tragédia em abdulai sila

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Tragédia Em Abdulai Sila

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  • Contexto (ISSN 2358-9566) Vitria, n. 26, 2014/2

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    A tragdia em Abdulai Sila

    Tragedy in Abdulai Sila

    Erica Cristina Bispo* Centro Universitrio Geraldo Di Biase UGB

    RESUMO: O objeto de estudo deste artigo so os romances do escritor guineense Abdulai Sila A ltima tragdia e Eterna paixo. Desde os ttulos, essas obras chamam ateno para a presena do trgico que se manifesta no apenas em relao a um desventurado heri, mas se configura como metfora da construo histrica da Guin-Bissau. Num trajeto diegtico, que tem incio ainda no perodo colonial e chega contemporaneidade, as narrativas de Sila ficcionalizam tragdias de mltiplas dimenses. PALAVRAS-CHAVE: Narrativa guineense Abdulai Sila. Abdulai Sila A ltima tragdia. Abdulai Sila Eterna paixo. Trgico Tema literrio. ABSTRACT: This papers object are the guinean writer Abdulai Silas novels A ltima tragdia and Eterna paixo. From their titles on, these works draw attention to the tragedys presence that manifestsnot only in relation to the unfortunate hero, but configure itself as a metaphor for Guinea-Bissaus historical construction. In a diegetics route, that begins in the colonial period and reaches contemporaneity, Silas narrative fictionalize tragedies of multiple dimensions. KEYWORDS: Guinean Narrative Abdulai Sila. Abdulai Sila A ltima tragdia. Abdulai Sila Eterna paixo. Literary Theme Tragic.

    * Doutora em Letras Vernculas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

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    A tragdia do pensamento africano tem a ver com a ausncia de ideologia, dizia Amlcar Cabral.

    Carlos Lopes

    O engenheiro e ficcionista guineense Abdulai Sila apresenta uma obra em

    prosa composta por trs romances, a saber: A ltima tragdia (1995), Eterna

    paixo (1994) e Mistida (1997); e duas peas de teatro: As oraes de Mansata

    (2007) e Dois tiros e uma gargalhada (2013). Em cada uma dessas obras, o

    escritor se mostra comprometido com seu pas, revelando aspectos sociais

    estranhos para o pblico exgeno, mas corriqueiros para o pblico autctone.

    Nas palavras de Moema Augel, sua produo ficcional se apresenta como uma

    espcie de espelho crtico da sociedade (AUGEL, 1998, p. 19), ajudando a

    lanar luz sobre o inconsciente coletivo da populao e prever tenses e

    conflitos que sero, em breve, desencadeados no pas.

    Tal compromisso social no exclusividade de Sila. Depreendemos uma

    demanda significativa na produo literria guineense contempornea, cuja

    publicao, nas duas ltimas dcadas do sculo XX, voltou seu olhar situao

    do pas, apontando para problemas, mazelas, improbidades administrativas,

    descompassos entre o discurso e a prtica. Obras como No posso adiar a

    palavra (1982); Eco do pranto (1992) e Noites de insnia na terra adormecida

    (1996), por exemplo, alegorizam, desde o ttulo, situaes trgicas

    depreendidas a partir da realidade social. Ou seja: a produo literria

    contempornea [da Guin-Bissau] reflete, na sua variedade e de forma muito

    especial, os anseios e as preocupaes da elite intelectual urbana, sobretudo

    na fase histrica atual do pas (AUGEL, 1998, p. 19).

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    A ltima tragdia (1995), Eterna paixo (1994) e Mistida (1997)1, de autoria

    de Abdulai Sila, no s trazem, nos ttulos, pontos de contato com a

    semntica do infortnio, como tambm ficcionalizam em seus enredos

    aspectos da realidade trgica da Guin-Bissau.

    Nosso objetivo principal analisar as estratgias utilizadas por Abdulai Sila,

    autor da mencionada Trilogia, a fim de denunciar as diferentes faces do

    trgico que se revelam em cada romance, neste artigo nos debruaremos

    apenas sobre os dois primeiros romances: A ltima tragdia e Eterna paixo.

    Nossa hiptese aponta para um movimento dialtico, que ora disfara e ora

    acentua a dor e o horror que compem a situao trgica, ficcionalizada pelas

    narrativas, valendo-se, para tanto, de recursos especficos.

    Memria e tragdia

    Sobre a presena do trgico nos romances, vale dizer que o primeiro livro, j

    no ttulo, traz a palavra tragdia, repetida, tambm, em diferentes

    momentos da obra. Na maioria das incidncias do uso do vocbulo, h a

    aluso maldio enunciada acerca da protagonista Ndani, em cujo corpo

    habitava um mau esprito e cuja vida estava fadada a ser uma sucesso de

    tragdias (SILA, 2006, p. 41). Expresses e comentrios como esses o

    pressgio de uma tragdia que se avizinhava (p. 27) ou no desespero

    daquela noite trgica (p. 148) nos levam a constatar que a acepo do

    trgico neste primeiro romance a do senso comum, ou seja, est

    intimamente associada a acontecimentos tenebrosos.

    H ainda outro dado relevante, sem o qual nossa fundamentao no se

    sustentar: aconstatao da recorrente realidade trgica da prpria histria

    1 Os trs romances foram publicados individualmente na Guin-Bissau pela editora Ku Si Mon. Em 2002, as obras ganharam nova edio, sendo publicadas juntamente, sob o ttulo Mistida (Trilogia).

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    guineense. Tanto o perodo colonial quanto o nacional apresentam uma

    tragicidade peculiar. O pas foi invadido e subjugado por um povo estranho

    que transformou a populao autctone em estrangeira em sua prpria terra,

    tendo, at mesmo, o seu trnsito controlado e restringido. A independncia

    livrou os guineenses do sistema de semiescravido, mas no conseguiu

    diminuir as diferenas sociais; na verdade, ps no poder representantes da

    elite nativa que oprime, at hoje, a maior parcela da populao, mantendo-a

    em condies de pobreza, falta de sade e carncia de educao de

    qualidade.

