unicom 01-2010

11

Upload: acervo-a4

Post on 31-Mar-2016

255 views

Category:

Documents


19 download

DESCRIPTION

Unicom n.01, maio de 2010

TRANSCRIPT

Page 1: Unicom 01-2010
Page 2: Unicom 01-2010

FOTOGRAFIA

JORNALISMO

2

OPIN

IÃO

HÁB

ITOS

bit.l

y/un

iedi

3

QUEM

É QUEM

HÁBITOS

bit.ly/uniexp

CHARGE

EXPEDIENTE

CRÔNICAS

Para todo e qualquer gaúcho ANA LUIZA RABUSKE

Ele é quente, e tem o poder do aconchego. Vive no outono, no inver-no, na primavera e, até mesmo no ve-rão. Passa de mão em mão, e naquela que para, transforma-se em fonte de vitalidade. Para uns, saboroso. Para outros, sem graça, insosso. É por ele que muitos se reúnem e é nele que encontram energias para continuar e recuperar o dia. Para os cariocas, es-quisito. Para os nordestinos, um tanto quanto bizarro. Já para os gaúchos, não existem palavras que o descrevam.

Ele pode ser utilizado em grupos ou a sós. O que jamais muda é a sen-sação do frescor, do sabor, da apro-ximação. Nada se compara ao pode-roso chimarrão. A Dona Maria, o Seu Francisco, o Alaor do açougue, a Diva do mercadinho, o vendedor de vas-souras, a estudante Natália, e até o Pe-drinho que joga futebol no campinho

da esquina, todos têm admiração pelo chimarrão. Seja na escola, em casa, no trabalho, Semana Farroupilha ou em uma tarde ensolarada de domingo. Ele sempre está presente.

Todos os dias. A todo momento. Não há quem resista a um gole da bebida mais apreciada pelos gaúchos. Quente, verde, viva. O “chima”, como é carinhosamente chamado por muitos, é o ponto principal de uma roda de amigos, do encontro da família e da reunião na escola. Além de saboroso, ele une, aproxima, torna a conversa bem mais descontraída.

Sagrado para muitos, foi inventado dele até os “10 mandamentos”. Entre as regras, estão: não mexas na bom-ba; e não deixes um mate pela me-tade. Por todos os aparatos, acaba se tornando um ritual diário na vida da maioria de seus adeptos. Com morro

alto, com morro baixo, cuia larga, cuia pequena, erva com açúcar ou sem açúcar, bomba em detalhes de prata, não importa. Possuindo cuia, erva-mate, bomba e uma água no ponto, está feita a maravilha!

Hábito sempre foi e continuará sen-do. Tanto pra Judite quando pra tia Lúcia. Mania, vício, costume, tara. De tudo um pouco. Para um bom gaú-cho, o chimarrão é símbolo incontes-tável do cotidiano e permanecerá as-sim pelo resto dos dias. Dentre tantos hábitos incomuns por aí vistos, ele se torna um dos mais apreciados. Como já dizia a música:

“Puxa um banco e senta que tá na hora do chimarrão; É o sabor do pam-pa de boca em boca, de mão em mão; Puxa um banco e senta, vem cá pra roda de chimarrão; Ele aquece a goela e de inhapa a alma e o coração...”

EDITORIAL

Quando falamos em jornalismo feito por jornalistas em formação, somos impelidos a pensar em experimentação; em um lugar onde os alunos devem, sobretudo, experimentar, haja vista que, no mercado de trabalho, terão pouco espaço para experimentações.

Essa perspectiva é boa, mas perigosa.

Ela é interessante porque permi-te liberdade desde os primeiros passos, mas ruim devido ao fato de a experimentação não prescin-dir da sólida formação teórica e da experiência, e de esta ser condição para a realização daquela.

Significa, então, que devemos fazer igual ao que todos fazem para somente então fazermos diferente?

Não necessariamente.

Preferimos pensar, no Unicom, que a melhor opção é o caminho do meio; um jornal que seja, antes de qualquer coisa, um jornal, mas que, ao mesmo tempo, transcenda esta condição por meio da experi-mentação em suas páginas e para além delas.

No primeiro caso, ao ser jornal, exerci-tamos esta instância por meio de um exercício muito rigoroso das técnicas editoriais, organizacionais e gráficas.

No segundo, o “para além delas”, referimo-nos aos exercícios de multimidialidade, convergência e interdisciplinaridade; marcas do Unicom.

Se o resultado disso tudo é bom? Sintam com seus próprios sentidos.

BLOG

Para saber mais sobreo processo por trás dojornal e conferir fotosexclusivas da produção:

blogdounicom.blogspot.com

TWITTER

Siga-nos em:@JornalUnicom

UNISC– Universidade de Santa Cruz do Sul Av. Independência, 2293 Bairro Universitário Santa Cruz do Sul – RS CEP 96815-900 Brasil

Curso de Comunicação Social Jornalismo Bloco 15 – Sala 1506 Telefone: 51 3717-7383 Coordenadora do curso: Fabiana Piccinin

Jornal produzido na disciplina de Produção em Mídia Impressa, coordenada pelo professor Demétrio Soster, no primeiro semestre de 2010.

Impressão Graphoset

Tiragem 500 exemplares

DISTRIBUIÇÃO GRATUITA

Jornalismo para além da experimentação

Além do terceiro toqueE João acordava ao terceiro toque

do despertador. No relógio, 5h30min. O chefe da sala de máquinas de um frigo-rífico devia chegar às 7h no local, para dar o exemplo. Preparava o café da ma-nhã: na térmica, café com leite; em um saquinho, alguns biscoitos. A diabetes o fizera acostumar-se com pouco sabor nas refeições. Mas não abria mão do café com leite de cada dia. Antes de sair, o beijo na esposa.

RENAN SILVA

João não tinha nome. Era mais um Sil-va pela multidão. Trabalhava o dia inteiro. Não ganhava mal, mas aos 60 anos ainda era forçado a subir escadas, trepar em ár-vores, cuidar dos níveis de amônia. “For-çado” não é o termo correto, ele gostava daquilo. Ensinava os mais jovens, mas a contragosto. Queria mesmo era que sen-tissem sua falta. Não tirava férias, preferia trabalhar. No frigorífico, não era apenas outro João. Sentia-se bem, talvez até feliz.

Ao meio dia, almoçava no trabalho; não tinha outra opção. Depois, pe-gava o jornal para saber as notícias. Fora alfabetizado até a 5ª série, mas a vida se encarregou de lhe ensinar o resto. Não se estressava no trabalho, não sentia rancor nem discutia com o patrão. Apenas fazia sua função da melhor forma.

Ao chegar em casa, a carranca to-mava conta. Sentava no sofá, enquanto

a cusca lambia seus dedos. Após o ba-nho, jantar e JN. A essa hora, a carranca já havia passado. Deitava-se antes da novela, enquanto a esposa arrumava a cozinha. Assistiam a uma parte da no-vela. Ele roncava, ela baixava o volume da TV. Acordava para ir ao banheiro e ao voltar para a cama o dia terminava oficialmente. Dormir era nada mais que esperar pelo próximo dia, na esperança de que fosse, outra vez, tudo igual.

ILUSTRAÇÃO OPINIÃO

ÁUDIO E VÍDEO

ARTE

Giusepe Fontanari

Amanda Mendonça

Mariana Pellegrini

prof. Demétrio SosterEDITOR CHEFE

Pedro GarciaEDIÇÃO MULTIMÍDIA, REPORTAGEME REVISÃO

RosibelFagundes

REPORTAGEM

Marília Nascimento

EDITORA EREPORTAGEM

Vanessa Kannenberg

PROJETO GRÁFICOE REPORTAGEM

PatríciaParreiraREPORTAGEM

Luana BackesSUB-EDITORA, REVISÃOE REPORTAGEM

JoãoCléberCaramezREPORTAGEME PRODUÇÃO

HenriqueScherer

EDIÇÃO DE ARTEE PUBLICIDADE

Ana Luiza

Rabuske

EmilinGrings

RenanSilva

PabloMeloCRIAÇÃO DA VINHETA

LuisHabekostCINEGRAFISTA

JoelHaas

FINALIZAÇÃO DE VÍDEO

AndersonRohr

MaríliaGehrke

GéfersonKern

Bruna Travi

NairoOrlandi

LucianaBastos

Pepe Fontanari

Page 3: Unicom 01-2010

4

ROTI

NA

HÁB

ITOS

bit.

ly/u

nidi

a

5

ROTINA

HÁBITOS

bit.ly/unidia

A vida escrita por meio de cartas e diários

Pessoas como Loiva Kohl, 55 anos,

não abrem mão de escrever;

são hábitos adquiridos desde há muito e que

se transformaram em um estilo de vida

JOÃO CLÉBER CARAMEZ REPORTAGEM E FOTOGRAFIA

A entrevista não acontece da for-ma convencional. Loiva Kohl, costu-reira de 55 anos, prefere responder por meio da escrita sobre seu hábito. Paulo Coelho, o escritor, ajuda-lhe a explicar o porquê: “Escrevo sempre e acho muito importante escrever, um papel e uma caneta operam mi-lagres, curam dores, consolidam so-nhos, levam e trazem a esperança perdida”. Nem poderia ser diferente. A vida de Loiva tem sido escrita por meio de cartas desde que era jovem, quando ainda morava no interior de Vale do Sol.

