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UNIVERSI DADE CA NDI DO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” P R OJETO A VEZ DO MESTRE O PAPEL DO GESTOR DE RH EM BUSCA DA ÉTICA E DA RESPONSABILIDADE SOCIAL NAS ORGANIZAÇÕES. Por: Adelaide Ortwein Domingos. Orientadora Profª. Ms. Fabiane Muniz. Rio de Janeiro.

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

O PAPEL DO GESTOR DE RH EM BUSCA DA ÉTICA E DA

RESPONSABILIDADE SOCIAL NAS ORGANIZAÇÕES.

Por: Adelaide Ortwein Domingos.

Orientadora

Profª. Ms. Fabiane Muniz.

Rio de Janeiro.

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2006.

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

O PAPEL DO GESTOR DE RH EM BUSCA DA ÉTICA E DA

RESPONSABILIDADE SOCIAL NAS ORGANIZAÇÕES.

Apresentação de monografia à Universidade

Candido Mendes como requisito parcial para

obtenção do grau de especialista em Gestão de

Recursos Humanos.

Por: Adelaide Ortwein Domingos.

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EPÍGRAFE

Ser eu um homem, isso compartilho com

outros homens.

Ser eu capaz de ver e ouvir é o que

também fazem todos os animais.

Mas eu ser eu é apenas meu, isso

pertence a mim e a mais ninguém; a

nenhum outro homem nem a anjo nem a

Deus – Exceto na medida em que sou

idêntico a Ele.

MASTER ECKHART,

Fragments.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, familiares, professores e

colaboradores que concorreram para

que este trabalho se concretizasse.

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RESUMO

Este trabalho objetivou investigar de que forma a ética vem sendo

transformada ao longo do tempo e como ela pode fundamentar a vida

humana. Dessa forma, a função da ética nas organizações deve ser exercida

com base no princípio da responsabilidade social, aliando suas atividades com

o bem-estar de seus proprietários e sócios, empregados, concorrentes, poder

público, comunidade na qual está inserida a sociedade em geral, enfim, de

seus stakeholders. A proposta deste trabalho é discutir o papel do gestor de

RH na construção da responsabilidade social empresarial.

Palavras-chave: ética, responsabilidade social, gestão de RH.

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METODOLOGIA

Os métodos que levam ao problema proposto, como leitura de livros e

revistas, que certamente nos indicam de que forma a ética vem sofrendo

transformações ao longo do tempo e como podem fundamentar a vida

humana. Sendo assim, a resposta encontrada após a coleta de dados

fornecida pela pesquisa bibliográfica ao observar o objeto de estudo, é que

cabe ao gestor de RH elaborar e orientar os funcionários estrategicamente na

busca de uma melhor responsabilidade social nas organizações.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

08

CAPÍTULO I -Um breve histórico do conceito da ética e da moral 10

CAPÍTULO II -Ética no trabalho e responsabilidade social

47

CAPÍTULO III -O papel do gestor de RH na construção da ética e da

responsabilidade social da empresa

54

CONCLUSÃO

72

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

74

ÍNDICE

77

FOLHA DE AVALIAÇÃO

79

EVENTOS CULTURAIS

80

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INTRODUÇÃO

Dentre as gigantes mudanças que atualmente se aceleram no mundo

moderno estão os desafios e dilemas da construção de uma reflexão e ação

ética por parte das organizações contemporâneas. Percebe-se que a

discussão ética vem assumindo centralidade no campo de conhecimento do

ambiente de trabalho, quer seja pelo crescente volume de literatura dedicado

ao tema quer seja pela grande preocupação das organizações e da mídia

quanto a temas como assédio sexual no trabalho, discriminação por raça,

gênero ou opção ideológica, relações organização-comunidade, controle de

corrupção, entre outros.

Nesse cenário, o desafio do gestor de RH nas organizações seria

desenvolver políticas de gestão que tenham como foco o desenvolvimento do

ser humano como pessoa, profissional e cidadão. Desta forma, sua inserção

teria um caráter estratégico para organização, na medida que deveria ter uma

visão sistêmica da mesma, considerando não somente o corpo funcional, mas

todas as relações que a empresa estabelece com a sociedade. No entanto,

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9alguns obstáculos se impõem ao desenvolvimento efetivo de uma reflexão e

ação realmente ética dos gestores no espaço organizacional.

Para o entendimento dos dilemas e desafios que se apresentam,

inicialmente se faz necessário resgatar a diferenciação entre os conceitos de

moral e ética desenvolvidos por diferentes correntes filosóficas (os Sofistas,

Sócrates, Platão, Aristóteles, e outros). A partir deste ponto discutir as

condicionantes estruturas do aprofundamento da reflexão e postura éticas nas

sociedades contemporâneas, delimitando-se o espaço e a função da ética no

desenvolvimento das relações econômicas capitalistas.

Neste sentido, o principal interesse do objetivo é investigar o papel dos

gestores de recursos humanos, tendo como pano de fundo a análise da ética

no trabalho e à importância que esta questão assume na construção de

atitudes e comportamentos profissionais das pessoas, posicionando

informações que poderão contribuir para um melhor aprimoramento da gestão

da responsabilidade social nas empresas.

Assim, aprofundando um pouco mais a importância deste estudo, deve-

se salientar que o comportamento socialmente responsável por parte das

empresas não representa apenas um fortalecimento de sua imagem, mas

também um diferencial relevante para a qualidade de vida de seus

funcionários.

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CAPÍTULO I

UM BREVE HISTÓRICO DO CONCEITO DA ÉTICA E DA

MORAL

1.1 - Afinal, o que é ética?

Segundo Valls (1993), a ética é daquelas coisas que todo mundo sabe o

que são, mas que não são fáceis de explicar, quando alguém pergunta.

No Dicionário Aurélio Buarque de Holanda, ética é o estudo dos juízos

de apreciação que se referem à conduta humana susceptível de qualificação

do ponto de vista do bem e do mal, seja relativamente à determinada

sociedade, seja de modo absoluto.

Alguns diferenciam ética e moral de vários modos:

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1. Ética é princípio, moral são aspectos de condutas específicas;

2. Ética é permanente, moral é temporal;

3. Ética é universal, moral é cultural;

4. Ética é regra, moral é conduta da regra;

5. Ética é teoria, moral é prática.

Para Vázquez (1999), não se pode confundir a ética e a moral. A ética

não cria a moral. Conquanto seja certo que toda moral supõe determinados

princípio, normas ou regras de comportamentos, não sendo a ética que os

estabelece numa determinada comunidade. A ética depara com uma

experiência histórico-social no terreno da moral, ou seja, com uma série de

práticas morais já em vigor e, partindo delas, procura determinar a essência da

moral, sua origem, as condições objetivas e subjetivas do ato moral, as frentes

de avaliação moral, a natureza e a função dos juízos morais, os critérios de

justificação destes juízos e o princípio que rege a mudança e a sucessão de

diferentes sistemas morais.

A ética é a teoria ou ciência do comportamento moral dos homens em

sociedade. Ou seja, é ciência de uma forma específica de comportamento

humano.

Desse modo, podemos relatar que como ciência, a ética parte de certo

tipo de fatos visando descobrir-lhes os princípios gerais. Neste sentido, embora

parta de dados empíricos, isto é, da existência de um comportamento moral

efetivo, não podendo permanecer no nível de uma simples descrição em

registro dos mesmos, mas os transcende com os seus conceitos, hipóteses e

teorias.

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Enquanto conhecimento científico, a ética deve aspirar à racionalidade e

objetividade mais completas e, ao mesmo tempo, deve proporcionar

conhecimentos sistêmicos, metódicos e, no limite do possível, comprováveis.

Ainda afirma Vázquez (1999) que a ética é a ciência da moral, isto é, de

uma esfera do comportamento humano, não se deve confundir a teoria com o

seu objetivo: o mundo moral. As proposições da ética devem ter o mesmo

rigor, a mesma coerência e fundamentos das proposições científicas. Ao

contrário, os princípios, as normas ou os juízos de uma moral determinada não

apresentam esse caráter. E não somente têm um caráter científico, mas a

experiência histórica moral demonstra como muitas vezes são incompatíveis

com os conhecimentos fornecidos pelas ciências naturais e sociais.

Sendo assim, podemos afirmar que, existe uma ética científica, mas não

se pode dizer o mesmo da moral. Não existe uma moral que pode ser

científico, mas sim uma moral que pode ser compatível com os conhecimentos

científicos sobre o homem, a sociedade e em particular, sobre o

comportamento humano moral. É este o ponto em que a ética pode servir para

fundamentar uma moral, sem ser em si mesma normativa ou preceptiva. A

moral não é ciência, mas objeto da ciência, e, neste sentido, é por ela

estudada e investigada. A ética não é moral e, portanto, não pode ser reduzida

a um conjunto de normas e prescrições; sua missão é explicar a moral efetiva

e, neste sentido, pode influir na própria moral.

O objeto de estudo da ética é constituído por vários tipos de atos

humanos: os atos conscientes e voluntários dos indivíduos que afetam outros

indivíduos, determinados grupos sociais ou a sociedade em seu conjunto.

A ética e a moral relacionam em sua definição, pois se assentam num

modo de comportamento que não corresponde a uma disposição natural, mas

que é adquirido ou conquistado por hábito.

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Para Valle (1999), a ética pode ser definida como “ciência do ethos”. E

para se constituir ciência, não deve, portanto, limitar-se aos simples sintomas,

às meras aparências. Deve ir às causas. E para ir às causas, deve estudar

primeiramente o que é ethos.

1.1.1 - Ethos como “morada”

Para Valle (1999), ethos (escrito com etha) significa “morada”. A nossa

“morada” difere da “morada” animal. A dos bichos está sempre presa ao

instinto e não pode ir além do instinto. A teia de aranha sempre foi, é e será

teia de aranha. O ninho do pássaro sempre foi, é e será ninho de pássaro. A

toca da raposa sempre foi, é e será toca da raposa. Mas há uma notável

diferença entre o homem das cavernas e o homem moderno. Não há apenas o

apartamento sofisticado, todo eletrônico. Continua havendo o iglu dos

esquimós, a tenda dos índios, a casa de pau-a-pique do caboclo, a cabana

das savanas africanas, a barraca de lona do tuaregue do deserto, com

variedades de moradas adaptadas ao clima e a cultura de cada povo. A

residência do homem não é apenas abrigo contra as intempéries e resguardo

da privacidade. É também prova cabal de que o homem se supera a cada

instante, a cada geração. É prova da presença da natureza, de uma

inteligência que vai muito além do simples instinto animal, mesmo diante da

beleza da colméia ou da harmonia do formigueiro.

Pela inteligência, o homem percebe também que está intimamente

ligado à natureza. Seu eterno útero é a Mãe-Terra. Nela nasce, vive e morre.

Nela ele encontra seu eterno repouso.

1.1.2 - Ethos como “costume”

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14Ainda para Valle (1999), ethos, grafado com épisieon, quer dizer:

“costume”, (mas então, há preferência pelo plural ethoi, os costumes).

A partir deste novo sentido de ethos, as ciências da ética estudam os

nossos costumes, podendo, pois, deduzir coisas muito preciosas:

Sobre os valores que devem nortear o nosso comportamento moral,

tanto individualmente como também, no ato social.

Neste caso, o comportamento moral para merecer a constatação de

mérito ou demérito, de virtude ou de vício, deve ser livre e consciente.

Desse modo, falemos, primeiro, de nossos costumes, onde a nossa

origem está em nossa natureza humana, de um lado racional (zôon lógikon);

de outro, todavia, social (zôon polítikon).

Todavia, descendemos de uma família, e nossa família, de uma cultura.

É através de fatores hereditários e de elementos culturais que surgem a nossa

personalidade individual. Assimilamos a nossa família e de nossa cultura os

nossos costumes.

Para descrever etimologicamente, a ética tem origem no termo grego

“ethos”, que significa costumes e hábitos sociais. Já a palavra moral tem

origem no termo “mores”, do latim, e tem o mesmo significado. No entanto,

historicamente esses conceitos foram adquirindo significados diferentes.

Alguns autores definem moral como conjunto de princípios, crenças, regras

que orientam o comportamento das pessoas nas diversas sociedades e ética

como reflexão crítica sobre a moral e também como a própria realização de um

tipo de comportamento. Outros autores, por sua vez, procuram distinguir as

duas palavras, usando o termo moral para os códigos de valores diferentes e

específicos que existem e o termo ética para a busca de valores universais,

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15que seriam válidos no âmbito da humanidade como um todo e não apenas em

um grupo específico.

1.2 - Ética: uma visão clássica

Todo ser humano é dotado de uma consciência moral que o faz

distinguir entre certo ou errado, justos ou injustos, bom ou ruim, com isso é

capaz de avaliar suas ações; sendo, portanto, capaz de ética. Esta vem a ser

os valores, que tornam os deveres, incorporados por cada cultura e que são

expressos em ações. A ética, portanto, é a ciência do dever, da

obrigatoriedade, a qual rege a conduta humana.

Isso implica dizer que a ética pode ser conceituada como o estudo dos

juízos de apreciação que se referem à conduta humana suscetível de

qualificação do ponto de vista do bem e do mal, seja relativamente à

determinada sociedade, seja de modo absoluto.

Ainda podemos definir a ética como um conjunto de regras, princípios

ou maneiras de pensar que guiam, ou chamam a si a autoridade de guiar, as

ações de um grupo em particular (moralidade), ou, também, o estudo

sistemático da argumentação sobre como nós devemos agir (filosofia moral). A

simples existência da moral não significa as presenças explícitas de uma ética,

entendida como filosofia moral, pois é preciso uma reflexão que discuta,

problematiza e interprete o significado dos valores morais.

Existe uma profunda ligação entre ética e filosofia: a ética nunca pode

deixar de ter como fundamento à concepção filosófica do homem que nos dá

uma visão total deste como ser social, histórico e criador. Uma série de

conceitos com os quais a ética trabalha de uma maneira específica, como os

de liberdade, necessidade, valor, consciência, sociabilidade, pressupõe um

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16prévio esclarecimento filosófico. Também os problemas relacionados com o

conhecimento moral ou com a forma, significação e validade dos juízos morais

exigem que a ética recorra a disciplinas filosóficas específicas, como a lógica, a

filosofia da linguagem e a epistemologia. As questões éticas fundamentais

devem ser abordadas a partir de pressupostos básicos, como o da dialética da

necessidade e da liberdade. Assim, a história da ética se entrelaça com a

história da filosofia, e é nesta que ela busca fundamentos para regular o

desenvolvimento histórico-cultural da humanidade.