    Com base nos ensaios de Mrcio Seligmann, podemos dizer que Abdulai

    umsobrevivente das guerras na Guin-Bissau e, por isso, consegue olhar para o

    passado traumtico e ressignific-lo, para, assim, renascer, j que, de acordo

    com o terico brasileiro, narrar o trauma uma forma de renascimento

    (SELIGMANN-SILVA, 2008)2. O trabalho exercido por Sila o de dar esta nova

    dimenso aos fatos antes enterrados (SELIGMANN-SILVA, 2008), valendo-se,

    para tanto, da linearidade da narrativa, suas repeties, a construo de

    metforas (SELIGMANN-SILVA, 2008).

    A tragdia, no senso comum, tem a ver tanto com o fato que gera terror e

    compaixo, quanto com aquilo que demonstra a falibilidade humana.

    Popularmente, uma tempestade forte (e seus efeitos) trgica, porque gera

    medo e piedade. Um discurso poltico ou um miditico, construdo a partir do

    fato, pode transformar o mesmo acontecimento em algo que est alm da

    fora humana: o homem no tem poder de controlar a chuva. O discurso

    poltico, por exemplo, pautar-se- na imprevisibilidade da natureza, ainda

    que uma srie de medidas possa ser tomada para minimizar as consequncias.

    Se, por um lado, o que causa terror e compaixo o efeito da chuva, esta

    tambm o que prova a falibilidade humana. Ou seja, o trgico tambm

    2 Alguns dos artigos de Mrcio Seligmann-Silva por ns consultados esto disponveis em revistas eletrnicas na internet. Por essa razo, a referenciao a essas citaes se dar apenas pelo ano de publicao, sem paginao.

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    fruto dos discursos. Conforme enunciado, desencadeia comoo ou uma

    crise existencial.

    No sentido filosfico, Glenn Most define o trgico como sendo uma

    categoriametafsica desenvolvida a fim de descrever a condio humana

    (MOST, 2001, p. 24), de onde advm a noo de que a vida humana trgica,

    na medida em que o sujeito no pode control-la inteiramente. Esse conceito

    lembra-nos Nietzsche, para quem a existncia humana trgica, uma vez que

    o homem est lanado sorte, sem algo ou algum que lhe d alguma

    garantia. Nas palavras de Most, a vida s pode parecer trgica quando, por

    um lado, ns ainda mantemos a expectativa de que o mundo deveria ter

    sentido, mas, por outro, no estamos mais certos de que h um deus que

    garante o seu sentido (MOST, 2001, p. 35). Verificamos, portanto, que a falta

    de sentido ou algo que garanta um sentido caracteriza essa acepo de

    tragdia.

    Fabrice Schurmann, na tese de Doutorado intitulada O trgico do Estado ps-

    colonial, fez um levantamento em peridicos contemporneos para identificar

    o significado da palavra trgico. Quando aplicamos esse mtodo aos

    noticirios on-line brasileiros, notamos que so consideradas tragdias a

    morte prematura e sbita de um jovem, um incndio em rea carente,

    acidentes de trnsito com vtimas fatais e outros acontecimentos

    semelhantes.

    Para nomear a triste constatao de que o Rio de Janeiro apresenta um dos

    piores ndices de educao do Brasil ou um alto nmero de natimortos, a

    palavra tragdia adjetivada pela mdia: tragdia educacional ou

    tragdia social. Observamos ainda que trgico, o adjetivo correspondente

    tragdia, apresenta, na mdia, a mesma lgica, ou seja, no h nenhum

    sentido adicionado.

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    Se considerarmos que os discursos so construes sociais que servem

    sociedade falante, podemos concluir que, modernamente, no senso comum,

    temos uma nova acepo do vocbulo tragdia, que se distingue do conceito

    clssico, que associava o termo a um gnero do teatro grego, sendo, assim,

    enunciado pelo dicionrio Houaiss: ocorrncia ou acontecimento funesto que

    desperta piedade ou horror; catstrofe, desgraa, infortnio (HOUAISS, 2001,

    p. 2746).

    Abdulai Sila tece, literariamente, uma memria que sua e, ao mesmo

    tempo, coletiva; focaliza dois momentos diferentes do pas: a dcada de 1950

    e a de 1980-19903, respectivamente perodo colonial e do ps-independncia.

    De acordo com o professor Mrcio Seligmann-Silva, a memria do trauma

    sempreuma busca de compromisso entre o trabalho e a memria individual e

    outro construdo pela sociedade (SELIGMANN-SILVA, 2008 grifo do autor). O

    compromisso a que se refere esse autor talvez seja a razo que leva o escritor

    a produzir literatura, mesmo num espao sem leitores.

    Os dois momentos so escolhidos por Abdulai Sila por serem emblemticos na

    histria do pas. A dcada de 1950 marcou o perodo final de implementao

    do que ficou conhecido como pacificao4 processo de tomada lusitana do

    territrio guineense, de modo a limitar o trnsito de nativos, garantir o

    pagamento de impostos e estabelecer postos de controle. Aps a

    independncia, o governo nacional no exerceu a democracia, nem defendeu

    a liberdade propalada nos anos de luta, gerando, assim, diferentes posturas:

    aqueles que se conformaram com as poucas mudanas, os que usufruram do

    3 Nossa leitura aponta para o fato de que os enredos dos romances Eterna paixo e Mistida podem ser localizados temporalmente entre 1980 e 1998.

    4 Pacificao o nome dado ao processo de estabelecimento da ordem pelos portugueses no territrio guineense, que perdurou de 1879 a 1959. Nos primeiros anos da dcada de 1950, os portugueses j tinham conseguido fixar postos de controle em quase toda a colnia. O processo, diferente do que aponta o nome, no contou com passividade, mas foi resultado de um grande massacre de muitas populaes locais.

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    poder e os que se indignaram contra o estabelecido. Sila compe este ltimo

    grupo.

    Sendo assim, na funo de provocar a reflexo, ocupando uma posio entre

    oficcionista e o historiador, Sila escreve sobre o que poderia ter acontecido

    (ARISTTELES, 2003, p. 43), a partir da observao de uma srie de histrias

    coletivas, ficcionalizadas por algumas poucas personagens exemplares e

    metonmicas, que representam parte da populao guineense, mesmo que em

    diferentes aspectos ou fora do protagonismo.

