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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA MESTRADO ACADÊMICO EM SOCIOLOGIA SERGIANA DE SOUSA BEZERRA TRABALHO E SAÚDE DE AGENTES PENITENCIÁRIOS NO INSTITUTO PSIQUIÁTRICO GOVERNADOR STÊNIO GOMES FORTALEZA - CEARÁ 2018

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA

MESTRADO ACADÊMICO EM SOCIOLOGIA

SERGIANA DE SOUSA BEZERRA

TRABALHO E SAÚDE DE AGENTES PENITENCIÁRIOS NO INSTITUTO

PSIQUIÁTRICO GOVERNADOR STÊNIO GOMES

FORTALEZA - CEARÁ

2018

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SERGIANA DE SOUSA BEZERA

TRABALHO E SAÚDE DE AGENTES PENITENCIÁRIOS NO INSTITUTO

PSIQUIÁTRICO GOVERNADOR STÊNIO GOMES

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado Acadêmico em Sociologia do Programa de Pós-Graduação em Sociologia do Centro de Estudos Sociais e Aplicados da Universidade Estadual do Ceará, como requisito parcial para o título de Mestre em Sociologia. Área de concentração: Sociologia

Orientadora: Profa. Dra. Rosemary de Oliveira Almeida

FORTALEZA - CEARÁ

2018

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SERGIANA DE SOUSA BEZERA

TRABALHO E SAÚDE DE AGENTES PENITENCIÁRIOS NO INSTITUTO

PSIQUIÁTRICO GOVERNADOR STÊNIO GOMES

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado Acadêmico em Sociologia do Programa de Pós-Graduação em Sociologia do Centro de Estudos Sociais e Aplicados da Universidade Estadual do Ceará, como requisito parcial para o título de Mestre em Sociologia. Área de concentração: Sociologia

Aprovada em: 30 de agosto de 2018.

BANCA EXAMINADORA

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus, por sempre me surpreende em todas as coisas da minha vida e me

possibilitar vivenciar experiências únicas.

À minha família, em especial a minha mãe Josefa, ao meu pai Sergimar (in memorian)

e meu irmão Sergio, pela compreensão nos momentos em que estive ausente, pela

torcida constante, pelos ensinamentos e o amor dedicado durante todos esses anos

de vida.

Ao meu companheiro de vida, Jair, pela constante parceria, cuidado e por escolher

sonhar comigo. Agradeço por me incentivar e torcer para que tudo fosse finalizado da

melhor forma possível. Obrigada por tudo!

Aos meus demais familiares que sempre apoiaram todas as minhas escolhas e torcem

pela minha felicidade.

Aos meus amigos que constroem comigo uma relação de confiança, parceria e afeto.

Aos queridos colegas de mestrado, pelo compartilhamento de conhecimento, parceria

e respeito, Elionardo, Camila, Alana e Fernanda. Em especial a Laís, deixo registrado

meus sinceros agradecimentos, pela ajuda e apoio desde o início dessa jornada, por

sua sensibilidade e empatia constante, pelas trocas de material de estudo e

conhecimento que me fortaleceu para a finalização dessa pesquisa.

À Fernanda que dividiu desde a graduação vivências de aflições e aprendizado,

obrigada por ser ombro, pela escuta e por me ajudar a trilhar o mestrado de forma

mais leve.

À Profa. Dr.ª Rosemary, por toda sua dedicação, delicadeza, acolhimento e partilha

de conhecimento. Muito obrigada por todas as contribuições com as orientações

durante esse processo.

Ao Prof. Dr. Bosco por todas as contribuições que possibilitaram novo olhar para o

trajeto metodológico dessa pesquisa. Agradeço pelo acolhimento, pela sensibilidade

de compartilhamento do conhecimento e por sempre estimular a pesquisa na área da

saúde do trabalhador.

À Profa. Dr.ª Celina pelas sugestões, críticas e contribuições que foram essenciais

para a pesquisa.

Ao Prof. Dr. Paulo pelas contribuições, pelo apoio e disponibilidade demonstrada no

tratamento dos dados na análise estatística.

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Ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia (PPGS) por possibilitar o

desenvolvimento dessa pesquisa.

À Secretaria da Justiça e Cidadania do Governo do Estado do Ceará, ao seu Serviço

de Atendimento Psicossocial do Trabalhador pelos dados fornecidos e a incansável

Lúcia Bertini pelas colaborações na pesquisa.

Finalmente, agradeço a todos os interlocutores que participaram direta e

indiretamente desta pesquisa; aos agentes penitenciários toda a minha sincera

gratidão.

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RESUMO

Essa pesquisa buscou compreender a realidade de saúde de agentes penitenciários

que atuam em instituição que possui dupla característica: ser prisional e manicomial.

Almejou-se com a pesquisa, identificar os fatores psicossociais presentes no ambiente

de trabalho e a partir das percepções dos agentes penitenciários, conhecer sua

atuação nesse cenário. O trajeto metodológico adotado nesse estudo tem natureza

quali-quantitativa, teve como interlocutores dezessete agentes penitenciários que

atuam no Instituto Psiquiátrico Governador Stênio Gomes, localizado no município de

Itaitinga, no estado do Ceará. Assim, como técnicas de coleta de dados, foram

utilizados o Questionário Psicossocial de Copenhague - COPSOQ II versão

média,diário de campo e as entrevistas do tipo semiestruturadas. O trabalho de campo

foi realizado, no período de setembro de 2016 até março de 2018. Os resultados

apontaram para uma exposição a fatores psicossociais relacionados com as

exigências laborais, na relação com as chefias, com o local de trabalho e a saúde e

bem-estar dos profissionais. O fenômeno da violência também esteve presente em

conjunto com aspectos sociais e relacionais.

Palavras-chave: Saúde do trabalhador. Fatores psicossociais. Agentes penitenciários.

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ABSTRACT

This research sought to understand the health reality of penitentiary agents who work

in an institution that has dual characteristics, being prison and asylum. With the

research, it was aimed to identify the psychosocial factors present in the work

environment, and from the perceptions of the penitentiary agents, to know their

performance in this scenario. The methodological approach adopted in this study is

qualitative and quantitative in nature, and was attended by seventeen penitentiary

agents who work in the Governador Stênio Gomes Psychiatric Institute, located in the

municipality of Itaitinga, state of Ceará. Thus, as data collection techniques, the

Copenhagen Psycho-Social Questionnaire - COPSOQ II medium version, the field

diary and semi-structured interviews were used. Fieldwork was carried out from

September 2016 to March 2018. The results pointed to an exposure to psychosocial

factors related to labor demands, relationships with managers, the workplace and

health and well-being. The phenomenon of violence was also present and combined

with social and relational aspects.

Keywords: Worker's health. Psychosocial factors. Penitentiary agents.

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

AGPS Agentes Penitenciários

CBO Classificação Brasileira de Ocupações

CEREST Centros de Referência em Saúde do Trabalhador

CLT Consolidação das Leis Trabalhistas

COPAS Coordenadoria de Políticas e Atenção à Saúde

COPSOQ Questionário Psicossocial de Copenhague

CPPL 2 Casa de Privação Provisória de Liberdade Professor Clodoaldo Pinto

CPPL 3 Casa de Privação Provisória de Liberdade Professor Jucá Neto

EU-OSHA Agência Europeia de Saúde e Segurança no Trabalho

HCTP Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico

IPF Instituto Penal Feminino Auri Moura Costa.

IPGSG Instituto Psiquiátrico Governador Stênio Gomes

IPPOO I Instituto Penal Professor Olavo Oliveira I

IPPOO II Instituto Penal Professor Olavo Oliveira II

IPPS Instituto Penal Paulo Sarasate;

NUAST Núcleo de Atenção à Saúde do Trabalhador

NUDAE Núcleo de Dados e Estatística

OIT Organização Internacional do Trabalho

PIRS Penitenciária Industrial Regional de Sobral;

PNST Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora

RENAST Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador

SEJUS Secretaria da Justiça e Cidadania do Governo do Estado do Ceará

SPSS Statistical Package for Social Sciences

SUS Sistema Único de Saúde

TCLE Termo de Consentimento Livre Esclarecido

UECE UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

UPDAOBL Unidade Prisional Desembargador Adalberto de Oliveira Barros Leal

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO..............................................................................................10

2 ASPECTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA........................................16

2.1 TRAJETO METODOLÓGICO........................................................................18

2.2 COLETA E ANÁLISE DOS DADOS...............................................................22

2.3 LÓCUS DA PESQUISA..................................................................................23

2.4 SUJEITOS DO ESTUDO...............................................................................24

2.5 ASPECTOS ÉTICOS.....................................................................................24

3 AS PRISÕES E OS MANICÔMIOS: DOS ENTRELAÇOS HISTÓRICOS

AOS DIAS ATUAIS ......................................................................................26

3.1 HISTÓRICOS DAS INSTITUIÇÕES PUNITIVAS E O SURGIMENTO DA

CATEGORIA PROFISSIONAL AGENTE DE SEGURANÇA

PENITENCIÁRIO..........................................................................................26

3.2 “O AMBIENTE QUE REPRESENTA AS DUAS GRANDES ESCÓRIAS DA

SOCIEDADE (O LOUCO E O CRIMINOSO)”: MANICÔMIOS, HOSPITAIS

E INSTITUTOS DE TRATAMENTO PSIQUIÁTRICO EM MEIO

JUDICIÁRIO..................................................................................................32

4 TRABALHO E SAÚDE EM AMBIENTE MANICOMIAL: OS OLHARES

DOS AGENTES PENITENCIÁRIOS A PARTIR DAS VIVÊNCIAS NO

SISTEMA PENITENCIÁRIO.........................................................................40

4.1 PERFIL GERAL DOS AGENTES PENITENCIÁRIOS DO INSTITUTO

PSIQUIÁTRICO GOVERNADO STÊNIO GOMES........................................42

4.1.1 “Tem que ter sangue no olho, porque não é para qualquer um não”: o

trabalho de agentes penitenciários no Instituto Psiquiátrico

Governado Stênio Gomes..........................................................................45

4.2 TRABALHO E CONDIÇÕES PSICOSSOCIAIS: AMBIENTE, SENTIDOS E

SATISFAÇÃO NO TRABALHO.....................................................................64

4.3 “LOCAL ADOECEDOR?”: OS DISTINTOS OLHARES SOBRE O

AMBIENTE E SUAS RELAÇÕES COM A SAÚDE DO PROFISSIONAL....77

5 RELAÇÃO SAÚDE E TRABALHO INTRAMUROS E EXTRAMUROS.......93

5.1 “MAIS DA METADE DO SISTEMA ENCONTRA-SE ADOECIDA”:

SAÚDE, BEM-ESTAR E ADOECIMENTO DE AGENTES

PENITENCIÁRIOS........................................................................................93

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5.2 VIOLÊNCIAS E OS IMPACTOS NA SAÚDE DE AGENTES

PENITENCIÁRIOS......................................................................................105

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS.........................................................................122

REFERÊNCIAS............................................................................................126

APÊNDICES.................................................................................................135

APÊNDICE A - ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA..........135

APÊNDICE B – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E

ESCLARECIDO...........................................................................................136

ANEXO..........................................................................................................137

ANEXO A - QUESTIONÁRIO SOBRE FATORES PSICOSSOCIAIS.......... 137

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1 INTRODUÇÃO

O contexto das relações de trabalho possui na atualidade singularidades

que transbordam para o campo de vida pessoal dos profissionais no modelo de

produção capitalista. O adoecer é, portanto, resultado das relações precárias de

trabalho impostas ao trabalhador, acrescentando a esse contexto os fatores

psicossociais, biológicos, culturais, econômicos, históricos, afetivos e políticos

presentes no cotidiano de vida e que incidem sobre a saúde dos trabalhadores.

A valorização e o processo de trabalho estão sob a ótica de manutenção

do capital. O avanço do capitalismo com a globalização, que se afirma com mais força

a partir da reestruturação produtiva e socioespacial na facilidade de comunicação e

transporte de informações, permite manter uma competitividade no mercado

mundializado que possibilita não só instituir legislações trabalhistas menos rigorosas

como diminuir direitos e políticas públicas de proteção ao trabalho e à saúde,

geralmente frágeis ou inexistentes, além de constituir trabalhadores fragilizados e uma

sociedade civil insuficientemente informada e organizada para defender seus direitos

(RIGOTTO, 2004).

As políticas públicas que visam proteção à saúde de profissionais são

direcionadas pela Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora

(BRASIL, 2012), entretanto Paim (2009) alerta que, historicamente, serviços, ações e

políticas públicas voltadas para a proteção, prevenção e o cuidado de profissionais

são fragilizados. Apesar dos avanços na área, persiste ainda a invisibilidade de ações

que atuem de forma ampla, principalmente com profissionais que trabalham em

ambiente prisional.

Kaufman (1988) afirma que a pesquisa no cárcere é mais comumente

realizada com os internos, existindo poucos estudos que abordem a saúde de

profissionais que atuam no sistema penitenciário, principalmente agentes

penitenciários.

A literatura brasileira e internacional que discute a saúde de agentes

penitenciários que atuam no ambiente prisional (CHIES, 2001; LOURENÇO, 2010;

ESPER; RAMOS, 2007; TSCHIEDEL, 2012) aborda um contexto de trabalho imerso

a fatores de riscos presentes no ambiente, nas relações entre os internos e

profissionais, nas condições organizacionais precárias, com grande incidência de

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doenças infectocontagiosas, além, das violências interpessoais; esses fatores incidem

como agravos e determinantes na saúde dos agentes penitenciários.

Essa pesquisa se desenvolveu no intuito de desvendar e conhecer o

sistema penitenciário cearense no que se refere à relação de saúde e de trabalho dos

agentes penitenciários. Este tema foi motivado pela crescente curiosidade de

compreender o cotidiano dessa profissão que é pouco discutida nos meios

acadêmicos.

O cotidiano dos grandes complexos prisionais não aguçava, até então,

interesse, já que se procurava algo pouco trilhado. A partir desse desejo inicial, em

pesquisa bibliográfica sobre o assunto, foi encontrado um documentário chamado “A

Casa dos Mortos” retratando a realidade de um manicômio judiciário no estado da

Bahia.

O documentário “A Casa dos Mortos”, de autoria da antropóloga Débora

Diniz, relata a realidade do Manicômio Judiciário de Salvador, hoje já extinto. Traz

ainda a discussão da vida no espaço manicomial, repleto de invisibilidade, exclusão

social e violação de direitos, alicerçado na arte cinematográfica. Foi por meio do

contato com o documentário e em face da realidade de inúmeros espaços prisionais

denominados de hospitais de custódia ou instituições psiquiátricas, pouco notado pela

sociedade e, invisíveis diante do Estado, que se inspirou nesse escrito de arte e

realidade para elaborar essa pesquisa a partir dos olhares dos profissionais que atuam

nesses espaços.

O interesse por esse cenário de estudo se deve a incessante vontade de

verdade Nietzsche (1992), para compreender a realidade ocupacional e de saúde em

ambiente manicomial. Com isso vieram os questionamentos, dentre eles: como é a

realidade de trabalho de agentes penitenciários em instituição manicomial/prisional?

Como está a saúde desses profissionais após sua inserção laboral?

No anseio de buscar respostas a tais indagações, foi identificado o Instituto

Psiquiátrico Governador Stênio Gomes – também conhecido por ser o único

manicômio judiciário no estado do Ceará – como campo empírico; e os agentes

penitenciários, como os sujeitos de estudo dessa pesquisa.

Buscou-se, por meio desse estudo, compreender a realidade de saúde de

agentes penitenciários que atuam em instituição que possui dupla característica – ser

prisional e ser manicomial –, almejando ainda identificar os fatores psicossociais

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presentes no ambiente de trabalho e conhecer a atuação dos agentes penitenciários

a partir das percepções desses profissionais.

O agente penitenciário expressa, para muitos, a visão de serem os

detentores de poder no meio institucional. Nas primeiras aparições em ambiente

punitivo, ele era associado a uma profissão pouco quista entre os indivíduos.

Inicialmente conhecido como carrasco, atuava na execução final das penas,

posteriormente, como carcereiro, na guarda do cárcere, do suplício dos indivíduos,

deixando, assim, a guilhotina pela vigilância das celas. A população mais pobre, com

pouco acesso ao emprego, era a mesma que era presa e também de onde vinham as

indicações para o cargo de carcereiro, inclusive a não aceitação desse cargo poderia

acarretar a prisão (PESTANA, 1981; BRITTO, 1926; CARVALHO, 2014).

Apesar de as formas punitivas e de contratação de profissionais, que

constituem o sistema prisional, terem mudado, existem características que vêm, ao

longo do tempo, se mostrando constantes nesse meio. Os agentes penitenciários,

atuantes em penitenciárias e hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico, estão

imersos em constantes relações de poder e disciplinamento de corpos, além de

operarem em condições de trabalho precárias.

As condições de saúde e de trabalho desses profissionais são reveladas

em pesquisas realizadas com os agentes penitenciários que atuam em unidades

penitenciárias brasileiras. Salla (1997), em pesquisa feita com a categoria, revela o

ambiente prisional sujo, insalubre, pouco iluminado, com alto índice de doenças entre

os internos. Lourenço (2010) acrescenta a presença de acúmulo de mofo, pouca

ventilação e estrutura física antiga, com instalações elétricas e hidráulicas com

problemas, como características comuns desses espaços. Já Borges (2011) afirma

que a estrutura física dos presídios favorece a disseminação de patologias que

possuem estreita vinculação com ambientes insalubres.

O cárcere é um local onde coabitam muitas pessoas que possuem pouca

assistência à saúde, apresentando doenças e em condições sanitárias precárias.

Juntam-se a esses fatores as características gerais brasileiras das prisões, como:

locais úmidos, com presença de ratos e baratas, infectos, com pouca ou nenhuma

ventilação, e sem condições de higiene. Esse ambiente físico favorece a

disseminação de patologias entre os diferentes sujeitos que o compõem.

O trabalho, em meio prisional, possibilita a ocorrência de modificação no

cotidiano de vida dos profissionais, os elementos contidos no ambiente ocupacional

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podem invadir e modificar a forma de se relacionar e de se comportar, afetando os

sentimentos e as formas que os profissionais se expressam. É um processo de

institucionalização (Goffman, 1985) dos indivíduos sobre os ganchos desse ambiente.

A atuação de agente penitenciário envolve relação direta com o contexto

da violência coletiva, física, psicológica e simbólica presentes nas correlações de

poder que permeiam as prisões. Com isso, esses profissionais são constantemente

submetidos a atividades que necessitam de permanente autocontrole emocional,

estando sujeitos também a situações que envolvem riscos para a sua vida e saúde.

De acordo com a pesquisa realizada por Ferreira (2016), episódios de

agressões e ameaças no trabalho têm se tornado crescentes entre grande parte de

agentes penitenciários no Brasil. O exercício do trabalho que proporciona o contato

direto com a população encarcerada e os altos níveis de estresse no trabalho

contribuem para a formação de um ambiente violento. Somados a isso ainda existe o

desgaste gerado pelo pequeno número de profissionais que atuam, destoando-se do

número de internos.

Imerso a esse contexto de trabalho estão os agentes penitenciários que

atuam nos hospitais de custódia e de tratamento psiquiátrico, ambiente ambíguo e

estigmatizado historicamente, o qual representa as duas grandes escórias da

sociedade: o louco e o criminoso (CARRARA, 2010).

O trabalho em instituições psiquiátricas traz o imaginário social construído

do louco, louco este que deve ser posto longe da sociedade, principalmente se

oferecer risco. Nesse cenário social, existe a presença do universo da saúde mental

com pouca predominância nos relatos sobre sistema penitenciário. Nos institutos

psiquiátricos ou hospitais de custódia existentes no sistema penitenciário, os agentes

penitenciários vivenciam o cotidiano das prisões, somados aos aspectos singulares

presentes no ambiente manicomial.

A realidade de trabalho nas instituições psiquiátricas no sistema prisional,

que é repleto de retratos estigmatizantes e preconceituosos, lança a esses

profissionais novos desafios no que se refere a custódia dos internos; possibilita

envolvimento direto com o adoecimento e sofrimento de internos; pode gerar desgaste

emocional; afeta a percepção generalizada que os agentes têm sobre os internos e;

possui singularidades que incidem sobre a saúde desses profissionais que estão

expostas ao longo desse texto dissertativo.

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Esta pesquisa é baseada metodologicamente na abordagem de estratégias

qualitativas e quantitativas, utilizando-se de questionário fechado e entrevista

semiestruturada para coleta dos dados. Os dados foram analisados a partir de

interpretações das narrativas dos interlocutores desse estudo em conjunto com as

informações obtidas por meio de estudo estatístico, estando estes organizados em

sessões e discutidos nos quatros capítulos dessa pesquisa.

Portanto, esta pesquisa estrutura-se em quatro capítulos. O primeiro,

intitulado “Aspectos metodológicos da pesquisa em ambiente em manicômio

judiciário”, apresenta o tipo de estudo realizado, a delimitação do campo de pesquisa,

os interlocutores desse estudo e a metodologia utilizada para a concretude do mesmo.

O segundo capítulo “As prisões e os manicômios: dos entrelaços históricos

aos dias atuais”, aborda o histórico da categoria profissional agente penitenciário, a

partir dos locais de atuação deles, com desdobramentos que se entrelaçam no

surgimento dos ambientes prisionais e nos manicômios judiciários correspondentes

aos dias atuais, possibilitando, assim, reflexões sobre os espaços de atuação destes

e conexões com a realidade de ambiente ocupacional atual.

O terceiro capítulo “Trabalho e saúde em ambiente manicomial: os olhares

dos agentes penitenciários a partir das vivências no sistema penitenciário”, propõe

discutir, por meio das percepções dos agentes penitenciários, o trabalho desses

profissionais, de modo a desvendar a rotina deles, bem como o cotidiano laboral, as

principais dificuldades e possibilidades de atuação. No capítulo, foi descrito e

analisado também o perfil dos agentes penitenciários, os fatores psicossociais

presentes na atuação e a descrição e os riscos psicossociais presentes no local de

trabalho desses profissionais.

O capítulo quatro “A saúde de agentes penitenciários intramuros e

extramuros”, tem como recorte temático a relação de trabalho e saúde intramuros e

extramuros desses profissionais. Foram discutidos os principais adoecimentos dessa

categoria profissional, sua condição de saúde e bem-estar, compreendendo também

o fenômeno da violência que envolve o cotidiano de trabalho e saúde de agentes

penitenciários mediante a discussão centrada no contexto social desse fenômeno. Por

fim, são apresentadas algumas “Considerações Finais”, na qual são sintetizadas as

conclusões obtidas nesse estudo.

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2 ASPECTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA

Após a descoberta da temática de estudo, vieram os anseios, a

preocupação com o que seria encontrado em campo, em como seria o contato direto

com os interlocutores. Será que eles vão aceitar participar da pesquisa? Qual será a

melhor forma de iniciar uma aproximação?

Assim, é necessário ressaltar que as primeiras aproximações com o campo

não foram fáceis. Sempre que era falado sobre a pesquisa percebia-se estranheza

nos olhares e falas das pessoas, desde professores, colegas do mestrado até amigos.

“Cuidado, espera passar todas essas rebeliões para iniciar essa pesquisa, é bom que

você pensa se é viável”; “Esses agentes não são flor que se cheire não viu, tome

cuidado”; “Não se iluda, eles comandam os presídios, não sofrem e nem adoecem

com nada não”; “Menina, esses agentes tem a vida mansa, todos têm rabo preso com

os internos”.

Todas essas afirmativas remetem as discussões tecidas por Moraes (2013)

e Lourenço (2010) em seus estudos, quando abordam a forma como é vista essa

categoria profissional e de como essas falas, por meio das interações entre os

elementos do cotidiano de trabalho, meio social e o imaginário social sobre os espaços

de trabalho dessa categoria, são, por vezes, incorporadas pelos agentes prisionais,

como alerta Goffman (2012).

Na busca dos interlocutores que dariam forma e conteúdo ao estudo, de

início, foram realizados contatos com agentes penitenciários que pudessem indicar

colegas de profissão que atuassem no Instituto Psiquiátrico Governador Stênio

Gomes, campo empírico da pesquisa. Nessa saga, foi possível conseguir, por meio

de amigos, o contato de um agente penitenciário. Esse agente era um dos chefes das

4 equipes de agentes penitenciários do Instituto e se disponibilizou a ser entrevistado

e ajudar em todo o decorrer da pesquisa.

Esses primeiros contatos aconteceram por mensagens no aplicativo

whatsapp, no qual os agentes contatados não usavam fotos. Pediam para não serem

identificados.

Por meio dos primeiros contatos, foi possível a entrada no Instituto

Psiquiátrico Governador Stênio Gomes – IPGSG. A entrada em um complexo

penitenciário, o distanciamento do mesmo do espaço urbano da cidade, os olhares de

curiosidade e desconfiança das pessoas que vendiam frutas ao redor, as falas de

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revolta de algumas mulheres, companheiras de internos, pela situação deles no

IPGSG, a passagem pela portaria inicial e o longo caminho à pé após a portaria até

chegar ao Instituto, entre os diversos olhares e o ambiente de isolamento, trouxeram

reflexões sobre controle, disciplina, isolamento, insegurança e condições de vivências

de pessoas que ocupam esse complexo composto por presídios e pelo Instituto.

Ao adentrar no corredor inicial da Instituição, onde se localiza o setor

administrativo e as salas de atendimentos, foi possível também o contato com o gestor

da Instituição que se mostrou inicialmente incomodado com o tema da pesquisa.

Constituindo como um dos entraves no início do estudo.

A aprovação da pesquisa no Comitê de Ética em Pesquisa com Seres

Humanos da UECE e na Escola de Gestão Penitenciária da Secretaria de Justiça e

Cidadania - Sejus possibilitou a inserção em campo e maior contato com os agentes

penitenciários.

A partir disso, apareceram algumas surpresas, muitos agentes agradeciam

ou se espantavam por estarem sendo ouvidos em uma pesquisa acadêmica. Essa

situação em alguns momentos também gerou insegurança aos entrevistados, pois

alguns achavam que as entrevistas e os questionários tinham viés investigativo e

punitivo ou que poderia ter relação direta com Secretaria de Justiça e Cidadania do

Ceará - Sejus.

Olha, você não é da Sejus? Porque você poderia ser uma pessoa mandada por eles para saber da gente, você também poderia ser de alguma facção querendo se infiltrar aqui para saber sobre a gente. Não poderia? Mas, estou confiando em você não sei por que, mas, sinto que você se importa com a gente, vou te dar uma chance e confiar no que você está me falando (AGP 1, em: 05 de fevereiro de 2018).

Essa fala esteve presente na primeira entrevista realizada em campo, após

explicado e indagado sobre o interesse em participar da pesquisa, um dos

entrevistados disparou essas perguntas, acalmando-se apenas quando mostrado o

documento de identidade da pesquisadora. A presença da insegurança, desconfiança

e medo é recorrente entre os agentes penitenciários. Posteriormente traremos a

discussão desses sentimentos.

Para tanto, o lugar de trabalho, mas também de vivência e convívio é lugar

habitado por eles a no mínimo um ano1; a chegada de uma pessoa que não vivencia

essa realidade, não possui a experiência de trabalho, escuta, visões, condutas e falas,

1 Os sujeitos que participaram da pesquisa de campo possuem, de acordo com o critério de inclusão, atuação no Instituto em estudo há no mínimo um ano como agente penitenciário.

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causa estranheza; pedir licença para entrar foi a forma que a pesquisa foi conduzida,

quando as perguntas eram voltadas à pesquisadora procurou-se respondê-las de

forma a falar sobre essa vivência recente que estava sendo construída por meio das

conversas com os agentes. Acredita-se que essa forma gerou confiança, proximidade

e maior abertura para as falas. Cada pessoa conta o espaço e sobre a trajetória de

vida a partir do seu olhar, não cabe à pesquisa interferir nesse fluxo.

Ao longo da pesquisa alguns agentes penitenciários mostraram-se

incomodados com as perguntas no momento da entrevista, afirmavam sentir receio

de passar informações sobre sua atuação e o funcionamento do Instituto, na sessão

que discute o relacionamento com as chefias aborda esse contexto com maior

frequência.

O fenômeno da violência coletiva esteve presente no período da coleta de

dados da pesquisa, durante alguns dias de idas e vindas no trajeto até o IPGSG

ocorreu a Chacina em Cajazeira, localidade próxima ao Instituto, que motivou

bloqueios, assaltos e reinvindicações da população sobre o acontecido na BR 116. As

chacinas, rebeliões e a greve dos agentes penitenciários também fizeram parte do

contexto de construção desse estudo, algumas vezes impossibilitando o acesso ao

campo por longos períodos.

A vivência com pesquisa em ambiente manicomial/prisional possibilitou ter

contato direto com as fragilidades e as relações de poder existentes na instituição,

com isso, os interlocutores desse estudo inicialmente mostravam-se desconfortáveis

em falar sobre sua rotina e de suas dificuldades, ao longo da construção dessa

pesquisa eles foram contribuindo de forma mais espontânea e leve, compreendendo

a pesquisa como espaço de voz.

2.1 TRAJETO METODOLÓGICO

Para melhor contemplar o objeto de estudo dessa pesquisa, a abordagem

utilizada foi baseada em estratégias qualitativas e quantitativas, pois se entende que

a associação de procedimentos e estratégias diferentes amplia a compreensão da

realidade estudada e torna a investigação mais rica de elementos analíticos,

descortinando métodos de pesquisa baseados apenas nos aspectos centrados em

uma natureza de estudo.

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Minayo e Sanches (1993) afirmam não haver contradições entre

investigações qualitativas e quantitativas, uma vez que são de natureza diferente.

Entretanto, podem ser utilizadas em conjunto com o objetivo de encaminhar estratégia

de integração na prática da investigação. A partir de uma investigação quali-

quantitativa as relações sociais podem, assim, ser analisadas em diferentes aspectos,

dentre os quais as contribuições quantitativas podem gerar questões para serem

aprofundadas qualitativamente e vice-versa.

Os dados quantitativos foram essenciais para o desenvolvimento dessa

pesquisa, pois, por meio deles, foi possível construir o perfil dos profissionais que

atuam na instituição pesquisada, coletar dados expressos de forma precisa e

detalhada no questionário fechado e, quando somados aos aspectos qualitativos,

conseguiram ampliar a aproximação com a realidade, de forma conjunta, trazendo

outros ângulos de um novo olhar para o estudo.

A metodologia é um processo construtivo dentro da pesquisa que não pode

ser definido de forma imutável. Esta pesquisa, desde o início, esteve a pleno vapor,

seguindo caminhos que se cruzaram e se distanciaram, conhecendo becos e

travessias bem-aceitas, e outras mais sombrias. Portanto, a metodologia segue um

curso no instante em que a pesquisa começa. Neste sentido, chega um momento que

se faz necessário escolher e direcionar alguns caminhos e instrumentos

metodológicos que proporcionem melhor compreensão da realidade.

Os procedimentos utilizados para a coleta de dados foram, roteiro de

entrevista semiestruturada, anotações em diário de campo e aplicação do

Questionário Psicossocial de Copenhague – COPSOQ II versão média.

O Questionário Psicossocial de Copenhague – COPSOQ foi desenvolvido

e validado por Kristensen e Borg (2000) com a colaboração do Danish National

Institute for Occupational Health in Copenhagen. É um instrumento multidimensional,

que apresenta indicadores de exposição de riscos psicossociais por meio de

subescalas presentes em cada dimensão. Este instrumento possui consenso

internacional quanto à validade, modernidade e compreensibilidade na avaliação de

dimensões psicossociais presentes no contexto laboral.

O COPSOQ possui versão curta, média e longa, entretanto, a tradução da

versão original para o português possibilitou a construção de uma versão média que

apresenta elementos mais precisos para utilização em saúde ocupacional, mostrando

uma identificação mais completa de dimensões psicossociais.

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Nesse estudo, foi utilizado o Questionário Psicossocial de Copenhague –

COPSOQ II, versão média (Anexo A), com 88 questões divididas em nove sessões.

As perguntas iniciais do questionário possibilitaram a construção do perfil dos

interlocutores dessa pesquisa, porém, elas não estão na composição das sessões,

pois foi realizada uma análise separada mediante a construção de duas tabelas

juntamente com as informações identificadas nas entrevistas, compreendendo os

dados pessoais e os locais de atuação dos sujeitos no sistema penitenciário cearense

mencionados no terceiro capítulo.

Cada sessão foi dividida a partir de um conjunto de características e

elementos presentes no questionário que possibilitaram a análise de riscos

psicossociais. A sessão um refere-se ao ambiente de trabalho e é constituída pelas

questões 1-18, apresentando a relação entre os profissionais e os fatores

psicossociais no ambiente de trabalho. A sessão dois aborda os sentidos do trabalho,

sendo constituída pelas questões 19-44, demonstrando o ritmo de trabalho, a

demanda emocional do trabalho, e ainda avalia a importância do trabalho dos

profissionais a partir da percepção deles e dos sentimentos envoltos na atuação. A

sessão três diz respeito à satisfação no trabalho, formada pelas questões 45-48.

Nessa sessão foram mencionados os elementos que avaliam o grau de satisfação dos

profissionais sobre: suas perspectivas futuras, as condições físicas de trabalho e a

maneira como usam suas habilidades no trabalho de uma forma geral. A sessão

quatro, denominada como local de trabalho aborda as características estruturais do

local de trabalho dos profissionais e as relações com os superiores. A sessão cinco

refere-se ao pensamento em relação ao superior imediato, expondo os fatores sobre

o relacionamento com os chefes de equipe e a chefia imediata dos agentes

penitenciários, esta é constituída por quatro questões. A sessão seis, saúde e bem-

estar, foi constituída por 12 questionamentos, abordando aspectos como o sono, nível

de desgaste, exaustão, problemas para relaxar e o estresse. A sessão sete refere-se

à percepção que os profissionais têm sobre a saúde deles de uma forma geral, isto

realizado apenas em um único questionamento. A sessão oito, intitulada trabalho e

vida pessoal, compreende a relação e os entraves presentes na vida pessoal dos

profissionais mediante a atuação deles. A sessão nove, conflito e outros

comportamentos ofensivos, reuniu seis questões que abordam dados sobre os

conflitos, atos violentos e outros comportamentos ofensivos sofridos por agentes

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penitenciários do Instituto. Todas as sessões foram analisadas conjuntamente com os

dados colhidos em entrevistas.

Para a análise dos resultados, foi realizada a interpretação fator a fator, ou seja,

o COPSOQ não afere um único construto, mas, sim, diversos riscos psicossociais e

variáveis de saúde, stress e satisfação. Desta forma, foram calculadas médias de cada

sessão de acordo com sua respectiva subescala.

Quadro 1 – Descrição das sessões e de suas respectivas subescalas.

Sessões Subescalas

Sessão 1: Ambiente de Trabalho Sempre, frequentemente, às vezes, raramente,

nunca/ quase nunca.

Sessão 2: Sentidos do Trabalho Extremamente, muito, mais ou menos, pouco, muito

pouco.

Sessão 3: Satisfação no Trabalho Muito satisfeito, satisfeito, não satisfeito, pouco

satisfeito.

Sessão 4: Local de Trabalho Extremamente, muito, mais ou menos, pouco, muito

pouco.

Sessão 5: Pensamentos sobre o

superior imediato

Extremamente, muito, mais ou menos, pouco, muito

pouco.

Sessão 6: Saúde e bem-estar Sempre, frequentemente, às vezes, raramente,

nunca/ quase nunca.

Sessão 7: Sua saúde Excelente, muito boa, boa, razoável, ruim.

Sessão 8: Trabalho e vida pessoal Sim, com frequência; sim, algumas vezes;

raramente; não, nunca.

Sessão 9: Conflito e outros

comportamentos ofensivos

Sim, diariamente; sim, semanalmente; sim,

mensalmente; sim, poucas vezes; não.

