unir para resistir: associaÇÃo dos pequenos … · segundo o mesmo autor, ele também não teria...
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UNIR PARA RESISTIR: ASSOCIAÇÃO DOS PEQUENOS AGRICULTORES
DO BOTAFOGO-TRÊS RANCHOS (GO)
Liliana Beatriz da Silva.
Mestranda em Geografia.
Membro do Núcleo de Pesquisa: Geografia,
Trabalho e Movimentos Sociais (GETeM-CNPq).
Bolsista FAPEG
Prof.ª Dr Helena Angélica de Mesquita.
Programa de Pós-Graduação em Geografia.
Campus Catalão/UFG
Resumo: Este artigo faz uma reflexão sobre a permanência camponesa no seio do
capitalismo, criando e recriando maneiras para resistir ao avanço da agricultura
comercial. Tem como objetivo demonstrar, através do relato de uma experiência
camponesa concreta, a organização dos camponeses para continuarem em suas terras,
produzindo para o autoconsumo e para o mercado regional. A comunidade Botafogo em
Três Ranchos (GO), diante das dificuldades em continuar na terra criou a Associação de
Pequenos Agricultores do Botafogo e Região (APABOR), que contribui na melhoria da
qualidade de vida daqueles camponeses, que explicitam o desejo em continuar em suas
terras.
Palavras-chave: Terra. Camponês. Permanência.
Introdução
Esta é uma reflexão sobre a permanência e estratégias de resistência do
campesinato no interior do modo de produção capitalista, mesmo diante da voracidade
do agronegócio. Assim, na busca pelo entendimento desta realidade foram utilizados
procedimentos teórico-metodológicos que contribuíram para o entendimento da
complexidade da relação campesinato/capitalismo, visto que, o capitalismo, não
extinguiu todas as formas de produzir não capitalistas, e assim, os camponeses se
mantêm ao desenvolverem estratégias de resistência que possibilitam sua reprodução
enquanto classe social.
Vários são os autores que pensam o campo na perspectiva de manutenção dos
sujeitos historicamente ligados a terra, dentre estes pesquisadores temos Oliveira
(1986), Mesquita (1993), Carvalho (2005, 2012), Fabrini (2008); Paulino (2008), Pelá;
Mendonça (2010), Brandão; Borges (2007) que em suas abordagens levantam
questionamentos sobre o paradigma do capitalismo agrário e a necessidade de outro
modelo civilizatório.
A análise das referências, a leitura de Atas e do Estatuto da Associação dos
Pequenos Agricultores do Botafogo e Região, bem como o trabalho de campo com
pesquisa participante, esta, na perspectiva de Brandão e Borges (2007), forneceram
elementos para a produção deste artigo, buscando amenizar inquietações referentes à
condição de camponês no modo de produção capitalista.
Neste contexto de resistência camponesa está a Associação dos Pequenos
Agricultores do Botafogo e Região (APABOR), localizada no município de Três
Ranchos (GO), como possibilidade de manutenção do campesinato no Cerrado goiano.
Os camponeses do Botafogo produzem especialmente para atender as necessidades
básicas da família, participarem do mercado regional com a venda dos produtos
excedentes, comprando o essencial à reprodução familiar.
Os camponeses da comunidade Botafogo são produtos e também agentes sociais,
econômicos e políticos, que buscam maneiras de permanecerem na terra e continuar a
relação de pertencimento ao lugar. Este artigo entende o território camponês como
espaço de vivência e de luta pelo direito a um modo de vida e de produzir específicos,
com a produção voltada ao autoconsumo e a não proletarização.
Campesinato: união e permanência
A discussão sobre o lugar do campesinato na sociedade retoma os escritos de
Kautsky (1986), para o qual o camponês não tinha espaço no capitalismo, por não se
adequar às estruturas de produção e acumulação deste modo de produção, ainda
segundo o mesmo autor, ele também não teria espaço no socialismo, porque os
camponeses eram muito arraigados a terra e não conseguiam se desprender da mesma,
“[...] diz-se do camponês que ele é um fanático da terra [...]” (KAUTSKY, 1986, p. 117)
restava ao campesinato, pensando por esta leitura, apenas o desaparecimento.
As contradições econômicas, sociais e políticas mostram que a luta camponesa
pela permanência na terra está intrínseca em diversas sociedades “[...] A existência do
campesinato nas sociedades escravocratas, feudal, capitalista e socialista é um
referencial para entendermos o sentido dessa perseverança” (CARVALHO, 2005, p.