O estudo da ética remonta aos primórdios da filosofia clássica grega. De

lá provém o significado etimológico da palavra: ethos, que significa costume,

modo de agir. Segundo Pessanha:

“A tradição ética na cultura grega parte de Homero e

Hesíodo. As epopéias homéricas (séculos XVIII a C.)

formulam uma ética aristocrática que fazia da virtude

(aretê) um atributo inerente à nobreza e manifestado por

meio da conduta cortesã e do heroísmo guerreiro.

Originariamente, portanto, a palavra aretê não tem o

sentido preciso de ”virtude”. Ainda não atenuada por seu

uso posterior puramente ético, estava de início ligada às

noções de função, de realização e de capacitação,

denotando a excelência de tudo o que é útil para algum

ato ou fim”. (PESSANHA, 1999, p.28)

Pessanha (1999, p.28) ainda ressalta que “com Hesíodo (século VIII a

C.) é que a aretê passa a assumir significado mais estritamente moral: deixa

de ser atributo natural de bem-nascidos para se transformar numa conquista,

resultado do esforço e do trabalho enobrecedor de qualquer homem”. Aí vai

nascer à idéia do ensino da virtude (aretê), tema que será retomado

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17posteriormente por Sócrates (470-399 a C.), se tornando um dos pilares do seu

pensamento.

Vásquez (1999, p.228) acrescenta que “as doutrinas éticas

fundamentais nascem e se desenvolvem pelas relações entre os homens, e,

em particular, pelo seu comportamento moral efetivo”. Desta forma, existe uma

inter-relação entre a doutrina ética que vigora em uma determinada época na

história e os padrões de conduta, valores e normas que prevalecem e

estabelecem a moral predominante. Devido ao processo dinâmico de

mudanças verificado nas sociedades, os padrões de conduta vão sendo

(re)visados, valores vão sendo (re)pensados e as normas alteradas, gerando

conseqüentemente, uma nova moral que será objeto de estudo de uma nova

doutrina ética. Por isso, segundo o autor “as doutrinas éticas não podem ser

consideradas isoladamente, mas dentro de um processo de mudança e de

sucessão que constitui propriamente a sua história”. (Vázquez, 1999, p.228). A

seguir serão 15 examinadas algumas destas doutrinas que perpassam o

estudo da Filosofia desde a Grécia antiga até os dias de hoje.

Importante ressaltar que, de acordo com Vásquez (1999), o surgimento

de uma filosofia voltada para o estudo da ética se deve ao processo de

democratização da vida política em Atenas, quando emerge uma preocupação

com os problemas do homem, e, sobretudo, com os problemas políticos e

morais, que não eram objeto de estudo dos primeiros filósofos, chamados pré-

socráticos.

1.2.1 - Os Sofistas

Segundo Vásquez (1999), com o florescimento da democracia na

política ateniense, a arte da retórica, do discurso convincente, passa a fazer

parte da vida dos cidadãos, sendo de extrema necessidade o seu aprendizado

para o efetivo exercício dos seus direitos e garantia de êxito na vida política.

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18Sendo assim, surge o sofista, termo que significa mestre ou sábio, cuja função

principal seria a de ensinar esta arte aos cidadãos em troca de dinheiro,

considerado um escândalo na época.

Ocorre que, para o sofista, o discurso sempre será uma visão

individualizada da realidade. Não existe o discurso verdadeiro ou falso, existe o

discurso melhor e o pior. O melhor sempre será o mais convincente,

independente da carga de verdade que traga em si. Sobre isto discorre o

autor:

“Não existe nem verdade nem erro, e as normas – por

serem humanas – são transitórias. Protágoras cai assim

no relativismo ou subjetivismo (tudo é relativo ao sujeito,

ao ‘homem, medida de todas as coisas’), e Górgias

sustenta que é impossível saber o que existe realmente e

o que não existe”. (VÁSQUEZ, 1999, p.230).

1.2.2 - Sócrates

Nasce em Atenas em 470 (a. C) e morre em 399 (a. C). Tendo sido

condenado à morte injustamente sob acusações infundadas, aceita resignado

a sua pena bebendo cicuta. Era amigo da maioria dos sofistas, mas seus

métodos eram completamente distintos. O seu ensino não pressupunha

pagamento em troca, mas amizades, vontade de aprender. Não era partidário

dos discursos longos dos sofistas. Preferia os diálogos, perguntas e respostas,

para se chegar a conclusões. Escolheu não escrever, para evitar a divulgação

popular das idéias. Cria que o desenvolvimento da filosofia deveria se dar

através de um processo dialógico (a maiêutica). A idéia de Sócrates era que se

podia chegar à verdade através do diálogo, em contrapartida aos sofistas, que

afirmavam opiniões que poderiam ser verdade somente em determinados

momentos, através de seus longos monólogos.

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19Para Vásquez (1999), a ética socrática é racionalista, sendo composta

por três elementos: uma concepção do bem e do bom; a tese da virtude (aretê)

como conhecimento, e do vício como ignorância e a tese segundo a qual a

virtude pode ser transmitida ou ensinada. De acordo com o autor:

“Resumindo, para Sócrates, bondade, conhecimento e

felicidade se entrelaçam estreitamente. O homem age

retamente quando conhece o bem e, conhecendo-o, não

pode deixar de praticá-lo; por outro lado, aspirando ao

bem, sente-se dono de si mesmo e, por conseguinte, é

feliz”. (VÁSQUEZ, 1999, p.231).

1.2.3 - Platão

Nasce em Atenas em 427 (a.C.) e morre em 347 (a.C.). É filho de família

aristocrática e sua criação o havia destinado a uma carreira política. No

entanto, o encontro com Sócrates, de quem se torna discípulo, e a morte deste

nas circunstâncias em que ocorreu, determinam uma mudança radical em sua

vida.

Usando a fórmula de diálogos abertos, Platão vai aplicar o método

socrático na formulação do seu pensamento. A teoria das idéias é um dos

pilares do pensamento platônico. Entretanto, contrapondo aos sofistas que

eram partidários do relativismo, Platão acredita na necessidade de se buscar a

verdade, o conhecimento verdadeiro da realidade. Assim, faz uma relação

entre um mundo das idéias e um mundo real, das coisas.

Segundo Vásquez (1999), no pensamento de Platão, a alma do homem

se eleva por intermédio da razão ao mundo das idéias, onde a finalidade

principal é libertar-se da matéria e contemplar a Idéia do Bem, da perfeição. No

entanto, para aproximar-se desta idéia de perfeição o indivíduo depende

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20necessariamente da estrutura do Estado. Daí a sua ética estar relacionada

diretamente com a política, a qual se caracteriza como um outro núcleo central

do seu pensamento. Aqui ele tenta encontrar uma estrutura ideal de cidade e

de governo.

Platão ainda vai desenvolver uma vasta discussão sobre a alma, o que é

e qual a sua relação com o corpo. Sobre a ética platônica, discorre Vásquez:

“A ética de Platão depende intimamente, como a sua

política: a) da sua concepção metafísica (dualismo do

mundo sensível e do mundo das idéias permanentes,

eternas, perfeitas e imutáveis, que constituem a

verdadeira realidade e têm como cume a Idéia do Bem,

divindade, artífice ou demiurgo do mundo); b) da sua

doutrina da alma (princípio que anima ou move o homem

e consta de três partes: razão, vontade ou ânimo, e

apetite; a razão que contempla e quer racionalmente é a

parte superior, e o apetite, relacionado com as

necessidades corporais, é a inferior)”.

(VÁSQUEZ, 1999, p.231).

1.2.4 - Aristóteles

Nasce em Estagira, Macedônia em 384 (a.C.) e morre em 322 (a.C.). Foi

discípulo de Platão na Academia, em Atenas e mestre de Alexandre “O

Grande”. Fundou sua própria escola, denominada Liceu.

De acordo com Vásquez (1999), para Aristóteles o fim último do homem

é atingir a felicidade e, para atingi-la e sentir-se plenamente realizado, este

deve dedicar-se a uma vida contemplativa guiado pelo seu principal atributo: a

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21razão. Por intermédio do uso da razão o homem deve buscar um aprendizado

constante que levará ao desenvolvimento de virtudes intelectuais e práticas ou

ético. Para Aristóteles a virtude é o equilíbrio entre dois extremos. Além disso,

outras condições são necessárias para se atingir a felicidade, como

maturidade, bens materiais, liberdade pessoal, saúde, etc.

O autor ainda complementa a respeito da ética aristotélica:

“A ética de Aristóteles – como a de Platão – está unida à

sua filosofia política, já que para ele – como para o seu

mestre – a comunidade social e política é o meio

necessário da moral. O homem enquanto tal só pode viver

na cidade ou polis; é, por natureza, um animal político, ou

seja, social. Por conseguinte, não pode levar uma vida

moral como indivíduo isolado, mas como membro da

comunidade. Por sua vez, a vida moral não é um fim em

si mesmo, mas condição ou meio para uma vida

verdadeiramente humana: a vida teórica na qual consiste

a felicidade”. (VÁSQUEZ, 1999, p.234).

1.2.5 - Ética Cristã Medieval

A sociedade medieval organiza-se sob as bases do Cristianismo, que se

impôs durante dez séculos após se tornar à religião oficial de Roma no Séc. IV.

Vásquez (1999) argumenta que em um sistema social estratificado e

hierarquizado, a religião, por intermédio da Igreja, vem garantir uma certa

unidade social, monopolizando a vida intelectual, a moral e a ética, que

estarão impregnadas de um conteúdo religioso ao longo deste período.

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22De acordo com esta moral religiosa, o comportamento do homem deve

se pautar a partir de uma perspectiva sobrenatural, tendo Deus como seu fim

último. As regras de conduta e moral devem ser definidas não com relação à

sociedade, mas com relação a Deus. As ordens divinas, sobrenaturais, se

sobrepõem à ordem natural humana. Segundo Vásquez (1999, p. 238): “O

Cristianismo como religião oferece assim ao homem certos princípios supremos

morais que, por virem de Deus, têm para ele o caráter de imperativos

absolutos e incondicionais.”

O autor ainda acrescenta que “a ética cristã – como a filosofia cristã em

geral – parte de um conjunto de verdades reveladas a respeito de Deus, das

relações do homem com o seu criador e do modo de vida prático que o homem

deve seguir para obter a salvação no outro mundo”.(VÁSQUEZ, 1999, p.236).

Portanto, diferentemente de Aristóteles, o fim último do homem passa a ser

Deus e a salvação e tudo deve apontar para estes objetivos.

Além disso, o Cristianismo na Idade Média vem trazer uma idéia

extremamente paradoxal para a realidade social na época. Em uma sociedade

repleta de desigualdades, como divisões entre escravos e homens livres,

servos e senhores feudais, a mensagem cristã vem falar de igualdade entre os

homens. Sobre isto, Vásquez cita: “Assim, pois, a mensagem cristã tinha um

profundo conteúdo moral na Idade Média, isto é, quando era completamente

ilusório e utópico propor-se a realização de uma igualdade real de todos os

homens”. (VÁSQUEZ, 1999, p.238).

A Filosofia neste período esteve completamente influenciada pelos

dogmas cristãos. Chegou-se a dizer que a Filosofia era escrava da Teologia.

Desta forma, desenvolveu-se, conseqüentemente, uma ética dogmática,

limitada pela religião.

Como principais pensadores desta época, Vásquez (1999) cita Santo

Agostinho (354-430) e Santo Tomás de Aquino (1226-1274). A ética

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23agostiniana é bastante influenciada pelo pensamento de Platão, mas, se

contrapõe ao racionalismo ético dos gregos, quando valoriza a experiência

pessoal, a interioridade, à vontade e o amor. Já a ética tomista recebe a

influência de Aristóteles, colocando Deus como fim último que vai levar o

homem ao atingimento da felicidade. Para tanto, assim como no pensamento

aristotélico, uma vida contemplativa é o caminho para chegar a este fim.

1.2.6 - Ética Moderna

Para Vásquez (1999) pode-se considerar por moderna a ética que

dominou desde o século XVI até o começo do século XIX, diferenciando-se da

ética medieval na medida em que coloca o homem como centro de seu

arcabouço teórico e não mais Deus.

Sobre esta mudança, que vai trazer uma série de conseqüências para a

sociedade moderna, discorre o autor:

“Na ordem espiritual, a religião deixa de ser a forma

ideológica dominante e a Igreja Católica perde a sua

função de guia. Verificam-se os movimentos de reforma,

que destroem a unidade cristã medieval. Na nova

sociedade, consolida-se um processo de separação

daquilo que a Idade Média unira: a)a razão separa-se da fé

(e a filosofia, da teologia); b) a natureza, de Deus (e as

ciências naturais, dos pressupostos teológicos); c) o

Estado, da Igreja; e d) o homem, de Deus”.

(VÁSQUEZ, 1999, p.240).

Sendo assim, o homem passa a ser o centro da política, da ciência, da

arte e da moral, tornando-se absoluto, como criador e legislador.

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24

Vásquez (1999) aponta como expoente principal da expressão da ética

moderna Kant (1724-1804). Segundo ele, a ética de Kant está baseada no

chamado imperativo categórico que seria: “Age de maneira que possas querer

que o motivo que te levou a agir se torne uma lei universal”. Isto porque, para

Kant, o homem como legislador de si mesmo deve agir por puro respeito ao

dever, obedecendo a sua própria consciência ética, que por sua vez, é

determinada pela boa vontade no agir, que é universal e inerente a todos os

homens em todo o tempo e em todas as circunstâncias.

Referindo-se ainda a este pressuposto da ética kantiana, o autor

conclui:

“Finalmente, por conceber o comportamento moral como

pertencente a um sujeito autônomo e livre, ativo e criador,

Kant é o ponto de partida de uma filosofia e de uma ética

na qual o homem se define antes de tudo como ser ativo,

produtor ou criador”.

(VÁSQUEZ, 1999, p.243).

1.2.7 - Ética Contemporânea

Vásquez (1999) inclui na ética contemporânea tanto as doutrinas éticas

atuais, como aquelas que, embora surgidas no século XIX, continuam

exercendo forte influência nos dias de hoje, citando como exemplo, o

existencialismo de Kierkegaard (1813-1855) e o marxismo de Karl Marx (1818-

1883).

Segundo o autor, Kierkegaard, que é considerado o pai do

existencialismo, distingue três estágios na existência individual: estético, ético e

religioso:

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25“O estágio superior é o religioso, porque a fé que o

sustenta é uma relação pessoal, puramente subjetiva,

com Deus. O estágio ético ocupa um degrau inferior,

embora acima do estético; e, no ético, o indivíduo deve

pautar o seu comportamento por normas gerais e, por isto,

perde em subjetividade, ou seja, em autenticidade”.