Fonte: Elaborado pela autora.

A entrevista semiestruturada foi realizada por meio de um roteiro de

perguntas (Apêndice A), composto por dez questões abertas, respondidas pelos

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entrevistados com a utilização de recurso de gravação de voz e com prévia

autorização. As questões abordaram o tempo de atuação dos profissionais na

instituição, a descrição das atividades realizadas pelos profissionais, o trabalho em

ambiente manicomial/prisional, a percepção que possuem sobre seu trabalho, as

relações entre os diferentes atores que fazem parte do ambiente de trabalho, o

entendimento de saúde após o início do trabalho na instituição pesquisada e a relação

violência/saúde no contexto de trabalho.

2.2 COLETA E ANÁLISE DOS DADOS

O período de coleta de dados ocorreu entre setembro de 2016 até março

de 2018 com progressivas aproximações com o campo. A aplicação dos questionários

e entrevistas aconteceram nos meses de fevereiro e março de 2018, após aprovação

do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Estadual do

Ceará, e da anuência da pesquisa pela Escola de Gestão Penitenciária da Secretaria

de Justiça e Cidadania - Sejus do estado do Ceará.

De início, foi realizada simultaneamente a aplicação do questionário e da

entrevista com os 17 agentes penitenciários que contribuíram de forma voluntária para

a pesquisa, tendo cada aplicação duração média de 30 minutos. Em seguida, foi

realizada a tabulação dos dados dos questionários respondidos, possibilitando a

construção de frequências e médias dos domínios. Fez-se a análise de correlação

linear entre as variáveis e os domínios, fixou-se pl 0,05. Os dados foram processados

no Statistical Package for Social Sciences – SPSS 20, com licença Nº 10101131007.

A análise estatística possibilitou obter os valores em porcentagens de cada subescala

das dimensões.

Os dados obtidos sobre as condições psicossociais dos profissionais por

meio da análise estatística foram somados aos elementos qualitativos ancorados nas

falas dos interlocutores do estudo mediante as entrevistas. Estes foram organizados

por meio dos elementos discutidos em cada sessão que direcionaram a construção

dessa pesquisa.

As entrevistas foram analisadas sobre a perspectiva interpretativa de

Minayo (2007), contemplando as etapas descritas pela autora de pré-análise,

exploração do material, tratamento dos resultados obtidos e interpretação dos dados.

A análise dos dados alcançados pelas narrativas dos sujeitos foi feita com

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interpretações, interferência e diálogo com os autores que proporcionaram a trilha

para essa pesquisa, buscando, assim, abrir novas discussões teóricas e

interpretativas.

Durante a pesquisa, foram construídos gráficos para detalhar fatores

presentes em cada sessão, baseados estes nos objetivos desse estudo a fim de

aprofundar as análises em conjunto com as narrativas trazidas pelas aplicações das

entrevistas. A harmonia entre os dados obtidos nas entrevistas e questionários

resultou em categorias de estudo que foram discutidas nesta pesquisa.

2.3 LÓCUS DA PESQUISA

O cenário de estudo dessa pesquisa é o Instituto Psiquiátrico Governador

Stênio Gomes – IPGSG, que está vinculado à Secretaria da Justiça e Cidadania do

Governo do Estado do Ceará – SEJUS e faz parte do Sistema Penitenciário Cearense.

De acordo com o Núcleo de Dados e Estatísticas - NUDAE (2015), o

Sistema Penitenciário do Estado do Ceará é composto por 11 penitenciárias e

presídios, dois complexos hospitalares, duas colônias agrícolas, unidades de cadeias

públicas, masculinas e femininas, um IPPO-I, oito casas do Albergado, dois

destacamentos e delegacias.

O Instituto Psiquiátrico Governador Stênio Gomes foi inaugurado em 1968,

é uma unidade masculina, tem capacidade para 120 internos, e localiza-se na BR 116,

KM17, no município de Itaitinga – CE.

Atualmente o Instituto Psiquiátrico Governador Stênio Gomes encontra-se

com 136 presos. O quadro profissional que compõe a Instituição é formado por dois

técnicos de enfermagem, um médico psiquiatra, quatro auxiliares de enfermagem, três

enfermeiros, um médico clínico geral, um assistente social, um fisioterapeuta e 35

agentes penitenciários (NUDAE, 2015).

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2.4 SUJEITOS DO ESTUDO

Os interlocutores dessa pesquisa são os agentes penitenciários que

trabalham no Instituto Psiquiátrico Governador Stênio Gomes. O critério de inclusão

foi o vínculo do agente à instituição, com, no mínimo, um ano de atuação, bem como

estar em pleno desempenho de suas funções. A pesquisa não contemplou agentes

penitenciários que estavam atuando em cargos administrativos e de chefias,

compreendendo ser necessário enfatizar apenas a atuação do profissional como

agente penitenciário para maior aproximação com o universo de trabalho dessa

categoria, detendo-se, assim, aos objetivos desse estudo.

No momento da pesquisa existiam no Instituto Psiquiátrico Governador

Stênio Gomes 35 agentes penitenciários atuando na instituição, com o critério de

inclusão da pesquisa e a existência de alguns profissionais que estavam em período

de férias, afastados por adoecimento ou foram realocados para outras unidades. O

contato, durante o período em campo, foi feito com 17 agentes penitenciários que se

interessaram em contribuir de forma voluntária para a pesquisa. Os agentes foram

convidados a participar do estudo, momento em que foi explicado a pesquisa e

esclarecido que poderiam desistir a qualquer momento da pesquisa.

2.5 ASPECTOS ÉTICOS

Esta pesquisa obteve aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa com

Seres Humanos da UECE, considerando a Resolução n° 466 de 12 de dezembro de

2012, que compreende os aspectos éticos envolvendo pesquisas científicas que

trabalham com seres humanos. Como processo inerente ao desenvolvimento da

pesquisa, foi utilizado o Termo de Consentimento Livre Esclarecido – TCLE (Apêndice

2), em que foram explicitados, antes da coleta de dados, o objetivo do estudo e a

importância da colaboração para esse processo.

A autorização para aplicação do questionário e da entrevista, com

gravação, foi solicitada a todos os participantes do estudo, esclarecendo que a

participação era voluntária e que a qualquer momento poderiam deixar de fazer parte

da pesquisa sem nenhum prejuízo. A identidade do participante não será revelada,

utilizando-se os dados coletados somente para a pesquisa. No entanto, os resultados

poderão ser veiculados nos artigos científicos ou nas revistas especializadas, e/ou nos

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encontros científicos e congressos, sem tornar possível a identificação dos

entrevistados. Os dados retornarão para o local da pesquisa com o objetivo de

contribuir para o trabalho dos profissionais.

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3 AS PRISÕES E OS MANICÔMIOS: DOS ENTRELAÇOS HISTÓRICOS AOS DIAS

ATUAIS

3.1 HISTÓRICOS DAS INSTITUIÇÕES PUNITIVAS E O SURGIMENTO DA

CATEGORIA PROFISSIONAL AGENTE DE SEGURANÇA PENITENCIÁRIO

As penitenciárias e presídios, bem como os manicômios judiciários, não

foram instituições postas e sempre existentes no contexto social. Por vezes, tende-se

a naturalizar o cotidiano e a acreditar que as instituições atuais, como as prisões,

sempre existiram, ainda que numa versão primitiva. Entretanto, a realidade histórica

dessas instituições revela sua forma de surgimento e seus primeiros objetivos distintos

dos atuais.

Inicialmente, a visão e o modelo de prisão que existiam, a partir das

reflexões de Leal (2001), revelam não ter a natureza de pena-castigo, mas sim de

caráter acautelatório como o de guardar o réu ou o condenado como forma de

preservá-lo do julgamento ou da execução. Na Idade Média, surge o ideário da pena

eclesiástica, que se utilizava da reclusão individual de monges em celas para reflexões

sobre seus pecados. E, na Idade Moderna, com a crise socioeconômica que abalou a

Europa, houve aumento da pobreza e de atos delituosos cometidos por indivíduos,

motivados pela manutenção de sua sobrevivência, junto às pessoas consideradas

ociosas e ladrões. Diante da necessidade de se criar espaços destinados a

recolhimento de pessoas que cometessem algum ato delituoso e com o objetivo de

serem disciplinadas, foi criado o Castelo de Bridwell (PRACIANO, 2007).

A partir do surgimento desse Castelo são criadas as primeiras casas de

correção e trabalho “com intuito de serem sanções para vagabundos e alívio para os

pobres” (PRACIANO, 2017, p. 67), instituídas na Inglaterra e, posteriormente,

ganhando espaço em toda Europa.

No que se refere aos profissionais que compõem esses espaços de

punição, não existem estudos direcionados sobre o histórico do surgimento da

categoria profissional que hoje se reconhece como agente de segurança penitenciário.

Em todas as pesquisas realizadas2, foram encontrados apenas artigos e livros que

2As fontes de pesquisas foram: pesquisa em bases de dados, tais como a plataforma de pesquisa Scielo, as bibliotecas da UECE e da UFC e livros.

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abordam o surgimento das prisões e manicômios judiciários, alguns deles mostrando

dados sucintos sobre os profissionais que faziam parte desses locais. Fato

questionador, pois os profissionais que participaram desse ambiente podem, com

suas trajetórias, contribuir na compreensão da formação dessas instituições.

O aparato punitivo, ao longo de seu processo histórico, contou com

profissionais que eram destinados a manter as normas do modelo punitivo vigente à

época, o que atualmente conhecemos pela categoria profissional de agentes

penitenciários. Carvalho (2014) afirma que, quando a execução penal se baseava no

suplício do corpo, em que o indivíduo julgava e executava suas leis, essa categoria

profissional surgia como a figura do carrasco e era encarregada da concretização da

execução punitiva.

Assim como o modelo punitivo passou por modificações, os profissionais

que fizeram parte também passaram por esse processo. Os carrascos eram

comumente conhecidos por levar à execução os indivíduos à guilhotina, dentre outras

funções que faziam com que a pena fosse executada. Quando mudado o contexto das

normas punitivas, agora embasadas não somente na desobediência de um soberano,

mas do poder divino, surgem os carcereiros.

Independente do termo histórico adotado para a profissão dos agentes de

segurança penitenciária, inicialmente todos os termos guardam em comum

o fato de sempre terem estado ligadas às situações de torturas, agressão, vigilância e fiscalização e a outros mecanismos disciplinadores utilizados para aplicar o castigo considerado justo, para punir o desvio, promover a adequação e manter uma determinada ordem social (LOPES, 2002, p.4).

Orientados pelos escritos de Britto (1926), Pestana (1981) e Lopes (2002),

em seus estudos, revelam que desde o surgimento dessa profissão poucos eram os

que se interessavam em exercê-la. Os autores afirmam que houve uma época em que

as pessoas eram indicadas a ocupar tais cargos e, caso se recusassem a trabalhar

como carcereiros, eram presas. O indicado ao cargo pertencia à população mais

pobre, com poucas ofertas de emprego, sendo induzido à condição de dominado e

submisso ao aceite como vítima da não escolha profissional.

Em Carvalho (2014), é afirmado que, na Idade Média, com o surgimento do

espaço punitivo, centrou-se a punição ao controle da mente, pois as violações da

época, como já mencionamos, correspondiam à desobediência e à vontade divina.

Assim, “substituiu-se a guilhotina e os demais aparatos de mutilação corporal pela

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tecnologia punitiva do cárcere. A cela – prisão em isolamento solitário – e,

consequentemente, o carrasco, dá lugar ao carcereiro” (idem, p.12).

Siqueira (2016) afirma que o modelo contemporâneo de punição assume

forma a partir do século XVIII, esse modelo têm aspectos sociais, jurídicos, políticos e

econômicos que o sustenta. Baseia-se em uma sociedade disciplinar, intervindo nos

conflitos sociais sob interesse de uma classe social, em que Wacquant (2007) reflete

a partir de suas pesquisas que as prisões assumem papel importante na lógica

neoliberal de gerenciamento das parcelas discriminadas da população por meio do

encarceramento como forma de enfrentamento aos problemas sociais.

Zaffaroni (1988) contribui nessa discussão afirmando que a pena, da forma

como tem se caracterizado historicamente, contempla apenas a manifestação de

poder. Foucault (1897) reforça essa ideia e descreve a prisão como a região mais

sombria do aparelho de justiça, local onde o poder de punir “que não ousa mais se

exercer com o rosto descoberto, organiza silenciosamente um campo de objetividade

em que o castigo poderá funcionar em plena luz como terapêutica e a sentença se

inscrever entre os discursos do saber”.

De acordo com o que já foi exposto, pode-se compreender que o direito de

punir nas fases da Idade Média e da Idade Moderna, no intuito de vingança privada e

divina, era exercido pelo indivíduo, pois ainda não existia uma organização em relação

à sociedade. Com a criação do Estado, a punição passou a ser exercida por ele,

constituindo-se o ente legitimado a exercer o monopólio do uso da força por seu

representante: primeiramente, o soberano; depois da Revolução Francesa, a

sociedade burguesa, por intermédio dos órgãos encarregados para tal fim.

Foi mediante a criação do primeiro espaço coletivo punitivo, já exposto na

discussão, que surgiram as prisões em outros países com a característica de

instituições fechadas, que visavam um meio de pagamento de pena, castigo, pelo

comportamento contrário às leis vigentes.

Com o surgimento do cumprimento de pena com privação de liberdade em

espaços coletivos, em que várias pessoas dividem celas, pátios e espaço de convívio,

veio a necessidade de um profissional que aplicasse a lei e normas vigentes da

instituição, impedindo e contendo as manifestações consideradas impróprias aos

sentenciados. Esse profissional é o guarda prisional.

De acordo com o Decreto nº 3.706 de 29 de abril de 1924, para que uma

pessoa pudesse exercer o cargo de guarda prisional, deveria ser nomeado pelo diretor

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do estabelecimento penal. O candidato também deveria ser brasileiro, ter mais de 21

e menos de 45 anos, gozar de boa saúde e boa aparência física, provar bons

antecedentes, moralidade e conduta, sujeitar-se à prática do estabelecimento e fazer

exame de competência. Eram preferidos os que já tivessem exercido práticas

análogas.

Quando questionado a um dos interlocutores desse estudo sobre quais

requisitos essa categoria profissional deveria ter para exercer o cargo atualmente, o

AGP 15 responde: “é necessário obedecer às normas daqui, ter preparo físico para

aguentar as escalas, que às vezes dobram e ter sangue no olho, porque não é para

qualquer um não” (AGP 15, em: 27 de março de 2018).

O AGP 15 aborda algo não escrito no Decreto de 1924, mas presente no

histórico da profissão desde seu surgimento: ter coragem de exercer tal ofício,

compreendendo que suas práticas interferem diretamente em vidas privadas de

liberdade em ambiente historicamente estigmatizado.

No que se refere ao território brasileiro, a primeira cadeia construída foi em

São Paulo, em 1784, quando ainda era província, e destinava-se a recolher

criminosos, inclusive escravos, para aguardar a execução de suas penas. Deram

início, assim, os primeiros estabelecimentos correcionais, primeiramente no Rio de

Janeiro, em 1850, e em São Paulo, em 1852.

A estrutura física e higiênica desses espaços prisionais historicamente,

conforme nos informa Salla (1997), era precária: ambiente sujo, insalubre, pouca

iluminação, alto índice de doenças entre os internos, péssima alimentação, não

havendo separação de presos cumprindo penas comuns com inimputáveis em razão

de transtornos mentais.

Dentro do contexto desse convívio, existiam os agentes penitenciários que

conviviam e que ainda hoje convivem não só com o ambiente laboral insalubre e com

pouca qualificação para trabalho, como também coabitam com os internos que

apresentam transtornos mentais. Historicamente, essa profissão foi considerada

aversiva pela sociedade. De acordo com Lopes (2002), os agentes de segurança se

sentem, atualmente, invisíveis e estigmatizados pela sociedade, além de serem

responsabilizados por fugas, motins, extorsão, corrupção, e omitem-se, muitas vezes,

de assumir publicamente essa profissão.

Goffman (2003), em seus estudos sobre as estruturas e as relações sociais

estabelecidas em instituições fechadas, como as prisões, aborda que a finalidade

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desses espaços é excluir o preso completamente do mundo social de origem, de modo

que assimile as regras e aprenda as condutas e códigos comuns às prisões como

forma de necessidade básica de sobrevivência. Ele ainda contribui nesse contexto

com o conceito de instituições totais, que é definida em seus estudos como “um local

de residência e trabalho onde um grande número de indivíduos com situação

semelhante, separados da sociedade mais ampla por considerável período de tempo,

leva uma vida fechada e formalmente administrada” (idem, 2003, p.11).

Partindo deste pensamento, em que Golffman contribui significativamente

para traçar horizontes no que se refere às instituições postas, pode-se perceber a

presença dessa característica desde a formação das primeiras instituições brasileiras

até os dias atuais, encontrando nas diferentes falas dos sujeitos que as compõem os

traços de sentimento de exclusão por trabalhar em espaços estigmatizados e

esquecidos.

Goffman ressalva que são exemplos de instituições totais: as prisões,

hospitais psiquiátricos, manicômios, acrescentando-se aqui os manicômios judiciários

como instituições fechadas que se propõem compreender a partir das contribuições

do autor.

Apesar da latente semelhança estrutural entre as prisões e os manicômios

judiciários, por serem estes locais onde está a questão social repleta de estigma e

preconceitos, os manicômios judiciários apresentam suas características e objetivos

singulares de importante conhecimento para se traçar diálogos com a temática de

estudo.

3.2 “OS AMBIENTES QUE REPRESENTAM AS DUAS GRANDES ESCÓRIAS DA

SOCIEDADE (O LOUCO E O INFRATOR)”: MANICÔMIOS, HOSPITAIS DE

CUSTÓDIA E INSTITUTOS DE TRATAMENTO PSIQUIÁTRICO EM MEIO

JUDICIÁRIO

Os manicômios judiciários são instituições complexas, que conseguem articular, de um lado, duas realidades mais deprimentes das sociedades modernas – o asilo de alienados e a prisão – e, de outro, dois dos fantasmas mais trágicos que “perseguem” a todos: o criminoso e o louco (CARRARA, 2010, p.17).

Nos últimos vinte anos, existem discussões latentes que entrelaçam

conceitos fundamentais no que se refere à loucura, à saúde mental e às instituições

voltadas ao cuidado e tratamento de indivíduos com transtornos mentais. Entretanto,

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observa-se que existe um embaraço obscuro quando se refere à saúde mental e sua

relação com o campo judiciário, perpassando, desde o início, dos manicômios

judiciários até os diálogos mais atuais dentro dos movimentos de luta antimanicomial

brasileiros.

É imprescindível trilhar, no entanto, a discussão sobre o recorte histórico

dos manicômios judiciários no cenário brasileiro para maior compreensão desse

panorama.

De acordo com os estudos de Carrara (2010), a Inglaterra é o primeiro país

a erigir um estabelecimento destinado aos loucos infratores, a prisão especial de

Broadmoor, criada em 1863. Antes, o autor afirma que apenas a França e os Estados

Unidos possuíam, em alguns presídios, anexos para tratamento destinado a esse

público. Interessante perceber que a Inglaterra também foi o mesmo país que institui

o primeiro estabelecimento prisional.

Mas quem são mesmo esses loucos infratores a quem se destinaram os

manicômios judiciários? Para o Código Penal brasileiro de 1890, os loucos infratores

eram indivíduos penalmente irresponsáveis que deveriam ser devolvidos às suas

famílias depois de cometidos crimes. Caso esses indivíduos representassem

“ameaças à segurança”, deveriam ser encaminhados a hospícios públicos, fato esse

decidido pelo juiz.

Os manicômios judiciários não foram primordialmente pensados para

abrigar, de um modo geral, qualquer pessoa com sofrimento ou transtornos mentais

que cometesse crimes. Santos, Farias e Pinto (2014, p.30) afirmam: “destinavam-se

especialmente aos criminosos considerados como degenerados, natos, de índole,

anômalos morais”.

Todas essas denominações são versões distintas do que viria a ser

chamado mais tarde de “personalidades psicopáticas” ou “sociopatas”. Asilos e

prisões se mostravam incapazes de recebê-los porque eram percebidos ora como

habitantes de uma região intermediária entre a sanidade e a loucura ou entre a

irresponsabilidade e a responsabilidade moral, e ora como habitantes de uma região

em que tais termos não faziam mais qualquer sentido.

No cenário brasileiro, os manicômios judiciários surgiram em meio a

embates de saberes entre a psiquiatria e o judiciário. Conforme Santos e Farias (2014

p. 518),

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31

A Escola Clássica do Direito Penal foca o livre arbítrio do homem e a pena figura como reparação do dano social. Em contraposição, a Escola Positiva credita ao próprio homem a essência da transgressão e do crime, responsabiliza o sujeito, deslocando o olhar do crime para a personalidade do sujeito, alvo de intensas avaliações médico-jurídicas.

Existe uma disputa entre as discussões transcritas nos documentos oficiais

acerca dos manicômios judiciários com clara relação de poder que impera nesse

cenário. Sergio Carrara (1998) descreve em sua obra – “Crime e loucura: o

aparecimento do manicômio judiciário na passagem do século” – o surgimento do

primeiro manicômio judiciário brasileiro imerso nesse cenário de contradições e

disputas.

Surge uma forte discussão, a partir do caso analisado pelo autor, em que

Custódio, um rapaz que matou seu padrasto, foi inicialmente diagnosticado como

manomaníaco. Porém, após a fuga dele do Hospício Nacional e de denúncias feitas à

referida instituição, Custódio passou pela avaliação de alguns médicos legais que

deram o diagnóstico de ser ele degenerado ou criminoso nato. Nesse caso, o Hospício

nega-se a aceitá-lo e culmina na solicitação, por partes de vários médicos e de outros

profissionais, como os magistrados, de um espaço direcionado a esses sujeitos, no

caso, o manicômio judiciário.

Ocorre a incidência de uma visão biodeterminista que diz o seguinte: os

sujeitos que são classificados como criminosos natos e são considerados dentro de

hospícios como ameaça a uma ordem devem ser colocados em liberdade sem que

haja um consenso entre a psiquiatria e o judiciário. Permaneceu, assim, até a criação,

em 1903, com o Decreto 1132, que dispõe sobre a obrigatoriedade de se criar

manicômios judiciários em cada Estado (BRASIL, 1903).

Diante disso, instituiu-se a Seção Lombroso, do Hospício Nacional,

especialmente destinada ao recolhimento dos “loucos criminosos”. Não era

propriamente um manicômio judiciário, mas uma sessão de internação destinada a

esse público. Posteriormente, acontecimentos com forte traço intencional de

demonstrar à sociedade o perfil de criminosos perigosos, que eram veiculadas

matérias em jornais abordando frases como: “estavam internados 41 loucos da pior

espécie”, “gente perigosa, sempre com intuito do mal”, remeteram ao fim dessa Seção.

(CARRARA, 1987)

Em 1920 é criado o primeiro Manicômio Judiciário do Brasil e da América

Latina, localizado no Rio de Janeiro, significando não apenas a fundação de ua

instituição voltada substancialmente às pessoas com transtornos mentais que

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cometeram crimes, mas uma fonte de pesquisa e de desenvolvimento da psiquiatria

no que se refere a experimentos, conforme nos alerta Carrara (1987) e Santos, Farias

(2014).

Apesar dos entraves que existiam entre a psiquiatria e o judiciário, os juízes

e médicos concordavam em um aspecto: a necessidade de espaços mais específicos

e segregados. Com isso, Carrara (2010) descreve que houve o decreto brasileiro nº

1.132, de 22 de dezembro de 1903, que regulamentou o início da reforma dos

hospícios, incluindo as seções especiais aos condenados, que eram recolhidos às

prisões federais por apresentarem sintomas psiquiátricos, e aos inimputáveis, para a

internação compulsória.

Com a construção do primeiro manicômio psiquiátrico no Brasil, o

Manicômio Judiciário do Rio de Janeiro, Diniz (2011 p. 104) afirma que esse e

dispositivo foi amplamente difundido nos estados do País, totalizando, atualmente, “23

Estabelecimentos de Custódia e Tratamento Psiquiátrico abrangendo: Hospitais de

Custódia e Tratamento Psiquiátrico, Centros, Institutos, Unidades, Enfermarias

Psiquiátricas e Alas específicas em unidades prisionais”.

Cabe ressaltar que o termo, atualmente usado “Hospital de Custódia e

Tratamento Psiquiátrico”, foi proposto pela Reforma Penal de 1984, cumprindo-se,

assim, as respectivas mudanças no Código Penal Brasileiro e na Lei de Execução

Penal.

Desde o surgimento dos primeiros manicômios no Brasil, a equipe que

trabalhava nesse espaço era constituída por médico, enfermeira e diretor da

instituição. Posteriormente, foram incluídos os primeiros agentes penitenciários que

desempenhavam, como principal função, vigiar e conter agressões dos internos.

Diante da análise destas informações históricas apresentadas e das falas

de alguns interlocutores desse estudo, pode-se perceber que o processo que

desencadeou os manicômios judiciários e as prisões brasileiras foi regado por forte

estigma, exclusão social, além da presença da disciplina e punição3. Discutido por

Foucault (1997) e Goffman (1961) em seus estudos, encontra-se, nesses espaços, a

mistura do caráter de punição, característico da prisão em conjunto com o “inocente

doente”, presente nos hospícios.

3Embasamo-nos em Foucault para a discussão de disciplina e punição.

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Nas décadas de 1960 e 1970, surgem nos países da Europa e nos Estados

Unidos novas propostas para assistência à saúde mental. Livros como “A História da

Loucura” de Foucault (1997) e “Manicômios, Prisões e Conventos” de Goffman (2001),

além de se constituírem reflexões importantes para a condição dos excluídos,

abalando as mais arraigadas convicções de ciência, colocam em questão o modo

como o grande internamento foi produzido, criticam os arranjos por meio dos quais os

indivíduos foram constituídos como loucos e impulsionam a discussão sobre a

subjetividade e a cidadania dos indivíduos que possuem algum transtorno mental.

Em face desses avanços, Arbex (2013, p.14) reforça a necessidade deles

frente às condições das instituições voltadas ao tratamento e cumprimento de pena

em hospitais de custódias e instituições psiquiátricas; com estrutura precária e com a

maioria dos indivíduos presos sem diagnóstico de adoecimento. Os internos eram

“epiléticos, alcoolistas, homossexuais, prostitutas, gente que se rebelava, que se

tornara incômodo para alguém com mais poder”. A estudiosa ainda afirma que os

internos comiam ratos, bebiam esgoto ou urina, eram espancados, morriam de frio, de

fome e de doença. A lógica de limpeza social de indivíduos indesejáveis dominou a

história por muitos anos.

Débora Diniz retrata no documentário “A casa dos mortos” a existência, nos

Hospitais de Custódia, desse ideário de ambiente presente nas instituições. Ela ainda

afirma haver três mortes possíveis nesse ambiente: o indivíduo mata; ou ele se mata;

ou ele morre, seja física, seja simbolicamente.

Silvia e Brandi (2014), ao comentar o poema “A Casa dos Mortos” –

mediante testemunho de “Bubu”, um dos internos do Hospital de Custódia da Bahia –

que serve de mote para o filme de Diniz, mostram que, nos manicômios judiciários,

“sobrevêm às mortes sem batidas de sino, ou seja, as mortes daquelas pessoas que

não merecem condolências”. (idem, p.23)

Atualmente, percebe-se que ainda existem traços desse ambiente

segregador e estigmatizante materializado nas instituições. O AGP 15 afirma que “a

gente trabalha com o que a mídia chama de lixo da sociedade, são pessoas

analfabetas ou semianalfabetas, nível de escolaridade muito baixo, na sua maioria

viveu sempre na pobreza, nas drogas, da prostituição.” (AGP 15, em: 27 de março de

2018).

Conforme nos alerta Foucault (1961, p. 69), o controle da sociedade sobre

os indivíduos começa no corpo. O corpo é uma realidade biopolítica, “o controle da

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sociedade sobre os indivíduos não se efetua somente pela consciência ou pela

ideologia, mas também no corpo e com o corpo.” Percebe-se que esse controle dos

corpos, tanto nos asilos e hospitais psiquiátricos como nas prisões e nos hospitais de

custódia, ainda está presente, hoje, no cenário do país, perpassando também pelo

contexto atual do judiciário sobre a medida de segurança.

Para além da relação de poder existente, temos, historicamente, a

presença de forte segregação social vislumbrada nas afirmativas de Resende (1990)

e Engel (2001) quando se referem a essas instituições. Os autores também atentam

para a função segregadora que sempre existiu, desde o início das funções primordiais

do pretenso tratamento asilar, nos primeiros hospícios destinados a tratamento de

doentes mentais; porém, outras funções se constituiriam a partir da pedra angular já

fixada no decorrer do tempo.

Cabe ressaltar que a função segregadora, presente nos discursos dos

autores, se materializa nos hospitais psiquiátricos e nos manicômios que Amarante

(1987), Pitta (2001) e Paim (2000) discutem em seus estudos. A exclusão social dentro

desses espaços, as constantes negligências e as violências vivenciadas por

indivíduos classificados como não detentores de razão durante muito tempo eram

impostas de forma hegemônica.

A idealização de tratamento em saúde mental em espaço que reproduz

exclusão e adoecimentos é uma realidade historicamente ineficiente, adoecedora e

reprodutora de violações de direitos. As prisões como ideário de ressocialização de

indivíduos por si já mostra sua ineficiência e quando associada a um espaço que se

propõem custodiar pessoas que estão cumprindo medida de segurança e que

possuem transtornos mentais radicaliza a concepção de instituição manicomial e

prisão.

É necessário compreender que cada pessoa possui uma trajetória de vida

e que não se reduz ao crime ou ao sofrimento, e que o conceito de periculosidade é

uma das maiores expressões de violações institucionais de direitos humanos como

bem reflete Brisset (2009), caminha na contramão nos conceitos e práticas atuais de

cuidado em saúde mental e mostra o quanto o controle disciplinar do Estado sobre as

expressões da questão social se mantem atual.

As práticas atuais de atenção e cuidado em saúde mental têm raízes no

processo de redemocratização, a partir das contribuições de diferentes atores sociais

que deram novas possibilidades de olhares para essa área, que outrora centrava-se

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no modelo biomédico, em concepções hospitalocêntricas, com ampla medicalização

e exclusão social como formas de tratamento.

Amarante (1995) aborda a conceituação de reforma psiquiátrica brasileira

como um processo inovador, de quebra dos paradigmas da psiquiatria e

transformação do seu modelo clássico através de propostas e questionamento para

um olhar além do institucional, sua visão é direcionada para a desinstitucionalização

percebendo-a em seu processo histórico, político e social. Foi desencadeada com

grande participação popular nos movimentos de lutas por democracia e mudanças

que problematizaram as organizações governamentais, as condições de saúde e

melhorias nas condições de vida, em meio a esse contexto existiu grande

fortalecimento dos movimentos sociais.

O estigma, preconceito e discriminação historicamente associados à

loucura deram a ela o lugar da exclusão, do aprisionamento, do confinamento e da

improdutividade. De acordo com reflexões de Gama (2015), a loucura torna-se

problemática social a partir do advento da ordem burguesa que lhe confere o título de

inutilidade social, passando a ser rejeitada. Foucault (1987), já trazia em suas

afirmações que as internações assumiram em seus primórdios uma medida

econômica e de precaução social, com valor de intervenção, na qual a loucura assume

outro significado diferente da Idade Média, em que era concebida como algo místico.

Com o advento da burguesia a loucura passa a significar a incapacidade para o

trabalho, impossibilidade de integrar-se em grupo e a improdutividade.

A loucura enquanto construção social sofre modificações, entretanto, o

lugar da improdutividade, da exclusão e da não participação nos espaços coletivos

ainda é presente na atualidade. O tratamento em espaço territorial no qual usuários

de diferentes serviços substitutivos que compõem a Rede de Atenção Psicossocial do

território em que residem, junto a dinamicidade das relações intersetoriais entre as

diferentes políticas públicas desse território possibilita o acesso, a participação, a

autonomia, o protagonismo e o convívio desses sujeitos com dispositivos de

assistência, possibilitando a ampliação e/ou construção da rede de apoio de cuidado,

que outrora era restrito ao espaço hospitalar/manicomial.

A Reforma Psiquiátrica priorizou o atendimento público à população,

objetivando garantir o acesso aos serviços e o respeito aos direitos e liberdade de

todos aqueles que necessitasse desta demanda, buscando reestruturar a assistência

com promoção a saúde mental e serviços em âmbito comunitário e familiar.

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Em 1989, surge o projeto Lei do deputado Paulo Delgado (PT/MG), um ano

após a criação do SUS, apenas em 2001 esse projeto lei foi aprovado, passados 12

anos em tramitação no Congresso Nacional, ficando regulamentado como Lei Federal

10.216 (2001). Tem como objetivo a regulamentação dos direitos sociais aos sujeitos

que possuem adoecimento mental e uma progressiva extinção dos hospícios no

Brasil. Diante disso, são colocados em discussão os conceitos intrínsecos à política

de internação compulsória de loucos infratores, tais como: inimputabilidade, medida

de segurança, periculosidade, entre outros temas não aprofundados na Reforma

Psiquiátrica.

Carrara (2010) afirma que, com as novas diretrizes do Plano Nacional de

Saúde para o Sistema Penitenciário, se inicia uma nova etapa na Reforma Psiquiátrica

com a inclusão dos fundamentos teórico-práticos dos HCTP na pauta das discussões.

As repercussões das aprovações legislativas são inúmeras e decorrem da integração

dos HCTP às diretrizes gerais da reforma psiquiátrica, que redireciona a assistência a

pessoa em sofrimento que cometeu ato que infringiu o sistema de legislação vigente.

Dentre essas medidas, está a extinção do HCTP.

A Resolução Nº 113 (2010) e a Recomendação nº 35 de (2011) do

Conselho Nacional de Justiça normatizam a implantação de políticas antimanicomiais

da Lei 10.216 nas medidas de segurança. Contudo, Figueirêdo, Delevati e Tavares

(2014) apontam que há uma grande resistência à adesão destes princípios pelos

juristas que ainda se pautam em terminologias técnico-científicas já ultrapassadas,

como a noção de periculosidade, e centralizam suas decisões na internação em

HCTP, baseados em legislações de medida de segurança vigente desde a década de

1940, silenciando, desta forma, novas possibilidades de práticas jurídicas neste

campo.

Em outra resolução, a de nº 4, o Conselho Nacional de Política Criminal e

Penitenciária (BRASIL, 2010) detalha os procedimentos antimanicomiais na prática

judiciária e prevê a substituição dos últimos manicômios existentes, estipulando, com

base na resolução, o prazo de dez anos para a substituição do modelo manicomial do

cumprimento da medida de segurança para o modelo antimanicomial. Em 2011, o

Conselho Nacional de Justiça forma um grupo de trabalho para fiscalização e

acompanhamento da execução da medida de segurança (Brasil, 2011).

Carrara (2010) reflete, em seus estudos, que a efetivação plena da

proposta de extinção dos HCTPs no Brasil deverá contar com a formação e

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capacitação dos profissionais da área da saúde e da área jurídica para atuarem no

campo da atenção psicossocial.

Pelbart (1993) atenta para o fato de que é preciso inicialmente desconstruir

o manicômio mental, que confina o imaginário acerca da loucura na desrazão, na

periculosidade, na legitimação da lógica da institucionalização, entre outras práticas

conservadoras. Também diz ser necessário superar as dificuldades do modelo, ainda

presente no manicômio judiciário, que impede a sua extinção. Outro grande desafio é

a longa permanência pela prorrogação contínua das medidas de segurança, como as

falhas na Rede de Atenção Psicossocial na efetivação da desinstitucionalização.