Nessa época, quando tinha seus 17, 18 anos, a função de Loiva no grupo de jovens da Igreja da Confis-são Luterana que frequentava era muito especial: ela era encarregada de escrever textos com mensagens direcionadas aos jovens. Loiva era líder do grupo e preparava os cultos voltados às crianças. Também lem-bra que, na época, o diálogo com os amigos era feito principalmente por cartas. Nelas, os sentimentos apa-reciam expressos pela escrita. E se perpetuavam.

E quanto aos e-mails e mensagens instantâneas; atrapalham demais? Pelo contrário: ajudam a conservar amizades com as quais se corres-pondia há 34 anos, nos intercâm-bios que fazia por meio do grupo de jovens. Só que de forma mais rápi-da. Loiva foi até para Goiânia me-ses atrás, para visitar uma amiga do tempo de juventude. Uma outra

amiga está em Curitiba e quem sabe ela não irá visitá-la em uma próxi-ma oportunidade? Pela internet, sempre se comunicam.

NOVOS HÁBITOS, VELHOS COSTUMES

O tempo passa e os hábitos mu-dam. Ao lado da máquina de costura, sua ferramenta de trabalho há quase quatro décadas, Loiva traça as linhas que registram o cotidiano. Este há-bito de escrever se transformou há oito anos em um diário, onde não es-creve os compromissos do dia. Todas as manhãs, quando tem mais tempo, ela faz o seu mate e senta para escre-ver o que aconteceu no dia anterior. Além disso, agradece a Deus o dia que começa, anota o clima: algo que faz nos últimos cinco anos. O dia de Loiva é como uma caixa de presente que abrimos e nos revela uma gran-de surpresa. Coloca o dia nas mãos de Deus, para quem sempre agrade-ce. É desse jeito que começou essa história de relatar os principais mo-mentos de sua vida.

A maior razão para o hábito é que ela “sempre gostou de escrever para se entender porque é uma terapia”. Tudo o que sentia, repassava para o papel. Os sentimentos a faziam escrever e, hoje, sua vida está equi-librada. A maior parte dos regis-tros são sobre coisas felizes. Assim aprendeu a viver um dia de cada vez e se surpreende pelo mesmo. Ama-

nhã, tudo pode ser diferente do que imaginamos.

Loiva ressalta que, além do diário, qualquer momento é hora de escre-ver. Podem ser pensamentos, poe-sias, letras de música, entrevistas do rádio, dicas domésticas, declara-ções, sentimentos de felicidade, de amor, de otimismo, várias anotações que podem ser úteis. Existem muitos desenhos, principalmente esboços criados para fazer peças de roupa depois. Dá para perceber que ela anota de tudo, inclusive o que pare-ce desimportante: hoje ela valoriza mais o que escreve.

Pergunto sobre a vontade de criar um blog, mas responde que nunca sentiu. Diz que escreve para si, não pensa em expandir para algo públi-co. Não seria a mesma coisa. O prazer para ela é pegar a caneta e escrever no papel. Mas uma coisa ela gostaria que existisse: “uma forma de nossa mente estar conectada ao computa-dor para que ele fizesse os registros automaticamente.” Já que nossa me-mória falha em certos aspectos, o diário funciona “como um site que abrimos e as coisas antigas estão arquivadas lá e podemos acessar a hora que quisermos”. É assim que compara seu diário com o formato da internet.

Como costureira, Loiva diz que pode ouvir e trocar experiências com muitas pessoas. “Escrever me fascina. É uma forma de me expres-sar e de impulsionar o meu interior,

tanto com sentimentos de alegria, como de tristeza.” Seus pensamen-tos deslizam pelas mãos e rabiscam qualquer papel avulso ao seu alcance ou nos cadernos onde anota medidas e faz seus desenhos, e até em capas de livros. Em tudo tem alguma coisa escrita. Ela salienta que “o hábito de escrever sempre lhe ajuda a se co-nhecer e se entender, é importante para sua auto-estima, alimento para a própria alma”.

Escrever se tornou uma forma de dialogar com si mesma. Houve uma época muito difícil em sua vida, onde “escrever foi uma auto-ajuda, pois escrevia falando para Deus, o que re-sultou em uma coleção de blocos so-mente com orações. Assim vejo hoje”.

OS DIAS PARA SEMPRE NOS DIÁRIOSCom suas experiências, Loiva sabe

ouvir muito. Quando era jovem, as possibilidades de entrar em uma uni-versidade eram difíceis. Então, não conseguiu estudar psicologia, área que gosta muito.”Como trabalho em casa, tenho contato com muitas pes-soas e adoro isso porque posso trocar experiências. Amo a minha profis-são. Com 18 anos, já fazia as primei-ras costuras”. A filosofia também é uma área que lhe agrada, porque serve de resposta para muitas coisas que acontecem na vida das pessoas.

Outra coisa que nunca tinha pen-sado e passou a se questionar duran-

te a entrevista: para quem ficarão os diários? Loiva assume que não se preocupa com isso, mas se for para fi-car com alguém, que seja alguém que valorize. “Deus sabe”. Segundo Loiva, isso tudo pode render livros, contos, pode servir para a história da famí-lia. “Meus sobrinhos, quando desco-briram o costume de escrever, passa-ram a se interessar e quem sabe eles sigam esse caminho também.”

Uma grande curiosidade ainda pairava no ar: alguém já leu o seu diário? Ela diz que não. Já mostrou algumas passagens para outras pes-soas, mas na maioria das vezes so-mente para tirar dúvidas sobre da-tas, acontecimentos e variações do clima. Loiva prova pela sua escrita que existem ciclos em nossas vidas e eles se repetem. Além disso, os diá-rios servem como um tira-dúvidas, já que “esquecemos muitas coisas como os aniversários, casamentos. Eu mes-ma faço a releitura de certas passa-gens. Percebo os momentos difíceis e os bons e fico feliz”.

Loiva descobriu que tudo isso foi importante para chegar até aqui. “A vida sempre ensina e sei disso por que registrei.” Ela aprendeu muito e tem sempre a aprender, por isso continuará a escrever. E revela um segredo: “Foi um desafio contar so-bre o meu hábito de escrever. Rendeu páginas. Eu agora tenho que relatar sobre você nas páginas do diário. Fica a recomendação: guarde e anote tudo e sempre escreva. Esse hábito é

importante para o jornalista porque pode resultar em livros, e material para isso não lhe faltará”. A mensa-gem que ela deixa é “ter um diário e cultivar isso é descobrir que cada dia é único. Por isso, escrevo. Sempre”.

Com certeza, nesses dias que fre-quentei sua casa para entrevistá-la, ficará algum registro sobre esse re-pórter nas páginas do querido diá-rio.

Não é só o papel e a caneta que fazem parte do cenário dos registros de Loiva. Uma máquina de costura, tesoura, manequins e tecidos também. Além do tradicional chimarrão, um companheiro diário.

Agências experimentais.Onde se entra aprendendoe se sai realizando.

s hipermidia.unisc.br/a4

JORNALISMOPRODUÇÃO EM MÍDIA AUDIOVISUALPUBLICIDADE E PROPAGANDARELAÇÕES PÚBLICAS

Page 4: Unicom 01-2010

6

NOV

A VI

DAH

ÁBIT

OS

7

NOVA VIDA

HÁBITOS

bit.ly/unilar

O passado de Dona Maria Dorfey tem sabor de iogurte, da época em que ia ao supermercado comprar o que quisesse para comer. Hoje, aos 84 anos, morado-ra da ala geriátrica do Hospital Bene-ficente Sinimbu há cinco, já não tem a liberdade de que tanto se orgulhava. De todos os hábitos os quais teve que deixar para trás, sente muito a falta de ir e vir sozinha, com suas próprias per-nas. Mesmo assim, o sorriso, sua mar-ca registrada, só dá lugar às lágrimas quando fala sobre sua situação atual. As paredes frias do prédio perdem força diante do aconchego da poltrona de Maria. O cobertor e o travesseiro a protegem do frio que se anuncia com a garoa que insiste em tomar conta do mundo lá fora.

Sem caminhar há seis anos devido a um acidente de trânsito, Dona Maria tem uma amiga inseparável: sua me-sinha de cabeceira. Sem poder se lo-comover, ela deixa tudo o que precisa por perto. O rosário, companheiro de orações, fica junto da sua pomada para as mãos. Os óculos, parceiros de mui-tas leituras, estão sempre próximos do controle remoto da televisão. A água, o pote de bolachinhas de água e sal e o

Mais que uma casa geriátrica, um novo lar

guia de seu plano de saúde preenchem os espaços vazios. Suas roupas ficam em dois roupeiros diferentes, um para as de verão outro para as de inverno. Sobre um deles está uma foto do dia do casamento dos seus pais, do tempo em se casava de preto. “Você sabe por que não era branco? Eu não sei”. Na hora de ser fotografada, Dona Maria não dis-pensa o pente cor de rosa, que também fica sobre a mesinha.