(VÁSQUEZ, 1999, p.246).

De Marx, Vasquez (1999) apresenta as suas teses fundamentais que

vão estruturar as suas doutrina ética, a qual, a partir de uma crítica às morais

do passado, vai colocar em evidência as bases teóricas e práticas de uma nova

moral.

Para Marx, Vasquez (1999) discursa que a moral tem um caráter de

classe, uma vez que ela existe para regular as relações sempre de acordo com

os interesses da classe dominante. Sendo assim, numa mesma sociedade

podem coexistir várias morais, assim como existiram no passado diferentes

morais de classe, que nunca conseguiram expressar um caráter universal, pois

sempre estavam a serviço de interesses particulares. Daí a sua conclusão, de

que enquanto não houver as condições necessárias para o estabelecimento de

uma moral universal, não poderá existir um sistema moral válido para todos os

tempos e para todas as sociedades.

Segundo Marx, Vasquez (1999) comenta ser necessário que

estabeleçam estas condições para o surgimento de uma nova moral que

possua esta universalidade, sob o risco de que o homem retorne a um estado

de barbárie tal que leve à sua própria destruição. Esta nova moral deverá se

originar da classe proletária, pois esta estaria pronta para abolir a si mesma

como classe, para ceder lugar a uma sociedade humana e justa, regida sob

um sistema socialista e que garanta a unidade e a harmonia entre os seus

membros.

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26

1.2.8 - Psicanálise e Ética

De acordo com Vásquez (1999, p.248) “ainda que não se possa falar

propriamente de uma ética psicanalítica, é inegável que algumas de suas

descobertas mais importantes a respeito do papel da motivação inconsciente

no comportamento humano têm conseqüências importantes para as

investigações éticas”.

Partindo deste raciocínio, o autor relata a contribuição de Sigmund

Freud (1856-1939) para o desenvolvimento da ética na modernidade. Freud

afirmava que o indivíduo possui uma determinada zona em sua personalidade

sobre a qual ele não detém o controle, que seria o inconsciente e que acaba

influindo no seu comportamento. Isto quer dizer que, embora o comportamento

moral do homem se apresente como consciente, ele está sujeito a forças que

escapam ao controle da sua consciência. Daí, Freud deduz que somente

devem ser considerados como morais os atos praticados pelo indivíduo

determinados pela sua zona consciente e, aqueles que são fruto do seu

estado inconsciente devem ser excluídos do campo moral, não devendo ser

julgados por esta. Além disso, a psicanálise exclui também do campo moral

todas as leis e normas que são impostas ao indivíduo de forma autoritária.

1.3 - A ética do sistema capitalista

Em sua obra “A ética protestante e o espírito do Capitalismo”, Max Weber

reproduz as teses fundamentais elencadas por Benjamin Franklin que

permeiam o espírito do capitalismo. Com base nestas teses o autor faz uma

investigação a respeito de uma provável ética capitalista baseada estritamente

no utilitarismo. Faz-se importante destacar alguns trechos de seu texto:

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27“Com efeito, todas as atitudes morais de Franklin são

coloridas pelo utilitarismo. A honestidade é útil, porque

assegura o crédito; do mesmo modo a pontualidade, a

laboriosidade, a frugalidade, e esta é a razão pela qual

são virtudes...

Segundo Franklin, estas virtudes somente o são na

medida em que são realmente úteis ao indivíduo, e sendo

substituíveis pela mera aparência, sempre são suficientes

quando o mesmo objetivo tiver sido atingido. É esta uma

conclusão inevitável ao utilitarismo estrito...

O homem é dominado pela produção de dinheiro, pela

aquisição encarada como finalidade última da sua vida. A

aquisição econômica não mais está subordinada ao

homem como meio de satisfazer as suas necessidades

materiais. Esta inversão do que poderíamos chamar de

relação natural, tão irracional de um ponto de vista

ingênuo, é evidentemente um princípio orientador do

capitalismo, tão seguramente quanto ela é estranha a

todos os povos fora da influência capitalista.

Um estado mental como o expresso nas passagens de

Franklin e que receberam o aplauso de todo um povo,

teria sido proscrito como o mais baixo tipo de avareza e

como uma atitude inteiramente desprovida de auto-

respeito, tanto na Antigüidade como na Idade Média”.

(WEBER, 1967, p.32-35).

Percebe-se que Weber destaca a condição última do capitalismo à qual

vai se sujeitar toda a cadeia de valores éticos e comportamentais da

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28sociedade, quer seja, a utilidade. Em uma sociedade regida por este

pressuposto, só tem valor o que pode ser considerado útil. E, este conceito de

utilidade está intrinsecamente relacionado à idéia de lucro, aumento de capital

e de patrimônio. O que é útil é o que produz algum tipo de ganho econômico.

Daí, as pessoas serem levadas a uma busca incessante pelo “ter”, pelo

“acumular”, numa corrida desenfreada onde os fins sempre justificarão os

meios. É um verdadeiro “vale-tudo”, onde ficam para trás valores como

honestidade, lealdade, solidariedade e outros, a menos que estes se

subordinem à idéia do “útil”, quando, então, deixarão de ser legítimos.

Neste contexto, há uma completa inversão de prioridades. O trabalho,

que deveria ser somente mais uma atividade formativa do homem, assim como

o lazer, o estudo, o convívio familiar, passa a ter um caráter prioritário.

Segundo a propaganda enganosa alardeada pelo capitalismo, é através dele

que alguém de inferior condição social poderá chegar aos mais altos degraus

de nossa pirâmide social. Então, deve-se trabalhar muito para “fazer dinheiro”,

acumular bens e patrimônio e atingir o objetivo principal: o “sucesso”. Desta

forma, relega-se o segundo plano a formação intelectual (a não ser que seja

“útil” para esse fim), o convívio familiar e todas as outras atividades que

redundariam num desenvolvimento integral do indivíduo. Neste ponto o

homem troca o “ser” pelo “ter” sem perceber os prejuízos que esta atitude

certamente lhe trará. Atitude esta que tem provocado conseqüências nefastas

em todos os segmentos desta sociedade capitalista.

Diariamente são divulgadas nos órgãos de imprensa e na mídia em

geral notícias que dão conta do atual estágio de degradação moral em nossa

sociedade. Violência, miséria, fome, corrupção são excrescências com as quais

nos defrontamos a cada minuto, e pior, com as quais estamos nos habituando.

Nosso estado letárgico perante toda esta situação é tal que aprendemos a

encarar como fútil a própria vida humana. Na “Meca” do sistema capitalista, os

Estados Unidos da América, são cada vez mais comuns casos de psicopatas

que invadem escolas, cinemas, prédios públicos e massacram de uma só vez

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29dezenas de pessoas inocentes que acabam pagando pelo estado mental

doentio destes. E isto pode ser tomado como sintomático: a sociedade norte-

americana dá sinais de doença crônica. Certamente estes psicopatas estão de

alguma forma sendo influenciados negativamente por esta sociedade doente e

completamente despida de valores espirituais e éticos, regida pela cultura do

consumo exacerbado e do lucro acima de quaisquer interesses. Cultura esta

que, dentro do processo de globalização, tem sido exportada para todo o

mundo.

É importante ressaltar o aspecto pernicioso que esta famigerada

globalização representa para a soberania, a cultura e a economia,

principalmente dos povos ditos como “excluídos” e “emergentes” (caso do

Brasil). O ponto forte deste processo seria o livre comércio entre todas as

nações quanto, a partir daí, haveria um desenvolvimento eqüitativo entre as

diversas regiões do mundo e uma democratização do capital. Mas, sabe-se

que na prática não é bem assim que funciona. A globalização funciona das

fronteiras dos “grandes” para fora. Eles invadem a soberania dos países já

dominados economicamente, instalam suas mega-empresas, explorando a

mão de obra barata que encontram, muitas vezes recebendo até

financiamentos do próprio estado, e depois exportam seus lucros, jamais os

reaplicando nestes países, gerando o desenvolvimento, como já era de se

esperar, em seu próprio país. Por outro lado, os “pequenos”, para entrarem

com algum produto na economia desses países sofrem as maiores

dificuldades, traduzidas em barreiras alfandegárias, reservas de mercado,

sobretaxas e políticas protecionistas. Outro aspecto contraditório neste

processo é que eles, “os grandes”, globalizam somente o que interessa a eles.

Não há, por exemplo, uma preocupação em se globalizar um sistema de saúde

e educação digna, tais quais eles têm em seus países. Portanto, este termo

“globalização” pode muito bem traduzir se como mais uma forma de

“exploração” dos ricos sobre os pobres do mundo inteiro, que cada vez se

tornam mais pobres. Enfim, na esteira desta subserviência econômica ocorre

umas inevitáveis alienações culturais, provocadas pela assimilação

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30desordenada de valores advindos de outros países (quase sempre negativos),

resultando numa quebra de identidade própria e conseqüente perda do

sentido fundamental de soberania.

É evidente que devemos reconhecer como ponto positivo todo o

progresso e avanço tecnológico obtido ao longo deste processo. Mas, seria

este um verdadeiro progresso ou poderia ser designado como uma simulação

de progresso neste mundo capitalista? Certamente até aqui é possível

identificar contradições e problemas fundamentais. Uma conseqüência drástica

deste desenvolvimento tecnológico que tem afetado o mundo inteiro é o

fantasma do desemprego. Cada vez mais as máquinas e os robôs estão

substituindo o homem nas linhas de produção, nas fábricas e indústrias, nos

setores de serviços, enfim, onde quer que elas tenham acesso e provoquem

considerável economia. Este é mais um exemplo onde o termo “utilidade” é

usado pelo sistema capitalista em sua predileta significação: ganho

econômico. É mais “útil” ter uma máquina substituindo três ou quatro operários

em uma linha de produção, ou ainda, alguns bancários em uma agência de

crédito. O problema é que a conseqüência direta desta atitude é sentida por

toda a sociedade. Aumenta o nível de desemprego e com ele a violência, a

fome, a miséria e todo o tipo de mazela que vai acabar se voltando inclusive

contra os próprios donos de fábricas e banqueiros. É chegado o momento em

que o homem precisa repensar até onde deve ir todo este avanço tecnológico.

É necessário que ele seja colocado a serviço da humanidade e não continuar

como tem sido até aqui, mais um instrumento de escravidão e opressão em

prol do lucro capitalista.

A natureza tem sido mais uma vítima do sistema. Desde a concepção

baconiana de que ela seria somente um objeto de simples manipulação e

experiência por parte do homem, ela tem sofrido alterações por vezes até

irrecuperáveis. Sobre isto discorre Crema (1989):

Page 31: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO … ORTWEIN DOMINGOS.pdf · moral e ética desenvolvidos por diferentes correntes filosóficas (os Sofistas, Sócrates, Platão, Aristóteles,

31“Segundo Capra, “o método empírico foi defendido por

Bacon de forma apaixonada e até rancorosa”, confirmando

essa afirmação citando Merchant que se refere às

seguintes metáforas baconianas sobre a natureza, que

precisa ser “acossada em seus descaminhos”, “obrigada a

servir” e “escravizada”, “reduzida à obediência”, sendo o

objetivo do cientista “extrair da natureza, sob tortura,

todos os seus segredos”. Partindo-se dessas premissas

que se estabeleceram, como sabemos, na mente do

homem moderno, não é mesmo para se estranhar o

estupro da natureza perpetrado pela desvairada e suicida

ganância do predador humano, sequioso de controlar o

ambiente sem antes ter aprendido a ciência e arte de se

autocontrolar”. (CREMA, 1989, p.30).

Como conseqüência desta forma de pensar a natureza, hoje o que

temos são espécies extintas, florestas devastadas, rios e mares poluídos,

camada de ozônio destruída, enfim, tudo em nome do desenvolvimento e do

progresso. O capitalismo tem abusado da natureza com requintes de

crueldade. Mas, novamente as conseqüências se voltam contra si mesmo. Os

desequilíbrios causados por todas estas agressões à natureza têm provocado

alterações climáticas responsáveis por catástrofes no mundo inteiro,

redundando em perda de milhões de dólares e, pior, milhares de vidas.

A mídia tem um papel crucial nesta ordem. É de impressionar a

capacidade e eficiência alquímica adquirida pela mídia em nosso mundo

globalizado no sentido de transformar mentira em verdade e vice-versa. É de

dar inveja aos mais admirados sofistas da Antigüidade. Quem não busca ter

uma capacidade críticoanalítica, pelo exercício e desenvolvimento da reflexão,

ou que nem condições têm para isso (a grande maioria), acaba virando

simples “massa de manobra” sendo influenciado e levado a pensar e tomar

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32atitudes da forma como a mídia bem entender. Além disso, ela se tornou o

grande instrumento na mão dos detentores do poder e do próprio sistema

capitalista com a finalidade de manutenção do status-quo daqueles e meio de

repercussão da doutrina e dos padrões de comportamento deste no mundo

inteiro. E como é difícil lutar contra ela! Aqui no Brasil temos um “império”

chamado Rede Globo que tem o poder não só de determinar o resultado de

uma eleição para presidente da república como de ditar os rumos do país.

Nada aqui acontece sem que seja avalizados pelo Dr. Roberto Marinho, o

“imperador” e dono da emissora. Isto ficou comprovado quando do lançamento

de um livro intitulado “Notícias do Planalto”, do jornalista Mario Sergio Conti,

diretor da Revista Veja de 1991 a 1997, no qual ele narra a relação promíscua

e escandalosa que existe entre os meios de comunicação e o poder no Brasil.

Num dos trechos ele conta um episódio em que um determinado ministro da

Fazenda, quando cotado para assumir o ministério, foi sabatinado pelo Dr.

Roberto Marinho em seu gabinete. Só depois de aprovado por ele teve a sua

nomeação autorizada pelo Presidente da República. O poder de influência e

formação de opinião da Rede Globo é tão grande que se estende pelos mais

distantes rincões do nosso Brasil. É possível visitar uma família em um estado

de miséria considerável, morando num local de difícil acesso, carente do

cumprimento de necessidades básicas, mas, que esteja às oito horas da noite

em frente à televisão assistindo ao Jornal Nacional. E o que é nefasto, sendo

iludida com uma avalanche de pseudo-informações que, sem saber, vão estar

determinando a continuidade de seu triste destino. Se há uma palavra que não

consta do dicionário dos responsáveis pela mídia em geral do nosso país é

“ética”. Eles servem sem nenhum pudor aos interesses nacionais e

internacionais dos poderosos do mundo capitalista.

