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UNIR PARA RESISTIR: ASSOCIAÇÃO DOS PEQUENOS AGRICULTORES DO BOTAFOGO-TRÊS RANCHOS (GO) Liliana Beatriz da Silva. Mestranda em Geografia. Membro do Núcleo de Pesquisa: Geografia, Trabalho e Movimentos Sociais (GETeM-CNPq). Bolsista FAPEG [email protected] Prof.ª Dr Helena Angélica de Mesquita. [email protected] Programa de Pós-Graduação em Geografia. Campus Catalão/UFG Resumo: Este artigo faz uma reflexão sobre a permanência camponesa no seio do capitalismo, criando e recriando maneiras para resistir ao avanço da agricultura comercial. Tem como objetivo demonstrar, através do relato de uma experiência camponesa concreta, a organização dos camponeses para continuarem em suas terras, produzindo para o autoconsumo e para o mercado regional. A comunidade Botafogo em Três Ranchos (GO), diante das dificuldades em continuar na terra criou a Associação de Pequenos Agricultores do Botafogo e Região (APABOR), que contribui na melhoria da qualidade de vida daqueles camponeses, que explicitam o desejo em continuar em suas terras. Palavras-chave: Terra. Camponês. Permanência. Introdução Esta é uma reflexão sobre a permanência e estratégias de resistência do campesinato no interior do modo de produção capitalista, mesmo diante da voracidade do agronegócio. Assim, na busca pelo entendimento desta realidade foram utilizados procedimentos teórico-metodológicos que contribuíram para o entendimento da complexidade da relação campesinato/capitalismo, visto que, o capitalismo, não extinguiu todas as formas de produzir não capitalistas, e assim, os camponeses se

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Page 1: UNIR PARA RESISTIR: ASSOCIAÇÃO DOS PEQUENOS … · segundo o mesmo autor, ele também não teria espaço no socialismo, porque os camponeses eram muito arraigados a terra e não

UNIR PARA RESISTIR: ASSOCIAÇÃO DOS PEQUENOS AGRICULTORES

DO BOTAFOGO-TRÊS RANCHOS (GO)

Liliana Beatriz da Silva.

Mestranda em Geografia.

Membro do Núcleo de Pesquisa: Geografia,

Trabalho e Movimentos Sociais (GETeM-CNPq).

Bolsista FAPEG

[email protected]

Prof.ª Dr Helena Angélica de Mesquita.

[email protected]

Programa de Pós-Graduação em Geografia.

Campus Catalão/UFG

Resumo: Este artigo faz uma reflexão sobre a permanência camponesa no seio do

capitalismo, criando e recriando maneiras para resistir ao avanço da agricultura

comercial. Tem como objetivo demonstrar, através do relato de uma experiência

camponesa concreta, a organização dos camponeses para continuarem em suas terras,

produzindo para o autoconsumo e para o mercado regional. A comunidade Botafogo em

Três Ranchos (GO), diante das dificuldades em continuar na terra criou a Associação de

Pequenos Agricultores do Botafogo e Região (APABOR), que contribui na melhoria da

qualidade de vida daqueles camponeses, que explicitam o desejo em continuar em suas

terras.

Palavras-chave: Terra. Camponês. Permanência.

Introdução

Esta é uma reflexão sobre a permanência e estratégias de resistência do

campesinato no interior do modo de produção capitalista, mesmo diante da voracidade

do agronegócio. Assim, na busca pelo entendimento desta realidade foram utilizados

procedimentos teórico-metodológicos que contribuíram para o entendimento da

complexidade da relação campesinato/capitalismo, visto que, o capitalismo, não

extinguiu todas as formas de produzir não capitalistas, e assim, os camponeses se

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mantêm ao desenvolverem estratégias de resistência que possibilitam sua reprodução

enquanto classe social.

Vários são os autores que pensam o campo na perspectiva de manutenção dos

sujeitos historicamente ligados a terra, dentre estes pesquisadores temos Oliveira

(1986), Mesquita (1993), Carvalho (2005, 2012), Fabrini (2008); Paulino (2008), Pelá;

Mendonça (2010), Brandão; Borges (2007) que em suas abordagens levantam

questionamentos sobre o paradigma do capitalismo agrário e a necessidade de outro

modelo civilizatório.

