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UNIVERSI DADE CA NDI DO MENDES P ÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” DIREITO DO CON SUMIDOR P ROJETO “A VEZ DO MESTRE” A PREPONDERÂNCIA DO INTERES SE PÚB LICO E A TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA Por: Andre Lui s do s Santos Quin tanilha Turma: K012 Matrícula 60629 Orientador Prof. Sérgio Ribeiro Rio de Janeiro, 19 de janeiro de 2006

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

DIREITO DO CONSUMIDOR

PROJETO “A VEZ DO MESTRE”

A PREPONDERÂNCIA DO INTERESSE PÚBLICO E A TEORIA

DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

Por: Andre Luis dos Santos Quintanilha

Turma: K012

Matrícula 60629

Orientador

Prof. Sérgio Ribeiro

Rio de Janeiro, 19 de janeiro de 2006

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

A PREPONDERÂNCIA DO INTERESSE PÚBLICO E A TEORIA

DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

Apresentação de monografia à Universidade

Candido Mendes como requisito parcial para

obtenção do grau de especialista em Direito do

Consumidor.

Por: Andre Luis dos Santos Quintanilha

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AGRADECIMENTOS

A todos os professores do projeto “A

Vez do Mestre”, que ministraram aulas

e novos ensinamentos no Curso de

Direito do Consumidor.

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DEDICATÓRIA

Dedico esse trabalho aos meus pais, que

me incentivaram a fazer pós-graduação e

a minha querida avó Zélia, que sempre

me apoiou nos momentos mais

importantes da minha vida.

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RESUMO

A base desta monografia é discutir a personalidade jurídica na medida

em que se propõe a estudar a possibilidade de sua desconsideração em casos

em que a utilização da mesma contraria a função e os princípios consagrados

que regem a ordem jurídica e a preponderância do interesse público aí

delimitado. O ordenamento jurídico será estudado não só como sistema

normativo, mas também como ordem composta por princípios, valores e fins.

Vai-se estudar brevemente as teorias da personalidade jurídica, com o intuito

de entender sua importância para o conceito de desconsideração.

Estabelecidas essas premissas básicas, passar-se-á à análise da

teoria da desconsideração da personalidade jurídica, sua origem,

fundamentação, conceituação e finalidade, de acordo com a doutrina jurídica.

Por fim, examinamos a posição do Direito brasileiro, restringindo o estudo ao

Código de Processo Civil e ao Código de Defesa do Consumidor.

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METODOLOGIA

Levar-se-á em consideração: Levantamento bibliográfico e coleta de

dados; Análise de textos; Delimitação de objetivos e do campo temático;

Análise de projetos de lei e leis específicas; Consultas a conteúdo de jornais,

revistas e periódicos e Pesquisa de Campo, caso haja a necessária

conveniência..

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...........................................................................................08

CAPÍTULO I - DA PESSOA JURÍDICA........................................................11

CAPÍTULO II - DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO DIREITO

COMECIAL................................................................................................16

CAPÍTULO III - A PERSONALIDADE JURÍDICA ATRAVÉS DA

HISTÓRIA .................................................................................................18

CAPÍTULO IV - DA TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA

PERSONALIDADE JURÍDICA NO CÓDIGO DE DEFESA

DO CONSUMIDOR....................................................................................30

CONCLUSÃO............................................................................................52

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA..................................................................56

ÍNDICE......................................................................................................57

FOLHA DE AVALIAÇÃO.............................................................................60

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INTRODUÇÃO

O direito consumerista, codificado pela Lei nº 8.078, de 11 de setembro

de 1990, visa garantir ao consumidor, notoriamente considerada a parte

hipossuficiente da relação de consumo, um modo hábil de “reequilibrar a

relação de consumo, seja reforçando, quando possível, a posição do

consumidor, seja proibindo ou limitando certas práticas de mercado”, como

bem ilustraram Ada Pellegrini GRINOVER e Antonio Herman de Vasconcellos

e BENJAMIN1 nos comentários do anteprojeto do Código de Defesa do

Consumidor que apresentaram juntamente com outros juristas de renome.

E foi com o intuito de resguardar ao consumidor que os autores do

anteprojeto adotaram, em seu artigo 28, a Teoria da Desconsideração da

Personalidade Jurídica, obedecendo a uma tendência já abraçada por outros

países, tanto adeptos da common law bem como os seguidores da civil law.

Esta teoria, de sistematização e aplicação relativamente novas e

nascidas dentro das contendas comerciais, tem como principal peculiaridade

relativizar um dos verdadeiros pilares da teoria do direito, consagrado no artigo

50 do Código Civil, e que dispõe que “em caso de abuso da personalidade

jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial,

pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando

lhe couber intervir no processo, que os de certas e determinadas relações de

obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou

sócios da pessoa jurídica”. Objetivamente, foi o Código de Defesa do

Consumidor o primeiro responsável pela adoção expressa da teoria no

ordenamento pátrio e, cuja aplicação, tem merecido as mais variadas reações

nos meios jurídicos.

Como bem elucidam os autores do anteprojeto, tal artigo foi redigido

baseando-se, no plano filosófico, na Escola do Direito Livre, de Herman

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KANTOROWICS e nos métodos interpretativos da Jurisprudência de

Interesses (Interessenjurisprudenz), proposto por Philip HECK. Da primeira,

inspirou-se para libertar-se das amarras legislativas e decidir de acordo com os

reclames sociais; do segundo, herdou o respeito pelo direito legislado, mas

conclamando os julgadores a assumir uma posição crítica diante do conflito de

interesses.

Dessa forma, a Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica,

aplicada ao direito do consumidor, tem o condão de ser a ponta de lança de

uma nova tendência pela qual os juristas pátrios terão o dever de se debruçar

para encontrar a auto-afirmação necessária para ingressar de forma definitiva

no mundo do direito. Tal esforço se deve ao fato da resistência natural que

muitos juristas encontram ao se depararem com um instituto que

aparentemente subverte a tradicional figura da pessoa jurídica, o que causa

certa exasperação por parte daqueles mais apegados às tradicionais raízes do

direito.

Ademais, a própria redação do artigo traz inovações ao convencionado

pela parca doutrina existente, como as hipóteses de aplicação da doutrina da

desconsideração da pessoa jurídica. No tocante à teoria tradicional, são

situações de aplicação da desestimação da pessoa jurídica com base na

fraude e no abuso de direito. Por outro lado, preferiu o artigo do Código de

Defesa do Consumidor amparar às relações havidas nas seguintes hipóteses:

com excesso de poder, infração de lei, fato ou ato ilícito, violação dos estatutos

ou contrato social; falência, insolvência, encerramento ou inatividade da

pessoa jurídica provocada por má administração, o que, certamente, se

encontra fora da seara da teoria da desconsideração propriamente dita.

O que deixa dúvidas, entretanto, é o fato de que as inúmeras

hipóteses de aplicação da desconsideração da personalidade jurídica e que

foram minuciosamente tratadas no caput do artigo 28 do Código de Defesa do

Consumidor, estão igualmente compreendidas pelo parágrafo quinto deste

1 GRINOVER, Ada Pellegrini; Vasconcellos e BENJAMIN, Antonio Herman; FINK, Daniel Roberto; e et ali. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1998. p. 7.

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mesmo artigo, que dispõe que “também poderá ser desconsiderada a pessoa

jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao

ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores”.

A partir deste momento, o que se trava é uma disputa entre a norma

mais específica, a qual foi abordada no caput do artigo, e aquela insculpida no

parágrafo deste mesmo dispositivo legal, que determina de forma genérica,

mas não menos eficaz, as hipóteses materiais de incidência do instituto.

Lançando mão das eventuais críticas desferidas ao artigo, espera-se

com esta monografia desmistificar o que para alguns significa a destruição da

pessoa jurídica, sem, contudo, deixar de apontar as principais críticas e as

eventuais falhas na confecção deste artigo do Código de Defesa do

Consumidor.

Para tanto, observar-se-á os possíveis caminhos pelos quais poderá

ser encontrada solução condizente com o ordenamento jurídico, posto que

Pontes de MIRANDA já leciona que “os sistemas jurídicos são sistemas

lógicos”2, não podendo haver, portanto, espaço para eventuais atritos entre

normas, quanto mais se estas são fruto do mesmo artigo de lei.

Adentrando pelos métodos utilizados pela hermenêutica, com especial

destaque para a jurisprudência, que é de grande valia por seu aspecto prático,

espera a presente monografia chamar a atenção sobre um ponto até então

pouco explorado pela doutrina, o que se justifica pela precocidade da norma

em questão.

2 MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado - parte geral. Tomo I. 3 ed. Rio de Janeiro: Borsói, 1970. p. IX.

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CAPÍTULO I

DA PESSOA JURÍDICA

A necessidade do ser humano agrupar-se para a consecução de seus

objetivos é fenômeno que se observa ao longo da história, perceptível nos

mais simples e primitivos núcleos, a exemplo da família, até os mais complexos

como os conglomerados empresariais.

O processo de desenvolvimento econômico, configurando um novo

panorama econômico–social, pressionou o Direito a legitimar a figura da

pessoa jurídica como resposta ao anseio social, conferindo, por via de

conseqüência, personalidade jurídica a esta forma de associativismo,

viabilizando a sua atuação autônoma e funcional ao alcance de suas

aspirações.

Desta forma, conclui-se que a pessoa jurídica é resultado de um fato

social, como se percebe nas palavras de Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona3,

citando Orlando Gomes: “Surge, assim, a necessidade de personalizar o grupo,

para que possa proceder a uma unidade, participando do comércio jurídico, com

individualidade”. Com efeito, a pessoa jurídica pode ser compreendida como

espécie do gênero sujeito de direitos, desfrutando da aptidão genérica para

titularizar relações jurídicas, de forma semelhante às pessoas físicas, podendo

atuar no comércio e na sociedade, estando o seu surgimento disciplinado pela

ordem jurídica. Nesta linha de raciocínio, os autores citados anteriormente

conceituam a pessoa jurídica como sendo o grupo humano, criado na forma da

lei, e dotado de personalidade jurídica própria, para a realização de fins

comuns4.

A impossibilidade dos entes singulares realizarem individualmente

determinado objetivo, impôs a combinação dos seus esforços na reunião de

3 GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. Parte Geral. Vol. I; 4. Ed., São Paulo: Ed. Saraiva, 2004, pg. 190.4 Op. cit. pg 191.

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recursos de natureza pessoal e material, com o fito maior de formar um ente

coletivo dotado das condições necessárias à consecução das finalidades dos

seus integrantes, antes obstaculizadas.

Os entes coletivos são caracterizados na visão do supracitado autor: a)

por sua capacidade de direito e de fato; b) pela existência de uma estrutura

organizativa artificial; c) pelos objetivos comuns de seus membros; d) por um

patrimônio próprio e independente do de sus membros; e, e) pela publicidade

de sua constituição, isto é, mediante o registro dos seus atos constitutivos nas

repartições competentes. As pessoas jurídicas podem revestir-se de diversas

formas, classificando-se, inicialmente, em dois distintos ramos: público e

privado. No que concerne à primeira vertente, é compreendida pela União,

Estados, Municípios, Territórios, Distrito Federal, autarquias e demais

entidades de caráter público criadas por lei. Relativamente à segunda, o Novo

Código Civil classifica os entes coletivos em associações, sociedades,

fundações, partidos políticos e organizações religiosas. A discussão que se

pretende travar na presente monografia exige o domínio de apenas uma das

espécies acima elencadas, qual seja, as sociedades empresárias, definida por

Fábio Ulhoa Coelho5 pela união de esforços para a realização de fins comuns

de natureza econômica. Acrescenta este autor que a sociedade empresária

explora a empresa, ou seja, desenvolve atividade econômica de produção ou

circulação de bens ou serviços, normalmente sob a forma de sociedade

limitada ou anônima6.

Em que pese as calorosas discussões doutrinarias acerca da natureza

jurídica das pessoas coletivas, não cabe nesta monografia tecer aprofundadas

considerações sobre este embate, pautada nas diversas teorias elaboras, as

quais procuram explicar o instituto, merecendo, aqui, apenas expressar a

nossa opinião favorável à teoria da realidade técnica, a qual entende ser a

personalidade dos entes coletivos criação da técnica jurídica, sendo o modo

pelo qual o Direito reconhece a existência dos agrupamentos de pessoas,

baseado na necessidade social, isto é, fruto da evolução ou anseios da

5 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial, Vol 2; 7. ed., São Paulo: Editora Saraiva, 2004, p. 5.6 Op. cit., p. 5.