Mas, a pergunta que fica é: Como se confrontar contra este sistema?

Como resgatar a ética e valores que ficaram ultrapassados ao longo do tempo?

Haveria alternativa para este mundo “pós-guerra fria” em que o Capitalismo se

tornou praticamente uma unanimidade? Faz-se necessário e urgente encontrar

esta alternativa, antes que seja tarde demais e se consume este processo de

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33autodestruição ao qual o mundo está hoje destinado. E isto não é nenhuma

profecia apocalíptica, é só olhar em volta e ver tudo que está acontecendo.

Retornando a Weber, ele nos remete a uma terrível previsão sobre o

futuro do homem que, por acaso, conseguisse sobreviver segundo os

pressupostos do utilitarismo: ”Nesse caso, os ‘últimos homens’ desse

desenvolvimento cultural poderiam ser designados como ‘especialistas sem

espírito, sensualistas sem coração, nulidades que imaginam ter atingido um

nível de civilização nunca antes alcançado’” (WEBER, 1967, p.131). Talvez

este seja o ponto de onde se deve partir para encontrar a alternativa.

Uma conseqüência imediata desta forma de viver baseada

exclusivamente na acumulação de dinheiro e bens é os desequilíbrios

orgânicos, físicos e mentais do ser humano causado pelo problema da

inversão de prioridades. O homem tem como necessidade principal trabalhar

cada vez mais, para produzir mais, para acumular mais capital. Isso quando o

primordial deveria ser zelar pela sua saúde e qualidade de vida para se viver

melhor. Daí o índice alarmante de doenças mentais, cardiovasculares,

gastrintestinais e outras deste início de século, causadas pela perda de

liberdade e conseqüente estresse que esta opção de vida acarreta. Outra

conseqüência ainda mais grave que o “culto ao dinheiro” presente no

pensamento capitalista provoca é a perda da consciência espiritual das

pessoas. Este mundo estritamente materialista, onde tudo é regido pelo

aspecto econômico, acaba levando as pessoas a esquecerem completamente

da sua dimensão espiritual. Como já foi dito, o “ter” substitui o “ser”,

ocasionando uma atrofia irreversível no homem enquanto ser íntegro,

completo. No mundo capitalista “tempo” e “dinheiro” são bens por demais

preciosos para se gastar com “trivialidades desnecessárias” como busca de

conhecimento e autoconhecimento, sabedoria, desenvolvimento espiritual (a

valiosa vida contemplativa dos antigos) que, paradoxalmente, são princípios

fundamentais de qualquer civilização que anseie por desenvolvimento e

progresso.

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34

Passadas as épocas das grandes revoluções, talvez esta seja a única

possível revolução que possa ocorrer neste início de um novo milênio: a

revolução das mentes.

Uma revolução individual, de dentro para fora, feita de pequenas

atitudes cotidianas, onde se procure resgatar esta consciência espiritual. Onde

renascerá uma nova ética e uma nova moral calcadas em valores que ficaram

ultrapassados no transcorrer da nossa história, vencidos pelo egoísmo e pela

ambição, pilares de sustentação deste sistema econômico injusto e

excludente. Valores como virtude, caráter, amizade, compaixão, respeito,

dignidade, fraternidade deve ser retomada. A busca constante do “bem

supremo” tantas vezes enfatizada por Sócrates. A procura do mundo ideal de

perfeição e virtude de Platão. E, principalmente, uma expressão que, devido ao

seu caráter cristão, ou melhor, devido ao que foi feito do Cristianismo, tornou-

se fútil e perdeu toda a sua substancialidade no nosso mundo atual: “amor ao

próximo”. Uma expressão que, se entendida e praticada em toda a sua

essência pode adquirir umas dimensões transformadoras e revolucionárias,

capazes de abalar as estruturas de qualquer sistema. Cultivando e agregando

mente a esta nova e ao mesmo tempo antiga forma de pensar o mundo,

poderemos ter condições de, aos poucos, transformar esta realidade. É difícil?

Parece utopia? Pode ser. Mas, se deve começar de algum lugar, o lugar é

este. Afinal, simples idéias que a princípio parecia também ser utópica foram

detonadoras de grandes transformações e revoluções na história universal,

como bem sabemos. Quem sabe, neste início de terceiro milênio, não seja esta

mais uma oportunidade que nos está sendo dada.

1.4 - Ética: Uma Visão Holística

Um mundo em que prevaleçam os interesses coletivos em detrimento dos

individuais, estabelecendo uma verdadeira liberdade firmada em princípios de

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35igualdade social e oportunidade para todos. Um mundo em que haja uma

preocupação constante com o respeito à natureza e preservação e

conservação dos recursos naturais. Um mundo em que o ser humano conviva

pacificamente e em perfeita harmonia com seu semelhante e com os outros

seres, co-habitantes dessa imensa comunidade denominada “Gaia”. E,

finalmente, um mundo que certamente será muito melhor para as gerações

que virão, graças ao trabalho e esforço desta geração atual. Este é o mundo

imaginado por Boff (2000).

Partindo de diversas concepções de ecologia, o autor vai chegar com

maestria a um conceito de ecologia integral:

“A ecologia integral procura acostumar o ser humano com

esta visão global e holística. O holismo não significa a

soma das partes, mas a captação da totalidade orgânica,

una e diversa em suas partes, sempre articulada entre si

dentro da totalidade e constituindo esta totalidade. Essa

cosmovisão desperta no ser humana a consciência de sua

função dentro dessa imensa totalidade: Sentir-se um ser

ético, responsável pela parte do universo que lhe cabe

habitar, a Terra”. (BOFF, 2000, p.34).

Inicialmente Boff (2000) aborda o conceito de ecologia ambiental, que,

talvez seja a mais divulgada e conhecida, mas que, nem por isso, se dá a

devida importância. Esta se preocupa basicamente com o meio ambiente,

buscando preservá-lo das diversas forma de depredação a que o homem o

submete. Seja no tocante à preservação das espécies em extinção, no trato do

lixo industrial ou na busca de técnicas e tecnologias novas menos poluentes e

menos agressivas ao meio ambiente. Aqui o autor fala do perigo das armas

nucleares, químicas e biológicas como fator de ameaça constante ao equilíbrio

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36ecológico. Um aspecto frágil desta vertente ecológica é o fator de ver a

natureza fora do ser humano e da sociedade, como algo separado.

Sabe-se dos muitos problemas ambientais que se têm enfrentado nos

últimos tempos, tais como devastação nas florestas, poluição de rios e mares,

extinção de espécies de animais, degradação da camada de ozônio e outros.

Tudo isso conseqüência da atitude irresponsável e depredadora do ser

humano. Num sistema econômico em que mais vale o capital acima de

qualquer interesse, a natureza é tratada como uma fonte inesgotável de

recursos para obtê-lo. Mas, começa a apresentar sinais evidentes de cansaço

e esgotamento que trazem sérios entraves ao próprio ser humano. Catástrofes

naturais e com intensidade jamais vistam tornam-se rotina dia após dia em

todo o mundo. Até a água potável já se vê seriamente ameaçada de se tornar

artigo raro.

Atualmente há uma preocupação emergente no chamado “primeiro

mundo” com a questão da preservação da Amazônia. Levantam-se

questionamentos até mesmo em relação à soberania brasileira sobre aquela

região, uma vez que, devido à sua grande amplitude de reservas e recursos

naturais, talvez ela já devesse pertencer ao mundo inteiro, não somente a um

país, ainda mais de “terceiro mundo”. Mas, por mais que se quisesse acreditar

que após extinguirem todas as suas reservas os donos do capital mundial

estariam agora preocupados em manter a Amazônia como uma espécie de

reserva ambiental internacional, sabe-se o que está por trás desta intenção.

Devido ao esgotamento de seus recursos eles querem entrar na Amazônia

para explorá-la e devastá-la, com o mesmo ímpeto colonialista dos segundos

que aqui chegaram, visando sempre a alavancagem do mercado, a ampliação

do capital e a obtenção do lucro. Esta é certamente, a sua única intenção. Isto,

sem falar, na ameaça constante que estas potências mundiais representam à

natureza, com seu arsenal de armas químicas, biológicas e nucleares.

Segundo Boff (2000) faz-se necessário um reencantamento e o resgate de um

respeito sagrado para com a natureza e para com o próprio planeta Terra,

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37visando a sua preservação e conservação, uma vez que dele dependemos

diretamente e o seu fim significa o fim da humanidade.

Seguindo nesta mesma linha argumentativa, Boff (2000) vai chegar ao

seu conceito de ecologia social, destacando como forma cruel de violência

praticada contra o ser humano a injustiça social. Aqui, o homem e a sociedade

são inseridos dentro da natureza como partes diferenciadas dela. A

preocupação não se resume mais somente ao meio ambiente, mas se amplia a

questões como conforto nas cidades, saneamento básico, saúde e educação

digna. A injustiça social é vista como violência contra o ser mais complexo e

singular da criação, o ser humano. A ecologia social visa o atendimento das

carências básicas dos seres humanos, dentro de uma perspectiva de respeito

aos recursos naturais que aponte também para a sobrevivência digna das

gerações futuras.

Um fator muito marcante nesta vertente ecológica foi à visão mecanicista

da natureza que preponderou nos últimos séculos. A natureza passou a ser

objeto de experimento e exploração, na crença ingênua de que seus recursos

seriam infinitos. Hoje, como conseqüência disso, já se sabe que grandes

partes dos recursos naturais estão se exaurindo, principalmente a água

potável e os combustíveis fósseis. Daí a necessidade de um desenvolvimento

sustentável, que atenda não só as necessidades do homem, mas também da

natureza, uma vez que ambos constituem a comunidade planetária em que

estamos inseridos.

Mais uma vez entra em cena aqui os grandes detentores do capital

mundial e sustentadores deste sistema econômico. Com suas teorias

enganadoras de “globalização” e “abertura da economia” tornam-se os

grandes responsáveis pela vergonhosa desigualdade social que prevalece

hoje no mundo. É aí que entra a ecologia social de Boff (2000). A necessária

busca de uma sociedade sem exploradores e explorados, onde haja igualdade

de oportunidades e um conceito verdadeiro de justiça social.

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Sendo assim, é colocada a necessidade de uma transformação de

mentalidade, de uma mudança radical na forma de se pensar o mundo, que é

abordada quando o autor fala da ecologia mental. Nesta forma de realização

ecológica, ele defende a teoria de que os problemas que vivem hoje não se

devem somente ao tipo de sociedade que predomina atualmente, mas a uma

mentalidade retrógrada que vigora desde épocas anteriores à nossa história

moderna. E, o aspecto determinante desta mentalidade ultrapassada é o

antropocentrismo, no qual o homem se coloca como o rei do universo. Daí

deriva o seu instinto de dominação, a partir do qual considera que os demais

seres devem ser ordenados ao ser humano, manipulável ao seu bel-prazer,

quebrando assim a lei mais universal: a da solidariedade cósmica. A moderna

cosmologia nos ensina que tudo tem a ver com tudo em todos os momentos e

em todas as circunstâncias. Prevalece uma relação constante de

interdependência que é esquecida pelo ser humano que se pretende a todo o

tempo se sobrepor a todas as outras coisas.

Aparecem então como tarefas da ecologia mental o desenvolvimento de

uma nova mentalidade que leve o homem a desenvolver uma solidariedade

universal que perpasse as suas relações sociais e as relações com os outros

seres da natureza quer vivos ou não. Faz-se necessário também o resgate de

uma visão não materialista e espiritual da natureza que propicie o re-

encantamento do mistério do universo.

Segundo o autor esta nova mentalidade está condicionada à retomada

da dimensão feminina tanto no homem como na mulher. O feminino traz a

sensibilidade necessária para a imposição de limites ao homem. O sagrado

leva também a uma capacidade de religar todas as coisas com a sua Fonte

criadoras e ordenadoras, que é a fonte de todas as religiões.

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39Portanto, para a solução da crise ecológica que vive, é necessário o

desenvolvimento de uma mentalidade mais sensível, mais cooperativa e mais

espiritual.

Chegamos finalmente à definição de ecologia integral, onde Boff (2000)

vai condensar numa única idéia todos os aspectos abordados anteriormente

gerando uma visão holística de ecologia com uma complexidade e abrangência

tal que necessitará de uma ética própria que lhe dê sustentação.

A ecologia integral parte de uma nova visão da Terra que remonta aos

anos 60, a partir do testemunho dos astronautas que foram tripulantes dos

primeiros foguetes. De acordo com Boff (2000, p.30): “De lá de sua nave

espacial ou da Lua, como testemunharam vários deles, a Terra aparece como

um resplandecente planeta azul-branco que cabe na palma da mão e que

pode ser escondido detrás do polegar humano”. Dali, não se vê diferenças de

raças, credos, religiões, ideologias, e, acima de tudo, Terra e homem se

mostram como uma única entidade. A Terra é somente o terceiro planeta de

um Sol que é apenas um entre 100 bilhões de outros de nossa galáxia, que,

por sua vez, é uma entre mais de 100 bilhões de outras do universo; universo

também que pode ser apenas um entre outros. E o homem está ligado a toda

esta realidade que funciona tão perfeitamente e em sintonia que permitiu a sua

existência até aqui.

Por isso, a ecologia integral vê o ser humano como somente mais um

entre todos os componentes que compõem o universo como um todo. A partir

desta visão ele deve se integrar a este todo, num constante processo de

sinergia. A Terra, segundo notáveis cientistas, é um superorganismo vivo,

denominado Gaia, com um funcionamento auto-regulador que somente um ser

vivo pode ter. Nós, seres humanos, podemos fazer o papel de destruidores ou

de guardiões do planeta, dependendo da forma como agirmos. Somos

diretamente co-responsáveis pelo seu equilíbrio e pelo seu destino.

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40Por fim, para Boff (2000), uma perspectiva ecológica integral pressupõe

não somente os aspectos ambientais. Também a psicologia, no contexto de

desenvolvimento de uma nova mentalidade e as questões econômicas,

políticas, sociais, educacionais, urbanísticas e agrícolas fazem parte desta

visão holística da ecologia. Segundo ele, a questão de base da ecologia é

sempre esta:

“Em que medida esta ou aquela ciência, atividade social,

prática institucional ou pessoal ajudam a manter ou a

quebrar o equilíbrio de todas as coisas entre si, a

preservar ou a destruir as condições de

evolução/desenvolvimento dos seres?”

(BOFF, 2000, p.53).

Esta é a questão que deve ser sempre respondida.