O cenário atual revela que a medida de segurança e a periculosidade são

os pilares sustentadores da internação compulsória de sujeitos em sofrimento que

cometeram atos ditos ilegais no bojo de mudanças jurídicas inadiáveis (SANTOS,

FARIAS, PINTO, 2015). De acordo com o Censo realizado em 2011, A custódia e o

tratamento psiquiátrico no Brasil, um em cada quatro indivíduos em medida de

segurança não deveria estar internado e 21% da população encarcerada cumpre pena

além do tempo previsto.

De acordo com os dados do Censo (2011) sobre o estado do Ceará, o

Instituto Psiquiátrico Governador Stênio Gomes – IPGSG, no ano da pesquisa,

representava “a décima terceira unidade em população dos Hospitais de Custódia e

Tratamento Psiquiátrico (HCTPs) e das Alas de Tratamento Psiquiátrico (ATPs), o que

correspondia a 3% da população dos 26 Estabelecimentos de Custódia e Tratamento

Psiquiátrico do país e a 11% das pessoas internadas da Região Nordeste”. (idem,

p.94)

O Censo retrata uma informação que traz à tona a discussão aqui proferida:

pelo menos 44% dos indivíduos em medida de segurança não deveriam estar presos

por cumprirem medida de segurança, uma vez que: estavam com a “periculosidade”

cessada; tinham sentença de desinternação; já havia sido extinta a medida de

segurança; ou ainda pela internação ter acontecido sem processo judicial.

No I Seminário de Prevenção e Combate à Tortura (2018) realizado na

cidade de Fortaleza - CE, Márcia Lustosa, representante do Fórum Cearense de Luta

Antimanicomial no evento, apresentou alguns dados do relatório construído a partir de

uma visita técnica ao Instituto Psiquiátrico Governador Stênio Gomes a pedido do

Ministério Público do Estado do Ceará em 2017. A visita identificou 104 pessoas

internadas, dentre elas, 38 cumprindo medida de segurança, com casos de internação

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há 17 anos na instituição; 15 pessoas em tratamento, com duração entre 2 meses à 8

anos; 32 esperando laudo pericial e 2 pessoas em internação compulsória.

A precariedade da estrutura física da instituição também foi apresentada no

evento. Durante a visita foi identificado ambiente insalubre, com problemas de

instalação elétrica e abastecimento de água, celas sem colchões e ambiente pouco

higienizado.

A desinstitucionalização foi abordada nos dados apresentados no

Seminário, atualmente existem cinco pessoas acompanhadas no processo de

desinternação, entre elas, uma com 29 anos de internação no Instituto. Entretanto,

mesmo iniciado o processo de desinstitucionalização existem dificuldades para a

inserção dessas pessoas na Rede de Atenção Psicossocial dos seus municípios de

origem. Márcia Lustosa (2018) afirma que é necessário maior suporte do Estado para

intervenção nesse contexto, necessitando maior efetividade das políticas públicas

para viabilização do tratamento das pessoas em processo de desinternação e retorno

à comunidade, com garantia de atendimento integral da Rede de Atenção

Psicossocial.

Em face de tal realidade, os agentes penitenciários, ao abordar a

desinstitucionalização do Instituto Stênio Gomes, afirmam que

Isso não é viável, porque uma pessoa que tem conhecimento da doença, do problema, quando sabe que o ato foi cometido pela doença, reconhece e até que aceita. Mas tem muitas famílias pobres e que não tem entendem que existe a doença por traz do crime e falam que é “senvergonhice”, que fez por que quis, que está se fazendo de doido. Acho que o que vai acontecer é o que já aconteceu no manicômio mesmo, família não aguenta e devolve para lá novamente. Teve um interno que voltou, o Aristeu. O Aristeu era totalmente fora do tempo, do espaço, de tudo, ele voltou por que disseram que ele roubou um celular, mentira. Não tem como, ele não teria discernimento de fazer isso, a família arranjou uma desculpa para trazê-lo de volta (AGP 14, em: 16 de junho de 2017).

O AGP 13 diz ter muitos internos “que não têm visita da família. A maior

parte dos casos são atos cometidos contra suas famílias, mataram pai, mãe, e por

causa disso a família rejeitava e não ia” (AGP 13, em: 13 de fevereiro de 2018).

Afirmam não acreditar no sucesso do processo de desinstitucionalização, mesmo já

conhecendo, mediante leituras, experiências exitosas, como o caso de Minas Gerais,

com o Programa de Atenção Integral ao Paciente Judiciário Portador de Sofrimento

Mental (PAI-PJ); e o Programa de Atenção Integral ao Louco Infrator (PAILI), em

Goiás.

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Com base nessas experiências exitosas nos dois estados citados, o Comitê

Cearense de Combate à Tortura, guiado pelo Ministério Público do Estado do Ceará,

vem desenvolvendo estratégias para executar esses programas no Instituto

Psiquiátrico Governador Stênio Gomes, cujo intuito é a mudança na forma de cuidado

e de cumprimento de pena, direcionando o tratamento na comunidade. Entretanto,

percebe-se ainda uma fragilidade dessa discussão com os profissionais que atuam no

Instituto.

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4 TRABALHO E SAÚDE EM AMBIENTE MANICOMIAL: OS OLHARES DOS

AGENTES PENITENCIÁRIOS A PARTIR DAS VIVÊNCIAS NO SISTEMA

PENITENCIÁRIO

Pensar a saúde dos profissionais que atuam no sistema penitenciário

perpassa pelo direcionamento conceitual de saúde. É necessário, no entanto, situar

que essa discussão é conduzida pelo conceito ampliado de saúde, ou seja, que se

distancia da centralidade do campo biológico e passa a ser percebida juntamente com

os aspectos econômicos, sociais, históricos, culturais, políticos, afetivos, e com as

relações sociais existentes no cotidiano de vida.

O conceito de saúde passou por modificações ao longo do tempo, tendo

seu conceito ampliado e pensado por diferentes atores sociais. Estudantes,

pesquisadores, a população em geral e profissionais da área de saúde, por meio de

discussões desencadeadas historicamente desde a Reforma Sanitária e Psiquiátrica,

a Conferência de Alma Ata, a VIII Conferência Nacional da Saúde, a Constituição

Federal de 1988 até os dias atuais, com outros momentos que conduziram e

inspiraram reflexões acerca de fatores que determinam, agravam, afetam e

constituem a saúde em seu aspecto integral.

Reis (1999) aborda o processo saúde-doença-cuidado interligado às

análises subjetivas e objetivas no cotidiano de vida de indivíduos, compreendendo,

em seus estudos, que essa análise está diretamente associada aos determinantes

sociais da saúde, principalmente no que se refere às condições de vida e trabalho da

população.

As condições materiais de vida e de trabalho que os indivíduos e grupos

ocupam estão intimamente entrelaçadas com a saúde, tornando-se constantes

discussões e objeto de estudos acerca do bem-estar de trabalhadores nos seus

diferentes postos de trabalho. Os fatores de risco psicossociais do trabalho também

são temas centrais nessa discussão, por serem considerados como variáveis que

interferem na saúde dos indivíduos por meio de processos psicológicos e fisiológicos.

Os riscos psicossociais no trabalho resultam da interação entre o indivíduo,

as suas condições de vida e de trabalho. A Organização Internacional do Trabalho –

OIT (2007) aponta os seguintes riscos psicossociais: sobrecarga do horário do

trabalhador, sobrecarga de trabalho mental e físico, monotonia, burnout, assédio

moral, violência, insegurança no emprego e stress. Como consequência da exposição

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a estes riscos, pode-se apontar: acidentes de trabalho, absentismo, doenças

cardiovasculares, ansiedade, depressão, stress, deterioração do ambiente social no

trabalho, decréscimo da produtividade e qualidade do trabalho.

Diante do exposto, compreende-se ser necessário o debate sobre as

relações que se estabelecem entre os processos de trabalho e de saúde dos

profissionais. E, partindo da compreensão das experiências vivenciadas no ambiente

de trabalho, das formas de contratação, da quantidade excessiva de tempo que as

atividades de trabalho ocupam no cotidiano de vida de um indivíduo, das percepções

e sentidos desse trabalho, das relações entre os sujeitos que fazem parte desse

espaço ocupacional, bem como da organização, remuneração, relações de poder que

estabelecem os fluxos do processo de trabalho, depreende-se que são fatores

relevantes que estão ligados diretamente ao profissional e, portanto, à saúde deles.

Assim, em meio ao exposto acerca do contexto saúde e trabalho, pretende-

se dialogar durante esse capítulo com o cenário das relações trabalhistas

contemporâneas no ambiente manicomial. Os diferentes cenários de trabalho que se

apresentam atualmente se encontram gestados pela lógica majoritariamente

neoliberal presente no capitalismo. Segundo Antunes (2011) (1999), Harvey (1987),

Netto (2001), o trabalho é concebido com forte presença da reestruturação produtiva,

precarização das formas de contratação, flexibilização dos vínculos trabalhistas,

remuneração mínima, ambiente de trabalho segmentado, acordos firmados pelo

Estado de forma desigual para com a classe trabalhadora, liofilização organizacional

e acumulação flexível. Nesse cenário, encontra-se a exclusão da grande parcela de

pessoas do mercado de trabalho que vive à margem do desemprego ou subemprego.

O trabalho de agentes de segurança penitenciária está imerso nessa lógica,

entretanto, possui algumas singularidades no campo empírico da pesquisa com

ramificações em todo o sistema penitenciário cearense.

Ancorados na Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da

Trabalhadora – PNST (2012), que apresenta em seu texto a necessidade de priorizar

ações em saúde com trabalhadores em situação de maior vulnerabilidade, como

aqueles inseridos em atividades precárias de trabalho de maior risco para saúde,

propõe-se aqui compreender a saúde de agentes penitenciários com base no cenário

cearense por intermédio dos olhares e falas dos agentes penitenciários que atuam no

Instituto Psiquiátrico Governador Stênio Gomes, uma vez que estão imersos nesse

contexto de trabalho adoecedor e insalubre, nos diferentes espaços prisionais do país,

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segundo pesquisas recentes realizadas por Lourenço (2010), Moraes (2015) e

Ferreira (2016).

4.1 PERFIL GERAL DOS AGENTES PENITENCIÁRIOS DO INSTITUTO

PSIQUIÁTRICO GOVERNADO STÊNIO GOMES

Os agentes penitenciários que atuam no Instituto Psiquiátrico Governado

Stênio Gomes apresentaram, durante a coleta de dados realizada com a ajuda do

Questionário Copenhagen Psychosocial Questionnaire – COPSOQ Médio e roteiro de

entrevista, variáveis socioeconômicas que tornaram possível identificar algumas

características para construção dos dados representados na tabela 1 (um) e 2 (dois),

possibilitando, assim, a construção do perfil desses profissionais.

Tabela 01 – Distribuição dos profissionais do Instituto Psiquiátrico Governador Stênio

Gomes de acordo com as variáveis socioeconômicas.

Idade (2018) (n=17) Nº % (média +/- desvio padrão)

29-39 6 35,4%

40-45 6 35,4%

52-58 5 29,5%

Sexo (n=17)

Feminino 0 -

Masculino 17 100%

Escolaridade (n=17)

2º grau/técnico 2 11,8%

Superior incompleto 2 11,8%

Superior completo 13 76,5%

Formação (n=13)

Graduação em Direito 4 23,5%

Pós graduação em Segurança Pública 1 5,9%

Graduação em História e Geografia 2 11,8%

Graduação em Letras e Pedagogia 2 11,8%

Graduação em Administração e Recursos Humanos 3 17,7%

Graduação em Marketing Digital 1 5,9%

Com quem reside (n=17)

Cônjuge/Companheiro 14 82,4%

Pais 1 5,9%

Sozinho 2 11,8%

Nº de filhos (n=17)

0 6 35,3%

1 9 52,2%

2 2 11,8%

3 a 4 1 6,5%

Nº de Filhos <7 anos (n=17)

0 12 70,6%

1 5 29,4%

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Tempo que trabalha no Instituto (n=17)

1 ano 8 47,1%

1-2 anos 5 29,4%

3-5 anos 3 17,6%

5-10 anos 1 5,9%

Fonte: Elaborada pela autora.

Analisando a Tabela 1, nota-se a predominância de agentes

penitenciários com idade entre 29-39 e 40-45 anos, totalizando 70,8% da amostra;

29,5% dos profissionais estão com 52-58 anos em fase próxima à aposentadoria. A

média da faixa etária de idades dos entrevistados é de 42 anos, com 10,50 de desvio

padrão.

No que se refere ao sexo, 100% dos profissionais são homens. Predomina-

se esta característica pelo fato de o Instituto Psiquiátrico Governador Stênio Gomes

ser uma instituição voltada para o público masculino. De acordo com Taets (2012), a

profissão possui predomínio histórico da figura masculina em sua composição, pois a

divisão das unidades prisionais é realizada pelo critério de sexo, havendo, no estado

do Ceará, predominância de unidades masculinas, em que os agentes penitenciários

que atuam nesses locais são homens. A predominância do sexo masculino nessa

pesquisa assemelha-se aos resultados de outros estudos realizados recentemente

com agentes penitenciários no Brasil (LOURENÇO, 2010) e na França (BOUDHOUKA

et al., 2015).

De acordo com a pesquisa realizada pelo Levantamento Nacional de

Informações Penitenciárias – INFOPEN (2014), existiam, no período da divulgação

dos dados, 45.619 agentes penitenciários atuando no sistema penitenciário brasileiro,

dentre eles, 36.114 do sexo masculino e 9.505 feminino. Ferreira (2016), em pesquisa

realizada com agentes penitenciários do sexo feminino no âmbito nacional, confirma

essa tendência majoritariamente masculina da profissão no cenário cearense ao

afirmar que existe baixo quantitativo de agentes penitenciários do sexo feminino, hoje,

no estado.

A situação da escolaridade predominante é de 76,5% dos profissionais

com ensino superior completo e com formação em diferentes cursos de graduação e

pós-graduação, entretanto, existe uma prevalência entre os cursos de Direito, com

23,5%, seguidos dos cursos de História, Geografia, Pedagogia e Letra. Quando

questionados sobre a escolha da graduação em Direito, afirmam ser uma forma de

conhecer sobre a legislação penitenciária e por ter, na grade curricular do curso,

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disciplinas que são recorrentes nos editais dos concursos públicos atuais para os

quais pretendem se candidatar.

No que se refere à situação conjugal, 82,4% dos profissionais afirmam ser

casados e residirem com seus cônjuges; 70,5% possuem filhos; dentre eles, 52,2%

têm um filho que, em sua maioria, está acima de sete anos de idade (70,6%).

Os profissionais estão, em sua maioria, 47,1%, há um ano no Instituto

Psiquiátrico Governador Stênio Gomes, seguidos de 1-2 anos de tempo de atuação,

com 29,4%. Dentre as falas dos entrevistados, há relatos da existência de rotatividade

no trabalho do Instituto. Ainda segundo eles, existe uma relação direta com indicações

e trocas nas alocações dos agentes penitenciários, tornando-se persistentes

informações que abordam ser poucos os que permanecem na instituição por muitos

anos.

Durante a aplicação dos questionários e a realização das entrevistas, os

agentes penitenciários mencionaram os locais que atuaram antes de chegar ao

Instituto Psiquiátrico Governador Stênio Gomes. Os dados foram redigidos na tabela

02.

Tabela 02- Tempo e locais de atuação de agentes penitenciários que antecederam o

trabalho no Instituto Psiquiátrico Governador Stênio Gomes

Fonte: Elaborado pela autora.

Profissionais (n=14)

Tempo de atuação

no Sistema

Penitenciário

IPPOO I*

IPPOO 2*

Unidade

Prisional

Irmã Imelda Lima Ponte

s

Cadeias

Públicas

CPPL 2*

CPPL 3*

UPDAOBL*

PIRS*

IPPS*

Sejus*

IPF*

AGP 1 20 anos X X

AGP 2 13 anos X X

AGP 3 05 anos X X X

AGP 4 10 anos X X X

AGP 5 10 anos X X X

AGP 6 20 anos X X

AGP 7 32 anos X X

AGP 8 20 anos X X X

AGP 9 10 anos X

AGP 10 10 anos X

AGP 11 10 anos X X X

AGP 12 05 anos X

AGP 13 15 anos X X

AGP 14 10 anos X X

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A tabela 2 demonstra, de forma detalhada, a quantidade de tempo que cada

interlocutor dessa pesquisa tem no sistema penitenciário cearense, com maior

prevalência de profissionais com 10-20 anos de atuação. Dentre as unidades

prisionais e instituições que compõem o sistema, as cadeias públicas e o IPPO 2 são

as em que mais ocorreram atuação dos agentes penitenciários antes de iniciar suas

atividades no Instituto pesquisado.

4.1.1 “Tem que ter sangue no olho, porque não é para qualquer um não”: o

trabalho de agentes penitenciários no Instituto Psiquiátrico Governado Stênio

Gomes

É necessário obedecer às normas daqui, ter preparo físico para aguentar as escalas que às vezes dobram e ter sangue no olho, porque não é para qualquer um não (AGP 15, em: 27 de março de 2018).

Essa fala foi dita por muitos Agentes Penitenciários – AGPS4 durante as

entrevistas, mudando, por vezes, algum vocabulário ou ficando evidente nas

entrelinhas de cada compartilhamento de experiência profissional no sistema

penitenciário. Nas falas estão presentes muitas características e sentimentos que

permeiam essa atuação: as normas, que direcionam as condutas e a organização dos

processos de trabalho; o preparo físico, que é exigido aos AGPS desde que se tornam

candidatos às vagas (um dos critérios das últimas formas de contratação); e as

escalas, que dividem e estabelecem a organização das equipes e dos plantões

realizados pelos profissionais.

A expressão “ter sangue no olho” e a afirmação de que a profissão não é

para qualquer pessoa, dita pelo AGP 15, é recorrente entre as falas proferidas por

agentes penitenciários que atuam em diferentes cenários de trabalho. Pesquisas

realizadas por Moraes (2015) e Lourenço (2010) com agentes penitenciários que

atuam em presídios identificaram que os agentes compreendem que nem todas as

pessoas estão aptas a exercer essa profissão.

Para alguns AGPS do Instituto Psiquiátrico Governador Stênio Gomes, é

necessário privar-se de sentimentos, demonstrar ter força e garra em seu trabalho,

fazer com que a disciplina e a ordem sejam estabelecidas e naturalizar um cenário de

4 Agente penitenciário é a forma como esses profissionais são conhecidos e denominados no seu ambiente de trabalho no cenário cearense. Entretanto, a nominação formal do cargo é “Agente de Segurança Penitenciário”. Durante a pesquisa, foi percebido que são várias as formas de tratamento para denominar a profissão, tais como: carcereiro, guarda, agente. Adotamos a denominação Agente Penitenciário - AGP, pois compreendemos ser a forma que os sujeitos que participaram da pesquisa se reconhecem.

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prática profissional que, inicialmente, causou surpresas, medos, aflições e angústias.

Porém, com o passar dos anos, como estratégia para exercer o que a função de

agente penitenciário requer, observando as orientações normativas e sociais, fez-se

necessário mudar as percepções sobre o aprisionamento e as relações de trabalho.

Essas mudanças vão de encontro com o que Lourenço (2010) denomina

de dores do aprisionamento. Segundo o autor, os profissionais sofrem privações no

interior dos muros, desde não poderem expressar seus sentimentos até não ter

liberdade de atuação. Diante de tais restrições, os agentes passam a procurar formas

de conviver nesse espaço por meio de “jeitinhos” para conseguir o que pretendem,

endurecendo, assim, suas relações, diminuindo sua sensibilidade com os sujeitos que

dividem a mesma realidade ocupacional e afastando-se do relacionamento com a

pessoa que está privada de liberdade. Entretanto, Lourenço acrescenta que as dores

do aprisionamento persistem fora do espaço ocupacional, pois ela é percebida

intramuros e extramuros, o que se torna evidente com as restrições que os agentes

penitenciários precisam fazer sobre suas escolhas de espaço de lazer, de mudança

na forma de se comportar e conviver socialmente e no medo da violência no ambiente

de trabalho.

Chies (2001), um dos pesquisadores em Ciências Sociais, pioneiro nos

estudos com agentes penitenciários, relata, em sua pesquisa realizada com a

categoria no estado do Rio Grande do Sul, que a vivência cotidiana em ambiente

prisional causa nos agentes penitenciários o que ele denomina ser um processo de

prisionização. O AGP, convivendo com os diferentes sujeitos que estão cumprindo

pena nas unidades do sistema, tem seu comportamento afetado.

O que Chies e Lourenço trouxeram em suas pesquisas, Goffman (1985) já

discutia, em seus estudos, sob a ótica da instituição e das forças que nela atuam, o

processo que denominou de institucionalização, assim como seus efeitos nos

indivíduos institucionalizados, trazendo à discussão o processo de mortificação do eu

e a construção do novo eu por meio do adestramento demandado institucionalmente,

do controle do comportamento, do corpo e das atitudes. Essa demanda institucional

de apreender o espaço do aprisionamento e de socialização do universo prisional é

posta tanto aos internos como aos agentes, pois, de acordo com Moraes (2015), os

agentes penitenciários necessitam entender a dinâmica da prisão, já que podem

depender disto para sua própria sobrevivência, sobretudo para manutenção da ordem.

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Esse cenário de instituição total5 e a caracterização histórica da profissão

não desencadearam muitas pesquisas relacionadas aos agentes penitenciários,

quando comparados ao número de estudos realizados com pessoas privadas de

liberdade no cenário do sistema penitenciário brasileiro. Além desse aspecto,

percebe-se uma relação conflituosa entre pesquisa em ambiente prisional e agente

penitenciário. Kauffman (1988, p. 271) contempla essa afirmação quando diz que,

“infelizmente, nem todos os pesquisadores que estudam os presos têm se esforçado

para manter uma relação cordial com os agentes penitenciários”.

Os agentes penitenciários do Instituto identificam em suas narrativas pouca

presença de pesquisas na área, apenas dois dos entrevistados afirmam terem

participado de pesquisa sobre sua atuação, entretanto, nunca souberam os resultados

da mesma, não houve retorno do pesquisador após a coleta de dados.

Os agentes penitenciários possuem uma trajetória de atuação no sistema

penitenciário, poucos são os que, ao entrar na carreira, foram alocados diretamente

no Instituto sem que antes tenham atuado em outros espaços do sistema penitenciário

cearense, como detalhado no subcapítulo anterior. Entretanto, o que não foi

apresentado até então foram os caminhos e motivos que trouxeram os AGPS até a

instituição. Como os agentes penitenciários que atuam no Instituto chegaram nessa

instituição? Quais motivos os fizeram estar aqui?

Moça, fique logo sabendo os agentes que trabalham aqui chegaram por cinco motivos: ou porque tem um peixe grande que colocou ele aqui ou está doente principalmente psicologicamente, aqui tem muitos assim ou tem vício em drogas e não podem ficar em unidades que tem circulação da droga ou porque estão cumprindo pena administrativa ou estão aguardando os últimos anos para se aposentar, vem para cá porque é o local mais leve do sistema (AGP 17, em: 3 de março de 2018).

Dentre os 17 agentes penitenciários entrevistados durante a pesquisa, 13

falaram sobre como chegaram ao Instituto e sua trajetória profissional no sistema

penitenciário, sendo que apenas um deles foi alocado no início da carreira no Instituto,

enquanto os demais tiveram uma maior caminhada até a chegada na Instituição.

Dentre as falas, a que mais se repete é a de que eles foram alocados no Instituto

porque pediram e por atribuírem ao espaço a característica de ser calmo, onde as

pessoas privadas de liberdade não oferecem risco, além de ser baixo o número de

ameaças proferidas contra os agentes. Acrescentam ainda que, comparado a outras

5 Conceito fundamentado em Goffman, discutido no tópico sobre manicômio judiciário.

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unidades do sistema, o Instituto têm poucas pessoas cumprindo pena, o que torna

mais fácil o seu controle, gerando, assim, maior sentimento de segurança.

Eu assim que passei no concurso vim para cá, tinha um grande amigo na Sejus que me ajudou, pedi para ele me colocar no local mais de boa do sistema (AGP 12, em: 23 de março de 2018). Eu vim para cá porque me apresentei lá na Sejus e como tinha vaga aqui me colocaram para cá, eu não pedi. Não conhecia como era aqui, ainda bem que não pedi, por que talvez se eu tivesse pedido não teriam me colocado com certeza, por saber que é tão bom assim (AGP 3, em: 22 de fevereiro de 2018).

A maioria dos entrevistados afirmam que estão no Instituto por indicações

de pessoas que possuem influência nas alocações dos profissionais, falam também

não ser fácil conseguir uma vaga, pois é um dos espaços mais disputados do sistema

penitenciário cearense para atuar. Foram unânimes em dizer que, mesmo que fosse

proposto trabalhar em outros locais do sistema, prefeririam não sair e gostariam de

permanecer na Instituição.

Existem alguns AGPS que não chegaram ao Instituto porque escolheram.

O AGP 11 afirma: “eu estou aqui porque estou sendo responsabilizado pela fuga de

três presos do local que eu trabalhava, estou esperando a sentença, essa juíza tem

marcação comigo já é a segunda vez que passo por isso, vim para cá para esperar

esse processo” (em: 8 de fevereiro de 2018). Assim como o AGP 11, existem outros

agentes que apresentaram, em suas falas, que estão no Instituto porque tiveram

problemas com o uso de substâncias psicoativas, relatando ainda que foram alocados

nessa Instituição porque a oferta e o contato com as substâncias é menor.

Barbosa (2005), ao abordar em sua tese sobre os principais

funcionamentos e valores que informam a vida cotidiana aprisionada, problematizou

o universo prisional de forma ampla, mostrando que, entre os espaços de

aprisionamento e cumprimento de pena do sistema penitenciário, existe tanto a

circulação de substâncias psicoativas como a sua venda, bem como o monitoramento

sobre a circulação e o lucro obtido por detentos dentro das prisões.

Assim como existe o uso de substâncias entre os internos, os AGPS

afirmam existir também entre os profissionais, em que alguns fazem uso da substância

e outros fazem a intermediação de vendas e trocas entre os sujeitos que estão

privados de liberdade.

O Instituto Psiquiátrico Governador Stênio Gomes é uma instituição que

possui pessoas que estão privadas de liberdade e em sofrimento, alguns com

diagnósticos de transtornos mentais que as tornam inimputáveis de seus atos,

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estando sob medida de segurança. No entanto, os profissionais que atuam junto à

equipe de saúde da Instituição – os agentes penitenciários especificamente – não

tiveram quaisquer viés seletivo para o trabalho, predominando os “jeitinhos” e as

indicações de gestores historicamente presentes na trajetória da profissão.

Quando indagados sobre quais atividades desempenham na Instituição, os

agentes penitenciários afirmam:

Aqui a gente cuida da custódia dos presos, auxilia os enfermeiros na aplicação de medicação, dar suporte ao educador físico, fisioterapeuta, a recreadora, os médicos, esse pessoal que faz esses serviços sociais e tem uma faculdade que eu não lembro, psicologia também, atendimento, escolta às vezes, como a unidade não tem ambulatório completo a gente tem que levar à hospitais. Quando há o momento de crise a gente leva para o mental de Messejana (AGP 8, em: 3 de março de 2018).

Trabalho de 8 da manhã às 08h da manhã do outro dia, nós temos aqui atividades diversas, desse o atendimento de levar o paciente para o psicólogo, terapeuta ocupacional, o serviço social, isso aqui funciona muito bem, tem dias de visita, aqui é muito dinâmico, praticamente cada dia tem uma rotina, mas toda essa rotina nós já sabemos de “có e saltiado” como vai ser, ou o atendimento médico ou o dia de visita ou dia de recreação ou dia da terapeuta ocupacional, a alteração quando ocorre é quando tem algum problema nesse dia, o médico falta ou outro profissional aí é que não ocorre o atendimento (AGP 2, em: 8 de fevereiro de 2018).

Os AGP 8 e AGP 2 afirmam que a profissão tem como função atuar no

Instituto com objetivo de custodiar, conduzir as pessoas que estão privadas de

liberdade até suas consultas e atividades programadas, e ainda fazer a escolta. O

AGP 7 acrescenta dizendo: “eu faço a segurança dos pacientes, faço a segurança dos

meus superiores e só isso mesmo” (em: 28 de fevereiro de 2018). O AGP 5 reafirma

a fala do AGP 7 acrescentando que faz a segurança dos internos para manter a ordem

na instituição.

Por ser uma instituição psiquiátrica, é recorrente nos plantões realizados

pelos agentes penitenciários existir, com maior frequência, consultas e atendimentos

pela equipe de saúde, assim como a escolta a hospitais, principalmente o Hospital de

Saúde Mental Professor Frota Pinto por ele ser a referência utilizada pelo Instituto

sobre internações e emergências em saúde mental.

De acordo com a Classificação Brasileira de Ocupações – CBO, a profissão

está contida entre as profissões reconhecidas pelo Ministério do Trabalho. A CBO e o

Ministério do Trabalho a define como,

Vigiam dependências e áreas públicas e privadas com a finalidade de prevenir, controlar e combater delitos como porte ilícito de armas e munições e outras irregularidades; zelam pela segurança das pessoas, do patrimônio e pelo cumprimento das leis e regulamentos; recepcionam e controlam a movimentação de pessoas em áreas de acesso livre e restrito; fiscalizam

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pessoas, cargas e patrimônio; escoltam pessoas e mercadorias. Controlam objetos e cargas; vigiam parques e reservas florestais, combatendo inclusive focos de incêndio; vigiam presos. Comunicam-se via rádio ou telefone e prestam informações ao público e aos órgãos competentes (MINISTÉRIO DO TRABALHO, 2007, p. 23).

Os profissionais de segurança penitenciária não possuem regulamentação

federal da sua profissão na Constituição Federal vigente. O Art. nº 44 elenca o corpo

integrante da segurança pública nacional, entretanto, a categoria agente penitenciário

não é mencionada. Diante desse cenário, cada estado se responsabiliza pela

regulamentação da profissão pautada na Lei de Execução Penal – LEP (Lei nº 7.210

de 11 de julho de 1984).

A Lei Estadual Nº 14.582, de 21 de dezembro de 2009, foi criada para

redenominar a carreira de guarda penitenciário para agente penitenciário que integra

a carreira de segurança penitenciária. Porém, com as modificações da Lei Nº 14.966,

de 13 de julho de 2011, as atribuições do cargo de agente penitenciário foram

estabelecidas e se constituem em: fazer “atendimento, vigilância, custódia, guarda,

escolta, assistência e orientação de pessoas recolhidas aos estabelecimentos penais

estaduais”.

Santos (2010) conceitua o trabalho desempenhado pelo AGPS a partir de

um conjunto de atividades que afirma ser:

Cuidar da disciplina e segurança dos presos; fazer rondas periódicas; fiscalizar o trabalho e o comportamento da população carcerária; observar os regulamentos e as normas institucionais; providenciar assistência aos presos; informar às autoridades competentes sobre as ocorrências surgidas durante o seu período de trabalho; verificar as condições de limpeza e higiene das celas e instalações sanitárias de uso dos presos; deslocar o encarcerado da cela até os locais de atendimento como enfermarias e salas das equipes técnicas. (SANTOS, 2010, p.58)

No que se refere às orientações de atribuição de agentes penitenciários

que atuam em Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico, não há atribuições

específicas, a Lei de Execução Penal – LEP (1998) trata apenas a quem a instituição

se destina, explícito em seu Art. 99, aos inimputáveis e semi-imputáveis; e no Art. 100,

traz a obrigatoriedade do exame psiquiátrico e os demais exames necessários ao

tratamento de todos os internos; e finaliza com o art. 101, que expõe que o tratamento

ambulatorial deverá ser realizado no Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico

ou em outro local com dependência médica adequada.

Os agentes penitenciários que atuam no Instituto, quando questionados

sobre seu exercício na instituição, relatam que, ao chegar, não receberam capacitação

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ou direcionamentos para trabalhar. Inclusive, alguns trouxeram em suas falas que

tiveram a iniciativa de pedir ajuda e dicas a AGPS que já estavam em atividade há

mais tempo, e assim conseguiram exercer com mais segurança seus atos. Entretanto,

prevalece, nas narrativas, que não houve nenhum preparo para o trabalho no Instituto.

Nós somos os primeiros a chegar na hora do surto ou da indisciplina, adotamos um procedimento padrão de contenção, às vezes somos agredidos nesses momentos, por que eles estão fora de se, levamos todos nessa situação para sala de disciplina, lá eles vão ser tratados (AGP 3, em: 22 de fevereiro de 2018).

Ao mesmo tempo em que são os primeiros profissionais chamados a

vivenciar e conduzir o atendimento no momento de surto, segundo as falas dos AGP

3 e AGP 16, os agentes ainda não são capacitados para fazer essa conduta, pois não

recebem treinamento. O que existe é uma forma de contenção física reproduzida pela

maioria, mas que, segundo o AGP 3, foi sendo adquirida na vivência do trabalho: “a

gente sabe que não pode dar as costas para eles por que podem surtar e nos agredir,

sabemos disso por que quando chegamos pedimos as dicas de como fazer para os

agentes que estão aqui a mais tempo” (AGP 3, em: 22 de fevereiro de 2018).

Conhecer o local de trabalho e os fatores que o compõem é crucial para o

profissional que atua em todas as áreas. Nesse entendimento, surgem as

necessidades que levam a aperfeiçoar e modificar práticas padronizadas, como as

que são aprendidas nas formações que acontecem no início da carreira de agentes

penitenciários. No entanto, hospitais de custódia necessitam de procedimentos que

cooperem para o cuidado que é proposto nesse espaço. Segundo o AGP 3, não existe

alinhamento de práticas de condutas com os internos.

O conhecimento de condutas e procedimentos de trabalho é determinante

para o agente penitenciário em instituições psiquiátricas, pois repercute decisivamente

na vida dos sujeitos envolvidos no ato, no momento do surto, e, dependendo da forma

que é conduzido, pode acarretar muitas complicações no quadro de saúde da pessoa,

possibilitando inclusive sua morte.

O AGP 12 traz também em sua fala o que muitos agentes relataram nas

entrevistas: “nunca recebi nenhum curso ou capacitação para estar aqui lidando com

essas pessoas que estão adoecidas, de início foi bem difícil, me apoiei na equipe que

tinha pessoas já experientes que me ajudaram saber lidar” (em: 23 de março de 2018).

O AGP 7 acrescenta à discussão que a experiência na atuação como agente

penitenciário é essencial para atuar no Instituto.

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Aqui você tem que ter um pouco de experiência né para trabalhar com loucos, melhor ter uma experienciazinha para trabalhar com eles, é diferente trabalhar com eles e trabalhar com gente normal, agente não tem nenhum preparo para trabalhar com eles, o preparo aqui é só a experiência mesmo (AGP 7, em: 28 de fevereiro de 2018).

Santana e Alves (2015), em pesquisa realizada no Hospital de Custódia e

Tratamento Psiquiátrico em Minas Gerais – HCT com profissionais que atuavam na

instituição, identificou, na fala dos entrevistados, que não haviam qualquer tipo de

preparação para ingressar na instituição. Os participantes da pesquisa demonstraram

falta de conhecimento no início da prática profissional e ausência de capacitação ou

orientação sobre o trabalho a ser desenvolvido, assim como o desconhecimento dos

objetivos e da realidade do HCT. Segundo as autoras, houve, em sua pesquisa,

unanimidade entre as falas dos profissionais sobre a necessidade de cursos

preparatórios e treinamentos que tornassem possíveis ações de acordo com a

necessidade da instituição.

Fernandes et al. (2002), em pesquisa realizada com agentes penitenciários

que atuavam em penitenciária na cidade de Salvador, também destacaram a falta de

capacitação dos agentes penitenciários para atuarem nas instituições. Nessa

pesquisa, foi identificado, pelos autores, que a ausência da capacitação leva os

profissionais a utilizar recursos como a violência ou, então, ceder a ameaças e

tentativas de corrupção.

