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A D IVERSIDADE DA G EOGRAFIA B RASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO 2502 UHE BELO MONTE E A REESTRUTURAÇÃO DA CIDADE DE ALTAMIRA-PA: Agentes, processos e redefinições espaciais. JOSÉ QUEIROZ DE MIRANDA NETO 1 Resumo: Com este artigo, pretende-se analisar a reestruturação da cidade de Altamira em decorrência da instalação da UHE Belo Monte, examinando de que forma os processos desencadeados com o empreendimento modificam o papel dos sujeitos urbanos, manifestando-se na periferização, na alteração nos padrões de localização da habitação e na segregação. As referências teóricas utilizadas para o trabalho em questão priorizam os conceitos e as categorias da pesquisa socioespacial e a metodologia adotada parte da análise dos dados obtidos a partir dos órgãos oficiais do governo, incluindo informações consolidadas do IBAMA e da Prefeitura Municipal de Altamira, assim como os subsídios coletados em campo. Como resultados, é possível demonstrar uma nova dinâmica para a cidade de Altamira, marcada pelo crescimento da malha urbana, pela expansão da atividade imobiliária e por uma nova composição empresarial, além de outros processos que envolvem a ação direta do Estado e de agentes privados. Palavras-chave: Usina de Belo Monte; Reestruturação da Cidade; Espaço Urbano. Abstract: With this paper, we intend to analyze the process of restructuring the town of Altamira due to the installation of the Belo Monte hydroelectric power plant, examining how the processes triggered with the enterprise change the role of urban subjects, manifesting itself in the peripherization, in change in patterns of housing segregation and location. The theoretical references used for the work in question prioritize the concepts and categories of socio-spatial research and the methodology of the analysis of data obtained from official government agencies, including consolidated information from IBAMA and the City Hall of Altamira, as well as subsidies collected in the field. As a result, it is possible to demonstrate a new dynamic to the town of Altamira, marked by the growth of the urban area, the expansion of real estate activity and a new composition of companies, as well as other processes involving the direct action of the State and private actors. Key-words: Belo Monte hydroelectric power plant; restructuring the town; Urban Space. 1. Introdução A partir do momento em que se inicia a instalação da Usina Hidrelétrica de Belo Monte 2 no rio Xingu, a cidade de Altamira experimenta um processo de reestruturação em sua forma urbana e, também, um conjunto de alterações espaciais que redefinem o seu conteúdo e a sua importância como centro regional. 1 Acadêmico do Programa de Pós-Graduação em Geografia (PPGE) em nível de doutorado da FCT/UNESP e Professor da Universidade Federal do Pará (UFPA). E-mail de contato: [email protected] 2 Belo Monte teve sua licença liberada em 2010, com previsão para ser concluída em 2019. Estima-se que será a terceira maior usina hidrelétrica do mundo, com capacidade instalada de 11.233 MW.

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A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO

DE 9 A 12 DE OUTUBRO

2502

UHE BELO MONTE E A REESTRUTURAÇÃO DA CIDADE DE ALTAMIRA-PA: Agentes, processos e redefinições espaciais.

JOSÉ QUEIROZ DE MIRANDA NETO1

Resumo: Com este artigo, pretende-se analisar a reestruturação da cidade de Altamira em

decorrência da instalação da UHE Belo Monte, examinando de que forma os processos desencadeados com o empreendimento modificam o papel dos sujeitos urbanos, manifestando-se na periferização, na alteração nos padrões de localização da habitação e na segregação. As referências teóricas utilizadas para o trabalho em questão priorizam os conceitos e as categorias da pesquisa socioespacial e a metodologia adotada parte da análise dos dados obtidos a partir dos órgãos oficiais do governo, incluindo informações consolidadas do IBAMA e da Prefeitura Municipal de Altamira, assim como os subsídios coletados em campo. Como resultados, é possível demonstrar uma nova dinâmica para a cidade de Altamira, marcada pelo crescimento da malha urbana, pela expansão da atividade imobiliária e por uma nova composição empresarial, além de outros processos que envolvem a ação direta do Estado e de agentes privados.