A análise das referências, a leitura de Atas e do Estatuto da Associação dos

Pequenos Agricultores do Botafogo e Região, bem como o trabalho de campo com

pesquisa participante, esta, na perspectiva de Brandão e Borges (2007), forneceram

elementos para a produção deste artigo, buscando amenizar inquietações referentes à

condição de camponês no modo de produção capitalista.

Neste contexto de resistência camponesa está a Associação dos Pequenos

Agricultores do Botafogo e Região (APABOR), localizada no município de Três

Ranchos (GO), como possibilidade de manutenção do campesinato no Cerrado goiano.

Os camponeses do Botafogo produzem especialmente para atender as necessidades

básicas da família, participarem do mercado regional com a venda dos produtos

excedentes, comprando o essencial à reprodução familiar.

Os camponeses da comunidade Botafogo são produtos e também agentes sociais,

econômicos e políticos, que buscam maneiras de permanecerem na terra e continuar a

relação de pertencimento ao lugar. Este artigo entende o território camponês como

espaço de vivência e de luta pelo direito a um modo de vida e de produzir específicos,

com a produção voltada ao autoconsumo e a não proletarização.

Campesinato: união e permanência

A discussão sobre o lugar do campesinato na sociedade retoma os escritos de

Kautsky (1986), para o qual o camponês não tinha espaço no capitalismo, por não se

adequar às estruturas de produção e acumulação deste modo de produção, ainda

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segundo o mesmo autor, ele também não teria espaço no socialismo, porque os

camponeses eram muito arraigados a terra e não conseguiam se desprender da mesma,

“[...] diz-se do camponês que ele é um fanático da terra [...]” (KAUTSKY, 1986, p. 117)

restava ao campesinato, pensando por esta leitura, apenas o desaparecimento.

As contradições econômicas, sociais e políticas mostram que a luta camponesa

pela permanência na terra está intrínseca em diversas sociedades “[...] A existência do

campesinato nas sociedades escravocratas, feudal, capitalista e socialista é um

referencial para entendermos o sentido dessa perseverança” (CARVALHO, 2005, p.

23). Em todos os países em menor ou maior escala, de diversas maneiras, através de

movimentos organizados ou de estratégias comunitárias, a luta para permanecer no solo

de produção de bens essenciais à reprodução social camponesa se faz presente. Esta

luta, segundo Paulino (2008), é que faz do campesinato uma classe social, sendo esta

luta segundo Harvey (2006), condição essencial para admitir a existência de interesses

coletivos, numa tentativa de construir um desenvolvimento humano.

Nos diferentes tipos de sociedades nas quais estiveram presentes, os campesinos

foram oprimidos e resistiram, vêem ao longo dos anos encontrando maneiras de lutar

pela terra e nela permanecer. “[...] Os camponeses sempre resistiram à exploração e

opressão [...] Mas é na formação econômica e social sob a dominação do modo de

produção capitalista que o camponês está seriamente ameaçado de desagregação social

e de desaparecimento.” (CARVALHO, 2012, p. 7). Pensando sob esta lógica os

camponeses não teriam chances de continuidade, vindo a desaparecer, porém o que se

presencia são formas de organizações campesinas que encontram estratégias de

reprodução dentro do modo de produção capitalista, que ora repulsa, ora mantém os

camponeses em uma relação conflituosa e contraditória.

Segundo Oliveira (1986), o capitalismo mantém relações não capitalistas de

produção, sendo o campesinato uma delas, de acordo com este autor o trabalho familiar

na unidade camponesa, contribui com o capitalismo, fornecendo mercadorias que

atendem o mercado interno e contribuem para a baixa no preço dos alimentos e matéria

primas agrícolas, reforçando os ganhos de mercado das empresas que colocam estes

produtos em circulação. Segundo Fabrini (2008, p. 247), os camponeses não estão

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inseridos no capitalismo pela esfera da produção, mas na circulação de mercadorias,

quando os capitalistas se apropriam da renda da terra e não da mais-valia.