O direcionamento normativo da função de agente penitenciário e as

pesquisas em Instituições Psiquiátricas e Hospitais de Custódia demonstram que

esses profissionais não possuem orientações específicas para atuar na custódia de

pessoas que se encontram privada de liberdade que necessitam de tratamento em

saúde mental.

O AGP 1 (em: 5 de fevereiro de 2018) afirma que o trabalho no Instituto

engloba “o contato com os presos pelo fato de serem, posso dizer assim, presos

diferentes, por serem apenados que estão em tratamento”. O AGP 14 já traz um

tratamento diferente da maioria das falas dos agentes, ele diz:

Aqui a pessoa tem que ter um pouco de psicologia para entender, conversar, dialogar por que tudo aqui é na conversa, você conversa com eles, você pergunta como está o remédio, você chega segura, o médico dá o remédio, a gente conversa, interage com ele, é diferente de preso normal, que não tem problema mental (AGP 14, em: 26 de fevereiro).

Os agentes revelam, em suas falas, que há um contato mais direto com o

interno do Instituto e o interesse em conversar e interagir com essas pessoas que

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fazem morada na instituição. No entanto, esse comportamento se distancia da

realidade de trabalho de agentes penitenciários de modo geral, pois o que prevalece

entre as falas e os atos dos AGPS são o afastamento e os contatos pontuais com

internos com objetivos específicos.

Alguns agentes, como o AGP 1, AGP 14, AGP 3 e AGP 11, expõem a

necessidade de se ter um perfil de profissional específico para trabalhar no Instituto.

O AGP 11 afirma que os agentes devem entender “mais de cuidado, ser mais

humanitário, perfil mais de compreensão”; e o AGP 3 complementa: “trabalhamos

mais com pessoas enfermas, por que todos que estão cometeram crimes pela

condição de terem problemas mentais, então a gente tem lidar com eles tendo em

mente que ele são doentes mentais, não sabiam o que estavam fazendo” (em: 22 de

fevereiro de 2018).

A maneira de se pensar e a forma de atuação não é unanimidade entre os

agentes, pois alguns agentes declaram que trabalham de acordo com o que é

orientado nas normas de sua atuação. O AGP 5 relata, em sua fala, o pensamento de

uma parte expressiva dos agentes entrevistados.

Eu não sinto que o ambiente do manicômio altere meu trabalho, para mim é o mesmo tratamento deles serem especiais, por terem distúrbios psicológicos, mas para mim eles são presos como qualquer um eu tenho o mesmo tratamento, sempre colocando dentro da LEP garantindo sempre a harmonia dentro da unidade (AGP 5, em: 26 de fevereiro de 2018).

Apesar de falas recorrentes sobre manter a ordem, custodiar e disciplinar,

essas formas de atuação do agente penitenciário não são condizentes com os

objetivos do aprisionamento moderno, pois é a ressocialização dos apenados, em seu

processo de cumprimento de pena, um dos principais objetivos, além da punição de

acordo com a Lei de Execução Penal.

A Lei de Execução Penal – LEP, Lei nº 7.210 de 11 de julho de 1984, traz,

em seu texto, a punição, a disciplina e os espaços punitivos e elenca, em vários

artigos, os mecanismos de ressocialização que visam, pelo processo reeducativo,

pelo trabalho e pela profissionalização escolar, possibilitar aos indivíduos privados de

liberdade o retorno ao convívio social (NASCIMENTO, 2015).

As funções aqui você tem que ir de encontro com a ressocialização que é diferenciada das outras unidades por que é no quesito aqui das pessoas que tem problemas psíquicos ou que fazem tratamento por algum motivo, drogas bebidas ou alguma outra coisa, por algum vício que recebe esse tratamento especial diferente das outras unidades e vem para cá para se ressocializar. Executa serviço externo, como escolta para você devolver o interno quando ele ganha alta, que ele precisa deixar em casa com o responsável, nós fazemos escolta também nos hospitais, escolta é você ficar em prontidão,

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ficar durante 12 horas com atenção daquele interno, em qualquer canto que ele estiver, então nós fazemos esse tipo de serviço (AGP 11, em: 8 de fevereiro de 2018).

A ressocialização, evidenciada pelo AGP 11 no Instituto, deveria estar no

direcionamento central de todos os profissionais que atuam na instituição. A

institucionalização dos sujeitos que fazem morada no Instituto afeta seu tratamento,

propaga a exclusão social e anda na contramão da literatura e das políticas públicas

no campo da saúde mental.

Correia (2006) discute, em seus estudos, que o desprestígio presente na

categoria profissional de agente penitenciário é decorrente das críticas proferidas a

estes sobre a atuação deles a partir da execução penal, que nega a ressocialização e

as orientações de condutas com os internos das instituições.

O desprestígio, a invisibilidade e a imagem do carcereiro ligada à violência

no imaginário social é algo presente na atualidade. No entanto, nos últimos concursos

realizados pelo Governo do Estado do Ceará com a Secretaria da Justiça e Cidadania

– SEJUS, houve crescimento significativo no número de inscritos para o cargo. No

último concurso, realizado em 2017, se inscreveram 76.906, segundo dados da

Secretaria da Justiça e Cidadania do Estado divulgados no site oficial do Governo do

Estado do Ceará. Foram ofertadas no edital 850 vagas para candidatos do sexo

masculino e 150 para candidatos do sexo feminino.

De acordo com o edital, para concorrer à vaga de agente penitenciário, o

candidato precisava ter escolaridade mínima e ter concluído o ensino médio,

a) Ser brasileiro, ou gozar das prerrogativas dos Decretos Nº 70.391/72 e Nº 70.436/72; b) Ter idade mínima de 18 (dezoito) anos completos, no ato da nomeação; c) Estar em dia com as obrigações eleitorais e, se do sexo masculino, do Serviço Militar; d) Gozar de boa saúde física e mental atestada pela perícia médica admissional oficial; e) Possuir ilibada conduta pública e privada, comprovada documentalmente por certidões negativas e certidões de antecedentes criminais, demonstrando não estar o interessado respondendo a processo criminal ou ter sido indiciado criminalmente; f) Não ter sofrido condenação criminal com pena privativa de liberdade transitada em julgado ou qualquer condenação incompatível com o exercício do cargo pretendido; g) Não ter sido demitido do serviço público com a nota “a bem do serviço público”; h) Ter o nível de escolaridade correspondente ao ensino médio completo, ou curso profissionalizante de ensino médio, em instituição reconhecida pelo Ministério da Educação; i) Possuir aptidão para o cargo. (GOVERNO DO ESTADO DO CEARÁ, 2017)

A remuneração inicial bruta era de R$ 3.747,29 reais, já inclusa a

Gratificação de Atividades Especiais e de Risco – GAER, prevista na Lei Nº 16.102 do

ano de 2016, e o adicional noturno.

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Os critérios exigidos para quem vai exercer o cargo de agente penitenciário

estão mais específicos, como contratação por meio de concurso público; exigências

distintas da maioria dos concursos, especificando como critério, além dos

antecedentes criminais, uma investigação social e funcional que traz como requisito

essencial para o cargo atributos como: honra, respeitabilidade, seriedade, dignidade

e bons costumes. Colocando ainda em edital a necessidade de haver nos candidatos

idoneidade moral e de serem irrepreensíveis e inatacáveis.

Os critérios dos concursos públicos para agente penitenciário exigem um

tipo de perfil profissional que se deseja obter nos espaços ocupacionais do sistema

penitenciário dessa profissão. Esse perfil parte de um referencial que se deseja para

a categoria profissional. A figura do agente penitenciário está, historicamente, atrelada

às condutas “ilegais”, porém, o perfil de profissional irrepreensível e inatacável,

solicitado no edital do concurso, traz a responsabilização da estrutura degradante do

encarceramento para os agentes penitenciários, requerendo representações morais

de comportamento ditos como aceitáveis e descartando todo contexto multifacetado

de fatores que reverberam para a situação atual do aprisionamento e para as relações

de forças e poder provenientes do Estado para com as instituições.

Taets (2002) afirma que existe um esforço institucional para uma visão de

que o agente penitenciário seja radicalmente diferente do interno. A autora, no

entanto, problematiza que as escolhas dos agentes são feitas por meio de

experiências pessoais e institucionais.

Ao questionar alguns candidatos6 do último edital ao cargo de AGP sobre

a motivação que os levou a se inscreverem para o cargo, a maioria das respostas

afirmava que se devia à estabilidade financeira que o concurso proporcionava e à

aprovação temporária no sistema penitenciário para tentar outros concursos em

outras áreas. A maioria dos candidatos vislumbrava no concurso a chance de serem

empregados num momento em que o país se encontra com mais de 13,7 milhões de

pessoas desempregadas, segundo dados publicados do IBGE sobre os três primeiros

meses do ano de 2018, fruto dos desarranjos econômicos e estruturais acrescidos

desde 2015.

6 Essas indagações foram realizadas pela pesquisadora, de maneira informal, com 20 candidatos ao cargo de agente de segurança penitenciária que estavam matriculados em um cursinho preparatório para o concurso na cidade de Fortaleza.

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Os relatos dos candidatos ao cargo de agente penitenciário vão de

encontro com as falas dos agentes penitenciários que participaram da pesquisa

realizada por Taest (2002). Eles relatam, segundo a autora, e são unânimes em dizer

que a opção pela profissão foi motivada pela remuneração, não procuraram a

profissão por uma possível identificação, mas pelo interesse financeiro.

No cenário do Instituto, os AGPS afirmam ter optado pela profissão, em sua

maioria, pela remuneração, pela estabilidade do concurso público e pelo tempo de

trabalho semanal. O AGP 3 diz que optou pela profissão “porque nesse mundo onde

a gente um dia tem um trabalho e no outro não tem é melhor se garantir no concurso

público que tem um salário razoável” (em: 22 de fevereiro de 2018).

O AGP 2, em sua fala, afirma que os critérios para exercer a carreira não

foram sempre assim.

Antes da constituição de 88 era tudo por meio da canetada, mas depois nós tivemos concurso em 1995, 1998, 2005, 2007 e o último em 2017, houve também um período de terceirização das unidades, um período em que foi dividido os agentes estatutários e em regime de CLT, mas não foram todas (AGP 2, em: 08 de fevereiro de 2018).

Marx (1998) já trazia, em suas reflexões, as crises existentes no capitalismo

como inerentes ao desenvolvimento desse modelo, pois a produção capitalista

constrói barreiras para sua expansão. O capitalismo contemporâneo, pautado no

neoliberalismo, no estado mínimo, nas inovações tecnológicas e na

desterritorialização que vem tomando forma desde a década de 70, intensifica a busca

de lucro que cria períodos de destruição massiva das forças produtivas e ciclos de

prosperidade, e alternam-se historicamente (MOTA, 2013).

O desemprego predominante no cenário atual é fruto de inúmeros fatores,

mas, entre as falas da população, destaca-se: a motivação centrada na crise que o

país se encontra, uma das crises cíclicas do capital. Nesses momentos de crise,

impera-se o estado mínimo para as políticas sociais, a privatização das empresas e

propriedades públicas, a flexibilização das formas de contratação, demissões em

massa, aumento dos empregos informais e vulnerabilidade social.

No Instituto Psiquiátrico Governado Stênio Gomes, os agentes são todos

concursados, divididos em quatro equipes, numa média de 8 a 10 profissionais por

equipe. Um AGP atua como chefe de equipe – chefia imediata dos agentes – estando

estes subordinados ao chefe de segurança. Nas equipes, existem ainda os

profissionais que são denominados pelos AGPS como “os desvios de função”, ou seja,

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pessoas que fizeram concurso para os cargos administrativos no sistema penitenciário

e, segundo alguns entrevistados, pela baixa quantidade de AGPS, foram direcionados

para o cargo de agente penitenciário, exercendo a função há muitos anos, porém não

fazem escolta e nem porte de armas.

Aqui nós temos um pessoal que é os desvios de função, eles não são AGPS, eles são desvio de função, são de outros cargos que estão sendo usados como AGP, nessa equipe aqui que eu estou somos 5 AGP só, o resto é desvio de função. Isso torna as equipe com maior quantidade de gente, mas tem muita coisa para fazer (AGP 9, em: 22 de fevereiro de 2018).

Durante a pesquisa na Instituição, foi observado que muitos agentes

exercem, dentro do sistema penitenciário, a carreira administrativa, seja nas chefias

ou atuando em funções que não são as de agentes penitenciários. Paralelo a esse

fato, existe uma necessidade de AGPS para exercer suas funções em todos os

espaços de atuação no sistema e, por isso, alguns profissionais foram alocados para

suprir essa necessidade.

Os agentes penitenciários que atuam no Instituto trabalham em regime de

plantão de 24 horas trabalhadas por 72 horas de descanso. Nos plantões, as escalas

são organizadas por um agente da equipe, que também se encarrega das dinâmicas

de trabalho do dia.

A escala de revezamento que fazemos ao chegar no plantão sobre o que iremos fazer no dia é de responsabilidade de 1 AGP que faz essa escala, aqui na entrada onde ficamos é o corpo da guarda, é onde nos distribuímos nas escalas ficam 1 lá no pátio com eles por 2 horas,a cada 2 horas há trocas de quem fica lá, aí por exemplo, quem ficou de 8 às 10 horas nesse plantão no próximo fica de 10 às 12 no seguinte e assim sucessivamente, os demais agentes ficam alguns no corpo da guarda ou fazendo outras atividades, reversamos também, minha equipe tem 8 pessoas, mas depende do dia vamos nos distribuindo nas atividades. No período da noite da para a gente descansar um pouquinho, mas durante o dia a gente fica se reversando entre as outras atividades (AGP 2, em: 8 de fevereiro de 2018).

O plantão dos AGPS no Instituto possui organização semelhante entre

todas as quatro equipes de trabalho. Os agentes cumprem as escalas com supervisão

do chefe de segurança. Todos os agentes trouxeram, em suas falas, que não há

incidentes noturnos que os impeçam de descansar nos horários estipulados

individualmente. Relatam também que possuem uma hora de almoço, sendo este

fornecido pela instituição. E, a depender da movimentação do dia, conseguem

desenvolver suas atividades com mais tranquilidade, exceto nos dias de visita ou de

algum evento quando essa rotina é alterada.

Os AGPS que atuam no Instituto cumprem, em sua maioria, 60 horas

trabalhadas. Essas horas decorrem da soma de plantões realizados no mês, dentre

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os quais estão os plantões extras que os profissionais fazem para o aumento de seus

salários. Em entrevista realizada com o AGP 12, ele afirma que “quase todo mundo

aqui não trabalha só aqui, faz plantão em outros locais do sistema para aumentar a

renda, muitos tem família e necessita de outros meios para se sustentar” (em: 27 de

março de 2018)

Essa realidade de dois ou mais locais de trabalho é presente no contexto

dos agentes penitenciários no estado, pois muitos necessitam complementar sua

renda para se manter na profissão e custear suas necessidades. Este fato ocorre com

a maioria dos trabalhadores brasileiros que precisam garantir a sobrevivência frente

às flexibilizações das leis trabalhistas, da desigualdade existente entre salários e da

diminuição das ofertas de emprego.

A liofilização organizacional que Antunes (1995) aborda em suas

discussões é fruto de uma sociedade capitalista fundamentada nos preceitos que

promovem enxugamentos dos postos de trabalho. O trabalho humano é visto, dessa

forma, como mero reprodutor dos interesses do capital, numa lógica de diminuição do

trabalho vivo, mas sem querer eliminá-lo. Os efeitos da baixa contratação para cargos

geram: trabalhos precarizados nos diferentes ambientes ocupacionais; aumento de

atividades para um número menor de trabalhadores; falta de condições de realização

da atividade laboral pelo número reduzido de profissionais no cenário de trabalho;

diminuição das remunerações, que se asseguram no exército de reserva; e crescente

massa de desempregados, que precisam se submeter a esses salários para garantia

do trabalho.

O concurso público gera uma sensação de estabilidade financeira, visto

como uma das alternativas de trabalho mais cobiçada a ser alcançada. Porém, ainda

que na condição aparentemente estável e segura, possui fatores que devem ser

refletidos antes de identificar o servidor público como profissional que tem garantidos

seus direitos constitucionais, inclusive de trabalho.

O profissional, que deveria cumprir uma carga horária semanal para

garantir descanso, momentos de lazer e espaços além dos muros do Instituto, não foi

o encontrado nas falas dos AGPS. Lourenço (2010) afirma que há uma percepção

lúdica em relação ao tempo em que os AGPS passam na prisão, pois muitos

permanecem mais tempo encarcerados no ambiente prisional que os próprios

condenados.

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Esse regime de plantão é bom porque podemos trabalhar fazendo outros plantões para aumentar nossa renda, mas em compensação a gente não descansa como deveria. Eu me sinto muito cansado, às vezes chego para o plantão já exausto, mas penso que preciso fazer isso, porque a remuneração é baixa e tenho que pagar as contas (AGP 12, 03 de março de 2018).

O trabalho em regime de plantões pode, por vezes, parecer ser menos

dispendioso quanto ao tempo em relação ao trabalho diário de oito horas, como é mais

frequente entre os empregados regidos pela Consolidação das Leis Trabalhistas –

CLT. Porém, as doze horas seguidas de trabalho em ambiente fechado gera mais

cansaço, desgaste, sobrecarga de trabalho e maior quantidade de tempo em ambiente

de aprisionamento.

Chies (2008), em trabalho desenvolvido com profissionais que fazem parte

dos grupos na sociedade carcerária, afirma que a sobrecarga e acumulações de

trabalho tendem a provocar alterações da sociabilidade e o desenvolvimento de

doenças psicossomáticas. Entre os resultados dessa pesquisa, identificou-se que em

torno de 90% dos pesquisados declararam que, após começar a trabalhar no sistema

penitenciário, passaram a desconfiar mais das pessoas; 43,33% afirmaram ter mais

dificuldade em desenvolver amizades; e 50% manifestaram que desenvolveram

alguma doença e dores físicas no corpo depois do ingresso.

Os agentes penitenciários que atuam no Instituto relatam com frequência

que sentem insônia, acordam várias vezes durante o dia e não conseguem dormir

novamente. Atrelam esses fatores ao estresse e ao cansaço do trabalho em conjunto

com as condições desfavoráveis de desenvolvimento de suas funções nos diferentes

locais onde realizam seus plantões.

As falas dos agentes estão diretamente atreladas às condições precárias

de trabalho no que se refere a instrumentos, transporte, espaço e baixo número de

profissionais. É recorrente também nas falas a reclamação de que as estruturas físicas

não são adequadas para realizar o trabalho, já que as salas são utilizadas para

inúmeras atividades, como local do descanso e de trabalho do chefe de segurança.

Desde que eu aqui a gente nunca conseguiu uma viatura para cá, ai fica meio complicado, às vezes me parece que não tem muito interesse e aí eu estou até me policiando para colocar mais o pé no freio, por que aqui é assim: preso vem para cá, quem traz é o pessoal lá da unidade que ele esta ou a polícia, mas quem tem que levar é a gente, e aí às vezes a gente tem 5 ou 6 internos prontos para devolver e diminuir a nossa população e não tem viatura. Para a gente usar a viatura a gente precisa pedir uma da Sejus, mas não é toda hora que está disponível, às vezes tem um preso da unidade vizinha mas a gente não pode ir a pé, como não tem viatura o preso acaba ficando 15, 20 dias aqui. Está mais que na hora da gente ter nossa viatura para fazer esse tipo de serviço (AGP 4, em: 28 de fevereiro de 2018).

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Entre as atividades desenvolvidas pelos AGPS, existe a escolta para levar

os internos para as unidades prisionais de onde foram encaminhados. Esse

procedimento é realizado com frequência no Instituto e é motivado pelas solicitações

de avaliações psicológicas dos internos. No entanto, a instituição não possui veículo

próprio destinado à unidade para realização desse procedimento, ocasionando,

assim, desconforto entre os agentes e os internos que não necessitam passar mais

dias no Instituto e já poderiam retornar às suas unidades onde cumprem pena.

É comum nas falas dos AGPS, no que se refere às condições precárias de

trabalho e ao ambiente das unidades prisionais, enfatizarem sobre o número reduzido

do efetivo de profissionais de segurança no sistema penitenciário. O AGP 8 traz em

sua fala esse contexto.

Nosso problema maior no sistema é efetivo, nós não temos efetivos, mesmo com esse concurso agora com os que vão entrar ainda é muito pouco, melhora, mas não é o suficiente, nós precisaríamos no mínimo 10.000 agentes, nos somos hoje 2136 agentes, para uma população carcerária de

28.000 presos (AGP 8, em: 03 de março de 2018).

Em 2008, quando foi divulgado o Plano Diretor do Sistema Penitenciário do

Estado do Ceará, existiam apenas 609 AGPS efetivados. De acordo com o

documento, havia um deficit de 1.713 AGPS, pois se considerava que a quantidade

ideal de agentes seria de um agente para cada cinco presos. No entanto, hoje, temos

uma quantidade de aproximadamente 28 mil pessoas privadas de liberdade no

sistema penitenciário, com apenas 2.150 agentes em atividade, segundo dados

publicados no site do Sindicato dos Agentes e Servidores Públicos do Sistema

Penitenciário do Estado do Ceará (2018). Isso só mostra que é urgente a interferência

do Estado na situação atual que reverbera o cotidiano do trabalho em ambiente

encarcerado.

No Instituto Psiquiátrico Governador Stênio Gomes, até o mês de março,

existiam 120 internos com um quantitativo aproximado de 35 agentes penitenciários.

Conforme orientação do Plano Diretor do Sistema Penitenciário do Estado do Ceará,

o Instituto está com um quantitativo de AGPS ideal para seu funcionamento.

Entretanto, a fala que o AGP 8 traz é sobre a categoria profissional, pois, de acordo

com seu relato, e por já ter trabalhado no cargo de direção de uma unidade, percebe

que a superlotação carcerária é uma problemática recorrente na maioria das unidades

prisionais do Estado.

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Existe ainda dentre as falas dos entrevistados uma comparação entre as

profissões policial militar e agente penitenciário, em que o AGP 10 afirma que “existe

uma rivalidade entre os profissionais da segurança pública, principalmente entre

policiais e agentes, mas em geral até melhorou muito. Eu acho que temos um objetivo

comum entre a gente, entre nós da segurança” (em: 8 de fevereiro de 2018)

Com certeza, com certeza. Por mais que seja uma outra profissão também de segurança como a dos os policiais, temos semelhanças e diferenças. Lidamos com pessoas que infringem ou infringiram a lei, que estão a margem da lei. O policial militar está nas ruas trabalhando com cidadãos e bandidos, alguns policiais contestam falando que é mais difícil ainda porque não sabe com quem esta lidando, mas enfim, eles não tem que fazer esse trabalho eles não são nem psiquiatras para ficar querendo saber o perfil das pessoas, eles trabalham na contenção do crime, o AGP tem outro cenário, 100% das pessoas que estão aqui estão marginalizadas, se tivesse rezando não estava aqui, alguma coisa foi feita para estar aqui, estamos com essas pessoas 24h do nosso serviço (AGP 3, em: 22 de fevereiro de 2018).

O policial, de acordo com Hugher (1962), faz uma tarefa socialmente

degradante e lida com pessoas que são consideradas a “escória social”, logo, devem

ser mantidas fora do contato da sociedade pelo Estado. Essa atividade, mesmo

degradante, deve ser realizada para que os demais membros possam conviver de

acordo com as normas vigentes na sociedade. Dentre as atribuições do policial, está

a de ser um verdadeiro “super-homem”, com força e aptidão para o risco, sendo-lhe

incumbida a missão de retirar “os criminosos” da sociedade (MORAES; PAULA, 2010).

A profissão de policial está inserida em um contexto social assim como a

de agentes penitenciários. As duas profissões possuem uma identidade construída

historicamente relacionada à punição de indivíduos. As reflexões feitas por Listgarten

(2002) sobre os instrumentos de dominação que são utilizados pela organização com

os profissionais policiais, para promover à consolidação dos conjuntos de valores que

dão sustentação à instituição, assemelham-se aos processos de relação de poder e

submissão que os agentes penitenciários vivenciam em seu espaço de trabalho.

Percebe-se, portanto, que as relações entre as profissões, realizadas por

diferentes AGPS e policiais, mostram que as divergências e conflitos são

semelhantes, pois perpassam pelo cenário da segurança pública atual, seja

diretamente nas ruas, compondo o rol de profissionais que integram a segurança

pública, ou lidando cotidianamente com pessoas que cometeram atos que infringem

as normas legais e morais de uma sociedade, e, por esse motivo, fazem morada em

unidades prisionais.

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Outra característica preponderante que se observa é a militarização das

práticas que se destacam nas duas categorias, como: adoção de formas truculentas;

abuso de autoridade; correção por meio do castigo e do sujeitamento forçado à

autoridade. Os choques, humilhações e violência são práticas análogas, quando se

refere, historicamente, aos manicômios judiciários e aos atos praticados por

profissionais que atuam nesse espaço, assim como aos atos de policiais que estão

nas ruas da cidade.

A militarização, de acordo com a Cartilha pela Desmilitarização da Polícia

e da Política (2016), é um modo de operação bélico que advém das Forças Armadas

e de seu sistema militar. Representa, portanto, o processo de adoção de modelos e

procedimentos militares que foram elaborados para serem utilizados em tempos de

guerra e exceção, mas que, hoje, vêm sendo utilizados em atividades com

profissionais de segurança pública que deveriam promover a prevenção de violência

e promoção da segurança pública. A formação desses profissionais ainda mantém

esse modelo, trazendo a noção de que um inimigo interno deve se exterminar,

encarcerar e combater.

A militarização das práticas de agentes penitenciários no Instituto é

identificada quando se percebe, nas falas dos entrevistados, o discurso de castigar o

indivíduo que infringe as regras da instituição. Os AGPS, quando levam os internos

para a sala de disciplina, lugar este onde podem desempenhar seu papel disciplinar,

punem os corpos dos indivíduos, que já se encontram fragilizados pelo seu processo

de adoecimento e encarceramento, infligindo, assim, os direitos deles. Outro fator

recorrente, citado por eles, diz respeito ao autoritarismo para garantir uma ordem

estabelecida pela instituição por meio de intimidações e gritos.

A atuação dos agentes penitenciários é marcada por uma relação de

afastamento com o detento, sendo este visto como inimigo que deve ser mantido longe

do convívio, já que as aproximações geram retaliações para os internos e para os

agentes, segundo relatos do AGP 8, AGP 11 e AGP 12. No Instituto, existe uma

aproximação maior entre alguns agentes com os internos, por estes serem vistos

como pessoas que estão adoecidas e que não oferecem riscos de agressão e/ou

ameaças nessa relação. No entanto, a figura da pessoa que está privada de liberdade

é, majoritariamente, vista pelos os agentes como inimiga dentro das unidades

prisionais.

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Salla (2002), em artigo publicado sobre a militarização do sistema

penitenciário brasileiro, afirma que, desde a intervenção militar no massacre no

Carandiru, tem crescido a presença de militares e forças armadas em penitenciárias.

Segundo o autor, um conjunto de fatores tem gerado a militarização no sistema

penitenciário, dentre eles estão: o intenso processo de crescimento do

encarceramento; a quantidade reduzida de agentes penitenciários; a necessidade de

ações que garantam a ordem e a disciplina; e a presença de policiais militares em

vários setores e nas atividades das unidades penitenciárias, inclusive na direção de

unidades e na formação de agentes por meio de cursos de condicionamento físico e

pessoal. A militarização é compreendida por Salla como “o abandono dos princípios

ressocializadores da pena privativa de liberdade e uma negação das diretrizes legais

estabelecidas” (idem, p.2).

Existem, atualmente, vários movimentos que discutem sobre a

desmilitarização da polícia, entretanto, percebe-se que, embora a profissão de agente

penitenciário não componha o rol de profissões da segurança pública, esta se

apresenta afetada pelo modelo de militarização instituído, com maior prevalência no

país, desde 1964 e que vem se ramificando em vários cenários de trabalho, sendo,

atualmente, fortalecido no âmbito político.

O trabalho de agentes penitenciários perpassa por diferentes aspectos. O

AGP 15 trouxe, em sua fala no início do subcapítulo, a presença das atribuições, das

funções, da figura social que representa a categoria, bem como os fatores subjetivos

que incluem a atuação deles. Compreender saúde é perpassar por esses relatos e

perceber os fatores que determinam o bem-estar do indivíduo, transcritos nas

entrelinhas e aprofundadas ao longo desse texto dissertativo.

4.2 TRABALHO E CONDIÇÕES PSICOSSOCIAIS: AMBIENTE, SENTIDOS E

SATISFAÇÃO NO TRABALHO

Nesse subcapítulo, serão abordadas informações dos Domínios: Ambiente,

Sentidos e Satisfação no Trabalho. Conforme foi exposto no trajeto metodológico, a

análise estatística descritiva dos dados dos questionários possibilitou a construção de

nove domínios apresentando questões que tratam sobre os elementos que lhes dão

nome.

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Para melhor delimitação desses dados, foram realizados três gráficos que

indicam alguns elementos de cada domínio para condução da discussão,

entrelaçando esses dados com as narrativas dos interlocutores do estudo.

Gráfico 01 - Distribuição das questões da Sessão 1 – Ambiente de Trabalho

(N=17)

Fonte: Elaborado pela autora.

O ambiente de trabalho possui um conjunto de elementos que conduzem e

dão forma à atividade laboral, sendo eles: a influência que o profissional tem sobre

sua atuação; as relações entre os sujeitos que dividem o mesmo espaço ocupacional;

e o trabalho em equipe. Ao mesmo tempo em que constituem o ambiente e influenciam

o trabalho dos profissionais, esses elementos podem gerar desgastes, sofrimento,

adoecimento ou fortalecimento da saúde dos trabalhadores. Essas relações são

percebidas no contexto de trabalho dos AGPS no Instituto.

A Sessão um (1) é constituída por 18 questões, no entanto, para melhor

aprofundamento dos dados e compreensão do ambiente de trabalho dos agentes

penitenciários, foram observadas as relações entre os colegas na mesma equipe e no

trabalho de equipe, escolhendo-se cinco questões que tratam sobre esses fatores e

estão expressos no Gráfico um (1).

Os agentes penitenciários declararam com maior prevalência, de acordo

com o gráfico, que 41,2% (Questão 03, Gráfico 1) possuem, às vezes, grau de

17,5

41,236,3

5,9 5,9

17,5

52,9 52,9 52,9

47,1

41,2

5,9 5,9

17,6 17,6

0

10

20

30

40

50

60

Q3Tem elevadograu de influência

sobre seu trabalho?

Q5 Existe um bomclima de trabalho

entre você e os seuscolegas?

Q10 Há cooperaçãoentre seus colegas

de trabalho?

Q13 Você se senteparte de seu grupo

de trabalho?

Q17 Com quefrequência seus

colegas estãodispostos a ouvir

seus problemas notrabalho?

Sessão 1

Sempre Frequentemente Às vezes

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influência elevado sobre como fazer seu trabalho, ou seja, percebe-se que não há

significativa influência dos agentes que atuam no Instituto sobre seu trabalho.

Diferentemente do dado apresentado sobre a influência do agente penitenciário no

trabalho, em entrevista feita ao AGP 5 e AGP 7, estes relataram que conseguem ter

influência sobre as atividades que irão executar. Porém, a maioria dos agentes

entrevistados afirma que as atividades já postas nos treinamentos são as que

conduzem suas ações.

Poucas vezes pensei sobre eu ter influência sobre como vou fazer minhas tarefas aqui, eu me guio pelo que me dizem, pelos treinamentos, pela escuta dos mais velhos, acredito que todos façam assim, não dar tempo da gente ficar pensando muito não (AGP 11, em: 8 de fevereiro de 2018).

Marx (1982) já apresentava, em suas discussões sobre trabalho, a

presença da alienação, compreendida também pelo autor como estranhamento,

processo em que o trabalhador não se vê como cativo e explorado em sua atividade.

Perde-se, portanto, a capacidade de questionamento sobre seus atos, passando

apenas por meras repetições sem que se tenha a percepção do processo de trabalho

por inteiro, ficando aquém desse trabalho realizado, o que implica na falta de

efetivação da capacidade de criação.

O que se verifica é que os profissionais possuem pouca autonomia sobre o

modo de realização de seu trabalho, imperando entre as falas a preocupação de se

manter no ambiente de trabalho condutas que garantam o respeito, a ordem, o

controle e a disciplina.

Eles aqui têm respeito pelos agentes, nas outras unidades por eles serem em maior número, muitos deles não respeitam. Nas outras unidades a gente não consegue ter o controle da segurança e acaba que os presos acham que tem um controle maior, então fica complicado manter uma ordem e a disciplina, exigir que os presos respeitem fica complicado pelo baixo efetivo. Aqui a gente consegue a ordem, a disciplina e o respeito (AGP 5, em: 26 de fevereiro de 2018).

Aqui não têm facções, por que quem manda aqui são os agentes penitenciários, ainda é um campo em que a gente consegue controlar, os agentes controlam mesmo! Nas outras unidades é meio difícil o controle por que é uma quantidade muito reduzida de agentes (AGP 7, em 28 de fevereiro de 2018).

Os agentes identificam, no Instituto, a presença do respeito pela figura do

agente penitenciário; conseguem garantir o direcionamento das condutas e o controle;

afirmam mandar; e comparam a instituição com as demais unidades do sistema

prisional, afirmando que, atualmente, não conseguem com facilidade, em outras

unidades, o que conseguiram no Instituto.

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“Pra segurar cadeia tem que ser doutor em cadeia” (MORAES, 2015, p.15).

Essa frase foi proferida por um agente penitenciário durante a pesquisa realizada por

Moraes em uma unidade prisional. A função de ser doutor em cadeia, no exercício de

vigiar e disciplinar indivíduos aprisionados, direciona a profissão de agente

penitenciário. É importante questionar se a baixa autonomia, identificada nos relatos

dos entrevistados da pesquisa sobre como realizar o trabalho, está associada à

condição de agente disciplinador e normatizador de condutas ou se existe uma

contradição nessa atuação.

Moraes (2015) pontua que a categoria profissional de agentes

penitenciários vivencia, na atualidade, múltiplas relações de poder – entre

profissionais e entre eles e os internos –, sendo reconhecidos como os “chefes dos

presídios”. Por ser o profissional que mais tem contato direto com os internos, isso

desencadeia maior proximidade, como relações de trocas, sentimento de posse em

relação ao outro na condição de submisso, entre outros fatores comuns nos discursos

que permeiam o exercício profissional dessa categoria de trabalho.

Percebe-se, aqui, clara relação de poder e disciplina, no formato de punição

dos corpos transgressores, das normas postas em sociedade. Ancorando-se em

Foucault (1993) quando, nos anos 70, já considerava a sociedade disciplinar e

afirmava que as instituições detinham um poder exercido sob o controle na vida dos

indivíduos, o biopoder, que atuava no pólo disciplinar e biopolítico, compreende-se

que a pena privativa de liberdade é uma dimensão do exercício do poder do Estado.

Nascimento (2015) contribui com a discussão quando afirma que existe uma relação

de conflitos de interesse nas relações de poder estabelecidas em ambientes

prisionais, em que o Estado traz a punição sob um tipo particular de controle dos

corpos, e os funcionários das instituições materializam esse controle por meio da

disciplina, do domínio das forças sobre o corpo dócil e na apropriação do tempo do

apenado.

No Instituto, os corpos aprisionados são geridos por meio da dominação,

em que a imposição da disciplina, da submissão e do poder toma o lugar de uma

atuação truculenta que pode gerar situações de tortura. Para Aroldo Caetano (2018),

a tortura é permitida na naturalização de atos violentos. Afirma ainda o autor que o

fato de pessoas que precisam de tratamento em saúde mental permanecer em prisões

configura-se uma forma violenta que leva à tortura.