    Tragdia colonial

    O romance A ltima tragdia foi publicado em 1996, na Guin-Bissau, mas foi

    escritoem 1986, quando, segundo o autor, no havia condies propcias para

    sua edio. A obra ficcionaliza o pas de origem de Sila durante o perodo

    colonial, a partir de meados do sculo XX, quando se inicia na Guin-Bissau a

    criao das escolas para os nativos, o desenvolvimento de movimentos

    associativos de cultura e desportos e a presena dos postos de controle.

    A obra conta a histria de trs personagens: Ndani, o Rgulo Bsum e o

    Professor. Ndani uma adolescente de 13 anos, sobre quem paira uma

    maldio: sua vida seria, sempre, marcada por tragdias. O Rgulo Bsum,

    lder de uma tabanca em Quinhamel, resolve promover resistncia ao governo

    lusitano, se valendo, para tanto, de estratgias dos brancos. O Professor um

    assimilado que se percebe num entrelugar identitrio: ao se identificar com os

    negros, sofre as consequncias por deixar o mundo dos brancos.

    A ideologia que distinguia, nessa poca, brancos e negros um dos fatores

    instituintes do que designamos como trgico colonial, ou seja, a aceitao

    da condio desubalterno e inferior pelos colonizados. A tragdia imposta

    colnia pela metrpole se torna, ento, incontestvel, na medida em que o

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    medo, as punies, a opresso impedem qualquer reao por parte dos

    habitantes locais.

    Para garantir a manuteno do governo lusitano, os anos de colonizao

    secaracterizaram por intenso uso da fora, aliado este difuso de uma

    ideologia autoritria.

    Ficcionalmente, para reencenar na literatura a tragdia colonial, Sila se vale

    de doismecanismos que analisaremos: os silncios e a ironia.

    Em A ltima tragdia, a dor traduzir-se- por intermdio de silenciamentos; o

    principalexemplo disso est na violncia sofrida pela protagonista. Ndani foi

    estuprada ao final do segundo captulo do romance pelo senhor Leito,

    proprietrio da casa em que ela trabalhara como criada. O estupro da

    personagem metonmia do prprio estupro colonial, cuja violncia foi

    imensa em terras africanas.

    O romance apresenta um narrador que no se revela inteiramente onisciente,

    apesar de narrar em 3 pessoa. Mesmo conhecendo as histrias, ele escolhe a

    partir de qual personagem vai contar; para tanto, ele se vale do discurso

    indireto livre para relatar os pensamentos das personagens. Com isso, esse

    narrador de Sila se torna muito humano e se assemelha a um ideal explicitado

    por Wayne Booth: O processo mais semelhante ao processo da vida o da

    observao dos acontecimentos atravs duma mente humana convincente e

    no duma mente divina desligada da condio humana (1980, p. 63).

    Ao descrever o que acontece a partir de uma determinada personagem,

    realiza uma construo de cena bastante curiosa. O primeiro passo para

    silenciar a dor da agresso sofrida pela protagonista tir-la do

    protagonismo; o narrador escolhe, ento, mudar o ponto de vista, passando

    este a ser o de Dona Linda, que no estava em casa no momento e, por isso,

    obviamente, no participara da violncia. Esse tipo de artifcio narracional

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    explicado por Wayne Booth: o autor implcito escolhe, consciente ou

    inconscientemente, aquilo que lemos (1980, p. 92).

    Com a narrativa centrada em Dona Linda e em sua misso salvadora, Ndani

    sai dacena central e torna-se, neste momento, um apndice da patroa, bem

    como do senhor Leito:

    As exigncias da misso e os sucessos contnuos da sua aco afastavam-na cada dia mais do seu lar. As suas preocupaes pelas almas a salvar levaram-na a esquecer um vcio antigo do marido: violar criadas. Lembrou-se disso um dia tarde, quando regressou casa antes da hora habitual e ouviu gemidos no quarto da criada. No foi necessrio entrar no quarto, soube logo o que tinha acontecido. O que no soube foi o que dizer ao marido, que naquele preciso momento abandonava o quarto da criada com o rosto a sangrar de arranhes, a camisa aberta, as calas desabotoadas, os ps descalos... Dona Linda ficou parada no meio da sala como uma esttua. Estava com as faces todas molhadas de lgrimas, que rolavam abundantes e apressadas at a extremidade do queixo, despenhando-se depois sobre a papelada que ela mantinha apertada sobre o peito, como se pretendesse tapar uma ferida profunda na zona do corao... (SILA, 2006, p. 66)

    Antes da violao da criada, o narrador estava tratando das homenagens

    recebidas por dona Linda e de suas modernas ideias de oferecer educao aos

    nativos; fora esse o assunto que transferira o protagonismo da criada para a

    patroa.

    Ao tornar Dona Linda o centro da cena, o narrado no o estupro em si, mas,

    sim, asensao da patroa portuguesa diante do ocorrido. Enquanto Ndani

    referida apenas como criada, dona do quarto de onde vinham os gritos e de

    onde saiu o senhor Leito, Dona Linda teve seus sentimentos

    minunciosamente descritos e sua dor compartilhada com o leitor. A criada

    fora vtima de um estupro fsico, que foi subentendido pelo leitor, mas no foi

    descrito pelo narrador; j a patroa fora vtima de um estupro emocional; ela,

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    sim, tinha as faces molhadas de lgrimas e uma ferida profunda na zona do

    corao...

    Ndani foi limitada a um ofcio da casa; na verdade, ela s fora vtima, porque

    estava noexerccio da funo de criada. Pouco sabemos da reao da moa;

    ela se tornou coadjuvante da narrativa e objeto de posse de outras

    personagens. O leitor sabe que ela gemeu, porque Dona Linda ouviu seus

    gemidos; sabe tambm que ela reagiu, machucando o rosto do patro, porque

    este estava a sangrar de arranhes. O narrador se vale de uma construo

    extremamente emblemtica para representar um momento em que a

    protagonista do romance sofre uma das grandes tragdias de sua histria. Ao

    saber-se objeto de posse de outra pessoa com quem no mantinha nenhuma

    relao sentimental, Ndani no sujeito oracional nem mesmo das frases

    que continham os gemidos e os arranhes, frutos de suas aes.