É uma das contradições do capitalismo, tentar destruir, ao mesmo tempo, que

mantém as relações não capitalistas de produção no campo e delas se beneficia, é neste

movimento contraditório que a luta camponesa é concretizada, não só como resistência

ao desaparecimento, mas por melhorias na qualidade de vida. Carvalho (2012, p. 9)

descreve como o capitalismo se beneficia com a produção campesina. Para ele,

o campesinato sempre foi tratado, na concretude do processo da expansão

capitalista no campo, como uma massa de pequenos produtores rurais

familiares úteis porque podiam e podem oferecer alimentos baratos e se

constituir como reserva de força de trabalho para as empresas capitalistas do

campo e das cidades. (CARVALHO, 2012, P. 9)

Como causa e efeito do conflito campesinato/capitalismo tem-se a expansão do

agronegócio que expulsa camponeses de suas terras e das mesmas se apropria, para a

produção de commodities provocando uma diminuição expressiva da população rural,

compreende-se que as técnicas de produção viabilizam aumento da produtividade em

especial nas grandes propriedades, que aumentam suas propriedades, seja adquirindo de

outros agricultores ou ampliando a fronteira agrícola, buscando sempre mais produção e

acumulação. Impondo a modernização da agricultura como a grande possibilidade na

produção de alimentos, não considerando a importância de outros usos do solo, por

exemplo, em termos socioambientais. Segundo Pelá, Mendonça (2010, p. 67)

[...] é necessário conhecer os diferentes usos e as formas de exploração da

terra, contrapondo-se ao discurso hegemônico do agrohidronegócio centrado

na incorporação das terras “improdutivas”, e na potencialização da produção

e da produtividade e que não reconhecem outros usos da terra. Esse discurso

precisa ser avaliado e ao refazê-lo é urgente reafirmar a viabilidade social e

econômica de políticas públicas que assegurem a produção de alimentos para

a população local/regional de forma saudável para os

agricultores/trabalhadores e a preservação do ambiente. (PELÁ,

MENDONÇA, 2010, p. 67).

Em sua evolução histórica o campesinato cria maneiras próprias de

produção e obtenção de renda que faz crer em uma racionalidade camponesa para uso

do solo, via os diferentes modos de apropriação da natureza, com um modo específico

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de ser e de viver no seio do capitalismo. Segundo Woortmann (1987) para o camponês,

a terra não é simples coisa ou mercadoria, ela é patrimônio da família, onde se realiza o

trabalho que constrói a família enquanto valor. Aqueles sujeitos não visam lucro, mas

sim a garantia da reprodução social da família com melhorias na qualidade de vida. Para

Carvalho (2005, p.170)

Essa racionalidade camponesa, enquanto conjunto de valores que move o

sujeito social camponês apóia-se em dois elementos centrais: a garantia continuada de reprodução social da família seja ela a família singular seja a

ampliada, e a posse sobre os recursos da natureza. A reprodução social da

unidade de produção camponesa não é movida pelo lucro, mas pela

possibilidade crescente de melhoria das condições de vida e de trabalho da

família. (CARVALHO, 2005, 170).

A racionalidade camponesa se apresenta como um trunfo neste momento que os

valores capitalistas vêem sendo questionados, valores que geram produção para

obtenção de lucro e degradação sócio/ambiental, contaminando a água e o ar,

reproduzindo de forma cada vez mais ampliada a violência, seja no campo ou na cidade.

É pensando em uma nova racionalidade que valorize a vida com qualidade, que a

“suposta desagregação do campesinato vem sendo negada por todos aqueles que

sugerem um outro paradigma civilizatório para a vida humana” (CARVALHO, 2012, p.

8). Neste novo paradigma está o campesinato, presente em todo território brasileiro,

produzindo alimentos, oferecendo postos de trabalho que geram melhorias na qualidade

de vida no campo, e uma relação homem/natureza mais equilibrada.