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atividade social. Acrescenta Elizabeth Cristina Freitas que tal corrente procura

demonstrar a verdadeira essência da pessoa jurídica, afirmando o seu caráter

eclético, uma vez que recolheu tudo o que havia de positivo nas demais

teorias7.

A pessoa jurídica não deve ser confundida com as pessoas físicas que

a compõem. Uma sociedade empresária possui personalidade jurídica diversa

da de seus sócios. O nascimento de uma personalidade jurídica é a principal

conseqüência da formação de sociedade. O contrato tem o condão de gerar a

sociedade e a pessoa jurídica, e é inerente àquela8.

As sociedades, como pessoas jurídicas, são entidades que têm vida,

nome, obrigações, domicílio, representação judicial, nacionalidade, capacidade

contratual e patrimônio. Podem ser de direito público externo (e.g., outras

nações) ou interno (e.g., a União e as Unidades Federativas), ou ainda de

direito privado (em sua grande maioria, sociedades mercantis).

As pessoas jurídicas têm capacidade apara agir na defesa de seus

fins, dependendo das pessoas naturais, que, como seus órgãos, manifestam

sua vontade. O patrimônio da sociedade é distinto do patrimônio dos sócios. A

personalidade jurídica implica em três elementos básicos: a capacidade de

atuar na ordem jurídica, e a capacidade judiciária passiva e ativa.

Devemos ressaltar a diferença entre pessoa jurídica (empresário) do

estabelecimento. “O empresário é o titular da empresa, e o estabelecimento é

o conjunto de elementos corpóreos e incorpóreos sobre os quais a empresa se

assenta”9. A teoria dos círculos concêntricos bem distingue os conceitos: o

estabelecimento é circunscrito pela empresa e esta pelo empresário (pessoa

jurídica ou não, depende do tipo de sociedade). O conjunto central tem como

elementos os bens corpóreos ou não. A empresa é a organização do laboro e

da disciplina da atividade objetivando a produção de riqueza e de colocar o

seu produto em circulação mercantil. Tudo isso, contudo, subordinado aos

ensejos da pessoa jurídica ou natural.

7 Elizabeth Cristina C. Martins de Freitas. Desconsideração da Personalidade Jurídica. São Paulo: Atlas, 2002, pg. 40.8 KOURY, Suzy Elizabeth Cavalcante. A desconsideração da personalidade jurídica (disregard doctrine) e os grupos de empresas. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 95-96.9 idem, p. 101.

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A pessoa jurídica exerce uma função legítima, não sendo considerado

como abuso a limitação de responsabilidade que propicia. Contudo, sua

autonomia em relação às pessoas dos sócios é relativa, pois indiretamente,

seu patrimônio a eles pertence, e sua vontade é, pela vontade deles,

fortemente guiada.

Há situações em que o uso da personalidade jurídica é contrário aos

fins para o qual foi destinado. Quando o reconhecimento da autonomia levar à

negação de ideais de justiça ou à frustração de valores por ela abrigados,

temos então o desvio de função, ocorrendo incompatibilidade entre o

comportamento da pessoa jurídica e os valores que informam a ordem jurídica,

ferindo garantias juridicamente tuteladas.

A desconsideração da personalidade jurídica, que adiante

estudaremos, é o instituto perfeitamente adequado à construção teórica acima

mencionada. Visa tal instituto à suplantação da barreira legal imposta pela

instituição da pessoa jurídica, contornando-a de forma a manter íntegros os

valores que inspiraram sua criação.

Na aplicação da desconsideração da pessoa jurídica, se visará tanto à

proteção da própria pessoa jurídica da ação de seus sócios gerentes, quanto à

proteção dos demais sócios, terceiros que com ela se relacionem ou que de

qualquer forma sofram os efeitos de sua atividade. A desconsideração destina-

se ao aperfeiçoamento do próprio instituto da personalização, pois determina a

ineficácia episódica de seu ato constitutivo, preservando a validade e existência

de todos os demais atos que não se relacionam com o desvio de finalidade, e

nisto protegendo a própria existência da pessoa jurídica. A teoria ou doutrina

da desconsideração assegura a finalidade da pessoa jurídica ao tempo em que

protege os demais, dos prejuízos decorrentes da utilização desvirtuadora de

seus fins.

Diz-se do “afastamento” da personalidade jurídica de uma sociedade

(basicamente, privada e mercantil) para buscar corrigir atos que atinjam-na,

comumente em decorrência de manobras fraudulentas de um de seus sócios.

Não se trata, necessariamente, de suprimir, extinguir ou anular a sociedade

desconsiderada. Caracteriza-se, na verdade, uma etapa efêmera ou casuística

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durante a qual a pessoa física do sócio pode ser alcançada, como se a pessoa

jurídica não estivesse existindo.

Destarte, podemos dizer que o instituto visa, para a prática de certos

atos, a obtenção de um regime jurídico distinto do preconizado no direito

posto. Trata-se de aplicar em casos concretos um raciocínio que afasta as vias

tradicionais do sistema positivo do direito, para que não se inverta a sua escala

de valores. Cabe falar da desconsideração quando não haja uma solução

legislada específica para os eventuais desvios de função da pessoa jurídica.

Porém, a grande dificuldade está em construir um molde doutrinário que

permita concentrar, numa ampla formulação, as diversas situações em que

essa técnica possa ou deva ser aplicada. Nos setores onde vigora a soberania

legal, na área tributária, ilustrando um exemplo, não há lugar para a

desconsideração. Ainda nos demais setores, onde couber, a solução

jurisprudencial da desconsideração deverá buscar suporte, senão na letra da

lei, ao menos nos princípios que a regem, respeitando um vislumbre

teleológico e sistemático do Direito. Assim sendo, podemos sintetizar

enumerando os quatro elementos que compõem a desconsideração da pessoa

jurídica: (i) ignorância dos efeitos da personificação; (ii) ignorância para o caso

concreto e período determinado; (iii) manutenção da validade dos demais atos

jurídicos praticados e, por fim, (iv) intenção de evitar o desaparecimento do

interesse legítimo.

Desconsideração não é sinônimo de e tampouco leva à nulidade dos

atos que propiciaram a atuação judicial. Os atos praticados não são anulados;

apenas outras medidas são tomadas para corrigir e compensar as

conseqüências do ato praticado.

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CAPÍTULO II

DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO DIREITO

COMERCIAL

O direito comercial brasileiro, cujo diploma legal, o Código Comercial, é

datado de 1850, foi vacilante no reconhecimento da personalidade jurídica das

sociedades comerciais. Certos artigos chegam mesmo a ser contrários a esta idéia,

como o art. 315, que dispõe que “existe sociedade em nome coletivo, ou com firma,

quando duas ou mais pessoas, ainda que algumas não sejam comerciantes, se unem

para comerciar em comum, debaixo de uma firma social”. Entretanto, a Lei nº 1.102, de

21 de novembro de 1903, em seu artigo 1º instituiu que “as pessoas naturais ou

jurídicas, aptas para o exercício do comércio, que pretenderem estabelecer empresas

de armazéns gerais, tendo por fim a guarda e conservação de mercadorias e a

emissão de títulos especiais, que as representem, deverão declarar à Junta Comercial

do respectivo distrito...”, dando ponto final em qualquer controvérsia. Este

entendimento foi corroborado logo em seguida pelo Código Civil de 1917, em seu art.

16, não dando margem a dúvidas nos dias atuais. Este artigo do Código Civil

corroborou o entendimento da doutrina minimalista, defendida por Clóvis BEVILÁQUA,

que, conforme ensinamento de Genacéia da Silva ALBERTON,

“...considerava pessoas jurídicas todas as sociedades

civis ou comerciais, enquanto a corrente maximalista fazia

uma distinção entre as corporações e sociedades em

sentido para negar a personalidade jurídica às sociedades

civis, sociedades em nome coletivo e sociedades em

comandita simples, reconhecendo-as nas corporações,

entre elas, as associações e sociedades anônimas.”10

10 ALBERTON, Genacéia da Silva. A desconsideração da pessoa jurídica no código do consumidor: aspectos processuais. Revista da Associação dos Juizes do Rio Grande do Sul. Porto Alegre. Rio Grande do Sul, nº 54, março de 1992, p. 146.

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Desta forma, é perceptível que uma pessoa jurídica possua, a partir de

sua personificação, uma série de prerrogativas que decorrem diretamente

deste fato. Ora, como bem pondera Fran MARTINS: “A partir deste momento, a

sociedade separa-se de seus sócios, passando a constituir uma pessoa capaz

de, em seu próprio nome, exercer direitos e assumir obrigações”.11

Este autor ainda aponta que um patrimônio próprio, um nome social,

um domicílio e uma nacionalidade são conseqüências resultantes da

personalidade das sociedades. É, com efeito, um dos elementos primordiais

para o estudo da teoria da desconsideração da pessoa jurídica, o fato desta

possuir um patrimônio próprio, fato este que será novamente abordado no

momento oportuno.

De momento, é importante saber que a Pessoa Jurídica passa a existir

definitivamente no mundo do direito como sujeito de direitos e obrigações, e

nele irá atuar utilizando-se da capacidade que o direito lhe conferiu.

11 MARTINS, Fran. Curso de direito comercial. 22. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 212.

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CAPÍTULO III

A PERSONALIDADE JURÍDICA ATRAVÉS DA HISTÓRIA

A Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica ganhou seus

atuais contornos graças ao clássico caso ocorrido na Inglaterra que ficou

conhecido como Salomon vs. Salomon & Co, julgado no ano de 1898.

As particularidades de tal caso ficam bem ilustradas na obra da

Professora Rachel SZTAJN, abaixo transcrita:

Salomon era um comerciante de couro que constituiu uma

sociedade por ações, que no sistema inglês deveria ser

composta por sete pessoas. Salomon, a mulher e os filhos

perfaziam esse número, mas a distribuição das ações foi

a seguinte: uma ação para a mulher e cada um dos cinco

filhos e cerca de 20.000 ações para ele, Salomon. A

seguir, Salomon transferiu seus negócios para a

sociedade, incluindo aí os estoques e carteira de clientes.

Mais adiante concedeu empréstimo à sociedade, obtendo

garantia (debênture com garantia flutuante). Quando a

sociedade se tornou insolvente, Salomon exerceu seu

direito de debenturista contra a companhia, com o que

deixariam de ser pagos os demais credores. Em primeira

instância o Juiz entendeu que a sociedade se confundia

com Salomon e que dessa forma seu crédito não deveria

ser privilegiado. A sentença foi reformada pelo Tribunal

(Casa dos Lordes) sob o argumento de que as

formalidades legais de constituição da sociedade haviam

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sido observadas e que Salomon e a companhia eram

pessoas distintas.12

O resultado obtido em primeira instância foi decisivo para que

houvesse uma repercussão nos Estados Unidos e nos demais países

Europeus. A partir desta decisão, inúmeros estudiosos passaram a atentar

para a nova doutrina que surgia. Na Alemanha, Rolf SERICK foi o primeiro a

criar parâmetros para a teoria da desconsideração da personalidade jurídica.

Na Itália, Piero VERRUCOLI, através de sua monografia “Il Superamento della

Personalità Giuridica delle Società di capitali nella Common Law e nella Civil

Law” destacou-se no estudo deste assunto.

Concomitantemente, fatos semelhantes passaram a ocupar espaço

nos Tribunais de países como a Inglaterra e Estados Unidos, como o caso

Daimler, na Inglaterra; assim como os casos Bank of the United States vs.

Deveneaux (1809), United States vs. Lehigh Valley Rail Road Co (1916) só

para citar alguns exemplos nos Estados Unidos.

Desta forma, estava criado o panorama ideal para o surgimento

da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, o que se

concretizou não somente nos dois países supracitados, mas em vários

países da Europa.

Nos Estados Unidos, tal teoria passou a utilizar-se do termo lifting the

veil, ou em português, levantar o véu. Tal terminologia deve-se a uma analogia

criada para exprimir a retirada do manto da pessoa jurídica pelo qual o sócio

ficaria acobertado de uma eventual responsabilidade.

Outros termos utilizados pela doutrina foram o disregard of legal entity,

nos países anglo - saxônicos (que significa aproximadamente desconsideração

da personalidade jurídica no Brasil) e o Durchgriff (que por sua vez significa a

“penetração” na pessoa jurídica) na Alemanha.