Esta visão holística de ecologia, devido à sua complexidade e

abrangência, necessitará de uma ética própria que lhe dê sustentação. Neste

ponto Boff (2000, p.101-102) fala dos cinco princípios que permearam a nossa

civilização desde o início: “pathos (sentimento de base pelo qual somos

afetados e afetamos tudo o que nos cerca); eros (força vital); logos

(capacidade de intelecção); daimon (voz interior) e ethos (capacidade de

ordenar responsavelmente os comportamentos).”

Ao longo do tempo, os outros quatro princípios foram sendo

sobrepujados com a prevalência do logos. De acordo com o autor:

“Essa hegemonia acabou por se transformar numa

espécie de ditadura do logos sobre as demais dimensões

da existência e de sua compreensão, especialmente

quando o logos foi afunilado numa compreensão

utilitarista e funcional, a assim chamada razão

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41instrumental analítica, própria dos tempos modernos”.

(BOFF, 2000, p.102-103).

A partir desta constatação, Boff (2000) vai elencar os pressupostos para

uma nova ética e uma nova moral, baseada em valores como ternura,

amortização e solidariedade, resgatando assim, a função dos outros princípios.

Tais pressupostos seriam:

I. Ternura e cuidado para com a vida: consiste num despertar de um

espírito de amortização e de comunhão entre os humanos e deles para

com a Terra;

II. A salvaguarda de Gaia: consiste em considerar como valor supremo à

preservação do planeta, pois se este não sobreviver, desaparece a

possibilidade de qualquer existência;

III. A solidariedade planetária: consiste em resgatar a tradição de

solidariedade primeiramente para com a Terra, demandando cuidados e

respeitando seus recursos, e também para com os excluídos, oprimidos

e marginalizados do modelo econômico-social dominante, questionando

este tipo de sociedade “gobalizante” em que vivemos. A solidariedade

deve se estender ainda aos seres ameaçados e em extinção. Esta

solidariedade vai determinar um novo conceito de democracia, a

“democracia cósmica”;

IV. O contrato generacional: consiste em opor à esta visão utilitarista que

tem como objetivo o lucro a qualquer preço predominante em nossa

sociedade, uma visão que valorize a liberdade e igualdade de

oportunidades para todos, com uma divisão eqüitativa e adequada dos

bens naturais, culturais e tecnológicos. De tudo isto depende as nossas

gerações futuras. Daí a necessidade do contrato generacional, que

venha estabelecer as condições necessárias para a existência e boa

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42sobrevivência daqueles que virão depois de nós. Um contrato que tenha

como cláusula incontestável à preservação da vida.

1.5 - Ética no Contexto Organizacional

A ética é cada vez mais um tema presente e recorrente no contexto das

organizações, seja por necessidade identificada pelo próprio gestor, de

implementar padrões de comportamento e costumes que agreguem valor à

sua empresa, seja por imposição do mercado, que abriga um consumidor cada

dia mais exigente e consciente dos seus direitos.

De acordo com Jacomino (2000):

“A importância da ética nas empresas cresceu a partir da

década de 80, com a redução das hierarquias e a

conseqüente autonomia dada às pessoas. Os chefes,

verdadeiros xerifes até então, já não tinham tanto poder

para controlar a atitude de todos, dizer o que era certo ou

errado”. (JACOMINO, 2000, p.29).

Somado a isto, devido à pequena mobilidade dos organogramas das

empresas, passou-se a uma verdadeira disputa por cargos, na qual prevalecia

a famosa “Lei de Gérson”, ou seja, o importante era levar vantagem sobre os

outros. Neste quadro, vislumbrou-se a necessidade de estabelecer padrões de

comportamento que regulassem as relações no ambiente de trabalho.

Segundo Rosansky (apud ZYLBERSZTAJN, 2002, p.125) ética é “uma

tentativa de sistematizar as noções de certo e errado, com base em algum

princípio básico“.

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43Contudo, é importante ressaltar que, a questão da ética passa

necessariamente pela questão do indivíduo. São os indivíduos que formam as

organizações e nela convivem diariamente. Sendo assim, a conscientização da

importância de valorização da ética deve partir do indivíduo. Neste enfoque,

Jacomino (2000, p.29) destaca: “Além de ser individual, qualquer decisão ética

tem por trás um conjunto de valores fundamentais. Ser ético nada mais é do

que agir direito, proceder bem, sem prejudicar os outros”.

O “agir eticamente” é, acima de tudo, uma decisão pessoal, uma opção

de cada indivíduo. A partir do momento que há o despertar para a relevância

do assunto, ele passa a estar cada vez mais presente nas atitudes das

pessoas que compõem a organização e nas decisões que venham a ser

tomadas. Segundo Jacomino:

“Não podemos ser inocentes e pensar que empresas são

apenas entidades jurídicas. Empresas são formadas por

pessoas e só existem por causa delas. Por trás de

qualquer decisão, de qualquer erro ou imprudência estão

seres de carne e osso. E são eles que vão viver as glórias

ou o fracasso da organização. Por isso, quando falamos

de empresa ética, estamos falando de pessoas Éticas”.

(JACOMINO, 2000, p.31).

Sendo assim, é fundamental que a empresa defina regras claras para a

condução dos seus negócios e para o relacionamento entre as pessoas que

compõem as equipes de trabalho, buscando promover a participação de todos

na discussão dos limites éticos na organização. O objetivo final será a

elaboração de um código de ética, que será o instrumento no qual constarão

estas regras e que possibilitará o cumprimento das mesmas, permitindo que

haja uniformidade de comportamento na empresa, segundo os padrões éticos

estabelecidos.

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1.6 - Código de ética

1.6.1 - Um Conceito

De acordo com Arruda et al. (2001), em um contexto organizacional

estão diretamente envolvidos diversos atores, denominados stakeholders:

acionistas ou proprietários, empregados, clientes, fornecedores, governantes e

membros da comunidade em que a empresa está inserida.

Os empregados da organização, devido à suas formações familiares,

religiosas, educacionais e sociais, atuam conforme determinados princípios,

sendo que no dia-a-dia os valores individuais podem conflitar com os valores

da organização, que caracterizam a cultura empresarial. Para evitar a

ocorrência de fatos como este e estabelecer uma homogeneidade de

comportamento é de fundamental importância que a organização estabeleça

um sistema de valores, padrões e políticas uniformes que possibilitem aos

empregados saber qual a conduta adequada e apropriada em qualquer

circunstância. Este sistema se denomina código de ética, que pode ser

definido como a declaração formal das expectativas da empresa à conduta de

seus executivos e demais funcionários. O código deve traduzir a filosofia e os

princípios básicos definidos pelos acionistas, proprietários e diretores.

Desta forma, o código de ética vai regular as relações dos empregados

entre si e com os chamados stakeholders.

Segundo Arruda (2002), a elaboração de um código de ética se dá a

partir da definição da base de princípios e valores esperados dos funcionários

de determinada organização. Para se chegar a isto, o ideal é que se proceda a

um relatório que irá agregar as práticas e políticas específicas da organização,

o qual deverá ser discutido e criticado por todos os funcionários em todos os

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45níveis. Este relatório, aprimorado pelas críticas e sugestões, irá servir de base

para a definição de padrões de comportamento e responsabilidades que

nortearão a elaboração dos artigos do código de ética.

A autora destaca a importância de um código de ética bem elaborada

para a organização. Segundo ela: “os códigos tornam claro o que a

organização entende por conduta ética. Procuram especificar o

comportamento esperado dos empregados e ajudam a definir marcos básicos

de atuação”. (ARRUDA, 2002, p.5).

1.6.2 - Relevância na Organização

Devido à inter-relação que há entre o indivíduo e a organização, na qual

um influencia diretamente no outro, é necessário o estabelecimento de regras

claras e factíveis que balizem o comportamento e as atitudes dos indivíduos

dentro da organização. É imprescindível, também, que seja de conhecimento

notório as conseqüências para aqueles que descumprirem estas regras, o que

se denomina “política de conseqüências”. Sobre isto discorre Zylbersztajn

(2002, p.138): “Obviamente, a orientação para não fraudar deve ser

acompanhada de ações definidas pela organização que punam os infratores”.

Daí a necessidade de elaboração de códigos de ética que sejam

instrumentos efetivos de determinação de padrões de conduta que agreguem

valor à organização, mas que, para se tornarem eficazes, devem vir

acompanhados de uma política de conseqüências clara e amplamente

aplicável.

Para Arruda et al. (2001, p.67) “uma vez que a organização adota um

código de ética, é importante estabelecer um comitê de alta qualidade,

geralmente formado por um número ímpar de integrantes provenientes de

diversos departamentos, todos reconhecidos como pessoas íntegras, por seus

colegas”. A finalidade deste comitê será, além de investigar e solucionar casos

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46que surjam no âmbito da organização que digam respeito a questões éticas,

promover uma revisão constante do código de ética, adaptando-o às

mudanças e às necessidades dos stakeholders.

Arruda et al. (2001) discorre também que algumas organizações

chegam a nomear um profissional de ética, vinculado à Diretoria e com total

autonomia para coordenar os programas de ética. Suas principais atribuições

são manter atualizado o código de ética e promover treinamento com os

empregados, visando a disseminação da cultura ética na organização.

Finalmente, com vistas a possibilitar que esta cultura ética se torne partes da

cultura da organização, são necessárias à implementação de um sistema de

monitoramento. Sobre isto, a autora expõe:

“Para que se mantenha o alto nível do clima ético,

resultante do esforço de cada stakeholder, pode ser útil

implementar um sistema de monitoramento e controle dos

ambientes interno e externo da organização, para detectar

pontos que podem vir a causar uma conduta antiética.

Esse sistema, denominado por alguma auditoria ética, e

por outros compliance, visa ao cumprimento das normas

éticas do código de conduta, certificando que houve

aplicação das políticas específicas, sua compreensão e

clareza por parte de todos os funcionários”. (ARRUDA et

al, 2001, p.68.).

1.6.3 - Tópicos predominantes de um código de ética

A partir de um estudo realizado por Rob Van Tulder e Ans Kolk,

professores universitários na Holanda, que analisou códigos de 17

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47organizações brasileiras, Arruda (2002), apresenta os tópicos que mais

predominaram nestes códigos, que podem ser considerados como elementos

necessários a qualquer código de ética:

“Analisando as 17 organizações brasileiras, parece

predominar a preocupação com a Ética como

comportamento correto com as pessoas, manutenção dos

valores éticos fundamentais e o esforço por abolir práticas

como o suborno e as facilidades de pagamentos. Quase

com o mesmo nível de consciência, os códigos parecem

indicar a obediência às leis, especialmente no tocante à

sociedade e às relações de trabalho. A seguir, fica patente

também o respeito aos interesses do consumidor, voltado

para a atenção à necessidade de consumo, a revelação

de informação e a prática respeitosa de marketing. Na

mesma linha, boa parte das organizações registra os

interesses comunitários como de importância, a ponto de

consubstanciá-los no seu Código de Ética”. (ARRUDA,

2002, p.24-26).

Portanto, pode-se verificar que a preocupação com os aspectos éticos

fundamentais é premente nas organizações integrantes do universo

pesquisado, assim como o compromisso com o cumprimento das leis e a

necessidade de um bom relacionamento com os consumidores, fornecedores e

até com os concorrentes. Além disso, fica registrado que as organizações têm

buscado participar mais ativamente na discussão e resolução dos problemas

da comunidade em que está inserido, o que representa um avanço de relevada

importância.

CAPÍTULO II

ÉTICA NO TRABALHO E RESPONSABILIDADE SOCIAL

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2.1 - Uma história concisa da ética empresarial

De acordo com Samuel Noah Kramer (1959) num sentido amplo, a

atividade empresarial existe pelo menos desde os antigos sumérios que há

cerca de seis mil anos levavam a cabo uma grande quantidade de trocas

comerciais, mantendo registros. Mas o comércio nem sempre foi visto como

uma atividade fundamental e respeitável, tal como acontece nas sociedades

modernas, e a perspectiva ética sobre o comércio ao longo da maior parte da

história tem sido quase totalmente negativa. Aristóteles, que merece ser

reconhecido como o primeiro economista (dois mil anos antes de Adam Smith)

distinguia dois sentidos diferentes daquilo a que chamava economia; o

oikonomikos ou economia doméstica, que ele aprovava e considerava

essencial para o funcionamento de qualquer sociedade ainda que pouco

complexa, e a chrematisike, a troca que tem como objetivo o lucro. Aristóteles

acusou esta atividade de ser completamente destituída de virtude e chamou

“parasita" àqueles que se entregavam a tais práticas puramente egoístas. O

ataque de Aristóteles à prática repugnante e improdutiva da "usura" manteve a

sua força praticamente até ao século XVII. Apenas os marginais, nas franjas da

sociedade, e não os cidadãos respeitáveis, se dedicavam a tais atividades. (O

Shylock de Shakespeare no Mercador de Veneza era um marginal e um

usurário.) Esta é, a traços largos, a história da ética empresarial — o ataque

indiscriminado ao comércio e às suas práticas. Jesus expulsou os vendilhões

do templo, e os moralistas cristãos de S. Paulo a S. Tomás de Aquino e

Martinho Lutero seguiram os seus exemplos, condenando rotundamente a

maior parte daquilo a que hoje prestamos homenagem como "o mundo dos

negócios".

Mas se a ética empresarial como condenação foi levado a cabo pela

filosofia e pela religião, o mesmo aconteceu com a dramática viragem em

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49relação ao comércio que teve lugar no início da idade moderna. Calvino e, em

seguida, os Puritanos Ingleses, pregaram as virtudes da poupança e da

iniciativa, e Adam Smith canonizou a nova fé em 1776 na sua obra-mestra, A

Riqueza das Nações. As novas atitudes em relação ao comércio não surgiram,

claras está, da noite para o dia; ao invés, baseou-se em tradições com uma

longa história. As guiadas medievais, por exemplo, tinham estabelecido os

seus próprios códigos de "ética empresarial", específicos para cada ofício,

muito antes de o comércio se tornar a instituição fundamental da sociedade.

Mas a aceitação geral do comércio e o reconhecimento da economia como

uma estrutura fundamental da sociedade dependeu de uma maneira

completamente nova de pensar acerca da sociedade que exigiu não apenas

uma mudança na sensibilidade filosófica e religiosa, mas também, e

subjacente a ela, um novo sentido da sociedade e até da natureza humana.

Esta transformação pode ser explicada parcialmente em termos de

urbanização, de sociedades maiores e mais centralizadas, da privatização de

grupos familiares enquanto consumidores, do rápido desenvolvimento

tecnológico, do crescimento da indústria e do concomitante desenvolvimento

de estruturas, necessidades e desejos sociais.