Palavras-chave: Usina de Belo Monte; Reestruturação da Cidade; Espaço Urbano. Abstract: With this paper, we intend to analyze the process of restructuring the town of Altamira

due to the installation of the Belo Monte hydroelectric power plant, examining how the processes triggered with the enterprise change the role of urban subjects, manifesting itself in the peripherization, in change in patterns of housing segregation and location. The theoretical references used for the work in question prioritize the concepts and categories of socio-spatial research and the methodology of the analysis of data obtained from official government agencies, including consolidated information from IBAMA and the City Hall of Altamira, as well as subsidies collected in the field. As a result, it is possible to demonstrate a new dynamic to the town of Altamira, marked by the growth of the urban area, the expansion of real estate activity and a new composition of companies, as well as other processes involving the direct action of the State and private actors.

Key-words: Belo Monte hydroelectric power plant; restructuring the town; Urban Space.

1. Introdução

A partir do momento em que se inicia a instalação da Usina Hidrelétrica de

Belo Monte2 no rio Xingu, a cidade de Altamira experimenta um processo de

reestruturação em sua forma urbana e, também, um conjunto de alterações

espaciais que redefinem o seu conteúdo e a sua importância como centro regional.

1 Acadêmico do Programa de Pós-Graduação em Geografia (PPGE) em nível de doutorado da

FCT/UNESP e Professor da Universidade Federal do Pará (UFPA). E-mail de contato: [email protected] 2 Belo Monte teve sua licença liberada em 2010, com previsão para ser concluída em 2019. Estima-se

que será a terceira maior usina hidrelétrica do mundo, com capacidade instalada de 11.233 MW.

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A partir de 2010, com a liberação da licença de instalação da usina hidrelétrica,

verifica-se o acelerado incremento populacional e algumas implicações espaciais

importantes, a exemplo da expansão da atividade imobiliária, do crescimento da

malha urbana, da atuação de agentes econômicos externos e da criação de novas

infraestruturas por parte do Estado.

Com este artigo, pretende-se analisar a reestruturação da cidade de Altamira

em decorrência da instalação da UHE Belo Monte, examinando de que forma os

eventos decorrentes deste grande empreendimento modificam o espaço intraurbano,

manifestando-se em processos de periferização, alteração nos padrões de

localização da habitação e segregação socioespacial.

As referências utilizadas para o trabalho em questão priorizam os conceitos e

as categorias da pesquisa socioespacial, como o espaço social, as práticas sociais e

o desenvolvimento socioespacial (SOUZA, 2013). Como metodologia, utilizam-se os

dados obtidos a partir dos órgãos oficiais do governo, incluindo as informações

consolidadas do IBAMA e da Prefeitura Municipal de Altamira, assim como os

subsídios coletados em campo.

Como resultados, demonstra-se uma nova dinâmica para a cidade de

Altamira, marcada pelo crescimento da malha urbana em várias direções,

fomentado, sobretudo, pela expansão da atividade imobiliária de capital não local.

Percebe-se, igualmente, uma nova composição empresarial e um conjunto de

processos que concorrem para a reestruturação da cidade, como o aumento

expressivo da oferta de lotes urbanos, alterações no uso do solo e ampliação do

espaço de fluxos.

2. Estado, Usina Hidrelétrica e redefinições da forma urbana.

O Estado moderno se apresenta como uma instituição aparentemente

superior ao conflito de classes, que em determinada circunstância poderia interceder

junto aos trabalhadores com vistas a permitir certas garantias para a manutenção de

suas condições básicas de subsistência (HARVEY, 2005). Tal posição pode, de

certo modo, escamotear os interesses de classe no interior da sociedade capitalista,

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visto que o Estado se torna, na superficialidade, um agente capaz de promover

ações de desenvolvimento para a população em geral nos limites de seu território

político. Essa posição contraditória se estende ao conjunto de políticas de base

espacial, a exemplo do planejamento urbano, a partir do qual se produzem ações

sob a égide do desenvolvimento social e ambiental, mas que, em sua concretude, se

fazem relacionadas ao circuito de acumulação de capitais e de exploração da força

de trabalho em grande escala.