Esta teoria, que a princípio recebeu a denominação de teoria da

penetração, tinha por escopo a inserção no cerne da pessoa jurídica, para

12 SZTAJN, Rachel. Desconsideração da personalidade jurídica. Revista de direito do consumidor, nº 2 São Paulo, junho/

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que, desconsiderando-a ou superando-a, vinculasse o sócio à

responsabilidade contraída em nome da empresa, conforme Simone Gomes

RODRIGUES13. Dessa forma, a sociedade não mais serviria de proteção às

pessoas que agiam de má-fé, prejudicando terceiros com a certeza de que não

responderiam pelos eventuais prejuízos que causassem.

No Brasil, o pioneiro do estudo da teoria foi Rubens REQUIÃO, que

teceu as primeiras considerações a respeito em sua obra “Aspectos Modernos

do Direito Comercial” (Ed. Saraiva, 1977, p. 67 e segs.). Esta foi uma tendência

que os Tribunais brasileiros trataram de incorporar antes mesmo da legislação,

o que ocorreu somente com a promulgação do Código de Defesa do

Consumidor (Lei. n.º 8.078/90, art. 28), que será o objeto de estudo da

presente monografia.

3.1 ASPECTOS DOUTRINÁRIOS

3.1.1 Aspectos Gerais na Doutrina e Legislação Estrangeiras

Embora seja o berço da doutrina, a Inglaterra é escassa em casos

envolvendo a Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica. É de se

auferir, segundo lição de Lamartine CORRÊA que “só excepcionalmente é a

pessoa jurídica ‘desconsiderada’ pelas cortes inglesas, sem que as decisões

possam ser reduzidas a algo que pudesse ser considerado como um

denominador comum”.14

Os Estados Unidos, por sua vez, tem como peculiaridade sedimentar o

seu direito baseado nas decisões de seus tribunais. Esta é a características da

common law, onde a norma não é escrita, e assim prescinde da minúcia e da

existência do diploma legal para que haja eficácia da norma, o que ocorre no

direito anglo-saxão.

agosto de 1992, p. 67.13 RODRIGUES, Simone Gomes. Desconsideração da personalidade jurídica no código de defesa do consumidor. Revista de direito do consumidor, nº 11 São Paulo, julho/ setembro de 1994, p. 07.14 OLIVEIRA, José Lamartine Corrêa. A dupla crise da pessoa jurídica. São Paulo, Saraiva, 1979. p. 462.

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21

Desta forma, foi mais fácil a aceitação da disregard doctrine, sua

aplicação e desenvolvimento nesse país. A sua utilização, pelo que se infere

dos casos tratados pelos tribunais, se dá basicamente na ocorrência de quatro

situações, quais sejam: nas fraudes cometidas contra a lei, o contrato e os

credores e nos casos de utilização de sociedades coligadas ou dependentes

para fins ilícitos ou para cobrança de obrigações não suportáveis por uma ou

outra.

A Alemanha foi afetada diretamente pela nova doutrina, bem como

toda a Europa continental. Nesse país, diversas teorias coexistiram, as quais,

segundo Lamartine CORRÊA, podem ser agrupadas em três grandes grupos.

São as teorias subjetivistas, aquelas que consideram a pessoa jurídica um

mero símbolo - fruto da denominada jurisprudência de interesses -, e

finalmente aquela que enfoca a pessoa jurídica por um ângulo institucional.

A primeira, cujo grande expoente foi Rolf SERICK, desconsidera as

diversas espécies de pessoas jurídicas, bem como as particularidades que

regem a cada uma. Por isso, independentemente da forma que se constitui a

pessoa jurídica (sociedades unipessoais, ou pluripessoais, por exemplo), o juiz

poderá desconhecer a personalidade jurídica. Para tanto, o fator

preponderante para a utilização do instituto é tão somente o elemento

subjetivo, tendo o abuso de direito especial relevância na explanação do jurista

alemão.

O segundo grupo, entre os quais são adeptos Müller – FREIENFELS e

Martin WOLFF, consideram a pessoa jurídica como mero símbolo pelo qual

uma série de relações jurídicas havidas entre as partes se materializam. Nas

palavras de Lamartine CORRÊA: “... a pessoa jurídica é um mero símbolo,

abreviação construtiva para relações jurídicas complexas”.15 Dessa forma está

o magistrado autorizado a distinguir a pessoa jurídica de seus componentes e

as pessoa jurídicas entre si. É por este motivo que os partidários desta teoria

defendem a unidade de imputação, bem como o interesse dos credores e o

equilíbrio a se assegurar nos casos de vários credores.

15 OLIVEIRA, José Lamartine Corrêa. Op. cit. p. 295.

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22

A terceira teoria se coloca entre ambas as anteriores. Por um lado,

reconhece o valor próprio da pessoa jurídica, e, por via de conseqüência, a

separação entre a pessoa jurídica e seus membros. Por outro lado, relativiza

tal consideração em detrimento de princípios jurídicos superiores, não escritos,

e que por si mesmos são capazes de subordinar a pessoa jurídica a esta

“relatividade”; se esta servir para promover atos que configurem “abuso do

instituto”. Estes atos são, todavia, determináveis por critérios objetivos. Os

defensores maiores desta teoria são REINHARDT, ERLINGHAGEN, KUHN e

KALBE, apoiados pela fórmula jurisprudencial acolhida pelo BGH.

Já na França, tal instituto se desenvolveu através da denominada

jurisprudência du contrôle, que deu origem ao artigo 101 da Lei de 13 de julho

de 1967, que é um arauto da teoria nas terras gaulesas, e que permite seja

atingido o patrimônio pessoal do dirigente ou sócio, nos casos de falência ou

concordata, quando a pessoa jurídica que serviu de proteção para atos de

comércio de interesse particular, houver disposição de bens sociais como

particulares, ou praticado atividade deficitária de maneira consciente visando o

não pagamento de credores.

A aplicação da jurisprudência e legislação são constantes, de modo

que este país é rico em casos onde foi levada a cabo a distinção da pessoa

jurídica da pessoa do particular que a utilizava, em casos, frise-se, de falência

ou concordata. O fundamento para tal aplicação não é atingir o sócio pelos

efeitos da falência, mas a este quando utiliza da sociedade em proveito

próprio.

Outro dispositivo legal utilizado para alcançar este mesmo fim está

contido no artigo 99 desta mesma Lei de 1967. Tal dispositivo estabelece

presunção de culpa juris tantum em relação ao dirigente nos casos de

insuficiência do ativo da sociedade falida ou em concordata, admitindo a

ressalva quando o dirigente foi diligente o necessário para eximir-se da culpa.

Entretanto, contempla-se na França não só as sociedades falidas ou

em concordata, mas também àquelas que não vivem esta situação. Nestes

casos, aplicam-se as técnicas ditas clássicas e outras menos ortodoxas. As

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23

técnicas clássicas são divididas em três categorias jurídicas, denominadas:

simulação, aparência e interposição de pessoas.

A primeira ocorre quando as contribuições patrimoniais para formação

do capital social são fictícias, tendo por objetivo fraudar a lei ou credores. A

segunda serve para ressalvar aos credores sociais de boa-fé, que agem

convictos da existência da sociedade, que ao contrário do que pensam, é a

“máscara” que um dos sócios se utiliza em proveito próprio. A terceira, por sua

vez, são os casos de utilização dos denominados testas-de-ferro, ou de

sociedades distintas onde uma servia de abrigo ou de instrumento do sócio.

Por outro lado, a jurisprudência francesa já decidiu de forma a

estender efeitos jurídicos a pessoas jurídicas que normalmente seriam

imputáveis a outra, que levaram em conta as pessoas de seus controladores

ou ainda onde duas pessoas jurídicas foram consideradas idênticas. Afinal,

cabe salientar que a vivência jurídica francesa em muito tem a contribuir com o

instituto objeto do presente estudo.

Não cabe, contudo, estender-se por demais na doutrina aplicada por

cada país a respeito da teoria, mas fazer um apanhado geral dos principais

aspectos com que os diversos países se detém para a elaboração, dentro do

ordenamento jurídico de cada nação, da norma que contenha a teoria da

desconsideração da personalidade jurídica.

Portanto, a doutrina geral acerca do tema se assenta em alguns

princípios que servem como autorizadores da aplicação da desconsideração da

pessoa jurídica, que, agrupados de forma genérica, podem ser considerados

da seguinte forma, segundo J. A. Penalva SANTOS16:

a) ingresso fraudulento de bens ou direitos de terceiros

para posterior desfalque de patrimônio em detrimento

dos credores;

b) mistura de bens ou contas entre controlador e

participantes da sociedade e a própria sociedade,

16 GUSMÃO, Paulo Dourado de (org.); GLANZ, Semy (org.). O direito na década de 1990: novos aspectos: estudos em homenagem ao professor Arnoldo Wald. São Paulo: Revista dos tribunais, 1990. p.66-68.

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duplo controle ou dupla propriedade de ações ou

quotas ou distribuição fictícia de lucros;

c) negócios pessoais praticados pelos sócio ou

administrador como se fora pela sociedade;

d) confusão de patrimônios entre o sócio e a sociedade;

e) estabelecimento de uma comunicação entre bens dos

sócios e os da sociedade, ou entre sociedades;

f) quando a sociedade é o alter ego do sócio;

g) desvio de finalidade do fim social para a prática de

atos ilícitos;

h) subcapitalização evidente, no intuito de excluir a

responsabilidade pelas dívidas da sociedade.

Cabe lembrar que estes princípios são a soma das conclusões

alcançadas por vários doutrinadores, bem como de legislações que atentaram

para o tema, os quais foram enumerados como os principais. Entretanto, como

o próprio autor ressaltou, que existem divergências entre estes estudiosos

quanto a aplicação de determinados princípios, seja por sua extensão, seja

mesmo por sua validade. Portanto, tal enumeração tem o escopo de servir

exemplificativamente as diretrizes básicas para a aplicação da desestimação

da pessoa jurídica, não tendo este princípios valor científico se considerados

da forma como expostos acima.

É de se atentar que, entre as teorias consideradas afins, e que figuram

entre as mais prestigiadas, estão a da fraude à lei, abuso de direito, da

instrumentalidade, a teoria ultra vires e a teoria dos atos próprios e da

aparência. As duas primeiras teorias, aplicáveis no direito brasileiro serão

objeto de análise futura, bastando ater-se sobre as três últimas hipóteses

doutrinárias esposadas.

A teoria da instrumentalidade diz respeito ao uso da sociedade pelo

único acionista, pelo grupo de controle ou uma parent, como se fosse uma

coisa própria. É exatamente a mistura de relações pessoais com os negócios

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da empresa que caracterizam a teoria ora citada. Sabe-se que este tipo de

conduta tem por escopo o descaminho de bens com o intuito de acobertar-se,

através da figura societária, das investidas de credores lesados em seus

direitos.

A teoria ultra vires, por sua vez, tem origem anglo-saxônica e prende-

se à idéia de respeito, por parte dos sócios, das cláusulas que definem o

objeto social de uma empresa. Tido como um limite de atuação da sociedade,

o contrato social seria o parâmetro para auferir se determinada conduta

praticada por sócio seria ou não lesiva aos credores ou demais membros da

sociedade. Se constatada eventual violação do objeto social, estaria presente a

hipótese que permitiria considerar nulos os atos praticados ultra vires.

O tempo tratou de atenuar a concepção de que qualquer ato que

exorbitasse ao objeto social seria plausível de anulação, de modo que aquelas

condutas que fossem vantajosas à empresa estariam acobertadas de validade.

A professora Genacéia da Silva ALBERTON, por outro lado, faz crítica bem

posta a este entendimento, exarada nos seguintes termos:

Sem adentrarmos em considerações a respeito de

variantes da teoria, por serem impertinentes ao propósito

do presente trabalho, devemos considerar, de forma

ampla, que a atuação ultra vires da sociedade consiste na

observação da atribuição da personalidade jurídica, de

acordo com a atividade para qual foi constituída, e o

próprio ordenamento reconheceu titularidade de direitos e

obrigações. Em conseqüência, o ato praticado ultra vires

está impregnado de vício por ser um ato estranho ao

objeto social, fora da capacidade da sociedade, dos

poderes de representação dos administradores.17

17 ALBERTON, Genacéia da Silva. Op. cit. p. 163

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No Brasil, o artigo 302, parágrafo 4º do Código Comercial prevê a

necessidade de no contrato haver expressamente a designação do objeto

social como requisito de existência da sociedade. Em sendo ultrapassados

estes limites pré-estabelecidos, caracteriza-se o ato ultra vires.