23). Em todos os países em menor ou maior escala, de diversas maneiras, através de
movimentos organizados ou de estratégias comunitárias, a luta para permanecer no solo
de produção de bens essenciais à reprodução social camponesa se faz presente. Esta
luta, segundo Paulino (2008), é que faz do campesinato uma classe social, sendo esta
luta segundo Harvey (2006), condição essencial para admitir a existência de interesses
coletivos, numa tentativa de construir um desenvolvimento humano.
Nos diferentes tipos de sociedades nas quais estiveram presentes, os campesinos
foram oprimidos e resistiram, vêem ao longo dos anos encontrando maneiras de lutar
pela terra e nela permanecer. “[...] Os camponeses sempre resistiram à exploração e
opressão [...] Mas é na formação econômica e social sob a dominação do modo de
produção capitalista que o camponês está seriamente ameaçado de desagregação social
e de desaparecimento.” (CARVALHO, 2012, p. 7). Pensando sob esta lógica os
camponeses não teriam chances de continuidade, vindo a desaparecer, porém o que se
presencia são formas de organizações campesinas que encontram estratégias de
reprodução dentro do modo de produção capitalista, que ora repulsa, ora mantém os
camponeses em uma relação conflituosa e contraditória.
Segundo Oliveira (1986), o capitalismo mantém relações não capitalistas de
produção, sendo o campesinato uma delas, de acordo com este autor o trabalho familiar
na unidade camponesa, contribui com o capitalismo, fornecendo mercadorias que
atendem o mercado interno e contribuem para a baixa no preço dos alimentos e matéria
primas agrícolas, reforçando os ganhos de mercado das empresas que colocam estes
produtos em circulação. Segundo Fabrini (2008, p. 247), os camponeses não estão
inseridos no capitalismo pela esfera da produção, mas na circulação de mercadorias,
quando os capitalistas se apropriam da renda da terra e não da mais-valia.
É uma das contradições do capitalismo, tentar destruir, ao mesmo tempo, que
mantém as relações não capitalistas de produção no campo e delas se beneficia, é neste
movimento contraditório que a luta camponesa é concretizada, não só como resistência
ao desaparecimento, mas por melhorias na qualidade de vida. Carvalho (2012, p. 9)
descreve como o capitalismo se beneficia com a produção campesina. Para ele,
o campesinato sempre foi tratado, na concretude do processo da expansão
capitalista no campo, como uma massa de pequenos produtores rurais
familiares úteis porque podiam e podem oferecer alimentos baratos e se
constituir como reserva de força de trabalho para as empresas capitalistas do
campo e das cidades. (CARVALHO, 2012, P. 9)
Como causa e efeito do conflito campesinato/capitalismo tem-se a expansão do
agronegócio que expulsa camponeses de suas terras e das mesmas se apropria, para a
produção de commodities provocando uma diminuição expressiva da população rural,
compreende-se que as técnicas de produção viabilizam aumento da produtividade em
especial nas grandes propriedades, que aumentam suas propriedades, seja adquirindo de
outros agricultores ou ampliando a fronteira agrícola, buscando sempre mais produção e
acumulação. Impondo a modernização da agricultura como a grande possibilidade na
produção de alimentos, não considerando a importância de outros usos do solo, por
exemplo, em termos socioambientais. Segundo Pelá, Mendonça (2010, p. 67)
[...] é necessário conhecer os diferentes usos e as formas de exploração da
terra, contrapondo-se ao discurso hegemônico do agrohidronegócio centrado
na incorporação das terras “improdutivas”, e na potencialização da produção
e da produtividade e que não reconhecem outros usos da terra. Esse discurso
precisa ser avaliado e ao refazê-lo é urgente reafirmar a viabilidade social e
econômica de políticas públicas que assegurem a produção de alimentos para
a população local/regional de forma saudável para os
agricultores/trabalhadores e a preservação do ambiente. (PELÁ,
MENDONÇA, 2010, p. 67).
Em sua evolução histórica o campesinato cria maneiras próprias de
produção e obtenção de renda que faz crer em uma racionalidade camponesa para uso
do solo, via os diferentes modos de apropriação da natureza, com um modo específico
de ser e de viver no seio do capitalismo. Segundo Woortmann (1987) para o camponês,
a terra não é simples coisa ou mercadoria, ela é patrimônio da família, onde se realiza o
trabalho que constrói a família enquanto valor. Aqueles sujeitos não visam lucro, mas
sim a garantia da reprodução social da família com melhorias na qualidade de vida. Para
Carvalho (2005, p.170)
Essa racionalidade camponesa, enquanto conjunto de valores que move o
sujeito social camponês apóia-se em dois elementos centrais: a garantia continuada de reprodução social da família seja ela a família singular seja a
ampliada, e a posse sobre os recursos da natureza. A reprodução social da
unidade de produção camponesa não é movida pelo lucro, mas pela
possibilidade crescente de melhoria das condições de vida e de trabalho da
família. (CARVALHO, 2005, 170).