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O mesmo profissional que encontra-se como influenciador e direcionador

de ações é também envolto nas relações de poder de uma estrutura social maior, com

forte predominância do Estado em manter essas instituições totais. Essas relações de

poder presentes nas instituições totais afetam a saúde dos profissionais e de todos os

sujeitos que fazem parte dela, produzem contradições do fazer profissional tornando

o trabalho que deveria ser espaço de socialização e desenvolvimento humano, em

ambiente que produz sofrimento, desgastes e adoecimentos, a partir de uma lógica

de exclusão e aprisionamento da classe não produtora de capital.

Os agentes penitenciários estabelecem relações não somente com os

internos, mas com os colegas de profissão, mais conhecidos como “companheiros de

farda”, que forma a equipe de trabalho para atuar em conjunto para melhor

funcionamento da instituição. Segundo informações extraídas do COPSOQ,

referentes ao bom clima de trabalho entre os colegas, à presença de cooperação entre

os profissionais e ao sentimento de pertencimento ao grupo, a média é de 52,9% em

relação à identificação desses fatores no ambiente de trabalho de forma frequente.

Em entrevista, o AGP 12 fala da existência de harmonia nas relações de

trabalho entre os agentes penitenciários do Instituto, identificando que os entraves de

relacionamentos não estão associados às relações entre os agentes penitenciários.

As relações entre os profissionais, de acordo com Wagner (2009), são

estabelecidas mediante o processo de interação entre os membros da equipe,

possibilitando, assim, a criação de vínculos profissionais e de amizade, o que pode

facilitar trocas de experiências, diminuir a competição entre pares e o trabalho

fragmentado, aumentar ou proporcionar uma rede de apoio entre os profissionais, algo

fundamental para as relações e o autocuidado.

Ferreira (2016) traz, em sua pesquisa, os diversos riscos ocupacionais

presentes no cotidiano laboral dos agentes penitenciários, dentre eles estão: o baixo

suporte social e a baixa predominância de rede de apoio. Os AGPS do Instituto

declaram ter bom convívio entre seus pares e afirmam, numa média de 47,1%

(Questão 17 do Gráfico 1), que, frequentemente, seus colegas estão dispostos a ouvir

seus problemas, o que mostra uma realidade diversa dos estudos sobre as interações

presentes no ambiente de trabalho de agentes penitenciários.

No tocante aos sentidos, os significados e sentimentos relacionados a esse

trabalho, que estarão em discussão a partir do gráfico da Sessão 2, indicam que o

domínio evidencia fatores psicossociais nas atividades laborais dos agentes

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penitenciários, permitindo compreender, de forma mais detalhada e ampla, os

sentimentos presentes nessa atuação.

Gráfico 02 - Distribuição das questões da Sessão 2 – Sentidos do Trabalho (N=17)

Fonte: Elaborada pelo autora.

O trabalho e seus sentidos no capitalismo possuem singularidades que

transbordam para o campo de vida dos profissionais. Corrêa (2015) afirma que, no

modelo de produção capitalista, o adoecer é resultado das relações precárias de

trabalho impostas ao trabalhador e a valorização e o processo de trabalho estão sob

a ótica de manutenção do capital. O avanço do capitalismo com a globalização, que

se afirma com mais força a partir da reestruturação produtiva e socioespacial na

facilidade de comunicação e transporte de informações, permite manter uma

competitividade no mercado mundializado que possibilita instituir: legislações

trabalhistas menos rigorosas; diminuição de direitos, políticas públicas de proteção do

trabalho e saúde, frágeis ou inexistentes; trabalhadores fragilizados e sociedade civil

insuficientemente informada e organizada para defender seus direitos (RIGOTTO,

2004).

O processo saúde-doença-cuidado, nesta perspectiva, só pode ser

entendido a partir de seu caráter social, definido aqui pelas forças produtivas e de

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produção que incidem diretamente sobre o viver, o adoecer, os sentidos e os

sentimentos de atuação no trabalho.

Lourenço (2008, p.78) contribui para essa discussão quando afirma que o

aumento “das doenças relacionadas ao trabalho pode representar a expressão dos

efeitos psicopatológicos da organização e gestão do trabalho na vida das pessoas”.

O cenário que se apresenta atualmente sob esses macroprocessos incide sobre o

cotidiano de vida dos trabalhadores e sobre os diferentes ambientes ocupados e

vividos pelas populações.

Os agentes penitenciários não estão ilesos, ao serem indagados sobre o

significado de seu trabalho e se esse possui sentido para os profissionais aponta a

média de 47,1% (Questão 22, Gráfico 2), que às vezes essa atuação possui sentido.

A inconstância da percepção dos profissionais sobre o sentido e o significado desse

trabalho pode ser compreendida pelos fatores que determinam a dinâmica dessa

atuação.

Quando Dejours (1992) discursa sobre a significação do trabalho, ele

compreende o conteúdo significativo do sujeito e do objeto como componente dessa

relação; fatores individuais e coletivos são considerados nessa dinâmica. Entende-se,

portanto, ser o processo de construções coletivas e individuais o caminho para um

trabalho significativo.

O sentido e significado desse trabalho estiveram presentes nas falas dos

AGPS, atrelados aos sentimentos que estão envoltos nessa atuação. Para os agentes

penitenciários, são variados os sentimentos que permeiam a atuação. O AGP 9 diz

ser um “masoquismo” gostar de seu trabalho, por este o colocar em situações

extremas de violência e desumanização e, ao mesmo tempo, causar sentimento de

impotência em momentos que ultrapassam suas possibilidades de ação.

É tipo um masoquismo, eu gosto muito do que eu faço é tanto que eu estava estudando para polícia militar, mas eu desisti, prefiro aqui. Mas uma coisa ruim é presenciar rebeliões, mortes, já tirei presos de um tambor de lixo cortados, já assisti mortes, já tentei evitar e não consegui, 6 contra um só. A gente fica meio perturbado, a gente ver 6 detentos matar 1 é meio difícil, você atirar para cima e não poder atirar, se fosse na liberdade eu poderia reagir e matar a pessoa que estava tentando matar a outra, mas no sistema penal eu não posso fazer isso por que o preso é custódia do Estado. E até para eu entrar na cela sozinho não tem condições (AGP 9, em: 22 de fevereiro de 2018).

O AGP 8 e o AGP 11 afirmam que a profissão é uma das mais perigosas

do mundo, logo, se sentem inseguros. Além disso, ainda relatam que muitos ligam a

atuação deles à injustiça e à corrupção. “Essa nossa profissão é uma das profissões

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mais perigosas do mundo, em outras unidades os presos nos ameaçam, nos matam,

inclusive ontem mataram um agente penitenciário perto de Orós.” AGP 9. Calou-se e

chorou durante alguns minutos, logo depois pediu para interromper a entrevista.

Quando retornou, relatou que já perdeu inúmeros colegas de profissão

pelas ameaças presentes dentro das unidades prisionais; afirmou também estar no

Instituto por ser um local calmo e por o número de ameaças ser inferior quando

comparado a outras unidades do sistema.

Os sentimentos relacionados à insegurança estão associados ao medo e

às desconfianças presentes nos comportamentos dos AGPS. Douglas (1998) traz a

reflexão de que para falar de cooperação e solidariedade no trabalho é necessário

compreender a rejeição e desconfiança. Afirmou ainda que as pessoas são afetadas

pela confiança que as cerca e o sentimento de desconfiança é expandido ou diminuído

a partir das relações entre os sujeitos.

Os agentes penitenciários, no Instituto, atuam em cooperação com os

colegas de trabalho e mantêm um bom relacionamento em equipe, como exposto na

Sessão1. Verifica-se, no entanto, que existe forte sentimento de desconfiança, assim

como uma condição de alerta constante sobre pessoas que não conhecem. Há ainda,

unanimidade, quando dizem desconfiar dos presos de unidades prisionais que

atuaram, antes de iniciar o trabalho no Instituto.

Durante a coleta de dados, no momento em que a pesquisadora estava em

campo, foram inúmeras as perguntas sobre sua identidade, profissão, se trabalhava

na Sejus, cujos olhares eram de constante estranhamento, permeando além das

entrevistas. Moraes (2015) afirma, em sua pesquisa, que também presenciou a

insegurança dos agentes enquanto estava em campo coletando informações sobre o

trabalho dessa categoria profissional. A condição de permanente estado de alerta.

Chauvenet (apud MORAES, 2015) relatou que a missão de vigilância é desenvolvida

desencadeando, no profissional, a faculdade de ver, estando presente a rapidez no

olhar, a mobilidade, a acuidade e sensibilidade auditiva que lhes permitem prever

incidentes.

A calmaria, o barulho, os gritos, as batidas de trancas e os constantes sons

de vozes falando pelo rádio fazem os sons do Instituto. Neles, não estão embutidos,

de acordo com os agentes, o risco de fugas, as agressões e as ações violentas dos

internos. A maioria dos agentes está no Instituto depois de uma trajetória de atuação

em unidades que apresentam alto índice de ameaças e conflitos entre os AGPS e os

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internos, logo, a sensação de insegurança dentre as falas e a preocupação com os

sons estão mais associadas ao histórico profissional dos agentes, misturando-se ao

contexto de violência coletiva e urbana presente no seu cotidiano de vida.

Esses sentimentos e sensações podem desencadear aumento de insônia,

nervosismo e paranoia, evidenciadas, de forma expressiva, entre as pesquisas com a

categoria. Esper e Ramos (2007) afirmam que a vida no cárcere é uma das fontes de

agravos para a saúde mental. Goldberg (1996) fala sobre a situação de saúde de

profissionais que trabalham em prisões, num estudo realizado na França, e observou:

sintomatologia de 24% de depressão; 24,6 % de transtorno de ansiedade e; 41,8 %

de distúrbio do sono entre os profissionais.

Chies (2001), no estudo realizada com a profissão no Presídio Regional de

Pelotas, identificou a sobrecarga do trabalho, as acumulações emocionais e físicas e

o estresse como elementos que afetam tanto a sociabilidade dos profissionais como

da saúde deles, sendo presente entre os profissionais dores, alergias, gastrite,

estresse e insônia.

Quando os agentes penitenciários do Instituto foram indagados sobre a

demanda emocional no trabalho, 47,1% (Questão 20, Gráfico 2) afirmam ser

frequentemente elevada, e 41,2% (Questão 31, Gráfico 2) dizem se envolver

emocionalmente no trabalho. O AGP 10 conta que os agentes no Instituto costumam

se envolver, emocionalmente, com os internos por perceberem neles a presença da

doença e não do crime. Relata ainda que são poucas as visitas realizadas pelos

familiares, sendo constante a falta de itens básicos de higiene. Por esse motivo, é

recorrente alguns AGPS trazerem de suas casas itens como sabonete e pasta de

dente, assim como máquinas de cortar cabelo, além de promoverem jogos de futebol

entre os agentes e os internos.

A relação de proximidade, pouco recorrente em outras unidades, e o tempo

que os AGPS passam, em cada plantão no pátio, com os internos geram maiores

contatos com as fragilidades presentes entre eles, desde a identificação com o

adoecimento à sobrecarga emocional.

O desgaste profissional pode ser gerado pela sobrecarga emocional no

trabalho. Para Laurell e Noriega (1989), o desgaste é resultado de processos

adaptativos que ocasionam a perda da capacidade do trabalhador para se adaptar em

função da intensidade da carga de trabalho imposta. Corrêa (2015) acrescenta que

essa manifestação, em nível coletivo, gera repercussões em todas as circunstâncias

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da vida do trabalhador, afetando o desenvolvimento das potencialidades desses

profissionais.

Quando questionados sobre sentir prazer em falar de seu trabalho para

amigos, 5,9% (Questão 33, Gráfico 2) dos AGPS afirmam sentir. A partir disso, foi

indagado se eles recomendariam seu trabalho para um amigo: 35,3% (Questão 23,

Gráfico 2) das respostas revelam que, às vezes, recomendam.

O sentimento de prazer foi abordado em outra perspectiva nas entrevistas:

o prazer na realização do trabalho. Ao serem indagados, os AGPS 10, 11, 7, 5, 8, 1,

12 e 4 relatam que seu trabalho é prazeroso; já os AGPS 2, 3 e 6 não identificam

prazer na atuação; e o AGP 17 não soube definir.

Os relatos são variados sobre sentir prazer em realizar seu trabalho, que

vai desde “considero prazeroso, tenho satisfação no meu trabalho”, até se referirem

que não há ligação entre prazer e trabalho: “não é prazeroso, prazeroso é um negócio

muito subjetivo, trabalho prazeroso?”; ou mesmo consideram o trabalho prazeroso no

início da carreira: “mas pela dificuldade, pelo estresse, pelo fator emocional vai

desaparecendo um pouco essa vontade de ser agente”.

Quando relatam sobre seu trabalho com amigos, afirmam serem visto de

forma negativa. O AGP 4, em sua fala, expressa esse aspecto:

Acho, a gente tem crescido muito, mas às vezes a gente é visto como um nada, você está em uma roda de amigos por aí e você diz que é agente penitenciário, logo percebo o olhar diferente, alguns amigos falam que é por conta da corrupção, mas as pessoas acham que entram as coisas no presídio pelo agente, eu não vejo nem tanto pela corrupção não, é por que causa aquele impacto nas pessoas, tipo: “ixi trabalha no presídio e tal”. Logo a gente percebe um certo distanciamento sabe, talvez tenha medo, acha que a gente esta envolvido com alguma coisa, então assim é um serviço complicado, não é para todo mundo, mas eu gosto, já me acostumei e a gente vai ganhando espaço, e agora estamos direto saindo na mídia (AGP 4, em: 28 de fevereiro de 2018).

Segundo depoimento dos agentes penitenciários, o fato de não sentir

prazer em falar sobre seu trabalho com amigos ou não indicar essa atividade para um

colega não está relacionado a não sentir prazer no trabalho que executam. A maioria

dos AGPS diz sentir prazer em realizar seu trabalho, porém, a ausência de prazer em

falar de seu trabalho para outras pessoas está mais associada ao estigma presente

nessa atuação e na forma como a profissão é vista pela sociedade.

O reconhecimento e o elogio sobre o trabalho realizado são fatores que

incidem sobre a saúde e bem-estar dos profissionais no contexto laboral, além de

influenciar nas relações prazerosas. Quando questionados sobre o reconhecimento e

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elogio que os superiores fazem sobre seu trabalho, 47,1% (Questão 26, Gráfico 2)

dos AGPS afirmam que, às vezes, o trabalho tem o reconhecimento de seus

superiores. Confirmam, com prevalência de 52,9% (Questão 37, Gráfico 2), que

frequentemente sabem o que se espera sobre o desempenho de suas atividades.

Kohen (2013) diz existir uma construção de fatores interligados nas

relações de trabalho que é representado pela figura geométrica do triângulo. Em cada

uma de suas arestas encontra-se a representação dos aspectos: o trabalho, o

reconhecimento e sofrimento. O autor afirma que, quando há um corte em um dos

lados desse triângulo, pode ocorrer o sofrimento nos profissionais.

A falta do trabalho ou o não reconhecimento das atividades desenvolvidas

pelos profissionais, a violência laboral, precarização das formas de trabalho,

privatizações do cuidado, tudo isso gera angústias e sofrimento, atingindo a saúde

dos profissionais e podendo afetar o sentimento que se desenvolve por essa ação.

Durante este estudo, o conceito de precarização no trabalho é utilizado com

base em Mattoso (1995). O autor define precarização como um conjunto amplo e

variado de mudanças em relação ao mercado de trabalho, às condições de trabalho,

à qualificação dos trabalhadores e direitos trabalhistas, no contexto do processo de

ruptura do modelo de desenvolvimento fordista e de emergência de um novo padrão

produtivo.

Há predominância de 70,6% (Questão 27, Gráfico 2) dos profissionais que

identificam ser importante o seu trabalho. O AGP 5 confirma esse dado com a fala de

que o trabalho do AGP “é um trabalho diferenciado, que possui um grau de risco, mas

tem sua importância dentre as demais outras profissões” (em: 26 de fevereiro de

2018). E o AGP 10 complementa afirmando que “a profissão tem uma relevância e

importância por que nós estamos no hospital psiquiátrico, onde tem pessoas que

precisam da gente” (em: 26 de fevereiro de 2018).

O trabalho, segundo Marx, é uma condição necessária ao ser humano em

qualquer tempo histórico. Frigotto (1983) diz que é uma ação que ultrapassa sua

redução às relações sociais de produção capitalista, pois possibilita a capacidade de

criação e modificação da realidade a partir da ação consciente do trabalho, estando

associado a todas as dimensões da vida humana.

As ações correspondentes a um profissional que atua em determinada área

possibilita a este a capacidade de criação e transformação quando o trabalho é visto

pelo sujeito que o desempenha como importante. Na fala do AGP 10, este diz que o

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reconhecimento da importância dessa ação na vida de outras pessoas pode trazer

uma razão para seu ato e, por mais que esteja envolto por variados sentimentos,

existe a percepção da sua importância para cada profissional, assim como a

satisfação em sua atuação.

Gráfico 03 – Distribuição das questões da Sessão 3 – Satisfação no Trabalho (N=17)

Fonte: Elaborado pela autora.

Vê-se, mediante o Gráfico 3, que as questões da Sessão 3 apresentam a

satisfação dos profissionais em alguns aspectos relacionados ao trabalho. Foram

utilizadas todas as questões desse domínio para a construção do gráfico e a

constituição de sua análise. No que se refere às suas perspectivas futuras, 52,9%

(Questão 45) estão satisfeitos em relação às condições físicas de trabalho; 47,1%

(Questão 46) relatam não satisfeitos com a maneira como usam suas habilidades e

52,9% (Questão 47) dizem estar satisfeitos; e, considerando todos os aspectos de seu

trabalho, 41,2% (Questão 48) afirmam estar satisfeitos.

A satisfação em relação às perspectivas futuras dos agentes penitenciários

do Instituto, de acordo com suas falas, está associada à garantia de estabilidade

financeira e de envelhecimento com perspectiva de aposentadoria. Os que pretendem

sair da profissão afirmam acreditar que, futuramente, estarão em outra profissão,

principalmente nas que escolheram a partir do curso de graduação.

17,6

5,9 5,9 5,9

52,9

5,9

52,9

41,2

5,9

47,1

29,4 29,4

0

10

20

30

40

50

60

Q45 O quanto vocêestá satisfeito comsuas perspectivas

futuras

Q46 O quanto vocêestá satisfeito com ascondições físicas de

trabalho

Q47 O quanto vocêestá satisfeito com amaneira como usasuas habilidades

Q48 O quanto vocêestá satisfeito comseu trabalho como

um todo, levando emconsideração todos

os aspectos

Sessão 3

Muito satisfeito Satisfeito Não Satisfeito

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Dejours (1992) assegura que a satisfação no trabalho é um componente

essencial para o bem-estar do indivíduo. Cada indivíduo possui perspectivas de

realização no contexto profissional, e a efetivação destas gera satisfação no trabalho.

A insatisfação sobre as condições físicas do trabalho, que é recorrente

entre as falas dos AGPS que atuam no Instituto, persistem nos espaços de atuação

dessa profissão, tanto no âmbito nacional como internacional. Os elementos

presentes no local de trabalho insalubre e precário também geram adoecimentos. No

próximo subcapítulo, será conhecido e problematizado esse local de trabalho.

4.3 “LOCAL ADOECEDOR?”: OS DISTINTOS OLHARES SOBRE O AMBIENTE E

SUAS RELAÇÕES COM A SAÚDE DO PROFISSIONAL

Você me pergunta sobre a minha saúde depois que entrei aqui, mas, é porque você acha o manicômio um lugar adoecedor? (AGP 16, em: 26 de fevereiro de 2018)

O manicômio judiciário, denominado hoje como Hospital de Custódia e

Tratamento Psiquiátrico ou Instituição Psiquiátrica, é um espaço arquitetônico que tem

por finalidade trazer a punição em formato de isolamento e trancafiamento, cuja

proposta é custodiar pessoas que estão em cumprimento de medida de segurança,

que se encontram adoecidas no ambiente aprisionado e vigiado.

Essa definição suscita inúmeras indagações a partir da pergunta colocada

pelo entrevistado AGP 16; expõe questionamentos sobre a forma como os

profissionais se relacionam com esse espaço e o percebe; dispõe sobre quais

relações são estabelecidas entre os sujeitos que as gerencia; e desperta o interesse

em conhecer o ambiente físico de trabalho dos agentes e como a saúde desses

profissionais podem ser pensadas a partir da vivência laboral. É nesse sentido que se

pretende dialogar nas próximas linhas.

Fontes (2003), em seu estudo dissertativo sobre arquitetura de serviços de

saúde trouxe à discussão a forma como o espaço tem sido utilizado como fator que

pode propiciar bem-estar aos diferentes sujeitos que o ocupam, ocorrendo, segundo

a autora, a crescente valorização nos processos de planejamento em saúde pública

do espaço. Com base nessa afirmação, o estudo resultou em uma discussão acerca

da visão da loucura por meio dos espaços arquitetônicos que lhes foram destinados

ao longo do tempo, trazendo a problematização dos ambientes construídos pela

sociedade, que foram determinantes, por vezes, para as condições de vida e de

relações entre pessoas e o espaço.

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Em conformidade com a pesquisa da autora sobre espaços e arquitetura

nos diferentes momentos de pensar e tratar a loucura, estimulou-se a possibilidade de

reflexão sobre a constituição do espaço manicômio judiciário que atende a visão social

do cuidado ao louco criminoso infrator traz a discussão sobre o paralelo entre hospital

e manicômio judiciário, assunto este presente nas falas dos entrevistados da pesquisa

e na discussão do surgimento dos manicômios.

Aqui é hospital, mas também é prisão, por isso que é o manicômio judiciário. Aqui trata pessoas doentes que cometeram crimes, mas que por estarem doentes estão sob o cuidado de uma equipe de saúde, como no hospital mesmo (AGP 11, em: 8 de fevereiro de 2018).

Ao pensar sobre cuidado em saúde, este foi, historicamente,

institucionalizado, medicalizado e controlado na figura do hospital. O

tratamento/punição em manicômio segue a mesma linearidade de espaço e

significados.

Aqui é um hospital, vejo eles como pacientes e estão presos, nós estamos no hospital psiquiátrico, onde têm pessoas que têm problemas mentais. É prisão, mas também hospital e precisam da gente, principalmente para conter os surtos (AGP 1, em: 5 de fevereiro de 2018).

Existem agentes penitenciários que não diferenciam o Instituto de outras

unidades penitenciárias. O AGP 5 afirma que não houve mudanças em seu

comportamento de quando trabalhava em grandes unidades prisionais, como na

CPPL 1, para hoje, no Instituto.

As representações do espaço em que atuam os AGPS podem influir nas

práticas de trabalho de profissionais, principalmente quando se refere ao ambiente

penitenciário. Os hospitais de custódia possuem um ideário de custódia e tratamento

em saúde mental a pessoas que estão cumprindo medida de segurança, com isso as

condutas profissionais tendem priorizar a saúde do interno por meio de relações que

possam contribuir para fortalecer o tratamento. Em unidades prisionais, o convívio

com os presos é priorizado pelo afastamento e indiferença, contatos pontuais, pois

quaisquer aproximações podem caracterizar envolvimento com trocas e corrupções,

conforme Lourenço (2010) alerta.

A relação tratamento-custódia pode influenciar a saúde do trabalhador que

atua nesse ambiente. Pitta (1994), em seus estudos, traz a figura do hospital

historicamente como espaço duro de cuidado, onde permeiam fatores que possibilitam

o adoecimento de profissionais, atingindo, assim, a saúde dos sujeitos envolvidos.

Lourenço (2010), Tschiedel (2012), Corrêa (2015) e Rumin et al. (2011) listam os

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inúmeros fatores físicos, biológicos, químicos e psicossociais que estão presentes no

ambiente prisional e atingem, de forma longitudinal, a saúde de profissionais que

atuam nesses espaços.

Haroldo Caetano (2018) afirma que esse ambiente, compreendido por

muitos como hospital, pela idealização do cuidado e tratamento, é uma visão

equivocada. Ele apresenta a problematização do ambiente hospitalar e lança

questionamentos, tais como: os hospitais possuem celas, salas de disciplinas e

internações ininterruptas como forma de aprisionamento?

Torna-se necessária a discussão, a partir dos olhares dos agentes

penitenciários, sobre a saúde do trabalhador imerso nesse ambiente dual que possui

condicionantes e agravos à saúde desses profissionais.

É nesse lugar rodeado e constituído por representações que o profissional,

agente penitenciário, trabalha em constante implicação, em que ele ora afeta o espaço

e ora é afetado por ele, seja disciplinando e vigiando os indivíduos a partir da exclusão,

isolamento e punição, e/ou sendo submisso e vigiado por uma relação maior que

Foucault nos possibilita pensar em algo macroestrutural constituído nos dispositivos

punitivos.

Pensar a relação de trabalho e saúde em ambiente complexo e entrelaçado

por conceitos e visões distintas de cuidado é, no mínimo, desafiador. Assim, é

necessário compreender a estrutura manicomial do Instituto para refletir sobre como

os profissionais estão identificados ou consumidos nesses muros. A saúde envolve,

portanto, relações, sentimentos, convivência, identificação, contato, dentre outros

fatores que estão presentes no local de trabalho, sejam de forma concreta, com a

presença de espaço físico precário, ou de forma subjetiva. Ancorados nesses fatores,

trabalhadores podem adoecer ou melhorar sua condição de saúde no ambiente em

que trabalham.

Pode-se perceber, com a fala do AGP 16 e da maioria dos entrevistados,

que a referência que eles trazem do espaço em que trabalham não é do Instituto

Psiquiátrico Governador Stênio Gomes, mas do manicômio judiciário, assim como se

observa na fala da população que habita e trabalha próximo ao local. Apesar da

nomenclatura do espaço ter mudado há anos, a referência é ao espaço manicomial,

que carrega toda uma representatividade na figura do manicômio.

Há várias formas de proporcionar mudanças de procedimentos e condutas

de tratamento, cuidado e aprisionamento quando se identifica que o embasamento de

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tais práticas são adoecedoras e violadoras de direitos humanos de uma população

historicamente discriminada e estigmatizada. Muitos dos espaços manicomiais

mudaram de endereço, nome, entretanto, as formas de “custódia e tratamento”

permanecem com a visão central biomédica e produtora de torturas do manicômio.

Autores como Perbalt (1998) discute esse fato a partir do conceito de manicômio

mental, afirmando estar imbricado nas subjetividades das relações entre as pessoas

e no imaginário social de uma sociedade com histórico de repressões, exclusões,

desigualdade, preconceito, holocaustos, e com a visão de gerência de poder que

domina e decide quem deve viver e morrer, é a figura do manicômio legitimado.

O cuidado em espaços trancafiados, como discutido no capítulo anterior, é

algo histórico e motivado, segundo Brasil e Coelho (2009), por contratos humanos que

atendem a necessidades em um determinado tempo e constroem instituições que

ditam o que as pessoas são. Nesse cenário, estão envolvidos diferentes sujeitos,

dentre eles estão os que trabalham e os que direcionam e gerenciam esse espaço, as

chefias.

As sessões quatro (4) e cinco (5) fazem parte deste subcapítulo, trazendo

à análise aspectos que tratam sobre o local de trabalho a partir das relações e

percepções dos agentes penitenciários sobre suas chefias.

A Sessão quatro (4), denominada como Local de Trabalho, traz alguns

fatores presentes nas questões, sendo estes analisados por meio da subescala que

mede a intensidade7 como cada elemento se apresenta. Dentre os fatores que esse

domínio é constituído, estão: confiança dos superiores no trabalho realizado pelos

trabalhadores, a segurança dos profissionais sobre as informações fornecidas pelos

superiores, o reconhecimento dos superiores sobre o trabalho dos profissionais,

dentre outros elementos que estão presentes no gráfico da Sessão 4.

A partir das dez questões que compuseram essa sessão, foram

selecionadas seis para compreensão das relações entre os profissionais e a equipe

que compõe a gestão da Instituição. Essas indagações foram respondidas baseadas

nos relacionamentos dos agentes penitenciários com a direção; gestão da Instituição.

A escolha dessas questões foi realizada mediante análise do questionário com o

objetivo de trazer para discussão elementos como: confiança, divisão do trabalho,

7 A subescala desse domínio apresenta a intensidade de cada fator presente nas indagações do questionário, representando: 5= extremamente, 4= muito, 3= pouco frequente, 2= pouco, 1= muito pouco. É uma subescala direcionada pelo Questionário para alguns domínios, dentre eles estão o domínio 4 e 6.

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reconhecimento, liberdade de expressão, dados fundamentais para compreender o

local de trabalho dos profissionais.

Gráfico 04 - Distribuição das questões da Sessão 4 – Local de Trabalho (N=14)

Fonte: Elaborado pela autora.

No Instituto, existem alguns cargos de chefias que estão relacionados

diretamente com o trabalho dos agentes penitenciários. O chefe de equipe é a chefia

imediata, que possui contato direto com os profissionais; é ele que gerencia o trabalho

dos AGPS em suas escalas, organiza e direciona suas ações. Nos fins de semana,

quando não há o chefe de segurança, a equipe administrativa e a direção na

instituição, segundo o AGP 8, são os chefes de equipe que gerenciam todo o Instituto.

Existe, na instituição, quatro equipes, com um chefe de equipe em cada uma delas. O

chefe de segurança e disciplina lidera os chefes de equipe e são, geralmente,

escolhidos pela direção da instituição. A direção e coordenação do Instituto são os

gestores que conduzem a instituição. Essa sessão problematiza as relações entre eles

e os AGPS que atuam no Instituto.

Observando o Gráfico 4, percebe-se que há baixa confiança dos superiores

no trabalho realizado pelos agentes penitenciários 41,2% (Questão 49), o trabalho não

35,3

5,9 5,9

17,6

11,8

5,9

23,3 23,3 23,317,6

41,2

35,3

41,2

52,9 52,9 52,9

35,5

47,1

0

10

20

30

40

50

60

Q49 Ossuperiorescofiam notrabalho

realizado pelostrabalhadores?

Q52 Ossuperioresescondem

informaçõesimportantes?

Q53 O trabalhobem-feito éreconhecido

pelossuperiores?

Q56 Todas assugestõesfornecidas

pelostrabalhadores

são levadas emconsideração

pelossuperiores?

Q57 Ostrabalhadores

podemexpressar

livrementesuas ideias esentimentos?

Q58 O trabalhoé distribuídocom justiça?

Domínio 4

Extremamente Muito Pouco frequente

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reconhecido pelos superiores 52,9% (Questão 53), as sugestões fornecidas pelos

trabalhadores são pouco consideradas pelos superiores 52,9% (Questão 56) e o

trabalho não é distribuído com justiça 47,1% (Questão 58). Essas questões

prevalecem no Instituto, mostrando, assim, a fragilidade das relações entre os

superiores e os agentes penitenciários.

O entrevistado AGP 12 afirma que os problemas de relacionamentos no

Instituto não estão centrados nas relações entre os agentes penitenciários, como

mencionado na Sessão um (1), e complementa dizendo que a relação com a chefia

gera conflitos entre as equipes, estando presentes favorecimentos de profissionais em

detrimentos de outros. Alguns profissionais preferiram não responder às questões

desse domínio, e optaram em não expor suas percepções sobre pontos relacionadas

com suas chefias.

O AGP 1, nas primeiras entrevistas realizadas na pesquisa, afirmou haver,

por parte da gestão, comportamentos que escondem a realidade do local: “quando

vem fiscalização eles maqueam tudo, colocam roupas nos internos e limpam o local”.

Do mesmo modo, o AGP 12 acredita que nem todas as informações são passadas

sem que antes sejam distorcidas pela direção do Instituto.

As relações que se estabelecem no local de trabalho criam ou fragilizam os

vínculos entre os sujeitos que fazem parte desse espaço. O não reconhecimento do

trabalho e a desconfiança nos direcionamentos que são apresentados pela direção

geram desgastes entre os profissionais e podem fragilizar os vínculos entre as chefias

e os agentes penitenciários.

As chefias, de acordo com Nassar (apud Leite et al., 2016), são os

principais artífices da boa comunicação interna, possuindo responsabilidades que

levam a instituição a crescer e a desenvolver-se. Quando essas chefias possuem

conflitos e apresentam baixa confiabilidade em relação aos profissionais, afeta toda a

instituição, desde a forma de atuação que se encontra no Instituto, não padronizada,

conforme discutido nos subcapítulos anteriores, até as conduções gerenciais que

precarizam o trabalho dos profissionais.

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Gráfico 05 - Distribuição das questões da Sessão 5 – Pensamento sobre o Superior Imediato (N=17)

Fonte: Elaborado pela autora.

A sessão cinco (5), intitulada como pensamento sobre o superior imediato,

apresenta fatores existentes nas questões que conduzem a análise sobre o

relacionamento com os chefes de equipe e a chefia imediata dos agentes

penitenciários.

Durante a coleta de dados, predominou o fato de ter como prioridade, entre

os interlocutores dessa pesquisa, agentes penitenciários das quatro equipes de

trabalho da instituição. Com isso, podem-se compreender os aspectos desse estudo

pelos diferentes olhares dos sujeitos que fazem parte do Instituto.

A instituição é formada, em seus aspectos físicos e relacionais, pelos

sujeitos que fazem parte dela, pois, sem a ação humana, ela não existiria e nem

conseguiria se manter ao longo dos anos; as paredes, as celas, o telhado, os muros

estão postos e mantidos por pessoas. As chefias fazem a gerência e organização para

que o funcionamento do Instituto prevaleça.

De acordo com Goffman (1987), o material de trabalho da equipe dirigente

constitui-se de elementos humanos e a sua tarefa se reduz à administração,

gerenciamento e controle de pessoas. O autor ainda acrescenta que a equipe dirigente

enfrenta o que ele chama de problemas de governante, se comparar o funcionamento

das instituições ao do Estado, e apresenta problemas parecidos com os que os

governantes possuem, como: conflitos entre meios e fins; manutenção de padrões

29,435,3 35,3

5,911,8

5,9

47,152,9

70,6

0

10

20

30

40

50

60

70

80

Q59 Com que frequência seussuperiores o escutam emrelação aos problemas de

trabalho?

Q60 Com que frequência seussuperiores fornecem apoio e

ajuda?

Q61 Com que frequência seussuperiores falam com você

sobre o desenvolvimento doseu trabalho?

Domínio 5

Sempre Frequentemente Pouco frequente

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humanitários versus eficiência institucional; distanciamento versus afeição pelos

sujeitos e; esforços para evitar fugas. Pode-se entender a equipe de dirigentes que

Goffman utiliza em seu estudo como a equipe de chefes de do Instituto.

Existem padrões de condutas, em ambiente prisional, que repercutem em

comportamentos centrados na eficiência institucional. Verifica-se, no entanto, que os

chefes de equipe do Instituto não priorizam a satisfação no trabalho de AGPS e não

possibilitam oportunidades a esses profissionais, gerando insatisfação.

É no espaço constituído entre o sentimento de inutilidade ou de

desqualificação que o trabalhador passa a não se sentir parte integrante do processo

construtivo de seu trabalho, principalmente quando suas atividades não representam

significações ou reconhecimento, o que pode gerar no trabalhador o sentimento de

frustração, estagnação, fazendo-o acreditar que não é capaz de executar aquilo que

desejava ou não se perceber enquanto sujeito social que pode intervir nesse processo

(PITTA, 1994).

O AGP 12 traz, em sua fala, a presença da insatisfação no trabalho com o

chefe de equipe, que é motivada pelo baixo reconhecimento de sua atuação na

instituição: “eu trabalho bastante, faço o meu melhor, mas o chefe não ver isso”.