Paulino (2008) ressalta que o processo de recriação do campesinato está em

constante evolução no Brasil e que o mesmo ocorre de diversas maneiras desde os

assentamentos organizados com a participação de movimentos sociais, até soluções

encontradas pelos próprios camponeses em seu cotidiano “[...] as estratégias

empreendidas pelos próprios camponeses, no sentido de aproveitar da melhor maneira

possível os recursos disponíveis, certamente são decisivas” (PAULINO, 2008, P. 235).

Dentre estas estratégias, está a criação de associações comunitárias que possibilitam o

fortalecimento da comunidade camponesa, um exemplo é a Associação dos Pequenos

Agricultores do Botafogo e Região no município de Três Ranchos (GO).

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Associação dos Pequenos Agricultores do Botafogo e Região uma estratégia de

resistência

A Associação dos Pequenos Agricultores do Botafogo e Região (APABOR) foi

criada em 2005, com o objetivo de melhorar a qualidade do leite, produto importante na

geração da renda dos associados. Os camponeses se uniram para juntos enquanto

associação, conseguirem benefícios que individualmente seria quase impossível, por

exemplo, a compra no atacado dos elementos utilizados no beneficiamento da ração e

do sal para o gado.

No ato da criação, a Associação contava apenas com ¼ de salário mínimo doado

por cada associado e muita vontade de fazê-la crescer. Foram realizados bingos com

bezerras oferecidas pelos associados além de festas comunitárias para angariar fundos e

construir o galpão (foto 1) da Associação e a casa para um funcionário (caseiro) que

cuida do local.

Foto 1- Interior do galpão, sede da APABOR.

Autora: SILVA. L. B. 05/2011.

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O galpão foi construído através do trabalho coletivo dos associados que em

forma de mutirão edificaram o local onde são armazenados produtos utilizados no

beneficiamento da ração e do sal para o trato do gado e também guardar as máquinas

utilizadas para fazê-lo. Na sede está também o tanque de expansão adquirido com

verbas do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) via

prefeitura, de fundamental importância, porque conserva o leite, garantindo sua

qualidade.

No galpão estão também os produtos utilizados na composição da ração e

do sal fornecidos ao gado. A ração composta de núcleo para leite, milho e farelo de soja

e o sal composto de micro elementos para o sal, sal branco, fosfato bicálcico, calcário e

núcleo para sal. Tanto a ração para leite quanto o sal são beneficiados pelos associados e

podem ser retirados de acordo com as necessidades de cada agricultor.

Na sede da Associação reside um caseiro disponibilizado pela prefeitura de

Três Ranchos (GO), encarregado de controlar a retirada dos insumos, além de cuidar da

entrada e saída do leite. O acerto, (pagamento) é feito mensalmente. Assim ao comprar

os insumos no atacado os associados conseguem preços menores. A APABOR não visa

lucro, os valores pagos pela ração e o sal são utilizados basicamente para a reposição

dos estoques. A Cooperativa Agropecuária de Catalão (Coacal) compra o leite dos

produtores do Botafogo, e não existe obrigatoriedade em relação á quantidade de leite a

ser depositado no tanque de expansão, porém os custos do caminhão que faz o

transporte Associação/Coacal ficam por conta dos camponeses, o acerto ocorre sempre

no final do mês, quando à cooperativa paga pelo leite com cheque ou depósito em conta

bancária, a critério do associado de acordo com a quantidade de leite fornecida

individualmente.

Os camponeses vinculados a APABOR produzem seu sustento partindo da

produção extensiva de gado leiteiro, sendo o leite utilizado no autoconsumo e na venda

do excedente para a cooperativa, bem como, na produção de derivados (queijo, doces e

requeijão) comercializados nas feiras de cidades vizinhas, especialmente Três Ranchos

(GO), Ouvidor (GO) e Catalão (GO).

Segundo Vaz dos Reis atual presidente da APABOR, a mesma foi criada

após anos de conversações, partindo do anseio de melhorar a renda das famílias

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camponesas da região, mas existiam dúvidas sobre qual a melhor maneira de fazê-la.