    De acordo com o contexto histrico colonial, o Senhor Leito exercia seu

    direito depatro e proprietrio da negra que servia sua famlia;

    textualmente, esse comportamento ressaltado pela escolha da palavra

    vcio, usada para se referir atitude por ele tomada. Ele violentou Ndani e,

    certamente, tambm fizera o mesmo com outras criadas, anteriormente. Seu

    ato justificado pela reao da esposa que se afastava cada dia mais do seu

    lar. Alm disso, o patro tambm era a razo para a sada de dona Linda. No

    incio da cena, ela estava em busca de uma melhor colocao poltica para o

    marido. A voz narradora se faz irnica, quando comenta que a ferida

    profunda na zona do corao no tinha abalado as intenes de dona Linda

    em tornar o marido um administrador:

    Qual devia ser, naquelas circunstncias to dramticas, a deciso certa a tomar? Qual devia ser, naquele momento concreto, a atitude mais correcta de uma mulher cuja tarefa fundamental era salvar almas perdidas e lev-las ao rumo certo? Qual devia ser a posio de uma mulher catlica e civilizada, cujo marido cometia sistematicamente actos indecentes, crimes repugnantes, pecados imperdoveis?

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    Devia perdo-lo? Devia conden-lo? Devia comprometer a sua promoo a Administrador? (SILA, 2006, p. 66)

    Fazendo uso do discurso indireto livre, o narrador deixa transparecerem as

    inquietaes de Dona Linda. A personagem, caracterizada como uma catlica

    devota, v-se dividida diante da atitude a tomar. Sua posio social e

    influncia eclesistica a levam a refletir e so consideradas para sua deciso

    final. Fica claro que ela condena o comportamento do marido, entretanto,

    isso no a motiva a buscar o divrcio.

    O questionamento que fecha o captulo 2 soa irnico ao leitor do sculo XXI,

    pois fazperceber o interesse econmico que no s guiara a escolha de dona

    Linda, mas tambm o processo colonial em frica.

    Alm de silenciar os momentos das maiores dores, Sila ironiza as imposies

    coloniaisaos locais. A ironia a figura de retrica utilizada para dizer algo por

    meio de seu contrrio ou, nas palavras de Linda Hutcheon, a identidade

    semntica bsica da ironia se constitui principalmente em termos de

    diferena (HUTCHEON, 2000, p. 99).

    Para Linda Hutcheon, a ironia uma estratgia discursiva que no pode ser

    compreendida separadamente de sua corporificao em contexto

    (HUTCHEON, 2000, p. 135). A mencionada terica ainda completa: a ironia

    envolve as particularidades de tempo e espao, de situao social imediata e

    de cultura geral (p. 135). Sendo assim, para que o efeito pretendido pelo

    autor (ou ironista, no dizer de Hutcheon) seja obtido, o receptor (ou

    interpretador) precisa, dentre outras coisas, estar ciente das condies

    comunicativas, como tempo, espao, assunto, situao scio-poltico-

    econmica. Diante disso, concordamos com a estudiosa canadense nesse

    questionamento: existe algum modo para um ironista garantir a compreenso

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    isto , prevenir a m compreenso da ironia intencional? (HUTCHEON,

    2000, p. 214).

    A narrativa de Sila aborda, ironicamente, alguns dos fatos histricos caros

    aoscolonizadores. As motivaes coloniais, a vocao lusitana para a salvao

    dos povos e a assimilao dos negros africanos, por exemplo, so temas que

    funcionam como pano de fundo da trama e que so tratados de modo especial

    pelo narrador.

    Nossa compreenso a de que nem sempre as ironias de Sila so percebidas

    pelo leitor exgeno; afinal,

    no importa quo familiar cada um desses possa ser em seu papel, sua existncia como um marcador bem sucedido depender sempre de uma comunidade discursiva para reconhec-lo, em primeiro lugar, e, ento, para ativar uma interpretao irnica num contexto particular compartilhado: nada um sinal irnico em si e por si s. (HUTCHEON, 2000, p. 227)

    Escolhemos para este momento o eplogo do romance, uma vez que este tem

    como alvo de ironia a prpria histria colonial. Esta parte foi acrescentada

    narrativa, em 1994. A inteno inicial do autor fora esclarecer alguns pontos

    do narrado. Entretanto, o que temos ao fim de A ltima tragdia soa-nos

    muito mais como um desabafo do que como uma explicao. H nele o

    questionamento da verso oficial da histria, que, nesse eplogo, ganha

    diversas verses. Este comea assim: h coisas que de facto s acontecem

    uma vez. H outras que nem esse acontecer merecem (SILA, 2006, p. 185).

    As frases de abertura nos remontam aos finais trgicos das trs personagens

    centrais: Ndani morre afogada; o Professor degredado para So Tom e

    Prncipe; o Rgulo morre de desgosto, no tendo transmitido o plano para

    expulsar os portugueses. Histrias to trgicas como essas no merecem

    acontecer, mas acontecem. Segundo Seligmann-Silva, no contar perpetua a

    tirania do que passou (SELIGMANN-SILVA, 2000, p. 9); assim, melhor repeti-

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    las para que as aes tirnicas possam ser denunciadas e no voltem, outras

    vezes, a ser praticadas.

    Usando um discurso metalingustico, o narrador discute o seu prprio fazer

    literrio, comparando-o contao de uma passada5, que, na Guin-Bissau,

    tambm pode significar um fato ocorrido, ou uma fofoca. Assim, justifica-se

    a prpria escrita romanesca que no s rememora a histria do pas, mas

    tambm estas histrias individuais, vivenciadas pelas personagens

    representativas do povo guineense.

    Por exemplo, em Bissau, dizem que no foi na casa de Dona Maria Deolinda que a Ndani esteve, foi numa outra casa, porque aquela nunca existiu; dizem ainda que o Antoninho nunca teve aquelas relaes com Dona Lili, que s calnia, porque Dona Lili mulher de respeito (SILA, 2006, p. 186).

    O narrador pe em questo a prpria narrativa, quando contrape o narrado

    ao que ouve dizer acerca das referidas personagens. No h provas da

    existncia de Ndani, dona Linda ou senhor Leito; contudo, fato que houve

    vrias moas que saram do interior do pas em direo a Bissau para se

    empregarem como criadas na casa de senhoras portuguesas.