Com a obra clássica de Adam Smith (1950), a chrematisike tornou-se a

instituição fundamental e a principal virtude da sociedade moderna. Mas a

versão popular degradada da tese de Smith (a cobiça é boa) não era de molde

a desembocar na disciplina da ética empresarial (não será isto uma

contradição nos termos?), e os discursos moralizadores acerca do comércio

mantiveram o seu preconceito antigo e medieval. Homens de negócios como

Mellon e Carnegie faziam conferências públicas acerca das virtudes do

sucesso e da noblesse oblige dos ricos, mas a ética empresarial enquanto tal

foi na sua maior parte desenvolvida por socialistas, como uma diatribe contínua

contra a amoralidade do modo empresarial de pensar. Só muito recentemente

começou a dominar no discurso acerca do comércio uma perspectiva mais

moral e respeitável acerca desta atividade, o que arrastou consigo a idéia de

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50estudar os valores e ideais subjacentes. Podemos facilmente compreender

como a liberdade do mercado pode sempre ser uma ameaça aos valores

tradicional e hostil ao controlo governamental, mas já não concluímos de forma

tão sofística que o próprio mercado não tem valores ou que os governos

servem melhor o bem público do que os mercados.

2.2 - A empresa na sociedade: a idéia de responsabilidade

social

O conceito central na maior parte da ética empresarial mais recente é a

idéia de responsabilidade social. É também um conceito que tem irritado os

entusiastas do mercado livre tradicional e promovido argumento incorreto ou

enganador. O mais famoso será talvez a diatribe do prêmio Nobel da Economia

Milton Friedman, no New York Times (13 de Setembro de 1970), intitulada "A

responsabilidade social dos negócios é aumentar os seus lucros". Neste artigo,

Friedman chamava aos homens de negócios que defendiam a idéia de

responsabilidade social da empresa "fantoches involuntários das forças

intelectuais que estão a minar as bases de uma sociedade livre" e acusava-os

de "pregar um socialismo puro e duro". O argumento de Friedman consiste

essencialmente em afirmar que os gestores de uma empresa são empregados

dos acionistas e, enquanto tais, têm uma "responsabilidade fiduciária" de

maximizar os seus lucros. Dar dinheiro para caridade ou outras causas sociais

(exceto enquanto atividades de relações públicas visando aumentar os

negócios) e envolver-se em projetos comunitários (que não aumentem os

negócios da empresa) é equivalente a roubar os acionistas. Mais ainda, não há

qualquer razão para supor que uma empresa ou os seus empregados têm

alguma competência ou conhecimento especial no âmbito das políticas

públicas, logo, quando se envolvem em atividades comunitárias (enquanto

gestores da empresa, não enquanto cidadãos privados agindo em seu próprio

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51nome), estão não só a ultrapassar as suas competências, como também a

violar as suas obrigações.

Algumas das falácias presentes neste raciocínio têm a ver com a

perspectiva redutora do comércio como se estivesse orientado para o lucro, e

com o retrato unidimensional e muito pouco lisonjeiro dos acionistas que foi

mencionado anteriormente; outras ("socialismo puro e duro" e "roubar") são

simplesmente excessos retóricos. Também defendido por Peter Drucker (1979)

no seu influente livro sobre gestão, Management, que a "competência" só faz

sentido para casos em que as empresas levem a cabo projetos de engenharia

social que estejam de fato para além das suas capacidades; mas será que é

preciso competências especiais ou conhecimentos profundos para ter

preocupações acerca do emprego discriminatório, ou das práticas de

promoção dentro da empresa, ou dos efeitos devastadores dos lixos industriais

sobre a paisagem envolvente? A resposta geral a argumentos do tipo do de

Friedman que recentemente se tornou popular na ética empresarial pode ser

sintetizada num modesto jogo de palavras: em vez do "acionista" (stockholder),

os beneficiários das responsabilidades sociais da empresa são as partes

interessadas (stakeholders), de que os acionistas são apenas uma subclasse.

Os stakeholders de uma empresa são todos os que são afetados e que têm

direitos e expectativas legítimos em relação às atividades da empresa, o que

inclui os empregados, os consumidores e os fornecedores, assim como a

comunidade envolvente e a sociedade no seu conjunto. A vantagem deste

conceito é que ele permite expandir muito o enfoque das preocupações

empresariais sem perder de vista as virtudes e capacidades particulares da

própria empresa. Considerada deste modo, a responsabilidade social não é

um fardo adicional sobre a empresa, mas uma parte integrante das suas

preocupações essenciais, servir as necessidades e ser justo não apenas para

com os seus investidores ou proprietários, mas também para com aqueles que

trabalham, compram, vendem, vivem perto ou são de qualquer outro modo

afetados pelas atividades que são exigidas e recompensados pelo sistema de

mercado livre.

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2.3 - O indivíduo na empresa: responsabilidades e expectativas

A parte interessada (stakeholder) mais maltratada no padrão das

responsabilidades empresariais será talvez o empregado da empresa. Na

teoria tradicional do mercado livre, o trabalho do empregado é ele próprio mais

uma mercadoria, sujeita às leis da oferta e da procura. Mas enquanto que

podemos vender a preço de saldo alfinetes ou peças de máquina que já não

têm procura, ou simplesmente desfazermo-nos deles, o empregado é um ser

humano, com necessidades e direitos muito reais e distintos do seu papel na

produção ou no mercado. Um espaço de trabalho apertado e desconfortável

ou longa e duras horas de trabalho podem reduzir as despesas ou aumentar a

produtividade, e pagar salários de sobrevivência a empregados que, por uma

razão ou outra, não podem, não se atrevem ou não sabem como se queixar

pode aumentar os lucros, mas tais condições e práticas são hoje em dia

reconhecidas por todos menos pelo mais empedernido "darwinista" como

altamente antiéticas e legalmente injustificáveis. Mesmo assim, o modelo do

trabalho como "mercadoria" ainda tem uma forte influência em muito do

pensamento empresarial, tanto no que diz respeito a gestores e executivos

como a trabalhadores, tanto especializados como indiferenciados. É por esta

razão que muita da mais recente ética empresarial centrou a sua atenção em

noções como os direitos dos empregados e, a partir de uma perspectiva

bastante diferente, é também por esta razão que a velha noção de "lealdade à

empresa" voltou a merecer atenção. Afinal, se uma empresa trata os seus

empregados como meras peças descartáveis, ninguém pode ficar

surpreendido se os empregados começarem a tratar a empresa com uma mera

fonte transitória de salários e benefícios.

No entanto, a outra face deste quadro perturbador é a também

renovada ênfase dada à noção de papéis e responsabilidades do empregado,

uma das quais é a lealdade à empresa. Nunca é demais sublinhar que

"lealdade" aqui é uma preocupação que funciona nos dois sentidos; o

empregado pode, em virtude do seu emprego, ter obrigações especiais para

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53com a empresa, mas a empresa tem por sua vez obrigações para com o

empregado. Mas é perigoso colocar ênfase em conceitos como "lealdade" sem

esclarecer muito bem que a lealdade está ligada não apenas ao emprego em

geral, mas também ao papel e responsabilidades particulares de cada um. Um

papel, segundo R.S. Downie é "um aglomerado de deveres e direitos com

algum tipo de função social" — neste caso, uma função na empresa (Roles

and Values: p. 128). Há certos aspectos do papel e das responsabilidades de

cada um que podem ser especificados num contrato de trabalho e na lei, mas

muitos deles — por exemplo, os costumes locais, os padrões de deferência e

outros aspectos daquilo a que há pouco chamamos "cultura empresarial" — só

se tornam evidentes com o tempo e através do contato com outros

empregados. Mais ainda, não se trata simplesmente de "fazer o nosso

trabalho" mas, por razões de ética e de economia, de fazer o nosso trabalho o

melhor possível. A este respeito, Norman Bowie (1982) comenta que um

trabalho nunca é apenas um trabalho. Tem também uma dimensão moral:

orgulho no nosso produto, cooperação com os colegas e preocupação com o

bem-estar da empresa. Mas, é claro, estas obrigações decorrentes do papel

têm os seus limites (por mais que certos gestores tentem negar isto para sua

conveniência). O comércio não é um fim em si, está ao invés inserido e é

sustentado por uma sociedade que tem outras e mais importantes

preocupações, normas e expectativas.

Desse modo, ouvimos muitas vezes empregados (e até mesmo

executivos de alto nível) queixarem-se de que os seus "valores empresariais

estão em conflito com os seus valores pessoais". O que isto normalmente

significa é que, certas exigências feitas pelas empresas são antiéticas ou

imorais. Aquilo em que a maior parte das pessoas chama os seus "valores

pessoais" são de fato os valores mais profundos e amplos da sua cultura. E é

neste contexto que devemos compreender a já familiar figura trágica da vida

empresarial contemporânea — o denunciante. Este não é simplesmente um

excêntrico que não consegue adaptar-se à organização que ameaça

denunciar. O denunciante reconhece não ser capaz de tolerar a violação da

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54moral ou da confiança pública e sente-se na obrigação de fazer alguma coisa.

As biografias da maior parte dos denunciantes não são uma leitura agradável,

mas a sua existência e ocasional sucesso testemunham amplamente as

obrigações interligadas das empresas, dos indivíduos e da sociedade. Aliás,

talvez o resultado particular mais importante da emergência da ética

empresarial no espaço público tenha sido chamar a atenção para esses

indivíduos e dar uma nova respeitabilidade àquilo que os seus empregadores

vêem incorretamente como nada mais do que falta de lealdade. Mas quando a

exigência de fazer negócio entra em conflito com a moral ou o bem-estar da

sociedade, são os negócios que têm que ceder, o que é, talvez, o fundamental

da ética empresarial.

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55

CAPÍTULO III

O PAPEL DO GESTOR DE RH NA CONSTRUÇÃO DA

ÉTICA E DA RESPONSABILIDADE SOCIAL DA

EMPRESA

3.1 - O novo contexto: rumo a responsabilidade social?

A partir da década de 80, verifica-se um forte movimento de

internacionalização das economias capitalistas que se convencionou chamar

de globalização. Um dos traços marcantes deste processo é a crescente

movimentação de empresas transnacionais e multinacionais. A partir deste

movimento foi possível observar um novo desenho na alocação geográfica dos

recursos e por conseqüência uma forte concentração de renda.

Segundo Neto & Froes (2001), este rearranjo espacial das atividades

produtivas no mundo, através da fragmentação e migração de cadeias

produtivas, criou um novo tipo de globalização, de efeitos perversos e que

culminou com a elevação dos custos ecológicos e sociais.

Empresas, empresários e governos conscientes dos riscos envolvidos

na adoção indiscriminada da nova lógica econômica globalizante buscam

caminhos para atenuar seus efeitos e diminuir seus riscos sistêmicos. Neto &

Froes (2001) salientam que a saída para este impasse está no

desenvolvimento de uma nova lógica, denominada de racionalidade social,

tendo como características: as empresas como principais agentes; foco na

comunidade; ênfase na prática da solidariedade; desenvolvimento da

comunidade a partir das ações sociais empresariais; e a empresa como um

investidor social.

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56A operacionalização da lógica da racionalidade social ocorre através do

exercício da responsabilidade social, sendo considerada um processo

dinâmico a ser conduzido com vigilância permanente, de forma inovadora e

dotado de mecanismos renovadores e de sustentabilidade. Segundo Neto &

Froes (2001), existem três estágios de responsabilidade coorporativa:

Gestão social interna – tem como foco as atividades regulares da

empresa, saúde e segurança dos funcionários e qualidade do ambiente

de trabalho;

Gestão social externa – refere-se ao ônus das externalidades negativas

ao meio ambiente (poluição, uso de recursos naturais, etc), à sociedade

(demissões, comunidade ao redor da empresa) e aos seus

consumidores (segurança e qualidade dos produtos).

Gestão social cidadã – abrange questões de bem estar social. As

empresas inseriram-se socialmente na comunidade, promove o

desenvolvimento social e atua no campo da cidadania, mediante ações

de filantropia e a implementação de seus projetos sociais. Neste estágio

a empresa desenvolve ações sociais que extrapolam o âmbito da

comunidade local e que se estendem à sociedade como um todo.

Através da descrição destes estágios é possível perceber a amplitude

das ações internas e externas que as organizações devem desenvolver para

serem consideradas socialmente responsáveis. Garay (2001) salienta que as

organizações ao agirem adicionam a suas competências básicas um

comportamento ético (ética é à base da cidadania empresarial e se expressa

através dos princípios e valores adotados pela organização) e político, através

da participação junto ao Estado, à sociedade civil organizada e grupos de

cidadãos, das decisões e ações relativas à construção de formas de melhor

enfrentar os problemas sociais que hoje atingem a todos.

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57No Brasil é crescente a iniciativa por parte das empresas, organizações

do terceiro setor e do poder público que estão fomentando ações no campo da

responsabilidade social. Pode-se citar o exemplo do Estado do Rio Grande do

Sul que através da lei nº 11.440/00, de 18 de janeiro de 2000 institui um

certificado de responsabilidade social para empresas estabelecidas no âmbito

do estado. Este certificado é entregue através do Prêmio Responsabilidade

Social–RS. Na primeira edição, em 2000 participaram 22 organizações. Já na

edição de 2001, foram outorgados 87 certificados de responsabilidade social

para aquelas empresas que prestam contas à sociedade de suas atuações

sociais por meio de Balanço Social. Vale ressaltar que destas empresas, três

receberam o Troféu Responsabilidade Social Destaque RS, por seus projetos

exemplares, considerando-se as categorias pequenas, médias e grandes

organizações.

Constata-se que as empresas estão começando a se movimentar no

sentido de realizar ações socialmente responsáveis e demonstrar a sociedade

os seus resultados. Estas podem representar um diferencial competitivo,

fortalecendo a imagem da organização e sendo um dos elementos de análise

utilizados por agentes financiadores, investidores nacionais e internacionais.

Diante deste contexto, percebe-se que o desenvolvimento da

responsabilidade social compreende um conjunto de ações voltadas para o

público interno e externo da organização. Assim sendo, o presente estudo

propõe a seguinte questão de pesquisa: Qual o papel dos gestores de

recursos humanos na construção da empresa socialmente responsável?

As organizações ainda estão construindo, de forma incipiente na maioria

dos casos, seus modelos de gestão de responsabilidade social. Parece que

muitas das ações relacionadas a este tema estão sob a responsabilidade dos

gestores de recursos humanos. Isso ocorre na medida que uma das condições

essenciais para o desenvolvimento da cidadania empresarial é a qualidade da

vida, a empregabilidade e os benefícios concedidos aos trabalhadores. Quanto

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58às ações externas, cabe ao gestor formular e acompanhar programas de

voluntariado, buscando a participação do corpo funcional da organização.

Diante deste contexto é relevante investigar qual a percepção do gestor

de RH sobre o tema responsabilidade social. Será que ele está relacionando

suas ações no que tange à qualidade de vida dos funcionários, bem como o

desenvolvimento de cada indivíduo da organização ao comportamento

socialmente responsável? Indo um pouco além, será que os gestores estão

realmente envolvidos com as ações internas e externas de responsabilidade

social? Estas ações estão sendo, efetivamente, consideradas estratégicas para

a organização e para a gestão de RH?

Em função disto, consiste em analisar o papel dos gestores de recursos

humanos na construção da empresa socialmente responsável.

De forma secundária, busca-se:

Identificar a percepção dos gestores de recursos humanos sobre o

escopo do tema responsabilidade social;

Apontar os valores organizacionais que influenciam o desenvolvimento

da responsabilidade social empresarial;

Descrever as principais ações internas e externas desenvolvidas pelos

gestores de recursos humanos relacionadas à responsabilidade social

empresarial;

Identificar os conhecimentos, habilidades e atitudes necessários do

profissional de recursos humanos para desenvolver a responsabilidade

social;

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59

Sondar as opiniões dos profissionais de RH acerca dos resultados

internos (organizacionais, individuais e grupais) obtidos a partir do

desenvolvimento de ações socialmente responsáveis.

3.2 - Discussão teórica da gestão de RH e de Responsabilidade

Social

No que tange à responsabilidade social é inicialmente abordado os

aspectos conceituais do tema e sua relação com a ética empresarial. Logo

após são apresentadas os aspectos teóricos do gerenciamento das ações

externas e internas da responsabilidade social empresarial. Sempre buscando

as evidências do papel do gestor de RH no desenvolvimento de tais ações.

3.2.1 - Os múltiplos papéis dos gestores de RH

Segundo Ulrich (2000) para criar valor e obter resultados os

profissionais de RH precisam começar não pelo foco nas atividades, mas pela

definição das metas, as quais garantem os resultados de seu trabalho. Com as

metas definidas, podem-se estimular os papéis dos gestores de RH. Os

profissionais precisam aprender a ser ao mesmo tempo estratégicos e

operacionais, concentrando-se no longo e no curto prazo. As atividades se

estendem da administração de processos (ferramentas e sistemas de RH) à

administração de pessoal. Esses dois eixos delineiam quatro papéis principais

de RH: administração de estratégias de recursos humanos; administração da

infra-estrutura da empresa; administração da transformação e da mudança.

De acordo com Ulrich (2000) para compreender estes papéis devem ser

considerados os seguintes pontos: os resultados a serem atingidos

desempenhando cada papel, a metáfora característica ou imagem visual que

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60acompanha cada papel e as atividades que os profissionais de RH deve

executar para desempenhar cada papel.

Quadro I: Definição dos papéis de RH.

Papel /Função Resultado Metáfora Atividade

Administração de

Estratégias de RH

Execução da

Estratégia

Parceiro Estratégico Ajuste das

estratégias

empresarial:

“Diagnóstico

organizacional”

Administração da

Infra-estrutura da

Empresa

Construção de uma

infra-estrutura

eficiente

Especialista

administrativo

Reengenharia dos

processos de

organização:

“Serviços em

comum”

Administração da

Contribuição dos

Funcionários

Aumento do

envolvimento e

capacidade dos

funcionários

Defensor dos

funcionários

Ouvir e responder

aos funcionários:

“Prover recursos

aos funcionários”

Administração da

Transformação e

da Mudança

Criação de uma

organização

renovada

Agente de Mudança Gerir a

transformação e a

mudança:

“Assegurar

capacidade para

mudança”

Fonte: Ulrich, 2000, p. 41.

Ulrich (2000) salienta que na administração estratégica de recursos

humanos devem-se ajustar as estratégias e práticas de RH à estratégia

empresarial. Ao desempenhar este papel o profissional de RH torna-se um

parceiro estratégico, ajudando a garantir o sucesso e a aumentar a capacidade

de suas empresas atingir seus objetivos. Sobre o enfoque da infra-estrutura

organizacional cabe salientar que este tem sido um papel tradicional de RH.

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61Isso exige que os profissionais concebam e desenvolvam processos eficientes

para contratar, treinar, avaliar, premiar, promover e, além disso, gerir o fluxo de

funcionários na organização. Como “zeladores da infra-estrutura”, eles

asseguram que esses processos organizacionais sejam concebidos e

desenvolvidos com eficiência. Embora esse papel tenha sido minimizado e até

repudiado com a passagem para um foco estratégico, sua realização bem

sucedida continua a adicionar valor para a empresa.

Na administração da contribuição dos funcionários (Defensor dos

Funcionários) Ulrich (2000), os profissionais de RH se envolvem nos

problemas, preocupações e necessidades cotidianas dos empregados. Como

ativos defensores dos funcionários que compreendam suas necessidades e

garantam que elas sejam atendidas. Segundo o autor, através deste papel, os

profissionais de RH podem adicionar valor a uma empresa e gerir a

transformação e a mudança. Transformação acarreta modificações na cultura;

os profissionais de RH que administram a transformação tornam-se guardiões

e catalisadores culturais. Mudança refere-se à capacidade de uma organização

de melhorar a concepção e a implementação de iniciativas e de reduzir o

tempo de ciclo de todas as atividades organizacionais; os profissionais de RH

ajudam a identificar e implementar os processos para mudança. Neste

processo os profissionais atuam como parceiros empresariais por ajudarem os

funcionários a se livrarem da antiga cultura e se adaptarem a uma nova. Como

agentes da mudança, os executivos de RH ajudam as organizações

identificarem um processo para administrar a mudança.

3.2.2 - Desafios para os gestores de RH

Gil (2000) classifica os desafios enfrentados pelos gestores de recursos

em ambientais, organizacionais e individuais. Os desafios ambientais são

forças externas às organizações que influenciam seu desempenho. No tange

Page 62: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO … ORTWEIN DOMINGOS.pdf · moral e ética desenvolvidos por diferentes correntes filosóficas (os Sofistas, Sócrates, Platão, Aristóteles,

62aos desafios ambientais, merece destaque no contexto deste trabalho o

desafio da responsabilidade social.

Segundo Gil (2000), a essência do capitalismo é o lucro. Ainda existe

uma tendência em acreditar que a responsabilidade da empresa consista

exclusivamente em maximizar o lucro de seus acionistas. Verifica-se, no

entanto, um forte movimento no sentido de admitir que as empresas devem

assumir valores éticos, respeitar seus funcionários, proteger o meio ambiente e

comprometer-se com as comunidades. Funcionários, comunidade e clientes

estão sendo vistos como uma nova espécie de sócios do negócio, prontos para

compartilhar resultados. O autor ainda salienta que responsabilidade social

passa a fazer parte da agenda das empresas que desejam sobreviver.

Quanto aos desafios organizacionais, Gil (2000) salienta que decorrem

de problemas internos das organizações. Eles podem ser considerados

subprodutos das forças ambientais, pois nenhuma empresa opera no vácuo.

Estão relacionadas aos avanços tecnológicos, competitividades, downsizing,

autogerenciamento de equipes, cultura organizacional dentre outros.

Já, quanto aos desafios individuais, Gil (2000) coloca que se encontram

relacionados às posturas adotadas pelas empresas em relação aos

empregados. Estão diretamente relacionados aos desafios organizacionais,

constituindo, muitas vezes, reflexos do que ocorre com a empresa inteira. A

maneira como a empresa trata seus empregados pode afetar o impacto dos

desafios organizacionais.

Segundo o autor, os desafios individuais são importantes para que uma

empresa possa identificar seu estágio de gestão de pessoas. Os mais

evidentes são identificação dos funcionários com a empresa, ética,

produtividade, segurança no emprego, empowerment, qualidade de vida e

evasão de talentos.

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63Estes desafios estão intimamente relacionados a responsabilidade

social empresarial, principalmente, a ética e a qualidade de vida. A conduta

ética refere-se ao comportamento das empresas perante seus fornecedores,

consumidores, concorrentes e empregados. Segundo o autor, fala-se não

apenas em qualidade no trabalho, mas também em qualidade de vida dos

empregados. Isso significa que os empregados precisam ser felizes. Para que

sejam produtivos, devem sentir que o trabalho que executam é adequado as

suas habilidades e que são tratados como pessoas. Não se pode esquecer

que parte significativa da vida das pessoas é dedicada ao trabalho e que para

muitos o trabalho constitui-se a maior fonte de identificação pessoal.

3.2.3 - Ampliando o papel do gestor de RH

Bartlett & Ghoshal (2000) salientam que os gestores devem trabalhar o

propósito da organização. Isso significa criar uma organização com a qual seus

integrantes podem se identificar, na qual compartilham um sentimento de

orgulho e com a qual estão dispostos a se comprometer. Neste sentido,

amplia-se a atuação do gestor de RH que deve atuar no sentido de capturar a

atenção e o interesse dos funcionários, envolver a organização, construir

valores essenciais e transmitir a mensagem comprometendo as pessoas com

os objetivos organizacionais. No entanto, deve-se considerar que este é um

caminho de mão dupla, na qual os gestores devem reconhecer a contribuição

dos funcionários e os tratar como ativos valiosos. Isto pode ser realizado

através do reconhecimento das realizações pessoais, do comprometimento

com o desenvolvimento dos funcionários e incentivando as iniciativas

individuais.

Os mesmos autores complementam que existe uma diferença

fundamental entre os gestores que se vêem como projetistas da estratégia

corporativa dos que definem de forma mais ampla suas tarefas como a de

formar o propósito institucional. Os elaboradores de estratégias vêem as

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64empresas que lideram como entidades maximizadoras de lucros, com um

papel estreitamente definitivo em um grande e complexo ambiente social.

Dentro desta concepção, empresas são simplesmente agentes de troca

econômica em um mercado mais abrangente. São dependentes de seus

acionistas, clientes, funcionários e comunidades, e o propósito da estratégia é

gerenciar essas dependências freqüentemente conflitantes, para delas obter o

benefício máximo para a empresa.

Esta definição minimalista, passiva e egoísta subestima a realidade de

forma grosseira. Bartlett & Ghoshal (2000) explicam que as empresas são,

atualmente, importantes instituições da sociedade moderna. Uma empresa

hoje é mais que apenas um negócio. Como importantes depósitos de recursos

e conhecimentos, empresas carregam uma enorme responsabilidade de gerar

riqueza por meio da melhoria contínua de sua produtividade e competitividade.

Além disso, sua responsabilidade pela definição, criação e distribuição de valor

faz das empresas os principais agentes da sociedade para a mudança social.

As empresas são, no mínimo, fóruns importantes de interação social e

realização pessoal.

Duarte & Dias (1986) consideram que a empresa faz parte de uma

realidade pluridimensional, composta de quatro dimensões, descritas a seguir:

Uma dimensão pessoal: a empresa não se compõe de coisas ou

animais, mas de seres humanos, pessoas que querem e devem se

vistas como tais;

Uma dimensão social: o homem só existe em sociedade, sendo

impossível a absoluta separação entre sua realidade pessoal e sua

realidade social;

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65

Uma dimensão política: a impossibilidade de isolamento entre o

interesse público e o particular exige a permanente participação de um

poder maior na difícil tarefa de conciliar um e outro;

Uma dimensão econômica: a função específica que legitima sua

existência e atuação no seio da sociedade é de natureza econômica.

Os autores explicam que a empresa é composta de seres humanos

integrados numa unidade maior, a sociedade. E tanto os objetivos pessoais de

seus membros quanto os objetivos maiores da coletividade vão além dos

objetivos particulares da empresa que jamais pode sobrepor estes àqueles.

Estas percepções sobre a inserção da empresa na sociedade e de suas

responsabilidades em relação às dimensões descritas anteriormente são a

base dos conceitos apresentados sobre responsabilidade social empresarial.

Neto & Froes (2001) consideram que responsabilidade social é um

conceito recente, ainda em construção, constituindo-se numa nova área de

conhecimento do mundo empresarial.

Para Neto & Froes (1999), apoiar o desenvolvimento da comunidade e

preservar o meio ambiente não são suficientes para atribuir a uma empresa a

condição de socialmente responsável. É necessário investir no bem-estar dos

seus funcionários e dependentes e num ambiente de trabalho saudável, além

de promover comunicação transparente, dar retorno aos acionistas, assegurar

sinergia com seus parceiros e garantir a satisfação dos seus clientes e/ou

consumidores. Estas colocações estão de acordo com o pensamento do

Instituto Ethos. Segundo seu Diretor-Presidente Oded Grajew, o conceito de

responsabilidade social esta se ampliando, passando da filantropia, que é a

relação socialmente compromissada da empresa com a comunidade para

abranger todas as relações da empresa: com seus funcionários, clientes,

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66fornecedores, acionistas, concorrentes, meio ambiente e organizações públicas

e estatais.

Considerando estes aspectos salientados pelos autores, o conceito de

responsabilidade social que contempla tanto as ações internas como as

externas foram elaboradas em 1998, na Holanda, durante uma reunião do

Conselho Empresarial Mundial para o Desenvolvimento Sustentável – WBCSD,

para analisar a atuação das empresas no campo social:

“O comprometimento permanente dos empresários de

adotar um comportamento ético e contribuir para o

desenvolvimento econômico, melhorando

simultaneamente, a qualidade de vida de seus

empregados e de suas famílias, da comunidade local e da

sociedade como um todo”. (Neto & Froes, 1999, p. 90).

Neto & Froes (1999) acrescentam que o conceito de responsabilidade

social tornou-se parte de um conceito mais amplo: desenvolvimento

sustentável. Envolvendo os seguintes aspectos: os direitos humanos; os

direitos dos funcionários; os direitos dos consumidores; desenvolvimento

comunitário; a relação com fornecedores; o monitoramento e a avaliação de

desempenho; e os direitos dos grupos de interesse.

Existe ainda, o conceito de empresa-cidadã. Este objetiva conferir uma

nova imagem empresarial para aquelas empresas que se convertem em

tradicionais investidoras em projetos sociais. De acordo com Neto & Froes

(1999), uma empresa – cidadã é reconhecida pela excelência da sua atuação

na área social, ganha a confiança, o respeito e a admiração dos consumidores.