Maria passa os dias lendo. Lê o que tiver em mãos. Jornais, livros de cantos religiosos e novenas. “Eu sabia tudo, mas esqueci, aí quando leio eu lembro.” Às vezes ouve rádio. A televisão, um dos principais contatos com o mundo exterior, ela só assiste à noite. Gosta de telejornais e de programas que lhe en-sinam alguma coisa. “Aprendo muito com a tv.” Tenta acompanhar a evolu-ção do mundo e percebe que muita coi-sa mudou. Porém, coisas consideradas banais são motivo de tristeza. “Como está o dia, está nublado? Não consigo ver o céu daqui.” Mas de um hábito ela não abre mão: tomar banho de chuvei-ro, mesmo que precise de auxílio para isso. “Não gosto de tomar banho na cama; de chuveiro é muito melhor.”

Muitas recordações vêm à tona du-rante a entrevista. Quando menina, logo após o jantar, Maria e os irmãos cantavam músicas alemãs com o pai. Hoje não é difícil ouvi-la assobiando melodias antigas. Ela também can-ta, e é nesse momento que a alegria toma conta de seu semblante. Então, Dona Maria rejuvenesce. Volta a ser aquela menina com sonhos. Quando volta ao presente, vê que conquistou seu principal objetivo: ser enfermeira. Orgulha-se ao contar que sempre fez um bom trabalho, que conseguiu aju-dar muita gente. Fica decepcionada ao lembrar que naquela época tinha que fazer tarefas que hoje não são feitas por técnicos em enfermagem. “Antes, quando morria alguém, eu tinha que vestir para o enterro, e meu salário não aumentava. Hoje as funerárias co-bram caro pra fazer isso.”

As alegrias de Dona Maria surgem aos poucos. Toda semana ela caminha rumo à sua liberdade. Com a ajuda do fisioterapeuta, dá alguns passos que a levam até a porta do hospital. A felici-dade de sentir o vento bater no rosto só não é maior do que ver o céu azul. Dia feliz é aquele em que não há nuvens.

bit.l

y/un

ilar

Alguns chegam para ficar um mês,

e acabam passando o resto dos dias no

Hospital Beneficente de Sinimbu. A nova

vida exige rotinas diferenciadas

LUANA BACKES REPORTAGEM E FOTOGRAFIA

PEDRO GARCIA FOTOGRAFIA

Alguns minutos se passam e Maria é novamente carregada pelo médico, e volta para seu quarto. As visitas da fa-mília deixam Dona Maria alegre, sen-tindo-se amada. Solteira e sem filhos, ela conta com o carinho dos sobrinhos. Orgulha-se ao falar de cada um. Faz questão de contar o que cada um faz e suas características. Quando a levam para passear a alegria parece não caber dentro do peito. Relata o passeio com o entusiasmo de uma criança, como se fosse a um parque de diversões.

Na tentativa de melhorar a quali-dade de vida dos residentes, a psicólo-ga Carina Bublitz encoraja os idosos a praticarem o artesanato. Começaram com o croché. Dona Maria não gostou da ideia. Começou, fez alguns pontos e parou. Durante um passeio com a fa-mília, a esposa de seu sobrinho termi-nou o trabalho para ela. Maria voltou ao hospital com a toalha pronta, e até serviu de modelo para as outras. No entanto, deixa claro que gosta de ler e não quer saber de outra atividade. Agora, conta aos risos, teme que tenha que praticar o tricot.

A ALA GERIÁTRICA

O hospital tem, em média, 20 resi-dentes na ala geriátrica. Geralmente os idosos ficam ali por indicação mé-dica. O dia dos moradores começa às sete horas da manhã com o banho. Ao longo do dia fazem sete refeições. A adequação à rotina e aos horários é a parte mais difícil do processo. A gran-de maioria dos idosos não caminha, e alguns já sofrem de demência. Alguns recebem visitas dos familiares, po-rém, nem todos têm essa alegria. Mui-tos pacientes os veem somente no dia do pagamento.

O valor da internação varia de acor-do com a opção do tipo de quarto, com banheiro ou sem, com televisão ou não. Muitos usam sua própria apo-sentadoria para arcar com as despe-sas, sem deixar ônus aos parentes. As visitas dos alunos das escolas locais e de membros de igrejas amenizam a solidão que abala a todos. Os visitantes cantam músicas acolhedoras e encora-jadoras. Para os que não falam o portu-guês, são entoadas músicas alemãs.

Há os que chegam para ficar um mês, como é o caso do Seu Ênio. Hoje, aos 78 anos, já está lá há um ano e dois meses. Com problemas de saúde, dei-xou a mulher e a filha em casa. Gosta do quarto e do atendimento. Consi-dera o tratamento recebido e as ins-talações muito “chiques”. Passa o dia assistindo televisão e reconhece que se estivesse em casa estaria fazendo o mesmo. Lamenta ter abandonado sua vida profissional. “Sempre fiz de tudo, hoje estou aqui, sem poder fazer nada.” Seu Ênio foi alfaiate, no tempo em que suas mãos ainda respondiam aos seus comandos.

A característica que todos têm em comum é a de não querer incomodar. Têm receio de importunar familia-res, enfermeiras e médicos. Sentem-se como se sempre estivessem atra-palhando. Os dias próximos aos do aniversário são os mais difíceis, pois os idosos ficam mais emotivos e qual-quer conversa sobre suas vidas acaba em lágrimas. Ali todos sonham com o retorno às suas casas, suas vidas. Re-lembram como deixaram a residên-cia e contam o que irão fazer quando voltarem. Tudo o que mais querem é retomar a antiga rotina, o que inclui o aconchego da família e a tão estima-da liberdade.

Em junho de 1933, com apenas 14 leitos, foi inaugurado o Hospital Benefi-cente Sinimbu. Em 1972 uma nova ala foi criada, com geriatria e maternidade. Hoje, sua fachada é assim.

FACES DE DONA MARIA

Page 5: Unicom 01-2010

8

ENSA

IOH

ÁBIT

OSbi

t.ly/

unib

um

9

RETRATOSH

ÁBITOSbit.ly/unifoto

Foto-hábitos

Por que os homens olham tanto para o bumbum das mulheres?

Uma mulher passa. Os homens olham. Não importa se é bonita ou feia. Ser gorda, magra, baixa, alta, também não faz diferença. Eles não olham o rosto, às vezes não veem nem todo o corpo. Apenas uma parte dele: a por-ção musculosa da parte dorsal traseira do tronco feminino, ou seja, os glúteos. Na gíria: bumbum ou bunda. Para “ad-mirar” bem essa parte do corpo delas, eles até viram a cabeça. Os mais ousa-dos fazem comentários, que nem sem-pre são a respeito do traseiro. Os elogios são para a dona da bunda. Assovios também fazem parte do repertório de-les. Tudo vale para chamar a atenção daquela que os deixou babando.

Todo homem já olhou com malda-de para uma bunda feminina. Mulher que nunca viu seu namorado, marido ou companheiro, dando aquela olha-da para o bumbum de outra, que atire a primeira pedra. Se uma fêmea está passando, não tem erro. É olhar para os olhos dos machos ao redor que você saberá exatamente onde eles se encontram: pousados, agarrados, quase despindo a pobre. Têm alguns

que são mais discretos, admiram quando o bumbum está a sua frente. Mas todos olham.

Este hábito dos homens de não serem discretos ao admirar “a preferência na-cional” tem explicação científica. É que eles têm visão periférica pouco apu-rada. Por isto, para ver bem uma bun-da têm que se virar. Mas, por que este fascínio tão grande pela parte dorsal traseira do tronco humano feminino? Quando eles olham, parece que nunca a viram antes. Eles param de piscar e a boca se enche de saliva.

O cerébro dos homens, de acor-do com a sua estrutura, sente atração pelo que vê. Quando eles olham para uma mulher na rua não quer dizer que ele queira levá-la imediatamente para cama. Essa atração é do instinto dos homens. Afinal, ele nem conhece a que passou e não pensa em começar um relacionamento com ela. O que inte-ressa não é a personalidade da mulher e sim seus atributos físicos. O mesmo ocorre quando os homens olham re-vistas masculinas. Eles querem só ad-mirar. O que está exposto aqui não é

uma desculpa para o olhar grosseiro de alguns homens, é apenas uma explica-ção de que nessa hora é a biologia que está em atividade. Essa seria a resposta científica para o fascínio dos homens pelas bundas.

Quando acompanhadas por eles, as mulheres não gostam de ver os seus reparando nas outras. Se um casal está passeando na rua e em direção vem uma garota que a mulher julga ser bo-nita, ela rapidamente localiza a “ame-aça” com a sua bela visão periférica a curta distância. Após, se compara com a rival e, em geral, se sente em desvan-tagem. Se o homem por acaso notar a outra, para as mais ciumentas é briga na certa. Por mais que o olhar dele seja discreto, o bate-boca começa.

Porém isso nem sempre incomoda as mulheres. O fato se inverte quando elas são o alvo do olhar. As mulheres gostam de ser elogiadas e admiradas pelos homens. Faz bem à autoestima. Elas já estão acostumadas com este hábito que nem se aborrecem com isto. As mulheres estão tão habituadas com o olhar malicioso deles que estra-

FONTE D

O ENSAIO: PEASE. Allan e B

árbara. Por que os homens fazem

sexo e as m

ulheres fazem am

or? Rio de Janeiro: Sextante, 2000.

EMILIN GRINGS

No domingo não pode faltar aquele chimarrão

Nada melhor do que uma boa leitura para recarregar as baterias

Domingo: sol, suor e bola de borracha

A competição é amadora, mas os atletas ouvem o seu técni-co como em uma partida entre profissionais

Aproveitar a tarde sobre duas rodas

BR

UN

A TRAVI

MAR

ÍLIA

GEH

RK

E

GÉFERSON

KER

N

NAI

RO

ORLA

ND

IAN

DER

SON

ROH

R

nham não serem notadas. As mais de-pressivas se sentem feias. Tem até uma frase que diz: “Mulher que nunca ouviu elogio ao passar em uma construção não é mulher que se preze”.

Por falar em mulheres, e elas olham para a parte traseira dos homens? Sim. Mas são mais discretas porque a visão periférica feminina é superapurada. As-sim, não é preciso virar a cabeça. Este fato se justifica também porque, para as mulheres, o corpo não importa mui-to. É claro que a beleza física chama a atenção. Porém, para elas, os receptores sensoriais estão nos ouvidos. Por isto, elas gostam de palavras doces. Muitas mulheres chegam a fechar os olhos quando o homem que a ama sussurra palavras carinhosas aos seus ouvidos.

Portanto, se o seu namorado, ma-rido ou companheiro está sempre reparando no glúteo das outras, seja franca. Pergunte o que ocorre. Se ele responder que não tem nada demais nisto, não encane. É só um hábito masculino proveniente da falta de vi-são periférica e do instinto biológico próprio dos homens.

PEPE FONTANARI ILUSTRAÇÃO

Page 6: Unicom 01-2010

10

PIN

G PO

NG

HÁB

ITOS

11

PING PON

GH

ÁBITOSbit.ly/unileobi

t.ly/

unile

o

COLUNA

Era a primeira pergunta de uma das primeiras entrevistas que dei para o lançamento do meu pri-meiro livro de contos. Uma rádio universitária em Porto Alegre. O cara sai lascando: me fale algo so-bre a Série Narrativas da WS Editor. Ora, tudo o que eu precisava sa-ber sobre a Série Narrativas da WS Editor era que o meu livro fora pu-blicado na Série Narrativas da WS Editor, o que mais? Mas foi muito instrutivo, porque ali eu vi que o Tom Jobim era quem estava cer-to: não importava o que o entre-vistador perguntasse, ele falava do assunto que quisesse. Ou isso, ou o engasgo.

Felizmente tive que usar poucas vezes a técnica jobiniana (ah, ou-tro que fazia isso muito bem era o Olívio Dutra, aliás, este eu nem sei se chegava a ouvir as perguntas). Mas é bom pensar rápido.

Outra coisa que aprendi com o tempo é que a quantidade e a pro-fundidade da informação que se dá depende do veículo e do tem-po da entrevista. E isso daí não tem nada a ver com o entrevistador em si, mas com o público. Numa revista especializada em literatura tu podes dizer que o teu livro trata da dúvida como fator constituinte da alma humana, ali explorada em seu viés existencial e essencial. No jornal, rádio e TV a cabo, tu dizes que é a história de uma menina que não sabe se dá ou se desce. Na TV aberta basta dizer que tu estás lançando um livro novo às 19h na livraria tal, porque as pes-soas só vão prestar atenção é na tua cara mesmo.

Felizmente TV aberta não se in-teressa muito em literatura. Mas sempre que é legal mostrar a cara, pra ter assunto com os vi-zinhos no elevador.

Bom, eu poderia terminar dizendo que dá pra escrever um livro sobre a arte de ser entrevistado. Acho até que dá, mas não eu. Porque tudo o que aprendi até hoje coube nes-ses parágrafos aí em cima.

E pode ser que o pessoal do Unicom ainda corte alguma coi-sa na edição.

A arte de ser entrevistado

LEONARDO BRASILIENSE

Leonardo Brasiliense, um desabituadoLeonardo Brasiliense

começa a trabalhar às 8h e só sai às 18h da Receita

Federal, onde é fiscal. No currículo, a graduação em Medicina. Da faculdade de

Direito, onde esteve por dois dias, resta-lhe apenas

uma vaca de pelúcia, presente dos amigos por ter passado

no vestibular. O adorno permanece na estante do

escritório onde guarda algumas das coisas que

realmente lhe interessam:livros, roteiros de filmes e prêmios – um Açorianos e um Jabuti pelo livro Adeus

conto de fadas. Ao lado ficam os equipamentos de fotografia e um notebook, cuja principal

finalidade é editar fotos. No quarto, ainda, dois raros

amplificadores e guitarras. Assim, seu apartamento,

com poucos móveis, guarda tudo que o faz feliz.

Literalmente, um desabituado escritor.

VANESSA KANNENBERG REPORTAGEM

LUANA BACKES FOTOGRAFIA

Desde pequeno tu fostes transferi-do de cidade muitas vezes por cau-sa da profissão do teu pai. Agora que és independente, não paraste de te mudar também. Como fica a questão dos teus hábitos, é difícil adaptar-se frequentemente?

Não. Eu me adapto muito rápi-do, não tenho problema com

isso. Minha vida mudou mesmo de um ano pra cá, quando eu decidi que iria sair da Receita Federal e ia trabalhar com cinema. Então come-cei a estudar roteiros de cinema, o que estou fazendo no momento, e, paralelamente, trabalho na Receita. Mas foi uma mudança, eu decidi: agora eu vou tentar fazer outra coisa da vida.

E a literatura, como se encaixa nessa tua nova fase?

Eu não abandonei a literatura, mas eu estou de férias dela

neste momento. Um livro meu aca-bou de sair em fevereiro (Whatever, editora Artes e Ofícios) e em abril sai outro (Três dúvidas, Companhia das Letras). Nessa história de esperar editora, definir se aceita ou se não aceita, quando vai publicar... Aca-bou acontecendo que eu tenho mais um original pronto. Por isso que eu estou meio de férias da literatura e não estou escrevendo no momento. Estou me dedicando a esta história do cinema. E também à fotografia...

Conta como que é essa história da fotografia. Como e por que se dedi-car também a isto?

A fotografia entrou na carona do cinema, porque, em função dos

filmes, comecei a pensar as coisas em termos de imagem. Aí um amigo, que é fotógrafo profissional, deu-me umas dicas sobre o que comprar, como começar a fazer as coisas... Bom, aí eu peguei gosto. No come-ço eu fotografava os amigos. Tipo assim, eu enchia o saco. (A pessoa) ia tomar um café comigo, então tá: nós vamos fazer foto. Agora estão surgindo outras coisas, trabalhos profissionais.

Tu consideras a fotografia, a litera-tura e o cinema como hábitos teus? Hábitos no sentido de coisas que tu não largaria.

Não sei... Eu já larguei tudo. Parece fácil largar as coisas

falando assim, né?! Eu acho que (as artes) são modos de me expressar. Eu toco guitarra desde os 15 anos de idade, que é um jeito de fazer “barulho”. E eu acho que a literatura também entrou nessa história de fazer algum barulho, de colocar pra fora alguma coisa. E o cinema é a mesma coisa. Só que eu acho que o cinema sempre esteve lá, desde os primeiros contos, porque sempre os escrevi baseado em imagens e cenas. Mas um dia eu me dei conta:

“Bah! eu queria mesmo era escre-ver pra cinema”. Eu não sei muito bem o que dizer que é hábito meu... Sei que não gosto da palavra hobby. Eu acho que hobby é algo que tu faz pra passar o tempo, quando tu tens tempo livre. Mas eu não faço assim. É como eu sinto a coisa.

Então quais seriam os teus hábitos?

Eu tenho umas boas manias em relação ao trabalho, que eu já

tinha desde quando eu comecei a escrever até com a fotografia agora. Eu não consigo pensar em fazer alguma coisa muito impulsiva. Eu sempre faço um bom planejamento antes. Essa seria a minha mania mais permanente. Ainda tem a história de que sempre escrevi de madrugada, não consigo escrever de noite. Eu durmo cedo e acordo às 5h da manhã. Ai eu escrevo das 5h até às 7h30, quando eu vou pro serviço.

E quando és pego desprevenido?

Aí a gente improvisa. Nesses mo-mentos entra em cena o guitar-

rista. Na guitarra eu só improviso.

Falando em guitarra, como tu te relacionas com a música?

Eu tive uma banda quando come-cei a tocar, aos 15 anos. E depois

sempre toquei sozinho. E hoje eu

contos se deve à mudança de hábitos das pessoas nesse mundo tão veloz?

Eu acho que o mini-conto tem bastante espaço hoje em função

disso, porque as pessoas estão com a vida muito agitada e estão dedi-cando menos tempo à leitura, para coisas mais demoradas como um bom “romanção” de 500 páginas. Mas eu não escrevi mini-contos por isso. Eu escrevi mini-contos pra valer mesmo entre 1994 e 96, depois comecei a escrever contos. Eu voltei há pouco porque recebi alguns con-vites, inclusive de uma editora, em 2005, que originou o “Adeus conto de fadas”. Mas eu não sou de escrever mini-contos. São coisas que tiveram a sua época e depois foi meio que por encomenda e alguns eu escrevo pra colocar no site pra ele não ficar muito parado. Mas não é a minha atividade principal nem é o que eu gosto mais de fazer. E nem de ler. Eu sou um leitor de “romanção”.

Nesse sentido, tu achas que esses hábitos que mudaram com a veloci-dade são corretos?

Eu acho que as pessoas estão numa crise em relação ao

tempo. Estão fazendo muita coisa ao mesmo tempo – quem sou eu pra falar – e estão se dedicando pouco

nem tenho vontade de ter banda. Primeiro que eu acho que quem tem mesmo vontade de ter banda, tá disposto a ganhar dinheiro com isso, quer investir tempo e dinheiro nisso. Ai tem que achar quem queira tocar sem compromisso. Segundo que tem que achar alguém que goste das mesmas coisa que tu. Alguém que ouça Korn, Velvet Revolver e jazz ao mesmo tempo e que toque comigo... É meio complicado.

É verdade que tu não fostes um lei-tor assíduo quando criança – como geralmente foram os escritores?

Eu só me alfabetizei quando eu entrei para a faculdade, com

Guimarães Rosa e Machado de Assis. Fui uma criança que vivia grudado na televisão, não tinha há-bito de leitura, não. Meu negócio era filme. Assistir à Sessão da Tarde era obrigatório.

E hoje em dia tu lês bastante?

Hoje em dia leio bastante, mas menos que um tempo atrás.

Com esta história de estudar ro-teiros, eu assisto filmes todas as noites.

A tua opção por escrever mini-

para coisas mais demoradas. E nes-sa rapidez toda a riqueza se perde. Não tem mini-conto que se compare a um “romanção”. Só que tu tem que parar e ler. Larga a internet um pouco e vai ler. Vale a pena. Eu tenho uma certa resistência com essas coisas.

Já pensou em fazer algum curso de graduação ou prefere ser auto-didata?

Auto-didata é uma palavra meio estranha... Mas quanto à aula

penso que o “cara” vai me dar uma aula de 50 minutos e nesse tempo eu li umas cinco vezes aquela quan-tidade de informação. Eu não estou falando mal dos cursos, mas é que... Eu durmo em aula. Preciso admitir. Na faculdade eu já dormia.

Dormir em aula seria um hábito do qual tu queres te livrar?

Não. Eu gosto.

E tem algum do qual tu gostarias de te livrar?

Não. Eu tenho a impressão de que eu faço tão pouca coisa, que

se eu for me livrar dessas não vou fazer nada

Page 7: Unicom 01-2010

12

COST

UM

ESH

ÁBIT

OS

13

ARTIGOH

ÁBITOSbit.ly/uniredbi

t.ly/

unis

om

Hábitos nas redaçõesJornalista é como grande parte dos

seres humanos. Um cidadão comum, com suas próprias características, e que tem vida além da redação - local ideal para construir um estereótipo de pessoa apressada e que sempre corre contra o tempo para cumprir prazos. Os produtores da notícia praticam atos que se tornam involuntários à medida que são repetidos. Conside-rados como hábitos, são legitimados quando fazem parte do seu cotidia-no. Alguns sentem-se transtornados se os deixam de lado.

A rotina jornalística propicia a aqui-sição de costumes. Nos momentos de folga e no final do expediente, é difí-cil encontrar uma cafeteira que esteja cheia na cozinha da empresa, essen-cial para espantar o cansaço físico e mental. Profissionais do ramo têm alto nível de estresse durante o dia de trabalho. Em consequência, ado-tam práticas que, inclusive, afetam a saúde, como fumar e ter má postura diante do computador durante horas seguidas. A pressa, sempre presente,

muitas vezes compromete a veraci-dade dos fatos. Mas, em geral, todo jornalista precisa lidar com esta corri-da indiscriminada contra o tempo.

Outro ponto importante a ser res-saltado é a capacidade de socializa-ção do jornalista. Muitos têm o hábito de cobrir as suas pautas apenas pelo telefone. E como são muitas, o tem-po é curto. Uma vez que não existe integração com o restante da equi-pe, torna-se individualista e isolado. Com o tempo, perde o contato com o ambiente externo, fundamental para o bom exercício da atividade. As matérias perdem em fator huma-no em razão da habitual cobertura à distância. Deve ser considerado que os integrantes da redação têm o pa-pel de monitorar o colega. A crítica ao semelhante é hábito comum. Muitas vezes, ela é positiva e em outras, pode ser dura. A lógica é fazer com que o trabalho seja sempre qualificado e melhor a cada dia.

O almoço ou os encontros em mesa de bar são momentos para dis-

cutir assuntos da vida particular de cada um. No meio de tantos assuntos, surgem muitas conversas que podem render boas pautas. A própria obser-vação do local é um prato cheio para que os jornalistas captem alguma coisa diferente e singular. Esse é outro hábito consagrado, já que quando en-contramos algum tipo de reprodução da atividade jornalística, sempre são lembradas as reuniões de bar onde alguém tem um “estalo” repentino e registra a ideia para outro momento.

Muitos leitores imaginam a figura do jornalista como senhor absolu-to da informação, aquele que sabe de tudo e tem o poder de escrever o que bem entender. Mas os valores adquiridos e a maneira pessoal de ver o mundo são colocados na gaveta, dependendo de onde atua. Assim, o conteúdo escrito por esse profissional é publicado de acordo com a política editorial da empresa que representa. É um hábito arraigado nesta classe: escreve-se despido de seus próprios conceitos, e por isso os fatores psico-

JOÃO CLÉBER CARAMEZ

Quantas vezes você percebe na sua cidade que o sino de igreja toca? Você sabe porque os sinos das igrejas tocam? Há pessoas que não sabem o real significado dos sinos, mas, mes-mo assim, os usam como uma espé-cie de relógio, uma agenda pessoal. É o caso da dona Selma Weise, 66 anos, moradora de Paraíso do Sul, região Centro do Estado. Para ela, todo dia é sagrado: quando o sino toca às 11h30, é hora de iniciar o almoço. “Sempre me coordeno pelo toque dos sinos; de manhã, quando ele bate, é hora de iniciar os preparativos do al-moço. À tardinha, é hora de começar a novela das seis; já se tornou hábito”, afirma Selma.

Em Agudo, não é diferente. O ba-dalar dos sinos indica inclusive se ainda dá tempo de fazer compras no mercado ou butiques da cidade. Isso porque quando os sinos tocam, as lo-jas fecham suas portas. “Já é hábito, isso acontece há anos, nosso comér-cio tem 15 anos e sempre fecha-mos quando o sino toca, às 11h30”, diz a comerciante Laura Drescher, 54 anos.

Já o aposentado Nilo Milbradt, 70, é o responsável por bater os sinos da Igreja Evangélica Luterana de Para-íso. Ele pratica essa atividade há 16 anos, faça chuva ou faça sol. Todos os dias, às 11h30 e ao entardecer, é a mesma rotina: “Gosto do que faço, em 16 anos sempre estive aqui. As vezes que faltei foi por motivos de saúde e minha esposa realizou o trabalho pra mim”, ressalta Milbradt.

Além de tocar o sino diariamente, Milbradt também anuncia casamen-tos, batizados e os cultos de domingo. “Aos domingos, meia hora antes do culto, eu venho aqui e bato o sino, aí já sabem que falta pouco pra iniciar a celebração”, explica. Outra situação em que os sinos servem de referên-cia para os hábitos da comunidade é quando alguém falece. São no total, segundo Milbradt, 18 toques do sino em caso de morte. “Se for mulher, toco o sino médio; se for homem, sino grande e, se for criança, ou adoles-cente, o sino menor. A comunidade sabe pelo toque do sino qual o sexo da pessoa que faleceu”, finalizou.

Vidas regidas pelo badalar dos sinos e das horas

PATRÍCIA PARREIRA REPORTAGEM E FOTOGRAFIA

TRADIÇÃO ANTIGA

O badalar dos sinos é uma tradi-ção portuguesa. A sua importância está na simbologia. Os sinos sempre tocam para anunciar algo: no Do-mingo de Páscoa, no Natal… Bada-lam nas festas em homenagem aos santos padroeiros. Na historia, já foi mensageiro da guerra, da paz, de boas e más notícias. Em algumas al-deias assinalavam as horas no tem-po em que não havia relógios. Hoje, os sinos continuam a badalar pelas comunidades, mas em algumas re-giões a tecnologia deixou de lado os braços humanos: eles são acionados por mecanismos eletrônicos.

O sino nasceu católico; sua inven-ção foi reservada à Igreja. Os cató-licos dizem que os sinos indicam a presença de Deus nesse local, daí a tradição de que quando se entoa um sino, Deus observa e ouve a prece com mais atenção. O termo sino de-riva do latim signum, ou sinal, e era utilizado para os rituais religiosos. Um deles era levar os fiéis à missa. Mas também anuncia casamentos, batizados e falecimentos. Toda a comunidade fica a saber mediante a melodia entoada qual o aconteci-mento do dia.

A função do sino é justamente a oportunidade de conectar-nos, de ser um instrumento de reflexão, de meditação. Ele expressa um som único, mas variável ao contexto que lhe está sendo atribuído em de-terminado momento. Esse encontro da energia humana com o símbolo de metal nobre é um facilitador que nos transporta e nos conecta com uma possibilidade presente e futu-ra. É um instrumento sagrado que carrega valores universais e que nos seus badalares indica determinadas circunstâncias. No período da ma-nhã, às 6h, significa o despertar e às 11h30 é a hora da parada pro descan-so e pra refeição. Na parte da tarde, o badalar mais tradicional é às 18h, o entardecer do sol, indica o final do dia. Os sinos meia hora antes das ce-lebrações anunciam a missa ou culto. Toca quando há comemoração de festas de padroeiros e de falecimentos.

Em algumas comunidades do

interior do Estado, a rotina não é regulada

apenas pelos relógios. Os sinos são usados como controladores

de atividades

lógicos devem ser considerados. Não é simples falar bem sobre batatas, caso não se goste delas.

Para a rotina produtiva de um jor-nal funcionar de forma correta, o ambiente de trabalho precisa ofere-cer um conforto básico. A respon-sabilidade dos jornalistas perante a sociedade é grande, então a empresa deve ser bem estruturada. Problemas como a falta de veículos, em que os repórteres precisam negociar com a equipe comercial do jornal para se deslocarem juntos, instalações ina-dequadas ou quantidade reduzida de jornalistas para cobertura de muitas pautas, fazem com que hábitos sejam criados na redação para suprir defici-ências provenientes da falta de preo-cupação dos donos com o bem estar de seus funcionários. Por essa razão, não convém abrir os bastidores da notícia ao público leitor, para não pôr em risco a boa imagem da empresa. Segredos internos jamais devem ser contados.

Muito além do jornalQuem acessa o site do Unicomencontra mais fotos, relatos, vídeose entrevistas em áudio exclusivas.Você ainda pode compartilhar tudono Twitter, orkut e Facebook!

Simples assimDigite o endereço no seu navegadorde Internet e tenha acesso ao conteúdoem forma digital, no computador oudispositivo móvel.

Do papel para o pixelProcure o link localizado na barra lateraldo Unicom. Cada reportagem e seçãodo jornal tem um link diferente.

Texto para ler, ver, ouvir e clicar.

POR DENTRO

Page 8: Unicom 01-2010

14

NOV

OS A

RES

HÁB

ITOS

15

NOVOS ARES

HÁBITOS

bit.ly/unipla

De que planeta nós viemos?

bit.l

y/un

ipla

Estrangeiros deslocados de suas

culturas vivem verdadeiras aventuras

ao caírem de paraquedas em

nossa região. O que para nós é hábito, para

eles pode ser (bem) estranho

PEDRO GARCIA REPORTAGEM HENRIQUE SCHERER ILUSTRAÇÃO

“Vou morrer de fome”, pensou Li-zzette Garavito, logo após trancar-se em um banheiro do Aeroporto de Guarulhos, onde aterrissara há pouco. O pensamento, que a fez chorar em desespero por alguns minutos, tinha um porquê. Eram cinco horas da manhã e ela havia desembarcado de uma viagem lon-ga, que começara em sua cidade natal Barranquilla, no norte da Co-lômbia, com escala na capital Bogo-tá. Estava cansada e faminta, mas quando pediu uma xícara de café na praça de alimentação, ninguém a compreendeu. Não sabia uma pa-lavra de português e, ao que pare-cia, tampouco alguém falava espa-nhol ou inglês naquele lugar – nem na cafeteria, nem o policial a quem foi pedir socorro. A solução foi cor-rer ao banheiro e tentar se lembrar o que estava fazendo ali.

Por sorte, lembrou-se rapidamente. Sua jornada não havia terminado. Ain-da enfrentaria um vôo até Porto Ale-gre e mais um trecho em estrada até Santa Cruz do Sul, onde se instalaria

naquele outubro de 2008. Formada em administração na Colômbia, a moça de 24 anos chegava à cidade gaúcha para assumir em uma metalúrgica a vaga que conseguira por meio de uma organização internacional de estu-dantes. Passados cinco meses a mais do tempo que inicialmente previra permanecer por aqui, já se considera “meio colombiana, meio brasileira”. Mas o drama em Guarulhos não foi o primeiro pelo qual passaria na condi-ção de estrangeira, e sequer o último daquela mesma semana.

Apenas alguns dias depois de acre-ditar que morreria de fome no Brasil, uma situação constrangedora a fez pensar que não conseguiria sequer sair de dentro de um ônibus. Quando precisou avisar à cobradora que des-ceria na esquina seguinte, o fez da forma que sabia: em espanhol. Só não esperava que seria tão difícil se fazer entender ao repetir “necessito bajar” (pronuncia-se “barrar”). Não foi aten-dida e o que ouviu de volta foi apenas uma gargalhada debochada. Lizzette desceu, mas longe do ponto onde de-

sejava, com o rosto vermelho de raiva e uma certeza na cabeça: era preciso aprender a língua local.

Foram necessários apenas dois meses para que conseguisse se virar não com o português mas sim com o “portunhol”, e isso não significa que já tenha domínio total das situações. “Ainda hoje entro na padaria e quan-do falo ficam me olhando apavorados, daí tenho que repetir mais devagar.” E ela o faz sem se incomodar, ainda mais quando tem a oportunidade de entoar algumas de suas palavras pre-feridas do nosso idioma, como “rapaz”, “treco” e “troço”.

O que Lizzette ainda não conseguiu foi se livrar dos sete quilos que ganhou desde que chegou. Os culpados, acusa, são os doces, com os quais não estava habituada, ao menos na regularidade com a qual nós estamos. Reatar os la-ços com a balança talvez só não seja mais difícil do que foi abdicar de um cardápio baseado em peixe e salada, e aceitar outro baseado em carne, arroz e, principalmente, o odiado feijão.

Lizzette aprendeu a conviver com

o arqui-inimigo gastronômico e até come de vez em quando. Já Katerina Pouliou desistiu da guerra antes de começá-la. Mesmo completando três anos desde que trocou a Grécia pelo Brasil, jamais experimentou feijão. Prefere manter para si e a família os hábitos alimentares mais leves que cultuavam quando ainda moravam em Atenas, antes do marido Dimitris ser transferido para a unidade local da empresa de tabaco onde trabalha.

É recente a mudança do casal com os três filhos pequenos, Markos, Ale-xis e Lena, mas a região é uma antiga conhecida de Dimitris, já que a visita-va com alguma frequência há mais de dez anos, a serviço. Ele sabia, portan-to, que viria morar em um local onde a cerveja é servida bem gelada, o que lhe agrada, e ao contrário do que esta-va acostumado na Europa. Por outro lado, continua estranhando a fixação dos gaúchos pelo chimarrão, indepen-dente da temperatura. “Não entendo como as pessoas tomam fazendo 40 graus no verão”, confessa estupefato, e nos assiste preservar bravamente a

tradição enquanto bebe seu café gela-do tipicamente grego – o que, se pen-sarmos bem, faz muito mais sentido.

Na empresa, Dimitris diverte-se ao ver a movimentação dos funcioná-rios com o sinal que indica o intervalo para almoço ao meio-dia. Lembra da Grécia, onde a jornada de trabalho avança até a metade da tarde quase sem parar, e as refeições ficam para depois. Ainda hoje, a família reúne-se para jantar muitas vezes só depois das dez da noite.

Em torno da mesa ou longe dela, os cinco falam apenas grego quando es-tão sozinhos, apesar de todos domina-rem bem o português. Em especial as crianças, que passariam facilmente por brasileirinhos em qualquer lugar, com exceção talvez dos aeroportos, onde um detalhe cultural já causou problemas a eles. É que, em seu país de origem, as mulheres sempre mantêm o sobrenome da família mesmo de-pois de casadas, por isso a mãe é Pou-liou, e os filhos carregam o sobrenome do pai, Takvorian. O chato é dar essas explicações a cada vez que passam

por alfândegas. “Pensam que estou sequestrando eles”, conta Katerina.

Tão chato quanto é explicar às pessoas na cidade que o sotaque atí-pico que demonstram não significa que vieram da Argentina. Chegam até a se dirigir a eles com palavras em espanhol: “Quando falamos gre-go em uma loja, as pessoas nos dão tchau dizendo ‘gracias’”, relata a pe-quena Lena. Pior só quando, em uma farmácia, uma atendente que não conseguia distinguir a letra de uma prescrição médica, virou-se inocen-temente para Katerina e soltou: “Isso aqui é grego para mim”. Para Kateri-na, certamente não era.

A PRIMEIRA VEZ

Ao entrar atrasado na sala de aula, Natalino Lima Silva foi logo se justi-ficando: “É que, no caminho, molhei a camisola, então tive que voltar para trocá-la por uma camisola seca”. A ex-plicação está no fato de que ele nas-ceu em São Vicente, uma das ilhas do Cabo Verde, onde camisa é chamada

de camisola. Os amigos que fez ao vir estudar medicina no Rio Grande do Sul há 17 anos, quando tinha 27, também não entenderam ao que, mi-nutos antes de um jogo de futebol, o estrangeiro pediu que alcançassem suas botas. “Que é isso, Natalino, vai jogar de botas?”, admiraram-se. Não ia, só queria suas chuteiras.

Se para os europeus e a latina a co-zinha brasileira não caiu bem, para este africano a mudança foi a chance de melhorar seus hábitos alimentares. Na terra de Natalino quase não chove, e por isso os vegetais são pouquíssimo frequentes nas mesas. Por outro lado, acostumar-se à carne no lugar do pei-xe não foi tão confortável. Quando convidado para o seu primeiro chur-rasco, foi esperando encontrar o que conhecia por aquilo, que seria frango assado no forno, com batatas fritas. Seu espanto ao enxergar os pedaços de carne sendo colocados na brasa foi tamanho que logo decidiu: adiaria o seu primeiro churrasco para outra ocasião. Naquela noite, não teve cora-gem de comer. Era estranho demais.

Page 9: Unicom 01-2010

RESE

NH

AH

ÁBIT

OSZOD

ÍACOH

ÁBITOSbit.ly/unihor

Quando o hábito vale um filme

PEDRO GARCIA RESENHA CINEMATOGRÁFICA

Que tal relembrar alguns momentos em que o cinema se valeu de costumes bem particulares para contar grandes histórias – em mais de cem anos, não foram poucas.

Crisântemos Tardios (1939) é um filme capaz de marcar por inúmeros aspectos. A mim, marcou principal-mente por que ensinou que no Japão se come melancia com sal. Lembro com clareza da cena: ele propõe a ela que comam melancia; após fatiar, ele esfrega os dedos cobertos de sal pela polpa vermelha da fruta, e os dois de-voram cheios de vontade aquela es-tranha combinação. De fato, a mistu-ra é comum e praticada até hoje pelos moradores do país asiático. Esquisito? Só para nós.

Boa parte do século e pouco de exis-tência do cinema encontrou razão na singularidade de contextos imagina-dos ou reconstruídos – e, consequen-temente, do que nos interessa aqui, que são hábitos peculiares. No caso, o cardápio agridoce é apenas um deta-lhe da história. Mas há uma vastíssi-ma filmografia que se debruça justa-mente sobre o que é comum apenas para uma pequena minoria.

Aliás, minoria que pode ser, de fato, restrita, como por exemplo os povos indígenas do extremo norte do planeta, conhecidos como esqui-mós. É realmente curioso assistir à emblemática cena do documentário Nanook (1922), em que uma família de esquimós canadenses constrói um iglu para, dentro dele, dormirem to-dos nus e amontoados, debaixo de um grande cobertor improvisado com as próprias vestes. Não sem antes tro-carem beijos de boa noite. Em tempo: beijar para eles é sinônimo de esfre-gar os narizes.

Já no norte da Espanha, mais espe-cificamente em uma localidade cha-mada Las Hurdes, o cenário não é tão simpático de se conferir. Miseráveis, os moradores preservam costumes como usar a mesma água poluída de um riacho para lavar roupas e dar de beber à crianças pequenas. Por se tratar de uma região inóspita para a agricultura, o povo é habituado à períodos regulares de escassez de co-mida, durante os quais vivem à base

de cerejas. Ao menos é o que mostrou o pouco conhecido Terra Sem Pão (1932), de Luís Buñuel.

Por outro lado, os gregos parecem ter comida em quantidade suficiente para alimentar famílias numerosas como a apresentada no gozadíssimo Casamento Grego (2002). Enquanto os europeus barulhentos assam car-neiro em uma fogueira na frente de casa, americanos comem cheesecake e tomam café na sala de estar, em um silêncio tedioso. Além de bem-hu-morado, o contraponto é inteligente. Vale a pena.

Quando o assunto é guerra, os hábi-tos tornam-se mais delicados e menos engraçados. Pense em alguém cujo trabalho é desarmar bombas todos os dias (Guerra ao Terror, 2010). Ou en-tão em quem é designado a notificar uma pessoa que seu filho ou marido morreu em conflito na noite anterior (O Mensageiro, 2010). Pense ainda no quanto uma experiência de guer-ra pode interferir nos hábitos de um sujeito ao regressar para casa (Os Me-lhores Anos de Nossas Vidas, 1946). Complicado.

Nem preciso dizer que filmes de época são prato cheio, cada qual re-lativo à determinado momento da História, resgatando práticas que se perderam no tempo. Mas o cinema já dá conta das lógicas modernas, e Amor Sem Escalas (2010) é exemplo. O protagonista é um cara que vive a maior parte de sua vida dentro de avi-ões. Sua rotina baseia-se em vencer a burocracia dos aeroportos, comuni-car-se à distância e relacionar-se de maneira superficial, sem apegar-se a nada ou ninguém. Tudo o que é bem “dos nossos tempos”.

Tempos esses que, assim como o lo-cal onde se está e o contexto que se im-põe, dialogam diretamente com os há-bitos que se apresentam – como tentei provar com esse breve apanhado de títulos. O bom é que, independente de qualquer coisa, o cinema permanece para (nos fazer) enxergá-los.

Hábitos escritos nas estrelas

bit.l

y/un

imov

AMANDA MENDONÇAILUSTRAÇÃO

Virginianos são dotados de hábitos estranhos. Costumam não deixar o chinelo virado e as ca-netas são organizadas conforme a cor. Ficam nervosos quando algu-ma coisa está fora do lugar.

Sabe aquelas pessoas que têm o hábito de se apegar à recordações? É o caso. Cancerianos guardam tudo, desde papéis de bombom até cartas.

Leoninos têm o hábi-to de dar ordens. São perfeccionistas e têm mania por limpeza e de organização - para o de-sespero dos colegas de trabalho.

Librianos combinam tudo, desde uma roupa até o cardápio do dia. Não saem de casa se a blusa não estiver com-binando com a calça e o sapato, por exemplo.

Os escorpianos são misteriosos, possuem o hábito de não falar tudo o que sabem sobre de-terminado assunto. A ideia é deixar as pessoas mais curiosas.

Capricornianos sentam sempre no mesmo lu-gar no sofá. Acreditam em crenças e miticismo. Possuem o hábito de guardar coisas velhas como papéis,contas e bilhetes.

Taurinos possuem o hábito de simplesmen-te não mudar de hábito. Ou seja, preferem sentar sempre no mesmo lu-gar à mesa, passar pelo mesmo caminho e não sair de casa antes de ler o jornal.

Geminianos opinam até mesmo quando não são consultados. Falam inclusive quando estão dormindo. São tão des-confiados, que antes de sair de casa perguntam para todos como está sua roupa.

Arianos têm o hábito de serem sempre os pri-meiros a se manifestar. São conhecidos tam-bém por estarem sem-pre no “mundo da lua”. “Quem?” e “onde?“ são perguntas frequentes.

16

Aquarianos têm o há-bito de comprar coisas diferentes para chamar a atenção, uma calça cheia de bolsos, um sa-pato colorido, pois acre-ditam que são pessoas originais.

Sagitarianos possuem o hábito de dar suges-tões e conselhos para os outros. Porém, às vezes acabam ofendendo e magoado. São perfec-cionistas e possuem mania de organização.

Pacienciosos, piscianos pensam muito antes de falar e tomar qualquer decisão. São sonhado-res. Alguns possuem o hábito de utilizar a mú-sica como terapia e não dispensam o rádio até na hora do banho.

ROSIBEL FAGUNDES TEXTO MARIANA PELLEGRINI ILUSTRAÇÕES

17

Para saber as novidades, recados e oportunidadesdo Curso de Comunicação Social da UNISC,acesse Comunicar, o blog da coordenação.

comunicacord.blogspot.com

Muito alémdo mural.

Page 10: Unicom 01-2010

18

DIÁ

RIO

HÁB

ITOS

19

DIÁRIO

HÁBITOS

bit.ly/unipisbit.l

y/un

ipis

Frentista não, vendedora de pista

O dia de Júlia Santos, 28 anos, inicia cedo:

às 6h30, se divide entre as tarefas de

casa, o emprego de frentista em um posto

de Rio Pardo e as aulas de habilitação.

Em breve, ela poderá dirigir carros como

aqueles que abastece e calibra os pneus

todos os dias, há quatro anos.

MARÍLIA NASCIMENTO REPORTAGEM

LUCIANA BASTOS FOTOGRAFIA

Segunda-feira, 5 de abril Acordo com o celular despertando, é hora de levantar, preciso acordar minha filha, Kauana, para ir à escola.