    A crtica principal pretendida pelo eplogo a seguinte: h at pessoas que

    andam todo o tempo a fazer masturbao intelectual, a dizer que o

    colonialismo nunca existiu (SILA, 2006, p. 186). Temos aqui uma frase de

    intensa fora irnica. Segundo Linda Hutcheon, a ironia possui uma aresta

    avaliadora e consegue provocar respostas emocionais dos que a pegam e dos

    que no a pegam, assim como dos seus alvos e daqueles que algumas pessoas

    chamam de suas vtimas (HUTCHEON, 2000, p. 16).

    5 Em crioulo guineense, significa conto, notcia, acontecimento, conversa, anedota; tambm h o significado contar uma histria com um pouco de sal. No dicionrio Kriol Ten, Teresa Montenegro define passada que tambm grafada pasada assim: acontecimento, caso, episdio, passagem (MONTENEGRO, 2002, p. 163).

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    A ideia de que o colonialismo nunca ocorrera soa ilgica. Quando o narrador

    levanta a hiptese de que o colonialismo nunca existira, percebemos uma

    construo provocadora e irnica, a partir da qual o leitor mais atento

    depreende a mensagem oculta nas entrelinhas do texto.

    A estrutura h quem diga e outras semanticamente equivalentes do o tom

    irnico, pois no o narrador quem diz, h um enunciador indeterminado.

    Nem tudo o que est sendo questionado de fato a negao do que se quer

    dizer, mas tambm nada do que est sendo exposto compe o que o narrador

    quer dizer. Temos, ento, uma srie de construes desarranjadas que

    dizem e desdizem, ao mesmo tempo, as propostas do romance. Lembramos

    que a ironia diz sempre pelo contrrio do que quer dizer. Portanto,

    evidenciamos, a, a denncia irnica e crtica da existncia do colonialismo.

    Alguns poucos leitores se daro conta de que, de fato, h quem diga que

    ocolonialismo nunca existiu. Ren Pelissier, por exemplo, estudou o

    processo de ocupao das trs colnias continentais portuguesas: Angola,

    Moambique, Guin-Bissau e concluiu que falar de cinco sculos de

    colonizao seria uma burla! (PELISSIER, 2010)6. Segundo o historiador, a

    colonizao portuguesa em frica s ocorreu, de fato, nos sculos XIX e XX;

    at a metade do sculo XIX, apenas algumas poucas cidades eram ocupadas

    por portugueses. O percurso palmilhado por Pelissier consistiu em verificar a

    histria militar da conquista. Por meio dessa investigao, ele constatou que

    houve 180 operaes militares, a partir de 1845, em Angola; e outras 150, em

    Moambique: Fiz, assim, o conjunto das trs colnias continentais que nunca

    tiveram cinco sculos de colonizao, que existiu unicamente em Cabo Verde,

    So Tom e Prncipe, e Goa e territrios adjacentes (PELISSIER, 2010).

    Entendemos ser necessrio fazer uma diferenciao entre colonizao e

    ocupao. Intumos que o que Pelissier chamou de colonizao o que

    6 O texto consultado est disponvel em: . Acesso em: 13 jan. 2013.

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    consideramos ser ocupao; os portugueses, de um modo geral, no

    construram, em grande parte, cidades ou impuseram regras de conduta nos

    territrios africanos continentais at meados do sculo XIX; entretanto,

    desses mesmos territrios extraram riquezas e levaram pessoas para trabalho

    escravo no Brasil, So Tom e Prncipe ou para as ilhas de Cabo Verde. Nossa

    percepo a de que houve cinco sculos de perseguio, tortura, trabalho

    forado, escravido e imposio cultural. Essas aes nos levam a crer que

    houve colonizao, antes de haver ocupao.

    O eplogo no discute apenas a existncia ou no da colonizao, mas tambm

    a sua permanncia, mesmo aps a independncia: se aquelas tragdias e

    matanas e torturas e misrias e corrupes e poderes de abuso que foram

    contados que caracterizaram aquilo que se chama de colonialismo, ento o

    colonialismo no acabou (SILA, 2006, p. 186).

    O uso de tantas conjunes aditivas expressa a soma total de tragdias. O

    narrador aponta tambm para a presena de um neocolonialismo, de acordo

    com o qual h novas colnias para novas metrpoles; essa relao se

    estabelece pelo vis econmico, por intermdio de um novo pacto colonial,

    de modo que os pases pobres no conseguem nunca deixar a pobreza. Essa

    uma face do trgico colonial que deixa o seu legado, mesmo aps as

    independncias dos pases africanos, como a Guin-Bissau.

    Tragdia ps-colonial

    A noo de perdurao do sistema colonial mesmo aps a independncia

    aponta para os dois romances seguintes de Abdulai, ambos tm como cenrio

    a Guin-Bissau independente e seus primeiros anos de descompassos entre o

    discurso poltico das lutas pela independncia e as prticas polticas. A isso

    chamamos tragdia ps-colonial.

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    O romance Eterna paixo foi o segundo romance escrito por Abdulai Sila,

    entretanto, o ficcionista escolheu-o para ser a primeira tentativa sria de

    publicar prosa na Guin-Bissau (LOPES, apud SILA, 2002, p. 178). Tendo sido

    produzido e editado em 1994, sua escrita e seu enredo esto intimamente

    ligados ao contexto histrico do pas poca. A escolha em lanar esta obra

    antes de A ltima tragdia ou mesmo de Sol e suor7 se deve s condies

    polticas ligadas liberdade de expresso e censura. Em entrevista Fernanda

    Cavacas, publicada na abertura da edio cabo-verdiana de Mistida (Trilogia),

    Abdulai Sila define 1993 como o ano em que houve liberdade de expresso e

    que Eterna paixo reflectia de certa forma aquela vivncia do momento

    (SILA, 2002, p. 9).

    O enredo versa sobre o afro-americano Daniel Baldwin, um jovem estudante

    de Agronomia, que conheceu, na universidade, uma frica diferente daquela

    de que outrora ouvira falar; esta nova frica era a terra para onde a gente

    pode regressar (SILA, 2002, p. 204). Em contato com escritos sobre essa nova

    frica, Daniel produziu a monografia que venceu o concurso As Vias para o

    Desenvolvimento. Na ocasio da premiao e nos eventos que se seguiram,

    conheceu e se apaixonou pela africana Ruth, estudante com quem viria a se

    casar e a se mudar para a frica.