Então contaram com o apoio da coordenação do Núcleo de Pesquisa: Geografia,

Trabalho e Movimentos Sociais (GETeM), que promoveu a aproximação daqueles

camponeses com o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) que assessoraram os

camponeses na criação da Associação dos Pequenos Agricultores do Botafogo e Região.

Enquanto associação é possível adquirir no atacado os compostos utilizados no

beneficiamento do sal e da soja com até 30% de desconto podendo auferir maior

rentabilidade na comercialização dos produtos. Os associados da APABOR estão

satisfeitos com a instituição, afirmando que “em conjunto fica mais fácil, porque pode

baratear os custos dos produtos, por exemplo, o saco de fosfato bicálcico utilizado na

composição da ração custa 90 reais, a Associação compra por 70 reais, barateando o

produto para o associado” (Sebastião Nolasco, Agosto de 2012). Assim, se organizando

criam condições para se manterem na terra com melhor qualidade de vida.

A APABOR possui gestão colegiada, na qual, a escolha da nova diretoria ocorre

com os candidatos sendo apresentados pelos companheiros sempre no último dia do

mês de Maio, quando, então, é realizada em assembléia a composição da direção. Esta

diretoria é composta pelos seguintes cargos, presidente, secretário e tesoureiro. O

mandato é de dois anos sem reeleição consecutiva e a diretoria tem respaldo para

negociar em nome dos associados, conseguindo benefícios para todos.

A APABOR coordenou uma experiência com lavoura comunitária (foto 2), que

durante dois anos produziu milho para os cadastrado associados ou não. A lavoura foi

cultivada por dois anos nas terras de um fazendeiro da região, com possibilidade de

renovação do contrato para mais anos. O preparo do solo foi de responsabilidade dos

associados em parceria com a prefeitura de Três Ranchos (GO) que forneceu o trator,

um agrônomo e transporte de insumos. O adubo e o calcário foram contribuição da

APABOR, as sementes e mais 40% do adubo foram doadas pelo governo estadual.

Todas as famílias contribuíram com seu trabalho.

Um dos contratempos enfrentados pelos agricultores na lavoura comunitária foi

devido ao atraso na preparação do solo, pois a prefeitura de Três Ranchos não enviou

máquinas no tempo certo, com isso a produção no ano de 2011 foi menor que o

esperado. As máquinas em poder da prefeitura foram adquiridas com verbas do Pronaf,

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portanto, deveriam ter como prioridade as pequenas propriedades do município, porém,

o que muitas vezes ocorre, é que quando os pequenos produtores necessitam das

mesmas, precisam aguardar sua disponibilidade, o que provoca grandes transformações

com perda de produtividade. Segundo o presidente da Associação, gestão 2011-2013,

“no segundo ano de experiência com a lavoura alguns associados deixaram de participar

porque a colheita de 2010 foi menor que o previsto devido ao atraso para o plantio.”

(VAZ DOS REIS, Agosto de 2012).

Foto-2. Lavoura comunitária de milho da comunidade rural Botafogo Três Ranchos - GO.

Autora. SILVA. L. B. 05/2011.

O milho colhido coletivamente foi 100% utilizado no consumo das

unidades produtivas, tanto na alimentação das famílias quanto do gado, contribuindo

com a diminuição dos gastos dos agricultores cadastrados, pois a colheita referente ao

segundo ano de plantio atendeu às necessidades dos mesmos por um ano. A experiência

foi de apenas dois anos, pois, o proprietário que havia “cedido” a área, desistiu da

parceria, recebendo de volta a terra melhorada, pronta para um novo plantio, porém, não

mais comunitária. Para os pequenos agricultores membros da Associação, o

rompimento da parceria foi desinteressante, uma vez que retomaram a compra de milho

no mercado para suprir suas necessidades. Os associados tinham interesse em continuar

o projeto, porém o proprietário da área não se interessou.

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Naquela comunidade camponesa o interesse em continuar vivendo em suas

terras, gerando renda para sua família e produtos para o mercado regional é visível.