Coloco minha filha na van, volto para casa, me arru-mo e vou para aula de habilitação.

Já estou de volta em casa, arrumo meus serviços de dona de casa, faço o almoço, tomo um banho e vou para o posto.

Chego no posto onde trabalho há quatro anos. É muito bom estar aqui, tenho amigos e colegas. Começo a tra-balhar. Procuro sempre atender bem os meus clientes, com bastante atenção e um sorriso no rosto. Hoje o movimento está calmo, ainda mais que estamos sem o calibrador. Ele está para ser consertado, mas acho que vai demorar.

Chego em casa para um pequeno intervalo. Almo-ço com minha filha, revisamos as tarefas da escola, olhamos televisão juntas, dou banho nela e volto para o trabalho.

Volto ao trabalho a pé. Chegando, dou uma conferida nos produtos do posto e começo a atender os clientes. As promoções que o posto proporciona nos incentivam a oferecer serviços que vão além do abastecimento.

Fechamos o posto. Hoje volto para casa a pé, o Centro está vazio. Chego em casa, tomo um banho e janto. Mi-nha filha já está dormindo.

Terça-feira, 6 de abrilAcordo e arrumo minha filha para a escola. Hoje é dia de malhar um pouco. Vou numa academia aqui perto de casa mesmo, faço uma hora e meia de musculação.

Volto para casa, lavo umas peças de roupa, passo a vas-soura na casa e faço o almoço.

Tomo um banho e saio para o trabalho. Vou a pé. Como a cidade é pequena, faço várias paradas para conver-sar com os conhecidos.

Chego no posto e imediatamente começo a atender os clientes. Nosso posto não tem serviços de lavagem e troca de óleo, mas a calibragem dos pneus é constante, fazemos sempre que somos solicitados.

Chego em casa para um intervalo, almoço e lavo a lou-ça. Ainda ajudo a Kauana nas tarefas, e olho um pouco de televisão com ela.

Tomo café com a filhota e logo saio para o trabalho.

Chego no posto, que hoje está bem movimentado. Logo começo a ajudar meus colegas a atender os clientes. Temos aqui uma maquininha portátil, uma espécie de sistema online, que podemos carregar. É o centro das atenções aqui. Quando não está com um está com outro. Usamos para passar cartões e também para ca-dastrar os clientes nas promoções oferecidas. Temos metas a atingir para depois conquistarmos ótimas premiações.

Fechamos o posto e eu mais uma vez saio para a minha caminhada de volta para casa. No caminho encontro meu esposo, o Jandro, que veio me buscar de moto. Le-gal. Vai me poupar uma caminhada, que a essas horas da noite faz uma enorme diferença. Depois de meia hora já estou em casa, jantando, conversamos um pou-co. Depois conto algumas histórias para a Kauana, ela dorme. Agora vou descansar também.

6h30

7h

10h

16h30

14h

6h30

9h30

15h

16h30

22h

11h50

11h

14h

22h

Quarta-feira, 7 de abrilO celular desperta mais um dia. Levanto ainda com sono, chamo minha filha e arrumo-a para escola, to-mamos café e a coloco na van para ir a aula.

Saio para o posto. Hoje faço outro horário.

Chego no posto e de cara já vejo um grande movimen-to. Há clientes esperando na pista e meus colegas estão todos ocupados. Começo abastecendo o cami-nhão de um amigo, conversamos um pouco, confiro água e óleo. Convenço ele a participar de uma das nossas promoções, faço o cadastro dele online, e lhe dou uma revista do mês de abril com várias promo-ções e produtos de pronta entrega. Volto a atender outros clientes e também tento convencê-los a par-ticipar das promoções.

Volto para casa. É hora do intervalo, lavo algumas pe-ças de roupa e já começo a fazer o almoço. Tenho que deixá-lo pronto para o esposo e a filha que chegarão ao meio dia.

Tomo um banho e volto ao trabalho.

Chego no posto e vou conferir os óleos e lubrificantes da loja. Essa conferência é feita toda a vez que troca-mos o caixa. Começo a abastecer vários carros e mo-tos, muitos deles são clientes passageiros de outras cidades, que são bem atendidos na esperança que um dia eles voltem aqui. Outros, no entanto, são aqueles clientes fiéis, que vêm sempre que precisam de nossos serviços.

Saio do posto e vou para uma reunião na escola da mi-nha filha. O assunto tratado foi o plano de alfabetiza-ção para primeira e segunda série. Minha filha está na primeira série e está adorando o projeto Alfa e Beta.

Chego em casa, tomo banho e dou banho na Kauana. Já começo a fazer a janta.

Jantamos e logo vamos para o quarto. Conto uma his-tória para a filhota e ela dorme. Aproveito que saí do trabalho mais cedo para descansar.

Quinta-feira, 8 de abrilAcordo com o toque de despertar do celular. Em segui-da, chamo a Kauana. Arrumo-a para a escola e embar-co a menina na van.

Saio de casa para a minha aula de habilitação.

Chego em casa, tomo um café e já começo a fazer o al-moço. Dou uma arrumada na casa e saio para o traba-lho.

Chego no posto. Por enquanto o movimento está cal-mo. Mas aos poucos os nossos clientes vão chegando, e eu procuro atendê-los sempre bem e com um sorriso no rosto.

Saio para um pequeno intervalo e vou para casa com meu irmão, que trabalha no mercado que tem junto com o posto.

Chego em casa e vou almoçar. Quase sempre minha filha almoça de novo comigo. Depois dou uma olhada nos cadernos dela, vejo que tem tema por fazer e já a ajudo.

Brinco um pouco com a Kauana, montamos um que-bra-cabeça, assim me divirto.

6h30

7h

9h30

11h

17h

19h30

20h

6h30

8h

11h50

13h40

Hora do banho dela, tomamos café juntas e eu preciso voltar para o posto.

Chego no posto e, como o de costume, preciso fazer a conferência dos produtos da loja. Logo começo a aten-der os clientes. Ainda estamos sem o calibrador. Mes-mo assim temos bastante movimento, atendo os clien-tes e já aproveito para cadastrá-los nas promoções.

Começo a recolher as bacias e mangueiras que usamos para limpar os parabrisas dos clientes. Os extintores também têm que ser guardados na loja. Hoje conven-ci alguns clientes a fazerem o cartão do posto e assim ganham descontos e prazos para pagar.

Fecho o posto. Meu esposo foi me buscar de moto.

Já estou de banho tomado, janto e lavo a louça. Depois vou para o quarto contar historinhas para a minha filha, ela dorme e eu a levo para o seu quarto. Agora preciso descansar, o dia foi movimentado e amanhã com certeza também será.

Sexta-feira, 9 de abril de 2010Acordo com o celular despertando. É hora de levantar. Levanto e tomo um banho bem quentinho para me alertar. Acordo minha filha e a arrumo para a escola, logo embarco ela na van.

Saio para a aula de habilitação, hoje eu tô que tô. Devia ter transferido essa aula.

Chego em casa, tomo um café, lavo umas roupas e ain-da tenho que fazer o almoço.

Me arrumo e vou para o posto. No caminho encontro uma conhecida e conversamos um pouco.

Começo a trabalhar, como de costume, ofereço nossas promoções aos clientes. Uns aceitam facilmente; ou-tros ficam com receio. Mas, mesmo assim, nosso posto tem conseguido boas metas.

Volto para casa, almoço com a minha filha. Ela não quer desagradar nem a mim e nem a meu esposo, por isso almoça com os dois, duas vezes.

Reviso as tarefas de aula com a Kauana. Dou um pico-lé para ela e olhamos um pouco de televisão.

Saio para ir à igreja. Participo semanalmente das novenas milagrosas da minha igreja. Acho que todos deveriam ter esse momento com o Senhor, adoro estar em sua casa e sentir a presença dele.

Volto para a casa, pego algumas coisas e vou para o posto.

Chego no trabalho e assumo meu caixa. O dia está mo-vimentado, os clientes continuam procurando pelo calibrador que ainda está no conserto. Alguns clien-tes já se acostumaram com as promoções e chegam pedindo para se cadastrar.

Começo a recolher as bacias e mangueiras, faltam al-gumas horas para fechar o posto.

Fecho o posto. Vou para casa a pé.

Já estou de banho tomado, e também já jantei. A Kaua-na já está dormindo e eu vou descansar, o dia, como o de costume, foi movimentado.

15h

16h

16h30

20h

22h20

6h30

8h

10h

11h30

12h

13h40

14h30

14h40

16h

16h30

19h30

22h

FACES DE JÚLIA

11h30

7h30

10h

14h

11h50

22h

23h

Page 11: Unicom 01-2010

Hábitos estranhamente comuns

Escovar os dentes andando

Abri

r a g

elad

eira

par

a pensar

Contar casosaumentado o que fez

usado

VANESSA KANNENBERG REPORTAGEMMARIANA PELLEGRINI ILUSTRAÇÕES

Cantar músicas bregas no chuveiro

Guardar fósforo de volta na caixa