A teoria dos atos próprios, da qual se aproxima a teoria da aparência aplicada

a terceiros de boa-fé, garante a titularidade do direito mesmo que formalmente

careçam do mesmo. Isto porque o que se está garantindo é a aparência, mesmo que

fruto de uma situação enganosa. De resultado, tem-se que estará protegido aquele

que confiou na situação enganosa, mesmo nos casos em que esta tenha sido levada

a cabo sem o propósito de seu agente. Tal teoria visa tutelar principalmente interesses

sociais e atingir a um ideal de justiça.

3.1.2 Aspectos Gerais na Doutrina e Legislação Brasileiras

Fábio Ulho COELHO asseverou que Pontes de MIRANDA atribuiu

ao “capitalismo cego”, ao “internacionalismo voraz e a metafísica da

extrema esquerda” o que considerou de o “desprezo das formas de

direito das pessoas jurídicas”.18 Este ataque direto à teoria da

desconsideração da pessoa jurídica recebeu severas críticas de

doutrinadores como Fábio Konder COMPARATO e Fábio Ulhôa

COELHO, que viam na doutrina uma evolução no conceito de pessoa

jurídica, que traria, ao certo, novas indagações a respeito de sua

natureza jurídica, início da personalização, conteúdo e conceito da

mesma.

Contudo, o primeiro grande mestre e o principal divulgador da doutrina

no país, como já frisado em oportunidade anterior, foi Rubens REQUIÃO, que

pela primeira vez abordou o tema em conferência na Faculdade de Direito do

Paraná em 1967. Segundo a sua concepção, a nova doutrina era

perfeitamente enquadrável no direito brasileiro para, em havendo uma

“ineficácia especial da personalidade jurídica”, haja condições de

“desconsiderar, no caso concreto, dentro de seus limites, a pessoa jurídica...”.

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Tal ensinamento resulta de uma realidade que foi bem captada pelo jurista,

transmitida da seguinte forma: “Ora, diante do abuso de direito e da fraude no

uso da personalidade jurídica, o Juiz brasileiro, tem o direito de indagar, em

seu livre convencimento, se há de consagrar a fraude ou o abuso de direito, ou

se deva desprezar a personalidade jurídica, para penetrando em seu âmago,

alcançar as pessoas e bens que dentro dela se escondem para fins ilícitos ou

abusivos”19.

O caminho percorrido por Rubens REQUIÃO para chegar às

conclusões acima passam pelas considerações a respeito da personalidade

jurídica e do poder do Estado. Segundo a sua lição, o Estado é quem cria a

pessoa jurídica, através de uma concessão. Por este motivo, o Estado estaria

livre para verificar se seu uso está sendo feito com adequação. Portanto,

passando a pessoa jurídica a ter o caráter de um direito relativo, o Juiz

passaria a ter o poder de ingressar em seu âmago para coibir atos que vão de

encontro com o ordenamento jurídico.

Outro jurista de renome, Fábio Konder COMPARATO, adentrando no

conceito de personalização jurídica, defende que seu efeito primordial é, de

fato, a separação de patrimônios entre sócio ou sócios e a pessoa jurídica de

qual fazem parte. Este efeito, contudo, não se traduz quando da ausência de

pressuposto formal, desaparecimento do objeto social (ou objetivo social) ou

nos casos de confusão do objeto (ou objetivo) social com atividades ou

interesses individuais.

Formula, outrossim, um conceito objetivo da teoria da desconsideração

da personalidade jurídica, que nas palavras de Fábio Ulhoa COELHO “...tem o

mérito de vir embutida, por assim dizer, no próprio conceito de pessoa

jurídica.”20.

Esta formulação é dividida quando relacionados a negócios “interna

corporis” ou “externa corporis”, referindo-se ao desvio de poder e a fraude à lei

18 Apud COELHO, Fábio Ulhoa, Desconsideração da personalidade jurídica, São Paulo: Revista dos tribunais, 1989. p. 09-10.19 REQUIÃO, Rubens, Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica, São Paulo: Revista dos tribunais, vol. 410, 1969. p. 12-24.20 COELHO, Fábio Ulhoa, Op. cit. p. 41.

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por um lado e à confusão patrimonial por outro. Ademais, sustenta a utilização

da teoria da desconsideração em favor do controlador ou da própria sociedade,

tomando como base a súmula 486 do Supremo Tribunal Federal21.

Outra monografia de destaque foi escrita pelo professor Fábio

Ulhoa COELHO, onde primeiramente aborda os casos onde se utiliza da

fraude e do abuso de direito através da pessoa jurídica com vistas a se

privilegiar da separação patrimonial conferida pelo direito para eximir-se

da responsabilidade. No segundo capítulo, expõe sucintamente a

contribuição dos autores estrangeiros e nacionais para a formulação da

teoria, apontando as particularidades de cada um no desenvolvimento

de seus trabalhos.

No terceiro capítulo, que atende pelo título de “Desenvolvimento da

Teoria da Desconsideração”, aborda a gradual aceitação de doutrina e

jurisprudência a respeito do tema, fazendo ressalva, contudo, à legislação, que

não abraçou a teoria em sua forma mais pura. Em seguida, trata do elemento

subjetivo na teoria da desconsideração, onde remonta aos conceitos de fraude

e abuso de direito para depois adequá-los às necessidades da teoria da

desconsideração da pessoa jurídica.

Quanto a fraude, que, em momento oportuno, será tratada com maior

afinco, inclusive para distinguir o ato in fraudem legis das violações indiretas à

lei, o autor a define como sendo “o artifício maliciosos para prejudicar

terceiro”22.

O abuso de direito, por sua vez, é aceito, para fins da teoria da

desconsideração da pessoa jurídica, em sua modalidade subjetiva, qual seja,

onde há a intenção de causar o prejuízo ou pelo menos a consciência de que

o exercício do direito não irá gerar qualquer benefício a seu titular, mas

certamente causará prejuízo a terceiros. Tal modalidade foi a eleita por se

adequar à concepção subjetivista da teoria da desconsideração, onde a

intenção é fator predominante para sua caracterização.

21 Súmula 486: Admite-se a retomada para sociedade da qual o locador, ou seu cônjuge, seja sócio, com participação predominante no capital social.22 COELHO, Fábio Ulhoa, Op. cit. p. 57.

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Após estas considerações, o autor faz digressões a respeito da

natureza da pessoa jurídica, que vão de encontro com a teoria pacificada a

respeito do tema, já adotada nesta monografia como sendo a da realidade

técnica, e cujas particularidades não encontram campo na presente

monografia. Finalmente cabe salientar a sugestão do autor para a teoria da

desconsideração, apresentada em diversas passagens de sua obra, e que

seria redigida da seguinte forma: “O juiz pode decretar a suspensão episódica

da eficácia do ato constitutivo da pessoa jurídica, se verificar que ela foi

utilizada como instrumento para a realização de fraude ou abuso de direito.”23

Tal entendimento, conforme se demonstrará oportunamente, não parece ser a

mais recomendável, muito embora possa servir de referência no momento.

A legislação brasileira, muito embora tenha adotado expressamente a

denominação “desconsideração da personalidade jurídica” pela primeira vez

através do Código de Defesa do Consumidor, tem diversos exemplos em que a

responsabilidade do sócio é imputada sem que haja a desestimação da

pessoa jurídica. Tal medida serve para coibir abusos e fraudes que se

perpetram sob o manto da pessoa jurídica.

O Decreto-lei 2.627/40 - a antiga Lei das Sociedades Anônimas – já

previa a responsabilidade de seus administradores nos casos de dolo, culpa

ou violação de lei ou dos estatutos da sociedade. A Lei 6.404/ 76- a atual Lei

das Sociedades Anônimas -, seguindo o exemplo da antiga legislação sobre o

assunto, determina a responsabilidade civil do administrador que age com

culpa, dolo ou violação dos estatutos e que ocasiona prejuízo à empresa. Tal

norma está insculpida no artigo 158 da referida lei e em seus dois incisos.

O Direito do Trabalho, outro campo do direito em que as normas têm

forte apelo protecionista, determinou, pelo artigo 2º, § 2º da Consolidação das

Leis do Trabalho, que “sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora,

cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção,

controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou

qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de

emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das

23 COELHO, Fábio Ulhoa, Op. cit. p. 92.

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subordinadas”. Ou seja, os débitos de natureza trabalhistas são de

responsabilidade não somente da empresa para qual o trabalhador labora,

mas de todo conglomerado econômico de qual a respectiva empresa faz parte.

No Direito Tributário, a norma pelo qual as fraudes praticadas pelos

administradores de empresas respondem está inscrita no artigo 135 do Código

Tributário Nacional. Este artigo contempla os casos em que são

“...pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações

tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração

de lei, contrato social ou estatutos. Além disto, tratou de enumerar aqueles

que o artigo nominou como “pessoalmente responsáveis” através de seus

incisos.

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CAPÍTULO IV

DA TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA

PERSONALIDADE JURÍDICA NO CÓDIGO DE DEFESA

DO CONSUMIDOR

4.1 INTRODUÇÃO AO ARTIGO 28 DO CDC

Conforme já frisado, a teoria da desconsideração da personalidade

jurídica foi abraçada pela legislação pátria através do artigo 28 da Lei 8.078 de

11 de setembro de 1990. Em se tratando de legislação relativamente nova, os

juristas pátrios ainda não conseguiram esgotar o assunto da maneira mais

adequada. É por este motivo que as regras atinentes a este instituto e que

foram exploradas no decorrer desta monografia são em grande parte extraídas

do direito comercial. Entretanto, é hora de adequar o conhecimento adquirido

através das regras comercialistas à realidade do direito do consumidor.

O artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor ganhou a seguinte

redação:

Art. 28- O juiz poderá desconsiderar a personalidade

jurídica da sociedade quando, em detrimento do

consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder,

infração de lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos

ou contrato social. A desconsideração também será

efetivada quando houver falência, estado de insolvência,

encerramento ou inatividade da pessoa jurídica

provocados por má administração.

§1º (vetado)- A pedido da parte interessada, o juiz

determinará que a efetivação da responsabilidade da

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pessoa jurídica recaia sobre o acionista controlador, o

sócio majoritário, os sócios-gerentes, os administradores

societários e, no caso de grupo societário, as sociedades

que a integram.

§2º- As sociedades integrantes dos grupos societários e

as sociedades controladas são subsidiariamente

responsáveis pelas obrigações decorrentes deste Código.

§3º- As sociedades consorciadas são solidariamente

responsáveis pelas obrigações decorrentes deste Código.

§4º- As sociedades coligadas só responderão por culpa.

§5º- Também poderá ser desconsiderada a pessoa

jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma

forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados

aos consumidores.”

Segundo os autores do anteprojeto do Código, a finalidade da criação

do artigo foi a de desfazer o mito de que a pessoa jurídica é inatingível, (o que

atualmente se agravara pela personificação das sociedades unipessoais) nos

casos onde a figura jurídica era usada com fins fraudulentos ou de abuso das

formas jurídicas. Ademais, pretendeu o legislador alcançar o maior número de

hipóteses materiais de incidência de aplicação da norma, as quais poderiam

ensejar prejuízo ao consumidor. Tal argumento se justifica, na concepção dos

autores do anteprojeto, no fato de que o “...dispositivo protege amplamente o

consumidor, assegurando-lhe livre acesso aos bens patrimoniais dos

administradores sempre que o direito subjetivo de crédito resultar de quaisquer

das práticas abusivas elencadas no dispositivo”24.

Neste diapasão, pode-se identificar três grupos de hipóteses

ensejadoras da desconsideração da personalidade jurídica no Código de

Defesa do Consumidor, segundo proposta apresentada por Luciano AMARO.

24 GRINOVER, Ada Pellegrini; VASCONCELLOS E BENJAMIN, Antonio Herman; FINK, Daniel Roberto; e outros. Op. cit. p. 194.

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O primeiro é aplicado nos casos que “em detrimento do consumidor, houver

abuso de direito, excesso de poder, infração de lei, fato ou ato ilícito ou

violação dos estatutos ou contrato social”. O segundo grupo se reporta aos

casos de “falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da

pessoa jurídica provocados por má administração”. Finalmente, o Terceiro

grupo se refere a todas as situações em que a pessoa jurídica representar,

“...de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos

consumidores”.