Como um sujeito histórico, o Estado se submete às determinações que

alteram sua qualidade ao longo do tempo. No caso do Brasil, o período pós-1964 se

pautava a partir de uma “modernização conservadora”, alternando crescimento

econômico e práticas coercitivas de submissão. Entre 1970 e 1985, movido pela

necessidade de criar condições para o aumento da produção industrial, o Governo

Militar efetivou a criação de várias hidrelétricas entre 1970 e 1985, como Itaipu,

Sobradinho e Tucuruí, construídas mediante circunstâncias que impediram o pleno

atendimento das populações situadas em seus entornos. A partir de 1988, com a

abertura democrática, tem-se a alteração das estratégias para a instalação de

grandes empreendimentos no País, uma vez que este precisa lidar com as novas

regras de licença ambiental e de garantia de direitos às populações diretamente

atingidas por projetos de interesse nacional. Diante desse quadro, o Estado passou

a aprimorar o seu aparato técnico-científico e seu discurso ideológico. No caso das

usinas hidrelétricas, estas passam a ser concebidas como indutores do

desenvolvimento e, por isso, capazes de mediatizar um conjunto articulados de

ações com vistas à redução das desigualdades e aumento da qualidade de vida.

A partir do signo do “desenvolvimento sustentável” o Estado garante,

portanto, a manutenção dos ciclos de exploração da mais-valia por meio de sua

nova capacidade de mobilização de recursos e de pessoas no território. Essa ação

estratégica, notadamente de base espacial, é denominada por Becker (2000) de

“logística” e se manifesta a partir de seu caráter seletivo, em uma dialética

inclusão/exclusão que é própria desse novo ambiente de ação. No que tange às

políticas de desenvolvimento urbano em áreas de projetos hidrelétricos, tenta-se

atribuir o imaginário de que estes empreendimentos se estabelecem como projetos

de desenvolvimento endógeno, quando na verdade materializam padrões repetitivos

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de construção, disseminam formas urbanas estranhas e reproduzem lógicas de

segregação no contexto da cidade.

Com a usina hidrelétrica, constata-se também uma entrada incisiva de novos

agentes produtores e consumidores de espaço, como firmas vinculadas ao setor

imobiliário, empreiteiras, empresários do setor de comércio e serviços e,

especialmente, uma massa de trabalhadores migrantes dispostos a negociar sua

força de trabalho. Em médio prazo, os impactos já se mostram evidentes, com

multiplicação da população e da malha urbana, proliferação de novos

assentamentos planejados e espontâneos, densificação da ocupação urbana e

ampliação das desigualdades, conforme se evidenciou no caso da Usina Hidrelétrica

de Tucuruí, no Estado do Pará (ROCHA e GOMES, 2002). No caso da cidade de

Altamira, entende-se que as interferências do projeto da usina hidrelétrica de Belo

Monte estão, rapidamente, remodelando a forma urbana e engendrando uma

reestruturação da cidade. As ações de suporte (apoio logístico ao empreendimento)

e mitigação (compensações do empreendimento diante dos impactos causados)

desenvolvidas pelo Estado, somadas às ações da iniciativa privada manifestam um

novo quadro empírico para a investigação à luz da ciência geográfica.

3. Agentes, processos e Reestruturação da cidade de Altamira

A gênese do núcleo urbano de Altamira está relacionada à penetração das

missões jesuíticas no vale do rio Xingu a partir do início do século XVIII. Entretanto,

a ocupação efetiva e a exploração econômica nesta área se fazem apenas ao final

do século XIX, quando se intensifica a produção da borracha na região. Sob o

comando dos coronéis, uma estrada de varação3 é construída com vistas a encurtar

o caminho em um trecho de 100 km onde o rio faz uma extensa curva denominada

“volta grande do Xingu”. Já no início do século XX, esta rota se torna o principal

caminho de escoamento da produção entre a Vila de Altamira, fundada em 1917, e o

Porto de Vitória, situado à distância de 46 km. A partir desta estrada, a cidade se

3 Vias criadas durante a economia da borracha para encurtar o transporte em rios bastante sinuosos

ou com corredeiras.

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estruturou e constituiu o seu núcleo histórico com base na economia da borracha,

compondo uma formação urbana característica da Amazônia ribeirinha.

Ao final da década de 1960, contudo, inicia-se uma mudança expressiva na

dinâmica da cidade, notadamente a partir das atividades do Programa Integrado de

Colonização (PIC). Sob iniciativa do Governo Militar, a cidade se torna o suporte

logístico para as ações de colonização realizadas ao longo da rodovia

Transamazônica (BR-230). A partir de então, se inicia um amplo deslocamento de

migrantes para a área urbana, principalmente a partir da década de 1980 quando a

política de fixação da população no campo demonstra sua fragilidade e tem, como

efeito, um processo de migração intrarregional sem precedentes. Dessa forma, o

papel da cidade de Altamira, antes um suporte logístico e funcional aos

empreendimentos pioneiros, passa a ser de absorção da população migrante,

cumprindo a função de estoque de mão-de-obra excedente.