    Eterna paixo apresenta uma escrita urgente, que no revela o mesmo

    esforo estticopresente em A ltima tragdia e em Mistida. A obra foi

    redigida e publicada, tendo em vista a necessidade premente de denunciar e

    conscientizar. Mesmo havendo esse carter de urgncia no discurso de Eterna

    paixo, o romance realiza um trabalho ficcional, atravs do qual a tragicidade

    da perda das utopias libertrias problematizada no nvel do narrado.

    7 Sol e suor uma das obras no publicadas por Abdulai Sila, por opo. O ttulo faz aluso s primeiras duas palavras do Hino Nacional da Guin-Bissau, cuja letra de autoria de Amlcar Cabral. A obra aludida no final do romance Mistida.

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    A comear pelos pontos de contato entre A ltima tragdia e Eterna paixo,

    este ltimoromance dialoga com histrias, poemas, discursos polticos e a

    histria guineense do perodo pr e ps-libertao. Entendemos que, como

    declarou Julia Kristeva, todo texto uma retomada de outros textos

    (KRISTEVA, 2012, p. 109). Ou seja, o autor produz a partir do que leu;

    igualmente, o leitor compreende com base em sua bagagem de leitura. No

    caso de Eterna paixo, nossa percepo a de que ler essa obra sem nenhum

    ou pouco conhecimento prvio da histria da Guin-Bissau pode gerar

    estranhamento ou incompreenso. Nossa reao, poca do primeiro contato

    com o livro, foi de um certo repdio. Aps ouvirmos o autor acerca de sua

    experincia como produtor de literatura na Guin-Bissau, por ocasio do

    lanamento da edio brasileira de A ltima tragdia, em 2006, que

    conseguimos lanar um novo olhar sobre Eterna paixo. Assim, o mesmo

    texto lido, em pocas diferentes, [tornou-se] outro (PAULINO, 1998, p. 57).

    Essa possibilidade de inferncias de diversas leituras no uma exclusividade

    desses romances de Abdulai Sila; inerente a qualquer obra literria:

    toda literatura necessariamente intertextual, pois, ao ler, estabelecemos associaes desse texto do momento com outros j lidos. Essa associao livre e independente da inteno do autor. Os textos, por isso, so lidos de diversas maneiras, num processo de produo de sentido que depende do repertrio textual de cada leitor, em seu momento de leitura (PAULINO, 1998, p. 54).

    A produo de sentido criada pelas diversas leituras chama-se, para Roland

    Barthes, Babel feliz, uma vez que para ele a confuso de lnguas no

    mais punio (BARTHES, 1987, p. 8). De acordo com o terico francs, pela

    multiplicidade de interpretaes e inferncias que se produz o prazer do

    texto. Nesse jogo de fruio, ao escritor cabe a tarefa de promover o espao

    da linguagem, j que no a pessoa do outro que me necessria, o

    espao: a possibilidade de uma dialtica do desejo (BARTHES, 1987, p. 9),

    declara Barthes. Seguindo a lgica explicitada por ele, a discusso que

    empreenderemos baseia-se nas chaves de leitura que tornaram prazeroso,

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    para ns, o texto de Eterna paixo. Os dilogos que temos travado a partir da

    leitura do romance advm da histria e da literatura guineenses, alm do

    conhecimento dos discursos polticos de Amlcar Cabral. No que tange ao eixo

    principal deste artigo a presena do trgico em Abdulai Sila , inferimos que

    alguns ecos dos discursos dos tempos da luta libertria ainda ressoam em

    Eterna paixo, embora se esbatam no vazio de uma poca distpica, na qual

    os antigos sonhos perdem os sentidos ticos.

    Eterna paixo veicula o que precisava ser dito8 (SILA, 2002, p. 9); por isso,

    cremos que este romance, alm de promover uma experincia esttica,

    tambm cumpre uma funo ideolgica, trazendo o pensamento poltico de

    Amlcar Cabral que serviu de arma e teoria da libertao no s na

    Guin-Bissau, mas tambm nas demais antigas colnias portuguesas em frica.

    O primeiro movimento intertextual presente em Eterna paixo percebido pelo

    leitor da obra de Abdulai Sila ocorre com o romance A ltima tragdia.

    Acreditamos que Eterna paixo estabelece uma relao especular com A

    ltima tragdia, havendo espelhamentos em diferentes partes das

    representaes romanescas. A comear pelo nome dos protagonistas: Daniel e

    Maria Daniela, cujos significados tm origem hebraica e significam Deus o

    meu juiz ou Deus minha justia. curioso pensar que tal sentido destoa

    da sucesso de tragdias que marcam a vida de Ndani, excetuando-se a

    hiptese de que Deus a tenha julgado e a condenado a um destino trgico. As

    tragdias tambm seguem Daniel, mesmo que o Destino tenha lhe oferecido

    um final feliz.

    8 Em entrevista Fernanda Cavacas, Abdulai Sila fala sobre a escrita de Eterna paixo e declara que, poca, sentia uma vontade de dizer certas coisas... (SILA, 2002, p. 9), que so as denncias que depem contra o governo, no que diz respeito m administrao, ao mau uso do dinheiro pblico, aos favorecimentos.

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    Em ambos os enredos, o protagonista muda-se para outra cidade: Ndani sai de

    Biombopara Bissau, e Daniel deixa Atlanta em direo capital de um pas

    africano no nomeado. Considerando que o pas em que se passa Eterna

    paixo Guin-Bissau, os protagonistas vivem, em pocas diferentes, no

    mesmo espao. Seus deslocamentos tm direes opostas, uma vez que Ndani

    segue da periferia para a capital, enquanto Daniel parte de um grande centro

    urbano mundial (Estados Unidos) para um pas perifrico (a Guin-Bissau);

    nesse caso, o espelhamento se mostra invertido, na medida em que opera por

    movimentos contrrios.

    Daniel e Daniela tambm trazem consigo marcas do passado que os

    impulsionam para seus deslocamentos. Daniela sai de Biombo por causa da

    maldio anunciada pelo djambakus. Daniel vagueia pelos Estados Unidos,

    antes de seguir para frica, devido ao assassinato de seu pai, vtima do

    racismo da Ku-klux-klan; tal morte desencadeou a destruio de sua famlia: a

    me enlouqueceu, Daniel e a irm foram para o orfanato e, mais tarde, a

    menina suicidou-se por no suportar conviver com a memria do estupro

    sofrido.

    Os momentos de harmonia para as duas personagens ocorrem quando seguem

    para o interior do pas. Para Ndani, Cati, terra natal do autor do romance,

    cidade na qual ela cria seus filhos, um lugar de paz, onde alcana bons

    relacionamentos com os demais moradores e vive sem ter diante de si a

    maldio anunciada. Para Daniel, Woyowayan esse local utopicamente

    desejado, a cidade imaginria, cujo nome foi inspirado em Woyowayan-Ko,

    lugarejo situado na atual Guin-Conacri, que se tornou famoso por ser

    considerado um marco da resistncia negra frente dominao branca

    (AUGEL, 1998, p. 339).

    Nos dois romances, A ltima tragdia e Eterna paixo, a relao patroa-

    empregada seconfigura difcil, autoritria e desrespeitosa. Mbubi, por

    exemplo, tivera o mrito de agradar ambas as geraes dessa classe: a

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    colonial e a nacional (SILA, 2002, p. 183), porque a vida dela no contou com

    grandes modificaes.

    Na relao entre Dona Linda e Ndani, houve a tentativa de extirpar tudo o

    quelembrasse a origem africana e fosse passvel de eliminao: o nome, as

    roupas, o penteado, a f...

    Entre Ruth e Mbubi, a criada, a relao se mostra tensa desde as primeiras

    refernciasdesta quela. Ainda nas primeiras pginas, o narrador registra a

    palavra Senhora, com letra maiscula, para aludir a Ruth: desde que a

    me da Senhora (SILA, 2002, p. 183); a Senhora se casara com ele (p. 185);

    fotos que a Senhora trazia (p. 185). A marcao grfica pelo uso da inicial

    maiscula por si s j assinala a diferenciao e a deferncia patroa;

    quando posta em oposio ao trato com Daniel, temos delineada a posio

    superior de Ruth em relao ao marido, referido como senhor ou,

    simplesmente, Dan, e prpria Mbubi.

    O romance narra uma cena de conflito, pois a palavra empenhada pela patroa

    foraalterada. Mbubi houvera acordado com Ruth uma folga no sbado para

    participar de uma cerimnia em sua aldeia, entretanto a senhora negara o

    combinado, recusando-se a deix-la ir sua tabanca de origem (SILA, 2002,

    p. 195).

    O descumprimento da palavra no algo simples no romance. Colocam-se

    diante do leitor duas cosmovises diferentes. Para Ruth, mudar de ideia era

    um direito seu, bem como no liberar Mbubi, uma vez que as circunstncias

    para ela se alteraram e, agora, ela receberia visitas. Isso no se coaduna, no

    entanto, com a viso de Mbubi, para quem, como diz um adgio mals,

    aquele que corrompe sua palavra, corrompe a si prprio (HAMPAT-B,

    1982, p. 187). Mbubi no apenas metaforiza a frica tradicional, mas tambm

    reflete uma atitude comum na Guin-Bissau at os dias de hoje: a

    permanncia de tradies na vida cotidiana. A palavra falada assumia, assim,

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    para a empregada um valor documental. Amadou Hampat-B esclarece que

    na frica tradicional, aquele que falta palavra mata sua pessoa civil,

    religiosa e oculta. Ele se separa de si mesmo e da sociedade. Seria prefervel

    que morresse, tanto para si prprio como para os seus (1982, p. 186-187).

    Desse modo, sob a perspectiva de Mbubi, a palavra dada no poderia ser

    mudada. Se Ruth descumpre o combinado, ela se torna uma pessoa indigna e

    no confivel.

    Outra atitude de descaso para com a tradio pode passar despercebida para

    o leitor exgeno: a de Ruth no responder saudao de Mbubi.

    Boa tarde, senhora Ruth saudou Mbubi sua patroa, ao mesmo tempo que se detinha, libertando a passagem. Pensei que j no te ia encontrar em casa, Mbubi disse a patroa, sem sepreocupar em retribuir a saudao (SILA, 2002, p. 193).

    Ao leitor ocidental, o registro do narrador acerca da ausncia da saudao

    pode soar como m educao. Entretanto, na Guin-Bissau, saudar os

    passantes, alm de demonstrar respeito e compor uma recorrente prtica

    social, inclui uma srie de perguntas sobre as pessoas da famlia e suas rotinas

    de trabalho. Ou seja, no responder no apenas um ato de falta de

    educao; um comportamento que distingue Ruth do restante de seu povo.

    Suas atitudes em relao empregada so o indcio de que ela no faz mais

    parte daquela comunidade.

    Ao fim da cena, a memria de Mbubi revela que a reao da patroa se somava

    a outrosepisdios semelhantes. Deixando a casa, sem saber se a ela retornaria

    ou no, o narrador relata: As recordaes de situaes idnticas no passado,

    os factos que havia j algum tempo a inquietavam e tornavam as lides com

    aquela mulher um autntico pesadelo, tambm tinham ajudado a fazer

    crescer aquela dvida (SILA, 2002, p. 195).

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    Mbubi qualifica a convivncia com a patroa como autntico pesadelo. Ruth

    , para Mbubi, a personificao da maldade. Retomando a metfora do pas

    presente no romance, podemos inferir que o que est expresso na obra no

    apenas um desentendimento entre patroa e empregada, mas temos uma

    representao ficcional da traio ao nativo por parte daqueles que

    assumiram o poder e se distanciaram do seu povo, no se identificando mais

    com ele.

    O leitor conhecedor da obra de Amlcar Cabral associa a atitude de Ruth e de

    outras personagens de Eterna paixo ao alerta trgico enunciado pelo lder

    poltico em Havana, em 1966, por ocasio da 1 Conferncia de Solidariedade

    dos Povos da frica, da sia e da Amrica Latina, em seu discurso A arma da

    teoria. A principal tese desenvolvida por Cabral versa sobre o suicdio da

    pequena burguesia nacional, a fim de que esta assumisse um papel de

    liderana na construo de um novo tempo e de um Homem novo. Caso a

    burguesia se negasse a assumir as responsabilidades a ela dirigidas, a

    consequncia seria a traio dos objetivos da libertao nacional (CABRAL,

    2008, p. 200), desencadeando, assim, uma situao neocolonial, na qual

    seriam mudados os dirigentes, mas persistiria outra espcie de colonizao.