As primeiras hipóteses elencadas pelo artigo 28 do Código de Defesa

do Consumidor, quais sejam, o abuso de direito, o excesso de poder, a

infração de lei, o fato ou ato ilícito e as violações ao estatuto ou ao contrato

social prescindem de lesão ao consumidor e da incapacidade de ressarcimento

do dano por parte da pessoa jurídica. Nas palavras de Luciano AMARO:

Na 1ª parte, a lesão dos interesses do consumidor é

elemento integrante da hipótese; requer-se que a prática

abusiva ou ilícita seja “em detrimento do consumidor” para

que caiba a desconsideração. Ademais, a

desconsideração há de supor a incapacidade da pessoa

jurídica para reparar o dano. Se trata de empresa com

capacidade financeira para ressarcir o consumidor, não há

razão para aplicar o tratamento (excepcional, e, portanto,

de uso parcimonioso) da desconsideração da pessoa

jurídica.25

O segundo grupo de hipóteses, onde houver falência, estado de

insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica devem ser

acompanhados do elemento “má administração” para a aplicação da teoria da

desconsideração. Entretanto, tal definição mereceu severas críticas da

doutrina, em grande parte fruto da inexatidão da expressão no contexto inserto

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no texto. Primeiramente, questiona-se se somente a empresa má administrada

e que estivesse atravessando uma das condições previstas em lei que poderia

ser alvo da desconsideração. Por outro lado, indaga-se que somente diante da

má administração é que os direitos do consumidor estariam resguardados,

mas não se precisa o conceito de má administração.

No primeiro caso, Luciano AMARO traz uma explanação elucidativa a

respeito do tema, defendendo que

“...não faz sentido que o encerramento de empresa

próspera não enseje a desconsideração (mesmo que sua

prosperidade tenha sido construída mercê de produtos

viciados ou defeituosos) e o encerramento de empresa

que, por má administração , não logrou sobreviver seja

sancionado (sic) com a desconsideração.”26

A segunda crítica, por sua vez, encontra na voz de Simone Gomes

RODRIGUES a mais contundente reserva à redação do artigo, que pode ser

conferida através da seguinte lição:

Outro ponto que merece ser questionado é o caso da

aplicação da desconsideração quando houver falência,

insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa

jurídica provocados por má administração. Quer dizer,

somente diante da má administração os direitos do

consumidor estarão protegidos. Mas como aferir ou definir

a má administração? Nestes tempos de crise o

empresário precisa ser um verdadeiro “atleta” para

enfrentar as diversas medidas econômicas que lhe são

impostas e arcar com uma gama enorme de tributos,

25 AMARO, Luciano. Desconsideração da Pessoa Jurídica no Código de Defesa do Consumidor. Revista de Direito do Consumidor, n.º 5 São Paulo, janeiro/ março de 1993, p. 177.26 AMARO, Luciano. Op. cit. p. 178.

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podendo, assim, chegar a uma situação de desequilíbrio

financeiro. E, neste caso, como ficaria, pois, pode-se falar

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em má administração quando a própria ordem econômica

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- financeira não caminha bem?27

Neste caso, propugna-se pelo bom alvitro do julgador para resolver as

questões de ordem prática e, dessa forma, fazer a justiça.

A terceira hipótese de aplicação da teoria da desconsideração

aventada pelo Código diz respeito à todas as situações em que a

personalidade jurídica for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de

prejuízos causados aos consumidores.

Por hora, é importante consignar o entendimento de Genacéia da Silva

ALBERTON, que dispõe da seguinte forma a sua compreensão do referido

texto legal:

No que se refere ao § 5º do art. 28, é necessário

interpretá-lo com cautela. A mera existência de prejuízo

patrimonial do consumidor não é suficiente para a

desconsideração. O texto deixou o significado em aberto

na medida em que assevera que a pessoa jurídica poderá

também ser desconsiderada quando a sua personalidade

‘de alguma forma’ for obstáculo ao ressarcimento de

prejuízos causados a consumidores. Leia-se, quando a

personalidade jurídica for o óbice ao justo ressarcimento

do consumidor.28

É desta terceira hipótese, contraposta às duas primeiras apresentadas,

que cuidará com maiores minúcias a presente monografia, uma vez que o

entendimento sistemático de ambos levará a conclusões interessantes a

respeito da eficácia do artigo. Para uma melhor delimitação do tema, faz-se

necessário um estudo mais aprofundado das regras contidas no caput e no

parágrafo 5º do artigo mencionado para que as conclusões auferidas tenham a

substância necessária, bem como o estudo ganhe em profundidade e

27 RODRIGUES, Simone Gomes. Op. cit. p. 18.28 ALBERTON, Genacéia da Silva. Op. cit. p. 171.

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qualidade. Desta forma, há de se proceder a um estudo mais detalhado das

normas que serão objeto da presente monografia.

4.2 A INTERPRETAÇÃO DO CAPUT DO ARTIGO 28 DO CDC

Conforme já explicitado anteriormente, o caput do artigo 28 do Código

de Defesa do Consumidor prevê a desconsideração da personalidade jurídica

nos seguintes casos: em que haja – em detrimento do consumidor – abuso de

direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos

estatutos ou contrato social. Também é plausível de desconsideração da

pessoa jurídica quando houver falência, estado de insolvência, encerramento

ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.

Cabe nesta hora penetrar no âmago de cada um dos conceitos

escolhidos pelo legislador para a redação deste artigo para por fim adquirir

uma visão mais cristalina de cada hipótese contemplada pelo legislador.

4.2.1 O Abuso de Direito

É necessária especial atenção ao se tratar do abuso de direito no que

concerne à teoria da desconsideração da pessoa jurídica. Tal motivação advém

do fato que, diversamente das demais hipóteses abraçadas pelo artigo 28, tal

instituto recebeu tratamento diferenciado por parte dos criadores da doutrina

da desconsideração, juntamente com a fraude. Por este motivo, cabe

relembrar os ensinamentos a respeito da teoria do abuso de direito, de

paternidade francesa, e que com propriedade retratou Rubens REQUIÃO para

o desenvolvimento da sua tese a respeito da desconsideração. Segundo os

seus ensinamentos, “...o sujeito não exercitará seus direitos egoisticamente,

mas tendo em vista a função deles, a finalidade social que objetivam. O ato,

embora conforme a lei, se for contrário a essa finalidade, é abusivo e, em

conseqüência, atentatório ao direito.”29 Por outro lado, Caio Mário da Silva

29 REQUIÃO, Rubens, Op. cit. p. 16.

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39

PEREIRA, que, adequando os ensinamentos dos doutrinadores que utilizam

das fontes do direito romano, bem como daqueles que tem como mote o direito

moderno, chegou a um denominador comum a respeito do assunto, que

traduziu da seguinte forma:

Expurgada a teoria de todas as suas nuanças e sutilezas,

resta o princípio, em virtude de qual o sujeito, que tem o

poder de realizar o seu direito, deve ser contido dentro de

uma limitação ética, a qual consiste em coibir todo o

exercício que tenha como finalidade exclusiva causar mal

a outrem, sujeitando, portanto, a reparação civil aquele

que procede desta maneira.30

Delineada a teoria do abuso de direito, segundo a qual o artigo 28 se

debruçou para aplicar a teoria da desconsideração, resta agora adentrar na

concepção que o Código do Consumidor pretendeu imprimir para regular os

casos de incidência. No presente caso vê-se que a concepção de “finalidade

social” a que se reporta Rubens REQUIÃO bem se encaixa no espírito do

artigo, uma vez que a lei 8.078 possui forte apelo protecionista. Tal

ensinamento reflete a condição para o superamento da pessoa jurídica na

medida em que os reclames sociais podem e devem ser colocados acima das

prerrogativas que regem as pessoas jurídicas. Contudo, as palavras de Caio

MÁRIO não desmerecem a vontade do legislador. Isto porque qualquer ato

provocado com o escopo de causar mal a terceiro – no caso particular ao

consumidor – deve ser passível de responsabilização. Desta maneira, o que

não se pode admitir é a inviabilidade de atingir a este objetivo com resguardo

na separação patrimonial da pessoa jurídica e seus sócios.

4.2.2 O Excesso de Poder, Infração de Lei, Fato ou Ato Ilícito e

Violação dos Estatutos ou Contrato Social

30 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op. cit. p. 430.

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As hipóteses acima elencadas causam certa reserva por parte dos

doutrinadores, temerários diante da redação pouco atrelada à teoria da

desconsideração da personalidade jurídica. Segundo entendimento de

Genacéia da Silva ALBERTON, “no que se refere ao excesso de poder,

infração da lei, fato, ato ilícito, violação dos estatutos ou contrato social, não há

desconsideração, pois aquele que excede o que lhe é permitido por lei, age

contra a lei ou, dolosamente, contra o estatuto ou contrato, responde por ato

próprio. Não há por que se fazer referência à desconsideração”.31

O excesso de poder se caracteriza quando o sócio pratica atos em

nome da sociedade os quais são defesos à sua pessoa. Esta prática que

extravasa as prerrogativas do sócio tem como finalidade auferir vantagem

indevida ou ilícita, configurando, por conseqüência lógica, a sua prática com

dolo ou má-fé.

A ocorrência deste tipo de violação, entretanto, já é regulada pela

legislação societária, de modo que já há vozes que se levantem contra a

inserção deste preceito no corpo do artigo 28. Justificam-se, para tanto, que a

lei societária já contempla tais situações, não sendo o caso de

desconsideração da pessoa jurídica, mas de responsabilização pessoal do

sócio.

O artigo 117 da Lei das Sociedades Anônimas, Lei nº 6.404 de 15 de

dezembro de 1976, bem como os artigos 10 e 16 do Decreto 3.708, de 10 de

janeiro de 1919- regulador das Sociedades por Quotas de responsabilidade

Limitada – definem a responsabilidade do acionista controlador, dos sócios –

gerentes e dos demais integrantes da sociedade, respectivamente, pelos atos

praticados no exercício de suas funções.

A norma contida no artigo 117 da Lei 6.404/76 define que o acionista

controlador responderá pessoalmente pelos atos praticados com abuso de

poder, enumerando as diversas modalidades pelas quais se configuram tal

exercício. O artigo 10 do Decreto 3.708/19 determina que os sócios - gerentes

responderão perante “... terceiros solidária e ilimitadamente pelo excesso de

mandato e pelos atos praticados com violação do contrato ou da lei”. O artigo

31 ALBERTON, Genacéia da Silva. Op. cit. p. 168.

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16, por sua vez, estende a responsabilidade aos sócios quando suas

deliberações infringirem o contrato social ou a lei.

Desta forma, é de se atentar que realmente procedem as críticas ao

artigo, porque trata-se de caso de responsabilização pessoal do sócio com

aplicação de regras já contidas no ordenamento jurídico, e não de

desconsideração da personalidade jurídica.

A infração de lei, por sua vez, corresponde à violação de preceito

contido na norma, ou como bem assevera Marcos Bernardes de MELLO,

“infringe norma jurídica cogente aquele que faz o que ela proíbe ou não faz

aquilo que ela impõe”.32

Os fatos ou atos ilícitos, contudo, recebem diferentes tratamentos

conforme o doutrinador que trata do tema. Entretanto, para evitar entrar em

terreno movediço, o que certamente é descabido no presente momento, é de

se salientar que o entendimento majoritário ainda pende para a conclusão que

os ilícitos civis dependem de conduta humana, são fruto de transgressões de

deveres genéricos e que de sua prática resulte dano. Desta forma, ainda tem

guarida o entendimento que não distingue de maneira decisiva a

imputabilidade resultante dos fatos ilícitos, estando atrelado este entendimento

tão somente no que concerne aos atos ilícitos.

Com base neste entendimento, a redação do artigo 28 que aponta

como causa de desconsideração a infração de lei, bem como os fatos ou atos

ilícitos, recebe crítica severa da doutrina, uma vez que apontam

impropriedades terminológicas, detectadas pelo professor Adriano Perácio de

PAULA:

Assim, dizer infração da lei é a mesma coisa que dizer

sobre a prática de um ato ilícito. E coerente com a

estrutura dogmática do próprio Código Civil, não há que

se falar em fato ilícito, pois fato, jurídica e cientificamente,

é relativo aos fatos naturais que, ainda que repercutindo

32 MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da validade. 2. ed., rev.. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 81.

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no universo jurídico, ao contrário dos atos, não existe lá

um agente a quem se imputar diretamente a autoria e a

responsabilidade.33

Deixando de lado eventuais divergências doutrinárias, conforme já esclarecido

acima, onde alguns doutrinadores conseguem detectar no fato ilícito a imputabilidade

a algum agente, Marcos Bernardes de MELLO, parece razoável, do ponto de vista

prático, as considerações acima tecidas. Isto porque, dentro dos parâmetros

estabelecidos pela Teoria da Desconsideração, desenvolvida à lógica do Código

Consumerista, a infração de lei já abarcaria toda a gama de situações que porventura

pudessem ocorrer. É de se atentar, entretanto, que neste ponto o artigo se

desvencilhou completamente da Doutrina da desestimação. Os casos acima

contemplados, como no excesso de poder, mais uma vez são hipóteses de

responsabilização do sócio, pois determinam condutas que podem ser tipificadas por

normas já contidas nas legislações existentes.