A racionalidade camponesa se apresenta como um trunfo neste momento que os
valores capitalistas vêem sendo questionados, valores que geram produção para
obtenção de lucro e degradação sócio/ambiental, contaminando a água e o ar,
reproduzindo de forma cada vez mais ampliada a violência, seja no campo ou na cidade.
É pensando em uma nova racionalidade que valorize a vida com qualidade, que a
“suposta desagregação do campesinato vem sendo negada por todos aqueles que
sugerem um outro paradigma civilizatório para a vida humana” (CARVALHO, 2012, p.
8). Neste novo paradigma está o campesinato, presente em todo território brasileiro,
produzindo alimentos, oferecendo postos de trabalho que geram melhorias na qualidade
de vida no campo, e uma relação homem/natureza mais equilibrada.
Paulino (2008) ressalta que o processo de recriação do campesinato está em
constante evolução no Brasil e que o mesmo ocorre de diversas maneiras desde os
assentamentos organizados com a participação de movimentos sociais, até soluções
encontradas pelos próprios camponeses em seu cotidiano “[...] as estratégias
empreendidas pelos próprios camponeses, no sentido de aproveitar da melhor maneira
possível os recursos disponíveis, certamente são decisivas” (PAULINO, 2008, P. 235).
Dentre estas estratégias, está a criação de associações comunitárias que possibilitam o
fortalecimento da comunidade camponesa, um exemplo é a Associação dos Pequenos
Agricultores do Botafogo e Região no município de Três Ranchos (GO).
Associação dos Pequenos Agricultores do Botafogo e Região uma estratégia de
resistência
A Associação dos Pequenos Agricultores do Botafogo e Região (APABOR) foi
criada em 2005, com o objetivo de melhorar a qualidade do leite, produto importante na
geração da renda dos associados. Os camponeses se uniram para juntos enquanto
associação, conseguirem benefícios que individualmente seria quase impossível, por
exemplo, a compra no atacado dos elementos utilizados no beneficiamento da ração e
do sal para o gado.
No ato da criação, a Associação contava apenas com ¼ de salário mínimo doado
por cada associado e muita vontade de fazê-la crescer. Foram realizados bingos com
bezerras oferecidas pelos associados além de festas comunitárias para angariar fundos e
construir o galpão (foto 1) da Associação e a casa para um funcionário (caseiro) que
cuida do local.
Foto 1- Interior do galpão, sede da APABOR.
Autora: SILVA. L. B. 05/2011.
O galpão foi construído através do trabalho coletivo dos associados que em
forma de mutirão edificaram o local onde são armazenados produtos utilizados no
beneficiamento da ração e do sal para o trato do gado e também guardar as máquinas
utilizadas para fazê-lo. Na sede está também o tanque de expansão adquirido com
verbas do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) via
prefeitura, de fundamental importância, porque conserva o leite, garantindo sua
qualidade.
No galpão estão também os produtos utilizados na composição da ração e
do sal fornecidos ao gado. A ração composta de núcleo para leite, milho e farelo de soja
e o sal composto de micro elementos para o sal, sal branco, fosfato bicálcico, calcário e
núcleo para sal. Tanto a ração para leite quanto o sal são beneficiados pelos associados e
podem ser retirados de acordo com as necessidades de cada agricultor.
Na sede da Associação reside um caseiro disponibilizado pela prefeitura de
Três Ranchos (GO), encarregado de controlar a retirada dos insumos, além de cuidar da
entrada e saída do leite. O acerto, (pagamento) é feito mensalmente. Assim ao comprar
os insumos no atacado os associados conseguem preços menores. A APABOR não visa
lucro, os valores pagos pela ração e o sal são utilizados basicamente para a reposição
dos estoques. A Cooperativa Agropecuária de Catalão (Coacal) compra o leite dos
produtores do Botafogo, e não existe obrigatoriedade em relação á quantidade de leite a
ser depositado no tanque de expansão, porém os custos do caminhão que faz o
transporte Associação/Coacal ficam por conta dos camponeses, o acerto ocorre sempre
no final do mês, quando à cooperativa paga pelo leite com cheque ou depósito em conta
bancária, a critério do associado de acordo com a quantidade de leite fornecida
individualmente.