    Este o cenrio metaforizado em Ruth.

    Notamos que tanto Dona Linda quanto Ruth, mesmo tendo origens bastante

    diferentes, tm atitudes semelhantes. Isso aponta para a grande denncia

    feita em Eterna paixo: os tempos da ps-independncia obscureceram o

    discurso de igualdade que ecoava durante a luta de libertao. O trgico

    ficcionalizado por esta obra a distopia que se instala, a perda dos antigos

    sonhos libertrios, a percepo do grande abismo que se cava entre a teoria

    e a prtica.

    O ltimo ponto de contato que queremos destacar entre A ltima tragdia e

    Eterna paixo a punio. O Professor foi preso e degredado, sob a acusao

    de assassinar o Administrador, sem t-lo feito. Condenado injustamente e sem

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    julgamento, Daniel tambm foi detido. A culpa de ambos semelhante:

    agredir uma autoridade. O Professor desferiu golpes no Administrador; j

    Daniel agrediu David, amante de Ruth e funcionrio do governo9. O Professor

    e Daniel sofrem com as condies subumanas das instalaes carcerrias, com

    os mtodos criminosos de tortura e com a manipulao da justia.

    Como em A ltima tragdia, o sofrimento, em Eterna paixo, acentuado e

    disfarado, simultaneamente, por meio dos silncios. A narrao acerca da

    priso de Daniel bastante reticente. Graficamente, h apenas um espao

    entre a cena em que o protagonista agride David e o momento em que ele

    acorda na priso. No fica claro como ele chegou ali e o que, de fato,

    aconteceu, embora o narrador d voz aos pensamentos da personagem:

    Mais doloroso que o recordar das cenas de violncia a que fora submetido, o impacto que as mos calosas e os cacetes compridos provocavam no seu corpo; mais doloroso que o sentimento de injustia, a mgoa da humilhao na alma (SILA, 2002, p. 269).

    A violncia nos tempos do ps-independncia velada e limitada a quatro

    paredes; bem diferente do que acontecia no perodo colonial, como relata A

    ltima tragdia, no episdio de Mbunh Lamb, que fora assassinado em praa

    pblica, aps ser torturado por dias, culpado tambm por agredir uma

    autoridade. Em nveis de exposio diferentes, o poder autoritrio exercido

    por meio do uso do controle e da punio exemplar.

    Os pontos de semelhana entre os romances acentuam algumas proximidades

    entre os perodos colonial e nacional. Queremos ressaltar, entretanto, que,

    mesmo diante de muitos descompassos, no se podem negar os avanos e

    conquistas decorrentes da independncia.

    9 No fica explcito, mas possvel inferir que David foi o responsvel pela priso do Embaixador Kinsumah, um idealista que pregava a reestruturao do pas, utilizando-se das ideias dos jovens e que fora preso sob a acusao de preparao de um golpe de estado.

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    A libertao trouxe ganhos para o pas: o fim da submisso a Portugal; o

    trmino doregime de semiescravido que servia aos patres lusitanos; a

    possibilidade de valorizao das culturas nacionais. Contudo, a luta pela

    independncia fora conduzida sob um discurso utpico, que descrevia um

    idealizado futuro sem fome, com escola e igualdade para todos. Em vez disso,

    a severa carncia alimentcia, a subnutrio, a falta de sistemas de sade e

    de educao permaneceram. Desenvolveu-se o que Amlcar Cabral previra em

    1966: uma pequena burguesia nacional, que herdara e tomara para si os

    privilgios aprendidos com os colonizadores.

    Ao lado da denncia, Sila aponta caminhos e esperanas. O romance no se

    limita a apontar descompassos, as linhas tambm descrevem com detalhes

    solues, que implica o resgate do discurso cabralino, tornando-o prtico.

    Tragdia guineense

    Os romances de Abdulai, os trs, no apenas os dois aqui abordados, bem

    como sua obra dramtica apontam para a constante tragdia em solo

    guineense. Os trs romances narram uma nica histria, que, para ns, soa

    trgica: os rumos da Guin-Bissau. A trajetria poltica do pas, desde o

    regime colonial at o final do sculo XX, se encontra ficcionalizado, por

    vezes, metafrica ou metonimicamente, nas linhas escritas por Abdulai Sila.

    Diferentemente do que se poderia esperar diante da desventura, a escrita de

    Sila intenta resistir s tragdias histrica e cotidiana, insistindo em manter

    uma voz ativa, denunciadora das mazelas do pas, contrria s guerras e

    corrupo.

    O pensamento de Joseph Ki-Zerbo expresso na frase N'na laara, na saara

    (KI-ZERBO, 2006, p. 5), em portugus Se nos deitarmos, estamos mortos,

    contm aquilo que percebemos serem os motores da escrita de Abdulai Sila: a

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    indignao e a luta por mudanas. Ao considerarmos as condies sob as quais

    a escrita na Guin-Bissau ocorre um parco percentual de leitores na

    populao local e a inexistncia de livrarias no territrio nacional ,

    compreendemos que escrever significa tambm manter-se de p (ao contrrio

    de se deitar), a fim de que a esperana no morra totalmente.

    A rememorao literria da histria recente uma forma de tocar na

    ferida, enfatizando, assim, a dor e apontando o quo trgica a realidade. A

    evocao do perodo colonial, em A ltima tragdia, ativa a memria do

    guineense acerca das razes em torno das quais povos de culturas diferentes

    uniram-se em funo de um bem comum. No que diz respeito ao ps-

    independncia, Eterna paixo demonstra como se encontra distante da

    sociedade ficcionalizada a proposta de suicdio da pequena burguesia

    nacional, desenvolvida por Amlcar Cabral, de modo que a imagem dos novos

    governantes do pas se aproxima um pouco da dos antigos colonizadores.

    Para Cabral, a tragdia do pensamento africano tem a ver com a ausncia de

    ideologia (apud LOPES, 2012, p. 192), como destacamos na epgrafe desse

    texto. Abdulai Sila, um dos seguidores e entusiastas desse lder poltico,

    insere muito da ideologia do pai da nacionalidade guineense em seu texto, a

    fim de, talvez, fornecer ideologias capazes de minimizarem as tragdias

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    Recebido em: 19 de maio de 2014.

    Aprovado em: 23 de junho de 2014.