Neste diapasão, o Novo Código Civil, no seu artigo 186, determina que

“aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito

e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Ora,

nada mais claro que se utilizar do já consagrado instituto do Código Civil para

responsabilizar pessoalmente o sócio que age contra as normas jurídicas e causa

dano a terceiros. Neste sentido, será auferida a sua culpa com base no Título XI deste

referido Código, no qual residem os artigos 927 ao 943, onde, na medida da culpa do

agente, será quantificado o dano e o dever de ressarcir quem o sofreu.

A violação dos estatutos e do contrato social, em consonância com o

que já foi visto até agora neste tópico, não escapa das duras críticas a respeito

de sua inserção como hipótese de desconsideração. E mais uma vez, a

irresignação parte do pressuposto que já existem normas que suprem esta

finalidade, não cabendo o uso de instituto de aplicação tão específica como o

da desconsideração da personalidade jurídica.

33 LIMA, Osmar Brina Corrêa (org.). A desconsideração da personalidade jurídica no código de defesa do consumidor. Atualidades Jurídicas, vol. 3. Belo Horizonte, 1993. p. 22.

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Na terceira hipótese, ocorre violação do estatuto e do contrato social quando o

administrador ou controlador de determinada empresa pratica atos contrários aos

estatuídos ou contratados pela sociedade. Ocorre que tal prática, quando resulta em

dano, terá como conseqüência a responsabilização do agente, o que, obviamente, não

ocorrerá por força da desconsideração da personalidade jurídica da empresa, mas tão

somente pelos artigos 158, inciso II da Lei nº 6404/76; 10 e 16 do Decreto 3.708/19,

que determinam a responsabilidade nos casos de violação dos estatutos e do contrato

social, respectivamente.

Afinal, embora a opinião quase uníssona da doutrina aponte pela

impropriedade das hipóteses elencadas pelo Código, há quem consiga prever

a aplicação destes casos baseando-se especificamente na Teoria da

Desconsideração da Personalidade Jurídica, Luciano AMARO, que, conforme

já visto no tópico introdução ao artigo 28 do CDC (tópico 4.1), defendeu que é

aplicável o artigo nos casos em que haja a “lesão dos interesses do

consumidor” e que tal prática seja “em detrimento do consumidor”.

Ademais, propugnou pela utilização do instituto somente quando há a

incapacidade da pessoa jurídica em reparar o dano, sendo defeso postular neste

sentido se a empresa possui capacidade financeira para tal fim. Neste ponto, há ainda

o reforço das Conclusões Aprovadas no 4º Congresso Brasileiro de Direito do

Consumidor – “A Sociedade de Serviços e a Proteção do Consumidor no Mercado

Global”, que no painel oito, das Conclusões Independentes Aprovadas, chegou ao

seguinte consenso unânime: “A desconsideração da personalidade jurídica do

fornecedor está ligada apenas ao fato da sociedade, ou da massa falida, não possuir

meios de solver o débito junto ao consumidor, e sempre que o ente coletivo não

disponha de recursos, deve ser desconsiderada a sua personalidade jurídica, a fim de

que o patrimônio do sócio passe a responder pelo débito”.34

4.2.3 Falência, Insolvência, Encerramento ou Inatividade da Pessoa

Jurídica Provocados por Má Administração

34 REVISTA DE DIREITO DO CONSUMIDOR, Conclusões aprovadas no 4º congresso brasileiro de direito do consumidor: “a sociedade de serviços e a proteção do consumidor no mercado global”. nº 26 São Paulo, abril/junho de 1998, p. 247.

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Os casos de falência, insolvência, encerramento ou inatividade da

pessoa jurídica provocados por má administração tem como condição de

aplicação da desconsideração da personalidade jurídica o fato de terem sido

mal administradas.

Desta forma, é preciso ter em mente qual o alcance da expressão “má

administração”, inserta no texto legal, para que se encontre quais as situações

plausíveis da aplicação da referida teoria. A má administração, embora não

esteja ligada diretamente aos interesses do consumidor, é apontada como

situação onde se emprega a desconsideração da personalidade jurídica.

Luciano AMARO ensina que ninguém irá administrar uma empresa de forma

ruinosa para lesar interesses dos consumidores. Por isso, tal elemento é ligado

à idéia de gerência incompetente, o que pode gerar a imputação de tal

conduta perante a própria empresa, e desta forma, atingir indiretamente o

consumidor.

Para Rachel SZTAJN, o conceito levanta uma série de dúvidas que

põem em cheque a aplicação da desconsideração. Tais indagações a respeito

da falência, estado de insolvência, encerramento de atividade ou inatividade da

pessoa jurídica são assim expostas:

Pergunta-se: se tais situações não decorrerem de má

administração, poderá ou não o juiz recorrer à

desconsideração? Sendo norma de aplicação restritiva, o

elenco de hipóteses é fechado, logo a resposta será

negativa. Assim, a lei terá criado duas situações diversas.

Se a inatividade ou encerramento da atividade decorrem

da vontade dos sócios, não há tutela do consumidor?

Má administração será aquela ruinosa, que leva à incapacidade

de permanecer no mercado ou será também a que, por razões

conjunturais, independente da capacidade dos administradores,

não é bem sucedida? Boa administração não significa sempre a

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continuidade dos negócios sociais. Pode haver boa

administração e mudança de ramo de atividade, mudança de

linha de produtos, o que aliás será normal num regime

concorrencial. Desconsidera-se a personalidade jurídica

também nesses casos?35

Conforme já frisado anteriormente nesta monografia, o conceito de má

administração é por demais vago para traçar parâmetros objetivos pelos quais

possam ser guiados os intérpretes da norma, de forma que inúmeras críticas

surgiram a seu respeito. Entretanto, entre aqueles que tentaram definir

parâmetros para a aplicação destas hipóteses delineadas pelo Código do

Consumidor, a conclusão unânime é, mais uma vez, que se trata de

responsabilização individual, o que descartaria a aplicação da

desconsideração.

4.2.4 A Aplicação do Artigo 28 do CDC nas Hipóteses de Fraude

É relevante, por tudo o que já foi visto acerca da Teoria da

Desconsideração da Personalidade Jurídica, e para uma abordagem mais

completa a respeito do tema, que se faça a seguinte indagação: porque o

legislador brasileiro não contemplou, quando da redação do artigo 28 do CDC,

as hipóteses de fraude como passíveis de desconsideração da personalidade

jurídica?

Para um melhor equacionamento do problema, e com vistas a

encontrar solução mais acertada, é de valia que se faça uma pequena

digressão sobre o assunto.

Conforme assevera Marcos Bernardes de MELLO, existe uma

dicotomia no trato do vocábulo fraude que gera certas confusões de ordem

semântica. A primeira interpretação, a qual o autor julga impertinente, mas que

é usualmente empregada nos meios jurídicos, diz respeito às infrações

35 SZTAJN, Rachel. Op. cit. p. 72-73.

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indiretas à norma jurídica, as quais estariam ausentes o elemento intencional.

Como exemplo, citou os atos de natureza legislativa, em que a norma contida

viola preceito constitucional, caracterizando assim ilegalidade por infração

indireta à lei.

A segunda hipótese ventilada pelo autor diz respeito àqueles casos

onde o elemento volitivo tem importância para a caracterização da fraude à lei.

Desta forma, o autor prevê que a fraude estaria caracterizada quando

houvesse a tentativa de burla da incidência de norma jurídica específica e

determinada para uma situação da vida. Tal verificação se daria pela

comparação entre a hipótese de incidência legal, ou suporte fático abstrato; e

os fatos que concretamente ocorreram, ou suporte fático concreto.

Continuando o raciocínio, o autor defende que a prática do ato in

fraudem legis agere se dá normalmente revestido de toda a aparência de ato

ilícito, e usualmente alcança a licitude formal. Na prática, contudo, observa-se

a uma série de atos que, considerados isoladamente, não constituem qualquer

atentado à lei, mas se vistos de forma unitária, distingue-se a finalidade

proibida em lei. Por este motivo o autor defende que “o ato in fraudem legis

tem de ser considerado como um só ato, porque é, na verdade,

conceptualmente unitário. Os diversos atos que são praticados para alcançar o

fim proibido ou evitar o resultado imposto tem uma única e mesma finalidade.

Devem, portanto, ser considerados unitariamente, jamais isoladamente”36.

Finalizando o seu ponto de vista acerca do conceito em questão, Marcos

Bernardes de MELLO preconiza:

Seja qual for o meio empregado, há fraude à lei quando se

alcança, indiretamente, o que a norma jurídica cogente

proíbe ou se evita o que ela impõe. Do mesmo modo

como não importa apurar-se a intenção fraudulenta, é

também irrelevante perquirir-se sobre os meios

empregados na realização da fraus legis. Não interessa,

36 MELLO, Marcos Bernardes de. Op. cit. p. 87.

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absolutamente, a perfeição dos meios utilizados, a

aparência de legalidade de que possam revestir-se os

atos fraudulentos. Esse aspecto somente tem influência

para fins de prova em juízo. Quanto mais imperfeitos,

mais simples a tarefa de configurar a fraude.37

Caio MÁRIO, por sua vez, define fraude através da denominação de

vício social que, embora não se faça sentir por distúrbios de ordem interna ou

externa, está maculado por um resultado manifestamente antijurídico. Neste

sentido leciona que

“fraude é, pois, segundo os princípios assentados em

nosso direito, em consonância com as idéias mais certas,

a manobra engendrada com o fito de prejudicar terceiro; e

tanto se insere no ato unilateral (caso em que macula o

negócio ainda que dela não participe outra pessoa), como

se imiscui no ato bilateral (caso em que a maquinação é

concertada entre as partes)”.38

Apresentadas essas breves linha sobre o assunto, refaz-se a pergunta

do início do tópico: Qual o motivo que levou o legislador a preterir as hipóteses

de fraude às demais na redação do artigo 28 do Código de Defesa do

Consumidor?

Na exposição de motivos apresentada por Zelmo DENARI para a

redação do artigo em questão, este apresenta um argumento que, ao expor as

razões pela qual o artigo abraçou hipóteses inéditas de desconsideração da

personalidade, deixou pistas que podem ser valiosas para uma perfeita

compreensão do problema. Tal é sua opinião:

37 Idem, ibidem. p. 88.38 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op. cit. p. 342.

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O texto introduz uma novidade, pois é a primeira vez que

o direito legislado acolhe a teoria da desconsideração sem

levar em conta a configuração de fraude ou do abuso de

direito. De fato, o dispositivo pode ser aplicado pelo juiz

se o fornecedor (em razão da má administração, pura e

simplesmente) encerrar suas atividades como pessoa

jurídica.

Muito oportunos e pertinentes, neste particular, os comentários de

Fábio Ulhoa COELHO:

Finalmente, não se deve esquecer das hipóteses em que

a desconsideração da autonomia da pessoa jurídica

prescinde da ocorrência da fraude ou de abuso de direito.

Somente diante do texto expresso de lei poderá o juiz

ignorar a autonomia da pessoa jurídica, sem indagar da

sua utilização com fraude ou abuso de direito.39

Em que pesem os motivos apresentados não se prestarem

expressamente à justificação da ausência da hipótese em comento, o que se

extrai da lição dá margem a mais indagações do que a esclarecimentos. Isto

porque, muito embora o texto pretenda enfatizar que o magistrado não estará

mais vinculado somente às hipóteses de fraude e de abuso de direito, este

omitiu o fato de que o abuso de direito continua prestigiado pelo artigo,

enquanto a fraude foi posta de lado pela norma em tela. Parece que a opção

do legislador não foi das mais felizes neste ponto, mesmo porque a fraude,

conforme se demonstrará em momento oportuno, é vício que os tribunais

reconhecerão como causa de aplicação da desestimação da pessoa jurídica

em contendas envolvendo os direitos dos consumidores.

4.3 A INTERPRETAÇÃO DO PARÁGRAFO 5º DO ARTIGO 28 DO CDC

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É o parágrafo 5º do artigo 28 que desperta as mais variadas

reações da doutrina, sendo que alguns estudiosos defendem a sua

plena eficácia, enquanto outros desferem ataques ao seu enunciado.