Tschiedel (2012) afirma que o trabalho dos agentes penitenciários são

permeados por elementos como: o descrédito no trabalho, desânimo e o não

reconhecimento de suas ações. A presença desses fatores no local de trabalho

contribui para a existência de riscos psicossociais, que podem geram tensão,

esgotamento e fadiga nos profissionais.

A condução nas resoluções dos conflitos que surgem em equipe e o

planejamento das atividades são algumas das atividades realizadas pelos chefes de

equipe. Os agentes penitenciários afirmam, no entanto, que não é constante o esforço

dos chefes de equipe em resolver conflitos e realizar um bom planejamento para as

atividades que serão desempenhadas pelos AGPS.

O local de trabalho é abordado por meio do Questionário Copenhagen

Psychosocial Questionnaire – COPSOQ a partir das relações com os gestores e as

chefias imediatas dos agentes penitenciários. Notou-se, porém, que havia a

necessidade de problematizar e compreender o local de trabalho desses profissionais

a partir do espaço físico, pois, conforme Lourenço (2010) e Ferreira (2016), existem

fatores de risco presentes no espaço ocupacional dos AGPS importantes de serem

analisados.

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No Instituto, os agentes contam o ambiente descrevendo sua estrutura

física e as modificações cotidianas que afetam a saúde deles.

Olha, aqui tem a Quadra Norte e a Quadra Sul, na norte a gente coloca os presos que a gente percebe que têm problemas mentais mais sérios,tipo retardo mental, a Quadra Sul é mais os que vêm de outras unidades principalmente na maioria do interior para realização de laudos periciais psiquiátricos, que são temporários, que conversam com você normalmente, provável ter esquizofrenia ou não, mas tem contato com a gente, conversa, quando nós estamos lá dentro ele fica ao redor da gente conversando assuntos mesmo do cotidiano da vida deles, já da quadra norte são dementes, são pessoas que não têm diálogo, passam o tempo perambulando dentro da unidade, andando em círculo (AGP 1, em: 5 de fevereiro de 2018).

O Instituto atualmente funciona próximo a outras unidades prisionais, com

sua estrutura administrativa e física seguindo o modelo carcerário, como relatado pelo

AGP 1.

A pesquisa em campo possibilitou conhecer a estrutura física e os espaços

de vivência laboral por meio de uma visita guiada por um chefe de equipe da

instituição. No momento, foi possível fazer um percurso por todo o Instituto. Durante

o trajeto da visita, houve participações de AGPS contando sobre os espaços e falando

sobre a rotina da vivência desse ambiente.

O chefe de equipe afirma que o instituto é composto por duas quadras que

são separadas por um pátio e pelo refeitório; a Quadra Sul fica mais próxima à sua

sala, onde se divide entre sala e lugar de descanso dos agentes, possuindo algumas

camas e uma mesa em que trabalha.

A gente tem dificuldade em relação a espaço,sabe, eu mesmo não tenho sala, fico numa mesa junto com as camas que os agentes se revezando para descansar, é alojamento e sala ao mesmo tempo. Isso incomoda, eu não me concentro para fazer as coisas burocráticas que tenho para fazer (CHEFE DE EQUIPE, em: 3 de fevereiro de 2018).

É reconhecido, entre as falas dos entrevistados e a do chefe de segurança,

que o Instituto tem estrutura pequena. Alguns agentes acrescentam a essa fala o

desconforto em relação ao espaço de descanso, que tem pouca privacidade. O local

é usado como dormitório, guarda de pertences e ambiente de trabalho do chefe de

equipe.

A divisão que o chefe de equipe afirma ter nas quadras é feita pelos agentes

e pela equipe de profissionais de saúde. E somente após definição do laudo e

constatado que o indivíduo está em medida de segurança, é que estes são

direcionados para as quadras.

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Durante a visita, o AGP 7 se aproxima e afirma que o Instituto possui salas

de disciplina que ficam próximas à Quadra Sul, tendo aparência de celas8, onde são

levados os internos que cometeram alguma indisciplina: “ é um local de isolamento,

triagem e atenção ao surto” (AGP 7, em: 28 de fevereiro de 2018) . A Quadra Norte

fica mais próxima das salas de atendimento médico e psiquiátrico; e das salas de

atendimento psicológico, bem como do serviço social.

Aqui tem uma ala norte e uma ala sul, o pátio, tem também as salas de disciplina que é quando eles estão em crise, mas também serve para quando chega um preso de fora e vem para passar um tempo, elas também funcionam como se fosse uma triagem, é triagem, castigo e isolamento, as três coisas juntas, castigo, triagem e isolamento. Aqui por mais que não pareça, acontece castigo, por que tem disciplina e aqui tem também uma indisciplina, tem normas que eles acabam não cumprindo. (AGP 7, em: 28 de fevereiro de 2018)

Porto (2000) descreve as condições de trabalho em loci, caracterizando os

espaços a partir da infraestrutura física que viabiliza, em maior ou menor medida, o

exercício laboral. O ambiente pode apresentar, a partir da sua divisão de setores e

características, tais como a que o AGP 7 trouxe em sua fala, algum dano ou agravo à

saúde dos sujeitos que constituem esse espaço.

O espaço denominado pelos agentes como sala de disciplina é o local onde

são feitos os atendimentos denominados como triagem. O período em que ficam na

instituição para essa triagem é definida judicialmente, mas, segundo o AGP 9, pode

ter duração de 40 dias. Esse mesmo espaço é usado para cumprimento de disciplina,

que se dá mediante as regras da instituição e normativas do sistema penal, ou seja, é

o lugar do castigo; mas também é o espaço de atendimento a situações de surtos,

onde enfermeiros e técnicos de enfermagem costumam medicar e deixar em

observação os internos. Esse espaço das salas de disciplinas é mais próximo ao local

onde se concentram o maior número de agentes no período diurno, que é o corpo da

guarda.

O AGP 2 conta que o Instituto tem duas entradas: a principal, por onde o

administrativo e a gerência da instituição entram e possuem suas salas, recepção,

diretoria, administração; é também onde acontece o fluxo de entrada e saída de

visitas, como advogados e profissionais que atuam na administração da instituição;

após essa entrada, tem um corredor largo que dar acesso a dois banheiros e ao

8As celas que são referidas ao longo do texto. É uma denominação dada dentro do Sistema Penitenciário para os locais de aprisionamentos que lembram salas pequenas, mas com grades e pouca ventilação, com espaço para cama.

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estacionamento para os agentes penitenciários; depois do estacionamento, existe

uma porta que dar acesso ao corpo da guarda, lugar em que ficam os agentes; esse

espaço é pequeno, possui uma televisão que fica ligada o dia todo, e há a presença

constante de um agente que sempre monitora o movimento do dia, os horários de

entrada e saída dos demais agentes do plantão, controle do horário de almoço,

descanso e o momento de “ir para dentro”9.

A segunda entrada é por meio de um portão grande preto, logo após a

entrada principal. Essa entrada é mais utilizada pelos agentes penitenciários, que

adentram com seus carros e estacionam em um espaço depois do portão. Nesse

mesmo espaço, existe uma sala pequena onde ficam as algemas, bastão, chaves,

uma mesa e cadeira; sala onde circulam cotidianamente os agentes para pegar os

objetos que estão lá. Nas extremidades do corpo da guarda, existe, no lado direito,

uma grade que possibilita o acesso à Quadra Sul e aos espaços que ficam próximos

dela; na extremidade esquerda do corpo da guarda, existe outra grade que dá acesso

ao pátio e à Quadra Norte, local em que os agentes mais circulam entre abertura e

batidas de tranca; essa grade é por onde os internos se comunicam com os agentes.

O local do corpo da guarda é onde se podem ter todas as notícias do que

está acontecendo, é o local de escuta, é também o lugar em que ouve, mais

intensamente, os gritos, os silêncios e os ecos que direcionam o dia de trabalho. “Ei,

ei, (fortes batidas consecutivas na grade do portão), ei, tô com fome, me dá café!” grita

um interno batendo com copo na grade do portão que dá acesso ao pátio e recepção.

Um AGP olha para a pesquisadora e diz: “se eu der café toda hora para eles não tem

café que aguente, deixa ele bater, uma hora ele cansa”.

Fazendo uma volta até a lateral do prédio, onde ficam as quadras e a

estrutura em que os agentes trabalham, há uma escada; subindo, pode-se ter uma

visão geral de todo o prédio, entretanto, a vista é mais focada no pátio e nas quadras,

onde os AGPS ficam, no período noturno, se revezando na vigília dos presos quando

esses já têm se recolhido às celas.

A estrutura física do Instituto remete ao que Foucault (1983) denomina

como observatórios da multiplicidade humana, local com arquitetura baseada em

9 Expressão utilizada pelos agentes quando devem cumprir suas duas horas de plantão na parte interna da instituição, onde têm contato direto com os internos, local em que os internos passam desde as 7 horas da manhã até as 18 horas; ficam todos juntos, sem algema, sem nada que os impeçam de se movimentar dentro do quadrilátero denominado como pátio.

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dispositivo que permite a observação constante dos sujeitos que coabitam essa

instituição. De acordo com Foucault, a arquitetura de dispositivos punitivos foi

projetada para permitir o controle interior, para tornar visíveis os que nela se

encontram. O autor traz ainda o símbolo do panóptico, que é uma construção em anel,

com uma torre no seu interior, vazada por grandes janelas, que permitem a

observação irrestrita dos compartimentos à sua volta. A disposição de compartimentos

em torno de pátios, mesmo sem a torre central de vigilância, também favorece os

procedimentos de inspeção, controle e distribuição dos indivíduos, de modo a

assegurar a primazia da disciplina.

O formato apresentado se faz contemporâneo comparado com a estrutura

do Instituto, onde existe um espaço mais elevado em que os profissionais fazem a

vigília, a centralidade do pátio entre as celas, e a estrutura pequena do ambiente de

trabalho dos agentes penitenciários facilita a sua função de vigiar.

Durante o dia, de acordo com o AGP 2, no período das 7h às 18h, os

internos ficam no pátio. Esse pátio é onde acontecem, algumas vezes, os jogos de

futebol entre os AGPS e os internos e onde, a cada duas horas, os AGPS se revezam

dentro do tempo de plantão para ficar nesse ambiente.

Eu sempre fui acostumado a trabalhar com uma grade separando o agente do preso, então quando eu entrei a primeira vez eu fiquei receoso sim, mas, estourando meia hora eu já percebi que não iria acontecer nada, por que é como se você tivesse alí e estivesse apenas outro preso igual a eles, eles não tem interesse em fazer mal a você, enquanto em outras unidades você não pode nem pensar em ficar assim, se você ficar é 99% de chances de acontecer alguma coisa e você ser uma moeda de troca (AGP 4, em: 28 de fevereiro de 2018). Eles ficam soltos o dia todo, tem agente que não consegue estar aqui por isso, não é tão simples como se pensa, a gente senta lá no refeitório quando dá o tempo de entrar para ficar as duas horas com eles e em menos de cinco segundos aparecem uns dez falando ao mesmo tempo comigo, eu saio tonto, doidinho de lá. Experimenta conversar com doido, eles falam a mesma coisa várias vezes (AGP 10, em: 8 de fevereiro de 2018).

O espaço do pátio é temido pelos profissionais que chegam ao Instituto,

pois há o receio de ficar sem as grades que separam os internos e os agentes. É

unânime entre os agentes quando dizem que o Instituto não é um espaço que exige

esforço físico no trabalho. Porém, segundo relatos deles, existe um desgaste psíquico

elevado ocasionado tanto pelo relacionamento mais próximo com os internos como

pela pressão sobre o trabalho a partir das chefias.

A relação de medo, insegurança e o trabalho de agentes penitenciários é

algo presente na maioria dos espaços de trabalho e de convivência. Lourenço (2010),

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por meios de estudos, trouxe dados de que o sentimento de medo aflige o trabalho

desses profissionais dentro e fora dos muros de prisões; cerca de 70% da sua amostra

retrata a dificuldade dos AGPS para dormir por passarem à noite pensando em

episódios de violência.

As grades significam a segurança para os agentes do não contato, da

“proteção”. São unânimes, nas narrativas dos entrevistados, as comparações feitas

acerca do ambiente do Instituto com o de outras unidades em que atuaram antes. O

pátio traz a simbologia mais forte da diferença, pois nele não há grades, existindo a

interação direta entre agentes e internos. É o espaço da vivência das duas horas de

plantão que é retratada, por alguns agentes, como momento prazeroso de convívio,

porque exclui a figura do preso e mostra a visão de outra pessoa que não está privada

de liberdade. É o espaço da conversa sobre coisas que, por vezes, não são

entendidas, mas que devem ser ouvidas. Já outros veem o pátio e seu tempo de

trabalho nesse espaço como algo negativo, adoecedor, irritante, e que não deveria

existir.

A estrutura do Instituto assemelha-se aos demais locais do sistema

penitenciário quando comparada às condições de salubridade referentes à higiene, às

estruturas físicas antigas, ao ambiente com pouca ventilação dentro das celas. Borges

(2011) afirma que a estrutura física dos presídios favorece a disseminação de

patologias que possuem estreita vinculação com ambientes insalubres.

A realidade de ambiente sujo e com grande concentração de doenças

transmissíveis é algo que se apresenta no Instituto. O AGP 13 afirma “ser o Instituto

um local com forte odor em várias celas, com presença de ratos, internos sujos, que

defecaram e passam dias sem nenhum tipo de higienização.” (idem, em: 13 de

fevereiro de 2018)

Lourenço (2010), Diniz (2016) e Ferreira (2016), dentre outros estudiosos

sobre prisões e manicômios judiciários, já abordavam, em suas discussões, as

condições precárias de higiene e os ambientes insalubres de presídios e manicômios

judiciários; com a presença de acúmulo de mofo, pouca ventilação e estrutura física

antiga, instalações elétricas e hidráulicas com problemas.

O AGP 14 reforça a fala do AGP 13 quando afirma que “o Instituto é muito

imundo, o cuidado com os internos é muito ruim, mas quando vai alguma fiscalização,

como eles avisam, o pessoal maquia” (AGP 14, em: 16 de março de 2018). O AGP 6

contribui nos contando que “no sistema como um todo tem muitos agentes com

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doenças de pele, coceira, frieira, os internos têm pouca higiene, pelo nosso contato

mais direto com eles a gente acaba pegando” (AGP 6, em: 3 de março de 2018).

Os locais pouco ventilados e que albergam um grande quantitativo de

pessoas compartilhando do mesmo espaço, aliadas às precárias condições de

higiene, falta de controle da qualidade dos alimentos fornecidos e uso de drogas

ilícitas configuram-se como fatores de risco à saúde desta população (BORGES,

2011).

As doenças dermatológicas, de vias respiratórias e transtornos mentais são

os principais tipos de adoecimentos presentes entre as pessoas privadas de liberdade.

Tais patologias são condicionadas ou agravadas a partir das condições estruturais no

que se refere ao espaço e à convivência entre os sujeitos que coabitam um mesmo

ambiente de vida. Dividem diariamente o espaço que, para um, é único naquele

momento; e, para o outro, representa o espaço de trabalho que está presente pela

soma de tempo de sua vida.

É a partir dessas relações que se constata o ambiente e todas as interações

vivenciadas pelos sujeitos que constituem esse espaço, seja na transmissão de

doenças, seja na troca de diálogos ou de sentimentos, ou mesmo na vivência e

contaminação pela condição dada no espaço. O Instituto é, portanto, um local que

abriga um grande quantitativo de pessoas compartilhando do mesmo ambiente e

trazendo, a essas interações, históricos de adoecimentos e formas de vivências.

A saúde de agentes penitenciários tem sido, cotidianamente, impactada de

forma negativa. A partir das pesquisas de Corrêa (2009), Reis et al. (2012) e Silva et

al. (2012), é possível perceber como esse impacto é determinado pelas condições de

trabalho que são impostas historicamente aos agentes e influem na saúde desses

profissionais. As condições dos locais de trabalho estão intimamente associadas aos

espaços físicos, às instalações elétricas, às condições organizacionais, ao trabalho

em equipe, às perturbações ergonômicas, dentre outros riscos que são enfrentados

diariamente pelos trabalhadores do sistema penitenciário.

O Instituto traz diversidade de sentidos e sentimentos aos AGPS, sendo o

ambiente que representa a calmaria e a barbárie, é “o local onde tem os crimes mais

bárbaros, porque é aquele que acaba matando a mãe, a esposa”, é insalubre e

adoecedor “pois meche com nossos nervos”, mas também é local de interação e

descontração “quando a gente tem um tempo a gente joga uma bola com eles”. Para

alguns agentes, é um local que proporcionou melhora para sua saúde – afirmação

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unânime entre os entrevistados –, por acreditarem ser o Instituto um dos locais mais

calmos do sistema penitenciário e, por isso, a existência dessa instituição é legitimada

pelos AGPS.

O Local de trabalho também é o lugar das relações, das socializações, de

trocas, é o lugar “macabro”, mas calmo e almejado. A partir da vivência e

aproximações iniciais com esse espaço, retoma-se a indagação: é local adoecedor ou

fortalecedor da saúde dos profissionais? Essa dúvida foi respondida pelos diferentes

olhares dos AGPS, pois é necessário trazer à discussão as relações de trabalho que

envolvem a vida intramuros e extramuros desses profissionais, para melhor

compreensão das condições de saúde dos profissionais, que serão discutidas no

próximo capítulo.

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5 RELAÇÃO SAÚDE E TRABALHO INTRAMUROS E EXTRAMUROS

5.1 “MAIS DA METADE DO SISTEMA ENCONTRA-SE ADOECIDA”: SAÚDE, BEM-

ESTAR E ADOECIMENTO DE AGENTES PENITENCIÁRIOS

O título do subcapítulo foi retirado de uma fala do AGP 3, um dos

interlocutores dessa pesquisa. Quando indagado se percebe que agentes

penitenciários adoecem pelo exercício do trabalho, o AGP 3 afirma que “mais da

metade do sistema encontra-se adoecida, quando vem para o Instituto é um estágio

final, digamos assim, eles já vêm adoecidos de outras unidades, principalmente

psicologicamente”.

A literatura brasileira que aborda o adoecimento de agentes penitenciários,

como Lourenço (2010), Ferreira (2016), Vasconcelos (2002), dentre outros, discutem

o adoecimento associado à atuação desses profissionais em unidades prisionais,

tornando-se escasso o estudo de AGPS que trabalham em Hospitais de Custódia e

Tratamento Psiquiátrico ou Institutos Psiquiátricos que compõem o sistema

penitenciário.

Desde 1960, houve o aumento de iniciativas para minimizar os efeitos

negativos da atividade laboral na saúde de trabalhadores por meio de estudos e

investimentos de pesquisadores, líderes sindicais, trabalhadores e governantes.

Conforme discute Paim (2009), a saúde do trabalhador não foi inserida logo

de início no sistema público de saúde no Brasil, esta nasceu por três eixos: a saúde

pública, medicina previdenciária e medicina do trabalho. A medicina do trabalho não

teve tanto destaque para os órgãos de saúde pública, não se consolidou como

conhecemos hoje por saúde ocupacional ou saúde do trabalhador, isso só veio a

acontecer a partir de 1930, com a criação do Ministério do Trabalho e implantação de

outras ações direcionadas a esse âmbito.

A partir do ano de 2002, a saúde do trabalhador começa a receber maior

incentivo e afirmação por meio da Portaria nº 1.679 (2002), que cria a Rede Nacional

de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador – RENAST. Esta tem como objetivo a

integração da rede de serviços ofertados no Sistema Único de Saúde - SUS, no que

se refere à assistência e vigilância nas ações sobre saúde do/a trabalhador(a).

As ações em saúde, com ênfase no trabalhador, tiveram avanços no

período da ditadura militar, em meio à repressão e à procura por apoio populacional

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91

pelos governantes. A implementação do Ministério da Saúde e os movimentos sociais

desencadeados nesse período impulsionaram a concretização, em nível legislativo,

por meio das lutas populacionais, do que temos hoje como Política Nacional de Saúde

do Trabalhador e da Trabalhadora (2012), resultado este de todo o processo histórico

de luta por direitos.

No que se refere ao estado do Ceará, foi instituído o Plano Estadual de

Saúde (2012-2015), que traz a Rede Estadual de Atenção Integral à Saúde do

Trabalhador, embasada na RENAST e voltada para atenção à saúde do/a

trabalhador(a) de forma integral. A pretensão é que a atenção integral em saúde de

trabalhadores se desenvolva em todos os pontos da rede de atenção do SUS, desde

a atenção básica até os serviços de média e alta complexidade, e nos Centros de

Referência em Saúde do Trabalhador- CEREST. Inserido nessa estrutura, existe a

Coordenadoria de Políticas e Atenção à Saúde- COPAS10 e o Núcleo de Atenção à

Saúde do Trabalhador – NUAST11 (BRASIL, 2014).

A saúde, como uma política pública, é assegurada como direito

fundamental12em âmbito constitucional, mas sua operacionalização vem sendo

constantemente precarizada, principalmente no que se refere à saúde de

trabalhadores, isso por ter sido direcionada em contexto neoliberal, com profundas

contradições desde sua criação.

A trajetória das políticas públicas não é linear, ela segue uma dinâmica de

correlações de forças que permeiam as relações de construção destas e englobam,

por vezes, conceitos fundamentalistas e descritivos (SOUSA, 2006; LEMIEX, 1994).

A operacionalização da Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da

Trabalhadora está, intrinsecamente, associada ao exercício do trabalho, à percepção

das relações que se estabelecem no campo de atuação e à forma como as mudanças,

no âmbito organizacional, possibilitam transformações e influências na saúde de cada

profissional, juntamente com os aspectos sociais, políticos e demais fatores

10A Coordenadoria de Políticas e Atenção à Saúde é responsável pela coordenação da Rede Estadual de Atenção à Saúde do Trabalhador no Ceará. 11 O Núcleo de Atenção à Saúde do Trabalhador – NUAST tem como atribuições a coordenação do processo de incorporação de ações de saúde do trabalhador nas diferentes instâncias do SUS, estabelecendo diretrizes e monitoramento da aplicação dos recursos repassados para implementação das ações. 12 No que se refere a direitos fundamentais, atualmente existem cinco gerações, assim chamadas; os direitos de primeira geração são de liberdade individuais, civis e políticas, onde o Estado não interfere; os de segunda geração são os econômicos, sociais e culturais; os de terceira geração são os de fraternidade, existindo ainda os de quarta geração, que são os de democracia direta, pluralismo jurídico e acesso a informações; e o de quinta geração, que é o direito a paz.

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ambientais e biológicos. É possível apontar que esse conjunto de aspectos apresenta

possibilidades que podem afetar a saúde de profissionais.

A escassez de produção nessa área, principalmente em relação à saúde

de agentes penitenciários, revela a necessidade de se discutir a saúde, o bem-estar

e o adoecimento com os trabalhadores que atuam em instituições prisionais e

psiquiátricas. Esse tema e suas indagações estarão sendo pensadas nesse

subcapítulo a partir das falas dos entrevistados e das sessões 06 e 07.

A Sessão seis (6) é constituída por 12 questionamentos, dentre eles, foram

selecionadas as questões que tivessem aspectos como: sono, desgaste, exaustão,

problemas para relaxar e estresse. São fatores presentes no âmbito de trabalho dos

agentes penitenciários e que se faz necessário analisar a partir do Gráfico 06.

Gráfico 06 - Distribuição das questões da Sessão 6 – Saúde e bem-estar (N=17)

Fonte: Elaborado pela autora.

Quando indagados com que frequência dormiam mal e tinha problemas de

insônia, prevalece em 47,1% (Questão 70, Gráfico 6) os agentes penitenciários com

dificuldades para dormir. O AGP 8 traz em sua fala o que foi identificado nos dados,

acrescentando alguns motivos: “eu sinto dificuldades para dormir, fico agoniado, é

como se eu estivesse agitado sempre, tomo medicação, um calmante para dormir

melhor” (em: 3 de março de 2018).

A rotina de trabalho em regime de plantão, com constantes alterações dos

horários para dormir e acordar, necessitando ficar atento durante a noite, pois pode

ser necessário despertar para intervir em alguma situação, é corriqueira na atividade

23,5

5,9

29,4

5,9

29,4

47,141,2

29,4

70,6

47,1

29,423,5

41,2

5,9

23,5

0

10

20

30

40

50

60

70

80

Q70 Dorme mal? Q71 Se sentedesgastado?

Q73 Se sentefisicamente

exausto?

Q78 Temproblemas para

relaxar?

Q81 Ficaestressado?

Sessão 6

Sempre Frequentemente Às vezes

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profissional de agentes penitenciários. As adaptações que necessitam fazer, desde o

local onde dormem até o tempo de sono que é alterado pelos plantões extras,

seguidos ou com intervalo menores de 72 horas de descanso, como é previsto, pode

alterar na qualidade do sono.

Além dos plantões, como mencionado pelo AGP 8, existe a constante

agitação dos profissionais pela espera do que pode vir a acontecer. O cotidiano de

trabalho, a violência, o medo e a rotina desperta no AGP a iniciativa de sempre ser o

profissional pronto ao serviço. Essa realidade ultrapassa o cenário intramuros do

cotidiano de vida desses profissionais, atingindo seu sono, causando angústias e

sofrimento.

Lourenço (2010) e Tschiede (2013), em suas pesquisas com agentes

penitenciários, constataram que o medo, a violência e o sofrimento estão presentes

no cotidiano laboral a partir da organização, das condições e das relações de trabalho

desses profissionais. Lourenço identificou que 70,4% dos agentes penitenciários

tinham dificuldade para dormir, pensando na violência; 62,7% já haviam acordado no

meio da noite, pensando em situações violentas; e 64,4% evitavam pensar sobre o

assunto. O pesquisador enfatiza que o medo é um dos sentimentos que mais aflige o

AGP fora dos muros das prisões.

Muitos dos agentes entrevistados afirmam fazer uso de medicações para

conseguir dormir; alguns dizem que apenas por meio delas conseguem descansar.

Andrade (2015), agente penitenciária e pesquisadora da área da segurança pública e

do sistema penitenciário, afirma, em trabalho realizado sobre o estigma presente na

atuação de AGPS, que um dos impactos na saúde desses profissionais e que afeta

diretamente sua qualidade de vida é a dificuldade para dormir, associada a ansiedade

e angústia.

De acordo com os parâmetros da OMS, a qualidade de vida é a percepção

que os indivíduos têm em relação à sua vida, no contexto cultural e no sistema de

valores em que vivem, e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e

preocupações. O contexto laboral é transversal a todos esses aspectos e é visto como

um dos elementos necessários para se pensar a qualidade de vida.

A violência, o medo e o sentimento de angústia, contidos na fala do AGP e

nas discussões dos pesquisadores sobre a temática que incide sobre a qualidade do

sono desses profissionais, podem ser pensados em conjunto com os dados

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identificados sobre a dificuldade em relaxar, que apresenta predominância de 70,6%

(Q 78, Gráfico 6) nesse estudo.

Esse dado foi um dos mais elevados entre as nove sessões dessa

pesquisa. Quando indagados, em entrevista, sobre o motivo por sentir dificuldade em

relaxar, os AGP trazem vários elementos em suas falas, desde o histórico de atuação,

“a gente vem de unidades que não dar para relaxar”; o risco em trabalhar no sistema

penitenciário, “o Instituto é mais calmo, mas o risco continua, estamos no sistema

penitenciário ainda”; como a profissão é vista no imaginário social, “a sociedade cobra

da gente resposta que não podemos dar”; até a necessidade em trabalhar além da

carga horária da profissão, afetando diretamente o tempo de descanso, “era para ser

3 dias de folga para que a gente pudesse descansar, mas, o salário é pouco e

precisamos fazer mais plantões, por isso não dar para descansar a mente e relaxar”.

Os discursos revelam a dinâmica de agentes penitenciários que vivem

circundados dos elementos de seu trabalho, a dificuldade em relaxar, como foi

exposto, está diretamente associada ao contexto de trabalho desses profissionais.

Em pesquisa realizada na Penitenciária Estadual da cidade de Três Passos

– RS, sobre os sintomas da síndrome de burnout em agentes penitenciários, Satler

(2014), identificou-se que os agentes entrevistados também apresentaram dificuldade

em relaxar, relacionando essa situação ao cotidiano de trabalho e à vida desses

profissionais.

Benevides (2001) afirma ser necessário ter descanso, assim como

desenvolver atividades de lazer e momentos que proporcionem relaxamento, com

programações que não estejam associadas ao trabalho, para que os indivíduos

possam conviver melhor com suas atividades laborais. O cotidiano de vivência por

muito tempo em ambiente prisional, como discutido por Lourenço (2010) e Chies

(2001), causam nos sujeitos que coabitam nesse ambiente as dores do

aprisionamento e aprisionização, como abordado no capítulo anterior. A proximidade

dos agentes penitenciários com os internos e as mudanças de comportamento que

acontecem por meio desses processos também passam pela esfera da tensão,

pressão e violência, afetando diretamente sua saúde.

Nas falas dos agentes, o fenômeno da violência é identificado como

elemento predominante que determina ou condiciona algumas situações. De acordo

com os estudos de Minayo et al. (2017, p.446), “a violência não é sinônimo de crime,

embora a maioria dos crimes em que são acusados os presos seja praticada com

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violência”. No Instituto, de acordo com os AGPS, os delitos cometidos pelos internos

são situações de extrema violência e, em sua maioria, contra familiares ou pessoas

próximas.

A violência se apresenta de forma estrutural e histórica no cenário

brasileiro, suas ramificações afetam diretamente a saúde de profissionais que atuam

em ambiente prisional, pois, nesse cenário, existe um contingente populacional que

contribui para o incremento da criminalidade, violência e insegurança social, além de

serem vítimas de lesões, traumas e vários tipos de adoecimento em maiores

proporções do que a população em geral (MINAYO, 2017).

Posteriormente, será apresentado um subcapítulo que abordará, de forma

mais detalhada, a violência para melhor compreensão de seus tentáculos que atingem

e formam o cenário de atuação dos agentes penitenciários.

O desgaste foi mencionado nos questionamentos realizados,

apresentando, em 41,2% (Q71, Gráfico 6) dos agentes, a sensação de estar

frequentemente desgastados.

As mudanças na dinâmica do trabalho nos últimos anos incidem de forma

generalizada em todos os trabalhadores. No Instituto não é diferente, os conflitos nas

relações entre os agentes penitenciários e as chefias, a não efetividade do trabalho

ocasionado pelas condições estruturais, precarização das condições de trabalho,

atuação em ambiente manicomial, invisibilidade da categoria profissional perante o

Estado e a sociedade civil e a visibilidade do estigma e preconceitos com essa

profissão podem desgastar o profissional da área.

O conceito de desgaste no trabalho está ancorado em Laurell e Noriega

(1989) e se define como resultado de processos adaptativos que acometem o

trabalhador, sendo entendido ainda como a perda da capacidade efetiva e/ou

potencial, biológica e psíquica não se referindo a um processo isolado. Suas

repercussões não geram, necessariamente, patologias, mas desencadeiam

repercussões em todos os níveis da vida do trabalhador (CORRÊA, 2015).

Seligmann-Silva (1994) expõe que os diversos problemas de saúde dos

trabalhadores constituem processos de desgaste. Para essa autora, o desgaste do

trabalhador compreenderia três dimensões: a primeira, decorrente dos acidentes de

trabalho ou da ação de substâncias tóxicas; uma segunda, pela fadiga crônica e; a

terceira, pelo desgaste da esperança, que afeta a identidade do trabalhador, atinge

seus valores e crenças e pode ferir sua dignidade.

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Minayo et al. (2008, p.50), em pesquisa realizada sobre saúde e trabalho

de policiais militares no Rio de Janeiro, afirma que, “do ponto de vista dos riscos e da

segurança, entendemos que se o processo de trabalho constitui um lócus privilegiado

da realização humana, ele também produz (em escala específica referente às

condições em que é exercido) desgaste físico e mental”.

O trabalho de agentes penitenciários, assim como de qualquer outro

trabalho, pode proporcionar felicidade, prazer, realização, desenvolvimento de

potencial criativo ou causar desgaste. A prevalência do desgaste foi analisada a partir

da frequência em que esses profissionais se sentem exaustos fisicamente e

emocionalmente. Na Sessão três (3), apresentou a prevalência de alta demanda

emocional entre os agentes, e, quando indagados sobre a exaustão emocional em

sua atuação, afirmaram ser elevada, estando associada também ao relacionamento

com os internos e com os agentes penitenciários.

No capítulo anterior, foi mencionado que a relação entre os agente

penitenciários é harmônica e proporciona uma rede de apoio entre eles, entretanto, o

fato de identificar nos “colegas de farda” o adoecimento ocasiona, em alguns agentes,

a associação de um possível adoecimento decorrente da convivência.

No primeiro dia de coleta de dados em campo, foi dito pelo AGP que era

responsável pela escala do dia: “você veio para o lugar certo, aqui só tem agente

doente e são doidos viu, você vai dar remédio para a gente?” Outros agentes relatam,

em suas falas, que existem muitos colegas de profissão adoecidos. Quando

questionados sobre quais adoecimentos mais acometem esses profissionais, eles

trazem na fala a depressão, a síndrome do pânico, sofrimentos relacionados à

convivência sob ameaça e medo, e ainda relatam que existem algumas pessoas, não

no Instituto, mas em outros locais do sistema, que apresentam muitas queixas de

coceiras e alergias causando urticárias e dermatites; outra queixa recorrente é a

tuberculose. Os entrevistados não falam de seus adoecimentos, principalmente

quando relacionado a sofrimento e transtornos mentais leves.

Na pesquisa realizada por Moraes (2015, p. 35) com agentes

penitenciários, também houve uma maior facilidade de os profissionais entrevistados

identificarem o outro como o profissional que está adoecido, não falando de si. Os

agentes “consideravam outros agentes doentes e cheios de problemas em função do

desgaste no trabalho, mas não se reconheciam adoecidos”. Moraes embute na

reflexão a existência de códigos de virilidade, que são constituídos da necessidade de

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demonstração de serem fortes, de “aguentar qualquer parada”, isto associado ao

medo de serem identificados como profissionais que sofrem e adoecem.

Segundo os AGPS 10, 9, 8, 17, 7, 3 e 1, os agentes penitenciários que

atuam no Instituto se encontram adoecidos, identificam em seus colegas

psicopatologias ocasionadas pelo contato com o interno, com os colegas de trabalho;

pelo uso prejudicial de substâncias psicoativas; por terem passado por situações de

risco de morte em outras unidades prisionais e; pelas agressões e ameaças. Afirmam

também ter crescido o número de suicídios na categoria profissional.

O desgaste emocional acarretado pelo contato com os internos do Instituto

é representado na fala do AGP 2:

Aqui no Stênio Gomes por ser menos presos, vamos dizer que é mais calmo, mas, em compensação nós temos um contato maior com o preso, nós ficamos lá dentro.Conversar com doido e ficar no meio de doido é meio complicado, a conversa do doido é difícil, nós temos que ter muito preparo mental para lidar, o doido pergunta a mesma coisa 3x, defeca, bebe a urina e aqui é um local onde tem os crimes mais bárbaros, porque é aquele que acaba matando a mãe, a esposa (AGP 2, em: 2 de fevereiro de 2018).

O trabalho direto com pessoas com sofrimentos e transtornos mentais

exige conhecimento e capacitação profissional. É necessário compreender as

singularidades que atingem diretamente o cuidado e a atenção à saúde desses

internos. Os ambientes que proporcionam enclausuramento e exclusão social não

conseguem proporcionar o tratamento adequado, além de causar piora no

adoecimento, situação esta constatada por vários pesquisadores, profissionais de

saúde e estudiosos do assunto. Diante disso, a atuação em manicômio judiciário

apresenta-se contraditória e pouco eficiente.