Os camponeses vinculados a APABOR produzem seu sustento partindo da
produção extensiva de gado leiteiro, sendo o leite utilizado no autoconsumo e na venda
do excedente para a cooperativa, bem como, na produção de derivados (queijo, doces e
requeijão) comercializados nas feiras de cidades vizinhas, especialmente Três Ranchos
(GO), Ouvidor (GO) e Catalão (GO).
Segundo Vaz dos Reis atual presidente da APABOR, a mesma foi criada
após anos de conversações, partindo do anseio de melhorar a renda das famílias
camponesas da região, mas existiam dúvidas sobre qual a melhor maneira de fazê-la.
Então contaram com o apoio da coordenação do Núcleo de Pesquisa: Geografia,
Trabalho e Movimentos Sociais (GETeM), que promoveu a aproximação daqueles
camponeses com o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) que assessoraram os
camponeses na criação da Associação dos Pequenos Agricultores do Botafogo e Região.
Enquanto associação é possível adquirir no atacado os compostos utilizados no
beneficiamento do sal e da soja com até 30% de desconto podendo auferir maior
rentabilidade na comercialização dos produtos. Os associados da APABOR estão
satisfeitos com a instituição, afirmando que “em conjunto fica mais fácil, porque pode
baratear os custos dos produtos, por exemplo, o saco de fosfato bicálcico utilizado na
composição da ração custa 90 reais, a Associação compra por 70 reais, barateando o
produto para o associado” (Sebastião Nolasco, Agosto de 2012). Assim, se organizando
criam condições para se manterem na terra com melhor qualidade de vida.
A APABOR possui gestão colegiada, na qual, a escolha da nova diretoria ocorre
com os candidatos sendo apresentados pelos companheiros sempre no último dia do
mês de Maio, quando, então, é realizada em assembléia a composição da direção. Esta
diretoria é composta pelos seguintes cargos, presidente, secretário e tesoureiro. O
mandato é de dois anos sem reeleição consecutiva e a diretoria tem respaldo para
negociar em nome dos associados, conseguindo benefícios para todos.
A APABOR coordenou uma experiência com lavoura comunitária (foto 2), que
durante dois anos produziu milho para os cadastrado associados ou não. A lavoura foi
cultivada por dois anos nas terras de um fazendeiro da região, com possibilidade de
renovação do contrato para mais anos. O preparo do solo foi de responsabilidade dos
associados em parceria com a prefeitura de Três Ranchos (GO) que forneceu o trator,
um agrônomo e transporte de insumos. O adubo e o calcário foram contribuição da
APABOR, as sementes e mais 40% do adubo foram doadas pelo governo estadual.
Todas as famílias contribuíram com seu trabalho.
Um dos contratempos enfrentados pelos agricultores na lavoura comunitária foi
devido ao atraso na preparação do solo, pois a prefeitura de Três Ranchos não enviou
máquinas no tempo certo, com isso a produção no ano de 2011 foi menor que o
esperado. As máquinas em poder da prefeitura foram adquiridas com verbas do Pronaf,
portanto, deveriam ter como prioridade as pequenas propriedades do município, porém,
o que muitas vezes ocorre, é que quando os pequenos produtores necessitam das
mesmas, precisam aguardar sua disponibilidade, o que provoca grandes transformações
com perda de produtividade. Segundo o presidente da Associação, gestão 2011-2013,
“no segundo ano de experiência com a lavoura alguns associados deixaram de participar
porque a colheita de 2010 foi menor que o previsto devido ao atraso para o plantio.”
(VAZ DOS REIS, Agosto de 2012).
Foto-2. Lavoura comunitária de milho da comunidade rural Botafogo Três Ranchos - GO.
Autora. SILVA. L. B. 05/2011.
O milho colhido coletivamente foi 100% utilizado no consumo das
unidades produtivas, tanto na alimentação das famílias quanto do gado, contribuindo
com a diminuição dos gastos dos agricultores cadastrados, pois a colheita referente ao
segundo ano de plantio atendeu às necessidades dos mesmos por um ano. A experiência
foi de apenas dois anos, pois, o proprietário que havia “cedido” a área, desistiu da
parceria, recebendo de volta a terra melhorada, pronta para um novo plantio, porém, não
mais comunitária. Para os pequenos agricultores membros da Associação, o
rompimento da parceria foi desinteressante, uma vez que retomaram a compra de milho
no mercado para suprir suas necessidades. Os associados tinham interesse em continuar
o projeto, porém o proprietário da área não se interessou.