A tabela 01 apresenta os dados da evolução da população rural e urbana de

Altamira, a partir do qual é possível observar um crescimento acentuado da

população urbana absoluta entre 1960 e 1980, superando neste último ano a

população rural.

Tabela1: Evolução da população do município de Altamira entre 1950 e 2010.

Ano 1950 1960 1970 1980 1991 1996 2000 2010

Urbana 1.809 2.883 5.734 26.911 50.145 54.235 62.265 84.092

Rural 5.720 8.932 9.611 19.598 22.263 24.547 15.090 14.983

Taxa (%) 24 24 37 58 69 69 80 85

TOTAL 7.539 11.815 15.345 46.509 72.408 78.782 77.355 99.075

Fonte: IBGE (2010)

Entre 1996 e 2000 se percebe uma redução da população rural, sobretudo

incentivada pelo fechamento da fronteira agrícola, tendo como principal resultado o

êxodo rural-urbano (BECKER, 1985). A reorientação da política estatal e a

consequente desagregação das relações no campo gerou um processo de

ocupação desordenada, o que permitiu uma ocupação ao longo dos leitos dos

igarapés Altamira, Ambé e Panelas. Esse processo marcou a paisagem urbana pela

presença de extensos bolsões de pobreza em áreas sujeitas alagamentos.

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Por ocasião do Programa de Integração nacional, consolida-se a

composição territorial e urbana da região de influência de Altamira, conforme se

pode visualizar no Mapa 01.

Mapa 01 – Altamira: área de influência e rede urbana Fonte: Elaboração própria com base em dados vetoriais do IBGE, 2014.

No interfluxo entre o rio e a rodovia Transamazônica, a cidade de Altamira

articula os demais núcleos urbanos que compõem a rede, abrangendo uma extensa

área imediata de influência no Estado do Pará. Com uma população estimada em

79.622 (IBGE, 2010) e uma economia baseada no setor de comércio e serviços,

entende-se que este núcleo se insere na rede urbana enquanto uma cidade média,

que na definição de Sposito (2004, p. 126), diz respeito às cidades que, “numa dada

divisão territorial do trabalho, são centros regionais importantes, em função de

serem elos de ligação entre as cidades maiores e menores”.

Em 2010, quando é liberada a licença de instalação de Belo Monte, inicia-se

uma nova fase para a cidade de Altamira, de modo que esta passa a se estruturar

no sentido de garantir as condições para a fixação e a manutenção do

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empreendimento. Tem-se, então, a superposição de uma divisão do trabalho

estranha ao local, capaz de articular um grande número de atividades técnico-

científicas e direcioná-las ao objetivo exclusivo do projeto, como firmas de

construção, empresas de transporte, logísticas e serviços especializados.

Paralelamente, se inicia o intenso fluxo populacional para a região, primeiramente de

técnicos responsáveis em realizar os primeiros levantamentos e, poucos meses

depois, de trabalhadores de escritório e daqueles relacionados às atividades diretas

nos canteiros de obras. Apenas entre 2011 e 2013, um total de 45.934 funcionários

chega à Altamira mediante contratação direta, sendo destes 101 executivos, 1.814

ligados a escritório e 44.019 voltados às obras (CCBM, 2014).

Conforme apontou os estudos do EIA de Belo Monte, a previsão seria de

que “ao todo e ao longo do período de obras, 96 mil pessoas cheguem à região,

incluindo aquelas que estarão trabalhando nas obras, o que deverá causar outros

impactos” (BRASIL, 2009, p. 85). Devido ao fluxo populacional em massa e a

pressão sobre os serviços urbanos na cidade, a Secretaria de Planejamento do

Município estimou a população total do município em 148.224 mil com base no

acesso aos serviços de saúde, o que representaria para área urbana um contingente

próximo de 127 mil, isto é, um crescimento de 80% em relação ao previsto no

CENSO de 2010 (IBGE, 2010).

Esse crescimento demográfico, aliado às ações de mitigação de impactos

desenvolvidos pela Norte Energia S.A4, rapidamente se refletiu na ampliação da

malha urbana de Altamira entre 2010 e 2014, bem como no crescimento

representativo do perímetro urbano de 95,235 km² para 111,229 km², conforme

apresenta o Mapa 02. As mudanças atingem profundamente a estrutura da cidade e

mudam o padrão de localização residencial, uma vez que estão sendo removidas

mais de 22.000 pessoas das áreas próximas aos leitos dos rios e transferidas para

novos locais denominados reassentamentos urbanos coletivos (RUC).

4 A Norte Energia S.A é a empresa responsável pela construção e operação da usina de Belo Monte, definida

pelo leilão realizado no dia 20 de abril de 2010. Composta por empresas estatais (Grupo Eletrobrás) e privadas

(Petros, Funcef, Neoenergia S.A, Cemig, Light, dentre outra).

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Mapa 02 - Evolução da malha urbana de Altamira entre 2010 e 2014 Fonte: Organizado pelo autor com base na malha digital do IBGE (2010) e fontes secundárias.

No período delimitado, a Norte Energia produziu 4.139 lotes residenciais

para fins de reassentamento da população urbana atingida, distribuídos em cinco

loteamentos situados no perímetro urbano (Jatobá, Laranjeiras, São Joaquim, Casa

Nova e Água Azul), ainda com previsão de mais um loteamento destinado aos

pescadores, aos indígenas citadinos e aos reassentados da orla da cidade

(Loteamento do Pedral). Entretanto, a ampliação significativa da malha urbana se

deve especialmente ao papel das incorporadoras, que adentraram na cidade com a

oferta de 22.168 lotes urbanos distribuídos em cinco loteamentos, os quais

compreendem 708,19 hectares no total. No que tange as habitações de interesse

social, dois loteamentos para essa finalidade foram projetados para Altamira, os

Residenciais “Santa Benedita” e Ilha do Arapujá, com 958 e 1.444 lotes,

respectivamente. Somados, os novos lotes urbanos representam um crescimento da

malha urbana em mais de 50% em relação a 2010, resultando em uma periferização

do crescimento que tem como direção as principais vias estruturantes.

Estima-se que a expansão da atividade imobiliária aliada às alterações nas

localizações residenciais possa gerar, em médio prazo, processos de segregação

residencial induzida, uma vez que não se verifica, até o presente momento, uma

quantidade suficiente de habitações para dar cabo do excedente populacional na

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cidade. As habitações de interesse social ofertam apenas 1.444 residenciais para o

novo fluxo populacional e o valor dos lotes urbanos para aquisição está distante da

realidade de muitas famílias.

Como forma de se valer das vantagens do aumento populacional no centro

urbano, um grande número de empresas passam a se instalar em Altamira, muitas

das quais contratadas para atender as necessidades exclusivas do empreendimento

hidrelétrico, como as relacionadas ao setor de construção. O Gráfico 01 exibe o

número total de empresas criadas (incluindo filiais) entre 2009 e 2014 por atividade

econômica na cidade de Altamira, a partir qual é possível notar um incremento das

atividades ligadas ao setor de comércio e serviços, enquanto que as atividades

vinculadas ao setor industrial e agropecuário praticamente não se alteram. No que

se refere ao setor de construção, há um aumento expressivo entre 2009 e 2010,

seguido de uma relativa estabilidade até 2012, tendo decrescido a partir de então.

Fonte: JUCEPA (2014)

Os dados indicam que o crescimento do número de empresas entre 2009 e

2014 se deu sob as circunstâncias que envolvem o grande empreendimento, uma

vez que apenas as atividades ligadas ao comércio e a prestação de serviços tiveram

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um crescimento representativo, especialmente a partir de 2010, ano da licença de

instalação da usina hidrelétrica. Isso significa que o capital privado se vale da rápida

ampliação demográfica para efetivar novos empreendimentos, especialmente na

área urbana. Sob os argumentos da teoria da localização, poder-se-ia dizer que se

trata de uma ampliação da capacidade da cidade em relação à atração de novas

atividades sob os efeitos do fator demográfico e também dos incrementos de renda

no centro urbano. Das empresas criadas após 2010, as ligadas ao setor de

construção são as primeiras a sofrerem uma redução de seu ritmo de crescimento, o

que indica a participação destas no circuito de cooperação direto da Usina

Hidrelétrica, que em 2013 começa a desfazer parte de sua instalação.