Aqueles pequenos agricultores estão criando mecanismos de vivência e manutenção no

campo, evitando a venda da terra. São indivíduos que mantêm sua identidade, se negam

a substituir sua qualidade de vida por outra totalmente exótica àquela que conhecem e

dominam. Segundo a Revista “O Retrato do Brasil” (2011),

O País tem, segundo o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), 5,3 milhões de imóveis rurais. As maiores propriedades – que são

apenas 2,5% do total e têm, em média, 2,5 mil hectares – concentram mais da

metade da área total, 56,5%. As pequenas, com tamanho médio de 29

hectares, correspondem a 90,3% do total de imóveis e têm apenas 24% da

área total de propriedades rurais do País. (O Retrato do Brasil, 2011).

Em uma nova proposta de desenvolvimento, os pequenos produtores que no

Brasil possuem 90% dos imóveis rurais, segundo o Instituto de Colonização e Reforma

Agrária (INCRA) (O Retrato do Brasil, 2011), são 4,8 milhões de pequenas

propriedades no Brasil, que não podem ser menosprezadas, mas valorizadas como

possibilidade de melhor equilíbrio ambiental, benefício social e econômico, uma vez

que sua produção é voltada ao autoconsumo e o excedente colocado no mercado

interno.

As comunidades camponesas podem criar e recriar maneiras de continuar sua

produção e dela retirar seu sustento sem que os camponeses precisem vir para a cidade

compor o grupo de marginalizados que dependem, muitas vezes, do auxílio das políticas

assistencialistas governamentais, tendo precarizada sua qualidade de vida, pois, perdem

os meios de produção de seus alimentos, se tornando tão somente consumidores.

Considerações finais

Este trabalho trouxe uma experiência camponesa que demonstra o interesse do

pequeno agricultor em continuar na sua terra, produzindo e reproduzindo sua existência

enquanto classe, criando mecanismos para o autoconsumo e atender ao mercado

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regional, exercendo sua função social que é de produzir alimentos para o país.

Contribuindo para amenizar o problema da fome neste país de commodities.

O modo de produção capitalista se recria elevando a capacidade de dominação,

exploração e opressão sobre os trabalhadores de forma universal, separando a força de

trabalho dos meios de produção, condição ímpar para o exercício do poder. O camponês

luta de diversas formas para continuar com o domínio sobre suas terras, trabalhando

com sua família e não para o capitalista, o camponês pertence a terra, e esta a ele, em

uma relação de reciprocidade. A luta na comunidade Botafogo em Três Ranchos (GO)

ocorre de várias maneiras, como exemplo a criação da Associação dos Pequenos

Agricultores do Botafogo, que é a existência explicitada da união.

Não são poucas as contradições que permeiam a relação

capitalismo/campesinato, neste momento de crise na economia, na modernidade, e na

ciência, o mundo experimenta o ápice em produção técnica, todas as nações se

comunicam, os transportes e a comunicação revolucionam a cada minuto, permitindo o

que Harvey (2006) trabalha como redução do tempo, permitindo a “globalização” dos

alimentos, da moda, dos saberes, do modelo de produzir, dos valores, tentando expurgar

tudo que seja diferente e que de alguma maneira tente romper com o que está posto.

Tanto progresso, não eliminou a fome, não amenizou as diferenças sociais, não gerou

equilíbrio ambiental, não garantiu segurança e tenta fortemente eliminar qualquer

possibilidade de romper com os paradigmas do lucro, do consumismo e do

individualismo.

Neste universo moderno e evoluído do capitalismo, o campesinato se tornou

sinônimo de atrasado e ultrapassado, algo que precisa ser substituído para o mundo

realmente evoluir, seus saberes são desconsiderados, sua cultura ridicularizada, como se

não houvesse futuro fora das grandes e “belas” monoculturas mecanizadas, poluídas e

poluidoras. No entanto, a sabedoria camponesa refletida em Mesquita (2009) e Porto-

Gonçalves (2006) é que propicia a esta classe de agricultores, possibilidade de

autonomia produtiva, de luta política, de resistência e permanência na terra, propicia aos

camponeses, condições para abastecer o mercado interno com a grande parcela dos

alimentos consumidos, em maior equilíbrio com o ambiente.

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