflito e da

contradição. Para tanto, tomamos o processo de produção social da própria existência,

através do qual os homens estabelecem relações determinadas, necessárias,

independentes de sua vontade; estas relações de produção correspondem a um grau

determinado de desenvolvimento das forças produtivas materiais. O conjunto dessas

relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a

qual se eleva uma superestrutura jurídica e política e à qual correspondem formas

sociais determinadas de consciência. Para Marx, base material e super estrutura estão

em relação dialética, todos os elementos interligados por determinações políticas,

ideológicas, sobretudo, econômicas. Ao desenvolver sua produção material os homens

também se transformam (MARX e ENGELS, 1999).

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19

Para teoria marxista a produção das idéias, as representações estão ligadas a

atividade material, ao intercâmbio entre os homens, a sua linguagem da vida real. O

pensar aparece como emanação direta de seu comportamento material. Os homens

produzem suas representações, mas homens ativos e reais, condicionados por um

dado desenvolvimento das forças produtivas.

Do processo de trabalho envolvendo objeto, produto e instrumental, Marx

extraiu categorias históricas como classes sociais, burguesia, proletariado e luta de

classes para explicar a sociedade. Assim, para o autor, “A historia de toda sociedade

até hoje é a história de lutas de classes” (MARX, 1988).

Dessa maneira, desejamos apreender nosso objeto de pesquisa de acordo com

a perspectiva dialética, analisando-o dentro de uma totalidade de determinações

econômica, político, ideológica, essas dimensões se interligam confrontando interesses

também diversos e contraditórios. Ao longo de nosso texto, ficam evidentes para o leitor

as marcas de lutas travadas entre diferentes classes nas quais se situam os sujeitos de

nossa investigação: usuários, técnicos, familiares.

Concordamos, assim, com Iamamoto (2007), para quem o processo de

reprodução das relações sociais não é mera repetição ou reposição do instituído; é

também criação de novas necessidades, de novas forças produtivas sociais do

trabalho, que aprofundam desigualdades e criam novas relações sociais entre os

homens, na luta pelo poder político e pela hegemonia entre diferentes classes e grupos

na sociedade. Trata-se, pois, de uma noção aberta ao vir a ser histórico, à criação do

novo. Capturar o movimento e a tensão das relações sociais entre as classes que as

constituem, as formas mistificadas que as revestem, assim como as possibilidades de

ruptura com a alienação pela ação criadora dos homens na construção da história. Esta

perspectiva de análise recusa visões unilaterais, que apreendem dimensões isoladas

da realidade, sejam elas de cunho economicista, politicista ou culturalista. Há evidente

preocupação em afirmar a óptica da totalidade na apreensão da dinâmica da vida social

e identificar como o serviço social participa no processo de produção e reprodução das

relações sociais.

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20

Esta abordagem ganha relevância quando discutimos saúde mental, na medida

em que, este campo do saber encontra-se em constante transformação e envolve

sujeitos sociais de classes distintas, apresentando contradições quanto aos interesses

envolvidos. A concepção dialética marxiana, segundo Minayo (1996) empenha-se no

combate tanto contra as tendências que exageram na supremacia da razão como

contra o irracionalismo moderno, o que significa super valorizar o pensamento

racional/razão, em detrimento das dimensões de cunho afetivas/emocionais. Fato

condizente com as discussões atuais em saúde mental que questionam o conceito de

razão burguesa marcada pela robotização do humano.

Para análise marxista, teoria e prática são faces de um mesmo processo, fato

fundamental quando se tratam de pesquisas no campo da saúde. A categoria

mediadora das relações sociais dentro desta perspectiva é o trabalho, materializado na

práxis, envolvendo atividade prática e teleológica, reflexão e ação. A abordagem

dialética considera parte da mesma totalidade o objetivo e o subjetivo, dimensões cuja

articulação dialética reveste-se da maior necessidade na área da saúde mental.

Para Marx (1974), as categorias teóricas são entendidas como expressões, na

esfera da razão, do modo de ser, determinações da existência, dadas na realidade

efetiva. Estabelece-se, pois, como quesito fundamental a indissociável articulação entre

teoria e realidade (prática social), em que o método – não se reduzindo a pautas de

procedimentos para conhecer e/ou o agir - se expressa na lógica que organiza o

processo mesmo do conhecimento. Requer que os fenômenos e processos sociais

sejam re-traduzidos na esfera do pensamento, que procura aprendê-los nas suas

múltiplas relações e determinações, isto é, em seu processo de constituição e de

transformação, pleno de contradições e mediações.

Feitas estas considerações a respeito da nossa opção metodológica,

ressaltamos que a presente pesquisa teve como lócus de investigação empírica o

Centro de Atenção Psicossocial II Leste – Natal/RN. A escolha se deu, inicialmente, por

ser este o primeiro CAPS implantado em Natal/RN, destacando-se como experiência

pioneira no município. Presumimos que este constituiu a referência para os demais

serviços que compõem a rede de atenção em saúde mental deste município. Todavia,

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cabe indagar os motivos que levaram à escolha deste território e não de outro para a

instalação da primeira unidade deste gênero. A escolha por um serviço extra-hospitalar

vai ao encontro de uma postura defendida pelo movimento de Reforma Psiquiátrica.

Considerando o CAPS um serviço substitutivo estratégico em saúde mental para a

efetivação da Reforma Psiquiátrica, neste sentido objetivamos apreender as

contradições que marcam o processo de concretização da Reforma Psiquiátrica através

da vivência dos usuários e de suas famílias, no interior de uma unidade integrante do

novo modelo de atenção em saúde mental. Partimos do pressuposto de que os

usuários e seus familiares são sujeitos-chave no processo de reforma psiquiátrica, por

vivenciarem em seu cotidiano as mudanças concretas realizadas, que acenam para um

processo de re-inserção social, mas também, contraditoriamente, os limites e entraves

desse processo.

A aproximação dialética da realidade estudada parte do ponto de vista dos

sujeitos sociais, de nossas observações, de leituras de documentos oficiais guiadas por

leituras teóricas. Desse modo, delimitamos como protagonistas da pesquisa os usuários

e suas famílias, partindo do pressuposto de que os mesmos são sujeitos privilegiados

do processo de Reforma Psiquiátrica. Esta proposta de pesquisa focaliza o caso de

uma unidade, seguindo uma opção pelo aprofundamento das questões pesquisadas,

através de uma maior aproximação com o cotidiano dos usuários, familiares e

profissionais por nós considerados pilares de concretização da reforma.

Seguindo as orientações de Minayo (1996), construímos instrumentos de

pesquisa, privilegiando a entrevista semi-diretiva, com roteiro predefinido contendo

questões abertas, e observação sistemática, realizada a partir de um guia elaborado

previamente. O roteiro de entrevista contém poucas questões tendo por finalidade

apreender o ponto de vista dos sujeitos sociais, de acordo com os objetivos da

pesquisa. Definimos entrevista como:

Conversa a dois, feita por iniciativa do entrevistador, destinada a fornecer informações pertinentes para um objeto de pesquisa, e entrada (pelo entrevistador) em temas igualmente pertinentes com vistas a este objetivo (KAHN & CONNELL, apud, MINAYO, 1996, p.108).

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A observação participante permite ao pesquisador a vinculação dos fatos a

suas representações e a apreensão das contradições entre as leis e orientações legais

concernentes à política em foco, entendidas como “pactos”, envolvendo Estado,

Mercado e Sociedade e a realidade concreta apreendida, através das próprias

contradições vivenciadas no cotidiano do grupo objeto de estudo. As observações

foram registradas no diário de campo, que contém ainda informações provenientes de

entrevistas não formais, ou melhor, sínteses de conversas informais, de

comportamentos e expressões que indiquem aspectos importantes relacionados com a

problemática tratada.

Realizamos entrevistas com três (03) usuários e membros de suas respectivas

famílias, com duas (02) técnicas. Sendo que uma assume além de suas tarefas de arte

educadora, a coordenação do serviço. Duas outras entrevistas foram realizadas, dessa

feita, uma com a responsável pela gestão municipal da política em saúde mental, e uma

segunda com ex-representante do conselho municipal de saúde. Tentamos assim

apreender o complexo horizonte do processo de materialização da reforma psiquiátrica

em nosso município, englobando seus protagonistas: trabalhadores dos serviços

substitutivos, usuários e conseqüentemente suas famílias, gestores e representante de

entidade do campo pesquisado.

A partir de nossa observação sistemática, através da imersão e participação

nas atividades do CAPS II - Leste durante mais de três meses, identificamos três

usuários, três familiares e três técnicos de diferentes níveis (coordenadora dos serviços

de atenção básica do município de natal, coordenadora do serviço pesquisado, uma

psicóloga) que foram solicitados a conceder entrevistas semi-estruturadas (Cf. ANEXO

B,C,D,E,F).

Entendemos entrevista de acordo com Sampaio (1998):

Como um instrumento por excelência que desdobra duas discussões: a representatividade da fala - a fala é reveladora de condições estruturais de sistema de valores, normas e símbolos, a qual transmite representações de um grupo determinado em determinada condição; a relação pesquisador/pesquisado – a entrevista não é um trabalho unilateral, ou uma exploração, é uma interação social, em que os atores

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afetam-se, beneficiam-se e prejudicam-se mutuamente (SAMPAIO, 1998, p. 47).

Indicamos acima os procedimentos utilizados para coleta e, no posterior

tratamento dos dados da pesquisa, buscamos realizar a triangulação3 de dados, que

constitui estratégia de pesquisas qualitativas, permitindo o uso concomitante de várias

procedimentos de coleta, visando a verificação e validação dos dados obtidos.

Inicialmente, pretendíamos focar nossa pesquisa nas possibilidades e limites da

prática do serviço social no âmbito da saúde mental, tomando como campo concreto de

atuação um CAPS de Natal/RN, por considerarmos este o espaço por excelência de

materialização da reforma psiquiátrica.

Partíamos do entendimento segundo o qual as atuais propostas em saúde

mental estão a exigir do profissional do serviço social uma ampliação do seu campo de

atuação, para não se restringir apenas a interpretações psicológicas e psiquiátricas,

buscando dar conta dos determinantes sociais envolvidos nas condições de saúde e,

em particular, de saúde mental, mas também dos processos de adoecimento. Como

nos alerta Marx, a realidade é sempre mais rica e mais complexa do que nossa

capacidade de apreendê-la. Assim, em nosso processo de aproximação com a

realidade tivemos que redefinir nosso objeto de estudo.

Com efeito, baseávamos inicialmente em documentos oficiais que indicavam a

presença do profissional do serviço social nas equipes interdisciplinares dos CAPS. A

princípio, posto que estávamos cursando um mestrado em serviço social e que

pretendíamos atuar na área de saúde mental enquanto assistente social, havíamos

definido como foco de nosso trabalho analisar impasses e contradições da atuação do

assistente social no processo de materialização da reforma psiquiátrica em Natal. Com

surpresa constatamos, entretanto, que no CAPS II - Leste não havia este profissional.

Procedemos, então, a uma mudança do foco de nossa pesquisa.

Decidimos realizar um processo sistemático de observação no serviço

pesquisado. Iniciamos esse processo em 17 de julho de 2008, com presença

3 Termo utilizado nas abordagens qualitativas para indicar o uso concomitante de várias técnicas de

abordagens e de várias modalidades de análise, de vários informantes e pontos de vista de observação, visando à verificação e validação da pesquisa (MINAYO, p.102, 1996).

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sistemática três vezes por semana no campo de pesquisa, durante as manhãs. Nesse

tempo, participamos das diversas atividades deste serviço. Para dar conta da totalidade

das ações e ter contato com o cotidiano dos diversos profissionais e usuários, tivemos

que incluir também em nosso programa alguns períodos de presença no turno

vespertino.

Nas idas e vindas ao serviço destacamos quão enriquecedor pode vir a ser um

processo de pesquisa de campo. Foi importante para nós o fato de ter sido possível

romper com o estranhamento da nossa presença no cotidiano, naturalizando nossa

estada como “um deles”, parte daquela comunidade. E, de fato, durante alguns meses,

vivenciamos o cotidiano da casa, partilhando “pedaços de vida” em comum,

compartilhando, alegrias, perdas, crises, dores, satisfações, preocupações de usuários,

famílias e profissionais. Contudo, nesse tempo, algumas cobranças nos foram feitas,

por exemplo, para exercer um papel para o qual não estávamos designadas. Insistimos

sempre em afirmar nosso papel de pesquisadora.

O CAPS II – Leste integra a rede de serviços da Secretaria Municipal de Saúde

(SMS) e tem por objetivo o tratamento de pessoas portadoras de “transtorno mental

grave” (psicose e neuroses graves)4. A demanda ali atendida é espontânea ou

proveniente de diferentes instituições, ou seja, referenciada5.

Finalmente, ressaltamos que nossa pesquisa de campo caminhou passo a

passo com o processo de reflexão crítica e de elaboração de nossa dissertação. Cabe-

nos, por fim, destacar que a realidade em sua complexidade e em suas contradições

revela-se sempre mais rica do que nossa capacidade de apreendermos. Situar a

reforma psiquiátrica, enquanto totalidade de menor complexidade, no interior do

movimento mais amplo e contraditório da totalidade mais complexa que é a realidade

brasileira atual constitui fio condutor e desafio de nossa atividade de pesquisa.

4 Segundo a psiquiatra do serviço pesquisado, a definição de gravidade dos transtornos mentais é feita

de acordo com cada patologia. A mesma exemplifica que nos casos de depressão, a ideação suicida e sintomas psicóticos são critérios de gravidade. Em geral, nos transtornos graves existe um prejuízo maior ao funcionamento global do indivíduo. Segundo a psiquiatra, os mais freqüentes tipos de “sofrimentos psíquicos” acolhidos por este serviço são: esquizofrenia, transtorno afetivo bipolar e transtorno esquizoafetivo. 5 O termo “demanda referenciada” integra o linguajar cotidiano dos profissionais da área de saúde

mental, em partícula dos CAPS, designando aquela demanda encaminhada por alguma instituição pública ou privada que, nestes casos, é tomada como referência.

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25

Buscávamos deste modo, não cair em armadilhas de perspectivas individualizantes e

fragmentárias da vida social, que findam por responsabilizar indivíduos, ou mesmo

culpabilizá-los por situações que resultam de processos sociais mais amplos e

complexos que, sem dúvidas, afetam a individualidade, as singularidades, mas que não

se reduzem a estas dimensões.

Em nosso primeiro Capítulo, debruçamo-nos sobre “A Construção de Bases

Paradigmáticas no Campo da Saúde Mental”. Dissertamos sobre acontecimentos

essenciais para entendermos a política de saúde, em especial, a política de saúde

mental. Transitamos por distintos períodos históricos, reportamos a acontecimentos

que vão desde o nascimento da instituição hospital, aos tempos de luta antimanicomial

com sua proposta de desistitucionalização.

O Capítulo 2, intitulado: “Políticas de Saúde Mental: Transitando pela Construção

da Reforma Psiquiátrica do Âmbito Nacional ao Municipal”, trata inicialmente da ação do

Estado junto às políticas de atenção em saúde mental. Em seguida escrevemos a

respeito de dois movimentos de “reforma”: sanitária e psiquiátrica. Analisamos limites e

contradições envolvidos nesses dois processos sociais interligados. Finalmente

situamos o contexto da reforma psiquiátrica e a importância dos centros de atenção

psicossociais para concretização desta.

No capítulo “O CAPS II- Leste em Busca da Materialização da Reforma

Psiquiátrica em Natal/RN” adentramos no dia-dia de um serviço substitutivo em saúde

mental, atentos a todo processo de trabalho envolvido. Realizamos uma análise da

estrutura física para atender ou não as necessidades do serviço. Mostramos a

composição da equipe e toda organização das atividades, a exemplo: das oficinas

terapêuticas, reuniões de passagem, supervisões, triagens. Finalizamos o capítulo

dando voz aos sujeitos da reforma psiquiátrica tentando aprofundar nossa análise no

emaranhado de relações estabelecidas no contexto do CAPS investigado.

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1. A CONSTRUÇÃO DE BASES PARADIGMÁTICAS NO CAMPO DA SAÚDE MENTAL

Objetivamos traçar nas próximas linhas um breve retrospecto a respeito das

mudanças ocorridas na política de atenção em saúde mental ao longo dos séculos. Desde

os tempos mais remotos com a criação dos “hospitais”, passando pelo surgimento da

psiquiatria e as críticas a ela atribuídas. A psiquiatria não conseguiu legitimar-se junto à

sociedade, pois, sua intervenção ocasionava uma cronificação do estado do sujeito, e não

em resultados positivos. Amarante (2003) destaca que as formas que a psiquiatria criou para

lidar com a loucura nem sempre foram aceitas sem contestações. Em distintos períodos

históricos eclodem movimentos de contestação a esse saber e a sua forma de cuidar do

sujeito em sofrimento psíquico.

Desde seu nascedouro, a psiquiatria tem sido um campo profissional e de saber

debatido, tanto em sua dimensão prática, quanto teórica. No plano teórico, são

problematizados os conceitos de doença mental, de normalidade, de cura, de periculosidade,

de incapacidade, de tutela. Com relação à dimensão prática, o hospital psiquiátrico passa a

ser questionado enquanto lugar terapêutico.

Segundo Amarante (2003) a crítica institucional ao hospital psiquiátrico ganha

grandes proporções a partir da última metade do século XIX. Problematizam-se também as

relações entre técnicos, a sociedade e o dito louco. Conseqüentemente se constrói um

terreno fértil para contestações tanto das técnicas praticadas pela psiquiatria quanto das

teorias que as sustentam. Podemos citar como movimentos reformadores as Comunidades

Terapêuticas, a Psicoterapia Institucional, a Psiquiatria de Setor, a Psiquiatria Preventiva,

Antipsiquiatria e Psiquiatria Democrática Italiana. O cenário atual em saúde mental é

marcado pelo debate acerca da Reforma Psiquiátrica que, por sua vez, apresenta novas

formas de tratamento direcionado aos sujeitos em sofrimento psíquico, baseados em

construções teóricas distintas daquelas que deram suporte à psiquiatria tradicional.

A atual política de saúde mental propõe um novo modelo baseado na atenção

psicossocial. O movimento pela reforma psiquiátrica brasileira surge em meio à conjuntura

de redemocratização, no final da década de 1970. Recebe influência de movimentos de

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outros países, principalmente da reforma psiquiátrica italiana objetivando a

desinstitucionalização. O processo de reforma no Brasil é marcado por singularidades. O

contexto neoliberal apresenta obstáculos que dificultam a efetivação deste processo em

nosso país.

1.1. DA LOUCURA AO SOFRIMENTO PSÍQUICO: A PSIQUIATRIA COMO CONSTRUÇÃO

SOCIAL

A psiquiatria nasce em meio a dois acontecimentos importantes que

destacamos aqui. O primeiro refere-se à transformação do hospital - instituição

filantrópica por excelência - em instituição médica. O segundo diz respeito ao

surgimento da clínica e da anatomia patológica.

Analisando esse processo, constatamos que, nem sempre, o hospital

desempenhou função específica na cura ou tratamento do doente. Com efeito, a

origem do termo provém do latim “hospitale”, que significa hospedaria, hospedagem.

Inicialmente, destaca-se enquanto instituição filantrópica, religiosa e de caridade. O

primeiro hospital que se tem registro na história da humanidade data do século IV,

tendo sido criado por São Basílio, em Cesaréia, Capadócia (entre os anos de 369-

372 d.C.). O objetivo desta instituição não se centrava na cura dos enfermos e sim

na prática da caridade e pna regação da palavra de “Deus” (FOUCAULT, 1998). A

população que freqüentava o hospital não se constituía somente de pessoas com

algum tipo de enfermidade, mas se compunha essencialmente de pessoas

indesejadas na sociedade, indivíduos que ninguém aspirava ver, ou seja, prostitutas,

delinqüentes, pobres, desabrigados, loucos... Foucault (1979, p. 101) assim se refere

ao “personagem ideal” do hospital de então:

O personagem ideal do hospital, até o século XVIII, não é o doente que é preciso curar, mas o pobre que está morrendo. É alguém que deve ser assistido material e espiritualmente, alguém a quem se deve dar os últimos cuidados e o último sacramento.

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A criação do Hospital Geral de Paris, em 1656, representa marco

fundamental nesse processo. Na França, vivia-se à época em meio a reflexões e

intervenções baseadas na medicina do espaço urbano6. Apesar de ter perdido parte

de seus objetivos religiosos, o hospital ainda não adquira as características de uma

instituição de cuidados médicos. As internações, além de voluntárias (número

reduzido), podiam ser também encaminhadas por autoridades públicas. Os diretores

dos hospitais assumiam um cargo vitalício e possuíam plenos poderes tanto no

interior quanto no exterior dos mesmos. Segundo Foucault (1979), as instituições se

caracterizavam por sua natureza semi-jurídica de controle e segregação social, com

exercício do poder oscilando entre poder de polícia e poder de justiça.

Em “História da Loucura”, Foucault (1972) afirma que a prática de retirar

doentes mentais do convívio social para um lugar específico surge nos países

árabes, em Fez, no século VIII; em Bagdá, no século XIII e no Cairo, no século

seguinte. Estes estabelecimentos aproximam-se do que chamamos hoje de hospitais

psiquiátricos. Os primeiros hospitais psiquiátricos Europeus e Italianos datam do

século XV. A denominação destes espaços como: “asilo”, “hospício”, ”manicômio”,

“hospital psiquiátrico” varia de acordo com o contexto histórico (FOUCAULT, 1972).

Em verdade, razões de ordem social, econômica e política conduzem as

“autoridades”, a utilizar a instituição hospitalar para buscar “enquadrar” pessoas

economicamente “improdutivas”, que representavam ameaça à ordem vigente

(ordem burguesa em constituição), deixando-as em situação de reclusão asilar e

social, na tentativa de negar a existência das mesmas. Neste sentido, a

transformação do hospital em instituição médica adquire relevância, uma vez que a

ciência médica vem em auxílio ao discurso dominante, que busca caracterizar como

“doentes” esses indivíduos que, de algum modo, não correspondiam aos padrões de

“normalidade” socialmente aceitos. Compartilhamos com Rotelli (2001, p. 26) a idéia

de que:

6 No final do século XVIII, as cidades Francesas se tornaram palcos de grandes conflitos em torno de

questões sociais e sanitárias, exigindo assim intervenção do poder público. As ações do Estado tinham como foco o espaço urbano e não a preocupação médica voltada para o indivíduo. Esse ramo da medicina aproximou as práticas médicas das ciências físico-químicas. Construiu também as noções modernas de meio ambiente e salubridade. É base das práticas clínicas contemporâneas (Cf. AMARANTE, 2003).

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(...) o manicômio efetivamente se constitui, sobretudo, como local de descarga e de ocultamento de tudo aquilo que, como sofrimento, miséria ou distúrbio social, resulta incoerente frente aos códigos de interpretação e de intervenção (de problema-solução) das instituições que fazem fronteira com a Psiquiatria, ou seja, a medicina, a justiça e a assistência.

De acordo com Foucault (1998), o surgimento da clínica e da anatomia

patológica representa igualmente fator de destaque na constituição da psiquiatria

enquanto disciplina médica. Três grandes transformações na área médica

favoreceram diretamente o nascimento da clínica e, por conseguinte, da psiquiatria: a

reorganização da instituição hospitalar, possibilitando as intervenções médicas com

maior constância e regularidade. Dessa forma, o hospital se tornou lugar de

observação e sistematização das experiências, permitindo um processo interventivo

de cunho científico; a redefinição do estatuto social do doente, segunda

transformação importante. Com isto, a doença não mais constitui preocupação

pessoal e sim questão política e científica; o desenvolvimento do novo uso da

linguagem científica7 que propunha definir as causas das doenças; ainda segundo

Focault (1998), o manicômio representa a repetição do ritual da separação, em

sentido material, ou seja, como produção repetida da separação e da expropriação

do sujeito de suas condições materiais de vida, exercitada no modo capitalista de

produção.

A constituição do paradigma psiquiátrico e, conseqüentemente, do modelo

hegemônico de assistência às pessoas em sofrimento psíquico, ou seja, o sistema

asilar emergiu a partir da Revolução Francesa. Sem perder de vista os limites e

contradições desta revolução, bem como seu caráter burguês, não podemos negar

as transformações dela decorrentes, que marcam a história da humanidade, com

destaque para as mudanças no plano político, econômico e social. Esta revolução foi

responsável pela derrubada do Clero e do Estado Absolutista, superando a crença

dominante em um mundo sobrenatural e místico. O lugar da verdade mágica foi

substituído pela verdade da ciência. Nas ciências humanas e sociais, encontramos

7 Linguagem no sentido da estrutura falada do percebido englobando maneiras de ver e dizer

(AMARANTE, 2003).

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acirrados debates sobre cidadania e democracia, noções que têm suas origens

nessa revolução.

Em meio a novos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, as

instituições sociais exigiam uma transformação radical em suas práticas. Nesse

contexto, Philippe Pinel, médico enciclopedista, filósofo e naturalista francês é

indicado para ser o reformador do Hospital de Bicêtre, em Paris. Em 1798, torna-se

médico-chefe deste estabelecimento, entrando para história como responsável por

desacorrentar as alienadas8, gesto considerado símbolo da fundação da psiquiatria.

Pinel é tido ainda como responsável pela organização do primeiro hospital

psiquiátrico moderno, como também pela elaboração do primeiro livro de psiquiatria

dos tempos atuais, no qual encontramos a classificação inicial das doenças mentais

da psiquiatria como especialidade médica. Deste modo, são definidas as bases para

o entendimento da loucura como doença mental. O isolamento terapêutico, praticado

através da reclusão asilar é definido como modo precípuo de tratamento

(AMARANTE, 2003). As estratégias de Pinel foram denominadas por Robert Castel

(1978) como tecnologia pineliana. Tinham como princípios básicos o isolamento9, a

organização do espaço asilar e a relação terapêutica baseada na autoridade e no

tratamento moral10.

A burguesia recém chegada ao poder através da Revolução Francesa tinha

interesse na constituição do sistema clássico de assistência psiquiátrica, ou melhor,

do Hospital Psiquiátrico, como também, em estabelecer o “anormal”, o diferente

como patológico. As elites econômicas e políticas necessitavam encontrar

explicações para o mau funcionamento da sociedade, eximindo-se de qualquer

parcela de responsabilidade, estigmatizando grupos sociais mais fracos (VELHO,

1981). Parecia necessário à burguesia isolar, afastar, eliminar, anular aqueles

segmentos que representavam ameaça à nova ordem que se constituía. A

8 Termo usado pela teoria do pensamento alienista francês sistematizado por Phillipe Pinel. Para

Pinel: “O alienado seria o que se deixa dominar por paixões artificiais, distantes da realidade objetiva” (AMARANTE, 2003, p.14). 9 “Pinel enquanto naturalista acreditava na idéia de que para conhecer um objeto, é preciso isolá-lo

das interferências externas. Medida de ordem científica que possibilita o contato exclusivo com o objeto a ser estudado” (AMARANTE, 2003, p.13). 10

“Política interior no âmbito da instituição efetivada com o regime disciplinar do asilo, como também com a instituição do trabalho” (AMARANTE, 2003, p.17).

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31

transformação da loucura em anormalidade e depois em patologia só pode ser

entendida através da análise da dimensão política da sociedade, articulada com as

dimensões econômicas e ideológicas (culturas, representações, saberes).

Assim, o nascimento do asilo satisfaz à necessidade burguesa de regulação

das liberdades. Os avanços são inquestionáveis: esse processo histórico possibilita

que a ”loucura” não se constitua objeto de atenção do poder jurídico e sim da

medicina (GONDIM, 2001). Gondim, por sua vez, ressalta que o parlamento francês

passa a estabelecer diferenças entre os “loucos” e aqueles que transgrediam as leis.

A Assembléia Revolucionária instaura as bases para o processo de medicalização e

tutelarização dos “loucos”, definindo o regime dos insensatos11. O internamento

torna-se necessidade da medicina e uma nova relação se estabelece: a tutela. O

surgimento do asilo destaca-se como fator elementar para a constituição da

psiquiatria como ciência. Desde sua origem enquanto disciplina médica, a psiquiatria

é marcada por iniciativas de reforma (GONDIM, 2001).

De acordo com Castel (1978), até meados da segunda metade do século

XIX, período marcado por avanços na medicina, notadamente, nos estudos sobre as

bases do sistema nervoso, órgãos e tecidos, a tecnologia pineliana segue fortalecida.

Para esta perspectiva, as causas das doenças mentais são atribuídas a origens

neurocerebrais. A “loucura” passa a ser objeto de medicalização, sendo descrita

seguindo modelo organogenético. O “louco” é, então, entendido como um organismo

que funciona mal e não mais como alguém com distúrbio moral. Essa abordagem

organicista se distancia de concepções teóricas que acreditam existir causas sociais

subjacentes às doenças mentais. Para Gondim (2001), este período de

“adormecimento” finda com o término da Segunda Guerra Mundial, cujas

conseqüências sociais foram de grandes proporções. Então, os números de

cronificação de doenças mentais e de incapacitação social pareciam assustadores,

favorecendo o questionamento da eficácia da psiquiatria tradicional. Os hospitais

psiquiátricos são, então, comparados a campos de concentração de prisioneiros,

sendo denunciados pela violência ali praticada.

11

“Através deste, o parlamento Francês diferencia os “loucos” daqueles outros que transgrediam as leis, consolidando a diferença entre louco, cidadão e criminoso” (GONDIM, 2001).

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32

Segundo Amarante (2003), após a Segunda Guerra Mundial, a história da

psiquiatria é marcada pelas experiências de reformas assim como pela descoberta

dos primeiros neurolépticos12. À época, os países europeus se destacavam nas

inovações “terapêuticas”, a exemplo do choque insulínico13 e cardiazólico14, a

eletroconvulsoterapia (ECT)15 e das lobotomias16. Podemos citar como movimentos

reformadores as Comunidades Terapêuticas17, Psicoterapia Institucional18,

Psiquiatria de Setor19, Psiquiatria Preventiva20, Antipsiquiatria21 e Psiquiatria

Democrática Italiana22. Vasconcelos (1992) relata que nessa época a Europa

vivenciava um contexto de escassez de força de trabalho e esforço reabilitativo; uma

conjuntura de reconhecimento e afirmação de direitos civis; desenvolvimento de

12

Neurolépticos: Medicamentos que atuam no Sistema Nervoso Central utilizados para inibir a atividade delirante e alucinatória. São drogas indutoras do bloqueio de receptores próprios do neurotransmissor dopamina (AMARANTE, 2003, p. 37). 13

Choque Insulínico: Indução de convulsão por hipoglicemia provocado pela aplicação do hormônio insulina, que reduz o nível de açúcar no sangue. (AMARANTE, 2003 p. 37). 14

Choque Cardiazólico: Indução de convulsão provocado pela aplicação da cardiazol. (AMARANTE, 2003, p. 37). 15

Eletroconvulsoterapia: Indução de convulsão provocado pela aplicação de eletrochoque. (AMARANTE, 2003, p. 37). 16

Lobotomias: incisão para seccionamento de feixes nervosos de conexão entre hemisférios cerebrais. (AMARANTE, 2003, p. 37). 17

A experiência das comunidades terapêuticas (Comunity Core) nasce em 1959 com Maxwell Jones. A idéia central consistia em envolver todos os atores no processo terapêutico, para tal, objetivava reformar o interior das instituições. Informações complementares consultar Amarante, 1995. Ainda sobre comunidades terapêuticas, Tenório (1999) faz uma critica quanto à artificialidade dessas propostas, porém deixa claros os ganhos ocorridos a partir destas experiências, que contribuíram substancialmente para uma aproximação efetiva com os usuários, para introdução de valores democráticos nestas relações quanto para o aumento de dispositivos grupais nas práticas de assistência. 18

Este movimento surge na França, tendo como maior expoente François Tosquelles. Suas criticas se concentravam na verticalidade das relações médico-paciente. Informações complementares consultar Amarante, 1995. 19

Esse movimento surge igualmente na França, tendo como objetivo resgatar o caráter terapêutico da psiquiatria e contesta o asilo como espaço terapêutico. Eixo da assistência deslocar-se-ia do hospital para o espaço extra-hospitalar. A respeito ver Amarante, 1995. 20

Nasce nos Estados Unidos da América (EUA), definindo como objeto de intervenção a prevenção e

erradicação das doenças mentais. Maior expoente Gerald Caplan. Em síntese, busca novos meios

alternativos as instituições psiquiátricas (LOBOSQUE, 2001).

21 Surge no final da década de 1950 e início da década de 1960, com um conjunto de psiquiatras

ingleses no contexto do movimento de contracultura. Principais percussores: David Cooper, Ronald Laing e Aaron Esterson (LOBOSQUE, 2001). 22

Experiência de reforma mais radical em seus princípios. Idealizador Franco Basaglia visava desconstruir as instituições, o mito da doença mental e criar novas formas de convívio entre sociedade e loucura (LOBOSQUE 2001).

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serviços sociais públicos; introdução de abordagens psicológicas e comunitárias que

conduzem a uma reforma na assistência.

Todos esses movimentos favoreceram para mudanças no campo da saúde

mental. Ao longo da história novas formas de lidar com a tradicional dita “loucura”

foram se desenvolvendo, forjados por movimentos contestadores das práticas

instituídas. A atual política em saúde mental é guiada pelas diretrizes do que

convencionou chamar-se “Reforma Psiquiátrica”. Esse processo social nasceu junto

com o Movimento de Luta Antimanicomial (MLAM), que como o termo já expressa,

abomina todos os aspectos do modo tradicional da psiquiatria. O MLAM relaciona-se

com um sujeito e não com um “louco”. Apresenta um novo cuidar, baseado nos

moldes de atenção psicossocial. Este objetiva tratar de sujeitos em sua integralidade

e complexidade. O sujeito entendido em sua existência-sofrimento, assim nasce o

termo: sofrimento psíquico.

E no contexto nacional brasileiro como surge a psiquiatria com seu saber

teórico e prático? Como se processa o desenvolvimento das políticas de atenção à

saúde mental? Como surgem as iniciativas de reforma? As mudanças pretendidas

foram alcançadas? Quais as reais condições para concretização desse processo de

reforma?

1.2. INSTITUCIONALIZAÇÃO X DESINSTITUCIONALIZAÇÃO: CONFRONTANDO

PARADIGMAS E PRÁTICAS SOCIAIS

Ainda hoje, no seio de nossas sociedades capitalistas, todo aquele que foge ao

padrão dominante, ao ethos dominante, ao modo de ser e de estar no mundo que predomina

e que condiz com os interesses das classes dominantes, é tido como “diferente”, tratado

como “marginal”, tem sua existência social negada ou invisibilizada. Lidar com o diferente,

em particular com aquele que apresenta algum tipo de sofrimento psíquico constitui objeto

de debate e de dissenso. Assim, vimos que, historicamente, duas posturas teóricas opostas

marcam o campo da saúde mental, com implicações concretas nas políticas e no modo de

cuidar das pessoas em sofrimento psíquico. A psiquiatria tradicional propugnou a

institucionalização e a medicalização como modo principal de enfrentamento dos males da

alma. As propostas reformadoras, sobretudo, a partir do pós-guerra, apontavam a

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reconstrução dos laços sociais e a desospitalização como caminho que, ao mesmo tempo,

possibilitava outras perspectivas de vida, buscando inclusive desfazer o amálgama no qual

eram postos todos os sujeitos em sofrimento psíquico, apostando inclusive na possibilidade

de mudanças substanciais nos quadros desses sujeitos com a noção de transitoriedade de

seus processos de adoecimento.

De acordo com a psiquiatria tradicional o “louco” era visto como uma pessoa

incapaz de atuar produtivamente na sociedade e de se relacionar. O “louco” não

tinha voz, sendo necessário assim, passar todos os seus direitos (civis, políticos,

econômico) para um tutor. Tradicionalmente o dito “louco” era visto como

naturalmente perigoso, representando um perigo para si e para a sociedade. Era

considerado inimputável, ou seja, incapaz perante a lei. Assim, a principal resposta

construída socialmente para a maioria dos casos de sofrimento psíquico foi o

confinamento em instituições hospitalares ou em hospícios ou a invisibilidade e a

negação social no seio das próprias famílias. Ainda detectamos resquícios dessa

visão nos códigos civil e penal vigentes em nosso país (AMARANTE, 2003).

O campo da saúde mental é particularmente rico e complexo. Análises que

permitam superar “certezas” e explicações sedimentadas em nossa sociedade ao

longo de décadas de prevalência de um modelo de base hospitalocêntrica revelam-

se desafios maiores, em especial, para nós profissionais do serviço social. Com

efeito, em muitos casos, as pessoas em sofrimento psíquico, apresentam, ao mesmo

tempo, demandas no âmbito da saúde mental e necessidades específicas situadas

no campo das políticas de assistência social.

O novo paradigma, construído a partir do movimento de reforma psiquiátrica,

reinventa o processo saúde-doença, no sentido da promoção da vida, de novas

formas de sociabilidade e da utilização dos espaços coletivos e de convivência mais

ampla. Induz à revisão da legislação, principalmente, no que se refere aos direitos

civis e políticos, ligados à incapacidade, tutela, periculosidade e imputabilidade.

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35

As mudanças extrapolam as práticas e os saberes da psiquiatria, atingem o

plano cultural, propõem à sociedade rever sua relação com o sofrimento psíquico,

além de suscitar o diálogo de cada um com suas dimensões irracionais, desafiando-

nos a rever paradigmas e noções preconcebidas de saúde, doença, dificuldade,

sofrimento.

O modelo de atendimento aos sujeitos em sofrimento psíquico construído no

âmbito dos processos de reforma psiquiátrica, com suas particularidades nacionais e

locais, baseia-se na constituição de uma rede de serviços substitutivos aos

serviços hospitalares, organizados segundo os tipos e a complexidades dos casos.

em articulação com a sociedade, tendo na família papel central, mas nunca

exclusivo. Deste modo, não podemos deixar de levar em conta, aspectos do contexto

socioeconômico, cultural e familiar na análise da atuação dos serviços substitutivos,

caso contrário perdemos nossa perspectiva crítica dialética, arriscando-nos a não

desvendar além dos aspectos fenomênicos da realidade concreta. Apreendemos

serviços substitutivos segundo a definição de Lobosque (2003, p.156): “São aqueles

que se constituem enquanto rede, ou seja, como um conjunto articulado de

dispositivos e equipamentos, ações e iniciativas que possibilitem a extinção do

hospital psiquiátrico. Inscrevem-se nas estratégias de uma política pública

comprometida com esta transformação”.

Apesar de adotarem bases teórico-políticas muitas vezes comuns, os

processos de reforma psiquiátrica ao se materializarem em realidades sócio-

históricas distintas ganham particularidades segundo cada contexto. De modo geral,

no modelo tradicional, o sistema estava baseado no processo de internamento

hospitalar e na administração sistemática de medicamentos. Na transição,

observamos os traços de singularidade dos processos de cada país, mas também

aspectos comuns. Entendemos que o redirecionamento do modelo de atenção em

saúde mental traz importantes demandas e desafios, em particular, para os usuários

e suas famílias em termos de novas responsabilidades no processo de tratamento e

do chamamento ao exercício do papel de sujeito chave neste processo e não apenas

de objeto de intervenção.

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36

Nossa pesquisa anterior (PEREIRA, 2004) e nossas primeiras incursões no

campo para fins de elaboração de nossa dissertação de mestrado, evidenciam que a

maioria das famílias e dos usuários não se encontra preparada para exercer novo

papel no processo de tratamento. Não podemos deixar de nos indagar sobre o por

quê? Que condições são dadas pelo Estado para a efetiva concretização da reforma

psiquiátrica? O Estado promove ações amplas para sociedade em geral no sentido

de apresentar e discutir as novas propostas? Sabemos que o Estado tem o papel

chave de sustentar a estrutura de classes e as relações de produção. O Estado

também é chamado para assumir a gestão das crises econômicas com políticas

anticíclicas, isto é, com o estabelecimento de políticas voltadas para atenuar os

efeitos das crises, proporcionando garantias econômicas aos processos de

valorização e acumulação. Essa função estatal é acompanhada de uma vasta

ofensiva ideológica para integrar o trabalhador à sociedade como “consumidor”. Até

onde o processo de reforma psiquiátrica atende a esses preceitos? Que interesses

se confrontam nos processos de reforma e, em particular, no processo de reforma

psiquiátrica?

Em alguns casos, muitos familiares desconhecem as bases do processo da

reforma de modo mais amplo ou tomam conhecimento do mesmo abruptamente ao

tentarem internar uma pessoa e se defrontarem com a negativa e com o aceno a um

atendimento de urgência com conseqüente encaminhamento para um serviço

substitutivo, em sistema aberto.

No Brasil, os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) constituem um dos

principais dispositivos da reforma psiquiátrica. Os CAPS são classificados em três

modalidades, segundo os serviços prestados: CAPS I, CAPS II e CAPS III. Estes são

definidos por ordem crescente de acordo com o porte, a complexidade e a

abrangência populacional. Ainda seguindo essa classificação, incluem-se os CAPS-

i, responsáveis pela atenção em saúde mental à infância e adolescência, bem como

os CAPS-ad, destinados ao atendimento de pacientes com transtornos decorrentes

do uso e dependência de substâncias psicoativas. A portaria No 336 (19 de fevereiro

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37

de 2002) define CAPS I, como serviço com capacidade operacional para

atendimento em municípios com população entre 20.000 e 70.000 habitantes. Com

funcionamento de 08h00min às 18h00min, em dois turnos, durante os cinco dias da

semana. Com relação à meta de atendimento, a portaria assegura o limite máximo

de trinta (30) pacientes por dia. A assistência prestada é a mesma nos três tipos de

CAPS, incluindo atendimento individual, em grupos e oficinas terapêuticas, visitas

domiciliares, acompanhamento à família, atividades comunitárias, que enfocam a

integração do sujeito em sofrimento psíquico na comunidade e sua inserção familiar

e social.

Os CAPS II devem ter capacidade operacional para atuar em municípios com

população entre 70.000 e 200.000 habitantes, tendo como limite máximo de

atendimento quarenta e cinco (45) pacientes por dia. Devem funcionar das 08h00min

às 18h00min, em dois turnos, durante os cinco dias da semana, podendo comportar

um terceiro turno, até as 21h00min. Os CAPS III devem assegurar atendimento em

municípios com população acima de 200.000 habitantes, constituindo serviço

ambulatorial de atenção contínua, durante 24hs diariamente, incluindo feriados e

finais de semana23. Este último tipo de CAPS inexiste no município de Natal.

A implantação dos CAPS visa desencadear mudanças profundas na atenção

psicossocial. A ênfase no sujeito requer que sejam considerados os diversos

aspectos da problemática do seu cotidiano. Assim, gera-se uma demanda por uma

assistência que, em geral, ultrapassa os limites do serviço. Para além das questões

de saúde, a dimensão social integra o novo paradigma. Com efeito, a

desinstitucionalização provoca mudanças na rotina de atendimento aos usuários.

23

Este último tipo de CAPS inexiste no município de Natal. O Ministério Público do Estado do Rio

Grande do Norte, representado pela Promotora de Justiça de Defesa da Saúde Pública imputou um

Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) contra o município de natal, datado de 06 de julho de 2009.

Constitui objetivo deste TAC o estabelecimento de prazos para a implantação de 03 (três) CAPS III

em Natal, nas zonas Leste, Norte e Oeste desta Capital. O prazo estabelecido pela Promotoria para

implantação destes serviços é dezembro de 2009. Digito esta nota específica em 11/09/09, e até esta

data a Prefeitura Municipal de Natal não acatou a determinação judicial.

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38

Concordamos com Nicácio (1989, p. 89), ao afirmar que, no caso brasileiro, os

Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) objetivam:

Inscrever cotidianamente, na prática concreta, as novas referências

afirmadas: o direito de cidadania do louco, a loucura como expressão

complexa da existência humana, as interações entre os múltiplos

atores do processo, realizar a tutela como direito sem seqüestrar a

vida dos sujeitos e sim produzir autonomia e enriquecimento dos

intercâmbios sociais.

Todavia, não podemos perder de vista que, historicamente, a instituição asilar

constituiu espaço de segregação e violência, buscando “neutralizar” pessoas com modos de

vida diferentes dos modelos das elites dominantes. Ao longo dos anos, as políticas

destinadas às pessoas em sofrimento psíquico foram marcadas por fortes conteúdos

discriminatórios, excluindo da sociedade mais ampla aqueles que apresentam alguma

“anormalidade”, deixando-os no limbo de nossas sociedades. No campo da saúde mental, as

políticas sociais tradicionais têm reforçado a reprodução da sociedade de classes. Em nosso

país com desigualdades de proporções continentais, as políticas sociais se restringem ao

atendimento às classes de grande vulnerabilidade social, políticas sociais direcionadas por

uma ótica reducionista, seletiva e assistencialista. Os serviços públicos não atende a todos

os cidadões. Os guerreiros da lida, os trabalhadores, lutam para pagar uma escola particular,

o atendimento médico privado, aluguel da moradia. A sociabilidade capitalista submete a

força de trabalho às condições desumanas de exploração. E com o suor de cada dia de

trabalho os guerreiros tentam assegurar o mínimo necessário para sobrevivência, aqueles

que não conseguem são postos abaixo da linha da pobreza. E o que resta desse patamar?