O despreparo dos agentes penitenciários para a atuação no Instituto,

constatado nesse estudo, revela a fragilidade em que os profissionais estão expostos

e os riscos psicossociais presentes nesse contexto, pois o trabalho com os internos

da instituição é pouco discutido e são inúmeras as dúvidas e inseguranças em como

atuar.

Esse desgaste também é gerado, de acordo com o AGP 3, pelo que ele

denomina ser o oposto das ameaças, a “chantagem emocional”; o agente afirma que

é recorrente no trabalho haver internos que não conseguem ameaçar os profissionais

com o objetivo de troca por algum benefício próprio. O fato da maioria dos internos

não receber visitas e serem constantes as necessidades de itens de higiene básica,

bem como a necessidade recorrente de atenção, leva-os a necessitar pedir materiais,

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comida e momentos em que sejam ouvidos, o que o AGP 3 afirma identificar como

chantagens, afirmando que tais práticas o afeta por estar acostumado com o

afastamento com os internos.

O desgaste pelo contato com os colegas de profissão também foi

mencionado pelos agentes nas entrevistas. O AGP 2 aborda, em sua fala, a

convivência com os colegas como fator de desgaste, sofrimento e adoecimento.

Se você falar com todos os agentes daqui vai ver que alguns são muito mais carregados do que eu, às vezes eu não sei se eu adoeço por causa do preso ou se é por causa do colega. Eu tenho colegas bem mais doentes que o preso, que não teria nem condições de raciocinar para responder esse questionário, você vai ver. É por isso que meu comportamento aqui e que alguns não entendem é que quando estou de férias ou folga e vou sair não chamo nenhum colega AGP, por que eles vão falar sobre o sistema, e eu não quero ficar falando sobre isso direto. Isso é uma forma de me blindar (AGP 2, em: 2 de fevereiro de 2018).

Conforme o Gráfico 6, o desgaste apresenta-se prevalente no trabalho dos

agentes penitenciários do Instituto, 41,2% (Questão 71) dos agentes afirmam que

frequentemente sentem-se desgastados. Ao indagá-los em entrevista sobre a

motivação do desgaste, afirmam está associado ao estresse e ao desgaste emocional.

A exaustão física foi indagada, os agentes afirmam em 41,2% (Questão 73) às vezes

se sentem exaustos fisicamente. Quando abordaram a exaustão física esteve

associada à rotina de plantões extras que fazem, entretanto, o desgaste emocional

esteve mais presente nas narrativas.

O estresse é algo que predomina entre os discursos dos agentes

penitenciários. Pesquisas realizadas com esses profissionais abordam, de forma

corriqueira, a presença do estresse na atuação dos AGPS. Tschiedel (2012)

identificou, em sua pesquisa com AGPS, que eles sempre se referem ao estresse

como decorrente das tensões de trabalho, principalmente do contato com o preso,

acarretando, assim, doenças. Chies (2001) também constatou o estresse entre os

agentes que participaram de sua pesquisa, afirmando que, em conjunto com a

sobrecarga e as acumulações físicas e emocionais, este afeta a sociabilidade dos

profissionais.

No Instituto, os agentes penitenciários, ou seja, em 47,1% (Q 81, Gráfico

6), mostram-se estar frequentemente estressados.

Essa profissão é estressante e perigosa, não é a toa que a segunda profissão mais perigosa do mundo, a primeira são os mergulhadores e a segunda somos nós, temos um alto grau de estresse aqui, por isso que são esses 3 dias de folga, para a gente ter descanso da mente, cansa a mente você lidar com vários problemas sociais e psicológicos dos internos. A gente precisa de descanso. (AGP 8, em: 26 de fevereiro de 2018)

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Eu não sofro com estresse, troco plantões e negocio para outras pessoas para me substituir, assim posso ficar de 10 a 15 dias em casa de folga, por isso não sofro com estresse. (AGP 3, em: 22 de fevereiro de 2018)

Em meio ao cotidiano de trabalho que possuem fatores estressores, alguns

AGPS utilizam “estratégias de sobrevivência” por identificarem no Instituto um espaço

que ocasiona estresse, o AGP 3 aborda em sua fala as táticas que utiliza, estando

mais dias afastado do ambiente de trabalho.

Moraes (2015) afirma que, em 1997, foi realizada, pelo Instituto de Ciência

e Tecnologia da Universidade de Manchester, uma pesquisa sobre as profissões mais

estressantes entre as 104 investigadas, ficando em primeiro lugar a dos agentes

penitenciários. O estresse nas falas dos agentes está sempre associado ao ambiente

ocupacional e ao perigo que a atuação pode ocasionar. Não estar estressado, de

acordo com as falas, remete a não estar no ambiente de trabalho, e ainda enfatizam

o tempo de descanso entre os plantões como necessário.

Molina e Calvo (2007), em pesquisa realizada com essa categoria

profissional, identificaram que 48% de sua amostra apresenta vulnerabilidade alta

para o surgimento do estresse. Acrescentou também que o ambiente contribui para

que o trabalhador sofra desgastes físicos e emocionais, assim como o estresse.

O estresse é compreendido como um risco psicossocial para saúde de

profissionais. Kristensen et al. (2005) afirmam que o conceito de estresse é

abrangente e o compreende, ancorado nos preceitos do COPSOQ, como

consequência das elevadas exigências no trabalho e do baixo apoio social. A OIT

classifica o estresse como um risco psicossocial para os trabalhadores, afirmando que

ele poder ser expresso individualmente ou coletivamente acrescentando que pode

gerar consequências sobre o adoecimento e sofrimento de profissionais, decréscimo

na qualidade do trabalho e a deterioração do ambiente social.

O AGP 2, em entrevista, afirmou, repetidamente, que o estresse faz parte

de seu cotidiano, causando desgaste e irritação: “eu faço tratamento com os

psicólogos da Sejus, por conta dessa questão de ficar estressado, eu pensava que

não iria absorver essas coisas do trabalho, quando eu vi que estava levando isso para

casa, procurei ajuda”.

Assim como o AGP 2, alguns agentes penitenciários são acompanhados

por um setor na Sejus denominado de Serviço de Atendimento Psicossocial do

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Trabalhador – SAPT, que atua com enfoque na escuta e no acolhimento do sofrimento

do trabalhador advindo de questões do trabalho e pessoais.

O SAPT não é conhecido pela maioria dos agentes penitenciários que

participaram dessa pesquisa. Seis deles afirmam fazer acompanhamento psicológico

com profissionais do setor, e oito afirmam desconhecer o serviço.

De acordo com um dos profissionais que atuam na equipe do SAPT13, o

setor surgiu embasado nos pedidos de agentes penitenciários, decorrentes de

situações que aconteceram no cenário de trabalho desses profissionais. Entretanto, o

profissional afirmou que o setor é pouco conhecido pelos profissionais que atuam no

sistema penitenciário cearense e faz somente um ano que o SAPT foi oficializado em

diário oficial. O desconhecimento foi justificado pela pouca divulgação da existência

do setor aos profissionais que atuam no sistema penitenciário.

São em média 220 atendimentos mensais voltados para demandas de

atendimento clínico psicológico, orientações e encaminhamentos previdenciários, com

afastamentos, atestados e perícias. Consoante informação do setor, houve um

aumento considerável entre os agentes penitenciários que atuam no sistema

penitenciário cearense que se afastaram do trabalho por doenças ocupacionais.

Dentre os motivos mais recorrentes nos atendimentos estão o uso abusivo de

substâncias psicoativas, estresse elevado que provoca alterações comportamentais,

dificuldades no relacionamento com familiares após início do trabalho como AGP,

sensação de pressão constante no trabalho, pânico e sensação de perseguição,

assim como os efeitos negativos no seu cotidiano de vida relacionados à sua atuação.

Outro dado identificado pelo setor faz referência ao Instituto estar como uma das

instituições que apresenta maior demanda de profissionais estressados e em

sofrimento.

Entretanto, quando indagados, por meio do COPSOQ, sobre como

avaliavam sua saúde de um modo geral na Sessão sete (7), os AGPS afirmam, com

52,9%, ser boa, e outros, 23,5%, ser razoável. Dado este que diverge das falas dos

agentes em entrevista e de alguns elementos já discutidos.

13 O SAPT é constituído por uma equipe composta por: um psicólogo, um assistente social, que é coordenadora do setor, um psiquiatra, um assistente administrativo e um agente penitenciário que atua como articulador. De acordo com a equipe, o setor atua com poucos recursos materiais e em parceria com universidades públicas e outras instituições para promover atividades de promoção a saúde.

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Em entrevista feita aos AGPS, estes afirmam que o modo como avaliam

sua saúde está relacionado à percepção desta depois que iniciaram a atuação no

Instituto. Os agentes percebem melhora em sua saúde mesmo com os fatores

psicossociais presentes no ambiente. As narrativas apresentam-se unânimes quando

afirmam que, comparado a outras unidades que constituem o sistema penitenciário, o

Instituto Psiquiátrico Governador Stênio Gomes é mais calmo, possui menor presença

de ameaças, passa a sensação para os AGPS de segurança, incidindo, assim, sobre

a percepção da melhora de sua saúde.

5.2 VIOLÊNCIAS E OS IMPACTOS NA SAÚDE DE AGENTES PENITENCIÁRIOS

Estamos diante de um navio negreiro. Como melhorar a estrutura desse navio negreiro se ele continua sendo navio negreiro? Achamos que vamos acabar com os manicômios judiciários os transformando em transatlântico, mas devo lembrá-los que ele continuará sendo navio negreiro (CAETANO, 2018).

A analogia ao navio negreiro, proferida de forma assertiva por Aroldo

Caetano14, no I Seminário de Prevenção e Combate à Tortura, realizado em Fortaleza

(2018), propõe compreender a violência predominante nos Hospitais de Custódia e

Instituições Psiquiátricas, e em outras unidades prisionais, associada à formação

histórica do Brasil no contexto de violência, a partir do período de escravidão, em que

naturalizavam a condição desumana, forçavam trabalhos, prendiam, vendiam,

compravam e transportavam pessoas em “navios negreiros”. Calcula-se que cerca de

18 milhões de pessoas foram compradas, entretanto, o período que passavam nos

navios, sendo transportados até a chegada em território brasileiro, acarretaram dez

milhões de mortes; apenas oito milhões sobreviveram à experiência nos navios

negreiros (CAETANO, 2018).

O “transatlântico”, trazido nas reflexões de Haroldo, remete às

intencionalidades de ajustes nas instituições manicomiais, nas pequenas

modificações nos nomes das instituições (mudando a denominação de manicômio

judiciário para Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico), nas práticas de

atuações de profissionais e no ambiente. Apesar disso, não geram mudanças nas

bases que sustentam esse espaço, continuando a ser um lugar segregador, punitivo

e repleto de práticas violentas que afeta a todos os sujeitos que o constitui.

14 Aroldo Caetano é promotor de justiça do Ministério Público do Estado de Goiás e foi um dos responsáveis pela extinção do manicômio judiciário existente em Goiás por meio da criação do Programa de Atenção Integral ao Louco Infrator (PAILI).

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Basaglia (1985) afirma que as “instituições da violência”, justificada e

legitimada, estão repletas de práticas de violência fundamentadas na exclusão e no

poder centralizado. Atrelados ao cenário manicomial, o Instituto está imerso no

contexto geral do sistema penitenciário cearense, visto que não há como desvinculá-

lo dos fatores que afetam esse contexto.

O Instituto Psiquiátrico Governador Stênio Gomes integra o sistema

penitenciário cearense, onde atuam profissionais que possuem vivências em várias

outras instituições do sistema e, portanto, trazem, em sua trajetória, elementos

compreendidos no cotidiano geral das unidades prisionais do sistema penitenciário.

As constantes comparações entre os espaços onde atuaram e o Instituto exemplificam

essa afirmação, assim como a presença de narrativas violentas sofridas e praticadas

por esses agentes em sua carreira profissional. Em todas as entrevistas, esteve

presente algum aspecto que se remeteu, diretamente ou de forma análoga, à

violência, seja em seus rebatimentos na sua vida intramuros ou em atividades e

vivências fora dos muros do Instituto.

Wieviorka (1997, 2006) compreende a violência como parte da vida

humana e das interações sociais, persistentes em todas as culturas, que se modificam

a partir do contexto histórico global de cada sociedade. Afirma ainda que a violência,

no mundo contemporâneo, tem caráter financeiro e econômico e está articulada a uma

rede de interesses. Para o autor, a violência tem relação com a reestruturação

produtiva e o declínio do movimento operário, pois, no mundo contemporâneo, faltam

espaços para que expressões de conflito sejam discutidas de forma passível pelos

atores. Com isso, o autor diz que a violência traduz a existência de problemas sociais

que não são mais debatidos em sociedade para buscar soluções. Minayo et al. (2017)

propõe a desnaturalização da visão romântica de um tempo em que, na sociedade,

não existia violência, trazendo, assim, a importância de compreender e registrar a

dinâmica desse fenômeno no cenário brasileiro.

Arendt (1994) contribui na discussão ao abordar a presença da violência no

campo de luta por dominação de pessoas, grupos e instituições, e a compreende a

partir da concepção de que todos os seres humanos a produzem em suas relações e

a integra em sua subjetividade, não estando apenas como um atributo do outro.

Compreende-se, a partir da perspectiva de Minayo et al. (2017), a violência

brasileira de forma estrutural e histórica, com fundamentos no contexto de extrema

desigualdade social.

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“Exclusão de uma parte considerável da população aos direitos mais elementares, de uma formação urbana (onde se concentram mais de 80% das mortes violentas) não acompanhada de políticas sociais de proteção, de uma casta política patrimonialista e em boa parte corrupta e desatenta aos anseios da população, de uma sociedade machista e preconceituosa, terreno fértil para desvalorização da vida, banalização da morte e da impunidade. [...] Assim como a presença de racismo estrutural, falta de políticas públicas voltadas para inclusão social e elevadas taxas de desemprego.” (MINAYO et al., 2017, p.40)

Os autores acrescentam, a partir de um estudo feito pela WHO (2014), que

o Brasil, atualmente, encontra-se entre os países mais violentos do mundo, ocupando

a 11º colocação e o 16º lugar entre os países das Américas com crescentes aumentos

nas taxas de violência letal. Cerqueira et al (2016) apresentam, em sua pesquisa, a

existência de diferentes taxas de violência letal registradas nos estados brasileiros,

com maiores taxas de homicídios, entre 2004-2014, na região Nordeste, em que o

Ceará ocupa o terceiro como o estado que mais registrou homicídios nesse período,

afetando, principalmente, a população mais pobre, negra e residentes de bairros

periféricos. Outro dado identificado na pesquisa trata-se da migração da violência das

grandes metrópoles para as cidades menores, os interiores.

O homicídio, no imaginário social, é visto como a própria violência, ficando

cada vez mais presente práticas de agressão cometidas por grupos organizados,

causando, dessa forma, grandes impactos coletivos. Esses atos são reconhecidos

pela OMS (2002) como violências coletivas. Exemplos desses grupos que possuem

expressões macrossociais são as facções criminosas (DIAS, 2016) que estão

diretamente associadas ao sistema penitenciário brasileiro.

Esse cenário repercute diretamente no contexto de trabalho de agentes

penitenciários, tornando-se desafiador compreendê-lo a partir da relação violência-

saúde. É um desafio que está imerso na relação do visível e do invisível, que Guindani

(2015) alerta ser necessário um olhar de cautela sobre o indizível para não naturalizar

a barbárie e nem racionalizá-la sem contextualizar com a realidade social.

Minayo (2006) afirma que, nos últimos trinta anos no Brasil, as doenças

infectocontagiosas cederam lugar para as doenças degenerativas e para os agravos.

O impacto da violência sobre a saúde da população é uma das causas de

morbimortalidades que tem crescido nos últimos anos, denominada pela OMS como

causas externas. Atualmente, encontra-se entre as principais causas de morte da

população provocadas por agravos sociais, acidentes, agressões, lesões, dentre

outras expressões sociais da violência.

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Gomez (2017), em sua pesquisa sobre a violência nas relações e nos

ambientes de trabalho, afirma que faz parte do contexto da dinâmica da violência

social brasileira profissionais sofrerem alguma de suas expressões. O agente

penitenciário que atua no Instituto está imerso em uma relação de “afetos”, em que

ele afeta e é afetado por constantes situações de violência em seu ambiente de

trabalho.

Não há como compreender este universo sem fazer relação ao contexto do

sistema penitenciário brasileiro, que tem se apresentado como tema central nos

debates cotidianos. Destacam-se, entre os noticiários de jornais, discussões acerca

do aumento de mortes em exercício do trabalho de profissionais que compõem esse

sistema. Com manchetes sem meios de comunicação e pesquisas realizadas em meio

prisional (LOURENÇO, 2010; MORAES, 215; FERREIRA, 2016) sobre profissionais e

internos que adoecem e morrem no emaranhado composto pelo fenômeno da

violência e da atuação profissional. A incidência desses fatos tem acontecido no

trabalho realizado, tanto internamente quanto externo, nas instituições que compõem

o sistema penitenciário.

É possível fazer uma síntese desses dados ao analisar os últimos vinte cinco

anos, em que se vivenciou a eclosão de inúmeras rebeliões em todo o país. Difícil não

lembrar de uma das mais históricas, a vivenciada no Carandiru (1992), em São Paulo;

a de Urso Branco (2002) em Rondônia; a de Pedreirinhas (2013) no Maranhão; a de

Cascavel (2014) no Paraná e; a de Curado (2015) em Pernambuco. No início do ano

de 2017, houveram episódios seguidos de rebeliões em vários estados brasileiros,

como no Complexo Penitenciário Anísio Jobim, com 67 mortos. No dia seguinte, na

Unidade Prisional de Puraquequara (UPP) e, seis dias depois, na Cadeia Raimundo

Vidal Pessoa, localizadas no Estado de Manaus (ISTOÉ; FOLHA DE SÃO PAULO;

CORREIOS BRASILIENSE, 2017).

As rebeliões que iniciaram o mês de maio de 2016 ocorreram em várias

unidades penitenciárias da Região Metropolitana de Fortaleza – CE, acontecendo, de

forma simultânea, em diversas instituições prisionais. De acordo com pesquisas

realizadas por Nascimento (2017), as que sofreram maiores danos foram as unidades

da Região Metropolitana de Fortaleza: Instituto Penal Feminino Desembargadora Auri

Moura Costa – IPF; Unidade Prisional Agente Luciano Lima de Andrade – UPALAL,

mais conhecida por “Carrapicho”; Casa de Privação Provisória de Liberdade Professor

Clodoaldo Pinto – CPPL II; Casa de Privação Provisória de Liberdade Professor Jucá

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Neto – CPPL III e; Casa de Privação Provisória de Liberdade Provisória Agente Elias

Alves da Silva – CPPL IV.

As consequências dessas rebeliões ocasionaram a morte de 18 internos,

danos patrimoniais por meio da depredação do interior das unidades e cenas cruéis

de execuções de presos compartilhadas por meio de redes sociais de forma ampla. A

contenção da rebelião só foi possível após três dias de seu início (NASCIMENTO,

2017).

Esse episódio foi associado à greve de agentes penitenciários, iniciada por

meio do Sindicato dos Servidores Públicos do Sistema Penitenciário do Ceará

(SINDASP-CE) no mesmo período15. Nascimento (2017) explica que a greve teve

relação com o início das rebeliões e motins, que antecedeu a rebelião ocorrida no

Complexo Penitenciário de Itaitinga e que provocou quebras de grades das celas,

proporcionando aos internos livre circulação nas galerias da unidade, fato que gerou

insegurança para os agentes penitenciários. Com isso, iniciaram-se reivindicações por

melhorias nas condições de trabalho, entre outras pautas, tais como: o aumento do

número de efetivos e aquisição de materiais de segurança. Depois de votado em

assembleia geral da categoria, provocada pelo SINDASP-CE, teve início a greve, com

duração de 18 horas seguidas, findada somente após acordo entre o sindicato e o

governo do estado. Entretanto, a decisão em manter as visitas de familiares por parte

da Sejus, mesmo com número reduzido de agentes penitenciários, convocando o

Batalhão de Choque da Polícia Militar e os AGPS, que estavam em cargos

comissionados e que não aderiram à greve, para atuar no dia das visitas, proporcionou

o ápice da rebelião no Complexo Penitenciário de Itaitinga, pois os agentes

penitenciários que estavam em greve não permitiram a entrada do batalhão e os

familiares foram impedidos de realizar a visita. (NASCIMENTO, 2017)

Conforme Nascimento relata em seu estudo, o cenário já se mostrava

propício à ocorrência de um estopim nas unidades prisionais, pois havia sido firmado

um acordo de paz entre as facções criminosas que atuam em disputas por territórios

de vendas de drogas. A partir desse acordo, houve o envio à Assembleia Legislativa

de Fortaleza de uma lei para ser votada que previa o bloqueio de sinal telefônico no

entorno dos presídios, ocorrendo represália pelo crime organizado, o que ocasionou

incêndios em ônibus e ataques a delegacias. Foram deixados nos ônibus bilhetes com

15 Foram noticiados em algumas reportagens matérias que indicavam ligação direta entre a greve dos agentes e a rebelião que ocorreu no Complexo Penitenciário de Itaitinga, em reportagens divulgadas no G1, UOL.

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reivindicações acerca das condições de alimentação, de tratamento com presos e de

estrutura física das prisões, bem como ameaças aos AGPS caso não fossem

cumpridas tais exigências. O não cumprimento das exigências gerou insatisfação

dentro e fora dos presídios, sendo um dos fatores que colaborou para as rebeliões

nesse período.

No início do ano de 2017, houveram episódios seguidos de rebeliões em

vários estados brasileiros, como no Complexo Penitenciário Anísio Jobim, com 67

mortos. Ocorreu também na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, em Boa Vista –

RR, além de um motim na Penitenciária de Alcaçuz, no Rio Grande do Norte assim

como no estado do Ceará. De acordo com o Jornal Folha de São Paulo (2017), foram

133 mortos nos quinze primeiros dias do mês de janeiro. Dentre os mortos e feridos,

estão internos e agentes penitenciários.

Somados a esses dados, existe um paralelo que pode ser traçado: na

mesma proporção em que tem aumentado o número de rebeliões no país, tem

crescido a população carcerária brasileira, com 607.731 pessoas presas. Atualmente,

há cerca de 300 presos para cada cem mil habitantes no país. O número de presos é,

consideravelmente, superior as quase 377 mil vagas do sistema penitenciário,

totalizando um deficit de 231.062 vagas e uma taxa de ocupação média dos

estabelecimentos de 161%. Comparado a outros países, o Brasil é o quarto país com

maior população prisional do mundo (LEVANTAMENTO NACIONAL DE

INFORMAÇÕES PENITENCIÁRIAS, 2014).

O Relatório de Monitoramento de Presos nas Unidades Prisionais do Ceará

(2015) aponta que, em dezembro de 2014, a população carcerária estava com 21.320

presos. O cenário de superlotação é constantemente denunciado pelos profissionais

prisionais e pelos internos. Trata-se de celas lotadas, baixo números de profissionais

para desempenhar atividades com centenas de internos, grande ociosidade entre os

sujeitos. E, ainda que sejam ofertados cursos e atividades durante o cumprimento de

pena, estes ainda não suprem a necessidade crescente de internos. O

encarceramento em massa, discutido por diversos pesquisadores (CHIES, 2001;

MORAES, 2010, FERREIRA, 2016), é também percebido no Ceará.

Em inúmeros noticiários de jornais, as manchetes sinalizam uma “crise no

sistema prisional”. Sabe-se, no entanto, que não existe um motivo isolado que

justifique essa série de acontecimentos, mas, sim, um conjunto de motivações que

envolvem o aumento do índice de violência no país, o baixo investimento em políticas

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públicas; forte segregação e injustiças sociais; criminalização da população pobre;

condições precárias dos presídios; negligência do Estado perante as condições do

sistema penitenciário.

É nesse cenário que agentes penitenciários desempenham suas

atividades, repleto de interesses nebulosos. Presenciam os efeitos desse cenário

nacional pessoas privadas de liberdade, profissionais que atuam nesses espaços e a

sociedade civil, pelos efeitos intramuros e extramuros que essa realidade

desencadeia.

Rapaz, para ser sincero, é isso mesmo, tá na chuva tem que se molhar, quando realmente estava naqueles dias de matança total, mas na época que ficou corriqueiro as rebeliões e chacinas, eu colocava minha funcional no final da carteira, ficava muito receoso, até por que quando chega são 4 a 5 caras armados, eu vou fazer o que com apenas uma arma e sozinho? Quando os caras chegam é um pelo lado, outro pelo outro, um pelas costas, aí não tem condição e eu não sou de ferro. (AGP 3, em: 22 de fevereiro de 2018) Eu sofri muitas ameaças nas outras unidades, eu sou conhecido no sistema penal por agente Pernambuco, eu sou de lá, trabalhei lá temporariamente e depois fiz o concurso aqui, entrei no IPPO 2 e fiquei conhecido como agente Pernambuco, a agencia de disciplina me avisou que minha cabeça estava valendo 100.000 reais no IPPO2, estou marcado, isso por que eu fazia vistoria eu tirava celular, tirava a droga, aprendia mulher de preso com droga, isso tudo aí foi fazendo eles me odiar. Isso foi um dos motivos de eu sair de lá, mas não foi só por isso, problemas pessoais também. Os presos por mais que sejam muitos, eles conhecem a gente, sabe quem nós somos, eles sabem o dia que eu estou, ele sabe a hora que saio. (AGP 9, em: 22 de fevereiro de 2018)

O AGP 3 faz referência, no contexto acima, sobre as rebeliões ocorridas

em 2016. Segundo o AGP 4, nos dias em que ocorria a rebelião, a circulação nas ruas

da cidade de Fortaleza era arriscada, visto que os constantes noticiários anunciavam

ônibus incendiados por grupos de pessoas, assaltos e ameaças sobre a piora desse

cenário. O receio em sair e ser identificado como agente penitenciário, mencionado

na fala do AGP 3, decorre das ameaças feitas por meio dos bilhetes deixados nos

ônibus incendiados. A existência de ameaças e a necessidade de não ser reconhecido

como agente penitenciário é uma realidade constante na vida desses profissionais.

Moraes (2015) confirma essa informação em sua pesquisa.

O AGP 9 fala sobre a realidade de muitos AGPS que trabalham em grandes

unidades penitenciárias. Ficar “marcado” é uma expressão recorrente nas falas dos

AGPS. O AGP 17 e 12 afirmam conhecer muitos colegas que atuam nas CPPL I e II

e que estão “marcados” para morrer: “eles tiram uma foto do rosto da gente e mandam

para o grupo de whatsapp da facção, é suficiente para que todos os presos saibam

quem somos e planeje a nossa morte” (AGP 5, em: 22 de fevereiro de 2018).

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Em suas narrativas, os AGPS afirmam que muitos internos de outras

unidades prisionais têm informações sobre o cotidiano dos agentes. Além do AGP 9,

outros dois AGPS afirmam que “suas cabeças estão rolando dentro do sistema”,

expressão utilizada pelos agentes para identificar que estão sob ameaça de morte.

O cotidiano de trabalhadores do sistema penitenciário revela-se repleto de

violência e medo, conforme os estudos realizados por pesquisadores da área

(ADORNO, 2007; SALLA, 2007; LOPES, 2002; VASCONCELOS, 2000; FERNANDES

et al., 2002; VASCONCELOS, 2000).

Ferreira (2016) afirma que a violência no ambiente de trabalho contribui

para o desenvolvimento de problemas de saúde entre agentes penitenciários. O

cotidiano de trabalho desses profissionais, marcado por ameaças e estresse, pode

trazer consequências graves para a sua integridade física e psicológica, tais como

ansiedade e estresse.

O AGP 8 fala que os internos do Instituto não ameaçam os AGPS. Dia ainda

que há riscos “quando aparece na instituição algum “se faz de doido”16, que faz parte

de algum grupo criminoso e tenta envolver outros internos”, mas, segundo ele, “logo

são identificados e transferidos para suas unidades de origem”. Os AGPS afirmam

que nas outras unidades em que atuavam foram vítimas de agressões e ameaças

pelos internos.

Os interlocutores dessa pesquisa expõem, em suas narrativas, as

agressões físicas decorrentes do contato com o interno do Instituto, porém afirmam

não ser algo constante. Abordam também que esse comportamento mais agressivo

do interno, sempre que ocorreu, esteve associado a um momento de surto do interno.

Alves e Binder (2014), em pesquisa realizada com funcionários de duas

penitenciárias em São Paulo, trazem uma realidade presente no contexto geral dos

trabalhos de agentes penitenciários: funcionários vítimas de violência por parte dos

internos. Algumas agressões descritas revelam o terror a que foram submetidos os

trabalhadores penitenciários em situações de rebelião e tentativas de fuga.

Minayo (2006) alerta que a violência de cunho coletivo, expressa na

realidade brasileira, constitui-se, primordialmente, de negócios ilegais e tem bases

econômicas; possui, frequentemente, origem globalizada e se beneficia das

16 Expressão utilizada pelos agentes penitenciários para identificar os internos que não são do Instituto, mas que foram encaminhados por ordem judicial para serem avaliados.

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facilidades geradas por meio das mudanças no modo de produção e riqueza dos

aparatos técnico-informacionais e comunicacionais.

O que a autora aborda é o que se presencia na realidade dos grupos e

organizações criminosas que atuam, de acordo com Dias (2017), de forma ampla no

sistema penitenciário brasileiro. Essa atuação é gerida por chefias dentro e fora dos

presídios por meio de celulares e meios que facilitem a comunicação. E estas chefias

estão imersas e são sustentados pelo comércio ilegal de substâncias psicoativas,

proporcionando relações de controle e poder dentro e fora do sistema penitenciário. A

violência coletiva está imerge no cotidiano de vida dos agentes penitenciários, com

capilaridades dentro e fora de seu ambiente de trabalho.

A Política Nacional de Segurança e Saúde do Trabalhador – PNST (2004,

p. 32) aborda a violência como objeto de preocupação de saúde.

Entre os problemas de saúde relacionados ao trabalho deve ser ressaltado o aumento das agressões e episódios de violência contra o trabalhador no seu local de trabalho, traduzida pelos acidentes e doenças do trabalho; violência decorrente de relações de trabalho deterioradas, como no trabalho escravo e envolvendo crianças; a violência ligada às relações de gênero e ao assédio moral, caracterizada pelas agressões entre pares, chefias e subordinados.

As constantes divergências entre os agentes penitenciários e suas chefias,

o ambiente insalubre, a ausência de capacitação profissional para atuação com os

internos, a diversidade de pensamento e a prática sobre a atuação profissional, o

aumento da quantidade de agentes em sofrimento e adoecidos, o pouco

conhecimento sobre serviços voltados à saúde do trabalhador ofertados pela Sejus e

o uso de formas agressivas em suas práticas para manter ordem e disciplinamento

foram alguns dos elementos identificados no Instituto e que podem contribuir,

sobremaneira, para tornar, tanto os agentes quanto os internos, mais vulneráveis às

práticas violentas.

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Gráfico 07 - Distribuição das questões da Sessão 9 – Conflito e outros comportamentos ofensivos (N=17)

Fonte: Elaborado pela autora.

A sessão nove (9) apresenta os dados sobre os conflitos e outros

comportamentos ofensivos sofridos por agentes penitenciários do Instituto. Pode-se

perceber que existe predominância, entre as respostas, em 97% (Questão 83) dos

profissionais que não foram expostos a paqueras indesejáveis; 52,9% (Questão 85)

afirmaram não sofrer ameaças em seu local de trabalho e; 76,5% (Questão 87) não

foram expostos ao assédio moral nos últimos 12 meses de trabalho.

Em entrevista, as narrativas dos agentes penitenciários mostram que, no

Instituto, existem menos ameaças por parte dos internos, porém, o AGP 7 revela que

“o fato de ser agente penitenciário já é um risco, somos ameaçados e mortos

independente de onde atuamos, soube esses dias que existe um batismo para entrar

nas facções e esse batismo é a morte de um AGP”.

O baixo quantitativo relacionado a ameaças de violência no local de

trabalho de agentes penitenciários é divergente das pesquisas atuais realizadas com

a categoria, como exposto. No entanto, o fato de ser agente, no cenário atual, os

coloca novamente dentro das análises realizadas e registradas na literatura, melhor

dizendo, de constante medo, vigilância, ameaças e violência.

Outro elemento identificado é a associação de situações violentas e de

medo no relacionamento com os internos. A relação entre os agentes e os internos é,

5,9

35,5

23,5

97

52,9

76,5

0

20

40

60

80

100

120

Q83 Você foi exposto apaqueras (flertes)

indesejáveis?

Q85 Você foi exposto aameaças de violência no

seu localde trabalho?

Q87 Você foi exposto aassédio moral no trabalho

nosúltimos 12 meses?

Sessão 9

Sim, poucas vezes Não

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geralmente, uma relação temida, repleta de violência psicológica, construída por

afastamentos e aproximações que geram modificações no agente e no interno.

No Instituto, existe maior aproximação entre os internos e os agentes, como

já foi discutido no capítulo anterior, entretanto, o estranhamento e o receio predominou

entre as falas logo nos primeiros dias de trabalho dos agentes vivenciando essa

realidade, pois o que predomina, nas unidades penitenciárias e demais locais onde

esses profissionais atuam, é o afastamento como meio de segurança e forma de não

envolvimento.

O contato entre agentes e internos, a vivência e o convívio com constantes

possibilidades de “trocas” e “favores”, o baixo salário e outros elementos presentes no

ambiente prisional, de acordo com os AGPS do Instituto, facilitam atos ilegais

cometidos pelos AGPS: “infelizmente têm agentes que compactuam com o lado do

mal e a gente sabe por que as informações surgem, agora a pouco pegamos um

companheiro fazendo tráfico de celular e levamos para a delegacia” (AGP 9, em: 22

de fevereiro de 2018).

O AGP 2 afirma que existem muitos agentes que praticam atos ilegais, mas

alerta depender de cada profissional, de suas escolhas, e afirma que todos os

profissionais que atuam no sistema e fora dele estão propensos a cometer esses atos:

“associam com a gente por que nós temos muita aproximação com os presos, mas,

toda área tem, médicos, enfermeiros; infelizmente é do ser humano.”

Existe, no imaginário social, a construção da imagem do agente como

profissional pronto a se corromper, por estar este atrelado ao funcionamento das

instituições que formam o sistema penitenciário. Quando a instituição é um manicômio

judiciário, como no Instituto pesquisado, existe a predominante figura da atuação com

o louco infrator, duas figuras repelidas e excluídas, historicamente, na sociedade,

assim como todos que estão associados a elas. Machado (2017), em entrevista para

uma revista, apresenta os manicômios judiciários como cenário de dupla violência

institucional, o cárcere e o manicômio.

As instituições totais reproduzem nos sujeitos suas características. O

manicômio é um espaço social degradante que produz estigmas (Goffman, 1980). Os

agentes penitenciários, em uma relação constante de “afetos”, são estigmatizados, e

a vivência nessa instituição possibilita a criação de uma subcultura, discutida por

Goffman (1996). Essa subcultura pode ser pensada a partir da relação do convívio

com os internos, que perpassa por adaptações, formação de diálogos e meios de

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sobrevivência na vida intramuros, com os códigos de convívio para garantir a

harmonia ou o caos no ambiente prisional.

Falas como “eu não quero que o sistema entre em mim”, “eu mudei muito

meu linguajar depois que entrei aqui”, “adotamos algumas palavras para nos

comunicar” são identificadas entre as narrativas dos agentes. Entretanto, os códigos

e adaptações demonstram estarem presentes apenas nos diálogos entre os agentes

penitenciários.

Mudar o linguajar também, você acaba absorvendo isso. Cada profissão tem sua forma de se pronunciar e nos temos algumas palavras muito da gente, espescoçado (é aquele que esta devendo e o pessoal quer pegar, que o pessoal esta indo atrás), cruzeta (uma covardia, fez cruzetagem: fez covardia), e têm muitos, eu tento não absorver essas linguagens, quanto menos eu tiver na minha vida do sistema é melhor (AGP 2, em: 8 de fevereiro de 2018).

Ao mesmo tempo em que existe uma relação de aproximação entre os

internos e os agentes penitenciários, há também, nesse convívio, a presença de

violências interpessoais (OMS, 2002) expressa na dominação e no poder, que gera

atuações autoritárias e disciplinantes, exemplificadas na figura das salas de disciplina,

existentes na instituição, e nas constantes narrativas que visam “manter uma ordem”

dos agentes sobre sua atuação.

O autoritarismo presente nas formas de atuação de profissionais que atuam

no sistema penitenciário é problematizado por Salla (1997), assim como a

militarização de suas práticas. Solazzi (2007) aborda, em seus estudos, a

característica autoritária da sociedade brasileira, apresentando, em sua análise, o

caráter classista das forças de repressão e de controle social no Brasil.

As agressões das organizações e as relações de trabalho fazem parte das

principais formas de violência na atividade laboral, como problematiza Gomez (2017).

O assédio moral é uma forma de violência e esteve presente nos questionamentos

realizados com os agentes. Dos agentes penitenciários que responderam ao

questionamento, 76,5% (Questão 87, Gráfico 7) afirmam não ter sofrido, nos últimos

12 meses em seu ambiente de trabalho, assédio moral. O assédio moral é conceituado

no COPSOQ como sendo uma situação em que o profissional é, repetidamente,

exposto a um tratamento desagradável e degradante, sentindo dificuldade de se

defender.

Gomez (2017), em pesquisa bibliográfica realizada sobre a temática, por

meio de publicações dos 12 últimos anos, afirma que são poucas as pesquisas que

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retratam o assédio moral, identificando apenas uma pesquisa nacional realizada com

o setor bancário. Diante de tal fato, como saber que esse tipo de violência ocorre, uma

vez que é pouco discutido no cotidiano dos profissionais e na sociedade de forma

geral. Em suas pesquisas, o autor identificou alto índice de assédio moral entre

profissionais da saúde e do sexo feminino.

Gráfico 08 - Distribuição das questões da Sessão 8 – Trabalho e vida pessoal (N=17)

Fonte: Elaborado pela autora.

Na Sessão oito (8), é abordada a relação entre o trabalho e a vida pessoal

dos agentes penitenciários. Prevalecem, entre os dados, que 47,1% (Questão 66) de

profissionais não identificam conflitos entre sua vida pessoal e o trabalho; 41,2%

(Questão 68) identificam não sentir demanda de energia grande no trabalho que afete

a vida pessoal; 47,1% não sente que seu trabalho toma seu tempo e; 52,9% (Questão

69) afirmam não haver, entre seus familiares e amigos, a percepção de que trabalham

muito.

5,9

11,8

5,9 5,9

17,6

11,8 11,8 11,8

47,1

41,2

47,1

52,9

0

10

20

30

40

50

60

Q66 Vocêfrequentemente senteum conflito entre seu

trabalho evida pessoal, de tal

forma a desejar estarem dois lugares ao

mesmo tempo?

Q67 Você sente que seutrabalho demandatanta energia que

ele acaba tendo umefeito negativo na sua

vida pessoal?

Q68 Você sente que seutrabalho toma tanto de

seu tempo queele acaba tendo um

efeito negativo na suavida pessoal?

Q69 A sua família eamigos dizem que você

trabalha muito?

Sessão 8

Sim, com certeza Sim, algumas vezes Não, nunca

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Quando indagados, em entrevista, se necessitaram fazer mudanças em

seu cotidiano depois que iniciaram sua atuação como agentes penitenciários, apenas

três dos dezessete entrevistados trouxeram, em suas narrativas, que não fizeram

modificação em suas vidas quando começaram a trabalhar como AGP. Os demais

afirmam que precisam selecionar e analisar quais espaços públicos podem frequentar,

privando-se de momentos de lazer, e afirmam constante olhar vigilante sobre onde

irão passar.

O AGP 7 afirma que “a vida depois que se torna agente penitenciário fica

mais reservada, precisamos ficar mais em casa e sempre dar receio de andar em

público, ando armado”. O AGP 8 declara precisar se preocupar mais com sua

segurança e, por isso, adotou condutas para prevenir ações criminosas contra ele.

Eu passei a me preocupar com a minha segurança, com a da minha família, comecei a usar normas para me precaver contra os crimes, tipo: eu chego no restaurante eu já sento lá no fundo com a visão de todo o restaurante, eu não ando de ônibus, no meu carro eu geralmente ando do lado esquerdo e quando paro, eu já paro no meio fio para motoqueiro não passar por alí , ando sempre com o carro travado, vidros fechados, fumê e sempre armado (AGP 8, 03 de março de 2018).

O AGP 9 afirma que necessita privar-se de momentos de lazer, ou tê-los

em constante sentimento de tensão sobre o que pode vir a acontecer quando está

com pessoas que não conhecem e que podem reconhecê-lo por sua atuação.

Até na praia eu não fico sem camisa e nem desarmado, eu acho muito ruim por que esta todo mundo de sunga na praia e eu estou lá de bermuda e armado, não fico a vontade, se eu paro no sinal eu fico com uma coisa tensa, já peguei esofagite e gastrite nervosa e isso me incomodou muito, o medo. Já reagi a assalto, então tudo isso aí vai minando teu psicológico, é bem difícil, mas, a vida é assim. (AGP 9, em: 22 de fevereiro de 2018)

As modificações que os agentes penitenciários fizeram em sua vida, desde

aos locais que frequentam, as pessoas com quem se relacionam e o fato de preferirem

estar em suas casas ou em ambiente onde conhecem as pessoas, está diretamente

associado, de acordo com as falas dos agentes, ao sentimento de insegurança e medo

presentes em seu cotidiano de trabalho e vida.

Ainda ancorado na perspectiva dos estudos realizados por Minayo (2006),

compreende-se que a violência afeta diretamente a saúde e provoca mortes, lesões,

traumas físicos, agravos mentais, emocionais, diminuindo, desse modo, a qualidade

de vida das pessoas. Os agentes penitenciários do Instituto pesquisado relatam

constante “afetação” em seu cotidiano sobre os tentáculos da violência coletiva e

psicológica presente no fato de ter a profissão e ser agente penitenciário.

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A relação visibilidade versus invisibilidade de agentes penitenciários

também foi abordada na entrevista buscando relacionar, a partir das narrativas, os

fatores que causam essa relação com o seu cotidiano. Como bem reflete Pelbart

(1993, p.135), “o invisível é também sempre um pouco indizível”. Provavelmente, essa

seria uma visão quase que certeira quando o assunto diz respeito ao trabalho de

agentes penitenciários que convivem com pessoas consideradas, por muitos, como

“escória da sociedade”, que dispara, por meio do contexto em que o sistema

penitenciário encontra-se, o sentimento de medo e afastamento. É um terreno

arenoso, pois faz saltar aos olhos a linha punitiva que atravessa o tecido social que

inclui o Estado.

“Não somos vistos, às vezes é como se a gente estivesse morto para

sociedade e ao mesmo tempo vivo para cumprir o plantão” (AGP 13, em: 13

de julho de 2017). O AGP 13 e outros agentes penitenciários manifestam, em

suas falas, o sentimento de invisibilidade de seu trabalho e, principalmente, a

invisibilidade da relevância de sua atuação para a sociedade civil.

Na Sessão dois (2), foi identificada a prevalência entre os AGPS que

analisam seu trabalho como relevante para a sociedade. Entretanto, o AGP 13 aborda

que a sociedade parece não perceber desta forma. Alguns AGPS afirmam que

preferem o campo do invisível, do anonimato, para não serem identificados como

agentes penitenciários, pois essa identificação pode gerar insegurança e

afastamentos.

Os AGPS 6, 8, 11, 2, 4 abordam, em suas narrativas, a necessidade de

“negar ou esconder sua profissão”: “nós temos que nos negar nossa profissão, não

podemos dizer qual a nossa profissão para as pessoas” (AGP 11, em: 8 de fevereiro

de 2018). Afirmam residir em locais onde a vizinhança não os conhece, onde poucos

amigos sabem que são agentes penitenciários. E, quando perguntam sobre profissão

deles, muitos respondem trabalhar na Sejus ou como segurança.

Eu não saio fardado de casa, meus vizinhos não sabem que sou agente, eu prefiro que eles não saibam. Cada agente age de uma forma, mas eu particularmente prefiro que não saibam. Com relação a dizer ou não com o que trabalho eu não gosto de dizer, quando perguntam eu digo que trabalho na secretaria de justiça ou que trabalho como segurança, mas raramente digo que sou agente (AGP 2, em: 8 de fevereiro de 2018). Eu nunca fui de tá nesse negócio de bar e esquina, com essa profissão a pessoa tem que redobrar a atenção, por que querendo ou não a pessoa é um alvo, mesmo que não faça mal a ninguém, mas quando você não pode atingir um AGP específico, você atinge a categoria, que é o alvo mais fácil e

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vulnerável, por isso a pessoa não pode está se expondo (AGP 17, em: 26 de fevereiro de 2018).

Quando questionados sobre as motivações que os levam a não se

identificar como agente penitenciário para as pessoas, alguns responderam afirmando

ser menos estigmatizados: “antes eu falava e as pessoas associavam logo que eu era

corrupto, violento”. Outros disseram que: “com essa onda de violência que está ai

quanto menos a gente se identificar melhor”.

As redes sociais e demais meios de comunicação em massa atualmente

contribuem para noticiar acontecimentos, compartilhar informações, estando também

presentes nessas divulgações aspectos que produzem ou contribuem para formação

de pensamento sobre os assuntos noticiados. Recentemente, no mês de abril de

2018, a rede de televisão e comunicação Globo produziu a minissérie “Carcereiros”,

divulgada em 12 episódios no horário noturno. A minissérie foi baseada no livro de

autoria de Dráuzio Varella, com o nome “Carcereiros”, e traz depoimentos e cenas

ficcionalizadas por meio de vivências de agentes penitenciários.

A minissérie traz imagens de rebeliões, mortes, motins, penitenciárias com

ambiente insalubre e relatos sobre o cotidiano da vida de agentes penitenciários

baseados em profissionais que atuaram como agentes e que hoje estão aposentados,

mas que participaram da construção dessa minissérie. Não cabe a análise da

minissérie e quais realidades do ambiente prisional ela se propôs abordar, o fato é

que, em todos os episódios, estiveram cenas que traziam imagens violentas, seja no

cenário do cárcere ou na vida de agentes penitenciários.

Essa visão que se tem sobre o ambiente prisional, não somente por meio

da mídia, mas nas falas da população e dos profissionais que atuam em ambiente

prisional, faz refletir sobre esse espaço que surgiu com constante presença de

segregação, exclusão e agressões, e que atualmente permanece reproduzindo e

produzindo atos violentos dentro dos muros dos presídios e dos manicômios

judiciários. Assim também a literatura (MORAIS, 2015; NASCIMENTO, 2016; DINIZ,

2011), quando aborda o assunto, reforça e confirma essa realidade.

Esse panorama descrito sobre a realidade ocupacional de agentes

penitenciários, permeado por agressões, ameaças, invisibilidade, medo e ambiente

historicamente violento, foi problematizado por meio de aspectos sociais que estão

envoltos à saúde desses profissionais. Conforme Minayo (2006) discute em seus

estudos, o reconhecimento da violência como problemática a ser discutida na área da

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saúde no Brasil vem se fazendo de forma lenta, fragmentada, intermitente, mas

progressiva. O campo da saúde do trabalhador, apesar de ter avançado em alguns

aspectos dessa discussão, ainda é muito incipiente, principalmente quando se refere

à saúde de agentes penitenciários.

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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo dessa dissertação, foram analisadas e discutidas questões que

permeiam a atuação e a saúde de agentes penitenciários, ancoradas estas nos fatores

psicossociais presentes nessa atuação, mas que proporcionaram a esta escrita maior

proximidade com a realidade de trabalho desses profissionais.

Com a pesquisa, podem-se identificar muitos fatores de riscos e condições

psicossociais que incidem sobre a saúde dos profissionais que atuam no Instituto

Psiquiátrico Governador Stênio Gomes. Em síntese, a análise realizada por meio da

abordagem qualitativa e quantitativa revelou a existência de alta prevalência de

demanda e envolvimento emocional entre os profissionais na sua atuação, a não

recomendação de seu trabalho para amigos; os sentimentos de insatisfação em falar

de sua atuação; a inconstância em perceber sentido em seu trabalho; a insatisfação

com as condições físicas do local de trabalho, além dos conflitos e baixo apoio na

relação entre profissionais e as chefias da instituição; a dificuldade para dormir; o

desgaste emocional; estresse e; problemas constantes para relaxar.

A violência coletiva ocasionada por grupos organizados, comumente

conhecidos como “facções”, esteve presente entre as narrativas desse estudo as

agressões e ameaças que fazem parte do cotidiano de vida extramuros e da trajetória

profissional dos agentes penitenciários que atuam no Instituto.

Entretanto, a violência presente no cotidiano de trabalho dos agentes no

Instituto refere-se mais a psicológica e simbólica, em detrimento da física, foram

identificados poucos relatos de agressões físicas proferidas pelos internos contra os

agentes penitenciários na instituição.

Pode-se perceber que existe cooperação e bom relacionamento entre os

agentes penitenciários. Os profissionais consideram o seu trabalho e o Instituto como

importantes, estão satisfeitos com seu trabalho e com as perspectivas futuras

relacionadas à estabilidade de emprego.

A forma como a metodologia foi conduzida ao longo desse percurso de

pesquisa proporcionou conhecimento da realidade desses profissionais a partir de

diferentes perspectivas que, possivelmente, um único instrumento de coleta de dados

não teria a possibilidade de aproximação com a temática de forma a contemplar

diferentes contextos que abrangem esse cenário.

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O trabalho de agentes penitenciários que atuam no Instituto revela-se estar

imerso no cenário contemporâneo das relações trabalhistas atuais, repleto de

profissionais que não recebem capacitações ou treinamentos para exercerem suas

funções de forma a contemplar as necessidades dessa atuação, ocasionando, assim,

formas distintas de atuação e percepção sobre o que é seu trabalho; a presença de

pessoas que estão exercendo o cargo de agente penitenciário sem ter recebido

formação ou ter sido contratada para essa função, o que os agentes penitenciários

denominam de “os desvios de função”; ambiente e condições de trabalho

precarizados, com ausência de meios e materiais que proporcionem a atuação efetiva

dessa categoria; relacionamento entre os profissionais e a chefia fragilizado, gerando

insatisfação e; remuneração baixa, ocasionando sobrecarga de trabalho, com

plantões extras ou em outros empregos, para suprir a necessidade financeira dos

profissionais.

A proximidade na relação entre os profissionais e os internos do instituto,

assim como a pouca incidência de agressões e ameaças proferidas pelos internos

para com os agentes, revelam algumas singularidades presentes nesse estudo que

divergem dos achados na literatura sobre a profissão.

A visão de alguns profissionais sobre o interno do Instituto é divergente do

interno de outras instituições. O interno não é visto como preso, mas como doente,

assim como o Instituto não é visto como presídio, mas como hospital. Todavia, o

interno do instituto permanece custodiado e sob constante disciplinamento e

vigilância, não sendo “cuidado” pelos agentes como uma pessoa que necessita de

tratamento em saúde mental.

As condutas, que estão centradas no disciplinamento, na procura de

manter uma determinada ordem e no exercício de poder sobre os corpos aprisionados,

assemelham-se à realidade retratada nas pesquisas com agentes penitenciários que

atuam em penitenciárias e unidades que compõem o sistema penitenciário brasileiro.

Foi possível perceber, desde os primeiros capítulos, que a constituição

histórica da profissão perpassou por inúmeros estigmas e recortes de classes que

refletiram sobre a constituição dos espaços punitivos e de cumprimento de pena. As

transformações sofridas nesses espaços incidiram sobre a atuação desses

profissionais, com garantia de seleção para o cargo, legislação estadual que

regulamenta a profissão, organização sindical, dentre outros avanços. Entretanto, o

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estigma presente na atuação do carcereiro e a prática disciplinadora ainda se

encontram videntes, de forma ampla, na categoria.

O contexto manicomial em que o Instituto está inscrito também foi discutido

nesse estudo, a partir de diálogos com a literatura atual que debate a saúde mental

no cenário brasileiro, identificou-se no Instituto uma instituição que objetiva custodiar

e realizar tratamento em saúde mental com traços fortes de estrutura prisional: com

salas de disciplina, castigo, separações em grades, estrutura arquitetônica típica de

panópticos; além de problemas elétricos, de abastecimento de água, estrutura física

precária e tratamento baseado no modelo biomédico. Esse cenário apresenta-se na

contramão e como forma de desarticulação do movimento de reforma psiquiátrica e

antimanicomial, que compreende ser necessário o cuidado, tratamento e vivência em

comunidade, além de violar direitos humanos dessas pessoas.

A percepção dos agentes penitenciários sobre o Instituto é de um espaço

de tratamento, cuidado e que deve permanecer existindo, pois representa um

ambiente positivo e calmo para esses profissionais e para os internos. Inicialmente,

esperava-se que o Instituto, por ser um espaço manicomial, representasse maiores

possibilidade de adoecimento aos profissionais, entretanto, percebe-se um conjunto

de fatores abordados na discussão ligados ao sistema penitenciário, não somente ao

Instituto, que contribui para a fragilização da saúde desses profissionais, agindo como

riscos psicossociais.

Compreende-se que as instituições prisionais permanecem existindo em

sociedade, por forte direcionamento e manutenção macrossocial em que o Estado

colabora diretamente, para existência dessas estruturas em conjunto com a sociedade

civil que, historicamente, prendeu e excluiu de seu convívio pessoas que cometessem

atos ditos errados e fora do contexto de normalidade moral. Essa lógica de exclusão

é regida dentro do modelo econômico vigente que descarta a classe não produtora de

capital.

Durante a pesquisa, notou-se a necessidade de conhecer, com maior

proximidade, a relação entre os internos e os agentes penitenciários dessa pesquisa

pelos elementos que surgiram referentes a essa relação, como a proximidade, com o

processo que teve início na instituição, a desinstitucionalização dos internos, e a

possibilidade da extinção da instituição. No entanto, o objetivo e tempo que o mestrado

proporciona para a pesquisa não seriam suficientes para compreender todos os

elementos que surgiram durante o estudo.

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Percebe-se, ainda, a necessidade de continuação dessa pesquisa, de

modo a ampliar esse estudo para as demais instituições que constituem o sistema

penitenciário cearense e pelas constantes associações entre as falas dos

interlocutores desse estudo sobre as condições de trabalho e a saúde de outras

unidades prisionais, trazendo a necessidade de uma investigação ampla e ainda não

realizada no cenário cearense.

Por fim, esse estudo revelou que a atuação em instituição total, seja ela

manicomial ou com características duais entre prisão, hospital e manicômio, é repleta

de riscos que agravam e afetam a saúde de profissionais que atuam nesses espaços,

com forte estigma, estereótipos e precarização do trabalho.

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APÊNDICES

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APÊNDICE A - Roteiro de entrevistas semiestruturadas

Entrevistado (como deseja ser chamado):

Tempo de atuação como agente penitenciário:

Data da entrevista:

Perguntas:

1- Você poderia descrever quais as atividades desempenha no Instituto Psiquiátrico

Governador Stênio Gomes?

2- Você poderia falar sobre como é ser um Agente Penitenciário trabalhando em um

Instituto Psiquiátrico, também conhecido como único Manicômio Judiciário do estado

do Ceará?

3- Você acha o trabalho de agentes penitenciários diferente de outras profissões? Por

quê?

4- Você percebe diferença entre o trabalho de agentes penitenciários que atuam em

outras unidades prisionais e os que atuam no Instituto? Por quê?

5- Se fosse dada a oportunidade de trabalhar em outra unidade prisional, você iria?

6- Como é a relação de vocês, enquanto profissionais, com os internos do Instituto?

Existe uma diferença de convívio e tratamento dos internos do Stênio Gomes para os

internos de outras unidades penitenciárias?

7- A partir do momento que você começou trabalhar como agente penitenciário você

percebe modificação no seu cotidiano de vida? Se sim, de que forma?

8- Você considera que seu trabalho prazeroso? Por quê?

9- Como percebe sua saúde depois que começou a trabalhar no Instituto?

10- Você percebe que existem agentes penitenciários que adoecem pelo exercício de

seu trabalho?

11- Você conhece programas voltados à saúde do trabalhador dos agentes

penitenciários na SEJUS?

12- O cenário da Segurança Pública no Brasil atualmente tem sido noticiado e

colocado em discussão nos meios de comunicação e na mídia, como você acha que

todos os acontecimentos (rebeliões, chacinas, disputas de “facções criminosas”)

podem afetar seu cotidiano de trabalho?

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APÊNDICE B - Termo de consentimento livre e esclarecido

Estamos desenvolvendo uma pesquisa intitulada como: Trabalho e saúde de agentes penitenciários no Instituto Psiquiátrico Governador Stênio Gomes. Este estudo tem como objetivos, compreender a realidade de saúde de agentes penitenciários que atuam em instituição que possui dupla característica, ser prisional e manicomial. Almeja-se com a pesquisa, identificar os fatores psicossociais presentes no ambiente de trabalho e a partir das percepções dos agentes penitenciários, conhecer sua atuação nesse cenário.

Gostaríamos de contar com a sua participação no processo de elaboração do que será pesquisado através de uma entrevista que será gravada, caso você autorize. Esclarecemos que sua participação é voluntária e a qualquer momento poderá deixar de participar da pesquisa sem qualquer prejuízo. Salientamos que a sua identidade não será revelada. Comprometemo-nos a utilizar os dados coletados somente para a pesquisa e os resultados poderão ser veiculados através de artigos científicos em revistas especializadas e/ou encontros científicos e congressos sem tornar possível sua identificação. Os dados retornarão para o local da pesquisa e poderão contribuir para a melhoria dos serviços prestados aos usuários e profissionais.

Salientamos que a realização desta pesquisa pode gerar alguns riscos para os profissionais participantes deste processo, no que se refere ao sentimento de sofrimento ao lembrar de momentos que passaram, lembrando-se também de alguma situação constrangedora que possa ter marcado suas práticas de trabalho durante sua atuação profissional. Podendo ficar constrangido com alguma pergunta realizada nas entrevistas ou fatos que possam estão contidos no seu universo cultural e que para o sujeito seja uma situação de incômodo.

Se necessário, o (a) Sr. (a) poderá entrar em contato com a pesquisadora responsável Sergiana de Sousa Bezerra, e-mail: [email protected], e com a orientadora desta pesquisa a Profª Drª Rosemary de Oliveira Almeida, e-mail: [email protected]. O Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual do Ceará estará à disposição para qualquer esclarecimento no endereço: Av. Paranjana, 1.700, Campus do Itaperi, Fortaleza-Ceará, com horários de funcionamento: 08:00 às 12:00 e 13:00 às 17:00 horas, de segunda à sexta feira ou pelo telefone: (85) 31019890.

Este termo está elaborado em duas vias, sendo uma para o sujeito participante da pesquisa e outro para o arquivo do pesquisador. Tendo sido informado (a) sobre a pesquisa, Trabalho e saúde de agentes penitenciários no Instituto Psiquiátrico Governador Stênio Gomes. Declaro que concordo participar desse estudo de forma livre e esclarecida. Nome:_________________________________________________ Assinatura:______________________________________ Data:___/__/_____ _______________________________________________________ Assinatura da pesquisadora

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ANEXO

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ANEXO A - Questionário sobre fatores psicossociais

QUESTIONÁRIO SOBRE FATORES

PSICOSSOCIAIS

INSTRUÇÕES As questões contidas neste questionário versam sobre aspectos de saúde, bem-estar e ambiente de trabalho. Se você não estiver empregado, não preencha este questionário. As perguntas se referem às SUAS condições e às SUAS opiniões e, portanto, você deve responder sozinho. Não há respostas certas ou erradas. É importante que você responda TODAS as questões.

Se você desejar fazer comentários ou detalhar melhor suas respostas, há um espaço para isso próximo do

final do questionário. Responda as questões colocando um X no quadrado do item correspondente. Em

algumas questões você será solicitado a escrever um número ou algumas poucas palavras.

1. Sexo:

1. Masculino 2. Feminino

2 Qual sua data de nascimento? / / .

3 Qual a sua escolaridade?

1 . Primeiro Grau Incompleto

2. Primeiro Grau Completo

3. Segundo Grau Incompleto

4. Segundo Grau Completo

5. Técnico Incompleto 6. Técnico Completo

7. Superior Incompleto

8. Superior Completo

4 Qual a sua formação (Curso Técnico ou Superior)?

5 Você vive com alguém?

1. Sim, com meu cônjuge ou companheiro (a)

2. Sim, com outras pessoas que não o cônjuge ou companheiro (a) 3. Sim, com meus pais.

4. Não, vivo sozinho (a) – sou viúvo (a)

5. Não, vivo sozinho (a) – sou divorciado (a) separado (a) ou minha relação terminou

6. Não, sempre vive sozinho (a)

7. Outro (especifique)

DADOS PESSOAIS

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6. Quantos filhos vivem com você atualmente? 0 sem filho, 1 filho, 2 filhos, 3 filhos, 4 filhos

7. Quantos desses possuem menos de 7 anos? 0 sem filho, 1 filho, 2 filhos, 3 filhos, 4 filhos

8. Por quanto tempo trabalha nesse mesmo local? 1: 1 ano, 2: 1 a 2 anos, 3: 3 a 5 anos, 4: 5 a 10 anos, 5: 10 a 20 anos.

9. Qual seu cargo ou função?

1: Agente penitenciário

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As questões que se seguem são sobre o ambiente psicossocial e sua satisfação no trabalho. Algumas

das questões podem se adequar melhor ao seu trabalho, mas, por favor, responda a TODAS elas,

escolhendo apenas uma resposta para cada pergunta.

Sempre

Frequen-

temente

Às

vezes

Rara-

mente

Nunca/

quase

nunca

10 A sua carga de trabalho acumula-se por ser mal

distribuída?

1 2 3 4 5

11 O seu trabalho exige que você lide com situações 1 2 3 4 5

emocionalmente complicadas?

12 Tem um elevado grau de influência sobre o seu 1 2 3 4 5

trabalho?

13 Precisa trabalhar muito rapidamente? 1 2 3 4 5

14 Existe um bom clima de trabalho entre você e os seus 1 2 3 4 5

colegas?

15 No seu trabalho você tem de lidar com os problemas 1 2 3 4 5

pessoais de outras pessoas

16 Você escolhe com quem quer trabalhar? 1 2 3 4 5

17 Você tem alguma influência sobre como realizar o seu 1 2 3 4 5

FATORES PSICOSSOCIAIS DO TRABALHO

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trabalho?

18 Você atrasa as tarefas que deve realizar? 1 2 3 4 5

19 Há cooperação entre seus colegas de trabalho? 1 2 3 4 5

20 Com que frequência não tem tempo para completar 1 2 3 4 5

todas as tarefas do seu trabalho?

21 Você tem tempo suficiente para realizar suas tarefas? 1 2 3 4 5

22 Você se sente parte de seu grupo de trabalho? 1 2 3 4 5

23 Você tem alguma influência sobre a quantidade de 1 2 3 4 5

trabalho que lhe é dado?

24 Com que frequência pensa em mudar de trabalho? 1 2 3 4 5

25 Com que frequência recebe ajuda e apoio dos seus 1 2 3 4 5

colegas?

26 Com que frequência seus colegas estão dispostos a 1 2 3 4 5

ouvir seus problemas no trabalho?

27 Com que frequência seus colegas elogiam o seu 1 2 3 4 5

trabalho?

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Extrema-

mente Muito

Mais ou

menos Pouco

Muito

Pouco

28 O ritmo de trabalho é elevado? 1 2 3 4 5

29 A demanda emocional do trabalho é elevada? 1 2 3 4 5

30 O trabalho exige iniciativa? 1 2 3 4 5

31 O seu trabalho tem sentido (SIGNIFICADO)? 1 2 3 4 5

32 No seu contexto de trabalho, você é informado com

antecedência sobre as decisões, mudanças, ou planos para

1 2 3 4 5

o futuro?

33 O seu trabalho possui objetivos claros? 1 2 3 4 5

34 Existem demandas contraditórias no seu trabalho? 1 2 3 4 5

35 O seu trabalho é reconhecido e elogiado pelos

superiores?

1 2 3 4 5

36 O seu trabalho é importante? 1 2 3 4 5

37 Você recomendaria o seu local de trabalho para um amigo? 1 2 3 4 5

____________________________________________________________________________________

38 Você conhece as áreas de sua responsabilidade? 1 2 3 4 5

____________________________________________________________________________________

39 Os seus superiores o respeitam? 1 2 3 4 5

40 Você se envolve emocionalmente no seu trabalho? 1 2 3 4 5

41 Você utiliza suas habilidades e treinamento no seu

trabalho?

1 2 3 4 5

42 Você sente prazer em falar com os outros sobre o seu trablho? 1 2 3 4 5

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43 Você recebe toda a informação necessária para

desempenhar bem o seu trabalho?

44 Você faz coisas no seu trabalho que são aceitas

1 2 3 4 5

1 2 3 4 5

45 O tratam com justiça no seu trabalho? 1 2 3 4 5

46 Você sabe exatamente o que se espera de você no trabalho? 1 2 3 4 5

47 Você algumas vezes tem de fazer coisas que deveriam 1 2 3 4 5

ser feitas de outra forma?

48 Você aprende coisas novas no seu trabalho? 1 2 3 4 5

49 Você, algumas vezes, tem de fazer coisas que considera

1 2 3 4 5

desnecessárias?

50 O ritmo de trabalho é elevado durante todo o dia? 1 2 3 4 5

51 Você sente que pode desenvolver suas habilidades no

1 2 3 4 5

seu trabalho?

52 Você considera seu local de trabalho importante para 1 2 3 4 5

você?

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Com relação ao seu trabalho em geral, o quanto você está satisfeito:

Muito

satisfeito

Satisfeito Não

satisfeito

Pouco

satisfeito

53 Com suas perspectivas futuras 1 2 3 4

54 As condições físicas de trabalho 1 2 3 4

55 A maneira como usa suas habilidades 1 2 3 4

56 Com seu trabalho como um todo, levando em 1 2 3 4

consideração todos os aspectos

Extrema-

mente Muito

Mais ou

menos Pouco

Muito

pouco

57 Os superiores (gerentes, diretores) cofiam no 1 2 3 4 5

trabalho realizado pelo os trabalhadores?

58 Você confia na informação fornecida pelos superiores? 1 2 3 4 5

59 Os conflitos são resolvidos de forma justa? 1 2 3 4 5

60 Os superiores escondem informações importantes? 1 2 3 4 5

61 O trabalho bem-feito é reconhecido pelos superiores? 1 2 3 4 5

62 Os trabalhadores escondem informações uns dos outros? 1 2 3 4 5

63 Os trabalhadores confiam uns nos outros? 1 2 3 4 5

64 Todas as sugestões fornecidas pelos trabalhadores são 1 2 3 4 5

levadas em consideração pelos superiores?

65 Os trabalhadores podem expressar livremente suas ideias e 1 2 3 4 5

SOBRE O SEU LOCAL DE TRABALHO

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141

sentimentos?

66 O trabalho é distribuído com justiça? 1 2 3 4 5

As questões seguintes dizem respeito às suas relações com seus superiores.

Sempre

Frequen-

temente

Às

vezes

Rara-

mente

Nunca/

quase

nunca

67 Com que frequência seus superiores o escutam em 1 2 3 4 5

relação aos problemas de trabalho?

68 Com que frequência seus superiores fornecem apoio e 1 2 3 4 5

ajuda?

69 Com que frequência seus superiores falam com você 1 2 3 4 5

sobre o desenvolvimento do seu trabalho?

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142

Até que ponto você pode afirmar que seu superior imediato...

Extrema-

mente Muito

Mais ou

menos Pouco

Muito

pouco

70 Assegura que todos os trabalhadores tenham acesso a 1 2 3 4 5

oportunidades

71 Coloca a satisfação no trabalho como prioritária 1 2 3 4 5

72 É bom no planejamento do trabalho 1 2 3 4 5

73 É bom em resolver conflitos 1 2 3 4 5

As próximas questões são sobre a relação entre trabalho e vida privada.

Sim, com

frequência

Sim, algumas

vezes

Rara-

mente

Não,

nunca

74 Você frequentemente sente um conflito entre seu trabalho e vida

pessoal, de tal forma a desejar estar em dois lugares ao mesmo tempo? 1 2 3 4

Sim,

com

certeza

Sim, até

certo

ponto

Sim, mas

só um

pouco

Não, de

jeito

nenhum

75 Você sente que seu trabalho demanda tanta energia que 1 2 3 4

ele acaba tendo um efeito negativo na sua vida pessoal?

76 Você sente que seu trabalho toma tanto de seu tempo que 1 2 3 4

ele acaba tendo um efeito negativo na sua vida pessoal?

77 A sua família e amigos dizem que você trabalha muito? 1 2 3 4

Você tem mais algum comentário sobre o contexto psicossocial do seu trabalho?

TRABALHO E VIDA PESSOAL

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SAÚDE E BEM-

ESTAR

Com que frequência você:

Sempre Frequen-

temente

Às

vezes

Rara-

mente Nunca

78 Dorme mal? 1 2 3 4 5

79 Se sente desgastado? 1 2 3 4 5

80 Sente dificuldade para pegar no sono? 1 2 3 4 5

81 Se sente emocionalmente exausto? 1 2 3 4 5

82 Acorda mais cedo do que deveria e não consegue 1 2 3 4 5

dormir de novo?

83 Se sente cansado? 1 2 3 4 5

84 Acorda diversas vezes e não consegue dormir de novo? 1 2 3 4 5

85 Tem problemas para relaxar? 1 2 3 4 5

86 Fica irritado? 1 2 3 4 5

87 Fica tenso? 1 2 3 4 5

88 Fica estressado? 1 2 3 4 5

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Excelente Muito boa Boa Razoável Ruim

89 Em geral, você diria que sua saúde é: 1 2 3 4 5

Nos últimos 12 meses você:

Sim,

diária-

mente

Sim,

semanal-

mente

Sim,

mensal-

mente

Sim,

poucas

vezes

Não

90 Você foi exposto a paqueras (flertes) indesejáveis? 1 2 3 4 5

Colegas Superiores,

gerentes Subordinados

Clientes ou

pacientes

91 Se sim, por quem? (pode marcar vários itens) 1 2 3 4

Sim,

diária-

mente

Sim,

semanal-

mente

Sim,

mensal-

mente

Sim,

poucas

vezes

Não

92 Você foi exposto a ameaças de violência no seu local 1 2 3 4 5

de trabalho?

Colegas Superiores,

gerentes Subordinados

Clientes ou

pacientes

93 Se sim, por quem? (pode marcar vários itens) 1 2 3 4

Assédio moral no trabalho significa que uma pessoa é repetidamente exposta a um tratamento

desagradável e degradante, e que essa pessoa sente dificuldade de se defender.

Sim,

diária-

mente

Sim,

semanal-

mente

Sim,

mensal-

mente

Sim,

poucas

vezes

Não

94 Você foi exposto a assédio moral no trabalho nos 1 2 3 4 5

CONFLITOS E OUTROS COMPORTAMENTOS OFENSIVOS

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últimos 12 meses?

Colegas Superiores,

gerentes Subordinados

Clientes ou

pacientes

95 Se sim, por quem? (pode marcar vários itens) 1 2 3 4

Muito obrigada por sua colaboração!