Além dos processos citados anteriormente, é possível identificar uma gama

de outros que podem ser descrito pelo Quadro 01, em que apresenta os agentes

envolvidos e os principais rebatimentos espaciais na cidade de Altamira.

QUADRO 01 – OS PROCESSOS E SEUS REBATIMENTOS ESPACIAIS EM ALTAMIRA

Processo Principais Agentes Rebatimento Espacial

Aumento expressivo da oferta de lotes urbanos.

Agentes imobiliários, incorporadoras, vendedores de imóveis particulares;

Segregação socioespacial; Diferenciação na paisagem; Alteração na estrutura urbana;

Oferta de novos equipamentos urbanos e infraestrutura

Agentes imobiliários, Estado, Norte Energia.

Alteração na estrutura urbana; Diferenciação na paisagem; Ampliação das economias de urbanização;

Alterações no uso do solo urbano

Agentes imobiliários, Estado, Populações excluídas,

Alteração na estrutura urbana; Diferenciação na paisagem;

Ampliação do consumo consuntivo

Empreendedores particulares; Densificação e Ampliação da área central de negócios; Alterações na estrutura urbana

Aumento do fluxo de capitais e circulação do dinheiro.

Instituições financeiras, Empreendedores particulares; Estado

Ampliação do espaço de fluxos;

Alteração nos sistemas de transporte

Estado, Norte Energia, Empreendedores particulares;

Ampliação do espaço de fluxos;

Fonte: Elaborado pelo autor

Tem-se, portanto, um quadro de amplas transformações na cidade de

Altamira desencadeadas a partir da instalação da usina hidrelétrica de Belo Monte.

Percebe-se que os processos se desdobram com a ação de agentes

públicos/privados, em especial o Estado nas suas diversas esferas de poder,

agentes imobiliários, instituições financeiras e empreendedores particulares. Um

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importante destaque pode ser atribuído a Norte Energia que, de certo modo,

representa os interesses do Estado diante do objetivo de cumprir o projeto da usina

hidrelétrica, mas que possui uma dinâmica de atuação própria da iniciativa privada.

No caso das populações excluídas, estas apenas se evidenciam a partir da

ocupação espontânea em vários pontos da cidade, alterando o solo urbano por meio

da autoconstrução.

4. Considerações Finais

O conjunto de redefinições na forma urbana de Altamira mediante instalação

da usina de Belo Monte envolve tanto a atuação direta do Estado quanto à ação de

outros agentes capitalistas. O primeiro age através de ações com vistas a garantir a

execução do projeto hidrelétrico, enquanto os últimos objetivam obter lucros pelo

atendimento das demandas populacionais por novos produtos e serviços, com

destaque para as atividades ligadas à construção, comercialização de imóveis,

venda no varejo e serviços. Isso demonstra a capacidade dos projetos de grandes

escala em modificar permanente das estruturas socioespaciais nos locais em que se

instalam, incluindo a organização de pequenas comunidades, de cidades ou,

mesmo, de grandes complexos rural-urbanos (RIBEIRO, 1987). Nesse sentido, é

possível afirmar que o capital busca constantemente novas oportunidades de ação e

tem na abertura de frentes de expansão humana uma das alternativas para o seu

desenvolvimento.

Tendo em vista que a construção de usinas hidrelétricas se relaciona com a

reestruturação produtiva e a necessidade de ampliar a capacidade energética do

país, é possível afirmar que a reestruturação da cidade de Altamira está diretamente

associada a um processo maior de alteração na dinâmica econômica. Desse modo,

mesmo em posições geográficas e realidades históricas diferenciadas, as escalas se

relacionam e se imbricam quando o objetivo é, nos termos de Santos (1998),

promover uma unicidade técnica. A partir da implantação deste grande

empreendimento, verifica-se a modernização da cidade no que tange à constituição

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de infraestruturas, de novos espaços de habitação e da ampliação do espaço de

fluxos.

Com a chegada dos novos agentes imobiliários capitalizados, as relações de

compra-venda passam a ser mediados por normas contratuais complexas e

sistemas de crédito, os quais orientam o novo modo de adquirir a moradia na cidade,

cada vez mais excludente em relação às populações mais pobres. Desse modo, a

modernização a partir da reestruturação da cidade pode não implicar diretamente na

ampliação da qualidade de vida ou na redução das desigualdades históricas em

Altamira.

5. Referências

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