Naquela comunidade camponesa o interesse em continuar vivendo em suas
terras, gerando renda para sua família e produtos para o mercado regional é visível.
Aqueles pequenos agricultores estão criando mecanismos de vivência e manutenção no
campo, evitando a venda da terra. São indivíduos que mantêm sua identidade, se negam
a substituir sua qualidade de vida por outra totalmente exótica àquela que conhecem e
dominam. Segundo a Revista “O Retrato do Brasil” (2011),
O País tem, segundo o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), 5,3 milhões de imóveis rurais. As maiores propriedades – que são
apenas 2,5% do total e têm, em média, 2,5 mil hectares – concentram mais da
metade da área total, 56,5%. As pequenas, com tamanho médio de 29
hectares, correspondem a 90,3% do total de imóveis e têm apenas 24% da
área total de propriedades rurais do País. (O Retrato do Brasil, 2011).
Em uma nova proposta de desenvolvimento, os pequenos produtores que no
Brasil possuem 90% dos imóveis rurais, segundo o Instituto de Colonização e Reforma
Agrária (INCRA) (O Retrato do Brasil, 2011), são 4,8 milhões de pequenas
propriedades no Brasil, que não podem ser menosprezadas, mas valorizadas como
possibilidade de melhor equilíbrio ambiental, benefício social e econômico, uma vez
que sua produção é voltada ao autoconsumo e o excedente colocado no mercado
interno.
As comunidades camponesas podem criar e recriar maneiras de continuar sua
produção e dela retirar seu sustento sem que os camponeses precisem vir para a cidade
compor o grupo de marginalizados que dependem, muitas vezes, do auxílio das políticas
assistencialistas governamentais, tendo precarizada sua qualidade de vida, pois, perdem
os meios de produção de seus alimentos, se tornando tão somente consumidores.
Considerações finais
Este trabalho trouxe uma experiência camponesa que demonstra o interesse do
pequeno agricultor em continuar na sua terra, produzindo e reproduzindo sua existência
enquanto classe, criando mecanismos para o autoconsumo e atender ao mercado
regional, exercendo sua função social que é de produzir alimentos para o país.
Contribuindo para amenizar o problema da fome neste país de commodities.
O modo de produção capitalista se recria elevando a capacidade de dominação,
exploração e opressão sobre os trabalhadores de forma universal, separando a força de
trabalho dos meios de produção, condição ímpar para o exercício do poder. O camponês
luta de diversas formas para continuar com o domínio sobre suas terras, trabalhando
com sua família e não para o capitalista, o camponês pertence a terra, e esta a ele, em
uma relação de reciprocidade. A luta na comunidade Botafogo em Três Ranchos (GO)
ocorre de várias maneiras, como exemplo a criação da Associação dos Pequenos
Agricultores do Botafogo, que é a existência explicitada da união.
Não são poucas as contradições que permeiam a relação
capitalismo/campesinato, neste momento de crise na economia, na modernidade, e na
ciência, o mundo experimenta o ápice em produção técnica, todas as nações se
comunicam, os transportes e a comunicação revolucionam a cada minuto, permitindo o
que Harvey (2006) trabalha como redução do tempo, permitindo a “globalização” dos
alimentos, da moda, dos saberes, do modelo de produzir, dos valores, tentando expurgar
tudo que seja diferente e que de alguma maneira tente romper com o que está posto.
Tanto progresso, não eliminou a fome, não amenizou as diferenças sociais, não gerou
equilíbrio ambiental, não garantiu segurança e tenta fortemente eliminar qualquer
possibilidade de romper com os paradigmas do lucro, do consumismo e do
individualismo.
Neste universo moderno e evoluído do capitalismo, o campesinato se tornou
sinônimo de atrasado e ultrapassado, algo que precisa ser substituído para o mundo
realmente evoluir, seus saberes são desconsiderados, sua cultura ridicularizada, como se
não houvesse futuro fora das grandes e “belas” monoculturas mecanizadas, poluídas e
poluidoras. No entanto, a sabedoria camponesa refletida em Mesquita (2009) e Porto-
Gonçalves (2006) é que propicia a esta classe de agricultores, possibilidade de
autonomia produtiva, de luta política, de resistência e permanência na terra, propicia aos
camponeses, condições para abastecer o mercado interno com a grande parcela dos
alimentos consumidos, em maior equilíbrio com o ambiente.
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