Entre os doutrinadores favoráveis ao texto do parágrafo, encontram-se

aqueles que entendem que a responsabilidade do sócio ou

administrador advém do simples fato de que a pessoa jurídica não

dispõe de recursos para solver com os danos causados. Ou seja, a

desestimação ocorrerá não por conduta do sócio ou administrador, mas

porque simplesmente o consumidor nunca deverá suportar com o

prejuízo.

Esta é a linha de raciocínio adotada por Anco Márcio VALLE, que, nas

suas razões, aponta a prevalência do interesse do consumidor sobre o da

pessoa jurídica como opção feita pelo Código do Consumidor. Para corroborar

as suas palavras, faz menção aos artigos 6, incisos VI e VIII, e 12 deste

diploma legal. O primeiro dispositivo faz menção à “efetiva prevenção e

reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos”. O

inciso VIII, por sua vez, discorre sobre a inversão do ônus da prova em favor do

consumidor. Finalmente, o artigo 12 determina a responsabilidade pelo fato do

produto ou serviço independente da culpa. Nas palavras do autor:

E, no referido § 5º do art. 28, indo mais longe ainda, a lei

prescreve que a pessoa jurídica poderá ser desconsiderada

sempre que sua personalidade for, “de alguma forma”, obstáculo

ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores. “De

alguma forma”- a cláusula legal não deixa margem a dúvidas.

Não importa de que maneira: aonde e quando a personalidade

jurídica do ente coletivo apresentar-se como um empecilho ao

ressarcimento de prejuízos pelo consumidor, deverá ser

desconsiderada a sua personalidade. (...) Ou seja, ainda que os

39 GRINOVER, Ada Pellegrini; Vasconcellos e BENJAMIN, Antonio Herman; FINK, Daniel Roberto; e outros. Op. cit. p. 195.

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sócios e administradores da pessoa jurídica hajam atuado com

boa-fé e honradez, se a última alternativa para o ressarcimento

do dano do consumidor for a desconsideração da personalidade

jurídica da sociedade – repita-se: mesmo na ausência de fraude

ou abuso – é essa alternativa que deverá ser executada,

buscando-se no patrimônio pessoal dos sócios o ressarcimento

dos prejuízos do consumidor.40

Outros autores preferem ser mais cautelosos ao tratar do tema, mas

não menos favoráveis à aplicação do parágrafo como hipótese de aplicação da

desconsideração da personalidade jurídica nos casos concretos. Entre eles,

Domingos Afonso Kriger FILHO e Genacéia da Silva ALBERTON, que, embora

ressaltem que o mero prejuízo não será razão suficiente para a aplicação da

norma do parágrafo 5º, encontram assim mesmo situações as quais

ensejariam tal medida.

O primeiro assevera que a desconsideração se dará “sempre e

somente quando os sócios atuarem em desconformidade com os preceitos

ditados pela lei (vide caput do artigo) e o patrimônio da empresa for

insuficientemente capaz de arcar como os danos causados pelos produtos ou

serviços por ela ofertados ao público”.41

Para tanto, o autor defende como requisito para a aplicação do

instituto que se determine o nexo causal entre a conduta praticada pelos

sócios e os prejuízos causados ao consumidor; além de que o prejuízo não

possa ser indenizado somente como o patrimônio da empresa. Finaliza seu

comentário a respeito do assunto opinando que a interpretação teleológica

permite que o consumidor vá buscar no patrimônio dos sócios a reparação aos

danos sofridos sempre que a sociedade não puder fazê-lo.

40 VALLE, Anco Márcio. O direito do consumidor à desconsideração da personalidade jurídica, em caso de falência da sociedade fornecedora. Revista da associação dos juizes do Rio Grande do Sul – Edição Especial, Vol. 2. Porto Alegre, março de 1998, p. 660-661.41 FILHO, Domingos Afonso Kriger. Aspectos da desconsideração da personalidade societária na lei do consumidor. Revista de direito do consumidor, nº 13 São Paulo, janeiro/ março de 1995, p. 84.

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A segunda, por sua vez, prefere não aprofundar o tema. Segundo a

sua concepção, o parágrafo necessita de interpretação cautelosa, porque seu

texto deixou o significado em aberto. Desta forma, seu conteúdo deve ser

interpretado levando-se em conta que a teoria da desconsideração deverá ser

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aplicada toda a vez que a “personalidade jurídica for o óbice ao justo

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ressarcimento do consumidor”.42

Entretanto, de todas teorias formuladas que defendem a aplicação do

parágrafo 5º, a mais interessante foi aquela desenvolvida pela professora

Rachel SZTAJN. No seu entendimento, a mera existência do parágrafo,

cominado com os parágrafos 2º e 3º já serviria para abraçar todas as hipóteses

determinadas pelo artigo. Cabe aqui transcrever os seus ensinamentos a

respeito do tema:

O §5º ao art. 28 da Lei 8.078/90 abre as hipóteses da

aplicação da teoria da superação da personalidade

jurídica. Essa regra, por si, bastaria para que os juizes

pudessem, a cada caso, ponderar a necessidade e

conveniência de desconsiderar existência da sociedade e

a conseqüente separação patrimonial para efeito de

imputação de responsabilidade.

Se o art. 28 tivesse por caput o § 5º, além dos §§ 2º e 3º,

o consumidor estaria tutelado em face da separação

patrimonial usada de forma iníqua ou inadequada. A

imputação da responsabilidade patrimonial recairia,

sempre, inicialmente, sobre a sociedade e,

subsidiariamente, sobre os sócios, segundo a regra ou o

padrão de eqüidade.43

No mesmo diapasão, e corroborando o entendimento dos autores

supracitados, as Conclusões Aprovadas no 4º Congresso Brasileiro de Direito

do Consumidor – “A Sociedade de Serviços e a Proteção do Consumidor no

Mercado Global”, também servem de parâmetro ao posicionamento exposto

acerca do tema, onde a desconsideração da personalidade se dá nas

seguintes hipóteses:

42 ALBERTON, Genacéia da Silva. Op. cit. p. 171.43 SZTAJN, Rachel. Op. cit. p. 74.

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O novo Código do Consumidor, além das tradicionais

hipóteses de frade (sic) e abuso de direito, confere ao juiz

o poder de, em qualquer caso, desconsiderar a

personalidade jurídica da sociedade sempre que, de

alguma forma, tal personalidade se apresente como um

empecilho ao ressarcimento dos prejuízos sofridos pelo

consumidor (aprovada por unanimidade). 44

Interessante denotar que a conclusão aprovada também faz menção à

hipótese de fraude, cuja redação do artigo 28 não contemplou, optando por

tutelar tão somente os casos de abuso de direito.

Entre os críticos do parágrafo 5º, existem aqueles que, com ressalvas feitas à

sua redação, entendem como ampliadas as hipóteses tratadas pelo caput do artigo,

como Luciano AMARO e Simone Gomes RODRIGUES; existe também, como no caso

de Jorge LOBO, o entendimento de que o parágrafo foi redigido de forma totalmente

equivocada.

Dentre os dois primeiros doutrinadores, Luciano AMARO é quem tece as

considerações mais severas à redação dada ao parágrafo. No seu entendimento, o

preceito do parágrafo 5º o torna inconciliável com o caput do artigo, dado a sua

amplitude e abrangência. Nas suas palavras:

Já o preceito do § 5º padece de vício que o torna

inconciliável como caput. O parágrafo se inicia como

advérbio “também”, sugerindo que ele irá adicionar mais

alguma hipótese ao elenco do caput. Contudo, no lugar do

rol de “novas hipóteses” surgem as expressões “sempre

que” e “de qualquer forma”.O referido § 5º, c/c o caput,

mostra um serviço legislativo viciado por insanável

impropriedade. É como se dissesse: “Se causares prejuízo

com abuso irás preso; também irás preso se causares

44 REVISTA DE DIREITO DO CONSUMIDOR, Op. cit. p. 247.

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prejuízo por má administração; e também irás preso

sempre que, de qualquer forma, causares prejuízo”.

O enunciado do parágrafo é tão genérico, abrangente,

ilimitado, que, aplicado literalmente, dispensaria o caput

do artigo, e tornaria inócua a própria construção teórica da

desconsideração, implicando em derrogar

(independentemente de qualquer abuso ou fraude) a

limitação de responsabilidade dos sócios de todos e

qualquer empresa fornecedora de bens ou serviços no

mercado de consumo.45

Em que pese a severa crítica feita ao parágrafo, Luciano AMARO

teoriza que na eventual conciliação entre as hipóteses contidas no caput e no

parágrafo, este significa tão somente uma abertura do rol contido naquele,

sem, contudo, abrir mão dos pressupostos teóricos da doutrina da

desconsideração.

Neste ponto, cabe uma observação a respeito deste posicionamento. A

própria redação construída para o artigo já deixa de lado os pressupostos da

doutrina da desconsideração ao abraçar hipóteses como o excesso de poder,

infração de lei, ato ou fato ilícito, violação dos estatutos ou contrato social e má

administração. Desta forma, não há que se falar em manter os pressupostos

teóricos da doutrina, se esta já não foi contemplada em sua forma pura.

Simone Gomes RODRIGUES também não aprovou a forma pela qual o

legislador tratou da teoria da desconsideração no parágrafo 5º. No seu

entender “o § 5º do art. 28 também trata da desconsideração da personalidade

jurídica, porém, o legislador não foi muito feliz na formulação de tal dispositivo

legal. De forma genérica e abrangente determina que a personalidade da

pessoa jurídica pode ser desconsiderada tornando, assim, a disposição

contida no caput inócua”.46

45 AMARO, Luciano. Op. cit. p. 178-179.46 RODRIGUES, Simone Gomes. Op. cit. p. 18.

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Seguindo a mesma linha adotada por Luciano AMARO, a autora

defende que do parágrafo não se pode fazer letra morta, daí entendê-lo como

uma ampliação das hipóteses contidas no caput do artigo.

A mesma opinião não é compartilhada por Jorge LOBO, que aponta

uma série de impropriedade na redação do parágrafo, concluindo que não

existe justificativa ao enunciado proposto pelo legislador. No seu

entendimento, quatro são os equívocos cometidos na elaboração do texto do

referido parágrafo.

O primeiro é que não se trata de desconsideração da “pessoa jurídica”,

como mencionado no texto, mas da personalidade jurídica, levada a cabo em

situações especiais. O segundo equivoco se dá pelo fato de que a

personalidade jurídica jamais será um obstáculo ao ressarcimento de danos

causados, mas tão somente um “marco delimitador da responsabilidade dos

sócios ou acionistas”47. O terceiro problema vislumbrado é que nos casos de

abuso do controlador ou fraude à lei ou contrato, a personalidade jurídica não

será obstáculo ao ressarcimento do dano, do qual será responsável o sócio ou

acionista. O quarto problema diz respeito à vaguidão da expressão “de alguma

forma”, problema este já detectado pelos outros críticos do parágrafo.

47 GUSMÃO, Paulo Dourado de. Op. cit. p. 62.

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CONCLUSÃO

O artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor foi o responsável por

materializar a Teoria da desconsideração da Personalidade Jurídica neste

diploma legal. No intuito de garantir eficácia plena nas situações em que

houvesse lesões de direitos decorrentes de relações de consumo, decidiu o

legislador em contemplar uma vasta gama de hipóteses em que tal situação

poderia ocorrer.

Conforme exposto anteriormente, não primou o legislador por uma boa

redação nem foi fiel aos parâmetros estabelecidos pela doutrina acerca do assunto. A

uma, porque abarcou hipóteses de responsabilidade já previstas em legislações

diversas; a duas, porque, no afã de atentar para inúmeros fatos que ensejariam a

aplicação da disregard doctrine, aplicou de forma equivocada e distanciou-se das

bases teóricas trabalhadas a muito por inúmeros juristas do mundo todo. Porém, tal

equívoco legislativo serviu como o mote da presente monografia, porque, em uma

ocorrência peculiar, o artigo acabou por contemplar uma série de hipóteses de

aplicação da desconsideração da personalidade jurídica em seu caput e, ao mesmo

tempo, impôs norma genérica em seu parágrafo 5º. Desta forma, a aparente

dissonância dos dois comandos legais permitiu que fosse feito um estudo mais

aprofundado sobre os motivos que levaram o legislador a tal escolha. Para tanto, foi

necessário um estudo prévio do instituto, seu histórico, bases doutrinárias e condições

pelas quais este foi implantado na legislação consumerista. Ademais, foram

esmiuçadas as hipóteses de aplicação da referida teoria uma a uma e, afinal,

constatada a aparente desconexão entre o caput e o parágrafo do artigo em questão,

tratou-se de escolher um caminho pelo qual o desenvolvimento da monografia

encontrasse solução satisfatória para o problema proposto. Portanto, foi no intuito de

proceder a uma análise destituída de qualquer posicionamento prévio que se lançou

olhos sobre a hermenêutica, como fonte de regras de interpretação para solucionar o

impasse. Neste ponto, importantes foram as lições trazidas por Carlos MAXIMILIANO,

que através de métodos de interpretação lançou luzes sobre tão controvertido tema.