Sucupira (2000) salienta que existe uma série de razões para justificar a

importância da conduta ética na formulação e execução das estratégias

empresariais.Entre elas:

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a) A opinião pública espera das empresas um comportamento ético;

b) Uma empresa que trata com dignidade seus empregados cria um

ambiente interno mais saudável e atrai e mantém empregados

qualificados e motivados;

c) Aumento das vendas decorrentes da melhoria da imagem;

d) As empresas éticas são em geral bem-sucedidas e tendem a conseguir

mais facilmente acesso a recursos de fundos de investimentos.

Srour (2000) também salienta este aspecto. Segundo o autor,

investidores, fundos mútuos ou fundos de pensão estão concentrando suas

aplicações em empresas que respeitam o meio ambiente, as condições

humanas e sociais de seus empregados, pagam salários justos, propiciam um

local de trabalho saudável e asseguram formação profissional permanente.

Acrescenta ainda que para determinar o padrão ético de uma empresa,

examinam-se também as estatísticas sobre acidentes do trabalho, greves e

reclamações judiciais ligadas a rupturas de contratos, assim como o nível de

transparência em relação à qualidade de suas relações com a sociedade civil.

Trata-se, pois de realizar “lucro com ética”, que consagra o princípio da justiça

com geração de benefícios financeiros.

Segundo Neto & Froes (1999), o exercício da responsabilidade social

externa corresponde ao desenvolvimento de ações sociais empresariais que

beneficiem a comunidade. Estas ações podem ser realizadas através de

doações de produtos, equipamentos e materiais em geral, transferência de

recursos em regime de parceria para órgãos públicos e ONG, prestação de

serviços voluntários para a comunidade pelos funcionários da empresa,

aplicações de recursos em atividades de preservação do meio ambiente,

geração de empregos, patrocínio de projetos sociais do governo e

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68investimentos diretos em projetos sociais do governo e investimentos diretos

em projetos sociais criados pela própria empresa.

Goldberg (2001) coloca que entre as várias áreas de uma empresa, é a

gestão de recursos humanos que desponta como o departamento que

apresenta maiores possibilidades de troca com um programa de voluntariado

empresarial e é, em regra, onde a construção de uma aliança se faz

necessária. De micro a grandes empresas, não importando a que divisão

corporativa o programa está vinculado, é praticamente impossível uma

iniciativa dessa natureza lograr sucesso sem uma forte interação com as

políticas de recursos humanos.

Para a autora, um programa de voluntariado empresarial precisa do

suporte da gestão de RH para efetivar-se no dia a dia da organização. Ainda

que a orientação da empresa seja por apoiar as atividades voluntárias de seus

funcionários somente durante o seu tempo livre, há sempre momentos em que

equipe de voluntários tem que se reunir para encaminhar questões em

conjunto, o que, na maioria das vezes, só se viabiliza ao longo do horário de

trabalho. E atuar em grupo faz parte da essência do voluntariado empresarial.

Nessa hora e também quando um funcionário propõe compensações de

horário para visitar um projeto social, teve estar presente a área de RH para os

ajustes necessários.

Goldberg (2001) complementa que o rol de interações esperadas entre

programa de voluntariado e gestão de RH se estende por inúmeras situações

no cotidiano da empresa, passando pela democratização do direito de exercer

o voluntariado a todo o corpo de funcionários, pela inclusão de informações a

esse respeito nos processos de indução de novos funcionários, pela orientação

das chefias para conduzir questões referentes ao voluntariado.

Percebe-se através das colocações dos autores que a área de RH tem

um papel fundamental para o desenvolvimento dos programas de voluntariado

empresarial Mas o que agregaria a para gestão de RH?

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Goldberg (2001) cita o relatório realizado pela CEATS-USP na C&A

Modas, uma empresa que possui um reconhecido programa de voluntariado

empresarial. Foi possível constatar que os funcionários que participam da

iniciativa tem seu leque de competências ampliado, são mais integrados ao

trabalho e à própria organização e adquire maior satisfação pessoal com o que

fazem. Aspectos comportamentais positivos advindos pela ação voluntária

como, por exemplo, alegria, tolerância e compreensão transbordam para as

relações com os colegas de trabalho, clientes e em família. O estudo ainda

indica que a diversidade e o imprevisto do trabalho voluntário criam condições

que revelam talentos e potencialidades desconhecidas pela empresa. Outro

aspecto ressaltado é que o prazer gerado com a participação e o sentimento

de “pertencer a um grupo” possibilita que os voluntários criem laços mais

fortes de identidade organizacional e tendam a ser cooperativo tanto em

situações cotidianas quanto em momentos de crise.

Na busca de entender as razões pelas as quais as empresas promovem

o envolvimento de seus funcionários em atividades voluntárias em suas

comunidades, Garay (2001) levanta suposições que vão ao encontro daquelas

identificadas no estudo realizado na C&A Modas. Entre as quais estão:

a) Em organizações socialmente responsáveis, o ato de voluntariar pode

representar um forte determinante para aumentar o nível de satisfação e

de identidade dos colaboradores com sua empresa, capaz de gerar

envolvimento com o trabalho e comprometimento organizacional;

b) Para o fortalecimento da cultura organizacional;

c) Para a consolidação de uma imagem corporativa favorável;

d) Para o estímulo ao desenvolvimento do papel institucional do executivo;

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70e) Para o desenvolvimento de competências dos funcionários.

As ações externas repercutem de forma direta no ambiente de trabalho

da empresa. Neto & Froes (2001) também salientam tais aspectos enfatizam

que as atividades e comportamentos dos funcionários imprimem uma renovada

energia em decorrência da oportunidade de aprendizado natural de atitudes,

até mesmo clarificação de novos valores de trabalho e vida. Sob a motivação

do treinamento recebido e de exemplos vivenciados de ação social, tornam-se

mais sociáveis, tolerantes, cooperativos, altruístas, participativos, motivados e

seguros. Assim sendo, agem como promotores da melhoria da qualidade de

vida no trabalho.

Os autores sublinham que o aumento da produtividade é o maior

retorno obtido pela empresa em todo processo de gestão dos investimentos

sociais em seu público interno. A produtividade do trabalho aumenta como

decorrência da maior satisfação, motivação e capacitação dos funcionários.

Para Neto & Froes (1999) as ações de gestão interna de

responsabilidade social compreendem os programas de contratação, seleção,

treinamento e manutenção de pessoal de pessoal realizados pelas empresas

em benefícios de seus funcionários, bem como os demais programas de

benefícios voltados para a participação nos resultados e atendimento aos

dependentes.

De acordo com os autores, as principais ações deste tipo desenvolvidas

pelas empresas:

Investimentos no bem-estar dos funcionários e seus dependentes

(programa de remuneração e participação nos resultados, assistência

médicas, sociais, odontológicas, alimentares e de transporte);

Investimento na qualificação dos empregados (programas internos de

treinamento, capacitação e programas de financiamento de cursos

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71externos, regulares ou não, realizados pelos funcionários com vistas a

sua maior qualificação profissional e obtenção de escolaridade mínima).

Neto & Froes (2001) complementam o rol de ações internas salientando

que estas compreendem áreas ainda negligenciadas por inúmeras empresas

cidadãs: a gestão do trabalho, a gestão do ambiente de trabalho, a gestão da

relevância social da vida no trabalho, a gestão dos direitos dos funcionários.

Os autores ainda explicam que a gestão do trabalho envolve questões

relacionadas à duração da jornada de trabalho, à distribuição da carga de

trabalho, à criação e novas formas de organização do trabalho, ao desenho de

cargos e postos de trabalho, materiais e equipamentos, desenvolvimento de

habilidades e capacidades. A gestão do ambiente de trabalho envolve ações

de melhoria no ambiente de trabalho (clima, cultura, ambiente físico, aspectos

ergonômicos, estresse) integração, relacionamento e participação.

A gestão da relevância social no trabalho, segundo Fernandes (1996),

compreende a visão dos empregados quanto à imagem e ao exercício da

responsabilidade social da empresa, à qualidade de seus produtos e serviços

e à sua valorização e participação no trabalho.

Neto & Froes (2001) explicam também que a gestão dos direitos dos

empregados envolve os diretos trabalhistas, a preservação da privacidade

pessoal dos empregados, a forma de expressão com liberdade dos

funcionários dentro da empresa em defesa de seus direitos. Por fim, a gestão

do crescimento e desenvolvimento pessoal dos empregados, que inclui

crescimento pessoal dos funcionários, perspectivas de carreira, segurança dos

funcionários.

No que tange ao desenvolvimento dos funcionários, Bartlett & Goschal

(2000) ressaltam que gestores de RH devem adotar uma visão mais ampla do

treinamento e desenvolvimento dos funcionários. Em vez de treinar

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72simplesmente treinar funcionários em habilidades ligados as suas tarefas, as

empresas devem desenvolver suas capacidades em direção ao crescimento

pessoal. Citam o exemplo da The Body Shop que desenvolveu um centro

educacional que oferece não apenas muitos cursos sobre produtos da

empresa, cuidados com a pele e atendimento a clientes, como também

sessões sobre tópicos como sociologia, AIDS, envelhecimento e sobrevivência

urbana. Segundo Anita Roddick, proprietária da rede lojas, “você pode treinar

animais”, mas “nós queríamos educar nosso pessoal e ajudá-los a alcançar

seu pleno potencial”. (2000, p.157).

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CONCLUSÃO

No Fórum Econômico Mundial 2001 e outros encontros internacionais

têm mostrado a crescente iniciativa por parte das empresas, organizações do

terceiro setor e do poder público, que o debate sobre a globalização está

deixando a área macroeconômica e voltando para o questionamento da

cidadania, conforme expresso pelas manifestações nas principais cidades do

mundo. Os ativistas cobram das empresas, sobretudo das transnacionais,

melhor resultado social de suas atuações, não convencidos de que a nova

ordem global traga ganhos efetivos aos cidadãos, decorrentes da liberalização

dos mercados.

Desse modo, compreender as características básicas da cidadania na

contemporaneidade não é um exercício fácil. A construção histórica do

conceito de cidadania denota um processo evolutivo. A cidadania, como era

concebida na Antigüidade, não é a mesma para a sociedade moderna, até

porque as demandas sociais são outras. A era da informação e a tecnologia

têm promovido mudanças na conscientização social e nas aspirações

individuais, não apenas redefinindo a noção de cidadania, mas agregado-lhe

valor, ou seja, o direito individual – e daí para o coletivo estão cada vez mais

abrangentes.

A sociedade e o Estado estão em constante mutação (os paradigmas do

relacionamento comum), o que é inclusive, objeto de ampla literatura jurídica,

cujo intuito é determinar os direitos e obrigações dos indivíduos e do Estado na

convivência dentro de um mesmo espaço, sob os aspectos civil, político e

social. De acordo com o nosso propósito, as empresas entram no aspecto

social, em que estão o trabalho, a segurança, o lazer, a educação e a saúde,

dentre outros, que congregam as crenças, os valores e as significações

socialmente estabelecidas e aceitas. Como a empresa hoje é um espaço

formativo por excelência, ela tem o dever de estimular o aprendizado e a

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74prática da cidadania, a partir de seu próprio ambiente corporativo, transferindo

naturalmente de pessoa para pessoa os direitos e as obrigações da

convivência social.

Essa conscientização tem como conseqüência o crescimento do terceiro

setor e das organizações não governamentais, dentre outros, que fazem com

que as empresas tenham uma preocupação constante com a legitimidade

social de suas atuações.

Nesse contexto, as empresas cada vez mais se engajam com qualidade,

aperfeiçoamento de seus produtos e processos e consolidação de seus

valores, visando à valorização de seus relacionamentos - com acionistas,

clientes, parceiros, fornecedores e profissionais, ou seja, com todos os

envolvidos em sua atividade, que são igualmente cidadãos. Sendo o trabalho e

a educação componentes da cidadania no conceito moderno, a gestão de

pessoas na empresa adquire maior relevância estratégica, o que substitui a

antiga concepção de recursos humanos para um sentido amplo, o de

desenvolvimento humano.

Esse deve dinamizar a implementação de políticas e ações que

identifiquem nas pessoas o que de melhor elas possuem e têm para oferecer

como contribuições à sociedade e a empresas, criando, assim, espaço “fértil”

para o desenvolvimento não apenas profissional, mas, sobretudo pessoal, pois

um não existe sem o outro.

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BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

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ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO 02

EPÍGRAFE 03

AGRADECIMENTO 04

RESUMO 05

METODOLOGIA 06

SUMÁRIO 07

INTRODUÇÃO 08

CAPÍTULO I

UM BREVE HISTÓRICO DO CONCEITO DA ÉTICA E DA MORAL 10

1.1 - Afinal, o que é ética? 10

1.1.1 - Ethos como “morada” 12

1.1.2 - Ethos como “costume” 13

1.2 - Ética: uma visão clássica 14

1.2.1 - Os Sofistas 17

1.2.2 - Sócrates 18

1.2.3 - Platão 18

1.2.4 - Aristóteles 20

1.2.5 - Ética Cristã Medieval 21

1.2.6 - Ética Moderna 22

1.2.7 - Ética Contemporânea 24

1.2.8 - Psicanálise e Ética 25

1.3 - A ética do sistema capitalista 26

1.4 - Ética: uma visão Holística 34

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791.5 - Ética no Contexto Organizacional 41

1.6 - Código de ética 43

1.6.1 - Um Conceito 43

1.6.2 - Relevância na Organização 44

1.6.3 - Tópicos predominantes de um código de ética 46

CAPÍTULO II

ÉTICA NO TRABALHO E RESPONSABILIDADE SOCIAL 47

2.1 - Uma história concisa da ética empresarial 47

2.2 - A empresa na sociedade: a idéia de responsabilidade social 49

2.3 - O indivíduo na empresa: responsabilidades e expectativas 51

CAPÍTULO III

O PAPEL DO GESTOR DE RH NA CONSTRUÇÃO DA ÉTICA

E DA RESPONSABILIDADE SOCIAL DA EMPRESA 54

3.1 - O novo contexto: remo a responsabilidade social? 54

3.2 - Discussão teórica da gestão de RH e da Responsabilidade Social 58

3.2.1 - Os múltiplos papéis dos gestores de RH 58

3.2.2 - Desafios para os gestores de RH 60

3.2.3 - Ampliando o papel do gestor de RH 62

CONCLUSÃO 72

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 74

ÍNDICE 77

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FOLHA DE AVALIAÇÃO

Nome da Instituição: Universidade Candido Mendes.

Título da Monografia: O papel do gestor de RH em busca da ética e da

responsabilidade social nas organizações.

Autor: Adelaide Ortwein Domingos.

Data da entrega: 25/09/2006.

Avaliado por: Fabiane Muniz. Conceito: ____________

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EVENTOS CULTURAIS

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