Nada. E como diz a canção: “O de cima sobe e o debaixo desce!”.

No processo social e histórico, a psiquiatria tradicional transformou o portador de

sofrimento psíquico em doente mental, alienando-o de seus direitos e saberes (AMARANTE,

1996).

No imaginário social coletivo, foi criada uma representação negativa e indesejável

da pessoa em sofrimento psíquico (LOBOSQUE, 2003). Ainda é comum encontrarmos

posicionamentos que consideram a pessoa como alguém perigoso, indomável, inválido.

Representações subjetivas alimentadas por condições objetivas. Para citar um exemplo

concreto, podemos nos reportar à época em que as internações psiquiátricas eram

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39

encaminhadas por autoridades policiais. A estrutura física dos hospitais psiquiátricos e suas

fortes grades de ferro são igualmente reveladoras da concepção de atenção do modelo dito

manicomial, pautado no racionalismo refletido na lógica problema-solução, tendo como

objeto de intervenção psiquiátrica a doença mental e como local privilegiado de sua prática o

hospital psiquiátrico (GUJLOR, 2003). Formas prescritas de tratar o usuário dos serviços

psiquiátricos, como a camisa de força e as injeções “mata leão”, o choque elétrico, dentre

outras se destacam como representativas deste modelo de atenção à saúde mental. Na

psiquiatria aparecem, de imediato, relações de desumanidade e violência. Evidencia-se,

então, para a sociedade e, mais especificamente, para categorias profissionais diretamente

envolvidas com a saúde mental, a necessidade de reformar os dispositivos tradicionais

existentes.

De modo geral, observamos ainda certo descompasso entre o que

professam os defensores da reforma, as bases de sustentação das novas

modalidades de atenção à saúde mental e as imagens e concepções transmitidas na

mídia, em particular, na televisão24. Com efeito, estas continuam alimentando velhas

concepções de saúde-doença, reforçando o estereótipo do “louco”, do provável

perigo que representam estas pessoas. Tais imagens e representações constituem

entraves no processo de superação do velho paradigma. Lembramos que se trata de

uma proposta de “reforma”, nos marcos de uma sociedade, originalmente marcada

por fortes desigualdades sociais e por evidentes contradições, enquanto sociedade

capitalista.

Na perspectiva adotada por Amarante (2003), a reforma psiquiátrica se

configura como um processo social complexo, por se encontrar em constante

construção, além de ser constituída por várias dimensões inter-relacionadas e

envolver sujeitos sociais concretos, portanto, com interesses, visões de mundo,

24

Talvez pela primeira vez na história da televisão brasileira uma novela global (“Caminhos das Índias”) tem como um de seus subtemas o debate sobre o tratamento das pessoas em sofrimento psíquico, e mesmo assim o cenário é uma clínica. Porque não os serviços substitutivos responsáveis pela concretização da reforma psiquiátrica? Anterior a esta a maioria esmagadora das produções globais referia a saúde mental nos moldes da psiquiatria tradicional. Os hospitais serviam como uma caixa para "esconder”, isolar personagens por diferentes motivos, fossem eles em quadro de sofrimento ou não. Consideramos as discussões nos meios de comunicação ainda insuficientes. Dia 18 de maio é o dia da luta antimanicomial, você assistiu, viu, leu algo a respeito?

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diversos e, por vezes, contraditórios. Aqui, o sujeito em sofrimento psíquico adquire

status de protagonista e não somente objeto de intervenção da psiquiatria, como se

procedia segundo o modelo tradicional. Mas, temos que considerar as condições

efetivas deste “sujeito” exercer seu papel de protagonista neste processo. Mais do

que isto, não podemos minimizar as contradições fundamentais deste complexo

processo de mudanças. Surgem novas propostas com louváveis objetivos, no

entanto, o Estado apresenta condições reais para sua efetivação? Quais interesses

estão envolvidos nesse processo? Por que é tão difícil superar um modelo tão

desumano e invasivo em beneficio de um modo mais aberto onde o humano é

considerado sujeito de direitos?

O movimento de reforma psiquiátrica se constrói a partir da totalidade das

dimensões teórico-conceituais, técnico-assistencial, jurídico-política e sócio-cultural.

Tais dimensões não podem ser entendidas estaticamente, nem isoladas umas das

outras. Somente na perspectiva da totalidade é possível entender esse processo

social complexo. Com relação à dimensão teórico-conceitual, os conceitos

construídos pela psiquiatria tradicional foram postos em xeque, a exemplo do

conceito de normalidade e periculosidade. A loucura e suas implicações no campo

social passam a ser compreendidas a partir de outras perspectivas. Diferentemente

da tradicional intervenção médica que reduz o sujeito a sintomas e diagnóstico, a

posição assumida por aqueles que defendem a reforma psiquiátrica é de busca de

uma compreensão mais ampla do sujeito, valorizando a complexidade característica

do ser humano (AMARANTE, 1995). A citação de Tenório (1999) revela claramente

que, para além de uma simples mudança na denominação, as transformações

conceituais, abrangem o contexto social vivenciado pelo sujeito em sofrimento

psíquico:

A reformulação conceitual quanto ao que está em jogo na doença mental (...) não é meramente uma questão de sintomas e de sua remissão, mas uma questão de existência (...). Recusa-se, portanto uma abordagem exclusivamente sintomatológica (...) em benefício de uma clínica psiquiátrica renovada, deslocando o processo do tratamento da figura da doença para a pessoa doente (...). O pressuposto é o de que a alienação psicótica implica numa

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dificuldade específica de expressão subjetiva, refratária a ser apreendida por instituições massificadas (...), as dificuldades concretas da vida acarretadas pela doença mental grave, devem ser também elas objeto das ações de cuidado, incorporando-se à prática psiquiátrica aquilo que tradicionalmente era considerado extra-clínico (TENÓRIO, 1999, p. 40).

Em conseqüência da transformação na lógica do tratamento, mudam-se

também as propostas de assistência. A dimensão técnico-assistencial engloba o

planejamento das novas estruturas assistenciais (tanto recursos financeiros quanto

humanos), designadas, doravante, serviços de atenção psicossocial. O tipo de

atendimento às diferentes demandas de tratamento (tipos de terapia medicamentosa,

psicoterápica e de sociabilidade) passa por alterações substanciais.

Com relação à dimensão jurídico-política, problematiza-se, então, a idéia

vigente de que um ser em sofrimento psíquico é considerado inimputável, ou seja,

incapaz de responder sobre seus atos, incapaz de gerir seus bens, sua própria vida,

como também de atuar produtivamente na sociedade e relacionar-se. Questionam-se

os meios jurídicos que justificam a tutela ou curatela do paciente. Vimos em Gondim

(2001) que a origem da relação de tutela remonta à Revolução Francesa, quando a

Assembléia Revolucionária institui o regime dos insensatos. Esses instrumentos

tornavam possível a interdição civil do “louco”, passando para o tutor ou curador a

responsabilidade civil e material daqueles que supostamente não possuem

condições de gerir sua vida. Essas classificações eram aplicadas indistintamente a

quaisquer sujeitos em sofrimento psíquico, sem analisar os graus de

autonomia/dependência dos mesmos. O conceito de periculosidade é também

questionado, uma vez que este permitia à justiça interpretar a pessoa como um

perigoso em potencial, justificando o encaminhamento a um manicômio judiciário, o

que resultava muitas vezes em internações de longa duração, pois a medida de

segurança determinava um prazo mínimo, mas não um prazo máximo (LOBOSQUE,

2001).

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O campo das políticas sociais25 revela-se, então, fundamental para concretização da

reforma psiquiátrica. Ora, é nesta esfera que a conquista de regulamentação sobre o

financiamento e montagem de novas estruturas assistenciais pode tornar-se possível,

contribuindo para a constituição da nova rede de serviços de atenção psicossocial.

Surjus (2007), analisando a situação brasileira, identifica alguns fatos que obstam a

construção dessa rede de atenção. Segundo a autora, o sistema de financiamento, ainda

desproporcional, serve de justificativa para ações hospitalares; a falta de recursos humanos

no SUS (Sistema Único de Saúde); a lentidão na reorientação do modelo, no que se refere à

redução de leitos em hospitais psiquiátricos e criação de novos serviços como os Centros de

Atenção Psicossocial (CAPS), Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT), Centros de

Convivência e Oficinas de Geração de Renda, dificultam a composição, de fato, de uma rede

substitutiva ao modelo manicomial. Será que estes fatos não revelam a opção estatal pelo

privado, em detrimento do público?

Os Serviços Residenciais Terapêuticos, residências terapêuticas ou simplesmente

moradias, são casas localizadas no espaço urbano, constituídas para responder às

necessidades de moradia de pessoas portadoras de transtornos mentais graves, egressas

de hospitais psiquiátricos ou não. Embora as residências terapêuticas se configurem como

equipamentos da saúde, estas casas, implantadas na cidade, devem ser capazes em

primeiro lugar de garantir o direito à moradia das pessoas egressas de hospitais psiquiátricos

e de auxiliar o morador em seu processo – às vezes difícil – de reintegração na comunidade.

Os direitos de morar e de circular nos espaços da cidade e da comunidade são, de

fato, os mais fundamentais direitos que se reconstituem com a implantação nos municípios

de Serviços Residenciais Terapêuticos. Sendo residências, cada casa deve ser considerada

como única, devendo respeitar as necessidades, gostos, hábitos e dinâmica de seus

moradores. Uma Residência Terapêutica deve acolher, no máximo, oito moradores. De

forma geral, um cuidador é designado para apoiar os moradores nas tarefas, dilemas e

conflitos cotidianos do morar, do co-habitar e do circular na cidade, em busca da autonomia

do usuário. De fato, a inserção de um usuário em um SRT é o início de longo processo de

reabilitação que deverá buscar a progressiva inclusão social do morador. Cada residência

25

A existência das políticas sociais é um fenômeno associado à constituição da sociedade burguesa, ou seja, do específico modo capitalista de produzir e reproduzir-se. Evidentemente que não desde os primórdios, mas quando se tem um reconhecimento da questão social inerente às relações sociais de produção (Cf. BEHRING, 2006).

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deve estar referenciada a um Centro de Atenção Psicossocial e operar junto à rede de

atenção à saúde mental dentro da lógica do território.

Especialmente importantes nos municípios-sede de hospitais psiquiátricos, onde o

processo de desinstitucionalização de pessoas com transtornos mentais está em curso, às

residências são também dispositivos que podem acolher pessoas que em algum momento

necessitam de outra solução de moradia (Ministério da Saúde- Documento apresentado à

Conferência Regional de Reforma dos Serviços de Saúde Mental : 15 anos depois de

Caracas- 2005).

Os Centros de Convivência e Cultura são dispositivos públicos que compõe a rede de

atenção substitutiva em saúde mental e que oferecem às pessoas em sofrimento psíquico

espaços de sociabilidade, produção cultural e intervenção na cidade. Estes Centros, através

da construção de espaços de convívio e sustentação das diferenças na comunidade,

objetivam facilitam a construção de laços sociais e a inclusão das pessoas com transtornos

mentais. O valor estratégico e a vocação destes Centros para efetivar a inclusão social

residem no fato de serem equipamentos concebidos fundamentalmente no campo da cultura,

e não exclusivamente no campo da saúde. Os Centros de Convivência e Cultura não são,

portanto, equipamentos assistenciais e tampouco realizam atendimento médico ou

terapêutico. São dispositivos públicos que objetivam oferecer à pessoa em sofrimento

psíquico atividades no âmbito da cultura. Assim, a clientela dos Centros de Convivência e

Cultura é composta, sobretudo, mas não exclusivamente, de pessoas com consideradas

com “transtornos mentais severos e persistentes” (BRASIL, 2005).

O processo de luta pela reforma psiquiátrica objetiva construir um novo

espaço social para pessoas em sofrimento psíquico, transformando, assim, o

imaginário social, as representações e os preconceitos que a sociedade possui e

reproduz ao longo dos séculos sobre todos os tipos de sofrimento psíquico.

Historicamente, observamos a construção de um verdadeiro amálgama sob a

designação de “loucura”, no qual estariam condensadas todas as expressões de

sofrimento psíquico e, mesmo, social.

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44

Propostas de intervenções culturais, organização de espaços como

cooperativas de trabalho (Cf. ANEXO G), produção de programas de televisão e

rádios comunitárias, são exemplos de iniciativas que objetivam conquistar o espaço

almejado para aqueles que durante tantos anos tiveram suas existências marcadas

por formas de assistência e convivência violentas e segregadoras (AMARANTE,

1995). Reverter essa lógica implica superar práticas e saberes instituídos, como

também explicitar e assegurar as condições concretas para sua efetivação. Eis aqui

um dos principais desafios e entraves para tais processos.

Situamos nossa problemática de pesquisa na implantação dos CAPS, que

revela uma perspectiva desafiadora de construção da legitimidade social dos novos

dispositivos de atenção em saúde mental, que vêm se confrontando cotidianamente

com a oferta de respostas para uma demanda clínica e social.

No novo modelo de atenção, a psiquiatria é entendida como mais uma

disciplina que contribui na intervenção sobre os sofrimentos psicossociais, longe de

ser a única detentora do saber. O foco de intervenção é posto na produção de saúde

e não mais na doença mental e nas suas mais variadas expressões. Os processos

de adoecimento não são mais imputados ao indivíduo e à sua família, culpabilizando-

os, são entendidos como resultante de contextos socioeconômicos e culturais,

marcados por relações sociais que os propiciam ou os agravam. A perspectiva

anterior de análise levava a uma responsabilização e, em muitos casos a uma

culpabilização de indivíduos e famílias.

A produção da saúde, assim, é entendida no sentido de sensibilizar os

profissionais e a sociedade para que reconheçam que as diversas formas de

sofrimento psíquico não são expressões de “doença”, não têm, necessariamente,

caráter definitivo e imutável, demandando ações que favoreçam a melhoria da

qualidade de vida daquelas pessoas que recebem os cuidados. A cura não é o único

fim a ser perseguido com o tratamento, o hospital psiquiátrico não constitui a única

possibilidade terapêutica. A noção do que vem a ser terapêutico também é

questionada. O novo modelo de atenção entende como terapêutico:

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[...] não [...] apenas os remédios, [mas] a psicoterapia, as oficinas de terapia ocupacional, o tratamento com os profissionais. A ação terapêutica é, sobretudo, a forma como vão sendo construídas na assistência as relações de acolhimento, solidariedade, escuta permanente e de confiança entre as pessoas (AMARANTE, 2003, p. 62).

O modelo de atenção psicossocial considera o sujeito em sofrimento

psíquico como cidadão com direitos, deveres e responsabilidades sobre seu

tratamento, valorizando também a conquista da cidadania através da militância, do

trabalho e da participação na luta antimanicomial. Sujeito capaz de conquistar níveis

de autonomia e emancipação. A nova forma de conceber o tratamento pretende

oferecer uma atenção integral, que compreende tanto a dimensão psíquica e mental,

como a social, ou seja, a relação com a família, com grupos sociais, escola, trabalho

e lazer. Independente do tipo e do nível do sofrimento psíquico prevê-se que o

sujeito seja estimulado em seu potencial e sua capacidade de fazer atividades e de

se relacionar.

Para efetivação desse novo modelo considera-se necessário trabalhar com

equipes interdisciplinares, com profissionais de diferentes áreas, uma vez que a

proposta baseia-se no entendimento do ser humano em sua complexidade e

integralidade (LOBOSQUE, 2003). Entretanto, não podemos olvidar que a

construção de uma equipe interdisciplinar envolve tensões econômicas, políticas e

ideológicas, que implicam tratar aspectos objetivos a exemplo dos salários, dos

custos para estruturação dos novos serviços, do questionamento dos sistemas de

privilégio e trocas de favores materializados nas tradicionais chefias, da construção

de novas formas de legitimidade e reconhecimento, mesmo que nos marcos de uma

sociabilidade caracterizada pelo individualismo, pela competição, pela desigualdade.

Como conseqüência desse novo entendimento de atenção em saúde mental, os

profissionais vêm, atualmente, vivenciando mudanças em seu fazer cotidiano nos

novos serviços, pois a proposta de interdisciplinaridade exige a transformação de

saberes já instituídos (VASCONCELOS, 2002).

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Todavia, rupturas desta natureza não se processam em tempo curtos, além

de guardarem traços das práticas anteriores e serem atravessadas por contradições

incontestes. O modelo de atenção psicossocial busca construir relações horizontais

entre técnicos, usuários e familiares e na sociedade de modo mais geral, na tentativa

de romper com o traço do modelo manicomial tradicionalmente marcado por relações

hierárquicas e por posturas autoritárias.

A desinstitucionalização constitui um dos aspectos centrais e mais evidente

deste movimento, que mobiliza sujeitos sociais e profissionais nas áreas médica e

social. Objetiva desconstruir, no cotidiano das instituições e da sociedade, os modos

arraigados de lidar com as formas de sofrimento psíquico, postos tradicionalmente

por trás de uma verdadeira cortina de fumaça, designada “loucura”. Enfatiza-se,

igualmente, a necessidade de rever paradigmas e construir novos modos de atenção

psicossocial como processo necessário para renovar o sistema de saúde mental.

Para Rotelli (2001), o processo de desinstitucionalização concretiza-se

através de um trabalho prático de transformação que, a começar pelo manicômio,

desmonta solução institucional existente para decompor e recompor o problema. O

objeto de intervenção não consiste mais na doença e sim na existência-sofrimento

dos usuários dos serviços em saúde mental. A desinstitucionalização requer,

sobretudo, um trabalho terapêutico, voltado para a reconstituição de pessoas que

sofrem, tomando-as como sujeitos de direitos.

A atual política de atenção em saúde mental objetiva quantificar, expandir e

fortalecer a rede extra-hospitalar efetivando assim uma progressiva desospitalização. Os

hospitais psiquiátricos passam a ser questionados como lugar de tratamento e cura

(LOBOSQUE, 2003). Todavia, não podemos tomar objetivos almejados e defendidos como

bandeiras de luta como realidade concreta. Sabemos haver um hiato importante entre estes

e a realidade concreta, sobretudo, se considerarmos a realidade do Brasil das contra-

reformas, que vêm dando o tom das políticas sociais a partir dos anos 1990.

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A idéia de rede extra-hospitalar se desenvolve no interior do movimento pela

reforma psiquiátrica seguindo uma nova compreensão da relação saúde-doença,

segundo a qual diferentes “instituições” ou segmentos da sociedade podem ser

acionados para participar como suporte da pessoa em tratamento. Prevê-se que a

rede deva englobar leitos psiquiátricos em hospitais gerais, ambulatórios, serviços

substitutivos de atenção psicossocial, serviços residenciais terapêuticos, outras

estratégias de residencialidade26, como também cooperativas sociais de trabalho,

dentre outros. Os serviços substitutivos são considerados estratégicos para a

consolidação da transformação da assistência em saúde mental, funcionando como

um articulador de uma rede, a qual inclui diversos outros dispositivos como forma de

construção de um suporte externo ao usuário. Aqui, cabe a seguinte reflexão: “Quais

as possibilidades dos serviços substitutivos, em especial os centros de atenção

psicossocial, foco da nossa pesquisa, atingir seu objetivo final diante de uma rede de

atenção estrangulada caracterizada pela ausência de serviços, escassez de recursos

humanos e total precarização?

Segundo Gujlor (2003), em 1991, os CAPS foram inseridos na tabela de serviços do

SUS, com a Portaria MS/SAS nº 189/91. No ano seguinte, a Portaria MS/SAS nº 224/92

regulamentou o funcionamento dos NAPS/CAPS (Núcleos e Centros de Atenção

Psicossocial). Na entrada do século XXI, as Portarias nº 189/02 e nº 336/02 (Cf. Anexo 8)

trouxeram a possibilidade da reorientação do modelo com a regulamentação desse

dispositivo, que assume, doravante, o papel de organizador e regulador do sistema.

As políticas sociais de atenção à saúde mental objetivam, assim, consolidar

uma rede diversificada de ação territorial27. Com isto, pretendem atender problemas

psiquiátricos simples e casos mais graves. Para tanto, os CAPS, estrutura central

26

A exemplo citamos o Programa “De Volta para Casa”, criado pelo Ministério da Saúde no ano de 2003. Este regulamenta o auxílio-reabilitação psicossocial para assistência, acompanhamento e integração social, fora da unidade hospitalar, de pessoas acometidas de transtornos mentais com histórico de longas internações psiquiátricas (dois anos ou mais). 27

Território aqui entendido não somente como bairro ou região da cidade, e sim, lugar social onde tecemos nossos referencias de vida, onde formamos nossas redes de relações sociais (AMARANTE, 2003). Territórios onde se reproduzem relações sociais, pautadas na sociabilidade vigente.

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destas políticas, objetivam articular serviços e instâncias, através de processos de

gestão pública, do incentivo à organização social e política de trabalhadores e

usuários em relação com os movimentos sociais e lutas políticas mais amplas.

Para Lobosque (2003), os serviços substitutivos são aqueles que se

constituem enquanto rede, ou seja, como conjunto articulado de dispositivos e

equipamentos, ações e iniciativas que possibilitam a extinção do hospital psiquiátrico.

Inscrevem-se nas estratégias de uma política pública comprometida com esta

transformação, dentro de um Sistema Único de Saúde (SUS). A estes serviços é

incumbida a responsabilidade de romper com a antipática posição da razão diante da

loucura. A autora alerta-nos para o fato de que estes serviços ganham estatuto de

novos somente se buscarem um lugar de cidadania para os sujeitos em sofrimento

psíquico. Para seu funcionamento, prescinde-se dos habituais recursos dos hospitais

tradicionais, a exemplo da segurança, do afastamento entre técnicos e usuários, ou

usuários e familiares, de medidas medicalizantes, do isolamento, silenciamento,

punição.

Os novos espaços pretendem se constituir em ambiente de inovações do

ponto de vista da cultura. Assim, sua lógica de atendimento não deve se subordinar

aos procedimentos da consulta ou adesão, buscando romper radicalmente com o

tecnicismo e com as rotinas burocráticas. Seu funcionamento, apesar da grande

complexidade, pretende se efetivar com extrema simplicidade de recursos. Objetiva

tornar cada vez mais fluídas, flexíveis, transitáveis as fronteiras entre as instituições

e a sociedade. Os princípios de atendimento preconizam retirar o sofrimento psíquico

do âmbito estritamente sanitário para inscrevê-lo na construção cultural e social da

qual tradicionalmente tem sido alijado (LOBOSQUE, 2003).

Nossa pesquisa pretende dar voz ao usuário e a seus familiares, ratificando

um dos princípios defendidos pelo movimento de Reforma Psiquiátrica, ou seja, a

inclusão destes sujeitos no cenário político. Para Surjus (2007), a centralidade destes

sujeitos, decorre, dentre outros, dos efeitos da nova organização de serviços nas

vidas dos mesmos e do necessário percurso de uma cidadania em construção.

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Acreditamos ser fundamental recuperar a voz do usuário quando tratamos das

instituições responsáveis pelo seu cuidado, e que ganham sentido teórico dentro do

processo de reforma psiquiátrica. Dar voz ao usuário significa colocá-lo na posição

de sujeito e não de objeto como tradicionalmente tem sido posto pela psiquiatria

tradicional.

Utilizamos o termo “usuários” e não “pacientes”, por entendermos, assim

como Barrio (2004), que a figura “paciente” remete à terminologia própria ao sistema

hospitalocêntrico, articulado em torno da noção de doença mental, enquanto que

“usuário” faz referência a sujeitos que se destacam em um sistema comunitário

fundamentado na noção de saúde mental.

Para compreendermos, a reforma psiquiátrica tal qual se apresenta nos dias

atuais, como resultante histórico de um longo processo de disputa teórico-política

envolvendo sociedade, Estado e mercado em relação à situação de pessoas em

sofrimento psíquico, consideramos indispensável revisitar a história, retraçando seu

percurso desde o nascedouro da psiquiatria, nos países europeus para finalmente

apreendermos a realidade atual como síntese de múltiplas determinações sócio-

históricas. O caso brasileiro é considerado como uma particularidade concreta

complexa. Assim, situaremos nosso objeto de estudo no seio da contraditória

dinâmica da sociedade brasileira nos tempos atuais.

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2. POLÍTICAS DE SAÚDE MENTAL: TRANSITANDO PELA CONSTRUÇÃO DA REFORMA

PSIQUIATRICA DO ÂMBITO NACIONAL AO MUNICIPAL

Neste segundo capítulo, inicialmente discutimos o desenvolvimento das políticas em

saúde mental no Brasil, enfatizando em cada fase seus avanços e limites, desde suas origens

ao processo de democratização nos anos 1980. Realizamos breve panorama sobre a política

de saúde de modo mais geral, analisando desde o Estado Novo aos anos 1980, enfocando os

acontecimentos essenciais para as mudanças ocorridas no âmbito da saúde, em particular,

para a saúde mental. Analisamos, ainda, o processo de reforma psiquiátrica no Brasil no

contexto do projeto de Reforma Sanitária Brasileira nos anos 1990 no âmbito da ascensão do

neoliberalismo para o setor de saúde no país.

Em seguida analisamos a Reforma Psiquiátrica no Estado do Rio Grande do Norte

(RN), em especial em sua capital, Natal. Nessa direção buscamos apreender as mudanças

propostas pela reforma, dentre dos serviços estratégicos para sua materialização: Os Centros

de Atenção Psicossocial (CAPS).

2.1. A AÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO NA ÁREA DE SAÚDE MENTAL: DAS PRIMEIRAS

INICIATIVAS DE CONTROLE À CONCEPÇÃO DE UM NOVO MODELO DE ATENÇÃO

PSICOSSOCIAL

Até o início do século XIX, no Brasil, restava aos “doentes mentais” reclusão em

prisões e porões das Santas Casas, que funcionavam como asilos (SURJUS, 2007). Somente

em meados deste século começaram as primeiras iniciativas de atendimento aos doentes

mentais, marcadas pela construção do primeiro hospício do país, no estado do Rio de Janeiro.

Amarante (2003) ressalta que o nascimento da psiquiatria no Brasil está relacionado à

vinda da família real ao país, em 1808. Uma vez no Rio de Janeiro, Dom João VI organizou a

estrutura administrativa necessária à organização do governo. Esse processo de organização

da administração pública acompanhou-se do crescimento dos setores comercial, industrial e

marítimo.

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O Rio de Janeiro - então capital do Império - passa a atrair segmentos de

trabalhadores em busca de novas atividades laborais, resultando em significativo crescimento

demográfico. O espaço urbano se amplia de forma desordenada, a cidade cresce em tamanho

e complexidade com aumento de segmentos “marginalizados”, acarretando conseqüências

sociais que exigem, então, intervenção pública. A medicina social do espaço urbano28 assume a

função de intervir nessas questões. Neste contexto, inicia-se a assistência psiquiátrica, como

forma de controle por parte do poder público.

A carência de mão-de-obra exigia a recuperação daqueles tidos como

“marginalizados”. Da mesma forma e, paradoxalmente, era imperativo constituir um corpo de

conhecimentos que legitimasse a “institucionalização da loucura”. Assim, em nosso país,

validada pelo Estado, pela Universidade e pelo hospital de alienados, a Psiquiatria consolida-se

como o único saber frente à loucura, agora designada “doença mental”.

A primeira reivindicação de criação de um asilo de “alienados” 29 que se tem registro na

história brasileira remonta à ação da Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro, criada em 1829.

Esta instituição formou uma Comissão de Salubridade, responsável pela realização de

diagnóstico sanitário de todas as instituições existentes na corte. A comissão constatou as

precárias condições daqueles tidos, então, como “loucos”, nas ruas, prisões ou hospitais. A

partir do resultado final desse diagnóstico, surgem publicações que reforçam a necessidade de

um hospital para os “alienados” da capital do Império. A primeira tese médica sobre “alienação

mental” foi defendida na Faculdade de Medicina pelo médico Antônio Luiz da Silva Peixoto,

intitulada: “Considerações gerais sobre a Alienação Mental” (1837). O artigo de autoria do

médico Luiz Vicente De-Simoni, designado: “Importância e Necessidade de Criação de um

Manicômio ou estabelecimento para tratamento dos alienados” (1837) publicado pela revista

médica fluminense constitui também referência deste período (AMARANTE, 2003).

Em 18 de julho de 1841, através do decreto No. 82 juntamente com o ato da

sagração de Pedro II imperador, foi criado oficialmente o Hospício Pedro II, localizado

28 Com o crescimento das cidades, estas se tornam objeto de preocupação e de transformação política, econômica e social. Para Amarante (2003) a medicina teve um singular papel na operacionalização dessas transformações. Especificamente, a medicina do espaço urbano tinha por objetivo analisar os lugares onde possivelmente poderia formar-se e/ou reproduzir-se doenças (Cf. AMARANTE, 2003). 29

Termo utilizado para denominar os ditos “loucos”, originado na teoria do pensamento alienista francês, sistematizado por Phillipe Pinel no final do século XVIII, tendo como diretrizes principais o isolamento terapêutico e o tratamento moral (Cf. AMARANTE, 2003).

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na praia vermelha, no Rio de Janeiro. No entanto, somente em oito (08) de dezembro

de 1852, o hospício foi inaugurado, passando logo a ser alvo de duras críticas, pois o

médico não detinha poder efetivo na instituição, estando subordinado às decisões da

Santa Casa de Misericórdia e de suas irmãs de caridade. Notamos que, no Brasil, a

origem dos hospitais psiquiátricos está também associada às instituições filantrópicas.

Em janeiro de 1890, os republicanos30 chegam ao poder, desvinculando o

Hospital Pedro II da Santa Casa de Misericórdia, subordinando-o à administração

pública. O mesmo é, então, denominado Hospital Nacional de Alienados. Em fevereiro

do mesmo ano, é criada a Assistência Médica Legal para Alienados, responsável pelo

estabelecimento das primeiras colônias de alienados (São Bento e Conde Mesquita),

ambas localizadas na ilha do galeão, atual ilha do governador, Rio de Janeiro. Essas

colônias foram as pioneiras na América Latina. Ainda neste mesmo ano, em São Paulo,

foi criada a colônia Juqueri. No Brasil, a implantação do modelo de colônias na

assistência psiquiátrica constitui a primeira iniciativa de mudança na atenção

psicossocial. Esse modelo baseava-se em experiências européias, principalmente, na

experiência de uma pequena aldeia Belga, chamada Geel31.

Em 1903, Juliano Moreira32 assume a direção da Assistência Médica Legal para

Alienados. Em 22 de dezembro do referido ano, é promulgada a Lei nº 1.132,

considerada a primeira lei de assistência aos “alienados” no Brasil.

No Brasil, no decorrer da primeira república, a formação de cidades, o processo de

industrialização/imigração e a conseqüente aglomeração de pessoas em precárias condições

30

Com a proclamação da República pelo Marechal Deodoro da Fonseca em 15/11/1889, a Igreja se

desatrela do Estado. A administração dos hospícios começou a ser então responsabilidade dos médicos,

passando estes à categoria de representantes oficiais do poder estatal (CÉSAR, 2006).

31 Esta colônia camponesa recebia “alienados” em regime de liberdade parcial. Os habitantes auxiliavam

os “alienados” na execução de trabalhos domésticos e agrícolas, passeios e outras atividades na comunidade. Com o tempo, os “alienados” passavam a ter uma vida livre na comunidade e uma franca aceitação social. Posteriormente, o governo Belga oficializou o convívio criando a Colônia Familiar de Geel (SUCAR, 1993). 32

Médico baiano formado na Alemanha, país que passava a tomar a frente dos franceses no campo do alienismo. A partir dele diminui a influência do movimento francês que teve na figura de Phillippe Pinel seu maior representante. Assim cresce a influência alemã que tem em Emil Kraepelin seu mentor principal. O mesmo é considerado o “pai da psiquiatria contemporânea” (Cf. AMARANTE, 2003).

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de vida constituíram determinações que facilitaram a proliferação de doenças infecto-

contagiosas, agravando o péssimo quadro já existente na área de saúde. As epidemias, que

não eram novidade, mas que nessa conjuntura ganhavam outra dimensão impunham medidas

urgentes por parte do Estado. Isso concorreu para que, nos primórdios da república, a saúde

pública aparecesse como preocupação do governo, não só para reverter à péssima imagem do

Brasil no exterior, em decorrência de problemas dessa natureza, mas porque a “nova ordem

republicana”, balizada nos princípios liberais, embora politicamente excludente, defendia a

universalização de certos serviços públicos, a exemplo, da saúde e da educação.

As epidemias, a falta de segurança no trabalho, as péssimas condições de vida e a

falta de assistência à saúde acabaram levando os trabalhadores mais organizados a

explicitarem os antagonismos da relação capital/trabalho. Determinadas bandeiras liberais, que

tinham sido assumidas no discurso pelos republicanos, foram reivindicadas como direitos de

cidadania pelos trabalhadores, estimulando as lutas sociais que assumiram papel relevante no

período de 1910/192033. Nesse contexto, o Estado brasileiro, tal como os estados burgueses

em geral, entra como mediador oferecendo determinados serviços de saúde, de educação

dentre outros, com o objetivo de atenuar e/ou desviar a atenção dos conflitos gerados pelo

próprio modo de produção. Negava-se a cidadania pelo assistencialismo. Dessa forma, tais

serviços, ao mesmo tempo em que atendiam determinadas necessidades dos trabalhadores,

atuavam como instrumentos de controle social e ideológico e contribuíam para “a boa saúde”

dos trabalhadores, necessários ao processo de industrialização em curso.

Bravo (2006) evidencia que, em meio ao processo histórico-econômico e político que

marcou a conjuntura brasileira dos anos 1930, ocorre a formulação da política de saúde: a

questão social deixa de ser tratada como caso de polícia e é, então, objeto de política de

33

Nesse período histórico destacamos no campo político a proclamação da república em 1889, a primeira guerra mundial (1914-1918), no campo econômico a crise do ciclo cafeeiro e a aceleração do processo industrial; no campo social a urbanização, a imigração e os movimentos sociais. No campo cultural, a semana da arte moderna em 1922. Nos anos de 1920 o movimento sanitário defendia um modelo de atenção á saúde formado por uma Rede Local Permanente de unidades de saúde começou a ganhar corpo. Os propositores deste projeto tomavam como referência as ações da Fundação Rockfeller e a experiência americana, defendiam a necessidade de modificar os princípios da saúde pública brasileira na medida em que propunham uma administração dos serviços de saúde pública fundamentada cientificamente, colocando a educação sanitária como instrumento básico das práticas médico-sanitárias (Cf. FRIZON, 2005).

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caráter nacional, como as demais políticas públicas, sendo organizada em dois sub-setores:

saúde pública e medicina previdenciária34.

Posteriormente, durante o Estado Novo (1937-1945) 35, Gondim (2001) destaca

que a política de saúde mental concentrou-se na construção de grandes hospitais

psiquiátricos, reformando e ampliando os existentes.

Para Surjus (2007), a década de 1950 é marcada pela preocupação com as

questões psicossociais devido às contribuições da psicologia e da sociologia, saberes

que contribuem para maneiras diferentes de pensar o “cuidar” e o “lidar” com pessoas

em sofrimento psíquico. Ainda que indiquem uma perspectiva individual de abordagem

e de prática no campo da saúde mental, tais saberes representavam avanço com

relação ao entendimento da problemática em vigor à época. Nesse contexto, surgem os

primeiros medicamentos como os antipsicóticos e, mais tarde, os antidepressivos.

Na década de 1960, os institutos de aposentadoria e pensões foram unificados,

dando origem ao Instituto Nacional de Previdência Social (INPS). Por meio da

34

Seguindo Bravo (2006) saúde pública enfatiza as campanhas sanitárias; a interiorização das ações

para as áreas de endemias rurais como também a criação de serviços de combate às endemias

(predominante até meados dos anos 60). Já a medicina previdenciária teve como marco a criação dos

IAPs que substituíram as CAPs (criadas em 1923) – modelo previdenciário teve como orientação

contencionista, oposto as caixas (mais abrangente).

35 Com a comoção popular causada pelo Plano Cohen (Em 1937, quando se aguardavam as eleições

presidenciais marcadas para janeiro de 1938, a serem disputadas por José Américo de Almeida e

Armando de Sales Oliveira, ambos apoiadores da revolução de 1930, foi denunciada, pelo governo, a

existência de um suposto plano comunista para tomada do poder). Com a instabilidade política gerada

pela Intentona Comunista, com o receio de novas revoluções comunistas e com os seguidos estados de

sítios, foi sem resistência que Getúlio Vargas deu um golpe de estado e instaurou uma ditadura em 10 de

novembro de 1937, através de um pronunciamento transmitido por rádio a todo o País. Iniciando o

período que ficou conhecido em nossa história como Estado Novo (o período da história republicana

brasileira que vai de 1937 a 1945, quando foi Presidente do Brasil Getúlio Vargas). Getúlio Vargas

determinou o fechamento do Congresso Nacional, a extinção dos partidos políticos, outorgou uma nova

constituição, que lhe conferia o controle total do poder executivo e lhe permitia nomear interventores nos

estados, aos quais Getúlio deu ampla autonomia na tomada de decisões, e previa um novo Legislativo,

porém nunca se realizaram eleições neste período da nossa história. Sua política em geral orientou-se

cada vez mais para a intervenção estatal na economia e para o nacionalismo econômico, provocando um

forte impulso à industrialização (Cf. CÉSAR, 2006)

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Previdência Social, o Estado opta pela compra de serviços psiquiátricos ao setor

privado em detrimento do investimento na rede pública, acarretando, na prática, um

aumento expressivo do número de leitos psiquiátricos (AMARANTE, 2003).

Para Bravo (2006), a instauração da ditadura militar, a partir de 1964, expressou a

derrota das forças democráticas, sendo o desfecho da crise de uma forma de dominação

burguesa no Brasil, um meio de impedir que a revolução nacional e democrática interferisse no

desenvolvimento do capitalismo monopolista. O Estado intervém, então, na questão social

através do binômio repressão-assistência, burocratizando e modernizando a máquina estatal

com a finalidade de aumentar o poder de regulação sobre a sociedade, reduzir as tensões

sociais e conseguir legitimidade.

Nessa fase, constatamos uma proliferação de hospitais psiquiátricos privados

conveniados com o poder público, seguindo orientação da política do governo militar,

caracterizada pelo privilégio do setor privado. A doença mental tornara-se objeto de lucro. Esse

período é marcado pela consolidação da “indústria da loucura”, designação desse “mercado” no

qual havia se transformado a assistência psiquiátrica (LOBOSQUE, 2003). No final da década

de 1970, do total dos recursos destinados à assistência psiquiátrica, 97% eram direcionados

exclusivamente ao pagamento das internações na rede hospitalar contratada e conveniada.

Encontramos em Lobosque (2003, p. 15) elementos que evidenciam essa singularidade

brasileira:

Costumava-se dizer, entre nós, que todos os países, na implementação de suas reformas encontraram dois grandes obstáculos: os preconceitos sociais contra loucura, fortemente enraizados na cultura contemporânea – os mitos de periculosidade e da incapacidade, as práticas de invalidação e etc; e a resistência dos setores psi, que tendem a encarar qualquer transformação efetiva da situação como algo que fere os princípios da ciência e da técnica, ou ameaça interesses corporativos. Ora, no Brasil, além destes dois grandes obstáculos temos um terceiro: aquele representado pela indústria da loucura, no contexto de todo um processo de mercantilização da saúde.

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Nos anos 1970, é significativa a influência das correntes européias “psi”36 que

encontraram em nosso país no momento econômico, político e ideológico, um terreno propício

para sua disseminação (BISNETO, 2007).

Com efeito, durante a década de 1970, em consonância com o processo político-

institucional iniciado com o golpe militar de 1964, nosso país segue imerso em um regime de

exceção, que impedia a vivência democrática em praticamente todos os âmbitos da vida

nacional. No que tange especialmente ao campo da saúde, o modelo assistencial vigente à

época era carregado de contradições e injustiças. Essa situação fez com que os trabalhadores

desse setor iniciassem a elaboração e o encaminhamento de críticas à instituição e,

concomitantemente, de forma sistemática, começassem a propor mudanças naquele modelo

(CÉSAR, 2006).

Os anos 1980 foram marcados pela efervescência democrática em todos os campos

da vida social que culminaram com a abertura política. Como afirma Bravo (2006), a 8º

Conferência Nacional de Saúde (1986) constituiu marco histórico importante na trajetória da

política pública de saúde. Nesta conferência, foi delineada a proposta do que se passou a

designar Reforma Sanitária, com seus ideais de democratização do acesso, universalidade das

ações e descentralização com controle social, ou seja, participação da sociedade civil na

elaboração, implementação e acompanhamento da execução das políticas públicas. A vitória

das proposições da Reforma Sanitária se deu graças à capacidade técnica e de pressão dos

movimentos sociais e dos profissionais da saúde sobre os constituintes e à mobilização da

sociedade. A emenda popular assinada por cinqüenta mil eleitores e cento e sessenta e sete

entidades constitui um marco importante desta luta. A análise de documentos comprovam a

influência desse clima de luta na constituição da Secretaria Municipal, responsável pela

implementação da política de saúde no município de Natal-RN.

De acordo com Vasconcelos (1997), as propostas da Reforma, formuladas e

defendidas por um conjunto de sujeitos sociais que se expressavam através do movimento

sanitário, pretendiam alterar a Política Nacional de saúde vigente e, assim, modificar o

arcabouço jurídico-institucional para assegurar o direito universal à saúde, democratizar a

gestão da política, descentralizar o comando e a execução das ações. Tinham, ainda, por

objetivo, contribuir com a reorganização das práticas sanitárias, construindo um novo modelo de

36

Na França, destaca-se Foucault com sua obra clássica: “História da Loucura” e correntes psicológicas institucionais. Na Itália, a psiquiatria Democrática. A Inglaterra com a antipsiquiatria (Cf. BISNETO, 2007).

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assistência, que visava também promover a racionalização e maior eficiência e eficácia no uso

dos recursos.

A luta pela reforma psiquiátrica, forjada no interior do movimento sanitarista, teve

destaque nas mudanças que marcaram, sobretudo, as décadas de 1980 e 1990. Fase também

caracterizada pela implementação das propostas reformistas no âmbito da atenção prestada à

saúde mental. Tais propostas compõem um conjunto de alterações que delineiam um processo

social complexo, conhecido como: Reforma Psiquiátrica.

2.2. A REFORMA PSIQUIÁTRICA NO BRASIL: EXPRESSÕES DO MOVIMENTO

SANITARISTA NA SAÚDE MENTAL

No Brasil, início dos anos 1980, com o processo de redemocratização em

curso37, um conjunto de situações possibilita a emergência do Movimento sanitarista

brasileiro. Na história sanitária brasileira, as idéias defendidas por este Movimento

propunham uma revolução nas relações entre a Sociedade e o Estado. No âmbito das

políticas sociais e, em particular, da saúde, outros referenciais são defendidos, visando

principalmente à universalização e a democratização do acesso.

O Movimento da Reforma Sanitária38 resultou, entre outros frutos, na formulação e

construção do Sistema Único de Saúde - SUS39. Na constituição de 1988, a saúde integra o

37

Segundo Netto (2005), entre 1979 e 1985, o país foi presidido pelo General Figueiredo, esta gestão demarcou de modo claro a incapacidade da ditadura reproduzir-se como tal: “em face do acúmulo de forças de resistência democrática e da ampla vitalização do movimento popular (devida, decisivamente, ao reingresso aberto da classe operária urbana na cena política), a já estreita base de sustentação da ditadura experimentou um rápido processo de erosão...”, contudo, o autor ressalva que o fim do ciclo autocrático burguês não corresponde à emergência de um regime político democrático (NETTO, 2005, p.34). 38

O Movimento de Reforma Sanitária, inspirado no modelo italiano, buscava um projeto para a saúde baseado nos princípios de universalidade, equidade, integralidade, descentralização e participação social. Este movimento nasce sob o regime sob o regime autoritário, na segunda metade da década de 70, articulado ao Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (CEBES) reunindo profissionais, intelectuais e lideranças políticas do setor da saúde, vindos, na maioria do Partido Comunista Brasileiro. Representava um foco de oposição ao regime militar buscando a transformação do setor saúde, pressuposto a democratização da sociedade. O movimento sanitário, assim como, o processo de reforma psiquiátrica objetiva para além de mudanças na área da saúde articulação com transformações societárias. (CORREIA, Maria. A Saúde no Contexto da crise contemporânea do capital: O banco mundial e as

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Capítulo da Seguridade Social, que abrange também o conjunto das políticas de Previdência e

Assistência Social.

No que concerne à saúde pública, no Brasil, outros acontecimentos importantes

marcam o final dos anos 1980. Com a constituição cidadã de 1988, o movimento de Reforma

Sanitária conquista a aprovação de artigos que afirmam a saúde como direito de todos e dever

do Estado, bem como a implementação do SUS (Sistema Único de Saúde), garantindo, pelo

menos do ponto de vista formal, a universalidade, equidade e descentralização40 dos serviços

prestados. O movimento sanitário consistiu na organização dos setores progressistas de

profissionais de saúde pública, que colocou em debate a relação da prática em saúde com a

estrutura de classes da sociedade. Este movimento construído desde os meados dos anos

1970, avançando nos anos 1980 com a elaboração de propostas de fortalecimento do setor

público em oposição ao modelo que privilegia o produtor privado, teve como referência a 8ª

Conferência Nacional de Saúde, realizada em 1986, em Brasília. Os ideais da Reforma

Sanitária podem ser assim resumidos: a democratização do acesso, a universalidade das ações

e a descentralização com controle social.

O processo saúde-doença passa a ser pensado de forma mais ampla,

abrangendo as condições sociais concretas das pessoas, tal como indicava a proposta

da Reforma Sanitária e o movimento pela Reforma Psiquiátrica. A saúde é então

entendida como resultado das condições de vida das pessoas. Assim, para além da

tendências da contra-reforma na política de saúde brasileira. In:Temporalis, Política de Saúde e Serviço Social). 39

O SUS possui como princípios e diretrizes que fazem parte da sua base conceitual-legal

constitucionalmente firmada. Seus princípios asseguram: A saúde como direito de todos, universalidade,

equidade, integralidade, resolutividade, intersetorialidade, humanização do atendimento, participação.

Suas diretrizes seguem: a descentralização, a hierarquização, a regionalização, o financiamento com

recursos do orçamento da seguridade social da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios,

além de outras fontes. E por fim o controle social garantindo a sociedade interagir com o poder público,

participando do estabelecimento das políticas de saúde, discutindo suas prioridades e fiscalizando a

execução dessas políticas e a utilização dos recursos (CÉSAR, 2006).

40 Esses princípios norteiam também a lei orgânica da assistência social, objetivando materializar o

Sistema Único de Assistência Social (SUAS). A universalidade assegura que o destinatário da ação assistencial tenha acesso as demais políticas públicas. A equidade apresenta a igualdade de direitos no acesso ao atendimento, sem discriminação de qualquer natureza, garantindo a equivalência às populações urbanas e rurais. O sistema é organizado segundo diretrizes da descentralização política- administrativa para os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, com o comando único em cada esfera do governo (Lei nº 8.742, de 07 de dezembro de 1993).

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assistência médica, do acesso a um sistema de saúde digno, de qualidade,

compreende-se que a saúde depende do acesso das pessoas ao emprego, com salário

justo, à educação, a uma boa condição de habitação e saneamento do meio ambiente,

ao transporte adequado, a uma boa alimentação, à cultura e ao lazer (RODRIGUES,

2000, p.12).

Referenciada nas definições de Saúde como “direito de todos” e “dever do Estado”, o

agrupamento em um corpo de doutrina e a assimilação do SUS desde a Constituição Brasileira

de 1988 vem ocorrendo de forma gradativa. Os conceitos incluídos no texto constitucional e sua

regulamentação mediante as Leis Orgânicas 8.080/90 e 8.142/90 compõem as bases legais e

fixam princípios e diretrizes para cumprimento das mesmas. Este sistema tem composição

complexa e interdependente, compreendendo as instituições públicas do Poder Executivo em

seus três níveis de Governo, a saber: União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Essas

instâncias são ainda acrescidas, em uma relação complementar, por serviços privados e

filantrópicos, ou ainda, realizados por comunidades e/ou organizações sociais, vinculados de

alguma maneira ao Governo. Este sistema responsabiliza-se pela materialização do que

indicam as leis em termos de direito à assistência em saúde mental. Este complexo edifício

institucional da Saúde expressa e resulta do longo e contraditório processo de Reforma

Sanitária, expresso no que se convencionou chamar “Municipalização da Saúde”.

Evidente, o que encontramos efetivamente na realidade social de nossos municípios

ainda está bem distante das propostas e reivindicações do movimento sanitarista e dos

movimentos sociais em defesa da universalização e da descentralização das políticas de saúde.

Tanto mais se considerarmos o contraditório processo de redemocratização brasileiro iniciado

nos anos 1980 e sua confluência com um processo de liberalização da economia e a busca de

inserção do país na nova ordem do capital, designada mundialização de dominância financeira,

que reedita os princípios da privatização, prega a restrição dos gastos públicos, sobretudo, no

campo das políticas sociais, evidenciando o que Behring (2003) designa “contra-reforma” do

Estado.

Com efeito, as particularidades históricas do liberalismo no Brasil fazem com que as

idéias de universalismo, de liberdade do trabalho, de igualdade perante a lei coexistam

historicamente com a escravatura, o arbítrio e o favor. A burguesia brasileira aceita o princípio

da livre-concorrência nas relações econômicas estratégicas, todavia, na prática, repele a

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igualdade jurídico-política, tal como proclamada nas cartas constitucionais. Apega-se às formas

tradicionais de mandonismo, recurso para preservar suas posições na estrutura do poder no

nível nacional. Estabelece-se, pois, uma estranha articulação entre o forte conservantismo no

plano político – do qual o mandonismo oligárquico é expressão - e a incorporação do ideário

liberal e sua defesa no campo de seus interesses econômicos. A burguesia, no seu horizonte

cultural e no seu circuito político, adaptou-se bem à industrialização intensiva na consolidação

da economia brasileira como uma economia de regulação monopolista, agravando o

desenvolvimento desigual interno e intensificando a dominação externa.

Assim, entender a ação do movimento sanitarista e, em particular, do movimento pela

reforma psiquiátrica no Brasil, demanda situá-lo no contexto contraditório de lutas sociais por

redemocratização, por acesso a direitos, mas, ao mesmo tempo, de crise econômica, de

hiperinflação e agravamento da questão social, que irão justificar as ditas contra-reformas ou

programas de ajuste do Estado e da econômica brasileira à nova ordem econômica mundial.

Com efeito, segundo Surjus (2007), a partir da década de 1990, a assistência pública

psiquiátrica é reformulada, caracterizando-se por uma política nacional de redução de leitos de

hospital psiquiátrico e pela implantação de recursos terapêuticos substitutivos. Mas, isto

acontece inegavelmente em um contexto desfavorável à ampliação dos direitos sociais.

Consideramos que política de saúde mental não pode ser entendida separada

do contexto social mais amplo, estando intrinsecamente relacionada à política de saúde

em geral. Segundo Teixeira (1989), na década de 1980, esta política foi marcada pela

politização da questão da saúde, pela alteração da norma constitucional e por

mudanças no arcabouço e nas práticas institucionais. Tendo como um dos referenciais

teórico Carvalho (2005), não podemos deixar de pontuar as repercussões na

reorganização do Estado brasileiro, considerando-o agente principal na implementação

das políticas sociais, dentre as quais as políticas de saúde. Segundo estudos da autora,

a reorganização do Estado brasileiro é marcada por dois processos estruturais

contraditórios.

O primeiro refere-se ao movimento de democratização, que ocorre a partir dos

anos 1970, caracterizando-se pela rearticulação da sociedade civil que “amplia pela via

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da política suas lutas e reivindicações pela constituição e redefinição de direitos

políticos, civis e sociais”. O segundo processo consiste na “inserção do Brasil à nova

ordem do capital, em meados dos anos 1990, com a realização do ajuste estrutural e de

políticas neoliberais”, sob a hegemonia do capital financeiro e da lógica da

mercantilização.

Cada um desses processos configura características estatais distintas. A

democratização possibilita um Estado democrático, com ampliação da participação

coletiva nos espaços públicos, com intervenção dos sujeitos sociais nas deliberações

sobre as políticas setoriais e um maior controle social. A segunda perspectiva condiz

com o “Estado ajustador” caracterizado pela direção privatista, individualista,

enfatizando a participação solidária e a responsabilidade do indivíduo em detrimento do

Estado, configurando um estado mínimo no social e máximo para o capital, nos dizeres

de Chico de Oliveira. Esta perspectiva contraria as reivindicações e conquistas em

termos de ampliação dos direitos e do escopo das políticas sociais no enfrentamento

das agudas desigualdades sociais, perspectiva materializada na Constituição de 1988

(CARVALHO, 2005).

Nos dias atuais, impera a tendência à segunda perspectiva contribuindo para

proposição e execução de políticas focalistas e seletivas. Referimo-nos ao movimento

pela reforma psiquiátrica, destacando que o mesmo se inscreve no processo de

redemocratização em nosso país.

Com efeito, a reforma psiquiátrica surge no seio da sociedade ainda sob o

regime militar, marcado por contradições, mas, sobretudo, caracterizado, por expressar

anseios de mudanças sociais e estruturais, baseadas na defesa da cidadania, na

ampliação e universalização das políticas sociais. O ideário da reforma foi construído

coletivamente nos diversos espaços de reflexão e debate forjados a partir do final dos

anos 1970.

Segundo Amarante (2003), a década de 1970 inicia-se com a mudança na

denominação do Serviço Nacional de Doenças Mentais (SNDM) para Divisão Nacional

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de Saúde Mental (DINSAM), alteração que refletia a influência preventista norte-

americana41. A partir desta perspectiva preventista, foram criados vários planos com o

objetivo de orientar a atenção em saúde mental. O autor refere-se, notadamente, ao

“Manual de Assistência Psiquiátrica”, elaborado por Luiz Cerqueira, considerado um dos

precursores do movimento pela reforma psiquiátrica brasileira. Em 1973, o Manual de

Serviços para Assistência Psiquiátrica é aprovado, enfatizando a importância da

assistência extra-hospitalar e do trabalho em equipe interdisciplinar, como também a

readaptação do usuário, princípios defendidos pelos adeptos da Reforma Psiquiátrica

até os dias atuais. Tais documentos contribuíram para a formação de um pensamento

crítico nacional. No entanto, a concretização dos objetivos previstos nestes documentos

não foi efetivada, visto que os recursos existentes continuavam sendo destinados, em

sua quase totalidade, à compra de serviços hospitalares privados.

Paulin (2004) ressalta que, apesar dos documentos orientarem a política oficial

de saúde mental para intervenções nos moldes da psiquiatria preventiva, a prática de

financiamento e fortalecimento das instituições psiquiátricas privadas imperava,

revelando assim as contradições que marcam o processo de reforma. A história de

nosso país tem sido pontuada por contradições entre ganhos legislativos e/ou

políticos42 e recuos em termos de materialização destes ganhos. Em alguns casos,

estes não são concretizados no cotidiano do cidadão por conseqüência de “contra-

reformas políticas e econômicas”43 que restringem os orçamentos, sobretudo, aqueles

destinados às políticas sociais.

41

A mesma surgiu na década 1960 nos Estados Unidos (EUA), e tem Gerald Caplan, como seu mais expressivo autor. Tal proposta tem como característica mais inovadora a intervenção sobre as causas e o acompanhamento da evolução das doenças mentais. A partir dessa proposta a psiquiatria substitui seu objeto interventivo, não mais doença mental e sim saúde mental (Cf. LOBOSQUE, 2001). 42

Os liberais reputam uma noção de liberdade de caráter universal, contudo, Tonet (2005) afirma que essa liberdade nada mais é a liberdade do indivíduo entendido como naturalmente proprietário privado e que, como tal, tem em si o eixo de sua realização. Daí o caráter necessariamente formal, jurídico-político da liberdade e dos direitos (Cf. TONET, 2005, p.129). 43 A autora faz uma crítica ao conjunto de reformas implementadas pelo Estado Brasileiro nos anos 90, tendo como sua expressão institucional o plano diretor da reforma do Estado, elaborado por Bresser Pereira. Segundo a autora as reformas vão além de mudanças administrativas, trata-se de uma revisão do conceito de Estado e alteração de sua relação com a sociedade. Não se trata de uma modernização conservadora e sim uma contra-reforma (Cf. BEHRING, 2003).

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63

O Plano de Pronta Ação (PPA) elaborado a partir da promulgação da portaria nº 39 de

1974, pelo então Ministro da Saúde Leonel Miranda, dono de um dos maiores hospitais

psiquiátricos da América Latina marca um período de descontrole no processo de privatização

da assistência médica no país, particularmente, no campo da assistência psiquiátrica. Este

período foi definido por Amarante (2000) como aquele da ascensão da “indústria da loucura”.

Em 1977, o então Ministro da Saúde lança o Plano Integrado de Saúde Mental (PISAM). Apesar

da previsão de algumas iniciativas de caráter preventista em parte do território nacional, os

resultados foram questionados e em pouco tempo o referido plano foi abandonado.

A partir de abril de 1978, período em que ocorre a primeira greve no serviço

público sob o regime militar, o rumo das políticas públicas de saúde mental muda

radicalmente. Foram então realizadas graves denúncias de violação dos direitos

humanos de internos e técnicos em quatro unidades psiquiátricas federais: Centro

Psiquiátrico Pedro II, Hospital Pinel, Colônia Juliano Moreira e Manicômio Judiciário

Heitor Carrilho. Denúncias de estupro, agressões físicas, trabalho escravo e mortes

suspeitas, além de reivindicações por melhores condições de trabalho e assistência

foram explicitadas pelos grevistas. A conjuntura histórica como também a dimensão

ética contribuíram para que este fato obtivesse apoio das forças sociais democráticas

que lutavam contra o regime militar. Ao final dos anos 1970, vários movimentos e forças

políticas contrários ao regime militar se manifestam na cena púbica e tornam explícitos

fatos e problemas que vinham ocorrendo no interior do aparato do Estado, além de

questionar o estado de exceção e o cerceamento de direitos civis, políticos e sociais.

Alguns fatos divulgados e mesmo explorados por setores da mídia, influenciaram a

opinião pública de amplos setores da sociedade, que passaram a reforçar

reivindicações dos movimentos sociais. Estes casos de denúncia foram particularmente

emblemáticos deste momento histórico em que o debate sobre saúde mental ganha

maiores proporções em nossa sociedade.

Para área de saúde mental, o ano de 1987 representa um marco. A partir de

então, se problematiza o lugar social do sujeito em sofrimento psíquico, passando-se a

exigir destes sujeitos e de suas famílias uma nova postura em seus processos de

tratamento. A crítica não mais se limitava aos interiores dos hospitais psiquiátricos.

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64

Após o II Congresso Nacional dos Trabalhadores de Saúde Mental, realizado em Bauru

(1987), a sociedade passa a conhecer o lema “Por uma Sociedade sem Manicômio”,

sendo definido 18 de maio como Dia Nacional da Luta Antimanicomial.

Em maio de 1989, no Brasil, o movimento pela reforma psiquiátrica ganha

proporções nacionais, a partir de denúncias de uma série de óbitos de internos

ocorridos no hospital psiquiátrico “Casa de Saúde Anchieta”, localizado no município de

Santos/SP. Tal situação exigiu intervenção da Secretaria Municipal de Saúde, criando,

desse modo, condições para implantação de um sistema psiquiátrico substitutivo ao

modelo manicomial44. Sobre essa experiência Lobosque (2001) afirma que: “Num

movimento inédito de audácia e criatividade, Santos abriu caminho para todo Brasil, ao

demonstrar a viabilidade concreta e a fertilidade intensa da proposta de uma sociedade

sem manicômio” (LOBOSQUE, 2001, p. 17).

As criticas anteriormente relatadas contribuíram para a construção de um

cenário favorável à reforma psiquiátrica, movimento que objetiva não somente

redirecionar o modelo assistencial de saúde mental, mas prioritariamente construir um

novo espaço social para as pessoas em sofrimento psíquico45, no sentido destes

ocuparem o lugar de cidadania ao qual têm direito, e que historicamente lhes foi

negado. O movimento pela reforma psiquiátrica não limita sua ação à reformulação

institucional, técnica e administrativa, nem tampouco à modernização ou humanização

dos hospitais psiquiátricos, mas muda a perspectiva de compreensão de saúde e

doença mental.

44

Este modelo pauta-se no racionalismo refletido na lógica problema-solução. O objeto da psiquiatria é a doença mental e o local de intervenção o hospital psiquiátrico. É permeado por relações verticalizadas marcadas pela "autoridade" do poder médico (Cf. GUJLOR 2003, AMARANTE 2003, BISNETO 2007)

45 Interessante observarmos as várias mudanças ocorridas nas acepções utilizadas para fazer referência aos sujeitos atendidos pelas políticas de saúde mental. Estas variam de acordo com a época e o processo de reflexão sobre as políticas de saúde mental. Ao longo dos anos, acatando as críticas oriundas tanto dos movimentos sociais quanto de pesquisadores da área, foram utilizados os termos: alienado, louco, maluco, doente mental, deficiente mental, doído, portador de transtorno mental ou psíquico e, mais recentemente, sujeito em sofrimento mental, sujeito em sofrimento psíquico. As mudanças ocorriam em função, sobretudo, da busca de enfrentar formas de preconceitos e de estigmatização destes sujeitos, e modos de vê-los e tratá-lo cristalizados nos discursos e nas práticas dos profissionais da área psicossocial e médica.

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65

A reforma psiquiátrica questiona o saber e a prática da psiquiatria tradicional,

intervindo no âmbito das relações da sociedade com pessoas em sofrimento psíquico.

No plano teórico, os conceitos de doença mental, de normalidade, de cura, de

periculosidade, de incapacidade, de tutela são, então, problematizados. Com relação à

dimensão prática, o hospital psiquiátrico passa a ser questionado como lugar

terapêutico (AMARANTE, 2003). As relações entre os técnicos, a sociedade e os ditos

“loucos” são examinadas, objetivando desconstruir o estereótipo atribuindo à pessoa

em sofrimento psíquico. Conseqüentemente, se estabelece um terreno fértil para

contestações tanto das técnicas praticadas pela psiquiatria, quanto das teorias que as

sustentam.

No Brasil, os primeiros serviços pautados no Paradigma da Atenção

Psicossocial foram o Centro de Atenção Psicossocial Luiz Cerqueira, criado em São

Paulo, em 1987, e o Núcleo de Atenção Psicossocial (NAPS), de Santos no ano

de1989. Estas experiências representam marco referencial, exercendo influência na

criação de muitos serviços de saúde mental em todo país, contribuindo efetivamente

para uma ruptura com o modelo assistencial tradicional, em um momento de intensa

efervescência das lutas pelos direitos democráticos. Ambas resultam de um processo

de mobilizações nos anos anteriores, que envolveu questionamentos de conceitos

instituídos e a construção de novos referenciais, tanto no que diz respeito ao campo da

Saúde Mental quanto ao contexto político e social mais amplo (GUJLOR, 2003).

Lobosque (2001), por sua vez, destaca que nos anos 1990, se iniciam

experiências alternativas de gestão municipal, que favoreceram mudanças em vários

campos. Com efeito, nas eleições municipais, elege-se um número significativo de

prefeitos ligados a partidos do campo democrático e popular favorecendo experiências

pioneiras em seus municípios. A autora destaca ainda que nestes municípios, a

prioridade dada às políticas sociais resulta em avanços na área da saúde, um exemplo

emblemático é o caso do município de Santos-SP.

Os tempos contemporâneos nos parecem de aprofundamento das contradições que

marcam o processo de reforma/contra-reforma no campo da saúde mental. De acordo com

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Gujlor (2003), contraditoriamente, apesar da política atual do Ministério da Saúde adotar como

orientação oficial do modelo assistencial em Saúde Mental, novos dispositivos (serviços

substitutivos de atenção psicossocial, serviços residenciais terapêuticos, outras estratégias de

residencialidade, como também cooperativas sociais de trabalho, dentre outros.), estes ainda

são numericamente reduzidos, no que diz respeito ao atendimento da demanda, se

considerarmos a cobertura dos programas de Saúde Mental, cuja intervenção se dá

exclusivamente através do atendimento ambulatorial e/ou internação psiquiátrica. Apesar das

mudanças nas políticas em saúde mental, o Brasil ainda se destaca como um dos maiores

países do mundo em consumo de psicotrópicos46.

Importante refletirmos sobre estes dados e os confrontarmos com os princípios

norteadores do processo de Reforma Psiquiátrica, que objetivam reduzir o tratamento

medicamentoso, na tentativa de superar este modo de “tratar” pessoas em sofrimento psíquico.

Na reforma psiquiátrica, encontramos também, paradoxalmente, e a despeito

das intenções e objetivos fixados, marcas do Estado ajustador. Um dos princípios

basilares defendidos pela reforma, a desinstitucionalização, muitas vezes é modificada

e transformada em desobrigação estatal, deixando aquelas pessoas que necessitam de

atenção especial em saúde mental, em muitos casos, sob única responsabilidade do

núcleo familiar. Não nos cabe aqui aprofundar o debate sobre o cuidado na família,

porém consideramos aspecto central, pois, esta instituição tem seu papel re-

configurado diante das reformulações na atenção em saúde mental. A

desinstitucionalização implica em investimentos em recursos e transformação nos

46

Segundo dados do I Levantamento domiciliar sobre o uso de drogas psicotrópicas no Brasil realizado

pelo Centro Brasileiro de Informações (CEBRID) sobre drogas psicotrópicas, dentre os resultados

relevantes, podemos mencionar a confirmação de que o consumo de drogas lícitas no país –

especialmente o álcool e tabaco - é superior ao das drogas ilícitas. De fato, tem-se a estimativa de que

11,2% da população pesquisada é dependente de álcool e de que 9% é dependente de tabaco. Em

contrapartida, os resultados sobre drogas ilícitas apontam que 6,9% da população pesquisada já fez uso

na vida de maconha, e 5,8% de solventes. O uso de heroína foi de 0,1%, cerca de dez vezes menor que

nos Estados Unidos (1,2%). Um dado surpreendente foi o uso de 4,3% para os anorexígenos

(medicamentos utilizados para estimular o apetite), sobre cuja venda não há qualquer tipo de controle. O

levantamento foi aplicado no período de setembro a dezembro de 2001, abrangendo as 107 maiores

cidades do país, com população superior a 200.000 habitantes, incluídas aí todas as capitais brasileiras,

totalizando 47.045.907 habitantes, representativos de 41,3% da população brasileira.

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67

modelos de assistência, pois a redução de leitos psiquiátricos tradicionais em si não

garante alternativas para os usuários.

Segundo pesquisas desenvolvidas pelo projeto Transversões47, no período

2000-2006, houve um investimento político e econômico significativo na expansão do

número de Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) no país. Porém, as pesquisas

mostram que a maioria se refere à implantação de CAPS I, II e de Centros de

Convivência. Estes serviços não são inteiramente substitutivos e, muitas vezes, sofrem

sucateamento, burocratização e institucionalização, devido à população de referência

ser relativamente elevada para a capacidade do serviço implantado, descaracterizando

o tipo de atendimento preconizado.

A concretização efetiva da reforma demanda não apenas o aumento do número

de CAPS III, mas exige recursos mais complexos com ações contínuas. A construção

da nova práxis exige intervenções para além do âmbito técnico, envolvendo também o

político e o cultural. Até o presente, o número de CAPS em funcionamento tem se

revelado insuficiente e, na maioria das cidades brasileiras, a atuação dos mesmos é

ainda incipiente. Nas grandes cidades, o risco de desassistência é alto, pois, a extinção

dos leitos psiquiátricos tradicionais não vem sendo acompanhada devidamente pela

implantação dos serviços substitutivos de atenção psicossocial.

É importante enfatizar que a redução do processo de desinstitucionalização a

uma simples desospitalização produz nova cronicidade e não supera a necessidade de

coação e, portanto, de locais de internação. A desospitalização por si só alimenta a

necessidade de lugares para “despejar”. Rotelli (2001) afirma que a eliminação da

internação psiquiátrica é um resultado indireto de um processo social mais amplo de

transformação, que libera da necessidade de internação, pois transforma as

necessidades sociais e as respostas institucionais. Pôr efetivamente em prática o

47

Projeto integrado de pesquisa, coordenado pelo Professor Doutor Eduardo Moura Vasconcelos, sediado na escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Tal projeto objetiva investigar abordagens psicossociais, em geral e campo da saúde mental em particular.

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68

potencial transformador que o processo de construção desse paradigma psicossocial

constitui ainda grande desafio (SURJUS, 2007).

Finalmente, observamos que no cenário contraditório do Brasil contemporâneo,

no âmbito da saúde e, em particular, da saúde mental, a disputa entre as duas

perspectivas supracitadas parece evidente. È fundamental estar atento para que o

legado democrático das décadas de 1980 e 1990, do qual falam Poali e Telles (2000),

favoreça a perspectiva da reforma psiquiátrica e a materialização de seus preceitos.

Considerando que historicamente a psiquiatria é marcada pelo forte traço de

reclusão, de discriminação e estigmatização daqueles que violentamente são

denominados “loucos”, o movimento de reforma psiquiátrica com seus ganhos

legislativos, sua proposta de atenção psicossocial e o debate que suscita acerca da

relação entre pessoas em sofrimento psíquico/sociedade, pode ser citado como ganho

democrático que configura a luta pelo reconhecimento de direitos sociais e civis.

Outra conquista importante citada por Telles e Paoli (2000), refere-se à

ressignificação de valores pelos movimentos sociais, “ressignificação no sentido de dar

voz a saberes sujeitados, subvertendo hierarquias simbólicas, viabilizando a

constituição de identidades das chamadas “minorias”. Conquista também condizente

com a proposta da reforma psiquiátrica, uma vez que este movimento traz à tona

questões negadas e reprimidas ao longo da história, desconstruindo o paradigma

médico-psiquiátrico e a constituição do não-sujeito da psiquiatria. Possibilita, deste

modo, a superação dos saberes psicologizantes e abre espaço para a compreensão

das causas sociais envolvidas nos sofrimentos psíquicos.

Sabemos que as políticas destinadas aos sujeitos em sofrimento psíquico são

marcadas por fortes conteúdos discriminatórios, alijando da sociedade mais ampla aqueles que

apresentam algum tipo de diferença, ou de “anormalidade”. O imaginário social coletivo é

habitado por representações negativas sobre o “louco”, visto como perigoso, indomável,

incapaz, propiciando que se faça um verdadeiro amálgama daquelas pessoas em sofrimento

psíquico. O movimento pela reforma questiona o paradigma tradicional e possibilita a expressão

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e a fala de segmentos tornados “invisíveis” atrás dos muros dos hospitais psiquiátricos. A

construção dos novos serviços de atenção em saúde mental dirige-se no sentido contrário do

ditado pela acelerada globalização mundial, baseada em uma política hegemônica economicista

que alimenta a desigualdade social, a miséria, a intolerância e, conseqüentemente, tem como

fruto desagregação, violência e produção de doenças.

Acreditamos que a individualização da vida social incentivada pela sociabilidade

capitalista desvia o enfoque da transformação social para a transformação individual,

fragmentando o poder de luta das classes trabalhadoras e enfraquecendo a luta pelo coletivo.

No contexto geral, predomina a racionalidade instrumental baseada em critérios econômicos

que privilegiam o mercado ou racionalidades que estimulam a flexibilização, a

superespecialização e a multifuncionalidade no âmbito da organização das forças produtivas. É

evidente, pois, que na sociedade capitalista há interesses econômicos que estruturam relações

de poder e criam ideologias para justificá-las. Portanto, o desenvolvimento das forças

produtivas, as formas de organização da vida social nos tempos atuais põem em xeque as

possibilidades mais frutíferas da área da saúde mental e, mais ainda, acentuam os processos

de adoecimento psicossocial.

Contudo, entendemos que o esforço pela construção de uma rede de

atendimento psicossocial simboliza um compromisso político de ir além da simples

constituição de novos serviços.

Ao tratar das particularidades da formação histórica brasileira, Iamamoto (2007) afirma

que o moderno se constrói por meio do “arcaico”, recriando elementos de nossa herança

histórica colonial e patrimonialista, ao atualizar marcas persistentes e, ao mesmo tempo,

transformá-las, no contexto de mundialização do capital sob a hegemonia financeira. O novo

surge pela mediação do passado, transformado e recriado em novas formas nos processos

sociais presentes. Acentuando um ritmo particular ao processo de mudanças em que tanto o

novo quanto o velho alteram-se em direções opostas: a modernidade das forças produtivas do

trabalho social convive com padrões retrógados nas relações no trabalho, radicalizando a

questão social. Entendemos que as propostas de mudanças na política de atenção em saúde

mental não fogem desses traços: o novo e o velho, sob diferentes roupagens se confrontam.

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70

Martins (1994), por sua vez, considera que a modernização conservadora brasileira

articula o progresso nos marcos da ordem vigente e atribui um ritmo lento às transformações,

de modo que o novo surja como um desdobramento do velho.

No Brasil, a conjunção de quatro fatores sociais, de forma inédita: o capitalismo

monopolista, a globalização financeira e mercantilista, o neoliberalismo e a reestruturação

produtiva - repercute nas políticas sociais, culminando em dificuldades na assistência social e

psiquiátrica (BISNETO, 2007).

No Brasil, a transição do capitalismo competitivo ao monopolista ocorre por caminhos

que fogem ao “modelo universal da democracia burguesa” e acontece por meio do que

denomina democracia “restrita”48. A expansão monopolista faz-se, mantendo, de um lado, a

dominação imperialista e, de outro, a desigualdade interna na sociedade. Ela aprofunda as

disparidades econômicas, sociais e regionais, na medida em que favorece a concentração

social, regional e racial de renda, prestígio e poder. Engendra uma forma típica de dominação

política, de cunho contra-revolucionário, em que o Estado assume um papel decisivo não

apenas na unificação dos interesses das frações de classes burguesas, como na imposição e

irradiação de seus interesses, valores e ideologias para o conjunto da sociedade. O papel do

Estado é decisivo nos caminhos trilhados pela modernização “pelo alto”, em que as classes

dominantes se antecipam às pressões populares, realizando mudanças para preservar a ordem

(FERNANDES, 1975).

O Estado neoliberal reduz as políticas sociais à funcionalidade de manter a produção

social a custos mínimos. Sob a dominação do capital, predomina a busca pela medicalização,

beneficiando a indústria farmacêutica, apontando o tratamento baseado em remédios como

saída para o atendimento em massa. Assim, na contemporaneidade, as lutas dos sujeitos

48

Restrita aos membros das classes dominantes que universalizam seus interesses de classe a toda a

nação, pela mediação do Estado e de seus organismos privados de hegemonia.

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sociais ocorrem em um contexto que lhes é desfavorável marcado pela mundialização49 e por

uma nova fase do imperialismo.

Para cada modo de produção existe uma superestrutura político-jurídica e ideológica

que contribui para a reprodução social deste, daí a relevância de uma leitura macrossocial da

realidade, englobando sua totalidade, formada pela instância econômica que abrange, de um

lado, as relações sociais em torno da transformação da natureza, dos bens materiais, dos

objetos concretos. E de outro lado, a instância política abarca as relações sociais que

organizam os homens na sociedade, as instituições e suas práticas cotidianas, e a instância

Ideológica congrega as relações sociais que dão um significado à vida humana.

Com esta compreensão da realidade qualquer reforma no âmbito de uma sociedade

capitalista deve ser remetida aos determinantes sociais, culturais e econômicos que as

engendram. No Brasil, a reforma psiquiátrica merece, pois, ser concebida como parte da

reforma sanitária para entendermos que as lutas dos movimentos sociais em prol da

redemocratização de nosso país durante a década de 1980 desaguaram em uma nova forma

de lidar com a saúde mental. È óbvio que tais movimentos refletem as contradições peculiares

ao reordenamento das forças produtivas nas sucessivas crises do capital.

2.3. A REFORMA PSIQUIÁTRICA EM NATAL E O LUGAR DOS CAPS

A reforma psiquiátrica em Natal constitui uma particularidade de um processo social

mais amplo – a Reforma Psiquiátrica no Brasil – que, por sua vez emerge no âmbito do

movimento sanitarista. Doravante discutimos elementos do contexto da reforma sanitária no Rio

Grande do Norte, para situarmos a reforma sanitária no contexto de sua capital. Para tanto

debruçamo-nos sobre a dissertação de mestrado intitulada: “Atores e Interesses na

Implementação da Reforma Sanitária no Rio Grande do Norte” (VASCONCELOS, 1997).

Segundo Vasconcelos (1997), antes mesmo de se iniciar a reforma em nosso estado, a primeira

49

Cabe-nos ratificar o pensamento de Iamamoto (2007), esta afirma que a mundialização financeira unifica, dentro de um mesmo movimento, processos que tendem a ser tratados pelos intelectuais de forma isolada e autônoma, tais como: a “reforma” do Estado, a reestruturação produtiva, a questão social, a ideologia neoliberal e as concepções pós-modernas.

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metade dos anos 1980, caracteriza-se pela consolidação de uma rede de serviços básicos de

assistência à saúde de caráter público, resultante da política de expansão de cobertura

assistencial, operada através do Programa de Interiorização das Ações da Saúde e

Saneamento (PIASS) e, posteriormente, das Ações Integradas de Saúde (AIS). Ao analisar a

evolução da política de saúde no Rio Grande do Norte, o autor ressalta que a adesão do

governo às propostas da reforma sanitária brasileira ocorreu de maneira subordinada, motivada

principalmente pela expectativa de transferência de recursos no setor, em um contexto marcado

pela escassez de recurso na área da saúde. Assim, a adesão decorreu de uma busca por

transferências financeiras e não de uma compreensão política do significado social da reforma.

Apesar de essas transferências estarem condicionadas à adesão aos princípios e diretrizes da

reforma, em nosso caso, tal adesão foi eminentemente formal.

As iniciativas reformistas na saúde, divulgadas com grande ênfase, estavam em

sintonia com o discurso de mudanças do governo do estado50 à época cujo compromisso era

implementar no Rio Grande do Norte as mudanças anunciadas pela Nova República. A gestão

iniciou-se demarcando oposições com o governo anterior (José Agripino Maia, do PFL), então

associado ao autoritarismo e aos vícios do regime militar, apesar deste ter composto a Aliança

Democrática que elegeu Tancredo Neves presidente e José Sarney vice (VASCONCELOS,

1997).

A partir de 1987 sob a gestão do Dr. Geraldo Melo (PMDB), o estado se credencia, por

meio de convênio com os Ministérios da Previdência e Saúde, para implantar o Sistema

Unificado e Descentralizado de Saúde (SUDS), desencadeando as mudanças institucionais no

setor, direcionadas para o alcance dos objetivos da reforma sanitária. O Rio Grande do Norte se

destaca à época como um dos primeiros estados da federação a se credenciar para a

implantação do novo sistema (VASCONCELOS, 1997).

Naquele momento, a tônica do discurso institucional da Secretaria de Saúde se volta

para anunciar as mudanças na intervenção governamental e para reforçar os avanços legais

relacionados à Saúde, inscritos na Constituição de 1988. Iniciada a gestão, José Agripino Maia

(PFL, 1991-1994), a partir de uma constatação de que havia um caos na saúde, anuncia a

implementação do SUS, já regulamentado por Lei Federal como o norte para a política de

saúde de seu governo (VASCONCELOS, p. 18, 1997).

50 Governo eleito em 1986 por uma coligação dirigida pelo PMDB, tendo à frente o Sr. Geraldo Melo e como secretário de saúde o Sr. Pedro Melo (irmão do governador),

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73

O conselho municipal de saúde de Natal, instituído em 05 de fevereiro de 1986 com

caráter consultivo, foi o primeiro do estado a se adequar à lei 8.142, em julho de 1991 (SUS),

passando a ter caráter deliberativo e funcionando com nova composição, obedecendo à

paridade entre usuários e demais segmentos. Nos demais municípios, os conselhos municipais

de saúde foram criados em sua maioria em função de exigências legais para adesão ao

processo de municipalização. Contudo, o autor afirma a evidência com relação à manipulação

na composição dos conselhos pela interferência do sistema político dominante em nível local,

que procura moldá-los em conformidade com seus interesses de modo a mantê-los atrelados a

políticos locais e aos seus representantes e cabos eleitorais. Assim, a participação dos usuários

tem se restringindo à manifestação nas conferências e nos conselhos de saúde, sem

desdobramentos nas entidades e nas comunidades, comprometendo a legitimidade e a

representatividade dos usuários.

Vasconcelos (1997) analisa criticamente a política de saúde implementada no Rio

Grande do Norte, e constatou que muito pouco mudou na ação das instituições oficiais de

saúde, a despeito de todos os avanços legais e do estabelecimento de novas formas de

participação da sociedade com a criação e o funcionamento dos conselhos de saúde.

Em pouco mais de dez anos houve alterações nessa realidade? Trata-se de questão

complexa cuja análise poderia dar lugar a uma nova dissertação. Destacaremos um aspecto: a

participação dos usuários em saúde mental junto as suas entidades representativas. Que

sujeitos sociais têm se destacado no âmbito da política de saúde mental de Natal? Buscaremos

apreender esse processo social em sua dinâmica e contraditoriedade. Em seu estudo

Vasconcelos (1997) enfatiza que:

A hegemonia no campo da saúde tem sido exercida por um bloco

integrado por segmentos de elite da corporação médica, grupos

médico-empresariais e grupos políticos com suporte eleitoral nos

serviços de saúde articulados aos partidos dominantes na política

estadual, polarizados de um lado pela família Alves, que comanda o

PMDB, e de outro pela família Maia, que comanda o PFL. Esses

grupos e indivíduos tem se revezado na direção do aparelho estatal

setorial e assim viabilizando seus interesses pessoais, corporativos,

lucrativos e políticos (p.16).

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Em entrevista a nós concedida, a ex-presidenta (por duas gestões seguidas: março de

2006 á março 2008) do Conselho Municipal de Saúde de Natal revela impasses e limites

vivenciados.

Não tenha dúvida! Em 2007 assumiu o conselho de medicina um

grupo muito conservador, privatista, neoliberal. É o mesmo grupo das

cooperativas e da associação médica. Altamente articulado com os

grupos de direita. Pode dizer isso sem medo!

Vasconcelos (1997) conclui que a reforma sanitária em nosso estado foi implementada

sob a direção de atores sociais defensores do “status quo” no campo da saúde, cujos interesses

seriam afetados com a efetivação das propostas reformistas.

Paiva (2007), por sua vez, afirma que a reforma psiquiátrica no Rio Grande do Norte é

um exemplo do que vem se configurando no país, ou seja, com suas especificidades, ela

integra um processo histórico de nível nacional, no campo da saúde mental. Contudo, não

podemos deixar de evidenciar que em um país de dimensões continentais, as disparidades

entre regiões, estados e municípios são incontestes, evidenciado marcas de temporalidades

distintas em um mesmo período histórico. Adentrar na realidade da cidade de Natal nos

permitirá evidenciar características gerais e particularidades do processo de reforma

psiquiátrica, tomado aqui como totalidade histórica, com expressões conjunturais próprias.

Entrando, em seguida, no “túnel do tempo”, este nos leva a importantes fatos que marcam a

história da política de atenção em saúde mental na cidade de Natal.

Procedemos, inicialmente, a um resgate do processo de reforma psiquiátrica em Natal,

pondo em evidência avanços e limites, para, em seguida, analisarmos as contradições que

marcam a estruturação da rede de atuação psicossocial, no interior da qual se situa o CAPS II-

Leste, lócus de nossa pesquisa empírica. Nossa intenção é situar nosso objeto de estudo – as

possibilidades e limites para materialização da reforma psiquiátrica em Natal – no contexto

sócio-histórico no qual se processa, para dele extrairmos as determinações que nos auxiliam a

apreender a realidade, para além de seus aspectos fenomênicos, em suas múltiplas

determinações econômicas, políticas e sociais.

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75

Ao tratar de saúde mental, Paiva (2007) afirma que, a partir da década de 1990, o

processo de reestruturação da assistência psiquiátrica no Brasil teve grande desenvolvimento,

respaldado pelas portarias ministeriais que apontavam para a criação de uma rede de cuidados

em saúde mental. Contraditoriamente, esse lapso temporal foi também marcado pelo êxito

ideológico do projeto neoliberal, cujos elementos centrais sinalizam os limites para

concretização do novo modelo de atenção psicossocial. Esses elementos do contexto mais

geral incidem na realidade estudada. Para apreendê-la em sua complexidade, evidenciando os

determinantes de sua gênese e crise, nos deteremos ao processo histórico de reforma

psiquiátrica e a inflexão advinda das contra-reformas implementadas, sobretudo, a partir dos

anos 1990, explicitando as repercussões na realidade natalense.

Para entendermos os limites e contradições que perpassam o processo de

reforma psiquiátrica no Rio Grande do Norte e, em particular, em Natal, a análise da

constituição dos serviços psiquiátricos é bastante reveladora. Tal análise indica a

importância e centralidade da área médica e dos hospitais na assistência em saúde

mental. Esta realidade não difere do contexto brasileiro; Entretanto, apresenta

particularidades que pretendemos apreender.

Reportando-nos ao nascedouro da psiquiatria no estado Rio Grande do Norte,

constatamos que as características do local que abrigava os “insanos” seguiam a

representação dominante: distante da cidade, paredes úmidas e grades de ferro

espessas. Para Sucar (1993, p. 37):

Por volta da segunda metade do século XIX as construções urbanas da cidade do Natal/RN, ainda não alcançavam as proximidades do Baldo e, para além dessa região, avistava-se uma extensa e erma mata, construída principalmente por frondosas mangueiras demarcada em toda sua extensão por um profundo silêncio, e que somente seria quebrado por gritos incessantes, que ainda hoje dizem, podem ser ouvidas por algumas pessoas, talvez as mais sensíveis, cujo tom de angústia e desespero, bem iriam configurar nesta paisagem distante da cidade, o sentimento e a dor dos homens, mulheres e crianças, que denominados na grande maioria das vezes, da forma mais indiscriminadamente possível de loucos

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Entre 1882 e 1911, dois momentos importantes devem ser frisados: a

construção do “Lazarento da cidade do Natal”51 e posteriormente sua transformação em

“Asilo da Piedade”52. Após a publicação do decreto de nº141 pelo governo de Antônio

José de Melo e Souza, em 22 de abril de 1921, procedeu-se à elaboração de um

regulamento. A partir de então, o asilo passa a ser denominado “Hospício de

Alienados”. Apesar da alteração, a situação de extrema penúria na qual conviviam os

“loucos” permanece inalterada (SUCAR, 1993). Em 1934, nova denominação entra em

vigor: “Hospital de Alienados”, através do decreto nº 24. 559, publicado durante o

governo de Getúlio Vargas53. As constantes mudanças de denominação dos serviços

de atenção em saúde mental revelam a necessidade de transformar a atenção

prestada. No entanto, as mudanças podem se concretizar, ou não, na prática cotidiana

dos serviços. Tais mudanças não decorrem de forma direta e imediata da alteração de

suas denominações.

Em 21 de julho de 1957, o “Hospital de Alienados” de Natal fechou suas portas

e seus internos foram transferidos para o “Hospital Colônia”, oficialmente inaugurado

em 15 de janeiro de 1957, sem que sua construção tivessem sido concluída. Com

efeito, a “Colônia” começou seu funcionamento em 20 de junho de 195754.

51

Em 07 de novembro de 1882, o então presidente da Província, Francisco de Gouveia Cunha Barreto, iniciou a construção do prédio destinado a abrigar e tratar todas as pessoas indigentes que necessitassem de algum tipo de assistência. O prédio localizava-se na estrada velha do Guarapes, hoje, correspondente à Rua: Fonseca e Silva, Bairro Alecrim. Os recursos destinados à obra provinham do governo e das camadas dominantes, que se dispunham a “contribuir”, não por caridade cristã e sim pelo interesse manifestado em afastar, segregar do seu convívio aqueles que representassem ameaça à ordem vigente. A razão para construção do lazarento também está relacionada a uma epidemia de varíola que assolou o Estado naquela época (SUCAR, 1993). 52 Contudo, a instalação de grades e fortificações constitui o único tipo de intervenção constatada na estrutura física. O atendimento médico começou somente em 1916. O asilo dispunha de um único profissional para atender a uma demanda crescente. Antes, o tratamento era realizado por católicos devotos que exercitavam sua “caridade cristã”. Apesar da presença do médico, o tratamento continuou baseado no confinamento, na cela, na utilização de camisa de força, de duchas e choques térmicos. O número de internos superou a quantidade de leitos disponíveis, tornando dramático o funcionamento da instituição. (SUCAR, 1993). 53

Este decreto responsabiliza, o então Departamento Nacional de Saúde pela assistência, proteção e fiscalização dos serviços psiquiátricos, e determina que, doravante, a direção das instituições deveria ser assegurada por especialistas. 54

A construção foi possibilitada graças ao esforço do professor João da Costa Machado, precursor da

psiquiatria social no Rio Grande do Norte. Até os dias atuais este é o maior hospital psiquiátrico do

Estado.

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A reforma psiquiátrica em Natal ganhou força com a criação da Secretaria

Municipal de Saúde (SMS), em 1986, sob a influência da nova política de saúde, então,

gestada no país. As resoluções da 2º Conferência Nacional de Saúde Mental (1992)

constituíram a base de mobilização dos profissionais da saúde em Natal na defesa da

reforma psiquiátrica. Estas resoluções preconizavam a criação de uma rede de atenção

integral de saúde mental em substituição aos hospitais psiquiátricos. Contudo, apenas

em 1992, foi formalmente organizada a assistência à saúde mental na rede pública. Até

então, os serviços de saúde mental restringiam-se à oferta de leitos nos hospitais

psiquiátricos, grande parte destes, privados, credenciados ao SUS. O Hospital Dr. João

Machado (HJM) destaca-se como a única instituição desse tipo totalmente pública55,

permanecendo assim ainda nos dias atuais.

Apesar do foco de nosso trabalho não constituir em uma análise sobre atenção em

saúde mental, prestada por hospitais nos moldes tradicionais, é míster tecer considerações

sobre a atual situação do único hospital público de referência de urgência em psiquiatria de

nosso estado (RN).

Em 16/06/2009, o Conselho Regional de Medicina (CREMERN)56 interditou o

atendimento psiquiátrico do Hospital João Machado [grifos nossos]. Os 138 usuários, além

55

Dos cinco hospitais psiquiátricos distribuídos pelo nosso estado, quatro (04) são privados,

credenciados ao SUS, e somente um (01) totalmente público. Do total destas instituições três (03)

funcionam em nossa capital, e os demais se localizam na cidade de Mossoró, e o outro em Caíco. Em 14

de julho de 2009 o Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte, através da Promotoria de

Defesa dos Direitos da Saúde, imputou uma ação civil pública contra o Estado do RN e o município de

natal. Cobrando dentre outras tantas coisas, medidas eficazes para finalização das obras de reformas

nas dependências físicas, naquele que é o maior hospital psiquiátrico público do nosso Estado – o João

Machado. O mesmo dispõe de 160 leitos, possui cinqüenta e cinco anos de existência, integrante da

rede pública estadual hospitalar/ Secretaria Estadual de Saúde/SESAP. Ao que compete ao âmbito

municipal o Ministério Público exige melhores esclarecimentos sobre a cota de responsabilidade deste no

“caótico quadro da assistência mental do SUS na capital”.

56 Segundo declarações do secretário-geral e do tesoureiro do Cremern, não há mais prazo para que as

reformas e melhorias na estrutura física e nas condições de trabalho sejam realizadas. A interdição é

fruto de uma série de problemas estruturais no prédio do Hospital. Rachaduras nas paredes e no teto são

alguns dos problemas relatados pelo Conselho. Um relatório, com mais de em 100 fotografias dos

problemas encontrados pela fiscalização em visita ao local, foi enviado para a direção do João Machado.

Tais problemas têm sido continuamente denunciados pelo Conselho. Até a presente data, providências

não foram tomadas pela Secretaria Estadual de Saúde.

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de outros 30 que aguardavam atendimento no pronto-socorro, foram transferidos para outro

estabelecimento sob responsabilidade da Secretaria Estadual de Saúde (SESAP). O presidente

do Conselho (CREMERN), Luiz Eduardo Barbalho, afirmou que as condições físicas do prédio

colocavam em risco o atendimento ao público. Em entrevista ao Jornal Tribuna do Norte, o

mesmo enfatiza: “Já avisamos aos órgãos competentes, como o CREA, o Corpo de Bombeiros

e a Vigilância Sanitária”.

Diante desta situação, os técnicos ficaram impedidos de atender no pronto-socorro e

na enfermaria do Hospital. Segundo um psiquiatra, integrante da equipe, o Hospital esteve

prestes a ser interditado diversas vezes. O mesmo assegura ainda: “Não é a primeira vez que o

Conselho tem que intervir. Temos um prédio da década de 1950 do século passado

praticamente sem reformas desde então, em decadência, sujo, etc... Não há condições de

atender”. Este profissional considera catastrófica a paralisação do atendimento no pronto-

socorro para a assistência em saúde mental do Estado: “É o único local que atende os casos

mais graves. E agora para onde vão essas pessoas, se a rede municipal não funciona?”,

indaga.

Para o médico, a reforma psiquiátrica em Natal serviu apenas para diminuir os gastos

com saúde mental. “Hoje, a maior parte do João Machado é utilizada como enfermarias

auxiliares ao hospital Walfredo Gurgel. Não há interesse na saúde mental, não há

investimento” [grifos nossos], afirma. Além disso, a escala de psiquiatras também está

incompleta, e não apenas nesta especialidade. Existem 07 (sete) médicos psiquiatras no João

Machado, enquanto o número necessário seria 14 (quatorze), de acordo com o diretor técnico

da unidade. Frisamos que não é recente a situação de calamidade e acontecimentos polêmicos

neste hospital57 (Jornal Tribuna do Norte, 2009). Em 07 de julho de 2009, o Jornal de Hoje,

57 No dia 19 de julho de 2006, José Felipe dos Santos, de 60 (sessenta) anos, internado há dois meses,

foi encontrado morto na quadra da 4ª Enfermaria com queimaduras no corpo devido à prolongada

exposição ao sol. Familiares da própria vítima encontraram o corpo deste senhor, antes que qualquer

indício fosse notado por um profissional da equipe. O corpo ficou cerca de quatro horas exposto ao sol

sem ninguém saber que ele estava morto! A Secretaria Estadual de Saúde Pública abriu sindicância e

uma comissão foi formada para investigar o caso. Em agosto de 2008, funcionários e usuários do

Hospital participaram de um protesto, organizado pelo Sindicato dos Trabalhadores em Saúde do Rio

Grande do Norte (SINDSAÚDE), motivado pela situação de caos vivenciada por este hospital. Segundo

denúncias, alguns usuários estariam agredindo funcionários e até um caso de abuso sexual foi relatado.

A assessoria de comunicação da Secretaria Estadual de Saúde Pública (SESAP) informou, por meio de

nota, que “não chegou ao conhecimento formal da direção do Hospital Psiquiátrico João Machado

nenhum dos fatos mencionados. Entretanto, as denúncias estão sendo averiguadas e as providências

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jornal local, edita a seguinte manchete: “Atendimento psiquiátrico no Hospital dos Pescadores

supera a precariedade do HJM”. Segundo essa reportagem, a unidade de saúde disponibiliza

apenas sete (07) leitos para todos os pacientes psiquiátricos do Estado. Registramos aqui

nossa indignação com atual situação da política de saúde mental prestada em nosso município

e Estado.

O relato acima revela contradições que marcam as políticas de saúde no

estado. Tal situação compromete o caráter complementar da atenção em saúde mental

previsto nas diretrizes norteadoras do processo de reforma psiquiátrica e contribuem

para uma sobrecarga dos CAPS e demais serviços na medida em que os usuários

buscam atendimento onde podem, sobretudo, nos momentos de crises agudas. Estes

dados da realidade são importantes para a apreensão das condições da rede de

atenção psicossocial em Natal.

A Secretaria Municipal de Saúde (SMS) buscou estabelecer um modelo de

atenção referenciado nos princípios do projeto de reforma sanitária brasileira:

universalização58, democratização, hierarquização e integralidade das ações. A

proposta visava estruturar os serviços de atenção em saúde mental em seus diversos

níveis de assistência, focalizando a prevenção, a promoção, o tratamento e a

reabilitação. Para observarmos a evolução dos conceitos de assistência à saúde mental

e as conseqüentes transformações ocorridas em Natal, é importante resgatar a história

da estruturação desses serviços. O estudo realizado por Paiva (2007) divide a

implantação da reforma psiquiátrica no município em quatro momentos distintos.

O primeiro corresponde aos anos de 1986 a 1992, e caracteriza-se como a etapa de

planejamento e organização de uma nova rede de assistência em saúde mental. Como destaca

a autora, em 1986, a partir da 8º Conferência Nacional de Saúde, ampliam-se as discussões em

torno do conceito de saúde, passando a envolver também categorias profissionais como

psicólogos, assistentes sociais e enfermeiros. Como resultado dessas discussões, propôs-se

cabíveis sendo tomadas. Destacamos ainda o fechamento do ambulatório e do hospital-dia, desta

mesma instituição, complexificando a atenção prestada em saúde mental.

58

Universalização do atendimento e equalização do acesso com extensão de cobertura de serviços. Democratização através da participação da população via entidades representativas na formulação, gestão, execução e avaliação das políticas e ações de saúde. Provimento das ações e serviços mediante rede regionalizada e hierarquizada, integrados ao Sistema Único de Saúde (SUS). Atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas sem prejuízo dos serviços assistências (MOTA, 2006).

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80

uma reorganização dos serviços que anunciava a importância da ação interdisciplinar no âmbito

da saúde e reconhecia a imprescindibilidade das ações realizadas por diferentes profissionais

— conforme justifica a resolução 218, de 6 de março de 1997, do Conselho Nacional de Saúde.

Em Natal, o profissional de psicologia foi um dos primeiros a ingressar na SMS com o intuito de

realizar ações no âmbito da saúde mental, tornando-se um importante sujeito político no

processo de reforma psiquiátrica. Não obstante a psicologia já tivesse ocupado seu espaço na

rede de saúde pública e assistência em saúde mental de várias localidades, em Natal ela

desempenhou papel de protagonista, principalmente devido ao reduzido número de psiquiatras

afinados com as idéias inovadoras, conforme atesta o depoimento do ex-secretário de Saúde

de Natal, incluído no estudo de Paiva (2007):

Houve pouquíssima renovação no quadro da psiquiatria em Natal. Não

foi por acaso que durante muito tempo não houve concursos na

universidade para a área de psiquiatria. Não tinha residentes [...] Não

tivemos novos quadros de profissionais com idéias novas para atuar no

campo. Isso reforçou muito a visão mais tradicional da psiquiatria, que

defendia o asilo, o espaço do hospital psiquiátrico.

Este depoimento revela um dos limites e uma característica peculiar da realidade

natalense, com implicações diretas na materialização da reforma. A tímida presença de

psiquiatras defendendo a reforma deixa espaço para outros profissionais. Com efeito, a partir de

1988, os psicólogos começam a se tornar referência na rede de saúde pública de Natal, ao se

responsabilizarem pelas chamadas atividades de saúde mental. Posteriormente, esse grupo

viria compor a Coordenação de Saúde Mental do município. Entre 1989 e 1990 ocorre à

primeira etapa de municipalização, processo de organização política, social, geográfica e

econômica, durante a qual o poder e o planejamento em saúde são descentralizados.

Esperava-se que, à medida que avançasse a municipalização dos serviços e aumentasse o

número de trabalhos realizados por áreas distritais, com maior conhecimento dos problemas da

população, mais questões relacionadas ao campo social e à saúde mental emergiriam. Foi a

partir do trabalho de prevenção e tratamento, bem como das intervenções terapêuticas nas

Unidades Básicas de Saúde (UBS), que se abriram novos horizontes na assistência à saúde

mental (PAIVA, 2007).

Como esperado, a equipe se confrontava com a tarefa cotidiana de atender a uma

população que trazia cada vez mais demandas em saúde mental nas UBS. Estas, entretanto,

não estavam suficientemente instrumentalizadas para as novas solicitações que batiam à sua

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porta. Egressos de hospitais psiquiátricos, psicóticos e neuróticos graves chegavam às UBS. As

equipes não se consideravam preparadas para atender, por questões de estrutura física da

unidade ou por características da formação dos profissionais. A capacitação desses

profissionais para os serviços constituía então preocupação maior. Ademais, diante da

precariedade das condições de atendimento, surgiram propostas para melhor estruturar o setor

de saúde mental.

Paiva (2007) aponta elementos fundamentais acerca do processo da reforma

psiquiátrica no estado do Rio Grande do Norte, especialmente, na capital do estado,

Natal. A apreensão deste processo implica na análise dos debates ocorridos a partir de

1992 na Secretaria Municipal de Saúde, no âmbito dos quais aparecem às discussões

sobre a reforma psiquiátrica em todo o estado. Uma das especificidades do processo

de reforma psiquiátrica natalense é destacado na fala de uma das nossas

entrevistadas:

Então, a secretaria foi constituída enquanto secretaria de saúde naquele momento, [...] ela foi criada quase junto, vamos dizer assim, com todo movimento sanitário, então eu acho até que mesmo ela ter sido criada junto com o movimento sanitário, a reforma, essas práticas, essa coisa toda, então nosso modelo era bastante singular! Na atenção básica nós tínhamos praticamente quase todas as especialidades. Então, olhe para você ter idéia antes da gente abrir a unidade de saúde nós tínhamos um perfil epidemiológico, social, econômico de toda aquela área. Fomos de casa em casa, traçamos todo o perfil, depois daquele perfil, traçamos as novas ações de saúde! Dentro daquela realidade, daquele bairro, daquela população, daquele território (Coord. Municipal de saúde mental).

A fala revela uma preocupação com o maior conhecimento da realidade de

cada “território”, de cada região administrativa, com o envolvimento de profissionais das

diversas especialidades, além da participação das comunidades.

No âmbito de nossa pesquisa, analisaremos de modo mais aprofundado o

envolvimento de sujeitos sociais, usuário ou profissionais. Mas, os depoimentos indicam

uma relação mais próxima entre técnicos e usuários e um maior engajamento no

período inicial da reforma e quando da criação das Unidades Básicas de Saúde, em

Natal, como verificamos no depoimento abaixo concedido a nós, através de entrevista:

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A gente tinha uma participação na comunidade muito grande, eu me lembro de vários deles. Ia aos centros comunitários participar de palestra, encontros, trocar idéias, a gente tinha tanta intimidade com o posto de saúde que era onde eu trabalhava, que menino uma coisa quebrada, olha vai ali na casa de fulano pedir uma chave de fenda, e o pessoal ia trazia a chave, ia e trocava... Entendeu? Então a intimidade era tamanha que a gente realmente se conhecia, todo mundo se conhecia. Todo mundo ah! Você trabalha no posto de saúde, ah! Você mora naquela rua, você é nosso cliente, entra aqui como é que vai? A gente se encontrava na parada, na esquina... Então assim era uma coisa muito coletiva! Muito gostosa! Então a gente trabalhava nas creches nos centros comunitários, nas igrejas, então quer dizer havia esse movimento, tava pulsante (Coord. Municipal de saúde mental).

Ao se referir à implantação dos primeiros Núcleos, uma das ex-diretoras do NAPS

Leste, destaca as dificuldades, mas, atribui grande importância para os avanços obtidos na

composição e atuação da equipe, como observamos no depoimento abaixo, citado por Paiva

(2007, p. 559).

Em Natal, inicialmente, a reforma psiquiátrica representou um avanço.

Em 1992 começamos a fazer um plano de reestruturação em saúde

mental e fizemos o projeto do NAPS, com muitas dificuldades, porque a

saúde pública como um todo tem muitas dificuldades. Mas tinha uma

equipe batalhando por isso, à frente. Então, nós começamos com uma

estrutura super precária; tínhamos a casa, mas não tínhamos os móveis.

Eram muitas dificuldades mesmo, mas estávamos tentando e a equipe

era muito boa (ex-diretora do NAPS-Leste e ex-secretária de Saúde de

Natal).

Em 1992, a SMS promove um segundo concurso, permitindo que novos profissionais

ingressem na rede básica. Assim, constituem-se equipes mínimas de saúde mental, conforme

preconizado pela Organização Mundial de Saúde (OMS). A partir de então, enfermeiros,

médicos, assistentes sociais e outros profissionais juntaram-se aos psicólogos nesse processo

de transformação. Todavia, a equipe em formação continuava enfrentando desafios para além

de suas capacidades profissionais: o próprio processo de instalação dos serviços e de

constituição das equipes já revela o espaço e a presença marcante dos psicólogos, presença

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reforçada posteriormente, pelos poucos psiquiatras, que se mostraram em fase com a proposta

(PAIVA, 2007).

Com o fortalecimento dessas equipes, suas propostas e ações ganham credibilidade.

Toma corpo a idéia de uma rede de serviços de atenção integral em saúde mental. Diversas

oficinas foram realizadas, o que culminou com a 1ª Conferência Municipal de Saúde Mental, em

outubro de 1992, com participação de quinhentos profissionais da área e o apoio do Ministério

da Saúde, em parceria com a Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Neste mesmo ano,

as discussões em torno da criação de novos dispositivos de atenção em saúde mental se

realizavam em todo o país, principalmente, em decorrência de experiências exitosas em vários

municípios. Também, na mesma época, o Ministério da Saúde lança portarias normativas que

subsidiam as secretarias estaduais e municipais na implantação desses dispositivos.

Destacamos, em especial, a portaria 224, de 29 de janeiro de 1992, publicada no Diário Oficial

da União, em 30 de janeiro de 1992, que orienta a criação dos serviços de saúde mental

NAPS/CAPS. Tendo por diretrizes os princípios da reforma sanitária e preconizando métodos e

técnicas terapêuticas nos vários níveis de complexidade assistencial, a portaria estabelece

também que essas unidades de saúde mental ofereçam cuidados intermediários entre o regime

ambulatorial e a internação hospitalar, os quais devem ser realizados por uma equipe

interdisciplinar. Institui ainda que o funcionamento dos referidos serviços deveria ser ininterrupto

durante os sete dias da semana, podendo, eventualmente, contar com leitos de repouso.

Mediante tais portarias e, sobretudo, após a Conferência Municipal de Saúde Mental,

deliberou-se a reestruturação da assistência na área, com a idealização de uma rede

hierarquizada e descentralizada de serviços. Em novembro de 1992, foi lançada a Proposta de

Reorganização da Atenção em Saúde Mental no Município de Natal. O documento propunha

um sistema integrado de atendimento, por meio do qual a saúde mental passaria a ser

compreender três níveis de atenção, conforme mencionado anteriormente. O projeto da SMS

contemplava policlínicas especializadas, Centros de Atendimento 24 horas, leitos psiquiátricos,

em hospital geral, Centros de Atenção Psicossocial e abrigos protegidos. Tal projeto não

contemplava ainda os centros de convivência, as residências terapêuticas e as cooperativas de

trabalho. O trabalho seria interdisciplinar, com os psicólogos à frente (PAIVA, 2007).

Iniciava-se o segundo momento da reforma psiquiátrica no Rio Grande do Norte,

período de implantação das propostas, que corresponde aos anos de 1993 a 1995. Nas

unidades básicas, foram criados setores de referência em saúde mental e em dependência

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química. No mesmo contexto, iniciou-se a implantação do NAPS, dispositivo intermediário entre

a UBS e o hospital. Os critérios de funcionamento do NAPS foram exaustivamente discutidos,

mas o projeto demorou a sair do papel, em parte devido à polêmica envolvendo, por um lado,

psiquiatras e, por outro, os profissionais afinados com os princípios da reforma. Na verdade,

muitos profissionais da psiquiatria discordavam do processo em curso, temiam perder seu

estatuto de Psiquiatras, pois, a nova realidade mostrava que a psiquiatria isolada não dava

conta das demandas em saúde mental. No depoimento abaixo citado por Paiva (2007), a ex-

coordenadora de Saúde Mental reporta-se a dificuldades enfrentadas para implementação de

mudanças na política de saúde mental, em Natal:

Isso gerou problemas polêmicos no campo da psiquiatria em Natal... De

certa forma houve muita pressão e ameaças. Por exemplo, se o médico

dava um depoimento no jornal, os psiquiatras queriam que o Conselho

de Medicina atuasse contra ele, por ser favorável à reforma psiquiátrica.

A polêmica ultrapassava a questão da concordância ou não com os princípios da

reforma psiquiátrica. Estava em jogo a necessária “retirada” de leitos da rede privada

conveniada com o SUS, em número equivalente àqueles a serem criados nos serviços 24

horas. Em Natal, não se conseguiu implantar os Centros 24 horas. O projeto inicial foi

modificado para o que configura o NAPS59. A coordenação de Saúde Mental chegou a alugar

uma casa durante um ano, aguardando condições financeiras e administrativas para implantar o

projeto, mas, apesar do apoio do então prefeito, Aldo Tinoco, os interesses dos donos de

hospitais falaram mais alto naquele momento (PAIVA, 2007).

Em 1994, foi implantado o primeiro NAPS, na zona leste de Natal, com capacidade

para atender 60 usuários. Em seu primeiro ano de funcionamento 147 pessoas, provenientes de

todos os distritos sanitários da cidade, foram acolhidas, algumas ficando em listas de espera

para ingressar no serviço. Como a demanda ao serviço era muito grande em 1995, foi

implantado mais um núcleo em Natal, o NAPS-Oeste, e um Centro de Atenção Psicossocial,

59

As terminologias utilizadas para designar esses serviços variam no país. A portaria nº 336 (19/02/2002) do Ministério da Saúde normatizou a implantação desses novos serviços. Com a publicação desta portaria o que anteriormente denominava-se NAPS altera-se para o termo: Centro de Atenção Psicossocial (CAPS). até mesmo organizando as nomenclaturas de acordo com as características de cada serviço (CAPS I, CAPS II etc...). Com a publicação desta portaria o que anteriormente denominava-se NAPS altera-se a denominação para Centro de Atenção Psicossocial (CAPS)

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criado para atender exclusivamente dependentes químicos e alcoolistas60. O estudo de Paiva

(2007) revela as dificuldades na implantação de um serviço que não teve tempo suficiente para

preparar seus profissionais, contrariando a proposta original, o que ocasionou algumas

confusões com relação os “papéis” dos profissionais.

Apesar da mudança da nomenclatura introduzida pela portaria 336, em Natal, tal

alteração ainda não havia sido efetivada. Assim, o NAPS aqui implantado seguiu os princípios

básicos que orientaram a constituição do CAPS na cidade de São Paulo, constituindo-se

apenas em um plano inicial, uma vez que ainda aceitava sua coexistência com o hospital

psiquiátrico. Configurava-se como uma alternativa a não-internação, entretanto, não a substituía

por completo (AMARANTE, 1997).

O terceiro momento da reforma psiquiátrica em Natal compreende os anos de 1996 e

1997, período da afirmação da nova proposta de atenção em saúde mental. Após a criação

desses serviços, dados bastante positivos61 a respeito da redução das internações psiquiátricas

contribuíram para o aumento da credibilidade dos NAPS perante a sociedade e os órgãos

públicos. Esses núcleos tornaram-se as principais referências da proposta de reforma

psiquiátrica no estado. Com o aumento da demanda e a euforia das conquistas, reforçaram-se

as discussões e cobranças quanto à implantação de novos serviços que viriam a complementar

a rede de assistência. Até porque sem tal rede de apoio, os NAPS começavam a esbarrar em

limites evidentes, criando-se um dilema diante, por exemplo, das emergências e urgências

psiquiátricas. Inevitavelmente, a família acabava levando o usuário para a clausura do hospital

psiquiátrico, colocando em risco todos os ganhos de ressocialização obtidos durante a sua

estada no NAPS (PAIVA, 2007).

A reforma psiquiátrica precisava avançar, consolidar os seus princípios e substituir por

completo o modelo de assistência vigente. Os usuários necessitavam contar com uma rede de

60 A característica essencial da Dependência de Substância é a presença de um agrupamento de

sintomas cognitivos, comportamentais e fisiológicos indicando que o indivíduo continua utilizando uma

substância, apesar de problemas significativos relacionados a ela. Um diagnóstico de Dependência de

Substância pode ser aplicado a qualquer classe de substâncias (Cf. MARQUES, 2001).

61 A exemplo de dados apresentados por Paiva (2007). Após ingressarem no NAPS, os usuários tiveram

o número de internações reduzido consideravelmente, uma vez que 82% dos usuários não precisaram de

internação em nenhum momento do tratamento. Cabe ressaltar que desse montante, 86% dos usuários

dos novos serviços tinham histórico de internação psiquiátrica.

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86

apoio que não os deixasse desprotegidos, e que contribuíssem para que os mesmos

alcançassem a condição de sujeitos de seu processo de ressocialização. Infelizmente, não

ocorreu a esperada consolidação dos princípios da reforma psiquiátrica, a partir de então.

Afinal, os hospitais psiquiátricos de todo o estado, principalmente aqueles de Natal,

continuavam superlotados de leitos, representando um alto custo aos cofres públicos (PAIVA,

2007).

Por certo, na terceira fase da reforma psiquiátrica em Natal, os novos serviços também

eram procurados e cumpriam bem seu papel, mas estavam (e ainda estão) longe de dar conta

de toda a demanda. Além disso, serviços como os NAPS, exclusivos para portadores de

sofrimento psíquico, são insuficientes para desinstitucionalizar a “loucura”. As reais

oportunidades de ampliar as relações sociais desses indivíduos são escassas e revelam claros

limites.

A partir do final de 1997 e início de 1998 até os dias atuais, temos o quarto momento

da reforma psiquiátrica no Rio Grande do Norte e, em particular, em Natal, caracterizado como

período de “estagnação das propostas reformistas”. Projetos de criação de novos NAPS, bem

como de demais serviços componentes de uma rede de atenção em saúde mental não

conseguem sair do papel. Também houve um desmantelamento da rede proposta originalmente

pela SMS, seja porque não ocorreu integralidade das ações, seja devido a não implantação dos

serviços (PAIVA, 2007).

A precariedade de um serviço público, mantido ou não segundo conveniências

políticas, não é exclusividade da Secretaria Municipal de Saúde de Natal; constitui sério

problema em todo o país. Desde sua origem, o SUS propunha implantar uma verdadeira política

nacional de saúde. Todavia, a proposta inicial vem sendo desvirtuada nas sucessivas gestões

do governo federal, dos governos estaduais e em grande parte dos municipais. Tal processo

decorre, em grande parte, das contra-reformas postas em prática, notadamente, a partir da

década de 1990, que resultaram em regressão de direitos e em precarização dos serviços no

âmbito das políticas sociais. É inegável que a política nacional de saúde mental esbarra em

dificuldades que influenciam o andamento das novas propostas, entretanto as especificidades

da história local merecem análise mais cuidadosa.

A Coordenação de Saúde Mental atribui à precariedade de um serviço público às

dificuldades de um período administrativo marcado por muitas greves e atrasos de salários. As

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constantes mudanças de secretários municipais62 de saúde (seis em cerca de um ano) têm

comprometido a continuidade do trabalho e a renovação de compromissos. Não restam dúvidas

que tais questões constituem fatores comprometedores da efetivação da reforma em Natal.

Contudo, cabe-nos indagar que outros determinantes fundamentais econômicos e políticos

estão envolvidos nesse processo.

A partir do terceiro momento da reforma em natal, a Coordenação de Saúde Mental

considera que é hora de retroceder, pois o momento político era desfavorável a novos

investimentos na área. Tratava-se muito mais de “cuidar” das conquistas já obtidas. De fato, na

esfera política municipal mais ampla, este foi um período muito conturbado, com inúmeros

problemas administrativos que extrapolavam o campo da reforma psiquiátrica, mas o

influenciavam diretamente. No final da gestão do prefeito Aldo Tinoco (1.1.1993–31.12.1996), o

posicionamento político das pessoas que estavam à frente da administração municipal e a

forma como esta era conduzida resultaram em sérias conseqüências na área da saúde pública,

as quais afetaram inevitavelmente os serviços de saúde mental (PAIVA, 2007).

Além da crise relacionada a questões macropolíticas, econômicas e culturais do

município, outros problemas de ordem técnica contribuíram com a estagnação na qual

mergulha a reforma psiquiátrica em Natal. Evidente, que estas duas ordens de questões estão

intimamente relacionadas. Com efeito, as equipes encontravam grandes dificuldades em

trabalhar de forma interdisciplinar. As grandes divergências apareciam nos momentos de

estudos de casos e de condutas e decisões em face das demandas dos usuários. Havia uma

expectativa, por parte da equipe, de que os encaminhamentos decorressem de decisões

médicas. Os psicólogos, bastante numerosos na equipe, cinco a seis em cada serviço,

discordavam de várias condutas realizadas pelos psiquiatras, sendo respaldados pelos demais

profissionais.

Tais entraves presentes no processo da reforma evidenciam contradições próprias da

sociabilidade capitalista, que tudo mercantiliza, inclusive a vida humana. Para o capital, os

serviços de saúde podem constituir objeto de obtenção de lucro. Assim, predomina em nossa

sociedade uma visão privatista que ocasiona a precarização e desqualificação do serviço

62 Na gestão da atual prefeita da cidade, Micarla de Souza (PV), tem sido constantes as mudanças de secretários municipais de saúde. O primeiro secretário designado para assumir a secretaria municipal do natal, Dr. Levi Jales, sugeriu decretar estado de calamidade pública para área da saúde municipal. Poucos meses depois, o mesmo deixou o cargo e o nome do deputado estadual Getúlio Rêgo (DEM) foi, então, cotado para assumir o cargo. Em 07 de maio de 2009, a prefeita empossou Dra. Ana Tânia Lopes Sampaio, que até a presente data vem assumindo a secretaria municipal de saúde.

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público, constituindo, deste modo forte contraponto ideológico ao processo de reforma

psiquiátrica. Ademais, não podemos deixar de mencionar as contradições que marcam o

processo de redemocratização do Estado Brasileiro, aguçadas pela designada contra-reforma e

suas implicações na garantia de direitos sociais e, em particular, no acesso universal à saúde,

tal como preconizado pela Carta Magna de 1988.

Uma parte dos profissionais ainda tinha uma cultura impregnada pelos significados

tradicionais da “loucura” e pela visão hospitalocêntrica dos processos de tratamento. Ao visar a

desinstitucionalização da “loucura”, o planejamento da assistência em saúde mental de Natal

(SMS, 1993) se colocava na contracorrente da visão ainda predominante entre os profissionais.

Ora, enquanto a cultura manicomial estiver presente no interior da própria Secretaria Municipal

de Saúde, novas formas de atenção em saúde mental tendem a não ter a consistência visada

por seus defensores e a apresentar contradições incontestes. Tal tem sido o caso da reforma

psiquiátrica.

Passada a euforia inicial com a implantação dos serviços, a saúde mental e a reforma

psiquiátrica como um todo deixaram de constituir prioridades na agenda de saúde pública do

município. Mesmo superada a crise político-administrativa do final da gestão de Aldo Tinoco,

relatórios anuais dos NAPS apontam dificuldades internas em manter o serviço funcionando

com qualidade. Para exemplificar essa situação citamos trecho do relatório das atividades

desenvolvidas pelo NAPS Leste, elaborado no ano de 1998:

Tivemos que enfrentar algumas dificuldades de infra-estrutura que

jamais foram solucionadas. Como por exemplo, conserto de descarga

do banheiro, problemas de esgotos da casa, além do número reduzido

de materiais para as oficinas. Faltavam comida, medicamentos, material

de trabalho, porque os fornecedores não estavam recebendo e

começaram a suspender o fornecimento.

No final de 1997, primeiro ano da segunda gestão da prefeita Wilma de Faria- PSB, o

relatório do NAPS-Leste mostra contradições que elucidam os impasses da reforma. Por

exemplo, as oficinas eram prejudicadas por falta de espaço apropriado e de material. A

estrutura física da casa apresentava problemas não solucionados até o momento de realização

de nossa pesquisa empírica, como banheiros quebrados e a falta de manutenção do sistema de

esgoto, gerando reclamações constantes de usuários e técnicos. Tais situações indicam que a

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disputa por fundos públicos no seio das administrações municipais, estaduais e federais nem

sempre é favorável à materialização de direitos e às políticas sociais. Não desconhecendo os

avanços e conquistas em termos de assistência em saúde mental, com a implantação dos

NAPS e dos CAPS, não podemos tampouco deixar de evidenciar que as precárias condições

materiais comprometem em grande parte a efetividade da reforma e seu aprofundamento.

Outro problema identificado no NAPS - Leste: a divergência teórica a orientar os

serviços, dividiu a equipe em dois blocos: um grupo defendia uma prática psicológica firmada

nos princípios da psicanálise, em uma abordagem clínica; o outro grupo pretendia seguir à risca

os ideais de ressocialização preconizados pela reforma psiquiátrica. Em coerência com tal

abordagem deviam ser priorizados os trabalhos em grupos, as oficinas NAPS. As dificuldades

de diálogo nessa fase da reforma psiquiátrica desgastaram as relações entre os profissionais e

desacreditaram muitos dos que lutavam para a efetivação dos princípios desse movimento e

eram importantes sujeitos sociais no cenário local. Muito do vigor da reforma foi perdido com a

saída de técnicos que nela haviam se engajado (PAIVA, 2007). Tal posicionamento é ratificado

pelo testemunho colhido em uma de nossas entrevistas:

Participei de todo processo de criação do CAPS II Leste, acompanhei

bastante, participei da luta em algumas passeatas, alguns atos,

algumas coisas, mais eu sinto assim que se perdeu! (Coord. Municipal

de Saúde Mental)

Nesse contexto indagamo-nos: o processo de reforma psiquiátrica resume-se e

depende essencialmente da presença de profissionais comprometidos com a causa? Não

deveria as secretarias do município, em especial a de saúde, receber orientação em

consonância com a política nacional para a área? Há um arrefecimento dos processos de

organização e de luta no seio da sociedade, das entidades profissionais na área da saúde ante

a esta problemática?

O estudo desenvolvido por Paiva (2007) revela que no processo de discussão da

reforma psiquiátrica em Natal, assim como em todo o estado, não houve participação efetiva

dos usuários e de seus familiares. A tímida participação destes no processo de reforma

psiquiátrica e sua quase imperceptível atuação do Movimento Antimanicomial podem explicar,

em parte, a estagnação da reforma psiquiátrica no Rio Grande do Norte. Para sua consolidação

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e importância política, os movimentos sociais necessitam de construir base política de

sustentação (PAIVA, 2007).

Com efeito, o Movimento de Luta Antimanicomial (MLAM) congregou apenas parte dos

técnicos da área de saúde mental. Assim, o afastamento destes dos seus postos de trabalho

teve efeitos diretos sobre a organização e luta no setor. Historicamente, o papel dos usuários e

familiares no movimento da reforma psiquiátrica tem se revelado importante. Deste modo, a

presença quase exclusiva de técnicos na composição do MLAM, em Natal, contribuiu para sua

fragilidade. O interesse central deste movimento não tem mobilizado usuários e familiares. Na

pesquisa de campo constatei que a grande maioria dos usuários e familiares pouco atuam junto

ao MLAM, muitos se quer conhecem o processo de reforma psiquiátrica.

Para Paiva (2007) somente a organização política dos demais setores da sociedade

pode modificar substancialmente as políticas de interesse da população. Não será diferente

para a reforma psiquiátrica, que necessita condições reais para a articulação de uma rede de

serviços que vise à superação do modelo manicomial.

Em nossas entrevistas, três técnicos, com funções distintas, são unânimes em afirmar

que, atualmente, a reforma psiquiátrica encontra-se estagnada, em Natal. Alguns chegam a

referir-se a um retrocesso vivenciado, com relação à materialização da reforma psiquiátrica. Os

depoimentos abaixo expressam esta atual fase da reforma em nosso município:

Vamos dizer assim, se a gente for ver durante esse tempo que o

primeiro CAPS foi em 94, acho que foi em junho ou julho de 94. Você vê

se a gente for pensar nesses anos realmente a gente pode dizer que

estamos caminhando lentamente. Vamos dizer: antigamente a gente

tinha o movimento de luta antimanicomial que era uma coisa

realmente constituída, a gente fazia passeatas, a gente fazia

encontros, entendeu? E isso se perdeu! (Coord. Municipal de saúde

mental).

O depoimento acima revela o dinamismo inicial, contrastando inclusive com o

posicionamento de Paiva (2007), para quem a participação era frágil. Mas evidencia que houve

realmente um arrefecimento na mobilização, como expressa a coordenadora do CAPS II Leste

em entrevista a nós concedida:

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Aqui no próprio município deu uma parada, eu acho que ele ficou na

primeira, não avançou, a gente tava numa terceira há dez anos atrás, e

voltou para a primeira [marcha, ritmo]. Fica muito difícil na política local,

então, a reforma, o CAPS que faz parte da reforma ele tende a dar uma

estacionada ou andar muito devagarzinho! (Coord. Do CAPS II Leste).

Poxa! A gente fala que é um serviço substitutivo, mas a gente é um

CAPS II, então como a gente pode? A gente não tem condições de ser

substitutivo a todo momento, não temos o CAPS III, fomos os primeiros

há 15 anos, mas a gente não tem CAPS III!! Então, isso impede que

muitas vezes sejamos substitutivos. Então o processo acontece muito

devagar aqui ainda na cidade. E a gente se angustia muito com isso! A

gente caminha a passos lentos você vê agora que a gente começou a

utilizar os serviços como os leitos em hospital geral, você vê agora que

vamos ter a segunda residência, agora que vamos estar pensando no

CAPS III. Eu sinto uma coisa mesmo de lentidão da reforma aqui!

(Técnica do CAPS II Leste).

Outro trecho da entrevista realizada durante nossa pesquisa de campo ressalta

também os avanços e recuos da reforma psiquiátrica em nossa cidade:

Eu participei do primeiro projeto que teve aqui dos CAPS. Quando a

gente começou a pensar nos CAPS, a montar o projeto, entendeu? Do

CAPS II Leste, acompanhei bastante, participei da luta em algumas

passeatas, alguns atos, algumas coisas, mas eu sinto assim que se

perdeu, é como se esse social não tivesse organizado suficiente, se bem

que tem associação de usuários e familiares, mas tudo isso é um

processo, não estão organizados suficiente, está entendendo? Foi um

serviço criado vamos dizer assim muito bem estruturado, vamos dizer

assim, é uma equipe potente. Quando eu digo que a gente se

desgastou ao longo de tempo foi perdendo profissionais. Nós

tivemos momentos de grande efervescência, nós tivemos momentos que

a gente tinha uma lojinha que vendia e isso é fundamental [artesanatos

feitos pelos usuários nas oficinas]l! Porque acabou? Não sei, me afastei

para fazer o mestrado quando voltei não tinha mais! A gente tinha

bastantes parcerias com outras instituições cursos de línguas,

artesanato, culinária, padaria, então quer dizer houve esse retrocesso,

essa paralisação, perdemos bastante, perdemos bastante porque é

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como se ir pra rua, ir pra fora, ir pro território, ir pra essa comunidade é

como se você tivesse que fazer o movimento contrário. Então, a partir

do momento que esses dispositivos não são ativados, de gerar

vida, então eu fico no meu casulo! Eu acho realmente que nós

regredimos, quando eu digo nós os CAPS como um todo! (Coord.

Municipal de saúde mental) [grifos nossos].

No que diz respeito ao financiamento voltado para serviços substitutivos o documento

do Ministério da Saúde da Coordenação Geral de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas,

intitulado: Saúde Mental em dados- 4, Ano II, n°4 agosto de 2007. Dados contidos neste,

asseguram que na esfera federal os números apontam para reorientação do financiamento em

direção aos. Segundo esta fonte, nos últimos seis (06) anos, os recursos financeiros passaram

progressivamente e significativamente das ações hospitalares, para ações extra-hospitalares. O

investimento nas ações extra-hospitalares superou, pela primeira vez, no final de 2006, o

investimento em hospitais psiquiátricos (BRASIL, 2007).

Ao buscarmos informações atualizadas sobre os recursos destinados à saúde mental

no site oficial do ministério da saúde, obtivemos, os seguintes dados, distribuídos na tabela

abaixo:

Ranking UF População Nº hospitais Leitos SUS % leitos SUS Leitos por 1000 hab.

Leitos/1000 hab

Ranking

Leitos/1.000

habitates

UF POPULAÇÃO Nº HOSPITAIS LEITOS DO

SUS

% LEITOS DO

SUS

LEITOS POR

1000HAB.

1º RJ 15.420.450 38 7.002 18,56 0,45

2º PE 8.486.638 15 2.943 7, 80 0,35

3º SP 39.827.690 57 12.343 32,72 0,31

4º AL 3.037.231 5 880 2,33 0,29

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93

5º RN 3.013.740 5 747 1.98 0,25

6º PR 10.284.503 152 400 6,36 6,36

GO 5.647.035 11 1.201 3,18 0,21

8º PB 3.641.397 5 700 1,86 0,19

9º ES 3.351.669 3 595 1,58 0,18

10° SE 1.939.426 2 320 0.85 0,16

11° MG 19.273.533 21 2.889 7,66 0,15

12° SC 5.866.487 4 760 2.01 0.13

13° TO 1.243.627 1 160 0,42 0,13

14° CE 8.185.250 8 1.043 2,76 0,13

15° PI 3.032.435 2 360 0,95 0,12

16° MA 6.118.995 3 662 1,75 0,11

17° MS 2.265.813 2 200 0.53 0,09

18° RS 10.582.887 6 910 2,41 0,09

19° AC 655.385 1 53 0,14 0,08

20° BA 14.080.670 7 1.051 2,79 0,07

21° MT 2.854.642 2 202 0,54 0,07

22° DF 2.455.093 1 125 0,33 0,05

23° AM 3.221.940 1 126 0,33 0,04

24° PA 7.065.573 1 56 0,15 0,01

Total 181.552.919 216 37.728 100 0,21

Total Brasil 183.989.711 0,21

Fontes: Área Técnica de Saúde Mental/DAPES/SAS/MS e Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística/IBGE –

Estimativa Populacional 2008.

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94

Ao analisarmos os resultados de três estados da região nordeste em destaque na

tabela, obtemos algumas indicações interessantes. Ponderando sobre a quantidade de

hospitais psiquiátricos em relação à população total, constatamos que apesar do estado da

Paraíba (PB) ter uma população um pouco mais numerosa do que a de nosso estado (RN),

ambos possuem a mesma quantidade de hospitais psiquiátricos. Esse dado da realidade nos

instiga a pensar sobre a constituição da rede de atenção psicossocial, em particular, no

município de Natal. Destacamos que dentre os 05 (cinco) hospitais psiquiátricos do RN, (03)

três estão localizados na capital, revelando a difícil realidade da maioria das cidades dos

interiores do estado, que não oferecerem atenção necessária para aqueles sujeitos em

sofrimentos psíquicos quando se encontram em momentos de crise, ou até mesmo serviços de

atenção básica. Ademais, o fato de a capital contar com (03) três hospitais psiquiátricos não

implica necessariamente a oferta de um atendimento satisfatório. A atual polêmica em torno do

fechamento de parte das alas do HJM põe a nu as más condições sanitárias e de trabalho

destes hospitais. Some-se a isto o fato destes três hospitais terem que responder as demandas

da capital e de sua região metropolitana e também aquelas advindas do interior do estado,

onde grande parte das cidades não disponibiliza serviços básicos de atenção em saúde mental,

sobrecarregando toda rede psicossocial da capital.

Apesar da população do Ceará ser quase três vezes maior que a do estado do Rio

Grande do Norte (RN), este primeiro estado apresenta um percentual de leitos

psiquiátricos/1000 habitantes bem inferior ao apresentado pelo RN. Esses números nos

apontam elementos que descortinam a forma como vem se materializando o processo de

reforma psiquiátrica em nosso Estado. O Rio Grande do Norte ainda apresenta um elevado

número de leitos psiquiátricos, contrariando o objetivo almejado: a desinstitucionalização,

indicando, haver provavelmente, um ritmo lento no processo de reforma psiquiátrica. Percebam

que, dentre os 24 (vinte e quatro) estados pesquisados, o RN ocupa o 5º(quinto) lugar no

ranking. Esta posição aparentemente positiva exprime, na verdade, uma contradição flagrante.

Efetivamente, a reforma psiquiátrica objetiva reduzir o número de leitos em hospitais

psiquiátricos. Todavia, no Rio Grande do Norte, a diminuta oferta de vagas em hospitais

psiquiátricos não se acompanha de uma ampliação e melhor qualidade dos serviços que devem

compor a rede de atenção psicossocial. Deste modo, é comum a superlotação das unidades

hospitalares, além da sobrecarga dos ainda diminutos serviços substitutivos, que findam por

assegurar parte da demanda, sem dispor de condições efetivas para tal.

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95

Os números da tabela abaixo evidenciam ainda as discrepâncias com relação aos

serviços oferecidos pela rede de atenção psicossocial, em especial os centros de atenção

psicossocial.

Número de Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) por tipo e UF e Indicador

CAPS/100.000 habitantes

Brasil – 31 de janeiro de 2009

UF População CAPS I CAPS II CAPS III CAPSi CAPSa

d

Total Indicador

CAPS

/100.000

hab

Paraíba 3.742.606 26 9 2 7 5 49 0,99

Sergipe 1.999.374 18 3 2 1 2 26 0,90

Alagoas 3.127.557 33 6 0 1 2 42 0,82

Rio Grande do Sul 10.855.214 56 33 0 11 15 115 0,80

Ceará 8.450.527 34 27 3 5 13 82 0,79

Santa Catarina 6.052.587 36 13 0 6 7 62 0,73

Rio Grande do

Norte

3.106.430 9 10 0 2 5 26 0,69

Rondônia 1.493.566 10 5 0 0 0 15 0,67

Mato Grosso 2.957.732 25 1 0 1 5 32 0,66

Paraná 10.590.169 32 25 2 7 18 84 0,65

Bahia 14.502.575 88 25 2 4 11 130 0,60

Maranhão 6.305.539 35 13 1 2 3 54 0,59

Piauí 3.119.697 18 5 0 1 3 27 0,58

Mato Grosso do

2.336.058 6 6 0 1 2 15 0,51

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96

Sul

Minas Gerais 19.850.072 65 41 8 8 8 130 0,51

Rio de Janeiro 15.872.362 30 37 0 12 15 94 0,50

São Paulo 41.011.635 50 68 16 23 46 203 0,45

Pernambuco 8.734.194 14 17 1 4 10 46 0,45

Espírito Santo 3.453.648 5 7 0 1 3 16 0,39

Goiás 5.844.996 8 13 0 2 3 26 0,38

Tocantins 1.280.509 5 2 0 0 0 7 0,35

Pará 7.321.493 14 11 1 1 4 31 0,33

Amapá 613.164 0 0 0 0 2 2 0,33

Acre 680.073 0 1 0 0 1 2 0,29

Roraima 412.783 0 0 0 0 1 1 0,24

Distrito Federal 2.557.158 1 2 0 1 2 6 0,22

Amazonas 3.341.096 0 2 1 0 0 3 0,10

Brasil 189.612.814 618 382 39 101 186 1326 0,55

Fontes: Área Técnica de Saúde Mental/DAPES/SAS/MS e Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística/IBGE – Estimativa Populacional 2008. Nota 1 - O cálculo do indicador CAPS/100.000 hab.,

considera que o CAPS I dá resposta efetiva a 50.000 habitantes, o CAPS III, a 150.000 habitantes, e que os

CAPS II, CAPSi e CAPSad dão cobertura a 100.000 habitantes. Nota 2 - Parâmetros : Cobertura muito boa

(acima de 0,70), Cobertura regular/boa (entre 0,50 e 0,69), Cobertura regular/baixa (entre 0,35 a 0,49),

Cobertura baixa (de 0,20 a 0,34 ), Cobertura insuficiente/crítica (abaixo de 0,20 ).

A partir da análise dos dados, podemos notar os limites do processo de reforma no Rio

Grande do Norte. Com efeito, o Estado da Paraíba (PB), desponta com uma quantidade de 26

(vinte e seis) CAPS I, ou seja, uma oferta três vezes maior se comparada aos dados de nosso

estado. A tabela nos mostra como os serviços oferecidos pela rede psicossocial ainda são

escassos e em sua maioria concentram-se em serviços de menor porte, a exemplo dos CAPS I

e II. Ressaltamos que estes não possuem condições de serem inteiramente substitutivos63.

63 Os serviços substitutivos são pensados para se constituir enquanto rede, que compreende dispositivos articulados, possibilitando a extinção do hospital psiquiátrico (Cf. LOBOSQUE, 2003).

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97

Enfatizamos que nosso Estado não dispõe de CAPS III64, aqueles responsáveis pelo

acolhimento dos sujeitos em sofrimento psíquico em situações de crise. Diante da realidade

posta, a concretização do processo de reforma parece obstada. A quem recorrer em momentos

agudos de crise? Se há um número reduzido de serviços alternativos, principalmente daqueles

de maior complexidade, “não resta” outra via se não a velha forma, reforçando modos

tradicionais de tratar os inúmeros sofrimentos psíquicos: o Hospital Psiquiátrico. O que contraria

os objetivos da atual política em saúde mental.

A ausência de serviços realmente substitutivos em saúde mental põe em risco o

trabalho de outros serviços dessa mesma natureza, contudo, com capacidade para níveis de

complexidade inferiores. Por exemplo, um usuário potiguar que freqüenta um CAPS há três

anos ou mais, ao entrar em quadro de crise, não resta alternativa à família senão o hospital

psiquiátrico, pois em nosso Estado não há serviço substitutivo para atender demandas em

casos de internação. O que fazer com este sujeito em agudo sofrimento? Como desfazer a

necessidade de um hospital psiquiátrico? Como falar em desinstitucionalização,

desospitalização, reinserção social? Em um quadro tão adverso quanto o dos tempos atuais,

que segrega, discrimina, violenta, estigmatiza o diferente.

Interessante perceber que, em Natal, o processo de reforma tem sido marcado por

contradições, com avanços e recuos. No depoimento da coordenadora municipal de saúde

mental, a qual participou ativamente da criação dos primeiros centros de atenção psicossocial

este movimento aparece claramente. Buscar os determinantes deste processo supõe situá-lo no

contexto sócio-econômico e político vivenciado pelo Brasil, com suas particularidades no

município de Natal. Com efeito, a criação do primeiro CAPS em Natal coincide com as contra-

reformas implementadas a partir a partir de 1994, em nome do controle da inflação, tendo na

mudança na moeda nacional – o real – seu fato mais marcante, ou sua expressão fenomênica.

Tais contra-reformas reduziram a capacidade de investimento dos governos, sobretudo, no

campo das políticas sociais, em particular, nas políticas de saúde. Poderíamos nos referir a

uma crise na reforma, em Natal?

Os depoimentos e análises acima evidenciam aspectos do processo de reforma em

Natal. Para adentrarmos na realidade desse processo no contexto local, propomos o exercício

da crítica e o exame das possibilidades concretas para materialização da mesma em nosso

município através da análise da rede de atenção em saúde mental, em sua configuração atual.

64

Ressaltamos aqui dados oficiais do ministério da saúde não contabiliza, ainda, o único serviço desta ordem em nosso Estado, localizado em Caíco (cidade do interior da região Seridó).

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98

2.4. OS CAPS E A REDE DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL: LIMITES E CONTRADIÇÕES NA

CONSTITUIÇÃO DE UMA REDE DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL

De acordo com as diretrizes do Ministério da Saúde do Brasil, a nova forma de

estruturar o atendimento direto aos usuários e seus familiares, baseada na implantação

dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), instalados seguindo uma lógica territorial,

pretende aproximar estes equipamentos dos lugares de vida, do cotidiano dos usuários,

inserindo-os na vida da comunidade.

O Ministério da Saúde define o papel dos CAPS como estratégicos para consolidação

da reforma. Dentre todos os dispositivos de atenção à saúde mental, a Coordenação Nacional,

destaca os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), como portadores de valores estratégicos

para a Reforma Psiquiátrica Brasileira. A implantação destes serviços revela-se fundamental

para a organização de uma rede substitutiva ao Hospital Psiquiátrico no país.

Para o Ministério, os CAPS têm a função de prestar atendimento clínico em regime de

atenção diária, evitando assim as internações em hospitais psiquiátricos; promover a inserção

social das pessoas em sofrimento psíquico; através de ações inter-setoriais. Cabe ainda aos

CAPS, regular a porta de entrada na rede de assistência em saúde mental na sua área de

atuação e dar suporte à atenção à saúde mental da rede básica. É função, portanto, e por

excelência, dos CAPS organizar a rede de atenção às pessoas em sofrimento psíquico nos

municípios.

Os CAPS são tidos, ainda, como os articuladores estratégicos desta rede e da política

de saúde mental num determinado território. Substitutivos e não complementares ao hospital

psiquiátrico. Cabe aos CAPS o acolhimento e a atenção às pessoas em sofrimento psíquicos

graves e persistentes, procurando preservar e fortalecer os laços sociais do usuário em seu

território (BRASIL, ano).

A partir de 2002, o Ministério da Saúde cria uma linha específica de financiamento para

os CAPS. A partir de então, estes serviços experimentam grande expansão. São serviços

municipais de saúde, abertos, comunitários, que oferecem atendimento diário às pessoas em

sofrimento psíquicos severos e persistentes, buscando realizar o acompanhamento clínico e a

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reinserção social destas pessoas através do acesso ao trabalho, lazer, exercício dos direitos

civis e fortalecimento dos laços familiares e comunitários.

Neste contexto, os CAPS buscam dar ênfase às atividades psicossociais, na

perspectiva de reduzir o uso de medicamentos, que perdem, então, sua centralidade no

tratamento, sem perder sua importância. Assim, essa nova forma de atenção à saúde

mental, demanda um atendimento integral, que não pode ser dado senão por uma

equipe interdisciplinar65, formada por distintas áreas do conhecimento, capaz de

promover o encontro de saberes diversos configurando um desafio para os

trabalhadores em saúde mental. De acordo com Lobosque (2003), esta situação ainda

gera certos embaraços, a exemplo da dependência com relação ao profissional da

psiquiatria, o que leva, em alguns casos, a transferência de decisões importantes para

o mesmo.

Bisneto (2007), por sua vez, destaca que, nos serviços reformados, há uma

dissolução dos objetos específicos e certa descaracterização profissional, que é

inclusive politicamente desejável, tendo, todavia, trazido mais indefinições aos

assistentes sociais. Desmontar a suposta identidade do psiquiatra implica desconstruir

todas as outras identidades.

Em documento apresentado à Conferência Regional de Reforma dos Serviços de

Saúde Mental (2005): 15 anos depois de Caracas66, a Coordenação Geral de Saúde Mental, do

65

É importante pontuar o debate acerca desse termo interdisciplinar. Não há consenso quanto à referência a termos designados para definir as equipes de trabalho entre os profissionais da saúde mental. Autores como Mourão (2002) faz uso do termo transdisciplinaridade, Lobosque (2003) ora utiliza o termo multidisciplinar, ora interdisciplinar. Nossa escolha metodológica aproxima-se do debate realizado por Bisneto (2007) a respeito da repercussão metodológica de atuação dos assistentes sociais em saúde mental e a questão de interdisciplinaridade. Nesse campo fatores biológicos, psicológicos e sociais se misturam, assim, exige-se mais de um ramo de conhecimento para dar conta da problemática. Para Bisneto (2007), os diferentes termos variam de acordo com suas gradações (multi, pluri, inter, trans...). Destacamos ainda, na perspectiva adotada por Bisneto que a origem da interdisciplinaridade não advém apenas de uma racionalidade científica, ou do reconhecimento da complexidade dos problemas de saúde por parte da própria medicina e dos órgãos planejadores da saúde, visando a uma maior eficiência e efetividade dos programas, contudo engloba interesses e razões políticas e financeiras também. 66 Evento realizado em Caracas (1990), a Conferência Regional para a Reestruturação da Assistência

Psiquiátrica, teve como resolução a chamada “Declaração de Caracas”. Nela os países da América

Latina, inclusive o Brasil, comprometem-se a promover a reestruturação da assistência psiquiátrica, a

rever criticamente o papel hegemônico e centralizador do hospital psiquiátrico, como também,

salvaguardar os direitos civis, a dignidade pessoal, os direitos humanos dos usuários e propiciar a sua

permanência em seu meio comunitário.

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100

Ministério da Saúde, afirma que a rede de atenção à saúde mental brasileira é parte integrante

do Sistema Único de Saúde (SUS), rede mais ampla, instituída no Brasil, na década de 1990,

pela Lei Federal n°8.080, de 19 de setembro/90, que compreende ações e serviços públicos de

saúde. O SUS67 regula e organiza em todo o território nacional as ações e serviços de saúde de

forma regionalizada e hierarquizada, em níveis de complexidade crescente, tendo direção única

em cada esfera de governo: federal, estadual e municipal

Destacamos o princípio de controle social do SUS, na medida em que defende o

protagonismo e a autonomia dos usuários dos serviços na gestão dos processos de trabalho no

campo da saúde coletiva. Assim, os Conselhos e as Conferências de Saúde são chamados a

desempenhar importante papel na gestão do SUS, no ordenamento de serviços e ações e no

direcionamento dos recursos.

Em consonância com estes princípios, a rede de atenção à saúde mental, composta

por Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT),

Centros de Convivência, Ambulatórios de Saúde Mental e Hospitais Gerais, foi pensada para

ser essencialmente pública, de base municipal e com um controle social fiscalizador e gestor no

processo de consolidação da Reforma Psiquiátrica. O papel dos Conselhos Municipais,

Estaduais e Nacional de Saúde, assim como das Conferências de Saúde Mental é tido como

uma forma por excelência de garantir a participação dos trabalhadores, dos usuários de saúde

mental e de seus familiares nos processos de gestão do SUS. Assim, pretende-se favorecer o

protagonismo dos mesmos na construção de uma rede de atenção à saúde mental. Todavia,

cabe mencionar que tais dispositivos, de composição heterogênea, são perpassados por

contradições e disputas presentes de modo geral em nossa sociedade.

De fato, são as Conferências Nacionais de Saúde Mental, e em especial, a III

Conferência Nacional de Saúde Mental, realizada em 2001, que consolidam a Reforma

Psiquiátrica como política oficial do SUS e propõem a conformação de uma rede articulada e

comunitária de cuidados para as pessoas em sofrimento psíquico.

67

São princípios do SUS o acesso universal público e gratuito às ações e serviços de saúde; a integralidade das ações, em um conjunto articulado e contínuo em todos os níveis de complexidade do sistema; a eqüidade da oferta de serviços, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie; a descentralização político-administrativa, com direção única do sistema em cada esfera de governo; e o controle social das ações, exercido por Conselhos Municipais, Estaduais e Nacional de Saúde, com representação dos usuários, trabalhadores, prestadores de serviços, organizações da sociedade civil e instituições formadoras.

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101

A construção de uma rede comunitária de cuidados é considerada fundamental para a

consolidação da Reforma Psiquiátrica. Para os idealizadores da política nacional de saúde

mental, a articulação em rede dos variados serviços substitutivos ao hospital psiquiátrico é

crucial para a formação de um “conjunto vivo e concreto de referências capazes de acolher a

pessoa com transtorno mental”68(BRASIL, 2005). Esta rede é maior, no entanto, do que o

conjunto dos serviços de saúde mental do município. Uma rede se conforma na medida em que

são permanentemente articuladas outras instituições, associações, cooperativas e variados

espaços nas cidades.

A rede de atenção à saúde mental do SUS define-se assim como de base comunitária.

É, portanto fundamento para a construção desta rede a presença de um movimento

permanente, direcionado para os outros espaços da cidade, em busca da emancipação das

pessoas em sofrimento psíquico.

A organização em rede e não apenas a implantação de serviços ou equipamentos tem

caráter fundamental para fazer face à complexidade das demandas de inclusão de pessoas

secularmente estigmatizadas, em um país de acentuadas desigualdades sociais. A articulação

em rede de diversos equipamentos da cidade, e não apenas de equipamentos de saúde é tida

pelos idealizadores da reforma como condição sine qua non para garantir resolutividade,

promoção da autonomia e da cidadania das pessoas em sofrimentos psíquico, assim com

expresso em documento do Ministério da Saúde (BRASIL, 2007).

Para a organização desta rede, a noção de território é especialmente importante. O

território designa não apenas uma área geográfica, mas um espaço delimitado onde se dão

relações sociais de poder envolvendo sujeitos, com inserção em classes sociais diversas e

antagônicas, onde atuam instituições, redes, onde acontece a vida comunitária, em sua

dinâmica contraditória e complexa. Assim, trabalhar no território não equivale a atuar na

comunidade, com seus integrantes, com os saberes e forças concretas ali presentes, em geral,

em disputa de poder e recursos, que se expressa nas soluções e demandas apresentadas. Ao

se buscar uma ação levando em conta o território em sua dimensão espacial, social e política,

68

Chamamos a atenção para a designação utilizada nos documentos oficias do Ministério da Saúde ao fazer referência às pessoas em sofrimento psíquico. Nossa opção teórica, como afirmamos inicialmente, foi utilizar a noção de Lobosque, que indica heterogeneidade de situações e transitoriedade, ou seja, graus e tipos diversos de sofrimento psíquico e tempos também diferenciados, podendo uma pessoa ter sofrimento psíquico em um momento de sua vida e superar tal situação. Historicamente, as terminologias indicavam e respaldavam modos de tratamento que, muitas vezes, levavam a pessoa a cristalizar um estado psicossocial e mais ainda a ser “enquadrada”, como doente, de doença irreversível, e em decorrência a ser objeto de preconceitos e até mesmo de tratamentos inadequados.

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102

objetiva-se construir consensos, pactuar metas. Alcançar tais objetivos nem sempre se revela

tarefa fácil. Trabalhar no território significa ainda resgatar todos os saberes e potencialidades

dos recursos da comunidade, construindo coletivamente as soluções, incentivando a

multiplicidade de trocas entre as pessoas e os cuidados em saúde mental.

Vale ressaltar que, em muitos documentos e pronunciamentos dos sujeitos implicados

diretamente nas ações em saúde mental, como também em outras políticas e programas

sociais, observamos uma diversidade de entendimentos quanto à concepção de território. Na

maioria das vezes, esta fica restrita apenas a uma delimitação espacial, física, ou ainda, há um

mascaramento das desigualdades sociais presentes nestes espaços, uma tendência a

homogeneizar a condição dos sujeitos sociais, ao apelo à “boa consciência” de indivíduos,

representantes de instituições e organizações sociais bem como de familiares. De fato, a idéia

de território como fundamento para o desenho e implantação de políticas sociais nos parece

auspiciosa. Todavia, a inconsistência na compreensão de tal noção ou os diferentes

entendimentos podem comprometer a consecução dos objetivos almejados e passar a compor

discursos ideológicos, vazios de conteúdo concreto e legitimadores de práticas que, finalmente,

reforçam antigas relações assistencialistas e de dominação.

O Ministério concebe a rede de atenção psicossocial como um complexo articulado,

composto por sujeitos sociais e instituições, tendo os CAPS como serviços estratégicos na

organização, constituindo sua porta de entrada, sendo responsável por sua regulação (BRASIL,

2007). O organograma abaixo delineia a configuração desta rede de atenção à saúde mental:

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103

Fonte: Relatório de Gestão 2003-2006. Ministério da Saúde: Brasília, janeiro de 2007.

Quando pensamos em rede, principalmente, nós nordestinos, surge em nossas

mentes um lugar de descanso. Um pedaço de pano interligado por finas e numerosas

tiras, popularmente conhecidas como “punho”. Punho firme que garante um bom

balanço, movimento! Como apresentamos anteriormente, o discurso oficial delineia um

contexto amplo com dispositivos de diferentes modalidades, proporcionando uma

circulação constante, de acordo com as necessidades postas pelos usuários. Contudo,

ao voltarmos para realidade pesquisada, deparamo-nos com um cenário bem mais

limitado, com dispositivos restritos, impossibilitando de alçarmos vôos mais longínquos.

Dito de outro modo, na concretização do que preconiza o Ministério no espaço dos

municípios, evidenciam-se as dificuldades e contradições que limitam a efetividade de

tais dispositivos.

Em visita a Secretaria Municipal de Saúde de Natal, obtivemos a lista do

conjunto dos serviços que, atualmente, compõem a rede de atenção psicossocial de

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104

Natal. A mesma constitui-se dos seguintes serviços: ambulatório de saúde mental,

localizado no bairro Ribeira, CAPS ad II Norte (Bairro Potengi), CAPS ad II Leste (Bairro

Petrópolis), CAPS II Leste (Bairro Tirol), CAPS II Oeste (Lagoa Nova), CAPS i AD

Oeste (Cidade da Esperança), Ambulatório de Prevenção e Tratamento de Tabagismo,

Alcoolismo e Outras Drogadições/ Centro de Referência ao Tabagismo (APTAD),

localizado no bairro Pirangi. Ambulatórios especializados localizados no Centro Clínico

da Asa Norte (Policlínica Distrito Norte, Unidade Mista Integrada da Cidade da

Esperança (Policlínica Distrito Oeste), Unidade de Neópolis (Policlínica Distrito Sul),

Policlínica da Ribeira (Centro Clínico Zeca Passos), Residência Terapêutica (SRT),

localizado em Tirol, onde residem atualmente 07 (sete) usuários egressos de longas

internações psiquiátricas, sem vínculos sociais ou familiares. No mapa abaixo

visualizamos a implantação destes diversos equipamento no território natalense:

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CAPS II LESTE E OESTE

CAPS i ad OESTE

APTAD - Ambulatório de prevenção e tratamento

de tabagismo e outras drogadições.

AMBULATÓRIOS ESPECIALIZADOS

AMBULATÓRIOS

SRT - Residências Terapêuticas

HOSPITAIS PSIQUIÁTRICOS

CAPS ad II NORTE E LESTE

Fonte: Concepção de nossa pesquisa: Katiane Soares e Eliana Guerra. Elaboração do Mapa a Geógrafa Neuma Patrícia da Rocha Alves. Alterações Designer Jucian Lima.

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A implantação destes serviços em si não assegura uma efetividade nos termos

previstos. Sabemos bem que há um fosso entre a realidade e objetivado ou planejado.

Tais serviços sofrem a precarização das condições de trabalho, o desmantelamento,

sucateamento resultando em respostas limitadas e/ou insuficientes para as demandas

postas cotidianamente.

Reconhecemos que sujeitos fundamentais no contexto são usuários, familiares,

profissionais e gestores; dar voz a tais sujeitos é essencial, porque podem explicitar a

realidade concreta dos serviços integrantes da rede de atenção psicossocial. Daremos

espaços para a voz de um desses sujeitos:

Falta articulação da rede que impede que os serviços fiquem abertos,

porque como é que a gente pode falar no processo de reforma

psiquiátrica se os serviços não estão abertos, não está aberto para

gente receber quando alguém do território precisa e não está aberto

para gente encaminhar para outro lugar, então é meio complicado

(Técnica do CAPS II Leste).

O depoimento acima indica as inúmeras, porém, não intransponíveis dificuldades em

ordenar uma rede de atenção psicossocial. A limitada capacidade da rede municipal, tomada

globalmente, para acolher e/ou encaminhar as demandas decorre não apenas das condições

operacionais dos equipamentos implantados, do número reduzido de profissionais em cada

casa, mas também da insuficiente quantidade de equipamentos instalados no município de

Natal e nos demais municípios do estado, ocasionando sobrecarga nos poucos serviços

existentes, impedindo que o CAPS se constitua um serviço aberto por excelência.

Considerando o leque de dispositivos que podem ser acionados, acreditamos que os

serviços de atenção em saúde mental em Natal não podem ser de fato denominados como

rede. As dificuldades de articulação dos diferentes serviços da rede básica de saúde, que

deveriam integrar a rede, destacam-se como fator de preocupação, sobretudo, em um contexto

em que a oferta de serviços é bastante reduzida, como acontece em nossa cidade. O

depoimento abaixo indica esta difícil articulação:

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Agora eu acho que a grande dificuldade é a gente trazer essa clientela

de saúde mental, essas demandas de saúde mental para atenção

básica, fazer esse refluxo. Porque saúde mental nunca entrou, a

unidade de saúde nunca foi porta aberta para saúde mental, a gente

sabe disso! O fluxo ainda está bastante estrangulando, os CAPS, os

ambulatórios em saúde mental, então quer dizer saúde mental não

necessariamente tem que estar nos CAPS (Coord. Municipal de saúde

mental).

Nesse depoimento de uma gestora municipal, encontramos indícios de que

resquícios das velhas formas de “tratar” saúde mental, reveladoras de preconceitos, reforçam

ainda a idéia de que a loucura necessariamente exige um lugar específico.

Salientamos que aqui listamos apenas os serviços de atenção integrantes da

Secretaria Municipal de Saúde Mental de Natal. No entanto, seguindo a proposta de atenção

psicossocial apresentada pela reforma psiquiátrica, essa rede deveria englobar outros serviços

de saúde, compreender mais amplamente outras políticas sociais, a exemplo da educação,

habitação, lazer, cultura, trabalho. Temos essa perspectiva ratificada pela fala da atual

coordenadora municipal de saúde mental:

Você tem que dar sustentação ao sujeito! Você tem que mostrar a ele

possibilidades, tem que ter uma rede social, uma rede jurídica, uma rede

trabalho, uma rede! De cidadania, de vida! De fato! Não é só o CAPS

que vai dar conta não!

Expresso no discurso oficial e considerando que a realidade é bem complexa e dinâmica

tratamos doravante do universo cotidiano de um desses serviços tidos como estratégicos no

contexto da cidade de Natal. No capitulo seguinte a investigação se deterá no CAPS II Leste

com vistas a revelar como se materializa a reforma psiquiátrica na cidade de Natal.

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3. O CAPS II - LESTE EM BUSCA DA MATERIALIZAÇÃO DA REFORMA PSIQUIÁTRICA EM

NATAL/RN

Este capítulo foi escrito com base tanto nas consultas à literatura e à documentos

(Projetos, Relatórios, Prontuários), quanto na pesquisa de campo. Tal pesquisa foi realizada por

intermédio de entrevistas realizadas com usuários, familiares, técnicos do serviço pesquisado,

como também, com sujeitos que estão à frente da gestão municipal da política de saúde mental

e entidades representativas, tal como Conselho Municipal de saúde. Assim, descrevemos e

examinamos mudanças concernentes ao modo de atenção em saúde mental, ou seja,

analisamos a materialização do processo da reforma psiquiátrica em Natal, a partir de um dos

dispositivos estratégicos para este fim: O Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) - Dr. André

Luís Coelho de Melo de Lima - CAPS II - Leste. Situamos geograficamente este CAPS,

explicitamos as condições de funcionamento, como também, as forças que dão vida e

movimento ao serviço: quadro funcional e sistemática de trabalho. Adentramos no cotidiano

deste serviço e descortinamos a realidade dos usuários, familiares e técnicos que dão

substância e materialidade ao processo de reforma psiquiátrica.

3.1. MATERIALIZAÇÃO DA REFORMA PSIQUIÁTRICA EM NATAL: CONTRADIÇÕES E LIMITES NA AÇÃO DO CENTRO DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL (CAPS) DR. ANDRÉ LUÍS COELHO DE MELO DE LIMA- CAPS II – LESTE

Inicialmente apresentamos a descrição e análise da criação e funcionamento do

Centro de Atenção Psicossocial Dr. André Luís Coelho de Melo de Lima” (CAPS II –

Leste)69.

Em documento datado de 1993, a Secretaria Municipal de Saúde de Natal firma

compromisso com os princípios da Reforma Psiquiátrica, apesar de reconhecer que, em

nossa cidade, a principal porta de entrada para os usuários têm sido os hospitais

psiquiátricos.

69 Para tanto, apoiamo-nos em análise documental objetivando a construção de um breve histórico sobre

o serviço pesquisado. Inicialmente, examinamos um documento datado de 1993, intitulado: “Projeto deReestruturação da Atenção à Saúde Mental”, elaborado por técnicos da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Natal.

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As políticas de saúde levadas a cabo pelo nosso país têm se caracterizado pelo modelo assistencial medicalizador, curativo e individual, hospitalocêntrico e privatista, sob esta óptica a atenção à saúde mental tem-se centrado no manicômio. No que diz respeito à atenção à saúde mental, apesar da existência de ações de caráter ambulatorial, o hospital tem sido para os usuários a principal porta de entrada para o sistema (NATAL, 1993).

O mesmo documento enfatiza a necessidade de se desenvolver um “novo

cuidar” em saúde mental, com compromisso de apoiar iniciativas de técnicos, que se

proponham a desenvolver projetos e implantar novos dispositivos de atenção em saúde

mental, a exemplo de hospital dia, ambulatórios, lares abrigados, centros de

convivência, núcleos de atenção psicossocial (NAPS). De acordo com esta fonte

documental, acreditava-se no trabalho em equipe como forma de operacionalizar tais

mudanças no trato com o sofrimento psíquico, reafirmando um dos eixos norteadores

da reforma psiquiátrica, ou seja, o trabalho interdisciplinar. No documento, figura a

proposta de implantação de um novo modelo de atenção a saúde mental. Ganham,

então, relevância, os núcleos de atenção psicossocial (NAPS).

Assim, em 27 de julho de 1994, é implantado o primeiro NAPS, na zona leste de

Natal, com capacidade para atender 60 usuários. Em seu primeiro ano de

funcionamento, o Núcleo foi procurado por 147 pessoas, provenientes de todos os

distritos sanitários da cidade. Foram, então, criadas listas de espera para ingressar no

serviço.

O Relatório das Atividades do Núcleo de Atenção Psicossocial (NAPS),

elaborado em 1997, discorre sobre a forma como se estruturou o serviço, destacando

seus “diversos espaços terapêuticos” e as dificuldades encontradas para atingir o

objetivo pretendido com esse novo modelo de atenção em saúde mental. Evidencia

como objetivo principal dos NAPS:

[...] oferecer aos portadores de transtornos mentais um tratamento que assegure através de seus diversos espaços terapêuticos, a afirmação das singularidades enquanto sujeitos ativos, e a criação de oportunidades concretas de reinserção no mundo social (NATAL, 1997, p.11, grifo nosso).

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Portanto, o que hoje se conhece por CAPS resulta de um processo mais longo,

através do qual se busca efetivar formas diferentes de atendimento em saúde mental,

observando os princípios da reforma psiquiátrica. Segundo esse relatório, as primeiras

reuniões objetivaram ouvir a demanda dos familiares e usuários e conhecer melhor

suas necessidades. Deste modo, foram constituídos os diversos espaços terapêuticos.

À época de nosso trabalho de campo, o CAPS II- Leste, lócus de nossa

investigação, prestava assistência a 107 usuários considerando as quatro modalidades

de atendimento prestado pelo serviço, são elas:

→ Intensivo: modalidade segundo a qual o usuário deve comparecer todos os dias ao

serviço, em pelo menos um turno (matutino e/ou vespertino);

→ Semi-Intensivo: o usuário deve comparecer ao serviço pelo menos três vezes por

semana;

→ Não-Intensivo: o usuário deve comparecer uma vez por mês;

→ Visita Domiciliar: nesta modalidade pelo menos dois técnicos fazem visita em

domicilio, uma vez ao mês. Neste caso, muitas vezes os espaços entre as visitas são

incertos, uma vez que as mesmas dependem da disponibilidade de um carro, e

independe da vontade dos profissionais.

Apesar da consciência de que o CAPS não deveria funcionar enquanto

ambulatório, este realizava atendimento ambulatorial mensal para 40 usuários70. O

atendimento ambulatorial é justificado pelo estrangulamento da rede, que não tem

permitido encaminhar tais usuários para serviços destinados especificamente a este tipo

de atendimento.

O CAPS II- Leste constitui, ainda, um dos componentes da rede de atenção

psicossocial, figurando como referência para a residência terapêutica - serviço

substitutivo em saúde mental de outra natureza, localizado no mesmo distrito sanitário.

A seguir, buscamos apreender a realidade do CAPS II - Leste, sua inserção

geográfica e seu funcionamento de forma geral.

70 Estes dados foram coletados durante nosso trabalho de campo realizado entre os meses de julho a novembro de 2008. Contudo englobamos ao montante todos os usuários atendidos no decorrer de 2008.

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3.1.1. CAPS II- LESTE: IMPASSES E LIMITES NA CONCRETIZAÇÃO DE UMA POLÍTICA DE

“BASE TERRITORIAL”

Nas primeiras visitas, a localização geográfica do CAPS II Leste intrigou-nos: este se

encontra situado entre dois grandes hospitais da cidade. Uma localização nada inocente! Esse

cenário nos interpela sobre dois possíveis caminhos. De um lado, podemos imaginar que este

fato pode de certa forma, reforçar velhas idéias sobre o modelo hospitalocêntrico. Por outro

lado, sua localização foi pensada de forma estratégica, posicionando um serviço que representa

o “novo”, que aponta para novas formas de lidar com os diversos tipos de sofrimentos

psíquicos, em meio ao que há de mais tradicional e “moderno” em termos de serviços de saúde.

Ou ainda, a realidade social na qual estamos inseridos e que constitui objeto de investigação

revela contradições flagrantes, expressas inclusive na estrutura urbana, no ordenamento físico

e territorial de nossas cidades.

Vale salientar ainda, que o CAPS II- leste está localizado no coração de um dos bairros

mais tradicionais de Natal71 – Petrópolis – onde reside parte da elite e das classes mais

abastadas da cidade. Todavia, os usuários atendidos, em sua grande maioria, são provenientes

de outras zonas administrativas. A fim de obtermos informações as mais precisas possíveis a

respeito desse aspecto, fizemos um levantamento junto aos prontuários dos usuários

objetivando conhecer seu local de residência, gênero, idade, tempo de permanência no serviço,

além do tipo de modalidade de atendimento. Ressaltamos que os dados são relativos ao ano de

2008.

71 Segundo relatório de pesquisa (2005), Natal, capital do RN, contava, em 2000, com uma população de

712.317 habitantes (dados do Censo de 2000), distribuídos em 34 bairros que formam as quatro regiões administrativas segundo as quais a cidade é dividida. Ainda segundo o mesmo relatório a população tem crescido nas últimas quatro décadas a taxas elevadas, decorrente do grande fluxo migratório, que faz deste Município o principal destino da população migrante do Estado. Isso acarretou um processo de urbanização desordenada, provocando o surgimento de bairros periféricos, nos quais se concentra a maioria da população pobre, extrapolando seus efeitos para áreas limítrofes da Região Metropolitana de Natal, caracterizando um fenômeno de aglutinação espacial, como acontece como os municípios de Parnamirim, São Gonçalo do Amarante e Extremoz. A cidade do Natal apresenta uma diversidade demográfica bastante peculiar, pois, como cidade de porte médio e destino de grandes correntes migratórias do interior do RN viu o perfil da geografia humana de seus bairros se alterar significativamente. Atualmente coexistem bairros tradicionais, decadentes, emergentes e em expansão; bairros de formação recente. A pesquisa atribui o crescimento populacional das três últimas décadas ao processo migratório campo-cidade e de seus efeitos indiretos e não. Através da Lei municipal nº3.878, de 07 de dezembro de 1989, a cidade está dividida em quatro regiões administrativas: Norte, Sul, Leste e Oeste.

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O quadro abaixo indica a quantidade geral de usuários por tipo de atendimento e sexo

que foram identificados através dos prontuários consultados relativos ao ano 200872.

Modalidade de

Atendimento

Sexo

Masculino

Sexo

Feminino

Total

Intensivo 6 11 17

Semi-Intensivo 31 14 45

Não intensivo 27 13 40

Visita Domiciliar 3 2 5

Total 67 40 107

Optamos por analisar os dados de acordo com a modalidade de atendimento.

Apresentando por meio de gráficos73 com combinações englobando a faixa etária, zona

administrativa que residem, tempo de ingresso no serviço são exemplos de algumas delas.

Iniciaremos com os dados referentes à modalidade de atendimento intensivo.

72 Salientamos que durante nossa pesquisa de campo, tomamos conhecimento através de um dos técnicos que faz o acolhimento inicial, da dificuldade no processo de registro de entrada ou passagem pelo serviço da totalidade de usuários. Assim, a quantidade de usuários atendidos pelo CAPS II- Leste durante o ano tomado como referência para a coleta de dados. 73 Ressaltamos que em todos os gráficos apresentados, distinguimos o gênero dos usuários. Como vocês podem visualizar em essa distinção foi feita através de cores.

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Gráfico 01 – Usuários em atendimento intensivo-

Por regiões administrativas de Natal

Uma singularidade nesta modalidade é que a soma da região sul e leste equivalente a

65%, ou, em números inteiros 11 (onze) usuários74, números que superam pela primeira vez a

soma da região norte e oeste 36%, ou, 05 (cinco) usuários. Lembramos que esta modalidade

exige freqüência diária nos dois turnos de funcionamento da casa. Constatamos que o equivale

a 70%, ou, 12 (doze) usuários atendidos por esta modalidade não residem na zona leste,

enquanto somente 30%, ou em outros números, o irrisório valor de 05 (cinco) usuários residem

nesta região administrativa. Problematizamos, doravante, as conseqüências reais deste fato.

Antes de maiores reflexões sobre estes dados, questionamos: mais da metade dos usuários do

CAPS pesquisado não reside no território que funciona tal dispositivo. Isto acarreta a

necessidade de locomoção. Ressaltamos que vivemos em uma capital com a segunda maior

tarifa de transporte público do nordeste. Sabemos que o serviço disponibiliza para seus

usuários cartões eletrônico para este fim, contudo, quais as condições dos familiares

74 Quando tratarmos dos números inteiros, estaremos considerando a soma dos usuários do gênero masculino quanto do gênero feminino, e não diferenciada como vemos na figura 1.

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participarem do “tratamento”? Esta família tem disponível em seu orçamento mensal uma

quantia para deslocar-se ao CAPS? E se não tiver? Como faz? Questionamos, ainda, quais as

possibilidades de construir-se um projeto terapêutico para o usuário que reside na zona norte,

para aquele outro que reside na oeste, sul. É possível uma equipe dar conta de toda essa

demanda? Como alcançar a desinstitucionalização com ações restritas aos limites do serviço?

De fato, cremos que estes dados são reveladores da atual crítica situação da rede de

atenção psicossocial em Natal. Impossível de acatar aos princípios da territorialidade nessa

realidade. Um sujeito em sofrimento psíquico residente na zona norte da cidade busca um

serviço na zona leste por quê? Supomos que não exista outro CAPS nas imediações de sua

moradia ou aquele que existe não oferece vaga.

Tomando as quatro modalidades de atendimento (intensivo, semi-intensivo não-intensivo

e visita domiciliar) realizadas pelo CAPS, o número total de mulheres é um pouco superior ao

de homens em apenas uma modalidade (intensivo), com 11 (onze) usuárias, conforme informa

a figura acima. Ao voltarmos nossa atenção para o recorte de gênero, observamos que do total

dos usuários em modalidade semi-intensiva 69% são homens, enquanto que 31% de mulheres,

número até duas vezes superior ao total de usuários do gênero feminino.

A modalidade intensiva é a única que apresenta um número superior de incidência de

mulheres em detrimento do gênero masculino. Do total, 65% são usuárias, enquanto 35% são

homens. Especificamente, a zona leste contraria um pouco esses dados, pois, o número de

usuários do gênero masculino (03-três) é um pouco superior ao feminino (02- dois).

Na figura abaixo mostramos dados referentes ao ano de ingresso no CAPS, para

atendimento intensivo:

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Gráfico 02 – Usuários em atendimento intensivo- Por ano de entrada

Analisando os dados, constatamos que de 2005 até os dias atuais há uma tendência

crescente na busca pelo serviço. Nesse mesmo período 12 (doze) usuários iniciaram no

serviço, contra somente 05 (cinco), do período posterior.

O gráfico mostra, ainda que entre 1994 e 2004 - exatamente uma década - não houve

um ingresso significativo de novos usuários. Será que podemos afirmar que as pessoas de uma

década atrás padeciam menos de sofrimentos psíquicos, se comparadas com os sujeitos dos

anos 2000? Temos duas bases de análise: de um lado, poder ter havido um aumento de

pessoas em sofrimento psíquico ocasionado pelas condições precárias de trabalho a qual

milhares de brasileiros são submetidos. Por outro lado, a implantação de um serviço que

“desinstitucionaliza” a loucura em uma cidade que, tradicionalmente, lidou com medidas de

hospitalização para pessoas em sofrimento psíquico passa por um período de quebra de

resistências. Salientamos que há pessoas com mais dez anos de apoio no âmbito do CAPS o

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que pode ser considerado, em nossa perspectiva, como um tipo de “institucionalização

capisilar”.

Compreendemos que o trabalho em saúde mental é complexo, cada sujeito tem seus

sofrimentos em gruas variados, e ritmos de evolução igualmente distintos, contudo, um serviço

pautado nos moldes de atenção psicossocial não cabe nenhum traço que remeta a um tempo

longo no serviço.

Abaixo apresentamos o gráfico com informações referentes a faixa-etária dos usuários

do CAPS II - Leste.

Gráfico 03 – Usuários em atendimento intensivo - Por idade

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Dentre os usuários atendidos pelo CAPS durante o ano de 2008, nesta modalidade de

atendimento 13 (treze) estão entre a faixa etária de 19-49. De antemão sabemos que é uma

faixa etária na qual comumente as pessoas estão em plena produção, na concepção de

trabalho em enquanto fundante do ser social. Esses sujeitos estão fora do mercado de trabalho,

e arriscamos afirmar que a configuração do mundo do trabalho na contemporaneidade é

atravessado por contradições fundante desse modo de produção capitalista. O ser humano

nunca foi tão explorado, desgastado física e mentalmente. Até que ponto os processos de

trabalho contribuem para um quadro de agudo sofrimento psíquico? Afinal os dados de nossas

entrevistas também revelam como o trabalho influenciou o desencadeamento ou o agravamento

do quadro de sofrimento psíquico.

No que se refere a análise dos dados coletados referente a segunda modalidade de

atendimento - semi-intensivo, destacamos inicialmente a distribuição dos usuários atendidos

pelo CAPS durante o ano de 2008, segundo as variáveis sexo e região administrativa onde

residem:

Gráfico 04 – Usuários em atendimento semi-intensivo - Por regiões administrativas de Natal

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Analisando o gráfico, identificamos que dentre os 45 (quarenta e cinco) usuários de

atendimento semi-intensivo, trinta e quatro 34 (trinta e quatro) provêm de bairros de outras

zonas administrativas e não da zona leste, de onde procedem apenas 11 (onze). Assim, temos

um quadro de atendimentos semi-intensivo, com 75,6 % dos usuários oriundos de bairros

distintos daqueles compreendido na área de cobertura prioritária. Cabe interrogar os

determinantes de tal configuração do atendimento, bem como as possibilidades da

concretização da ação do CAPS no processo de reinserção destes usuários, considerando que

os mesmos vivem realidades distintas e, sobretudo, residem em áreas distantes daquela área

de implantação do serviço, contrariando o princípio do território fundamental para o processo de

concretização da reforma psiquiátrica.

Constatamos, assim, que maioria destes usuários é oriunda de bairros distantes do

serviço. Além das dificuldades encontradas pelos mesmos para uma participação sistemática75,

trabalhamos com um parâmetro ideal estipulado (comparecimento pelo menos três vezes por

semana), sem termos condições de afirmar que a totalidade dos usuários do regime semi-

intensivo participa realmente das atividades propostas com duas ou três visitas semanais ao

serviço, todas as semanas do mês, todos os meses do ano.

Apresentamos abaixo dados expressos no gráfico com informações sobre o ano de

entrada desses usuários atendidos por essa modalidade de atendimento.

75 Como não se têm dados relativos à freqüência dos usuários, apesar do CAPS dispor de listagens de freqüência, todavia, as mesmas não são tratadas, nem analisadas para se ter uma visão mais próxima do real.

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Gráfico 05 – Usuários em atendimento semi-intensivo - Por ano de entrada

Visualizamos um quadro semelhante aos números relativos a modalidade intensiva, ou

seja, se destacarmos o período de 2005-2008, constatamos um significativo aumento na busca

pelo serviço, assim, ratificamos as considerações anteriormente realizada. Assim, entre 2005-

2008, nessa modalidade 28 (vinte e oito) novos usuários passaram a ser atendidos pelo CAPS,

em detrimento de 17 (dezessete) usuários ingressos entre 1998-2004. Constatamos que

predomina uma tendência a uma permanência deste usuário, um tanto longa, para um serviço

tipo o CAPS. Alertamos para os riscos de um serviço aberto ferir os princípios da luta anti-

manicomial ocasionado pelo tempo excessivo de permanência dos usuários no serviço.

Vale voltarmos nossa atenção para o corte de gênero. Do total dos usuários em

modalidade semi-intensiva 69% (ou, 31) são homens, contrapondo-se a 31% (ou, 14) de

mulheres, número até duas vezes superior ao total de usuários do gênero feminino. Parece-nos

que aquele velho dito popular onde caracteriza as mulheres como sexo frágil não condiz com a

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realidade, dentre as quatro modalidades de atendimento (semi-intensivo, intensivo, não-

intensivo e visita domiciliar) oferecido pelo CAPS, o número de mulheres é um pouco superior

ao de homens em apenas uma modalidade (intensivo).

Com relação à faixa-etária dos usuários desta modalidade especifica, analisamos que há

uma predominância maior de pessoas que estão entre 30-49 anos, como pode ser observado

no gráfico abaixo:

Gráfico 06 – Usuários em atendimento semi-intensivo – Por faixa etária

Instigamos novamente a reflexão sobre as determinações que levam pessoas em idade

de atividade produtiva, padecerem de agudos quadros de sofrimento psíquico. Acreditamos que

o trabalho enquanto categoria ontológica para o ser social é uma dimensão essencial para o

alcance dos objetivos apregoados pela reforma psiquiátrica. E cabe a nós pensar sobre o

mundo de trabalho na contemporaneidade. Este tem contribuído para uma boa saúde mental de

seus trabalhadores, ou é o oposto? Sabendo dos elevados índices de desemprego, o nível de

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exploração da força de trabalho humana, não é difícil chegar a uma conclusão. Outra

indagação: Em um mercado de trabalho tão competitivo há espaço para os sujeitos em

sofrimento psíquico? Todas essas questões apontam o horizonte desafiador para

materialização da reforma psiquiátrica.

Doravante, nos deteremos às informações referentes a uma modalidade de atendimento

que só existe no CAPS II- Leste devido a não concretização da rede de atenção psicossocial

municipal – o atendimento ambulatorial. Na seqüência observem o gráfico com a distribuição de

usuários segundo a região administrativa que reside e gêneros:

Gráfico 07 – Usuários em atendimento – não-intensivo (ambulatorial)- Por regiões

administrativas de Natal

Como na maioria das modalidades de atendimento o número de usuários pertencentes

ao gênero masculino supera o feminino. O primeiro é responsável por 67%, enquanto, que as

mulheres totalizam 33%.

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Nesta modalidade de atendimento (não-intensivo= ambulatório) o número de usuários

que não residem na zona leste compreende 73% do total, restando somente o valor de 28% dos

usuários que residem nessa área. Tratando esses dados em números inteiro temos: somente

11 (onze) usuários residem na zona leste, enquanto, as demais regiões somam 29 (vinte e

nove) usuários. A região administrativa onde se localiza o serviço que constitui nosso objeto de

pesquisa, e seguindo a proposta de reforma psiquiátrica, deveria respeitar o princípio do

território e assim contribuir com o processo de reinserção deste ao meio social mais amplo,

detém um número reduzido de usuários. Não precisamos aprofundar na análise para

relacionarmos o tempo excessivo de permanência do usuário no serviço com essas dificuldades

de atender ao principio do território.

Os princípios da reforma psiquiátrica defendem como fundamental a participação do

usuário em todas as dimensões da vida social, tais como lazer, trabalho, educação, habitação.

Isto colabora no processo de superação da velha idéia de incapacidade, de restrita socialização

tradicionalmente associada ao sofrimento psíquico. No CAPS investigado esta participação não

pode ser ponderada na medida em que os locais de moradia são distantes do serviço.

Esta é a única modalidade de atenção psicossocial que possui dentre seu público

usuários oriundos da Região Metropolitana de Natal (RMN). Cabe frisarmos que o dispositivo

ambulatorial dispensa maiores aparatos para desenvolver seu trabalho, pois, trata-se de um

serviço de baixa complexidade, estando dentre os serviços básicos de saúde. O fato

preocupante é que este não é o papel do CAPS, pois esta não é uma das modalidades

oferecidas por um serviço substitutivo como o CAPS. E o número de usuários atendidos nesta

modalidade (40) é um pouco menor que o total de público atendido na modalidade semi-

intensivo (45). Tal fato aponta para uma sobrecarga de trabalho no CAPS II - Leste. A equipe

reconhece que desse modo os profissionais da psiquiatra deixam de participar mais

efetivamente nos espaços coletivos da “casa”, pois, dedicam-se quase exclusivamente ao

atendimento ambulatorial. Isso confirma nossa constatação da ausência da psiquiatra nas

oficinas. Com efeito, durante a toda a fase de observação participante da pesquisa, a psiquiatra

participou somente de 01 (uma) oficina.

O serviço acaba por responder a uma demanda existente devido à rede psicossocial não

oferecer em número suficiente as diferentes formas de atenção, sequer um ambulatório. O

número de serviços não atende satisfatoriamente as demandas apresentadas. Essa é a

realidade de um dos CAPS da capital do nosso Estado, o que nos instiga a pensar sobre as

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condições do atendimento as demandas das pessoas em sofrimento psíquico em periferias e

zonas rurais.

Inquieta-nos também pensarmos que se há dificuldade na oferta de serviços básicos,

qual a realidade daqueles classificados como de alta complexidade? O fato é que até os dias

atuais inexiste em nossa capital um CAPS tipo III, que se ocuparia com quadros mais graves.

Novamente é recorrente o dado de que a soma dos usuários oriundos das regiões mais

carentes de Natal, ou seja, as zonas norte, oeste e Região Metropolitana de Natal (RMN) é 20%

superior ao resultado da soma das regiões sul e leste, que resulta em 40% do total de usuários

atendidos a nível ambulatorial. É inconteste o fato de que regiões caracterizadas por acentuada

pobreza padecem em número elevado de distintos sofrimentos psíquicos. Não é nosso

interesse cair no estigma de associar pobreza/sofrimento psíquico, contudo, é evidente que os

sofrimentos são acentuados pelos quadros de miséria e aguda escassez material resultantes

das formas de sociabilidade peculiares ao atual desenvolvimento do capitalismo.

No seguimento um gráfico com número de usuários em atendimento não-intensivo

(ambulatorial) por ano de entrada no CAPS:

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124

Gráfico 08 – Usuários em atendimento não-intensivo (ambulatorial)- Por ano de entrada

Como as demais modalidades, o número de novos usuários atendidos pelo CAPS entre

o corte de tempo: 2005-2008 é superior àqueles entre 1998-2004. Nesse primeiro período 21

(vinte e um) novos usuários iniciaram seus tratamentos. Enquanto no segundo corte temporal

abarca 19 (dezenove) usuários. Como essa não é uma modalidade própria de um serviço da

natureza do CAPS, preocupa-nos o fato destes dados revelarem uma possível fase de

estagnação na qual se encontra a reforma psiquiátrica em Nata. Ao longo dos anos não houve

ampliação de serviços básicos como ambulatórios, sobrecarregando os serviços e

conseqüentemente rebatendo diretamente na eficácia do trabalho do CAPS.

Analisando o gráfico a seguir temos ratificado as análises anteriores, no referente à

faixa-etária. Arriscamos afirmar que o perfil dos usuários atendidos pelo CAPS durante o ano de

2008, pode ser caracterizado como um público jovem:

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125

Gráfico 09 – Usuários em atendimento não-intensivo (ambulatorial)- Por faixa etária

No que diz respeito a última modalidade de atendimento - visita domiciliar. Como

recorrente o total de usuários do sexo masculino predomina com 71%, restando às mulheres

29%, como pode ser visualizado abaixo:

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126

Gráfico 10 – Usuários em atendimento visita domiciliar- Por Gênero

Enfatizamos que, exceto nesta modalidade, o número de usuários oriundos da região

norte da cidade não supera o total de usuários das demais regiões administrativas. Dos 05

(cinco) usuários atendidos, somente 01 (um) reside na zona norte, 01 (um) oeste, 01 (um) sul e

02 (dois) leste. Ressaltamos que um dos preceitos das políticas sociais na atualidade é a

aproximação física dos serviços com o local de vida e de moradia dos usuários. De fato ao se

falar em inscrição territorial ou em políticas com recorte territorial, o aspecto mais evidenciado é

a proximidade física. No caso em estudo observamos que apesar do fácil acesso à casa devido

a uma localização que é atendida por diversas linhas de transporte coletivo, constatamos que a

maioria dos usuários são provenientes de bairros distantes, de outras zonas administrativas,

possivelmente não atendidas por este tipo de serviço. O atendimento a pessoas provenientes

de lugares os mais variados finda por comprometer também o estabelecimento de vínculos

entre familiares, usuários e a comunidade do entorno, aspecto considerado fundamental para

materialização do processo de desinstitucionalização.

O confronto de nossos dados com aqueles da pesquisa intitulada: “A Condição de

pobreza e exclusão social da população de Natal (UFRN, 2005)” podemos chegar a algumas

balizas para nossas análises, a partir do perfil da população das diversas regiões de Natal. Esta

pesquisa evidencia que as regiões administrativas norte e oeste correspondem geograficamente

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127

à periferia da cidade, onde reside a população mais pobre. Juntas abrigam 62% da população

de Natal. A zona Norte é a mais densamente povoada, com uma participação de 34% da

população total do município, sendo acompanhada pela zona oeste, com 28%. Segundo a

mesma pesquisa a região sul é formada por bairros de classe média alta, enquanto a região

leste inclui em sua composição tanto bairros da classe média alta, quanto bairros de população

de baixa renda. Diante destes números chamamos a atenção para a diversidade na composição

da população atendida pelo serviço pesquisado, como também visualizamos um horizonte de

desafios em um contexto de tanta pobreza.

No que diz respeito ao ano de entrada no CAPS apenas 20% dos usuários desta

modalidade iniciaram atendimento em 2008; a grande maioria: 80% começaram seus

tratamentos em anos anteriores como mostra o gráfico a seguir:

Gráfico 11 – Usuários em atendimento visita domiciliar- Por ano de entrada

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Diferente das demais modalidades maior parte de usuários estão entre a faixa-etária

superior a 40 (quarenta anos). Como o gráfico demonstra abaixo:

Gráfico 12– Usuários em atendimento visita domiciliar- Por idade

Com o objetivo de possibilitar uma visão geral da distribuição dos usuários por

modalidade de atendimento de acordo com a região administrativa onde residem elaboramos o

mapa a seguir que dimensiona o espaço geográfico ocupado pelos mesmos e dá uma idéia do

deslocamento que são obrigados a fazer para dirigirem-se ao CAPS Leste.

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129

ATENDIMENTO SEMI-INTENSIVO

ATENDIMENTO NÃO-INTENSIVO AMBULATORIAL

ATENDIMENTO INTENSIVO

ATENDIMENTO VISITA DOMICILIAR

Concepção de nossa pesquisa: Elaboração das autoras. Mapa a Geógrafa Neuma Patrícia da

Rocha Alves. Alterações Designer Jucian Lima.

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130

Através dos gráficos, mapas e tabelas fica difícil a concretização do principio da

territorialidade da reforma psiquiátrica, concluímos que essencialmente tal dificuldade pode ser

atribuída ao não acesso aos serviços de atenção psicossocial nas imediações do local de

moradia, em geral devido à inexistência de equipamentos ou a superlotação destes.

Como interesse de nossa pesquisa direciona-se para zona leste

especificamente, elaboramos outro mapa pontuando os dispositivos psicossociais

englobados nessa região administrativa. Com a leitura do mapa visualizamos a

existência de quatro serviços desta ordem. Todos os dados apresentados anteriormente

apontam os limites para materialização da reforma. Poucos serviços e muitas

demandas, uma área de abrangência bem superior aquela defendida pelos princípios

do território, serviços superlotados, condições de trabalho adversas.

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CAPS ad II - LESTE

CAPS II - LESTE

SRT - Residências Terapêuticas

HOSPITAIS

AMBULATÓRIO

Concepção de nossa pesquisa: Elaboração das autoras. Mapa a Geógrafa Neuma Patrícia da

Rocha Alves. Alterações Designer Jucian Lima.

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132

Em relação à estrutura física do CAPS II Leste, ao entrarmos na casa, deparamo-nos

com um grande sofá, quadros na parede e um birô. Uma sala ampla que dá acesso a 03

pequenas salas: 01 para reuniões, 01 para atendimento médico, 01 destinada a armazenar

móveis e utensílios em desuso. Além destas, há uma sala de espera, 01 para artes, 01 refeitório

(pequeno com oito mesas quadradas de plástico), 02 banheiros (M e F), 03 banheiros para

equipe de profissionais do serviço, 01 cozinha, 01 sala ampla onde ocorrem as oficinas, 01 sala

destinada à farmácia e 01 à enfermagem. Após as últimas chuvas de 2008, os serviços

farmacêuticos e de enfermagem estão funcionando na mesma sala. Ainda há uma sala para

administração, uma varanda com vistas para os fundos do prédio, 01 sala azul usada também

para oficinas. Na parte dos fundos, há um amplo espaço aberto com um grande banco de

cimento. Dentre, os 05 banheiros existente, apenas 03 funcionam e de forma precária. O

sistema elétrico também se encontra comprometido, com espaços sem iluminação. A cozinha

aguarda a finalização dos trabalhos de conserto das infiltrações, necessitando ainda de pintura

e da instalação de um fogão industrial (Documento: Relatório Primeiro Semestre - 2008).

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Elaboração: Jucian Lima e Erinaldo Soares da Silva.

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136

Fonte: Elaboração das autoras.

De fato, o serviço funciona em uma casa relativamente ampla na qual se

poderia imaginar a possibilidade de um leque importante de intervenções. Porém,

grande parte de seus espaços não oferecem condição de uso. Ademais, estando em

atividade desde 1994, o CAPS II Leste ainda funciona em um imóvel alugado. Em

entrevista, a coordenadora do serviço nos relata:

[...] vamos falar dessa parte física, se deteriorando. Nós usamos aqui nesse CAPS, 50% das salas para as atividades, o restante você não usa! Está deteriorado mesmo!! [Tem ainda] uma cozinha, uma área que quando começa a chover, molha e corre o risco de um curto circuito, então é isso que é cuidado? (Coord. do CAPS II Leste).

Também, em entrevista, uma das técnicas do serviço ratifica as informações de

sua coordenadora:

A gente está em uma casa gigante e a gente usa quase a metade, salas

fechadas. Eu digo muito: gente, devíamos ter uma sala de jogos, o usuário

escolher não ir para uma oficina, porque ele pode escolher não ir, ai ele vai

escolher ir jogar! Inclusive, o princípio da autonomia é esse, que você possa

escolher, ter escolha, né?! A gente vai trazer o pessoal para uma casa grande e

ficar sem fazer nada! O que adianta? A gente tem um terreno aqui enorme que

podíamos fazer horta, mais a gente não tem condições de fazer horta, por isso,

por aquilo, por aquilo outro. E ai, quer dizer isso são dificuldades que trazem

emperramento ao trabalho porque a casa está caindo aos pedaços, quer dizer

são péssimas condições de trabalho (Técnica do CAPS II Leste).

Observamos no relato acima a compreensão por parte de uma técnica da “casa” de um

dos aspectos importantes defendidos pela reforma: a autonomia dos usuários, a qual deve ser

reforçada. Contudo, o exercício da autonomia no interior mesmo da casa, no cotidiano do

processo terapêutico parece comprometido pelas condições de trabalho. Estas condições de

trabalho têm se tornado ainda mais precárias, devido à ausência de manutenção da estrutura

física que pode ser considerada um dos maiores problemas para o adequado funcionamento do

serviço.

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137

O documento consultado (Relatório primeiro semestre 2008) indica, ainda, que o

reparo de infiltrações e a renovação da pintura não foram realizados, apesar de constituir

solicitação antiga. O portão de ferro da entrada encontra-se oxidado, mantendo-se encostado,

obstando as condições de segurança da casa. As portas das salas externas continuam sem

fechar desde o primeiro arrombamento, ocorrido em 2006. Em 2008, este serviço sofreu novas

“investidas” por parte de ladrões.

Para além da parte física, há dificuldades de outras ordens para um

funcionamento satisfatório do serviço. Os obstáculos vão desde a falta de recursos

materiais à escassez de profissionais. O relatório de 1997 aponta algumas alternativas

encontradas pela equipe, a exemplo da realização de cotas para resolver problemas

simples como compra de lápis para o serviço. Acompanhem um trecho do relatório:

Gostaríamos de ressaltar também, que não foram raras as ocasiões em que a equipe teve que se cotizar para resolver problemas tão simples, como por exemplo: a compra de lápis para o serviço (NATAL, 1997).

Quase dez anos após esta situação, nos surge uma indagação: “As condições

mudaram?”. No item a seguir nos deteremos aos sujeitos responsáveis pela ação do CAPS.

Explicitamos um pouco do trabalho desenvolvido pelo serviço, a composição de sua equipe

técnica com suas relações cotidianas.

Cabe interrogar os determinantes de tais condições de atendimento, bem como as

possibilidades e limites da ação do CAPS no processo de reinserção destes usuários,

considerando que os mesmos residem em áreas distantes daquela área de implantação do

serviço, contrariando o princípio da territorialidade fundamental para o processo de

materialização da reforma psiquiátrica e, sobretudo, vivem realidades bem distintas.

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138

3.1.2. CAPS II- LESTE: EQUIPE DE TRABALHO E SISTEMÁTICA DE ATIVIDADES

Entre 1997 e 2008 não identificamos quaisquer registros sobre o funcionamento

do CAPS II Leste, exceto uma dissertação de mestrado intitulada “Nem tudo que reluz

é ouro: Oficinas Terapêuticas no cenário da Reforma Psiquiátrica (2006), elaborada no

âmbito do programa de pós-graduação em psicologia da UFRN, em 2006. Para

apreendermos a situação atual do CAPS II- Leste, tivemos que sistematizar

informações coletadas por ocasião de nosso trabalho de campo, confrontando-as com

dados de documentos oficiais obtidos, através de relatos em entrevistas realizadas e

testemunhos obtidos em conversas informais.

O CAPS II - Leste dispõe de um quadro de profissionais que pode ser

qualificado como bastante heterogêneo, como veremos abaixo. Os profissionais com

estatuto de funcionário municipal compõem a maioria dos servidores da casa (20).

Estes são auxiliados em suas tarefas por 01 (um) funcionário do Ministério da Saúde,

cedido ao município, dois (02) funcionários da secretaria estadual de saúde, dente os

quais uma assume desde setembro de 2007, até hoje a coordenação. A casa conta

ainda com quatro (04) profissionais de firmas privadas que assumem tarefas de

Auxiliares de Serviços Gerais.

QUADRO I – Composição da Equipe do CAPS II – Leste por função e vínculo empregatício

FUNÇÃO QDT. VÍNCULO EMPREGATÍCIO

Auxiliar Administrativo 01 Ministério da Saúde

Arte Educadora 01 Secretaria Estadual de Saúde

Auxiliar Administrativo 01 Secretaria Estadual de Saúde

Auxiliar Administrativo 01 Secretaria Municipal de Saúde

Psicóloga 02 Secretaria Municipal de Saúde

Enfermeira 02 Secretaria Municipal de Saúde

Técnica de Enfermagem 02 Secretaria Municipal de Saúde

Farmacêutico 01 Secretaria Municipal de Saúde

Auxiliar em Farmácia 02 Secretaria Municipal de Saúde

Médica Psiquiátrica 01 Secretaria Municipal de Saúde

Terapeuta Ocupacional 01 Secretaria Municipal de Saúde

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139

Nutricionista 01 Secretaria Municipal de Saúde

Educador Físico 01 Secretaria Municipal de Saúde

Auxiliar de Serviços Gerais 01 Secretaria Municipal de Saúde

Vigilantes 05 Secretaria Municipal de Saúde

Auxiliar de Serviços Gerais 04 Terceirizado

TOTAL 27

Fonte: Quadro funcional, com correções aportadas de acordo com informações obtidas durante o trabalho de campo, realizado entre julho e novembro de 2008.

O quadro de estagiários e de residentes em psiquiatria é bastante variável.

Durante nossa pesquisa, constatamos a presença de uma única estagiaria de Terapia

Ocupacional, desenvolvendo atividades todas as tardes durante dois anos, mediante

contrato de estágio remunerado e de um residente de psiquiatria presente na casa no

máximo três turnos por semana. Esta situação se altera com a presença temporária de

estagiários voluntários que cumprem carga horária determinada segundo as

necessidades de sua formação ou até mesmo por compromisso pessoal.

O quadro limitado de recursos humanos constitui sem dúvidas uma das principais

dificuldades elencadas por toda equipe do CAPS. Durante a pesquisa, observamos que tal

situação força a equipe a adotar atitudes imediatistas, a exemplo da utilização do trabalho de

estagiários/as no provimento de serviços que, na verdade, deveriam ser assegurados por

profissionais. O relatório referente às atividades do primeiro semestre de 2008 ressalta a

importância da presença de estagiários que: “Auxiliam quando das [...] dificuldades, em função

do número reduzido de técnicos” (SMS, 2008).

Tal realidade, expressa uma das facetas do processo de precarização do trabalho tão

em voga em nossa sociedade, a qual intensifica as formas de exploração da força de trabalho e

lança mão de velhas estratégias, como o uso do trabalho dos mais jovens. Sob a designação de

estágio, com efeito, desenvolvem-se efetivamente e, muitas vezes de forma duradoura,

atividades de trabalho compatíveis com níveis de responsabilidade de profissionais já formados.

Para além da carga de trabalho e de responsabilidades, há a redução dos custos do trabalho,

ao diminuir os gastos com contratos, limitando o quadro de profissionais efetivos.

Compartilhamos com a equipe o fato de achar que a mesma é sub-dimensionada para

assegurar o conjunto das ações previstas e, mais ainda, para realizá-las segundo os preceitos

da reforma psiquiátrica.

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140

A equipe se apóia muito nas estagiárias que eventualmente freqüentam o serviço, e

que deveriam estar apoiadas para atingir a finalidade de sua presença ali: conhecimento,

aprendizagem. Quem deveria estar em processo de aprendizagem e de formação profissional

acaba exercendo funções e atividades para as quais ainda não está totalmente preparado.

Aparentemente, a participação de todos, inclusive de estagiários, nos diversos espaços e

atividades da casa pode ser vista de forma positiva, democrática. Todavia, uma análise mais

aprofundada da situação deixa-nos antever a possibilidade de improviso, imediatismo, em um

tipo de serviço que lida com situações psicossociais bastante complexas. Alguns técnicos

entrevistados no decorrer da pesquisa de campo reconhecem a importância do estagiário como

força de trabalho. Um trecho de nosso precioso diário expressa bem a postura de parte da

equipe. Ao ver a estagiária de Terapia Ocupacional, uma técnica do serviço assim expressou-se

“quanto mais gente melhor!”. Diante da demanda e da sobrecarga tudo parece reduzir-se a uma

questão de quantidade. Comumente o horário da estagiaria é à tarde, porém, a encontramos

algumas vezes nos dois turnos.

A residência terapêutica que deve funcionar em articulação com o CAPS II-

Leste conta com a seguinte equipe, composta majoritariamente por funcionários

municipais:

FUNÇÃO QDT. VÍNCULO EMPREGATÍCIO

Técnica de Enfermagem 04 Secretaria Municipal de Saúde

Psicólogo 01 Secretaria Municipal de Saúde

Assistente Social 01 Secretaria Municipal de Saúde

Auxiliar de Enfermagem 01 Secretaria Estadual de Saúde Auxiliar de Serviços Gerais 01 Terceirizado TOTAL: 07

Fonte: Quadro funcional, com correções aportadas de acordo com informações obtidas durante o trabalho de campo, realizado entre julho a novembro de 2008.

A residência tem capacidade para abrigar 07 usuários de ambos os sexos,

estando, no momento de nossa visita, com o máximo possível de residentes. Segundo

sua coordenadora, o CAPS II- Leste funciona como suporte da residência terapêutica,

objetivando facilitar a reinserção social de seus usuários. Na verdade, os residentes têm

acesso ao conjunto das atividades propostas pelo CAPS II- Leste. Não verificamos tipo

particular de atividade ou de atendimento destinado a estes residentes, apesar dos

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mesmos vivenciarem um cotidiano bem diferente daquele dos usuários externos ao

CAPS e de terem um histórico de longas internações e muitas vezes de perda de

vínculos com parentes e/ou amigos. Assim, consideramos que as possibilidades de

reinserção social dos residentes são bastante reduzidas.

No início de nosso trabalho de campo, tivemos uma grande surpresa com

relação ao quadro funcional: a ausência de assistentes sociais na equipe do CAPS II-

Leste, contrariando a portaria nº336 (19/02/2002), que assim prevê: “CAPS II – Serviço

de atenção psicossocial com capacidade operacional para atendimento em municípios

com população entre 70.000 e 200.000 habitantes”. De acordo com esta portaria tal

modalidade de serviço deve contar com os seguintes recursos humanos: “A equipe

técnica mínima para atuação no CAPS II, será composta por: 01 (um) médico

psiquiatra, 01 (um) enfermeiro com formação em saúde mental, 04 (quatro)

profissionais de nível superior entre as seguintes categorias profissionais: psicólogo,

assistente social, enfermeiro, terapeuta ocupacional, pedagogo ou outro profissional

necessário ao projeto terapêutico” (Brasil, 2002). Fazendo o contraponto com os dados

da realidade do CAPS investigado, percebemos que dentre os 05 (cinco) profissionais

de nível superior indicados pela portaria, o serviço não contempla em seu quadro 02

(duas) categorias profissionais, dentre eles, o assistente social. Sabemos que a

presença do profissional desta área destaca-se como fundamental para concretização

de um dos principais objetivos da reforma psiquiátrica: a desinstitucionalização.

Registramos o tratamento dado a uma demanda de uma usuária ao solicitar um

encaminhamento do serviço social, indagando: “Como faço se não há aqui? Uma técnica

respondeu prontamente: Não tem problema! A gente faz!”. Tal situação deixa-nos bastante

preocupadas, pois, tal postura reforça idéia equivocada segundo a qual o trabalho do serviço

social pode ser realizado por qualquer pessoa sem uma formação específica, o que, a nosso

ver, compromete diretamente a qualidade do serviço ofertado.

Os membros da equipe consideram necessária a presença de um/uma assistente

social no cotidiano da casa. Todavia, a coordenadora admite ser difícil encontrar profissionais

especializados com perfil e formação para trabalhar em saúde mental. Por várias vezes,

durante nossa pesquisa de campo, quando estávamos realizando observação participante,

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142

fomos confundida, ou mesmo solicitada por usuários ou profissionais da casa para assumir tal

função, a cada vez, tivemos que nos esquivar e explicar que este não era nosso papel ali.

Lembramos que nossa proposta inicial tinha como foco apreender a atuação do

profissional do serviço social através do cotidiano dos usuários do CAPS II – Leste, Natal/RN e

de seus respectivos familiares, através de sua inserção na equipe interdisciplinar.

Em conversa76 com a atual administradora do serviço, a mesma fez um sucinto

histórico do serviço social neste Centro de Atenção Psicossocial. A primeira assistente social

desta instituição assumiu também a função de coordenadora, situação que reforçava uma

atenção ao serviço social insatisfatória. Depois, uma segunda profissional passou pouco tempo,

não se adaptou ao trabalho em saúde mental e acabou solicitando sua mudança para um posto

de saúde. E desde então, “foi indo o psicossocial sem o social”. Penso que temos que ser

cautelosos quanto ao trabalho interdisciplinar, para não cometermos o equívoco de dissolver

tantos os saberes, a tal ponto que, neste caso, o profissional de serviço social, desaparece

completamente! Atualmente a equipe atribui essa função a profissional lotada na residência

terapêutica. Todavia, o cotidiano evidencia a impossibilidade desta profissional cobrir a

demanda do CAPS. Concretamente, não há ação do serviço social no CAPS II- Leste desde

setembro de 2007. Acreditamos que essa realidade limita a intervenção do CAPS. O assistente

social é fundamental para se atingir a materialização da reforma psiquiátrica! Mais uma vez a

inquietação toma conta de nossos pensamentos.

O Serviço Social busca atuar na contradição entre a racionalidade da organização

institucional e a irracionalidade das condições sociais. O Serviço Social intervém em tudo que

escapa à racionalidade desse processo no que tange à situação objetiva (dita social) ou aos

aspectos contextuais diversos (é por isso que alguns assistentes sociais em saúde mental

declaram “servirem para tudo”, serem “quebra-galho”. Apesar de discordarmos de tal condição

à qual são submetidos muitos assistentes sociais, observamos em nosso exercício profissional

que é comum acontecer, não apenas no campo da saúde mental. Essa prática funcional à

lógica psiquiátrica é antiga no Serviço Social em saúde mental. Ela resulta do modelo de

serviço social tradicional em hospitais psiquiátricos observado desde os anos 1950. Desde essa

época, “tudo que não é concebido como diretamente associado com o especificamente psíquico

e somático (...) é empurrado nestas instituições para o serviço social” (VASCONCELOS, 2000,

p. 126).

76 Conversa realizada em 01 de setembro de 2008, dados registrados em diário de campo.

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143

A falta de clareza do papel de cada profissional nas atividades da casa e sobre

a definição e o encaminhamento de atividades interdisciplinares tal qual se propõe

realizar nos serviços substitutivos dificulta a consecução dos objetivos almejados,

sobretudo, daqueles que devem dar suporte ao processo de desinstitucionalização.

O Relatório referente ao Primeiro Semestre de 2008 do Centro de Atenção

Psicossocial “Dr. André Luís Coelho de Melo de Lima” - CAPS II- Leste destaca os

principais obstáculos apontados pelos membros da equipe técnica. Dentre estes se

ressalta o tempo excessivo de realização de determinadas triagens. Com efeito, o

usuário que pretende ingressar de forma sistemática nas atividades do CAPS deveria

ter sua ficha analisada pelos dois técnicos responsáveis no prazo máximo de duas

semanas. Todavia, tal prazo quase nunca é cumprido, resultando em demora para dar

resposta ao usuário. Este entrave é atribuído à insuficiência de recursos humanos.

Frisamos que tal situação decorre, sobretudo, da limitada capacidade do próprio serviço

para realização deste tipo de atividade, pondo em xeque o objetivo do pronto-

atendimento. Tal situação é ratificada em depoimentos colhidos quando de nossas

entrevistas:

As psicólogas dizia: olhe dona XXX: faça todo jeito arranje no CAPS, ai

vinhemos aqui e não tinha vaga! (Familiar Amor)

Esperamos um tempo, é muita gente pra eles atenderem, não é?

(Familiar Gratidão)

Ouvimos relatos que apontam para falta de sistematização das atividades. Com efeito,

no cotidiano do serviço, algumas vezes, responsabilidades são delegadas para quem estiver

disponível no momento. Se por um lado, isto revela o esforço individual e coletivo para suprir

uma carência, por outro, tal atitude profissional dificulta o processo de sistematização das

atividades, além de confortar os gestores e fazer perdurar a situação atual de sobrecarga e

carência de profissionais na equipe.

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144

Após análise documental deparamo-nos com uma quantidade de registros

escassos sobre a história do CAPS II- Leste no decorrer de seus 15 anos. Os

profissionais não se vêem como protagonistas de mudanças paradigmáticas. Não

atribuem importância ao registro de suas ações, limitando, deste modo, seu papel de

sujeitos da história! Parece-nos que esta não é uma problemática exclusiva do serviço.

Em 25 de agosto de 2008, em conversa informal, tomamos conhecimento de que os

dados da própria secretaria municipal estavam, até o momento, desatualizados. Na lista

de funcionários do serviço havia o nome de uma profissional que não está mais ali há

certo tempo, e o nome de uma profissional que trabalha há três anos no CAPS II- Leste

não constava nesta lista!

Os estatutos dos estagiários são também diversos: alguns recebem bolsa de estágio e

têm vínculo formal com a secretaria municipal, outros estão realizando o estágio curricular,

necessário para conclusão de curso superior, não recebendo qualquer remuneração e ainda há

aqueles que já passaram pelo serviço, porém, ainda o freqüentam com certa regularidade,

assegurando horas de trabalho voluntário.

A insuficiente sistematização das ações é sentida tanto pelos profissionais quanto

pelos usuários. Veja a citação registrada em diário de campo: “Senti como da outra vez. Algo

solto, sem objetivo, com pouco tempo, pouco material para estimular a criatividade”. Outro

usuário assim se posicionou: “Tô achando que as oficinas estão meio soltas, não é?”...

A ausência de uma sistemática de trabalho bem definida pode resultar em problemas,

a exemplo do que presenciei certo dia. Estava com os usuários aguardando uma oficina

(atividade) que deveria começar... esperamos, esperamos... Os usuários começaram a ficar

inquietos, questionando-me se haveria alguma atividade. O responsável por tal atividade foi

encontrado conversando com uma usuária, tendo esquecido que havia sido escalado para

aquela oficina. Apressadamente encaminhou-se para a sala ao encontro do grupo. A fala de

uma de nossas entrevistadas é bastante reveladora neste sentido:

Eu vejo a equipe muito comprometida, daquela que está sempre

procurando acertar, mas, assim, ao entrar aqui depois de toda essa

acolhida calorosa eu fui me deparando com as dificuldades também da

equipe eu penso muitas vezes é uma equipe assim que ainda tem

dificuldades para trabalhar com saúde mental que precisaria de

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uma maior capacitação, que precisaria está discutindo mais

teoricamente, o que é que é mesmo a psicose, que eles dizem muito,

que quer saber mais, mas eu não vejo muitas vezes o movimento de ir

atrás desse saber, então isso às vezes emperra muito o trabalho,

porque às vezes eu vejo assim as pessoas estão no trabalho se

colocando de uma forma muito pessoal e não como terapeuta e eu

acho que isso atrapalha o trabalho de um CAPS (grifos nossos).

Em algumas ocasiões, durante o processo de pesquisa, nos questionamos sobre as

dificuldades relatadas, sobre a questão do quadro reduzido de profissionais. Indagamo-nos: em

que medida se trata da quantidade de profissionais, ou não seria mais apropriado referirmo-nos

a limitações quanto à formação acadêmica necessária para as atividades previstas em tal tipo

de serviço.

Considerando a complexidade de intervenção no campo da saúde mental, as

demandas são as mais variadas. Encontramos, desde encaminhamentos no âmbito do serviço

social, da psicoterapia, solicitação de consulta com o psiquiatra, mas ainda possibilidades de

pintar um quadro ou quaisquer atividades relacionadas ao artesanato. Os limites e as

possibilidades de intervenções surgem nas falas de nossos entrevistados:

Eu acho que o CAPS deveria ter uma equipe clínica mínima e bastante

oficineiros77! O ideal eu acho que a gente deveria poder contratar

artistas, para passar um semestre, esse semestre você vai dar aula de

música, pintura. Então você vê! Não é que a equipe técnica não seja

capaz, não a gente faz! Não! A gente faz! Mas, a gente faz sem muita

técnica! A gente faz muito, vamos dizer assim, aprendendo e fazendo. E

às vezes eu me pergunto até quando a gente vai sustentar isso? Né?

Quando na verdade a gente pensa, vamos dizer assim. Está mais do

que claro que o CAPS tem que ter vida e ter vida nas artes! (Coord.

Municipal de Saúde Mental).

77 Termo atribuído aqueles responsáveis pelas oficinas terapêuticas, e estas designam as atividades que acontecem nos centros de atenção psicossocial.

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Poderíamos imaginar também a possibilidade da secretaria de saúde dispor de um

quadro de “oficineiros” que transitassem pelos diversos serviços substitutivos propondo

atividades variadas de forma rotativa e sistemática. A presença de um “arte educador” não

substitui aquela dos profissionais previstos na portaria 336, estes devem trabalhar

conjuntamente a fim de atingir o objetivo proposto. Contudo, na realidade empírica pesquisada

defrontamo-nos a todo instante com as dificuldades de atuação da equipe interdisciplinar,

seguindo a perspectiva da atenção psicossocial. O relato abaixo é bastante significativo:

Não é só estar aqui dentro que está fazendo alguma coisa, o hospital já

fazia isso! São muitas possibilidades, mas, depende do técnico, porque

a gente não discuti a direção da oficina coletivamente, isso eu tento

fazer. A gente entrega a oficina a quem vai fazer e não discuti como

poderia ser a direção daquela oficina, qual o objetivo que ela deveria

ter... Como a gente poderia fazer mais rica em função de ser

terapêutica, para ser terapêutica o sujeito tem está se movimentando de

alguma forma... Então a gente peca muito nisso (Técnica do CAPS II-

Leste).

A dificuldade em encontrar pessoal disposto e com identificação para trabalhar com

saúde mental constitui outro aspecto a considerar com relação aos recursos humanos. Fato

revelado nas falas de nossas entrevistadas.

“Por isso que eu digo, eu acho que essa questão de perfil” (Coord. Do

CAPS II- Leste).

É questão de identificação de cada um minha gente! Porque é de cada

um, não porque você é mais capaz! Aquela coisa que bate, que você

namora, você gosta, sabe? Que você se sente bem, apesar de tudo

você se sente bem! Então veja bem quais as dificuldades? Recrutar

pessoas, não é todo mundo com perfil para saúde mental, alguns dizem

ah vai lá é doído qualquer um pode atender! Não, não é assim, não é

todo mundo que pode atender, acho que tem que ser um profissional

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que tenha estrada, que tenha perfil que consiga suportar, não é qualquer

um! A loucura não é para qualquer um não gente! (Coord. Municipal de

Saúde Mental).

Apesar da escassez de pessoal e grande insatisfação com a questão salarial não

percebemos nenhum tipo de movimento organizado em prol dessas questões que constituem

direito do trabalhador. Em entrevista obtivemos falas com tons de desabafo:

Eu acho péssima, faz vinte anos que eu estou no serviço público do

município e sempre me sinto mal paga, eu me sinto, eu assumo que

aquilo é o meu salário e faço meu trabalho apesar daquele salário,

porque eu tenho compromisso com o que eu faço, mas, assim eu acho

que a gente é muito mal remunerado. A gente deveria ter mesmo uma

gratificação específica pelas condições mesmo de trabalho, agente vê

que tem um diferencial. Teve parte da minha vida que eu militei mais lá

no serviço (Unidade Básica de Saúde - USB), na saúde mesmo e depois

eu mesmo me afastei mais mesmo depois que eu me afastei as

informações circulavam, eu tinha a oportunidade de saber o que estava

acontecendo, uma assembléia e eu escolhia eu ir ou não! Aqui no CAPS

eu sinto que a gente tem assim um distanciamento muito grande, a

gente não conversa sobre as condições de saúde, as condições de

trabalho, as condições salariais, a gente não exige assim, no sentido de

cobrar dos gestores (Técnica do CAPS II- Leste).

Naquela época havia muito uma certa, eu falo por mim havia um certo

contágio que hoje eu não tenho mais. De empolgação hoje eu estou

menos empolgada, mais reflexiva, mais crítica e vamos dizer assim perdi

a ilusão! (Coord. Municipal de Saúde Mental).

Arriscamos afirmar que a atual fase em que se encontra a reforma psiquiátrica em

nossa cidade deve-se em parte à desmobilização e apatia dos seus principais protagonistas:

profissionais, usuários, familiares e toda sociedade. Todo referencial do movimento de luta

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antimanicomial parece ter se desintegrado pelo tempo e desgastado, parece esquecido. Por

que é tão difícil acreditar na possibilidade de uma sociedade sem manicômios?

As falas dos três técnicos entrevistados deixam implícita a valorização da “clínica”, da

parte da atenção assegurada pelos psiquiatras e psicólogos em detrimento da ação social mais

ampla que acentue os aspectos relativos à saúde e ao necessário enriquecimento das relações

sociais dos usuários como suporte básico da melhoria da condição de cada um. Tal

posicionamento pode indicar, por um lado, que ainda existe um “ranço” ou resquícios das

práticas e saberes anteriores à reforma na cultura dos profissionais e, por outro, que mudanças

culturais mais profundas demandam maior tempo e maiores investimentos. Considerando o

peso da demanda cotidiana, a superlotação dos serviços, o “caráter de urgência” que tais

serviços assumem, a despeito dos objetivos que motivaram sua implantação, podemos

compreender que investir em mudanças mais substanciais finda por não constituir um objetivo

maior perseguido pela equipe, ou quando sim, finda por se perder ao longo do caminho e do

árduo cotidiano. A seguir apresentamos falas que revelam a ênfase na clínica:

Mas por outro lado, não é defendendo o Psi não gente! Nem é

psicologizado o atendimento não! Mas veja bem eu acho que um

serviço, eu acho que essa clínica ela é fundamental, a clínica você não

pode negar a clínica, ela por se só faz presente! Se você não ver você

se esparrama, você escorrega como quem escorrega em uma

bananeira, você cai no chão de quatro e fica difícil levantar! Se você não

reconhece essa clinica, Se você não identifica essa clínica. Se você não

se debruça sobre ela, eu acho que é uma situação bastante complicada!

Eu acho que isso aquela coisa da reforma psiquiátrica de tudo pelo

social, social, não é que esses espaços são importantes sim! Mais a

loucura vai estar lá presente ela vai existir! E você vai ter que saber

como lidar! E a clínica é que te dar esse suporte! (Coord. Municipal de

Saúde Mental).

“A clínica é soberana! Sem ela não haveria reforma!” (Representante do

Ministério da Saúde, responsável pela supervisão dada ao CAPS).

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A crença e super valorização dos saberes “Psi” parecem enraizadas também nos

usuários. Fato retratado em um trecho do diário de campo:

Um usuário me perguntou se eu era psicóloga. Disse que não... Outro comentou: “Ela

ajuda tanto a gente que a gente pensa né?”. Gostei por sentir que de alguma forma estou

contribuindo com o trabalho do CAPS, porém, fico triste por desconhecerem o serviço social,

mas como exigir isso se esse (o serviço social) inexiste no serviço? Como reconhecer o

inexistente?

Em outra ocasião, em uma reunião de passagem a administradora do serviço passou

um informe sobre uma reunião que aconteceu com a SAMU e os serviços de atenção básica

em saúde mental. Convocando a psicóloga, a psiquiatra e a enfermeira. Afirmou que seria

necessária principalmente a presença da psiquiatra. Na opinião da administradora essas três

áreas deliberam mais, assim justificou a necessidade da presença destes profissionais em tal

reunião.

Talvez por tudo que foi exposto, o social seja tão ausente no centro de atenção

psicossocial pesquisado. Porém, não elimina as demandas sociais que batem à porta do CAPS

todos os dias. Chegam ao CAPS demandas de diversas ordens. Marcou-me o caso de uma

usuária que freqüentava o serviço, no entanto, só estava ali por total ausência da família, e

porque o CAPS e o João Machado fizeram um acordo. O CAPS iria tentar uma intervenção

junto à usuária que faz uso abusivo de álcool, questão agravada pela sua situação de moradora

de rua. No entanto, caso não obtivesse sucesso a mesma iria ser internada! Achei muito

estranho este tipo de fluxo! O CAPS encaminhando para o hospital?! Porque acontece? A

presença de um assistente social no encaminhamento de uma situação como essa não faria

diferença? É bom ressaltar que a mesma não tinha indicação médica para uso de nenhum tipo

de medicação! Posteriormente, ficamos sabendo que a “usuária” foi internada no hospital João

Machado. Os ganhos obtidos durante aquele pouco tempo no CAPS serão anulados

provavelmente pela sua estadia no hospital psiquiátrico. Certamente, hoje, ela “necessite” de

medicação... Irônico, não é? É duro mas, até os nossos dias, a frase do poeta permanece muito

contemporânea: “E vimos em um mundo doente!”

Incomoda-nos profundamente a execução de uma proposta de desinstitucionalização,

na qual o objetivo central é a “reinserção social”, sem contar com a presença de um profissional

de serviço social. Essa é a atual realidade do CAPS II- Leste!

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Desconhecimento de alguns, com relação à proposta de reforma psiquiátrica,

falta de capacitação, evidente insatisfação salarial. Em entrevistas obtivemos relatos

preciosos:

As condições não mudaram, nenhuma, nenhuma... Dificuldades de recursos financeiros da própria instituição. Condição salarial? Precária demais, mais uma vez eu digo assim, para trabalhar na saúde, na educação, trabalhar como funcionários públicos se você não tiver uma retaguarda, você bóia né? Então, assim, realmente isso nem se comenta. Hoje pelas questões salariais ninguém teria esse compromisso. Houve esse negócio que saiu ai uma gratificação, que a gente achava, falavam que ia para aqueles que trabalhavam nas unidades especializadas, tipo o CAPS, só que a gente viu que foi para toda mundo das unidades, então, foi um grande engodo! Foi uma falácia! (Coord. Do CAPS II- Leste).

Uma das grandes dificuldades seriam os recursos humanos, acho também que às vezes falta um preparo porque nós tivemos um preparo, uma capacitação para começar um CAPS, e hoje falta, chega e não sabe por que chegou, e até isso causa grande impacto na equipe, porque a atuação dela vai ser diretamente com o usuário ou muitas vezes fica muito no senso comum [grifos nossos], muitas vezes fica

no que acha que deve ser, acha como é, há um descompasso! E acho que esse é um dos problemas eu diria de recursos humanos e de capacitação (Coord. Do CAPS II- Leste).

Não sei por que a gestão não faz capacitação inicial antes de começar

um trabalho, mas assim me surpreende que venha profissional de outro

lugar e chega aqui sem saber o que é um CAPS, aconteceu isso com

uma nutricionista que veio lá da unidade mista da zona norte, e ai não

sabe o que é um CAPS, não sabe o que é reforma. Eu passei um

manual que tinha do CAPS para ela, mas até hoje ela diz não saber

bem o que é isso [grifos nossos], isso é um furo, não é? (Técnica do

CAPS II- Leste).

A partir dos dados obtidos através das entrevistas, da nossa observação

participante, como também de nossos registros do diário de campo, constatamos que

grande parte das reivindicações de condições para uma efetiva e eficiente atuação do

CAPS estão principalmente questões relativas aos recursos humanos e a capacitações.

Contudo, situamos uma divergência entre aqueles trabalhadores que estão na

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execução direta do serviço e a gestora responsável pela implementação da política

municipal de saúde mental. Enquanto os executores reivindicam ampliação no número

de profissionais que compõem as equipes e maior investimento em capacitações, a

gestora vislumbra um cenário oposto, expresso na entrevista:

Nenhum de nossos serviços está desprotegido, desamparado, em nível,

eu digo de número de profissionais. Segundo a portaria, nós estamos

um pouquinho acima do limite! Não temos uma política de recursos

humanos, nós não temos uma avaliação de rendimento. A gente

investe bastante em formação! [grifos nossos]. Eu fico impressionada!

Durante esse tempo eu acho que a gente teve seis ou oito encontros de

capacitação, junto com curso de especialização, junto com pessoas que

vem e passam um dia ou um dia e meio, então quer dizer, são

profissionais, nós temos uma rede bastante capacitada! Eu acho assim

se existe uma coisa que a secretaria investe é o que? Capacitação de

profissionais você vê nós acabamos de fazer um curso, curso de que?

Atenção psicossocial e saúde mental onde participaram a maioria o

pessoal dos PSF, certo, dois do João Machado, profissionais também

dos CAPS que não foi a maioria. Tá ai certo e agora? Esses

profissionais estão atuando em saúde mental?[Não]

Visualizamos um cenário um tanto quanto contraditório. A secretária aponta talvez a

raiz dessa contradição. Com efeito, nessas capacitações, as vagas são igualmente ocupadas

por profissionais tanto do PSF, ou de outras instituições, quanto pelos profissionais que formam

as equipes dos centros de atenção psicossocial. Desta forma, o poder público acaba investindo

e não tendo um retorno satisfatório, pois, a maioria dos profissionais que passa por capacitação

não atua diretamente nos serviços de atenção em saúde mental, ou mesmo, não põe em

prática o conhecimento recebido, ao reforçar a idéia segundo a qual a loucura necessita de um

lugar específico (hospital tradicional, ou serviços substitutivos), e não aquele espaço coletivo,

no caso em questão da atenção básica. E todas estas questões incidem sobre a qualidade do

serviço ofertado.

As ações de interação social acontecem de forma ainda incipiente, apesar de serem

objeto de reflexão e mesmo de consenso entre os profissionais quando das reuniões de

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equipe. Durante minha estada no serviço entre julho e novembro de 2008, participei somente de

uma atividade externa ao CAPS.

Este fato nos leva a questionar o caráter de serviço aberto pretendido pelo CAPS.

Neste tipo de serviço, as atividades externas não deveriam ser uma constante? Quais as

dificuldades do CAPS em sair de seu endogenismo?

3.1.3 - O PROCESSO DE ATENDIMENTO: UM LEQUE IMPORTANTE DE ATIVIDADES, MAS

CONDIÇÕES EFETIVAS NEM SEMPRE PLAUSÍVEIS...

Para adentrarmos no cotidiano do CAPS II- Leste, propomos uma explanação

sobre o processo de trabalho e as atividades desenvolvidas. A demanda pelo serviço

acontece de forma espontânea ou provém de diferentes instituições, ou seja, é definida

como “referenciada”. De início, procede-se a uma triagem (Cf. Anexo 9– Ficha de

triagem) para verificar se o caso corresponde aos critérios do serviço, ou seja,

transtornos graves e/ou severos, casos de psicoses e/ou neuroses78.

Este serviço acolhe pessoas com idade igual ou superior a 16 anos. Através de

um planejamento mensal, definem-se os técnicos responsáveis pela realização das

triagens, que acontecem terças e quartas (nos turnos da manhã e tarde) e sextas

(manhã). Segundo o livro de registro das triagens, entre os dias 16 de janeiro de 2008 e

09 de setembro deste mesmo ano, houve um total de 73 triagens realizadas. Dessa

quantia, apenas 03 (três) pessoas foram acolhidas por este serviço. Indagamos: O que

aconteceu com as outras 70 pessoas que buscaram o serviço? De acordo com um dos

técnicos da casa, muitas triagens não são registradas, o que sugere a possibilidade

desse número não corresponder à realidade. Os técnicos justificam o não registro pelo

78O serviço segue a classificação internacional de doenças (CID). Segundo a psiquiatra do serviço

pesquisado, a definição de gravidade dos transtornos mentais é feita de acordo com cada patologia. A mesma exemplifica que nos casos de depressão, a ideação suicida e sintomas psicóticos são critérios de gravidade. Em geral, nos transtornos graves existe um prejuízo maior no funcionamento global do indivíduo. Segundo a psiquiatra os casos mais freqüentes de “sofrimentos psíquicos” acolhidos por este serviço são: esquizofrenia, transtorno afetivo bipolar e transtorno esquizoafetivo.

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“corre-corre” do cotidiano da casa. Muitas vezes, a triagem é realizada fora dos dias e

horários previamente estabelecidos, quando um usuário em estado considerado de

urgência busca a casa. Os casos que constituem objeto de dúvida quanto ao tipo de

atendimento que deve ser assegurado, são discutidos nas reuniões de passagens79. O

prazo previsto para resposta àqueles que se submetem à triagem é de duas semanas.

No entanto, devido à grande quantidade de triagens, esse prazo pode ser estendido. De

acordo com a administradora, a equipe busca priorizar os casos mais graves.

Quando acolhido, há uma contratualização (Cf. Anexo 10- Contrato de

admissão) através da qual o serviço, o usuário e a família se comprometem em se

implicar no tratamento e na reinserção social do usuário. A partir de então, usuário e

familiares inserem-se nas atividades propostas pelo CAPS, de acordo com as

necessidades e possibilidades de cada um. Em geral, o usuário se inscreve,

inicialmente, de forma intensiva na dinâmica do CAPS, ou seja, comparece ao serviço

todos os dias, podendo optar por atividades nos dois turnos ou em um único turno, para

ter uma visão geral do funcionamento da casa. No decorrer do processo, seguindo a

evolução do usuário, espera-se proceder a uma redução de sua freqüência nas

atividades, constituindo o que se designa como regime semi-intensivo. Nestes casos, o

usuário vem ao serviço até 12 vezes ao mês. Nos casos tidos como não-intensivos, os

usuários visitam a casa até 01 vezes ao mês. Para cada usuário, há um técnico de

referência80 que fica responsável por estreitar os vínculos com a família e estabelecer

uma relação de confiança com o usuário.

A equipe busca manter o usuário no serviço somente o tempo necessário, para

que não ocorra institucionalização comprometendo as possibilidades de socialização

em outros espaços. No entanto, as práticas cotidianas do CAPS parecem um tanto

quanto distantes deste objetivo. Algumas vezes, o serviço cai na armadilha de velhas

práticas. Esse sentimento é expresso em um instante da fala da técnica entrevistada:

79 Ver definição deste espaço no item 3.2. 80

Miranda (2005) afirma que o dispositivo técnico de referência baseia-se na idéia de que um ou mais profissionais aproximem-se de maneira especial de certo número de usuários e passem a assisti-los de modo singular, elaborando e acompanhando junto de cada um deles um projeto terapêutico individual.

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E assim você perguntou em termos de avanço. Depois que eu cheguei

aqui, eu penso que o serviço fez alguns avanços que foi de ir

flexibilizando a permanência dos usuários aqui, que a gente recebia o

usuário e mantinha ele na casa assim era infinito! Se a gente não cuida

desse pontinho da reforma agente continua repetindo e cronificando, e ai

as pessoas vão ficando aqui, construindo seus laços aqui e vão

deixando de viver a vida lá fora!

Será que podemos considerar um avanço o fato dos usuários que freqüentam o

CAPS terem seus horários flexibilizados? Não era para ser assim desde o início do

atendimento neste serviço originalmente aberto? Nesses momentos vislumbramos o

tamanho do desafio na construção de uma rede de atenção psicossocial.

No curso da pesquisa surpreendeu-nos a quantidade de medicamentos

utilizados pelos usuários. Ouvimos relatos de sintomas bem fortes em conseqüência

das medicações. Em 25 de setembro de 2008, registramos usuários afirmarem que

sentiam fortes efeitos colaterais tais como dores estomacais, tremores, olhos revirando,

etc. Em entrevista, constatamos não sermos os únicos a manifestar surpresa:

Ai outro ponto é com relação a medicamentos, quando eu cheguei aqui

no CAPS comecei a me surpreender, como isso funciona bem? Porque

eu venho de uma unidade básica onde muitas vezes a gente não tinha

curativo! Não tinha condições de aplicar uma vacina, porque não tinha o

algodão! (Técnica do CAPS II- Leste).

Atribuímos importância ao tratamento medicamentoso no processo terapêutico.

No entanto, alertamos para o risco deste se tornar a principal forma de atenção ao

sofrimento psíquico dentro de um serviço substitutivo em saúde mental.

Entendemos que o papel do Estado na implementação da política pública em

saúde mental é essencial. Assim, a questão da gestão pública como também da gestão

dos serviços não estão excluídos de nossas preocupações. Tais questões surgem nas

falas de nossas entrevistadas.

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Eu penso que as gestões têm ficado devendo muito a reforma, os

trabalhadores da reforma que deveriam estar aqui dentro à gente não

tem! Esses gestores atuais eles nasceram, se a gente for ver até bem

pouco tempo a secretária de saúde veio de um CAPS, trabalhou, a

coordenadora municipal de saúde mental, quer dizer eles surgiram no

meio do movimento da luta antimanicomial, mas, na hora que estão na

gestão parece que passam a seguir regras que impede que o trabalho

seja feito, parece que serviço público foi feito para não funcionar! A

gente não tem um CAPS III no município e Caicó tem um CAPS III,

sabia que em Caicó tem um CAPS III? (Técnica do CAPS II- Leste).

Falta investimento, há muito desconhecimento na sociedade do que seja

o CAPS, desconhecimento desse novo fazer por parte dos gestores que

vão assumir nessa nova administração isso ai eu tenho certeza que não

há, talvez por desconhecer, dificulte ai, demore um pouco a otimização

dos serviços, mais a gente já tem metas pra 2009, o perfil

epidemiológico, a gente tem que fazer, que ainda não há esse perfil

montado aqui no CAPS, a gente precisa montar isso, em 15 anos isso

não foi feito de forma sistemática, ensaiamos voltamos mais não

fechamos! (Coord. Do CAPS II- Leste).

Duas falas que nos apontam caminhos um tanto contraditórios sobre a mesma

questão: a gestão. A primeira expressa um dado revelador! As “gestões” atuais que

conduzem a política de saúde mental tanto no âmbito Municipal quanto Estadual

surgiram no bojo do movimento de luta antimanicomial, dessa forma, pressupõe-se que

conhecem a fundo todo o processo de reforma psiquiátrica, conseqüentemente,

conhecimento de como e o que fazer parece não ser o problema... Já o segundo

depoimento afirma enfaticamente a preocupação com os rumos da gestão municipal da

política de saúde mental, pois, acredita que os novos gestores desconhecem as

diretrizes desta política pública.

Nossa entrevistada se mostra surpresa, pois, as mudanças não ocorreram no

ritmo desejado por aqueles que lutavam em prol de uma sociedade sem manicômios.

Na ótica de nossa entrevistada, sujeitos que trabalhavam no interior dos próprios

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serviços assumiram posições estratégicas, porém, não conseguiram dar maturidade ao

processo de reforma psiquiátrica em nosso município. Já no segundo depoimento

conhecemos o ponto de vista da coordenadora do CAPS II- Leste. Esta afirma que os

atuais gestores desconhecem os novos serviços.

Diferentes posições resultam em diferentes pontos de vista, vejamos como a

coordenadora municipal se expressou a este respeito:

E mais uma coisa muito importante também que as pessoas tenham acesso a passar por uma gestão! São vários problemas administrativos, você precisa de uma coisa hoje ai vem processo licenciatório para isso, para aquilo, então a máquina administrativa é uma coisa absurda! É como se todo dia você remasse contra maré! Todo dia e bota força para remar!

Em outro momento a mesma questiona a função do cargo que exerce, e suas

dificuldades:

É muita coisa administrativa, muita coisa, é muito documento burocrático, é muita demanda da promotoria, é muita demanda disso daquilo. Então qual a função? Quando eu vim para cá eu disse: ai meu Deus! Qual a função da coordenação da saúde mental? Eu acho que é essa a função da coordenação, é implementar a política é você fazer um planejamento, não é fácil, não fácil porque a saúde mental gente não é prioridade, não é prioridade! (Coord. Municipal de Saúde Mental).

Certo momento a fala da coordenadora municipal acirra o debate sobre a

gestão pública nos alertando para uma questão que não é específica da nossa

realidade natalense, percebam:

Eu acho que agora a gente tem tudo pra resgatar isso, independente de quem seja aqui, isso é uma política, eu não acredito nesse negócio, se é cicrano não vai se for cicrano vai, gente!!! Isso não tem nome não! Isso é uma Política Pública de Saúde Mental!!! Pelo amor de Deus, a gente percebe muito isso se o gestor está aqui EU vou fazer, EU... [grifos

nosso]. Então desarticula completamente e isso se a gente for pensar nesse meio termo a gente teve vários gestores em saúde mental isso tem um preço, isso tem um peso grande! Um peso enorme porque você não dá continuidade a partir do momento que você não enxerga isso como política, ai fica uma coisa extremamente pessoal, extremamente partidária, extremamente isso aquilo! Quer dizer você não tem uma

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continuidade, ausência de uma continuidade, ausência de uma sistemática, a ausência de uma interlocução aqui dentro é impressionante! Então o que eu percebo que a gente teve momentos de extrema euforia efervescência cultural, de troca, de inserção no território e a gente recuou!

Resquícios do velho assistencialismo e apradrinhamento/troca de favores,

ainda se mostram presentes quando percebemos a dificuldade em apreender e

reconhecer ações não apenas no campo da saúde mental, como também, das demais

políticas públicas.

Quando questionada sobre a relação municipal com outras esferas do governo

federal e estadual, afirma:

Assim eu acho que a gente tem uma boa relação com o Ministério da Saúde, uma boa relação como? De efetivar os projetos. São projetos que você tem que implementar e você não pode está trabalhando dissociado de uma política ministerial, não existe! A gente faz uma boa parceria nesse sentido. Sempre que tem um encontro financiado pelo ministério eu faço questão que os serviços estejam presentes. No âmbito estadual me dou muito bem com a coordenação, sempre fazemos tudo em parceria, quando não dá é que uma vai para um lado e a outra pro outro, entendeu? (Coord. Municipal de Saúde Mental).

Instigamos a reflexão sobre duas passagens da fala da coordenadora

municipal, aparentemente contraditórias, a nosso ver. Inicialmente, esta afirma:

Hoje a saúde mental está bem melhor em termos de recursos financeiros, porque sem dinheiro ninguém faz nada mesmo! Então hoje, pela primeira vez na vida, historicamente todo recurso da saúde mental esta indo muito mais para serviços extra-hospitalares que para atenção hospitalar!

Em outro momento:

As dificuldades com relação à reforma psiquiátrica? Primeiro que abrir mão de hospital psiquiátrico é uma coisa muito preciosa, por quê? Ainda é um grande investimento! [grifos nossos]. Isso é a verdade

ainda é um grande investimento! Então é necessário que os recursos vão regredindo cada vez mais para despotencializar, inclusive financeiramente que eu acho que o que sustenta é realmente essa coisa

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financeira, então eu acho que tem que despotencializar o máximo possível para ajudar esse desmantelamento.

Em momentos distintos da fala de nossa entrevistada, identificamos

posicionamentos contraditórios. Consideramos que na verdade houve aumento nos

investimentos nos serviços substitutivos, contudo, no caso de nossa cidade, estes

continuam inferiores àqueles direcionados à rede hospitalar. Durante o processo de

pesquisa buscamos coletar dados sobre essa questão, porém não obtivemos êxito.

Nas falas surgiram outros pontos que merecem nossa atenção. Como se sabe,

a reforma psiquiátrica propõe uma atenção psicossocial em que o trabalho

interdisciplinar torna-se imprescindível para sua concretização. Constatamos no

cotidiano do CAPS II- Leste que realidade de um trabalho interdisciplinar gera

interpretações variadas, dos diferentes sujeitos:

Complicado aqui as vezes que eu tenho visto aqui, é que às vezes a

gente põe uma equipe interdisciplinar a gente pensa que vai

democratizar e às vezes a gente vê que não rebate naquilo... Vai para

hierarquização que para mim são duas pontes totalmente diferentes! Ou

é oito ou oitenta, ou cai na hierarquização, de achar que o psiquiatra vai

responder, o medicamento vai responder ou a gente passa para o

igualitarismo mesmo de achar que é tudo igual, esquece a

especificidade, não é? (Técnica do CAPS II- Leste).

Você observa que cada saber é único, porém, há algo que perpassa por

todos que é quando a gente está justamente lidando com esse conjunto

nesse corpo a corpo que temos algo em comum, porém, nada de

específico seu, de seu conhecimento de sua habilidade acadêmica, ou

mesmo, de seu modo de fazer ela termina por se misturar e haver

interseção, porque há essa interseção? Porque nós fazemos reuniões

constantes que são as reuniões de equipe de passagem, temos também

supervisões (Coord. Do CAPS II- Leste).

Pelas falas é evidente que a equipe ainda enfrenta dificuldades para trabalhar

numa perspectiva interdisciplinar. Esse cenário nos instiga e conhecer mais um pouco o

dia-a-dia de um serviço substitutivo em saúde mental.

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159

3.2. O COTIDIANO NO CAPS II- LESTE EM SEUS DIFERENTES ESPAÇOS

TERAPÊUTICOS

Seguindo registros do Relatório referente ao Primeiro Semestre de 2008, de

nossa pesquisa de campo tivemos acesso à dinâmica empreendida na casa. O

cotidiano do CAPS II- Leste é pontuado pelas diversas atividades programadas pela

equipe para os usuários em regime intensivo e semi-intensivo e pelos atendimentos não

intensivos, na triagem ou em caso de urgência, além das visitas domiciliares.

Oficinas Terapêuticas

As oficinas são consideradas espaços de expressão e subjetivação do sujeito,

desempenhando o papel de espinha dorsal deste CAPS. Diariamente, o CAPS II- Leste

oferece diversas oficinas a seus usuários. A sistemática geral destas oficinas pode ser

visualizada no quadro a seguir:

Turno:

Matutino

Segunda Terça Quarta Quinta Sexta

Roda de

Conversa (01)

Reeducação

Alimentar (04)

Saúde e

Sociedade (08)

Atividade

Física (07)

Relaxamento (03)

Expressão

Corporal (02)

Corpo (05) Artes e

Artesanato (06)

Jornal (11)

Quem sabe Canta (14)

Turno:

Vespertino

Roda de

Conversa (01)

Artes e

Artesanato (06)

Oficina de

Medicação (09)

Contos (12)

OBS: O serviço não funciona

no turno vespertino este dia da

semana

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Relaxamento

(03)

Atividade Física

(07)

Expressão e

Arte (10)

Jardinagem

(13)

Fonte: Elaboração e concepção Katiane Soares e Eliana Guerra.

Após a medicação, os usuários tomam café da manhã ou lancham dependendo

do turno. O serviço oferece almoço para aqueles usuários que freqüentam os dois

turnos. O CAPS disponibiliza vales transporte para deslocamento do usuário, como

também, oferece a medicação necessária para cada usuário. Além, de prestar

atendimento individual, agendado antecipadamente, tanto para família quanto para

usuários.

O serviço entende que os espaços terapêuticos constituem um lugar de fala e

de troca de experiências e que através do falar livremente, o usuário reconstrói a sua

história, identifica suas dificuldades, medos, sintomas, sua posição frente ao grupo

familiar e social. O preconceito, as internações são conteúdos trazidos ao grupo e

discutidos coletivamente. Inexiste no serviço algum material que defina objetivos e

metodologia referente às oficinas terapêuticas. Assim, utilizamos informações e

impressões obtidas no decorrer da observação participante na busca de definir e

caracterizar cada espaço:

Roda de Conversa (01): Espaço aberto para os usuários falarem sobre seu final de

semana. Percebi que comumente os usuários relatavam praticamente a mesma rotina em

grande parte das semanas. Quase a totalidade dos usuários afirma ter ficado em casa, assistido

TV, dormido. Inclusive nos dias comemorativos, a rotina descrita evidencia grande introspecção.

Penso: Onde está a reinserção social preconizada pela reforma psiquiátrica?

Expressão corporal (02): Os responsáveis por essas duas oficinas estão de férias,

voltam a semana que vem... Apesar de antes deles saírem de férias eu ter feito o pedido para

eles descreverem as oficinas, não o fizeram... Vou ter que ir pessoalmente mais uma vez em

busca disso...

Relaxamento (03): Após um trabalho de respiração e alguns exercícios de

alongamento, os usuários são convidados a relaxar deitando em um colchonete ao som de

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músicas de relaxamento ou textos que descrevem lugares bonitos e tranqüilos como uma praia,

um campo com flores etc... Essa atividade acontece em uma sala ampla, onde comumente

acontecem as várias atividades.

Reeducação alimentar (04): Espaço relativamente novo, considerando que o mesmo

foi proposto pela recém chegada nutricionista. Nele a profissional passa informações sobre os

alimentos, seus benefícios para saúde. Imagino que apesar da pouca idade se levado a frente

esses espaço traz muitas possibilidades, pois, como se sabe comumente os antidepressivos e

psicotrópicos afetam o apetite. Acredito que esse espaço pode vir a contribuir muito com a

qualidade de vida dos usuários.

Corpo (05): Segundo a coordenadora desta oficina, o espaço foi pensado construído a

partir do espaço de “relaxamento” que já existia no serviço. Na oficina de corpo é trabalhada a

respiração e formas de relaxamento. A coordenadora introduziu algumas posturas da Yoga

(prática em que tem formação), mais especificamente àquelas que trabalham o alongamento

corporal e as articulações. A mesma afirma que se trabalha o corpo, de forma a movimentá-lo

de acordo com o ritmo e o limite de cada usuário. Destaca que o objetivo é provocar uma

consciência corporal e um bem-estar na relação corpo/mente. Os relatos dos usuários

evidenciam que, ao trabalharem o corpo através da respiração, dos alongamentos, sentem-se

mais dispostos, mais tranqüilos (diminuindo a ansiedade). Alguns afirmam praticar em casa,

antes de dormir, ao acordar ou mesmo quando se sentem angustiados. A responsável pela

oficina conclui: “Eu vejo este espaço como coadjuvante na direção de uma melhor qualidade de

vida, ampliando o cuidar da saúde mental para um cuidar da saúde como um todo”.

Artes e Artesanato (06): Esse espaço objetiva através da arte, incitar a imaginação

dos usuários contribuindo para que estes encontrem outras formas de se expressar, além da

fala. Esse espaço engloba trabalhos com desenhos, quadros, jarros de papel, pinturas, enfim,

diversas atividades artísticas. Em minhas observações percebi que essa oficina não é

explorada em todo seu potencial. A escassez de material, a falta de planejamento, acaba por

não estimular muito os usuários. Certa vez uma usuária afirmou para o responsável pela oficina:

“a arte é muito abstrata! É mais que um desenho somente!”. Esta frase parece evidenciar uma

certa insatisfação com relação à atividade oferecida, com as condições materiais e

possibilidades postas.

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162

Nenhum dos coordenadores da oficina possui algum tipo de preparo nessa área,

acredito que este fato interfere diretamente no funcionamento desse espaço de forma mais

eficaz e atingir seu objetivo terapêutico a qual se propõe.

Atividade Física (07): sob a responsabilidade do professor de educação física, esta

atividade alterna sessões de vôlei, caminhadas, alongamentos dentre outras modalidades.

Saúde e Sociedade (08): No relatório de 1997 encontramos o registro da

origem do espaço “Saúde e Sociedade”, que surgiu da necessidade de um grupo de

usuários interessados em obter mais informações sobre como prevenir a cólera. Esse

espaço tem por objetivo resgatar as experiências de vida dos usuários relacionando-os

com aspectos culturais, valores e visão acerca do processo saúde/doença.

Oficina de Medicação (09): Esse espaço é de responsabilidade de uma das

enfermeiras do serviço. Busca-se mostrar a importância do conhecimento das medicações

utilizadas por cada usuário, horários, efeitos colaterais, a finalidade de cada medicamento.

Chamou-nos a atenção o número elevado de medicamentos usados pelos usuários deste

serviço, como também, os efeitos colaterais que alguns pacientes sentem, tais como: tontura,

aumento de peso, sensação de olho revirando, dores estomacais, tremores. Reflito que apesar

dos avanços tecnológicos no campo farmacêutico ainda ouvimos muitos relatos de efeitos

indesejáveis.

Expressão e Arte (10): Nesse espaço costumam-se utilizar textos de músicas,

poesias. É repassada uma cópia do que é exposto para cada usuário. Em seguida, cada

participante fala sobre o sentimento que o texto despertou.

Jornal (11): O jornal “O Passo”, funciona como uma forma de expressão dos

sentimentos dos usuários em forma de textos, além, de divulgar o trabalho realizado no CAPS,

sendo publicado uma vez por mês. Todo processo de criação e produção é assegurado pelos

usuários.

Contos (12): Esse espaço é de responsabilidade da Terapeuta Ocupacional, funciona

como lugar para se contar história. Buscando envolver os usuários naquele universo contado,

contribuindo para que os usuários estimulem sua imaginação lúdica.

Jardinagem (13): Esse espaço objetiva trabalhar com os usuários o cuidado destes

com o jardim do serviço, mostrando o potencial terapêutico no trato com hortas, com as plantas,

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com a natureza. Regando, plantando, lembrando-os que essa atividade pode ser realizada para

além dos limites do serviço. Na realidade cotidiana do serviço vejo que há muito espaço para se

trabalhar nesse sentido, contracenando com uma paisagem com muitas cores no jardim,

poucas flores, predominando terra sem ser semeada e mato, pequenos arbustos.

Quem sabe Canta (14): Esse espaço funciona de forma simples, cada um vai

lembrando de músicas e pegando o microfone para espantar os seus males. Fiquei surpresa

com o gosto musical. Cantaram músicas de artistas como: Rita Lee, Beatles, Engenheiros, Elba

Ramalho, Seu Jorge, Roberto Carlos. A primeira vez que participei desta atividade senti muita

motivação por parte dos usuários, porém, com o passar do tempo senti que esse espaço não

mais estimulava os usuários, mobilizando a participação de poucos usuários. Foi observado

também que muitas vezes prevaleciam hinos evangélicos ou de conotação religiosa.

Grupos de Famílias: Inicialmente formaram-se dois grupos que se reuniam uma

vez por mês, porém, devido à baixa freqüência dos familiares a equipe redefiniu esta

metodologia englobando todos os familiares em um único grupo.

Assembléias: Acontecem uma vez por mês. Desta participam usuários, familiares e

técnicos da casa. A oportunidade em que tive de participar desses espaços achei a participação

boa, tanto de familiares quanto de usuários. Apesar de sempre ter algum usuário desamparado

pela família.

Supervisão: A cada quinze (15) dias um representante do Ministério da Saúde vem ao

CAPS II- Leste para prestar o que denominam supervisão clínica-institucional. Esse momento

perdura por uma tarde ou uma manhã inteira e tem por objetivo dar suporte à equipe,

funcionando como atividade de capacitação continuada. A Coordenação Nacional Saúde

Mental entende que: “a supervisão deve ser "clínico-institucional", no sentido de que a

discussão dos casos clínicos deve sempre levar em conta o contexto institucional, isto é, o

serviço, a rede, a gestão, a política pública. Assim, ao supervisor cabe a complexa tarefa de

contextualizar permanentemente a situação clínica, foco do seu trabalho, levando em conta as

tensões e a dinâmica da rede e do território. Em outras palavras: buscando sustentar o diálogo

ativo entre a dimensão política da clínica e a dimensão clínica da política”.

Reuniões de Passagem: Estas reuniões acontecem todos os dias entre 12:00hrs e

13:00hrs com os profissionais dos dois turnos, objetivando discutir casos e fatos da casa.

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164

Analiso como positivo os espaços como as reuniões de passagem e as supervisões, nestes são

travados um debate bem coletivo, enriquecedor para todos os profissionais.

Esse era o universo que consubstanciava o cotidiano do CAPS II- Leste a época de

nossa pesquisa. Nesse tortuoso caminho observamos que a maioria esmagadora das

atividades desenvolvidas ocorre no interior das dependências do serviço. Exceto a atividade

física, contudo, até mesmo esta acontece muitas vezes em uma quadra que fica localizada em

uma rua atrás do serviço. A natureza de um serviço como o CAPS é aberta! Ao plano teórico

sim... Entretanto, as condições objetivas reduzem essa abertura a um pequeno ponto. Durante

as nossas participações nas reuniões de passagem ficou claro que a própria equipe técnica

reconhece essa falha, porém, levar a “loucura” para além dos limites do serviço, não é uma

opinião de todos que compõem a equipe. Mostram-se receios, acreditam que vai ser um

desastre, ou coisa do tipo... Nossa vivência quase cotidiana ao CAPS mostrou-nos que sim!

Muitas coisas inesperadas, surpreendentes, dramáticas, felizes podem acontecer no dia-dia de

um serviço dessa ordem, todavia, o que se espera de um serviço substitutivo embasado em um

modelo de atenção psicossocial, ao nosso ver, são novas formas de intervenções, novas

compreensões, ações não endógenas. Nessa realidade compromete-se o efeito terapêutico dos

espaços que movimentam o CAPS...

Uma indagação nos fez companhia durante toda pesquisa: “Todos os avanços

legislativos que orientam a política nacional em saúde mental tem se concretizado junto aos

sujeitos da reforma psiquiátrica’’. Concentraremos nossa atenção para o que denominamos os

principais sujeitos desse processo social - Reforma Psiquiátrica.

3.2.1. OS SUJEITOS DA REFORMA PSIQUIÁTRICA EM CENA: USUÁRIOS, FAMILIARES,

TÉCNICOS...

O processo de aproximação com a realidade dos usuários e com o cotidiano da casa

foi rico, complexo e surpreendente. Tivemos, por exemplo, que aprender as sutilezas das

“palavras”. Por ocasião de uma das primeiras oficinas, um usuário assim se expressou:

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“- O louco é diferente do doido! Doido rasga dinheiro, louco não... Eu sou louco.”

A questão da discriminação é forte na fala de todos os usuários tanto da sociedade em

geral como também de familiares. Um usuário afirmou que sua esposa não senta ao seu lado

no transporte coletivo, pois, sente vergonha dele. Assegurou que certa vez estava comprando

uma TV e encontrou um velho psiquiatra que lhe perguntou: “Você por aqui! Está tomando os

remédios direitinho?”. Depois disso a loja que já havia aprovado seu cadastro deu uma

desculpa qualquer e vetou a venda. Isso nos revela a importância de combater essa cultura

manicomial segregadora que alimenta diversos tipos de preconceitos e situa-se interiorizada em

cada um de nós, por mais que pensemos que não. Na sociabilidade que vivemos loucura não é

sinônimo de liberdade.

Neste CAPS II- Leste, a totalidade dos usuários assistidos utiliza medicação, além de

terem um histórico de internações em hospitais psiquiátricos.

Apresentaremos a seguir os usuários com os quais trabalhamos, os mesmos

escolheram o nome de algum sentimento com o qual se identifique. Sempre que nos referíamos

a eles usaremos seus codinomes. Apresentamos-lhe um pouco da história de: Gratidão, Amor e

Ansiedade.

Gratidão nasceu em 30 de outubro de 1962, natural de Natal/RN, solteiro, cursou o 2º

grau completo, não possui religião definida. Foi encaminhado ao serviço por um psiquiatra. A

maior queixa da família é o isolamento social e a agressividade com os pais, além das

alucinações. O nascimento de gratidão foi á fórceps (a vácuo), nasceu todo deformado, com

corte na cabeça, não conseguia mamar, não conseguia comer (vômitos constantes). Aos quatro

anos, devido a uma queda, precisou colocar uma peça de platina na cabeça. Era uma criança

muito inteligente com facilidade para expressar-se e fazer amizades, hiperativo, brigava

constantemente com os coleguinhas. Ainda nessa fase de sua vida gratidão padeceu de muitas

doenças tais como: difteria, osteolite, cirrose hepática (06 anos). Ele é o mais velho de uma

família de 04 filhos, todos na mesma faixa etária. Fez uso abusivo de maconha aos 14 anos.

Sua paixão é música. Afirma ter sido feliz até os 18 anos, idade em que começaram a ser

identificados os problemas psiquiátricos. Com essa idade foi morar em um apartamento pago

pelo pai, por não se sentir bem na sua casa. Passou somente três meses. Nessa fase tentou

suicídio. Foi internado na CSPSL, em uma instituição de nome “Nosso Lar” (em Fortaleza). Tem

histórico de internações em instituições espíritas, doutrina seguida por Gratidão por certo

tempo. Não tem registrado o número exato de internações. Durante um tempo fez psicoterapia,

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porém, não deu continuidade. Durante 20 anos não recebeu qualquer tratamento, sem sequer

pegar luz solar, sem caminhar. O diagnóstico dado é F.20.0 (Esquizofrenia). Atualmente, faz

uso das seguintes medicações: Haldol 5mg- 1 manhã e 1á tarde. Biperideno 2mg pela manhã

(01). Leponex 100mg 01 M, 01 T e 02 N. Faz uso de Rivotril 1mg nos dias em que está mais

agitado, ansioso. Gratidão solicitou uma redução em seu horário, pois, afirma sentir-se bem,

esta saindo de casa com freqüência. A solicitação foi aceita. Gratidão faz poesias, e uma delas

nos chamou atenção: “O conforto não é tudo. Perigo me cercava que eu não via, nem ouvia. A

guerra dentro do lugar. Algumas pessoas que ouço estão de folga, ordenando os “loucos

bandidos”. Sobreviva, o milagre aconteceu! O perigo! Escapei? A sobrevivência é a vitória!”.

Ao ler essa poesia vi a li revelada uma síntese da história de gratidão. Dentre nossos

entrevistados era o que ocupava uma posição de classe “superior”, ou melhor, sua família

possui um quadro financeiro acima da classe média de nossa cidade Natal. E por esse traço foi

escolhido, para deixar claro e trazer para o debate a luta entre classes, fundante nessa

sociabilidade capitalista. Gratidão em sua poesia afirma: O conforto não é tudo! Uma clara

posição e classes. Gratidão registra o tempo em que não ouve vozes, como também seu temor

em voltar. Superou desde seu nascimento literalmente tantas dificuldades, doenças inúmeras...

Quantas vezes não estamos em “guerra” com muitos pensamentos na mente? E qual

de nós não está em permanente luta pela sobrevivência? Sou grata por ter tido o privilégio de

conhecer mais esse sobrevivente! E ratificou aquilo que para mim é a maior qualidade do ser

humano: superação.

Amor foi encaminhado ao serviço pelo ambulatório de saúde mental da Ribeira. Natural

de Nova Palmeira/PB, nascida em 21/12/1975, solteira, estudou até o 2º grau, católica, reside

com os pais. Teve uma infância “normal”. Trabalhou durante dez anos no estacionamento do

Natal Shopping. Saiu do emprego em 2006, a partir daí foi se isolando em casa, apresentando

choro fácil, ficando deitada com forte e persistente vontade de morrer. Tentou suicídio várias

vezes. Sua primeira internação foi em 19 de fevereiro de 2006 e a última em 26 de junho de

2008, ao todo a mesma já foi internada 11 vezes. Afirma não sentir nenhuma melhora em seu

quadro. O diagnóstico dado é F.25 (Transtornos esquizoafetivos). Atualmente, faz uso de:

Amipitripitilina 25mg. 01 M, 01 T e 02 N. Líbio 30mg 01 M, 01 T e 01N. Diazepan 10mg 01M e

02N. Zyprexe 10mg 02N. Freqüenta o serviço todos os dias durante os dois turnos.

O amor surpreendeu-me pela sua juventude. Indago se é preciso tantos psicotrópicos!

Com essa acepção temos resultados nos moldes tradicionais: inúmeras internações e sem

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muitos avanços no quadro. Marca-me também como a relação com o trabalho foi um divisor na

vida do amor. Será que se o amor não tivesse sido demitido ele iria apresentar esse quadro de

sofrimento psíquico tão agudo? Ou essa situação iria emergir independente de qualquer coisa?

Quem poderá dizer? O fato é que um amor lindo e jovem tem um pensamento constante de

morte.

Amor tem uma mãe que o apóia em tudo. Uma mãe forte, bastante afetuosa que

afirma: “Quando ela ta nervosa, em crise eu vou atrás do hospital! A única coisa é levar pro

hospital, é pegar botar num carro... ligar pro meu filho e levar”. E a evolução tida no decorrer do

tratamento de amor no CAPS? Não fica comprometido com tantas internações psiquiátricas em

um modelo de atenção tradicional? Em outro instante a própria mãe expressa sua opinião sobre

o tratamento prestado no hospital: “Dava mais trabalho chegava em casa comida de piolho, eu

ia ter trabalho pra tirar né?”. Fica difícil pensar em evolução no quadro de sofrimento psíquico

com intervenções como estas... Em especial, esse caso revela para mim o horizonte desafiador

de materialização da reforma psiquiátrica. Como desinstitucionalizar, institucionalizando? Se faz

um trabalho no CAPS, daí o sujeito entra em crise e é internado em hospital psiquiátrico, devido

a inexistência de centros 24hrs na rede de atenção psicossocial municipal.

Ansiedade foi encaminhada pelo ambulatório do Hospital João Machado. Natural do

município de São José de Mipibu/RN estudou até o 4º ano primário, casado, evangélico, tem

cinco filhos (03 fora do casamento). Foi criado pelos avôs. Perdeu o pai aos 04 anos. Começou

a trabalhar na adolescência. Quando prestou serviço militar tentou suicídio. Trabalhou mais de

20 anos como motorista de ônibus e caminhão. Começou a apresentar tristeza profunda,

irritabilidade, impaciência e medo. Iniciou tratamento psiquiátrico em 2000. Em 2005, foi

internado na CSPSL por dois dias, saiu após sua esposa assinar termo de responsabilidade.

Afirma ter visões, ouvir vozes e mania de perseguição. Ansiedade passa até 05 dias sem tomar

banho e com as mesmas roupas. Seu diagnóstico atual é de F.25.1(Transtornos

esquizoafetivos) F.10.1(Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de álcool). Em

registros mais antigos o diagnóstico é definido como: F.33 (Transtorno depressivo recorrente) e

F60.4 (Personalidade histriônica). Atualmente faz uso de: Amipitripitilina 25mg 02M e 02N,

Clonazepan 2mg 1 e1/2 N. Seroquel 100mg 02M e 04N.

Ansiedade tem uma história marcada pelo trabalho. Uma vida antes de não ter

condições de trabalhar e outra quando trabalhava como motorista. A meu ver ansiedade é um

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espectro da sociabilidade do capital que extrapola os limites físicos e mentais da força de

trabalho humana, ocasionando doenças, desequilíbrio.

Apresentamos um pouco das nossas observações na tentativa em conhecer como

esse processo de reforma está sendo sentido ou não pelos nossos usuários e familiares, como

também os profissionais envolvidos nesse processo desafiador.

3.2.2. RELAÇÕES E VIDA SOCIAL: COMO TECER A TEIA DE LAÇOS SOCIAIS A DESPEITO

DAS DIFERENÇAS?

Nesse item apresentamos nossas análises a respeito das relações observadas no

decorrer de nosso trabalho empírico. Relações tecidas entre usuários e serviço, família,

trabalho, técnicos do CAPS. O vínculo entre profissionais, usuários e familiares. Os familiares e

seu ente em sofrimento psíquico, e os primeiros com o serviço. Doravante, concentraremos

nossos esforços na análise desse emaranhado de redes de relacionamentos.

Durante a pesquisa, entre tantas impressões do universo de um CAPS, marcou-nos o

vínculo dos usuários com o serviço, caracterizando certa dependência. Logo nos primeiros

encontros sentimos o quanto os usuários são carentes emocionalmente. No dia 21 do mês de

julho de 2008, em conversa com eles sobre nosso objetivo ali no serviço, esclarecemos o por

quê da minha presença. Ao abrir espaço para que eles se expressassem, ouvimos:

“Você vai mexer com nós e depois vai embora quando a gente começar a querer bem!”

Observamos a dificuldade destes exercerem sua autonomia. Expressão clara da

dependência com relação ao serviço e resquícios do velho modo de tratar, frio, sem

acolhimento, invasivo. Neste mesmo dia mais uma expressão da dependência com o serviço

manifestada em algumas falas:

“- É filha, aqui é nossa casa é melhor que sobrinho, irmão!”

“- A gente sai daqui sexta-feira carregando a depressão e a angústia!”

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O serviço é idealizado para funcionar como suporte para os usuários construírem

relações externas, extra-serviço. Na realidade, os usuários parecem bastante fechados no

serviço. As relações externas ao CAPS são ainda caracterizadas, em geral, pela fragilidade.

Quando eles não estão em atividade no CAPS, estão em casa e, na maioria das vezes, sem

desenvolver quaisquer atividades. Assim, podemos afirmar que a “visão de serviço aberto”

parece ainda distante da realidade. O CAPS, na verdade, funciona como um casulo, onde os

usuários encontram proteção, amparo, reconhecimento, lugar de sociabilidade, espaços de

encontro com outros com quem se identificam. Deste modo, podemos indicar que parece haver

uma transposição de funções entre o CAPS e o que se entende ser os chamados centros de

convivência81. O que se revela uma contradição, pois, estamos falando em um serviço dentro

dos moldes de atenção psicossocial, que fundamentalmente deve estimular a autonomia.

Todavia, é compreensível o sentimento dos usuários se consideramos o contexto atual, da

sociabilidade capitalista, marcado pelo individualismo, pela descartabilidade, além das

dificuldades objetivas e subjetivas de suas famílias para lidarem com os mesmos. O CAPS

aparece assim como um parêntese, ou mesmo, uma pequena ilha, onde os usuários vivem

momentos de “sossego”.

A institucionalização substitutiva e/ou doméstica parece apontar para um horizonte no

qual a vida é reduzida a espaços de convivência dentro do serviço ou dentro de casa.... Em 11

de agosto de 2008 em uma roda de conversa, a maior parte dos usuários afirmou ter ficado em

casa vendo TV e dormindo durante o final de semana. Lembrando que o final de semana em

questão era o dia dos pais, ocasião em que as famílias se reúnem, saem, festejam. Ora,

podemos nos indagar: se em dias comemorativos a rotina é tão introspectiva assim, imagine

nos dias ditos “normais”. Essas situações de dependência excessiva do serviço, o

“enclausuramento” em domicílio ou relações restritas aparecem (brotam, surgem, nascem...)

nas falas de todos os nossos entrevistados.

Em casa eu passo o dia deitado. O tempo que tô em casa. Chego em

casa me dá ansiedade, medo de andar de ônibus quando eu saia daqui

a tarde (Ansiedade).

81 Em Natal, até o momento final de nossa pesquisa, este tipo de equipamento e de serviço, constante na

proposta da reforma concernente à constituição da rede em saúde mental ainda não havia sido implantado. A definição deste tipo de serviço citamos em nota anterior.

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“Ele gosta de vir... Gosta mais daqui do que em casa!” (Familiar

Ansiedade).

“Só vivo deitada, não tenho ânimo pra nada! A casa é uma bagunça...

Minha mãe faz pelo jeito, coitada, já vive cansada!” (Amor).

“Só na cama, só se levanta pra tomar café, pra almoçar, jantar, tomar

banho... depois corre pra cama” (Familiar Amor).

A reinserção social preconizada pela reforma psiquiátrica parece ainda um horizonte

longínquo. Por que os CAPS ainda não estão em sua totalidade voltados em suas ações para o

mundo externo?

Ansiedade fala um pouco sobre como sente seu sofrimento e como isso atrapalha suas

relações:

É ouvir vozes, ver vulto e perseguição, isso aí dá vida... Isso atrapalha,

meu relacionamento, até mesmo com minha esposa, colegas, tudo,

entendeu? Que me deixa isolado deles, os vizinhos e tal...

Damo-nos conta da dimensão e da complexidade de uma intervenção em saúde

mental. As dificuldades próprias do sofrimento psíquico são inúmeras, singulares e para

usuários e familiares é preciso mostrar as possibilidades de mudar aquele quadro.

Após mais de cinco anos no CAPS Gratidão expressa insatisfação com relação a sua

atual situação:

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171

A coisa que eu mais detesto é o ócio e eu to no ócio, praticamente! Só

na televisão, música e fazer supermercado com mamãe toda quinta-feira

(Gratidão).

“Hoje ele é muito calmo, fica muito no quarto dele, gosta de ouvir

música. Ele não gosta de sair de jeito nenhum!” (Familiar Gratidão).

No caso da gratidão, o tempo de permanência no serviço já não seria suficiente para

que seu projeto terapêutico estivesse em movimento e não paralisado no ócio de uma vida

restrita a relações no serviço e domiciliares? E aqui frisamos que domiciliar é utilizado aqui no

sentido estrito da palavra: relações com entes que residem em seu domicilio, excluindo os

demais familiares e amigos extra- residência. Quando nos aprofundamos no cotidiano de

usuários, familiares de trabalhadores do CAPS, entendemos o sentimento de que a reforma

psiquiátrica, nesse contexto, parece ter se paralisado ou mesmo, para alguns regredido. No que

se refere às relações entre usuários e seu núcleo familiar e as relações sociais mais amplas

parece-nos haver ainda muito a ser feito para romper barreiras.

A centralidade da doença, de suas expressões na vida cotidiana, a ênfase na

importância do médico psiquiatra, dos psicólogos, dos remédios ainda chama bastante atenção.

Nas conversas, nas falas um tipo de conteúdo é recorrente: afirmar que dormem apenas à base

de remédio, que não podem viver sem remédios, expressam que sentem angústia, que têm

vontade de chorar o tempo todo, que o medicamento não está surtindo efeito, como se este

resolvesse todo o problema. A solução apontada quase sempre é buscar o médico, para rever

doses ou mudar medicações

Trazer a saúde mental para um outro nível! Um nível que não seja do

sintoma, do curativo, da medicação, da cura disso, daquilo, daquilo

outro! Então isso, a cultura, a cultura manicomial é muito, muito

presente! Engraçado a gente avança, avança, mais no dia a dia no

corpo a corpo ela se faz presente de maneira muito firme, muito severa!

Isso a cultura manicomial.

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A técnica do serviço, em entrevista explicita mais um dos inúmeros desafios postos

para materialização da reforma:

Disseminar essa reforma para os outros serviços para os serviços

básicos, para os PSF, não deixá-la somente nesses serviços mais

novos, que foram criados para reforma mesmo, como o CAPS, levar isso

para base mesmo. E também, eu acho que não é só abrir novos serviços

que quer dizer que estamos fazendo reforma não! Eu penso que reforma

não é só desospitalizar! Às vezes a gente abre novos serviços e fica com

velhas práticas.

Compartilhamos com a opinião de que não basta levar a saúde mental para atenção

básica, como também para demais instâncias sociais, para além da rede psicossocial. Somente

com um amplo trabalho atingiremos o objetivo da desinstitucionalização. Não basta abrir novos

serviços é preciso superar velhas práticas, a exemplo da idéia que saúde mental possui um

lugar específico de cuidado. Recorrer somente à lógica dos saberes Psi, revelam velhas

práticas que surgem na fala de gratidão:

“Aqui é uma casa de passagem, e eu vou ter psicólogo e psiquiatra já é

tudo!”

Esperamos que os usuários atendidos em um suposto novo modelo tenham

perspectivas condizentes com a atenção psicossocial recebida e preconizada pela reforma.

Apesar dos limites indicados e, em alguns casos percebidos por usuários e familiares, é

unânime a opinião entre estes sobre o tratamento recebido no CAPS, considerado infinitamente

melhor, mais humano do que aquele dos hospitais psiquiátricos. As falas retratam as opiniões

com relação ao tratamento recebido no CAPS e aquele recebido nos hospitais psiquiátricos:

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Da cozinha, lá pra cima são tudo bons, tudo, é a equipe, a equipe é uma

equipe boa... Lá é tipo de manicômio, é tipo o Carandiru em São Paulo,

rio, sei lá!Tudo brigando um com o outro! (Ansiedade).

Olhe eu digo que nem clínica de luxo do sul do país tem essa

metodologia, aqui do CAPS. E o pessoal, aqui o pessoal é altamente

competente! Caiu do céu tudinho aqui, eu costumo chamar de anjos da

saúde! Rsrsrs... O que mais me marcou? Foi justamente a humanidade,

tratamento humano a todos, você chega todo destruído... E eles dão

apoio, a humanidade... A relação humana entre profissional e usuário...

(Gratidão).

O atendimento! Eles cuida de muita boa vontade da gente, falam com a

gente, quando a gente ta com problemas eles escutam... No hospital é

horrível! Eles nem olha pra gente, parece que a gente somos uns ruim...

Eles nem ligam pra gente, se a gente ta se sentindo bem, se a gente ta

se sentindo mal... Não tão nem ai, só dão os remédios, só faz dá os

remédios na hora certa e pronto! (Amor).

Tratar mal, não ter a devida paciência parecem atitudes que haviam se cristalizado e

naturalizado na vida dos usuários e de seus familiares quando recebidos nos hospitais. Os

relatos deixam claro o sentimento positivo com relação ao modo que são acolhidos no CAPS.

Os respectivos familiares parecem compartilhar da mesma opinião que seus entes,

referindo se ao tratamento prestado pelo CAPS:

“Acho que elas tratam bem no limite de cada um!” (Familiar Ansiedade).

Ah! Eu acho que é uma equipe muito boa! Eles têm muita, muita

paciência, não os vejo tratando mal ninguém! O que mais me admira

é a paciência deles! (Familiar Gratidão).

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Pra falar a verdade eu gosto daqui, eu gosto de tudinho daqui! Graças a

Deus ela é muito bem atendida aqui, vixe Maria, valha me Deus, quando

ela sair daqui eu vou senti muita falta! Muita saudade daqui, pra mim

tudinho é bacana! Agora se dependesse de mim ela ficava o dia todinho

é porque não pode, tem que ser o que elas que, não é? (Familiar Amor).

Apesar do consenso em volta do atendimento oferecido pelo CAPS, alguns relatos

levam-nos a questionar a eficiência do cuidado prestado para além dos limites do serviço, fato

manifestado em trechos, como estes:

“O que mudou? É só naquele instante! Só naquele momento que a

gente ta participando, ai quando nós sai daqui... Atualmente eu me sinto,

to me sentido mais pior do que antes...” (Ansiedade).

Mudou assim quando ele toma o remédio fica tranqüilo! É tanto

remédio... Mais veja só quando está acordado não para! Principalmente

quando não tem ninguém em casa! (Familiar Ansiedade).

“Em casa eu fico muito triste, sem alegria de nada! E aqui eu mim sinto

feliz! Sinto muito respeito!” (Amor).

Eu acho que pra mim é do mesmo jeito, não tem diferença! Aqui é uma

coisa, quando sai é a mesma coisa! Olhe não tem um dia assim que

diga: ah hoje ela ta melhor! Pra mim é uma coisa só! desde que adoeceu

é do mesmo jeito! (Familiar Amor).

Cabe nos indagar quais os determinantes dessa realidade? Será que as atividades

desenvolvidas pelo serviço estão respondendo as demandas que lhe são postas? Até onde vai

a responsabilidade do CAPS? É relevante pontuar que o cuidar em saúde mental é complexo e

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carregado de especificidades. Cada um com seu tempo e ritmo de evolução. Entretanto, da

nossa amostra somente um usuário e seu familiar afirmaram sentir mudanças significativas

após o início de sua inserção no serviço. Consideramos importante esclarecer que o mesmo

freqüenta o serviço há mais de 05 (cinco) anos e possui condições materiais de ter outros tipos

de apoio, além das atividades oferecidas pelo CAPS (o mesmo tem acesso a psicoterapia e

psiquiatra particular). Ouçam a experiência de gratidão e seu familiar:

Depois da doença fiquei calado, triste. Depois que vim pra cá, mudou

minha auto-estima, ser uma pessoa útil e não uma pessoa lixo! Não

bebo não fumo, não tenho hoje vício nenhum! É como eu já disse, nem

uma clínica de luxo do sul tem a competência, a humanidade, as

relações humanas! Isso conta muito! Eu cheguei deprimido, caído... E

eles deram o apoio moral (Gratidão).

No início foi muito difícil, ele era muito agressivo, ele não aceitava as

coisas... Ele já fazia tratamento com ela (psiquiatra particular) no

consultório já há 04 (quatro) anos e não melhorava, não melhorava em

nada, ai ela perguntou se ele aceitava vir ao CAPS. A convivência era

muito difícil pela agressividade, agora ta mais fácil. Hoje ele é muito

calmo, mim faz muita companhia, é delicado, não agredi mais ninguém.

Mudou tudo! A rotina, os irmãos, hoje ele compartilha, almoçamos

juntos, coisa que não fazia, sentar pra almoçar. Ajuda em casa, lavar

uma loça, tira as coisas da mesa... No início ele não gostava, mas com

pouco tempo ele já estava adaptado, com pouco mais de um mês ele

melhorou, melhorou mesmo! (Familiar Gratidão).

Foi, foi um dia assim...eu, eu chorava bastante, sabe? Nos primeiros

dias, eu ficava chorando,era, assim...ai fui mim acostumando com a

turma e tal... (Ansiedade).

Foi difícil, eu não queria ficar... Queria ir pra casa... (Amor).

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Percebemos nessas falas a sutileza do trabalho em saúde mental. Ao chegar ao CAPS

pela primeira vez, a maioria dos usuários sente um estranhamento, contudo, logo se adapta e

cria vínculos fortes com o serviço e com todos os sujeitos que lhe dão vida.

Nossa pesquisa constatou uma estreita relação entre o desempenho de atividades de

trabalho e o início ou o agravamento do quadro de sofrimento psíquico que conduziu o usuário

ao CAPS.

O usuário de codinome ansiedade afirma que o médico de seu sindicato lhe disse que

a “doença” da qual é portador decorreu do uso excessivo e contínuo dos chamados “arrebites” e

de outras substâncias ingeridas para permanecer acordado durante as noites e poder dirigir

horas a fio, para nos dizeres deste usuário “enriquecer o patrão”. Ansiedade fala:

Já bastante! Caminhoneiro e motorista de coletivo e de turismo. Só não

to fazendo hoje por conta da patologia. Até meu carro vendi, que não

tinha condições de assumi. Problemas de nervos, esquecimento...

Passei 20 anos na estrada tomando arrebite para enriquecer o patrão!

Outra usuária, após dez anos de trabalho no estacionamento de um dos grandes

shoppings centers de Natal, ao recusar participar de um curso de qualificação, foi demitida em

seguida e, logo depois, começou a apresentar sintomas de depressão, de sofrimento psíquico.

Ela trabalhou dez anos, dez anos, ali no natal shopping, tava bem

demais, satisfeita, fez muita amizades lá... ai depois pediram pra ela

fazer um curso, ai ela disse: não vou fazer não! Com pouco tempo

demitiram ela... (Familiar Amor).

Ao ser questionado se já havia trabalhado gratidão afirma:

“Já! No BANDERN, banco! Eu sempre tinha problema, mas quando

entrei no banco tinha menos, ai foi aparecendo.”

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Estes relatos e outros que ouvimos durante o período de observação participante,

apontam a centralidade do trabalho na constituição do ser social. No âmbito das relações de

trabalho situa-se a gênese de muitos processos de adoecimento, a “exclusão” do mundo do

trabalho desencadeia ou agrava quadros de sofrimento psíquico.

Os profissionais afirmam manter uma relação terapêutica com os usuários, e destacam

quão difícil é trabalhar com saúde mental:

“É difícil, é psicótico, é saúde mental é puxado, é puxado” (Coord. Do

CAPS).

E outro grande emperramento da reforma é a dificuldade com a clínica!

Também ainda, é uma grande dificuldade, a clínica é pesada tem que

estudar, discutir muito, se tratar muito, a clínica é pesada trabalhar com

transtorno mental grave, psicoses. (Técnica do CAPS).

Nas falas dos técnicos encontramos elementos que apontam para certas turbulências

nas relações entre estes e os familiares:

Eu penso que mesmo que a gente aqui diga que trata o usuário e o

familiar, na verdade o familiar entra como coadjuvante quem é

protagonista mesmo no caso é o usuário, a família entra no sentido de

contribuir com esse tratamento (Técnica do CAPS).

Muito bom no sentido que nós sabemos que o tratamento não se dá sem

o familiar, claro há muita resistência de muitos familiares, inclusive,

quando os vê em estado de melhora, por quê? Porque passam a ver os

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CAPS como assim a salvação, foi aqui que mim salvei, e você sabe não

existe salvador! Não se vê implicado como agente transformador!

(Coord. do CAPS).

Esses dois relatos sugerem indagações: Distintas opiniões dentro de um mesmo

processo de trabalho interferem em seu objetivo final? Ou as diversidades de perspectivas

somam no fazer profissional?

Através dos dados coletados nas entrevistas concluímos que os diferentes usuários

mantêm relações diversas com suas famílias. Ansiedade sente-se incompreendido. Gratidão

idolatra. Amor lembra-se de como suas crises afetam suas relações:

É tipo um regime que eu vejo. Minha esposa, ela, ela não admite sabe?

Ela assim, eu acho que ela pensa que eu to bom!

Minha mãe. 100 por cento... Tudo é ela. A participação dela

fundamental, mim salvou. A relação com minha mãe é de idolatria!

Dá força, tentando me ajudar, me colocar pra cima, dizendo que eu vou

conseguir trabalhar de novo. É boa... Mais... Assim quando eu to...

quando eu entro em crise é ruim, que eu quero machucar minha mãe,

morder ela...eu mordo ela... Quando eu to em crise mesmo é a pior

possível (em vermelho ponho, ou acaba reforçando o mito da

periculosidade, agressividade...).

Apesar da sistemática de trabalho do CAPS assegurar uma contratualização entre o

serviço e o familiar, através da qual este se compromete a contribuir com o tratamento ofertado,

no percurso da pesquisa empírica, encontramos familiares com diferentes posicionamentos.

Existem aqueles que se comprometem inteiramente com o tratamento de seu familiar, e outros

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que não participam das atividades as quais são convocados e buscam o serviço somente, em

situações extremas, em quadros de crise.

Os familiares, em geral, são demandantes de tempos de permanência de seus

usuários os mais amplos possíveis, afirmando, muitas vezes, que se sentem “aliviados”, durante

o tempo em que o “cuidado” com seu familiar é deixado sob a responsabilidade da equipe do

CAPS ou outros serviços da rede, fechamos esse ponto com parte da fala de um familiar que

explicita claramente a necessidade desta família dividir o cuidado do seu ente em sofrimento

psíquico:

Ai ela ficou lá nesse hospital dia, era uma benção! Passava o dia

todinho, também era muito bom! Não dava trabalho a mim né? Num

ficava em casa! Ai pronto foi tempo que fechou né? Ai ficou em casa

dando trabalho. Ela foi internada, pelo menos 12 vezes. Mulher o que

eu digo... Só é mais um descanso assim pra nós, mais melhora nunca

teve não! Quando passa o dia aqui é bom, só quando ta só a tarde...ah!

Mulher! É um aperreio! (Familiar Amor).

Mudança paradigmática, como a que se pretende com a concretização da reforma

psiquiátrica não se materializa de forma imediata e sem impasses, ocasionando situações de

embates e instabilidade, por vezes contraditórias. A atual política em saúde mental descarta

características próprias da dita psiquiatria tradicional caracterizada pelo controle em detrimento

da atenção psicossocial que estimula a autonomia do sujeito em sofrimento. Entre o que

assegura a política pública em saúde mental e a realidade concreta há um fosso, as mudanças

não ganham corpo e substância somente com as alterações de preceitos legais. É um pouco

desse terreno de luta, de avanços e recuos que traçamos no próximo item.

3.2.3. RELAÇÃO CONTRADITÓRIA DE DEFESA DA AUTONOMIA E DE ESTABELECIMENTO

DE FORMAS DE CONTROLE

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A nossa vivência com a população pesquisada revelou um quadro marcante de tensão

entre autonomia e controle. A proposta de reforma psiquiátrica objetiva contribuir para maior

autonomia possível daquele ser em sofrimento psíquico. Os desafios são postos para todos! As

falas da coordenadora do serviço e da coordenação municipal de saúde mental, como de uma

das técnicas que compõem a equipe do CAPS, exemplificam muito bem essa questão:

Através dessa família que a gente traz junto com o usuário a gente

também acredita ser possível plantar um novo olhar de qualidade, um

novo cuidado, e não de você escamotear, de você dizer que é o

coitadinho, que muitas vezes existe! O familiar diz não ele não pode

fazer isto! E deixa ela quietinho no canto dele, e quando ta muito agitado

vamos internar porque dá menos trabalho, e eu acho que o CAPS vem

pra quebrar isso ai...

Então eu fico abismada quando ouço assim: não acho adequado irmos

pra rua com o pessoal que é dependente químico, porque vamos parar

ali... Gente a vida existe! Primeiro que a gente não funciona como um

serviço de internação contínua! Então o meu usuário vai sair dali e você

não tem como controlar, então tenho que fazer um trabalho interno nele

muito bem elaborado e costurado todo dia pra que ele um dia chegue e

diga hoje eu não vou por aqui! Hoje vou por ali, mais é ele...

Porque agente está aqui pra trabalhar com uma proposta de reforma e

muitas vezes agente se vê fazendo não muito diferente!

Frisamos essas falas para demonstrar a dimensão do desafio em concretizar a reforma

psiquiátrica, de fato! Mesmo aqueles que supostamente estão preparados teórica e

metodologicamente para implantar uma nova proposta, muitas vezes não percebem a

incoerência entre suas práticas e os preceitos da reforma. Assim, os familiares também não

estão isentos dessas incoerências, mesmo porque muitos desconhecem o processo de reforma

psiquiátrica ou afirmam já ter escutado, entretanto, não sabem explanar o que é exatamente.

Apesar das mudanças em curso incidirem diretamente em suas vidas. Acompanhemos alguns

trechos:

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Muito pouco, não vou mentir! Pelo que sei é um trabalho que eles estão

fazendo para não haver mais internação, não é? E acho muito justo

porque deve ser horrível! Gratidão tava me falando! Vi na TV também,

alguma coisa, e nas reuniões aqui a equipe sempre fala (Familiar

Gratidão).

“Não! Não conheço!” (Familiar Ansiedade).

O trabalho em saúde mental caminha na perspectiva de estimular o máximo possível a

autonomia daquele sujeito. Contundo, os familiares demonstram ainda não sentirem total

segurança nessa proposta. Mesmo os usuários que já apresentam um quadro estável, a família

permanece assustada com a possibilidade de mudança nesse quadro:

Eu vejo assim, no momento ele ta bem, muito bem mesmo, agora não

sei se ele pode ficar como era antes... Deus me livre, não gosto nem de

pensar!

O familiar de ansiedade demonstra insegurança quando seu ente sai sozinho:

“Às vezes ele sai eu fico preocupada, ninguém sabe o que passa na

cabeça dessas pessoas, né?”

Acreditamos que somos todos iguais, exceto naquilo que nos difere. Desse modo,

alguns usuários podem revelar graus diversos de autonomia. Cabe ainda apreender o

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significado de autonomia desses sujeitos. Do total de 03 (três) usuários pesquisados, dois

afirmam ser de sua inteira responsabilidade a ação de tomar seus medicamentos, e um afirma

que devido a seus constantes esquecimentos, delega essa responsabilidade para esposa e

filha. Vejam:

Inclusive, eu tenho direitinho eu boto numa agenda, tudo de remédio que

eu tomo daqui! Eu sozinho, eu e Deus, mamãe tá pior do que eu! Vive

desmemoriada! De sete e cinqüenta eu boto o remédio lá... É de oito

pra tomar... É raríssimo, é raríssimo acontecer! (Gratidão).

“Eu mesma, todo dia e certinho” (Amor).

Aí é minha menina que mim dá meu remédio. Mais se minha menina

esquecer, ela vai e lembra, e mim dá pra eu tomar. Minha menina de

dez anos. É minha esposa também (Ansiedade).

Entendemos que o conhecimento a respeito do quadro de saúde de cada usuário é

importantíssimo na contribuição de sua autonomia, como também de seu tratamento. Como

favorecer uma melhor qualidade de vida para aquele usuário se o próprio desconhece sua

realidade, levando-o a uma espécie de aprisionamento no próprio discurso dos sintomas.

Somente um afirma ter conhecimento de seu quadro de saúde e relata sua aflição:

Esquizofrenia eu sei... Ai tenho a síndrome do pânico, eu chamo dos

bichos, sabe?! Síndrome do pânico, angústia e Impregnação é quando a

pessoa toma remédio demais, psicotrópicos. É um pânico, uma coisa

terrível, eu não desejo nem para meu pior inimigo!

Os diagnósticos são vagos. Quando identificamos no prontuário do usuário

“esquizofrenia”, o que entendemos por isto? Qual a real condição do sujeito? Nos prontuários

os CIDs aparecem diversos em alguns casos. Um mesmo paciente pode ter sido diagnosticado

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e enquadrado em distintos tipos de “doença”, tendo como referencial o código internacional de

doenças (CID). Apesar de sabermos que os quadros dos pacientes podem evoluir,

apresentando certo dinamismo, decorrente de condições materiais e de questões subjetivas,

chama-nos a atenção a quantidade de mudanças nos diagnósticos além do uso acentuado da

medicação.

Muitos desconhecem o tempo exato de permanência no CAPS. Ansiedade ressalta:

“Ia até perguntar isso a XXX, minha referência. Num sei quanto tempo

faz não!”

O amor afirma não ter idéia e a gratidão brinca com o tempo:

Estou vindo só uma vez na semana, também, já faz bem cinco anos que

to aqui... to velho...rsrs...Não tenho certeza não, mais é quase cinco

anos, é muito tempo!

Apesar dos usuários afirmarem participar das assembléias, tanto eles quanto seus

familiares não distinguem atividades próprias do CAPS, a exemplo, das assembléias e aquelas

de responsabilidade da associação de usuários e familiares. Quanto ao conhecimento referente

ao processo de reforma psiquiátrica somente um indicou ter essa informação. Os demais já

ouviram falar, entretanto, não sabem do que se trata realmente. Visualizamos em seguida

depoimentos que revelam essa situação:

Sei não, conheço não! Já! Através da assembléia que a gente faz lá na, na associação. Não, não me lembro mais não! Me lembro não!Gravei não! (Ansiedade).

Já, tenho até uma camisa, com uma poesia. Frutos e conquistas. As

conquistas que eu não tinha e o tratamento me deu. Através daqui.

Nunca sabia que isso existia... Já, já reforma psiquiátrica é o que eles

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tão fazendo, é o que eles fazem aqui, e que o mundo ta tentando fazer...

(Gratidão)

Não! Sim a participação de usuários e... Tem como é que chama? A

assembléia? Né? Participo... É eu não lembro... Eu sempre venho!

(Amor).

Analisamos todos esses pontos e não é difícil concluir os limites para concretização da

reforma. O termo “reforma psiquiátrica” é desconhecido dos familiares, um ou outro já ouviu

falar, contudo não tem qualquer conhecimento sobre a luta anti-manicomial, sobre as

reivindicações do movimento pela reforma, apesar das mesmas terem implicações diretas sobre

seu cotidiano, sobre as formas de cuidar das pessoas em sofrimento psíquico, sobre as

possibilidade de apoio. Com os usuários não é muito diferente. Também já apresentamos aqui

as opiniões dos profissionais. Desmobilização e desconhecimento são marcantes em todos os

sujeitos da reforma: Usuários e familiares, profissionais. Nos inquieta constatarmos essa

realidade em todos os envolvidos diretamente na execução dos serviços que constituem a rede

de atenção psicossocial. E a sociedade em geral? Fundamental para materialização da reforma.

Notamos que esta ainda continua marcada por velhos preconceitos. Resta-nos ainda re-situar

esta problemática no contexto mais amplo da sociedade brasileira para evidenciarmos

contradições e limites que rebatem nas tentativas de “reforma”, a exemplo do que ocorre no

campo da saúde mental.

Os sujeitos envolvidos nos processos de reforma psiquiátrica movem-se em meio a

disputas e contradições presentes no contexto social mais amplo no qual estão inseridos. Não

restam dúvidas de que o papel do Estado neste processo de mudança é particularmente

importante. Contudo, reduzir a materialização da reforma psiquiátrica à vontade política, como

fazem muitas análises não nos parece suficiente. Ademais, cabe ainda, na particularidade da

realidade brasileira, apreender as determinações da ação do Estado em meio as conseqüências

da crise do capital e das tentativas de superação. Referimo-nos, em especial, ao que Behring

designa de contra-reforma do Estado, pautadas na agenda pública a partir do início dos anos

1990 e cujos desdobramentos reduzem drasticamente a capacidade de ação pública do

Estados nos mais variados níveis de governo.

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Considerações finais

Chegamos ao final de um percurso de pesquisa, cônscios de que a construção teórico-

metodológica sintetizada nesta dissertação, as análises apresentadas não correspondem ao

real em toda a sua dinâmica e totalidade, por ser o real sempre mais rico e complexo e limita a

nossa capacidade de apreendê-lo e restituí-lo em linguagem escrita. Nesta trajetória de

pesquisa, buscamos evidenciar aspectos do cotidiano de um serviço substitutivo em saúde

mental e de seus usuários e familiares, situando-os no contexto mais amplo da realidade

brasileira em tempos de mundialização do capital, de reestruturação produtiva com efeitos

incontestes sobre a relação Estado x sociedade e mercado, sobre as condições de vida e sobre

a subjetividade dos indivíduos. Lidamos particularmente, com usuários e familiares das classes

trabalhadoras e, mais especificamente, com aqueles deixados à margem do processo

produtivo.

Inicialmente, indagamo-nos sobre as condições dadas para o serviço estudado pudesse

ofertar aos seus usuários possibilidades concretas para a chamada reinserção social - uma das

diretrizes da reforma psiquiátrica. Como apreender tal objetivo no âmbito da sociabilidade

capitalista e mais especificamente e de um Estado – brasileiro – marcado por desigualdades,

diversas formas de violência e de violação de direitos, pelo preconceito explicito ou velado, pela

estigmatização dos mais pobres e de todos tidos com diferentes do padrão dominante (individuo

produtivo, apto para o trabalho, ainda que este seja cada vez mais escasso)?

Qual a prioridade dada à saúde mental, no âmbito da gestão municipal? Porque em

nosso município o processo de desinstitucionalização parece sofre reveses nos tempos atuais?

Aqui ressaltamos que materializar a reforma não significa somente reorganizar, criar

novos serviços. Estão envolvidas muitas dimensões: teórico-conceitual, técnico assistencial,

jurídico-política e sócio-cultural.

Podemos sistematizar nossas considerações finais em dois grandes blocos de

discussão: um que compreende a análise da política de saúde mental, em tempos de reforma

psiquiátrica e de contra-reforma do Estado, a reforma em se fazendo no cotidiano de um serviço

– o CAPS II leste, com suas particularidades, que designamos de complexo de menor

complexidade dentro da totalidade social – a realidade brasileira dos tempos contemporâneos e

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a ação do Estado e da sociedade no campo das políticas sociais e, em particular, no âmbito da

saúde mental; outro que compreende uma discussão de caráter teórico e político no campo dos

direitos, situando-os no horizonte da construção de outra sociabilidade, cujo centro sejam as

relações humanas e não a mercadoria, a mercantilização das relações sociais.

Tomando os aspectos técnicos, cabe afirmar que apesar dos limites e das contradições

que apontaremos a seguir, não restam dúvidas que a reforma psiquiátrica introduz novas

categorias de análise e novas formas de lidar com os casos de sofrimento psíquico que

apontam para a desinstitucionalização como perspectiva de atendimento prioritário em saúde

mental. Afinal, a implantação dos CAPS e das residências já constitui mudança efetiva na

atenção em saúde mental, em contraposição a solução hospitalar como única via. Trechos de

nossas entrevistas com os usuários deixam claro o que eles pensam sobre um serviço tipo o

CAPS e como vêem o hospital psiquiátrico tradicional, ficando bem claro que para eles a

diferença do cuidar é gritante!

Todavia, os princípios basilares para esta nova política de saúde mental, defendidos

pelos movimentos sociais desde o final dos anos 1970 e, em parte, inscritos na Constituição

Federal de 1988 e nas leis complementares dela decorrentes, como a universalidade do

atendimento, a gratuidade, a atenção com direito social do cidadão e dever do Estado são

muitas vezes postos em xeque ou atingidos pelos efeitos da contra-reforma do Estado, em

curso, sobretudo, a partir dos anos 1990. Assim, em um espaço particular – o CAPS II Leste –

podemos apreender concretamente as determinações que resultam em impasses vividos no

quotidiano dos processos de transição e de mudanças no âmbito das políticas, em particular, na

política de saúde mental.

.Apesar de afirmarem a tamanha diferença do cuidar em um serviço aberto a exemplo

do CAPS, os usuários revelam como suas vidas giram essencialmente em torno do sofrimento

psíquico. Contrariando as diretrizes da reforma psiquiátrica que objetivam superar a idéia

segundo a qual o sujeito em sofrimento psíquico necessita de um lugar específico. Constatamos

que, na maioria dos casos, os usuários têm sua dinâmica de vida restrita ora aos limites de sua

residência ora do CAPS II- Leste.

Os centros de atenção psicossocial constituem um dos muitos dispositivos da rede de

atenção psicossocial. No caso no nosso município, vimos às contradições e os impasses

envolvidos em sua constituição: os escassos serviços, a sobrecarga, a precariedade das

condições de trabalho e de remuneração, a dificuldade de articulação, obstáculos na construção

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de serviços de diferentes modalidades de atendimento. Constatamos a ausência de

profissionais cuja presença é tida como essencial nos marcos da política de saúde, segundo as

normatizações do Ministério da Saúde, a exemplo dos assistentes sociais, indicando para nossa

categoria um campo de luta. Para além dos aspectos quantitativos, o direito à atenção

prioritariamente em serviço aberto em saúde mental e o principio da territorialidade parecem

ameaçados ou esvaziados de sentido a todo instante ou assegurados de modo precário.

Ao colocar o usuário e sua família no centro do processo terapêutico, ao tomá-los com

sujeitos ativos do processo de inserção social ou de construção de vias para uma sociabilidade

mais rica, o Estado finda por responsabilizá-los, sem que os mesmos tenham o suporte

indispensável para assegurar o papel a eles atribuído. Assim, as famílias de usuário, sentem-se

muito mais “aliviadas” ao ter com quem dividir o cuidado com seus membros em sofrimento

psíquico do que participes em seus processos de tratamento.

Consideramos que a política de saúde mental não pode ser pensada de forma

desarticulada das políticas de assistência, de educação, de proteção social. Ainda, que a inter-

setorialidade seja posta como objetivo, nos marcos desta sociabilidade que fragmenta,

individualiza, reforça corporativismos, a perspectiva de totalidade não pode se concretizar na

atenção em saúde mental.

Acreditamos ser participação ponto essencial para a materialização da reforma ou pelo

menos de alguns de seus aspectos principais. Ganhos na esfera legislativa foram obtidos,

contudo, para concretizá-los é imprescindível a ação dos sujeitos coletivos! Esta ocorre no

terreno contraditório das relações sociais, no qual os interesses das classes dominantes têm

prevalecido.

Assim, resgatar a participação do movimento de luta antimanicomial, afim, de

materializar a reforma psiquiátrica em nossa capital parece-nos indispensável. Para tanto

socializar/disseminar o debate sobre as questões relativas à saúde mental torna-se essencial.

Esta luta não envolve somente usuários/familiares e técnicos da rede de atenção psicossocial...

Engloba a todos, instigando o diverso que reside em cada um de nós.

Assusta-nos constatar que usuários que estão sob um modo de atenção psicossocial

desconhecem ao mínimo o que seja a reforma psiquiátrica... Nos assusta tantos servidores

insatisfeitos com condições salariais e de trabalho não instigar a reivindicação... Nos assusta

um familiar afirmar que seu ente opta ao CAPS e não sua própria casa... Nos assusta ver nos

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canais de comunicação a interdição do único hospital psiquiátrico do Estado (RN) inteiramente

público... Nos assusta vermos pessoas que foram “geradas” no interior de todo debate sanitário

e do movimento de luta antimanicomial assumirem posições de gestores e não fazer avançar o

processo de reforma em natal!

Vimos em passagens anteriores do texto que as dificuldades do trabalho percorrem

desde a insuficiência de profissionais, espaço físico impróprio, escassez de materiais,

insatisfação salarial... Surgem também questões relacionadas à operacionalização

propriamente dita do processo de trabalho.

Um fato ao mesmo tempo nos instiga e nos entristece: a reforma psiquiátrica em Natal

encontra-se em estado de inércia! Enquanto uma política pública a relacionamos devidamente

com sua gestão. Para ser mais clara, se temos a reforma psiquiátrica como orientação de uma

política oficial, o estado no qual se encontra é de responsabilidade da gestão pública e também

da sociedade?

Por que a capital de um estado rico como Rio Grande do Norte tem tantas dificuldades

em implementar as orientações de uma política ministerial? Sabemos de antemão que as

mudanças pretendidas são inteiramente exeqüíveis. Então por que tantos obstáculos? Que

interesses estão por trás dessa fina e densa camada de relações econômicas, políticas,

ideológicas que tendem a obstar o processo de reforma psiquiátrica em Natal? A literatura nos

informa haver em outros estados e capitais brasileiras processos com níveis de avanço mais

expressivos. Sabemos dos limites do processo de reforma em sua dimensão de totalidade nos

marcos desta sociabilidade, mas cabe ressaltar que em nosso município estamos aquém do

que se vem realizando nesta campo, representando um atentado direto aos direitos humanos.

A desinstitucionalização é o fim proposto pela reforma psiquiátrica, e para sua real

materialização o princípio territorial foi posto como norteador do modo de atenção psicossocial.

Este foi aspecto que nos inquietou nas noites insones em que até sonhávamos acordados com

o dia da defesa dessa pesquisa... É assustador! O serviço pesquisado localiza-se na zona leste

da cidade, como demonstramos, enquanto que a maioria de seus usuários provém de outras

zonas administrativas! Isso compromete muitas possibilidades de intervenções... Como

fortalecer relações sociais, de vizinhança e de trabalho com este usuário que reside na zona

norte? Como possibilitar que este participe ativamente da vida em coletividade? Seja em

trabalho, grupos de convivência, de artes: teatro, música, pintura, desenho

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Na realidade, constatamos que muitas vezes os usuários vivenciam um tipo de

institucionalização doméstica ou “capisilar”... Consideramos preocupante o CAPS II- Leste não

estabelecer qualquer parceria com entidades ou instituições, afim de que seus usuários possam

participar de atividades para além daquelas ações restritas aos limites do serviço, dificultando a

superação de alguns estereótipos históricos presentes no imaginário social coletivo, a exemplo

da incapacidade e periculosidade. Como atingir a dimensão sócio-cultural se os “novos”

serviços continuam reproduzindo resquícios da cultura manicomial: isolando, enfatizando a

medicalização, hierarquizando as relações, hiper-valorizando os saberes “psi” em detrimento do

social.

Repensar o lugar social dos sujeitos em seus diversos sofrimentos psíquicos implica

necessariamente construir uma crítica com conteúdo político, uma vez que vivemos em uma

sociabilidade geradora de mal-estar, de stress, de diferentes processos de adoecimento.

Considerando o trabalho enquanto elemento fundante do ser social, os que se encontram

incluindo nas relações formais de trabalho são levados ao limite de suas capacidades físicas e

mentais, para manter-se enquanto trabalhador ativo e com vínculos formais em tempos em que

o capital, necessita cada vez menos de força de trabalho: a máquina substituindo o trabalho

humano, a robotização a serviço do capital, a humanidade a serviço das necessidades

mercantis, as forças do capital se apropriando de tudo, de todos os espaços da vida social. Em

nossas sociedades, nos tempos atuais, os processos de adoecimento relacionados ao trabalho

ou a expulsão deste universo parecem em pleno crescimento.

Muitos daqueles tidos com supérfluos para o capital, se encontram no limite da

sobrevivência ou transitam entre atividades produtivas ou do setor terciário, num leque imenso

de ocupações, e que também vivem o stress e as formas de pressão do tempo presente.

Manter-se como consumidores ainda que em níveis mínimos de consumo parece o único

horizonte possível para essa sociabilidade que produz e se reproduz a todo momento. Se

pensarmos nas dificuldades de um sujeito tido como “normal” em ingressar em um trabalho,

estas ganham proporções continentais para sujeitos em sofrimento psíquico. Como se manter

sem trabalho ou ter acesso ao trabalho?

A realidade nos mostra que as saídas para esse público são reduzidas na maioria das

vezes a algum tipo de beneficio, ou até mesmo à dependência financeira de seu familiar. As

possibilidades de estímulo a autonomia estreitam-se. Deste modo, fazer a reabilitação

psicossocial numa sociedade excludente, alienante, inabilitadora revela-se com desafio, ou

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melhor, uma referência, uma possibilidade a ser construída, mas cuja materialização parece-

nos impossível nos marcos da sociabilidade vigente. Sociabilidade caracterizada nos dizeres de

Iamamoto (2006): “No fetiche do capital que preside a inversão sujeito e objeto no processo

produtivo, subordinando o sujeito ás coisas materiais nas quais o capital se expressa e pelas

quais submete o trabalho vivo aos seus desígnios” (IAMAMOTO, p. 22, 2006).

Investir em formas diversas de participação para construção de outras relações que

contribuam para mudanças radicais na forma de sociabilidade vigente revela-se como desafio

maior para nós assistentes sociais e para todos aqueles que objetivam lutar pela superação de

limites e reinventar formas de produzir, que compreendam o diverso dentro e fora de cada um

de nós. Resta-nos resistir, repensar, (re) começar a construir outras possibilidades de vida, de

relações sociais, de modos de produção. Compartilhamos da afirmação de Iamamoto para

quem: “Crescem os níveis de exploração e as desigualdades, assim, como, no seu reverso, as

insatisfações e resistências presentes nas lutas do dia-a-dia, ainda carentes de maior

organicidade e densidade política” (p. 145, 2007). Eis para nós o desafio maior dos tempos

presentes: toma em conta tal realidade e participar da luta contra a barbárie do mundo do

capital

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207

Anexo 3

Roteiro de Entrevista com Usuários

1) Natural:

2) Data de Nascimento:

3) Sexo:

4) Você reside com familiares? Com quem? Outras pessoas vivem na sua casa?

5) Já trabalhou? Em que? Em, que períodos? Com carteira assinada?

6) Renda familiar?

7) Algum parente ou amigo/a participa do tratamento? Fale um pouco sobre esta

participação

8) Recebe algum tipo de auxílio público? Qual/quais

9) Antes de vir ao CAPS, você teve algum tipo de atendimento em saúde mental?

Onde? Que tipo de assistência? Com que freqüência procurou?

10) Já foi internado em hospital psiquiátrico? Quantas vezes?

11) Como considera o tratamento prestado pelo HP?

12) Que informações você tem acerca de seu diagnóstico? Você poderia me

descrever qual o seu problema de saúde?

13) Você lembra quando se manifestou (a patologia) essa doença pela primeira

vez?

14) Você sabe que medicamentos utiliza? Sei não Tem alguém de sua família que

cuida desta parte ou você mesmo? Com você se sente atualmente?

15) Todos os medicamentos que você necessita são fornecidos pelo CAPS?

16) Como tomou conhecimento do CAPS?

17) Como foi seu primeiro dia aqui? (Como foi acolhido)

18) Há quanto tempo está no CAPS? Como chegou, encaminhado por instituição,

familiares...

19) Fale um pouco de sua vida antes do CAPS

20) Fale sobre seu cotidiano no CAPS

21) O que mais lhe marcou neste período?

22) Você foi atendido por algum profissional que lhe marcou?

23) O que mais gosta aqui? Que atividades gosta de realizar aqui?

24) Você poderia me contar o que mudou na sua vida desde que chegou e começou

a participar das atividades daqui?

25) O que não gosta aqui?

26) Fale sobre as dificuldades que enfrenta no seu tratamento

27) Fale sobre a atuação da equipe do CAPS

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28) Participa da associação de usuários e familiares, de que atividades? Com que

freqüência

29) Fale sobre sua relação sua família?

30) Possui conhecimento das leis que o amparam?

31) Já sentiu-se descriminado?

32) Já ouviu falar em luta antimanicomial? Caso afirmativo, através de quem? O que

ficou gravado em sua cabeça sobre esta luta?

33) Já ouviu falar no processo de Reforma Psiquiátrica? Em caso afirmativo o que

entende por esse processo e de que forma tomou conhecimento?

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Anexo 4

Roteiro de Entrevista com Familiares

1) Quais são as principais dificuldades enfrentadas no processo de cuidar do João?Como é o dia-a-dia de sua família com ele?

2) Sempre foi o “responsável” pelo familiar em sofrimento psíquico?3) Possui alguma queixa com relação a este familiar?4) Qual a maior dificuldade no relacionamento com seu familiar portador de

sofrimento psíquico?5) Fale-me da situação de sua família antes de xxx em sofrimento iniciar sua

participação no CAPS?6) Como tomou conhecimento dos serviços do CAPS? Como foi decidida e por

quem a vinda de xxx ao CAPS?7) Como você vê a situação de sofrimento psíquico de seu familiar?8) Antes de vir ao CAPS, teve algum tipo de atendimento em saúde mental?9) Já este internado, quantas vezes? Por períodos de quantos dias/meses10) Fale-me sobre o tratamento prestado pelo HP?

11) Algo mudou na vida dele e de sua família desde que João passou a freqüentaras atividades do CAPS...

12) Fale-me sobre o tratamento prestado pelo HP?

13) Fale-me de sobre o modo como percebe a atuação da equipe do CAPS?

14) Você enfrenta algum tipo de resistência por parte dele em vir ou em participarde alguma atividade prevista aqui no CAPS?

15) Nas situações de crise, o que faz, quem procura?

16) Você participa das assembléias e dos grupos de família? Comente, por que sim

por não? Que dificuldades em participar? O que acha destas reuniões?

17) Você conhece a associação de usuários e familiares dos portadores de

transtorno mental daqui de Natal?

18) Já participou de alguma atividade desta associação?

19) Excetuando o CAPS, você conta com outros tipos de apoio para cuidar de xxx?

Quais? (Qual, onde? Igreja, escola, outras entidades, instituições, parentes, amigos,

etc..)

20) O que mudou na vida do João e na vida de sua família após o inicio do

acompanhamento do CAPS?

21) Fale de suas dificuldades que você encontra para convívio social do João (relações

familiares, de vizinhança, com amigos, etc)

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22) Que atividades o João tem condições de realizar sozinho sem acompanhamento e

sem supervisão

23) Possui conhecimento a respeito do processo de Reforma Psiquiátrica?

24) Em caso afirmativo o que entende por esse processo?

25) De que forma tomou conhecimento?

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Anexo 5

Roteiro de Entrevista com Técnicos do CAPS

1) Formação Acadêmica/ano, tempo de trabalho na saúde mental e no CAPS...

2) Fale-me sobre o processo de reforma psiquiátrica? Como ele se materializa no

âmbito do CAPS II Leste?

3) 3. Fale-me sobre a atuação da equipe técnica do CAPS II leste? Quais os

principais dificuldades? O que vcs conseguiram fazer avançar?

4) Fale sobre as condições de trabalho aqui no CAPS...

5) O CAPS integra a estrutura municipal de atenção à saúde, como vc vê a gestão

municipal deste tipo de política e, em particular, de ação?

6) Que atividades você desenvolve aqui no CAPS? Fale-me sobre as possibilidades

e Também sobre os limites para o desenvolvimento destas atividades...

7) Fale-me de sua relação com os usuários... e com os familiares...

8) Como estão as condições salariais? Existe algum tipo de mobilização dos

trabalhadores para lutar por melhores condições de salário e trabalho?

9) Quais as principais dificuldades enfrentadas para realização do trabalho?

10) Você fez algum tipo de capacitação ao iniciar o trabalho em saúde mental?

11) Sente-se seguro no desenvolvimento de suas atividades?

12) O que elenca como positivo em um trabalho como esse?

13) Fale-me sobre a atuação da equipe interdisciplinar?

14) Como avalia o processo de reforma aqui em natal/RN?

15) Qual maior desafio no cuidar em saúde mental?

16) Há quanto tempo trabalha em saúde mental, especificamente neste serviço?

17) Em sua opinião qual o maior entrave para materialização da reforma

psiquiátrica?

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Roteiro de Entrevista com a Coordenadora Municipal de Saúde Mental:

1) Formação Acadêmica/ano; Grau de instrução/ tempo de trabalho na saúde

mental e no CAPS. Fale-me um pouco de sua trajetória na saúde e, em

particular, na saúde mental.

2) Como está estruturado o setor de saúde mental no âmbito da secretaria

municipal?

3) Quais os níveis de atenção disponibilizados na rede municipal de saúde mental

atualmente?

4) Com relação a composição das equipes - Número e qualificação dos

profissionais/ Relação com terceirizados (vínculos)?

5) Fale-me sobre o processo de reforma psiquiátrica...

6) Você acompanhou o processo da reforma psiquiátrica e a implantação dos

serviços substitutivos em Natal?

7) Conte-me sobre o que mais marcou sua trajetória na saúde mental e na

implementação dos NAPS, CAPS, residências terapêuticas etc...

8) Fale-me sobre a atuação da equipe técnica da área de saúde mental em Natal.

Dificuldades, desafios... avanços, limites...

9) Os CAPS, as residências terapêuticas integram a estrutura municipal de

atenção à saúde, prevista com a reforma psiquiátrica. Como tem se dado a

gestão municipal, no âmbito da política de saúde, com ênfase na saúde mental.

Quais as dificuldades, os limites, os avanços, os desafios... para concretizar o

que se prevê na reforma?

10) Fale-me sobre suas atividades e responsabilidades no âmbito da secretaria

municipal de saúde... Quais suas principais dificuldades para a execução

destas atividades... Conte-me sobre a relação com os outros níveis de governo

(secretaria estadual e ministério da saúde, com seus respectivos serviços e

equipamentos localizados em Natal) / Responsabilidades municipais e de

outros níveis de governo...

11) Como se dá o acompanhamento da coordenação de saúde mental aos

serviços de saúde mental?

12) Você conhece bem a realidade do CAPS II LESTE. Fale-me um pouco sobre

este serviço...

13) Fale-me sobre as principais dificuldades na materialização da reforma

psiquiátrica em Natal...

14) Outros comentários... Gostaria de acrescentar alguma observação...

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Roteiro de Entrevista com Representante do Conselho Municipal de Saúde

1) Formação Acadêmica/ano

2) Quanto tempo ficou a frente da presidência do conselho?

3) Você participou do processo de reforma sanitária aqui em nossa capital?

4) Fale-me sobre o processo de reforma psiquiátrica?

5) Como você analisa as políticas de saúde em geral, no âmbito municipal?

6) Como você analisa as políticas de atenção a saúde mental, especificamente, no

âmbito municipal?

7) Como o conselho municipal tem se relacionado com as políticas de atenção

psicossocial em saúde mental?

8) Como você analisa as gestões mais atuais que estão a frente da secretaria

municipal de saúde?

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ANEXO J- LEI N9.867

(10/11/99)

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ANEXO K- PORTARIA N336 (19/02/02)

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224

ANEXO L- FICHA PARA TRIAGEM

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ANEXO M- CONTRATO DE ADMISSÃO

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ANEXO N- LEI N10.216

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ANEXO G

USUÁRIOS EM ATENDIMENTO SEMI-INTENSIVO - POR BAIRROS

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ANEXO H

USUÁRIOS EM ATENDIMENTO NÃO-INTENSIVO (AMBULATRORIAL)- POR BAIRROS DE NATAL

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ANEXO I

USUÁRIOS EM ATENDIMENTO INTENSIVO- POR BAIRROS DE NATAL