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Finalmente, uma procura pela jurisprudência recente trouxe a tona sob

quais termos as Cortes do país vêm decidindo as lides em que se versa sobre

a possibilidade de aplicação da desestimação da personalidade jurídica.

Observou-se, contudo, que embora exista a determinação para a aplicação da

Teoria, ainda não houve a oportunidade de haver juízo de valor acerca do texto

insculpido no indigitado artigo. O que se vê, portanto, é o uso da letra da lei

nas diferentes hipóteses contempladas, não existindo ressalvas por parte

desta fonte consuetudinária do Direito.

Desta forma, em não havendo qualquer fonte do Direito que possa, de

forma definitiva, oferecer uma solução satisfatória para o deslinde da questão,

propugna-se pela seguinte solução:

Primeiramente, cumpre salientar que a defesa do consumidor tem bases

constitucionais e, através do artigo 5º, inciso XXXII, inseriu no rol dos Direitos e

Garantias Fundamentais da Carta Maior a defesa do consumidor como um objeto de

promoção por parte do Estado48.

Portanto, tal condição, por si só determina um grande poder deôntico, no qual

o poder público tem o dever de estabelecer bases sólidas de atuação. Outro ponto de

fundamental importância, e que em parte alicerça a conclusão a que se irá chegar está

contida na introdução de uma obra realizada por quem mais possui autoridade para

comentar as razões do Código de Defesa do Consumidor, quais sejam, os próprios

autores.

Por final, cabe ainda lembrar os ensinamentos já esposados no

desenvolvimento desta monografia, tecidos no campo da hermenêutica, que também

servirão como pilar à conclusão que há de se fazer.

Seria impossível, neste estágio, deixar de citar os ensinamentos de Carlos

MAXIMILIANO que, apontando o caminho pelo qual se chegará à conclusão

pretendida expõe que “O direito é um meio para atingir os fins colimados pelo homem

em atividade; a sua função é eminentemente social, construtora; logo não mais

prevalece o seu papel antigo de entidade cega, indiferente às ruínas que inconsciente

ou inconscientemente possa espalhar.”49

48 Artigo 5º, inciso XXXII da CF: o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;49 MAXIMILIANO, Carlos. Op. cit. p. 169.

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Desta forma, pela conjugação dos três fatores trazidos como pilares

básicos do posicionamento a ser defendido fica claro que, a despeito de

eventuais falhas de redação e dissonância com a doutrina correspondente,

deve sim o artigo ser agraciado com eficácia absoluta, pelas relevantes razões

que há de se expor. Primeiramente, é de se exaltar o tratamento constitucional

dispensado à tutela do consumidor. O fato de constar no rol de Direitos e

Garantias Fundamentais é de suma importância para que as medidas

protetivas tomadas neste sentido sejam cobertas de aplicabilidade plena.

A despeito de eventuais críticas, sobretudo aquelas que encontram na

propriedade privada (outra Garantia Fundamental da Constituição) contraponto aos

argumentos ora tecidos; evoca-se o tratamento dado pelos autores do anteprojeto do

Código de Defesa do Consumidor àquilo que classificaram sob o título de

“necessidade de tutela legal do consumidor”. Por esta maneira que tal argumento

ganha corpo quando inserido no contexto do trecho extraído dos ensinamentos

traçados pelos autores Ada Pellegrini GRINOVER e Antônio Herman de Vasconcellos

e BENJAMIN. Ou seja, a proteção ao consumidor não pode ser “manca” (para utilizar o

termo adotado pelos autores), mas “integral, sistemática e dinâmica” (continuando nos

termos utilizados pelos autores).

Ademais, conclamam a legislação como o meio mais eficaz de reequilibrar a

relação de consumo, seja reforçando a posição do consumidor, seja limitando práticas

comerciais. Vê-se sobremaneira a necessidade latente da proteção do hipossuficiente,

da coibição das práticas nocivas de mercado e, sobretudo, da garantia de

ressarcimento dos danos sofridos nas relações de consumo, principalmente se

decorrentes de práticas atentatórias ao direito.

Desta forma, é de se aferir que, embora castigado por equívocos de redação e

de fundamento doutrinário, o artigo 28 tem o condão de ser um instrumento de

proteção efetiva contra determinadas práticas comerciais que jamais seriam

alcançadas com a eficácia e pelos meios dispensados pelo Código de Defesa do

Consumidor. A título de exemplo, cabe lembrar que nos casos em que haja relações

de consumo, existe a prerrogativa da inversão do ônus da prova, facilidade esta que

não estaria contemplada pelas vias ordinárias.

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Esquecidas, porém, não devem ficar as críticas. Fustigada pela doutrina, a

redação do Código mereceria reparos severos para se adequar de forma satisfatória à

sistemática jurídica. Por outro lado, o aspecto doutrinário deixou muito a desejar, tendo

em vista que os teóricos se posicionaram de forma maciça a considerar apenas as

hipóteses de fraude e abuso de direito como plausíveis de desconsideração. Uma

visão crítica do assunto, se considerados os aspectos formais da lei, nos traria um

panorama dissonante do proposto pela doutrina. Por outro lado, não é este o

entendimento que deve prevalecer. A visão crítica é sem dúvida importante para a

perfeita compreensão dos fatos, mas nem sempre a mais adequada.

Por este motivo, desfecho da presente monografia se fará através da

análise do terceiro dos pilares colacionados nesta conclusão, qual seja, a

hermenêutica. Através desta ciência interpretativa, há de se observar que os

fins colimados pelo direito não se coadunam com finalidades que não sejam

construtivas, daí o motivo pelo qual não há de se restringir o uso do artigo 28

do Código de Defesa do Consumidor, mas conferir-lhe a mais plena eficácia.

Assim, atentando às regras de hermenêutica, ressalta-se a sábia lição de

Carlos MAXIMILIANO. Em que pese a abstração de sua lição, onde alguns poderiam

classificar por demais genérica, extrai-se um ensinamento de fundamental importância,

e que se irá aplicar ao caso discutido nesta monografia, qual seja, que o direito tem

função social, construtora. Social na medida em que os seus fins devem ser

consonantes com os anseios sociais; construtora no sentido de que o direito existe

para o progresso e, nas próprias palavras de Carlos MAXIMILIANO, “o Direito prevê e

provê; logo, não é indiferente à realidade. Faça-se justiça; porém salve-se o mundo, e

o homem de bem que no mesmo se agita, labora, produz”.50

Finalmente, propugna-se que as hipóteses elencadas pelo caput e

pelo parágrafo 5º do artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor devem, na

exata medida dos parâmetros traçados pelo legislador, serem aplicados em

nome da mais eficiente e completa tutela dos interesses do consumidor. É

desta forma, portanto, que o Direito terá sido utilizado de forma construtiva,

porque garantida a justiça, especialmente no que concerne à proteção do

consumidor, sabidamente a parte hipossuficiente da relação de consumo.

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50 MAXIMILIANO, Carlos. Op. cit. p. 171.

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BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

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2. AMARO, Luciano. Desconsideração da pessoa jurídica no código de defesa do consumidor. Revista de direito do consumidor, nº 5 São Paulo, janeiro/março de 1993.

3. COELHO, Fábio Ulhoa, Desconsideração da personalidade jurídica. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989.

4. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. Vol. 1. São Paulo: Saraiva, 1996.

5. FILHO, Domingos Afonso Kriger. Aspectos da desconsideração da personalidade societária na lei do consumidor. Revista de direito do consumidor, nº 13 São Paulo, janeiro/ março de 1995.

6. FRANÇA, R. Limongi. Hermenêutica jurídica. São Paulo: Saraiva, 1995.

7. GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil. 11ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995.

8. GRINOVER, Ada Pellegrini; VASCONCELLOS E BENJAMIN, Antonio Herman; FINK, Daniel Roberto; et ali. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1998.

9. GUSMÃO, Paulo Dourado de (org.); GLANZ, Semy (org.). O direito na década de 1990: novos aspectos: estudos em homenagem ao Professor Arnoldo Wald. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990.

10.LIMA, Osmar Brina Corrêa (org.). A desconsideração da personalidade jurídica no código de defesa do consumidor. Atualidades Jurídicas, vol. 3. Belo Horizonte, 1993.

11.COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial, Vol 2; 7. ed., São Paulo: Editora Saraiva, 2004.

12.MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio deJaneiro: Forense, 1979.

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13.MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da validade. 2. ed., rev. São Paulo: Saraiva, 1997.

14.MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. Tomo I. Rio de Janeiro: Borsói, 1970.

15.OLIVEIRA, José Lamartine Corrêa. A dupla crise da pessoa jurídica. São Paulo: Saraiva, 1979.

16.PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Vol.1. 18ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997.

17.REQUIÃO, Rubens. Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica. São Paulo: Revista dos tribunais, vol. 410, 1969.

18.REVISTA DE DIREITO DO CONSUMIDOR, Conclusões aprovadas no 4º congresso brasileiro de direito do consumidor: “a sociedade de serviços e a proteção do consumidor no mercado global”. nº 26 São Paulo, abril/junho de 1998.

19.RODRIGUES, Simone Gomes. Desconsideração da personalidade jurídica no código de defesa do consumidor. Revista de direito do consumidor, nº 11 São Paulo, julho/ setembro de 1994.

20.SZTAJN, Rachel. Desconsideração da personalidade jurídica. Revista de Direito do Consumidor, nº 2 São Paulo, junho/ agosto de 1992.

21.VALLE, Anco Márcio. O direito do consumidor à desconsideração da personalidade jurídica em caso de falência da sociedade fornecedora. Revista da associação dos juizes do Rio Grande do Sul – Edição Especial, Vol. 2. Porto Alegre, março de 1998.

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ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO.....................................................................................2

AGRADECIMENTO......................................................................................3

DEDICATÓRIA ............................................................................................4

RESUMO ....................................................................................................5

METODOLOGIA..........................................................................................6

SUMÁRIO....................................................................................................7

INTRODUÇÃO.............................................................................................8

CAPÍTULO I - DA PESSOA JURÍDICA........................................................11

CAPÍTULO II - DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO DIREITO

COMECIAL................................................................................................16

CAPÍTULO III - A PERSONALIDADE JURÍDICA ATRAVÉS DA

HISTÓRIA .................................................................................................18

3.1 ASPECTOS DOUTRINÁRIOS ..............................................................20

3.1.1 Aspectos Gerais na Doutrina e Legislação Estrangeiras ..............20

3.1.2 Aspectos Gerais na Doutrina e Legislação Brasileiras..................26

CAPÍTULO IV - DA TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA

PERSONALIDADE JURÍDICA NO CÓDIGO DE DEFESA

DO CONSUMIDOR....................................................................................30

4.1 INTRODUÇÃO AO ARTIGO 28 DO CDC..............................................30

4.2 A INTERPRETAÇÃO DO CAPUT DO ARTIGO 28 DO CDC..................35

4.2.1 O Abuso de Direito .....................................................................35

4.2.2 O Excesso de Poder, Infração de Lei, Fato ou Ato Ilícito e

Violação dos Estatutos ou Contrato Social ...........................................36

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4.2.3 Falência, Insolvência, Encerramento ou Inatividade da

Pessoa Jurídica Provocados por Má Administração..............................41

4.2.4 A Aplicação do Artigo 28 do CDC nas Hipóteses de Fraude ........42

4.3 A INTERPRETAÇÃO DO PARÁGRAFO 5º DO ARTIGO 28 DO CDC ....45

CONCLUSÃO............................................................................................51

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA..................................................................55

ÍNDICE......................................................................................................57

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FOLHA DE AVALIAÇÃO

Nome da Instituição: Universidade Candido Mendes

Título da Monografia: A preponderância do interesse público e a teoria da

desconsideração da personalidade jurídica

Autor: Andre Luis dos Santos Quintanilha

Data da entrega: 19 de janeiro de 2006

Avaliado por: Prof. Sérgio Ribeiro Conceito: