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PEDRO CARPENTER GENESCÁ OS NOVOS INSTRUMENTOS CONTRATUAIS NA RELAÇÃO ESTADO – TERCEIRO SETOR RIO DE JANEIRO 2006

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PEDRO CARPENTER GENESCÁ

OS NOVOS INSTRUMENTOS CONTRATUAIS NA RELAÇÃO

ESTADO – TERCEIRO SETOR

RIO DE JANEIRO

2006

2

PEDRO CARPENTER GENESCÁ

OS NOVOS INSTRUMENTOS CONTRATUAIS NA RELAÇÃO

ESTADO – TERCEIRO SETOR

Dissertação de conclusão de curso de Mestrado em Direito,

Estado e Cidadania apresentada à Universidade Gama Filho

como requisito para obtenção do título de Mestre em Direito.

RIO DE JANEIRO

2006

3

O(A) autor(a), abaixo assinado(a), autoriza as Bibliotecas da Universidade Gama Filho a reproduzir este trabalho para fins acadêmicos, de acordo com as determinações da legislação sobre direito autoral, no(s) seguintes(s) formato(s) (X) Fotocópia (X) Meio digital Assinatura do autor: _________________________________________________

4

Genescá, Pedro Carpenter.

Título: Os novos instrumentos contratuais na relação Estado – Terceiro Setor /

Pedro Carpenter Genescá – Rio de Janeiro, 2006. 140 fls.

Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade Gama Filho – UGF.

Orientador: Prof. Dr. Francisco Mauro Dias.

PEDRO CARPENTER GENESCÁ

5

À minha família, e em especial à minha querida Nanda,

por todo o amor e apoio dado em minhas investidas

acadêmicas.

6

Agradecimento mais do que especial ao meu tão

estimado orientador, e grande mestre, Prof. Dr.

Francisco Mauro Dias, que, desde os primórdios da

graduação, acompanha meus passos, sendo um grande

incentivador de minhas venturas e desventuras pelo

ainda quase inexplorado universo do Terceiro Setor.

Exemplo de ética e seriedade acadêmica, suas lições

encontram-se gravadas, em definitivo, em minha

memória. A ele, todo meu reconhecimento, respeito e

admiração. Oxalá possa ser brindado, ainda por muito

tempo, com seu convívio.

7

“A verdadeira compaixão é mais do que atirar

moedas a um mendigo; é, sim, perceber que um

edifício que produz mendigos precisa ser

reestruturado.”

Martin Luther King Jr.

“Se todos fizéssemos o que somos capazes de fazer, ficaríamos literalmente surpresos.”

Thomas Edison

8

RESUMO

Os novos instrumentos contratuais na relação Estado - Terceiro Setor objetiva,

partindo da verificação da emergência de novos atores sociais, que compõem o chamado

Terceiro Setor, o estudo dos instrumentos jurídico formais, hoje existentes no ordenamento

jurídico brasileiro, que são postos como formas de relacionamento contratual entre o

Estado e este Terceiro Setor. Para tanto, estrutura-se em 4 grandes partes que versam

respectivamente sobre: 1) a contextualização da emergência do Terceiro Setor, sua

fundamentação e legitimação; 2) a análise da principiologia jurídico-administrativa

aplicada ao Terceiro Setor; 3) a apresentação e análise dos instrumentos contratuais

clássicos: contratos administrativos e convênios; 4) a apresentação e análise dos mais

recentes instrumentos contratuais: contratos de gestão e termos de parceria.

Palavras-chaves: Terceiro Setor; instrumentos contratuais; convênio; contrato de

gestão e termo de parceria.

9

ABSTRACT

The new contract forms in the relationship between State and Third Sector seek to

study the formal kinds of contracts, that exit in Brazilian judicial system nowadays, used to

render the legal relationship between State and the Third Sector, considering the

appearance of new social actors composing this Third Sector. Therefore, it’s been divided

in four parts versifying about, respectively: 1) the appearance of the Third Sector in

context, its ground and legitimacy; 2) the analysis of judicial-administrative principles

applied to the Third Sector; 3) the presentation and analysis of the classic kinds of

contracts: administrative contract and agreement; 4) the presentation and analysis of newer

kinds of contracts: “Contratos de Gestão” and Partnership Agreement.

Key-words: Third Sector; contracts; agreement and Partnership Agreement.

10

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..................................................................................................................01

I. TERCEIRO SETOR: FUNDAMENTAÇÃO E LEGITIMIAÇÃO .................06

1.1. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS.............................06

1.2. BREVE HISTÓRICO DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL ...............10

1.3. DEFININDO O TERCEIRO SETOR ........................................................13

1.4. EMBATES TEÓRICOS...............................................................................14

1.4.1. O TERCEIRO SETOR COMO UMA MODALIDADE DE

DEMOCRACIA PARTICIPATIVA EM JOAQUIM

FALCÃO..............................................................................................16

1.4.2. CRÍTICA AO PADRÃO EMERGENTE DE INTERVENÇÃO

SOCIAL EM CARLOS MONTAÑO................................................21

1.4.3. A QUESTÃO SOCIAL EM SELMA MARIA SCHONS................26

1.4.4. SOLIDARIEDADE COMO EFEITO DE PODER EM PEDRO

DEMO..................................................................................................28

1.5. MEDIDAS E POSSIBILIDADES DE UM MODELO ALTERNATIVO

DE TERCEIRO SETOR..............................................................................30

II. PRINCIPIOLOGIA ADMINISTRATIVA APLICADA AO TERCEIRO

SETOR....................................................................................................................36

2.1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS....................................................................36

2.2. A PRINCIPIOLOGIA ADMINISTRATIVA QUE EMBASA O

TERCEIRO SETOR.....................................................................................38

2.2.1. PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE.............................................38

11

2.2.2. PRINCÍPIO DA PARTICIPAÇÃO SOCIAL...................................44

2.2.3. PRINCÍPIO DA AUTONOMIA........................................................45

2.2.4. PRINCÍPIO DA CONSENSUALIDADE..........................................46

2.2.5. PRINCÍPIOS DA EFICIÊNCIA E EFICÁCIA...............................47

2.3. A POSITIVAÇÃO DA PRINCIPIOLOGIA NO ORDENAMENTO

JURÍDICO BRASILEIRO...........................................................................48

III. INSTRUMENTOS CONTRATUAIS CLÁSSICOS: CONTRATO

ADMINISTRATIVO E CONVÊNIO........................................................50

3.1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS....................................................................50

3.2. OS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS.................................................50

3.3. OS CONVÊNIOS..........................................................................................65

IV. NOVOS INSTRUMENTOS CONTRATUAIS: CONTRATO DE GESTÃO E

TERMO DE PARCERIA......................................................................................80

4.1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS....................................................................80

4.2. AS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS E OS CONTRATOS DE

GESTÃO........................................................................................................81

4.3. AS ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL DE INTERESSE

PÚBLICO (OSCIP) E OS TERMOS DE PARCERIA..............................96

CONCLUSÃO..................................................................................................................129

BIBLIOGRAFIA..............................................................................................................134

INTRODUÇÃO

A sociedade brasileira, e, mais especificamente, o Estado brasileiro, vivem um

momento de profunda mudança em sua configuração social. Outras áreas do conhecimento

humano, como a sociologia, a antropologia e a ciência social1, têm dado conta do

surgimento ou, pelo menos, maior visibilidade a alguns novos atores sociais. A mídia tem

noticiado diariamente este fenômeno, se assim pudermos classificá-lo. Trata-se da

emergência do que se convencionou chamar no Brasil, assim como em outros países, de

Terceiro Setor.

Este Terceiro Setor se coloca em conjunto com os denominados Primeiro e

Segundo Setores, compostos, respectivamente, pelo Estado e pelas instituições privadas de

caráter econômico, comumente chamadas de Mercado. Para além disso, o Terceiro Setor é

composto por atores de diversas naturezas, tanto pessoas físicas (voluntários,

empreendedores sociais), como pessoas jurídicas (associações, fundações, organizações

religiosas), estas últimas muito mais conhecidas por seus apelidos2: filantrópicas, institutos

e principalmente organizações não-governamentais (ONG’s).

1 Para um estudo mais pormenorizado nestes campos do saber humano ver: ABONG. Governo e sociedade civil: um debate sobre espaços públicos democráticos. Ed. Peirópolis, 2004. COELHO, Simone de Castro Tavares. Terceiro setor – um estudo comparado entre Brasil e Estados Unidos. 2ª edição. Ed. Senac, 2002; FERREIRA, Nilda Tevês. Cidadania – uma questão para a educação. 6ª reimpressão. Ed. Nova Fronteira, 1993; FRANCO, Augusto de. Terceiro setor – a nova sociedade civil e seu papel estratégico para o desenvolvimento. Ed. Aed, 2003; LANDIM, Leilah. Múltiplas identidades das ONGs. In. HADDAD, Sérgio (org.). ONG’s e universidades – desafios para a cooperação na américa latina. Ed. Peirópolis, 2002, p.17; MONTAÑO, Carlos. Terceiro setor e a questão social – crítica ao padrão emergente de intervenção social. Ed. Cortez, 2002; NAVES, Rubens. Terceiro setor – nova possibilidades para o exercício da cidadania. In: PINSKY, Jaime & PINSKY, Carla Bassanezi. História da cidadania. Ed. Contexto, 2003, p.563.; LIBRI, Veio. Para entender o brasil. Ed. Alegro, 2000. 2 Importante frisar, de início, esta questão terminológica. Com grande freqüência vê-se a utilização aleatória da nomenclatura das organizações do chamado Terceiro Setor. Assim, Associações, Fundações, Organizações Religiosas, ONG’s, OSCIP’s, Institutos, Filantrópicas, são todas colocadas no mesmo “saco de gatos”, sem que se consiga, em muitos casos, precisar-lhes o sentido. Para fins metodológicos, no presente trabalho, tomar-se-á seu sentido como o conjunto de organizações, independentes de sua nomenclatura ou qualificação, constituídas pela sociedade civil, objetivando a atuação na promoção dos próprios interesses sociais, sempre com caráter não lucrativo, ou, no entendimento mais recente fixado pela Lei 10.406/2002, interesse não econômico. E, com relação a nomenclatura, conceitualmente tem-se que:

2

Questão da maior relevância, e que se coloca a priori, diz respeito à própria

definição dos contornos e conceitos destas novas categorias: Terceiro Setor, sociedade

civil, cidadania, voluntariado etc. Apesar de crermos que esta problemática se insira mais

nos campos de conhecimento da sociologia e da ciência social, devendo por elas ser

encarada, procuraremos aportar algumas contribuições3 no sentido de um maior

esclarecimento acerca destes conceitos e contornos, principalmente com a apresentação de

algumas teses, convergentes e/ou antagônicas, que procuram fundamentar e legitimar a

existência do Terceiro Setor.

- Associação: pessoa jurídica de direito privado que, nos termos dos artigos 44 e 53 do Código Civil, se caracteriza pela união de pessoas que se organizem para fins não econômicos. - Fundação: pessoa jurídica de direito privado que, nos termos dos artigos 44 e 62 do Código Civil, se constitui pela dotação especial de bens livres, feitas por um instituidor, através de testamento ou escritura pública, para fins religiosos, morais, culturais ou de assistência. Uma vez constituída a fundação, é necessário que o instituidor lhe determine em estatuto, suas regras de funcionamento e um grupo que irá se responsabilizar em gerir esse patrimônio segundo seus objetivos. Entre associação e fundação extremam-se as diferenças na medida em que a primeira é uma reunião de pessoas, enquanto a fundação se caracteriza por ser uma reunião de bens. - Organização Religiosa: terceira e última das espécies de pessoa jurídica, que compõe o Terceiro Setor, expressamente albergada pela legislação nacional. Entretanto, sua normatização não foi claramente definida pelo Código Civil que apenas se limitou, no artigo 44, a prever sua existência. Assim sendo, crê-se que uma organização religiosa, por analogia, deverá se constituir nos moldes de uma associação, sendo, entretanto, mais flexível seu funcionamento e estrutura. - ONG (Organização Não-Governamental): sigla cunhada no pós Segunda Guerra Mundial, no seio dos debates da então recém criada Organização das Nações Unidas, para, naquele momento, designar organismo e organizações supra-nacionais que seriam criadas para auxiliar na recuperação dos países destruídos pela guerra. Sua designação negativa (não-governamental), de fato, revela um cunho bastante interessante de independência e ocupação do espaço público por quem não é do governo. No direito brasileiro, entretanto, não há qualquer menção a ONG, existindo apenas um reconhecimento supra-legal, de cunho cultural, político e sociológico. As regras da maior parte dessas organizações são internas, dispostas em um estatuto, o que lhes dá um cunho institucional, distinto da natureza meramente contratual das sociedades empresariais, por exemplo. Assim, via de regra, uma ONG adota a estrutura jurídica de uma associação. Em resumo: a terminologia ONG não encontra reconhecimento no ordenamento jurídico brasileiro. Trata-se da exteriorização de um fenômeno social mundial, através do qual a sociedade civil se organiza espontaneamente para a execução de certo tipo de atividade cujo o caráter é de interesse público. - OSCIP (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público): trata-se, na verdade, de um título criado pela lei 9.790/99. A OSCIP é o reconhecimento oficial e legal mais próximo do que se entende por ONG, especialmente porque são marcadas por exigências legais de transparência administrativa e observância a princípios de administração pública. São, contudo, uma opção institucional, não havendo qualquer obrigatoriedade no sentido de obtenção deste título. O reconhecimento se dá por ato do governo federal, emitido pelo Ministério da Justiça, ao analisar o estatuto da instituição. Para tanto é necessário que o estatuto atenda a certos pré-requisitos que estão descritos nos artigos 1º, 2º, 3º e 4º da lei 9.790/99. - Filantrópica: é a instituição reconhecida, pelo senso comum, como aquela que, teoricamente, se dedica à prestação de serviços de caráter assistencial às populações em estado de exclusão social. Tecnicamente, filantrópica é a instituição que possui o CEAS (Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social), emitido pelo CNAS (Conselho Nacional de Assistência Social) e que antigamente era chamado de CEFF (Certificado de Entidade de Fins Filantrópicos). - Institutos: não há definição legal para instituto. Instituto é um nome, uma designação, um nome fantasia que pode ser utilizado por qualquer das espécies de pessoa jurídicas existentes no ordenamento jurídica brasileiro. 3 Tais contribuições são apresentadas no 1º capítulo desta dissertação.

3

Isto porque, atualmente, é inegável a relevância da existência e do papel que

desempenha o Terceiro Setor no Brasil, envolvendo em torno de 250 mil instituições e

alguns milhões de brasileiros, atuando profissionalmente ou voluntariamente4. E,

provavelmente, o que vem marcando mais significativamente a atuação do Terceiro Setor

seja a sua posição de cooperação com o Estado na prestação dos serviços sociais e no

atendimento às necessidades sociais básicas da população menos favorecida.

Todo este universo do Terceiro Setor, consubstanciado nestes que denominamos

“novos atores sociais”, dada as suas peculiaridades, vem sendo objeto de uma atenção

especial dos poderes públicos no sentido da criação de um Marco Legal5, que seja

4 Dados obtidos: IBGE. As fundações privadas e associações sem fins lucrativos no brasil 2002. 2ª edição. Ed. IBGE, 2004. 5 O chamado Marco Legal do Terceiro Setor se constituiu em um dos braços de ação do processo de interlocução política do Conselho Comunidade Solidária e teve como objetivo a produção de nova legislação (Lei 9790/99 e Decreto 3100/99) que fosse adequada às necessidades e realidades do Terceiro Setor. O processo de interlocução política, no qual se incluiu o Marco Legal do Terceiro Setor pode assim ser descrito: “A partir de junho de 1996, após um intenso processo de discussão, o Conselho da Comunidade Solidária decidiu que deveria promover canais políticos de diálogo entre governo e sociedade sobre grandes temas que subsidiassem uma estratégia de desenvolvimento social para o Brasil. Assim, criou-se a Interlocução Política do Conselho da Comunidade Solidária. O objetivo geral da Interlocução Política é contribuir para a construção de um acordo ou entendimento estratégico nacional em torno de questões consideradas prioritárias, envolvendo a discussão de medidas e procedimentos de ação social do Estado e da sociedade. A Interlocução Política tem ainda como objetivos específicos: • estimular soluções;

• agilizar e acompanhar a implementação de providências;

• contribuir para remover obstáculos e superar impasses que comprometem, delongam ou tiram a eficácia das ações que devem ser empreendidas.

A Interlocução Política procura construir progressivamente consensos sobre os temas debatidos e identificar os dissensos existentes formulando uma pauta para a continuidade do processo de diálogo entre governo e sociedade.

O processo da Interlocução Política contempla três fases:

1) Preparação, momento que envolve:

• escolha do tema;

• elaboração e envio de um Documento de Consulta para os interlocutores (ONGs, sindicatos, intelectuais, empresariado, etc.);

• recolhimento, sistematização e incorporação das emendas feitas pelos interlocutores;

• elaboração do Documento-Base que servirá de ponto de partida para a discussão coletiva.

2) Realização: corresponde a uma reunião do Conselho da Comunidade Solidária, com a presença dos interlocutores que participaram da elaboração coletiva do Documento-Base, para ratificar os consensos e aprovar:

• um Documento-Final;

• uma série de Encaminhamentos Concretos sugeridos pelos interlocutores.

4

referencial para este setor e que observe as suas particularidades. Assim, a promulgação da

Lei 9.608/98, a chamada Lei do Trabalho Voluntário, da Lei 9.637/99, que criou as

Organizações Sociais e, principalmente a Lei 9.790/99, que criou o título das Organizações

da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP).

3) Desdobramentos:

a) o Documento-Final, aprovado a partir do Documento-Base, é amplamente divulgado, para possibilitar a continuidade e a expansão do processo de interlocução;

b) os Encaminhamentos Concretos aprovados são transformados em providências, para as quais são designados os responsáveis e são estabelecidos os prazos de execução. Todo esse trabalho é acompanhado e monitorado por um Comitê de Encaminhamento.

Portanto, a Interlocução Política é um processo de diálogo entre governo e sociedade, do qual participam:

• da parte do governo: ministros de Estado relacionados ao tema em foco e seus representantes, bem como técnicos governamentais da área em questão e a Secretaria-Executiva da Comunidade Solidária.

• da parte da sociedade: organizações da sociedade civil, movimentos sociais, sindicatos, intelectuais, especialistas da matéria em tela, empresariado em geral, por meio de representantes de entidades de classe, bem como os conselheiros da Comunidade Solidária.

Desde a criação da Interlocução Política, foram realizadas as seguintes rodadas:

Gestão 1995-1999

Primeira Rodada 05/08/96 Reforma Agrária

Segunda Rodada 26/08/96 Renda Mínima e Educação Fundamental

Terceira Rodada 29/10/96 Segurança Alimentar e Nutricional

Quarta Rodada 12/05/97 Criança e Adolescente

Quinta Rodada 25/08/97 Alternativas de Ocupação e Renda

Sexta Rodada* 06/10/97 Marco Legal do Terceiro Setor

Sétima Rodada 08/12/97 Síntese Preliminar da Agenda Social

Oitava Rodada 16/03/98 Desenvolvimento Local Integrado e Sustentável

*Em 4 de maio de 1998 foi realizada a continuação da Sexta Rodada sobre o Marco Legal do Terceiro Setor.

Gestão 1999-2000

Primeira Rodada 31/05/99 Desenvolvimento Local Integrado e Sustentável

Segunda Rodada 30/08/99 Por uma Estratégia em Prol do Segmento Jovem

Terceira Rodada 29/11/99 A Cúpula Mundial de Copenhague e a Exclusão Social no Brasil Estratégias Inovadoras de Inclusão no Campo da Educação: Parceria entre Estado e Sociedade para a Redução do Insucesso Escolar

Quarta Rodada 25/09/00 Um Novo Referencial para a Ação Social do Estado e da Sociedade - Sete Lições da Experiência da Comunidade Solidária

Quinta Rodada 05/03/01 A Expansão do Microcrédito no Brasil” (in: CONSELHO COMUNIDADE SOLIDÁRIA. OSCIP: a lei 9790/99 como alternativa para o terceiro setor. 2ª edição. 2002)

5

Apesar da elaboração destas leis e da preocupação com o tratamento jurídico a ser

dado ao Terceiro Setor, muitas lacunas continuam a existir e que muitas vezes acabam por

desestimular e impedir o surgimento e atuação destes atores.

Dentre estas lacunas está a que diz respeito aos instrumentos jurídicos formais, já

existentes ou que possam/devam ser criados ou revistos, utilizados para o relacionamento

do Terceiro Setor com o Primeiro Setor, rectius Estado.

Esta justamente, a problemática que este trabalho deseja abordar.

Partindo da apresentação dos instrumentos mais antigos já existentes, os contratos

administrativos e convênios, procuraremos demonstrar como a legislação e a prática que os

fundamentam, respectivamente a lei 8.666/93 e a Instrução Normativa da Secretaria do

Tesouro Nacional nº 01 de 1997, por vezes são incompatíveis com a estrutura e dinâmica

do Terceiro Setor, o que acaba por reafirmar políticas meramente assistencialistas e

paternalistas, que não atacam a raiz dos problemas sociais que pretendem enfrentar e

colaboram com a manutenção de um círculo vicioso que perpetua dependência entre os

assistidos e as “obras sociais” e destas com seus “padrinhos políticos”.

Em seguida apresentaremos os instrumentos criados mais recentemente, o contrato

de gestão e o termo de parceria, o primeiro já encontrando assento constitucional e o

segundo criado e regulamentado pela Lei 9.790/99, procurando ressaltar o novo contexto

no qual se inserem, criados, como foram, a partir da interlocução do governo federal (via

Conselho Comunidade Solidária) com representantes diretos do próprio Terceiro Setor.

Tentaremos ressaltar a importância e avanços trazidos com estes novos instrumentos e as

polêmicas jurídicas surgidas com a edição das mencionadas leis.

Cabe ressaltar que todo o trabalho terá como espinha dorsal considerações de

ordem principiólogica, mormente com a colocação dos princípios da subsidiariedade e

solidariedade, na visão que hoje temos dos mesmos.

6

CAPÍTULO I – TERCEIRO SETOR: FUNDAMENTAÇÃO E LEGITIMAÇÃO

1.1) Algumas considerações introdutórias

O cenário nacional e internacional, do qual emerge o Terceiro Setor, transformou-

se profundamente nos últimos anos, no esteio da globalização econômica e cultural, da

reforma do Estado, da predominância de políticas liberais, ou neo-liberais, do

aprofundamento da degradação social6. Esse novo contexto implicou uma reformulação

dos atores sociais já existentes e o surgimento de novos, criando um conjunto

multifacetado e heterogêneo.

Como nos define a antropóloga Leilah Landim, uma das maiores autoridades

brasileiras em Terceiro Setor:

“Passados quase vinte anos, pode-se, com certeza, dar razão aos que diziam, já em meados dos anos 80, e quando esse nome era reconhecido em meios bastante restritos, que as ONGs eram uma novidade institucional no cenário latino-americano.”7

Para o sociólogo Rubem César Fernandes, neste momento, as ONGs, como

principal ator definidor do Terceiro Setor, seriam “alternativas às práticas institucionais

características das universidades, igrejas e partidos de esquerda”8.

Mais adiante, nos primórdios da década de 90, com a entrada em cena de outros

conceitos, como democracia e esfera pública, o sociólogo Hebert de Souza irá definir estes

novos atores sociais como “microorganismos do processo democrático, referências, lugares

6 Neste sentido CHOSSUDOVSKY, Michel. A globalização da pobreza – impactos das reformas do fmi e do banco mundial. 1ª edição. Ed. Moderna, 1999. 7 LANDIM, Leilah. Múltiplas identidades das ONGs. In. HADDAD, Sérgio (org.). ONG’s e universidades – desafios para a cooperação na américa latina. Ed. Peirópolis, 2002, p.17. 8 FERNANDES, Rubem César. Sem fins lucrativos. Comunicações do Iser nº 15. Iser, 1985, p. 25.

7

de inovação e criação de novos processos, espaços de criação da utopia democrática”9. Já o

cientista político Waldemar Oliveira Neto os define como:

“canais de participação das classes médias na esfera pública, exercendo funções de tradução e rearticulação dos interesses e demandas populares nas arenas institucionais de confronto e negociações sociais”10.

Avançando ainda mais no tempo, encontramos, em Francisco de Oliveira, que os

componentes do Terceiro Setor “surgem como um dado novo da nova complexidade da

sociedade (...) São um ‘lugar’ de onde fala a nova experiência, de onde não podia falar o

Estado, de onde não podia falar a Academia, de onde só podia falar (...) uma experiência

militante”11.

Assim sendo, conforme afirma Leilah Landim:

“Portanto, o termo internacionalizado ‘ONG’ ganhou reconhecimento por aqui, enquanto categoria social, ao distinguir um conjunto de organizações sui generis que guardavam certas características, posições e papéis análogos no Brasil e em diversas sociedades latino-americanas (e não só). O reconhecimento e visibilidade social desse nome não se deu da noite para o dia, mas foi construído no decorrer da década de 80, com base num investimento realizado por um conjunto específico de agentes e entidades facilmente identificáveis do ponto de vista sociológico na afirmação de uma identidade comum e na produção de concepções, práticas e instâncias específicas de legitimidade. Sendo, como se sabe, termo forjado em canais internacionalizados, no entanto, é importante que se adapta e (re)traduz em virtude de relações e dinâmicas sociais internas a diferentes sociedades.”12

Na realidade, apesar de podermos afirmar que atores sociais como as ONGs

existem desde há muito, até meados da década de 70 não havia entre eles e seus agentes a

representação de pertencimento a um universo institucional próprio. A idéia de um novo

9 SOUZA, Hebert de. As ongs na década de 90. In: Desenvolvimento, cooperação internacional e as ongs. Ibase/Pnud, 1992, p. 20. 10 OLIVEIRA Neto, Waldemar. As ongs e o fundo público. In: Desenvolvimento, cooperação internacional e as ongs. Ibase/Pnud, 1992, p. 46. 11 OLIVEIRA, Francisco de. Caminhos da institucionalização: cooperação internacional, estado e filantropia. Cadernos de Pesquisa CEBRAP nº 6, Ed. Entrelinhas, 1997, p. 18. 12 Obra citada, pp. 18-19.

8

conjunto articulado de atores sociais autônomos somente ganha espaço na segunda metade

da década de 80.

Apesar de passadas duas décadas da inauguração deste debate, longe estamos de

qualquer tranqüilidade no domínio do entendimento e do uso destes atores e suas

denominações próprias. Ou, na feliz manifestação de Paulo Eduardo Arantes:

“os diversos atores sociais estão sujeitos a fraudes vocabulares, em que palavras escorrem pelo ralo do redemoinho semântico, em tempos onde qualquer coisa pode dizer qualquer coisa”13.

Trata-se de um processo de construção de horizontes comuns entre um conjunto de

organizações que se colocaram como atores em determinado pólo do campo discursivo e

político existente em suas sociedades, a um dado momento e a cada momento. E, talvez o

que mais importe neste processo seja o êxito na diferenciação. Conseguir extremar aquilo

que é próprio do Terceiro Setor, aquilo que identifica e aproxima seus diversos agentes

componentes, mas que, ao mesmo tempo, garante sua independência com relação ao

Primeiro e Segundo Setores.

Assim, ao longo das discussões sobre identidade e papéis do Terceiro Setor estão

presentes, como afirma Leilah Landim:

“suas relações tensas entre distinção e semelhança, alternativa e superposição, dependência e autonomia, colaboração e conflito, com relação às organizações filantrópicas, à Igreja, aos movimentos e organizações populares representativos, aos sindicatos, universidades, Estado”14.

E aqui se insere uma questão fundamental: a relação dos atores sociais do Terceiro

Setor com o interesse público. E esta questão somente pode ser entendida se lançarmos

atenção à nova configuração do próprio Estado. O Leviatã hobbesiano não mais existe,

pelo menos em sua aparência original. Particularmente no Brasil, o Estado vive seu 13 ARANTES, Paulo Eduardo. Esquerda e direita no espelho das ongs. Ed. Insight. Revista Inteligência, agosto-outubro 1999, p. 28. 14 Obra citada, p. 22.

9

momento mais recente de metamorfose dos primórdios da década de 90 para cá. Mais

especialmente no que tange ao Terceiro Setor, temos a redistribuição e redefinição das

responsabilidades e deveres dos atores estatais e não estatais. Nos dizeres do jurista Rubens

Naves:

“Serviços até então oferecidos por organismos estatais, como a malha viária e a energia elétrica, foram vendidos para empresas privadas. As privatizações alteraram de modo radical a distinção entre interesses públicos e privados: ao mesmo tempo em que o poder estratégico do Estado diminuiu, constatou-se um espargimento da esfera do interesse público. De tal forma que, hoje, a vida pública adquire um contorno heterogêneo e flexível, tão variado quanto podem ser as iniciativas privadas. A questão seguinte passa a ser, então, compreender quais são os novos agentes da vida pública e como se organizam.”15

Neste sentido, afirma Marc Nerfin, estudioso norte-americano do terceiro setor, que

o perfil do interesse público contemporâneo se dá “neither prince nor marchant: citizen”16

(nem príncipe, nem mercado: cidadão). É o que poderíamos chamar de um sentimento

mais amplo de cidadania global, ou cidadania planetária, onde muitos dos assuntos da

ordem do dia (ecologia, justiça, democracia) não ficam restritos localmente, sendo

abordados globalmente.

E justamente desta visão de uma cidadania participativa emergem os novos atores

sociais, como organizações da sociedade civil que se colocam fora do aparelho estatal.

Entretanto, não se quer com isso sugerir a supressão do poder do Estado, subvertido, como

poderia se imaginar, a uma lógica meramente mercadológica. Pelo contrário e segundo o

filósofo francês Pierre Bordieu:

“A história social ensina que não existe política social sem um movimento social capaz de impô-la. Nesse sentido, não é o mercado, como se tenta convencer hoje em dia, que promoveu o ressurgimento da cidadania participativa, mas sim o movimento social que ‘civilizou’ a

15 NAVES, Rubens. Novas possibilidades para o exercício da cidadania. In: PINSKY, Jaime & PINSKY, Carla Bassanezi. História da cidadania. Ed. Contexto, 2003, pp. 563- 583. 16 NERFIN, Marc. Neither prince nor marchant: citizen. Development Dialogue 198, nº 1, pp. 170-195.

10

economia de mercado contribuindo ao mesmo tempo enormemente para sua eficiência e fortalecimento do Estado.”17

1.2) Breve histórico do Terceiro Setor no Brasil

Ao avaliarmos as formas organizativas da sociedade civil atualmente, é possível

concluir que os diversos atores que compõem o Terceiro Setor têm origens diversas, como

a dos que podemos considerar herdeiros da filantropia tradicional e a aqueles originados

dos movimentos sociais mais recentes, das décadas de 60 e 70.

De forma geral, o desenvolvimento do Terceiro Setor pode ser divido em quatro

grandes etapas ou fases no Brasil.

A primeira e mais longa etapa de desenvolvimento se deu de 1500 aos primórdios

do governo de Getúlio Vargas. Neste período, que perpassa o Brasil Colônia, o Brasil

Império e o Brasil República Velha, Estado e Igreja Católica viviam experiência simbiótica

em matéria de Terceiro Setor, em que pese a afirmação do Estado laical com a

proclamação da República e a Constituição de 1891. Vivemos nesta fase a criação e o auge

das tradicionais, e até hoje existentes, entidades filantrópicas, basicamente voltadas à

educação (com os tradicionais orfanatos, educandários e colégios confessionais) e à saúde

(com as Santas Casas de Misericórdia).

Eram, então, delegadas oficiais de serviços de natureza pública, vez que os

desenvolviam sob os auspícios do Estado, inclusive com o repasse oficial de recursos

igualmente de natureza pública para o custeio destas atividades.

A segunda etapa de desenvolvimento do Terceiro Setor brasileiro pode ser

delimitada entre o governo de Vargas e início da década de 60. Trata-se de fase marcada

por uma mudança radical do papel desempenhado pelo Estado brasileiro que ganha forte

17 BOURDIEU, Pierre. Contrafogos. Zahar, 2001, p. 19.

11

caráter intervencionista, construindo a versão brasileira do internacionalmente conhecido

Estado Providencial.

Neste período o Estado brasileiro se define e se apresenta como o único responsável

pelo fornecimento dos serviços públicos essenciais, notadamente os de saúde, educação,

assistência e previdência sociais. Também data desta época a criação da certificação oficial

de entidades de utilidade pública federal, através da promulgação da Lei 91, em

28/08/1935. Com definições marcadamente subjetivas, tanto no sistema de concessão do

título quanto da renovação do mesmo, a referida lei acabou por se concretizar como uma

forma de controle e intervenção, exercidos pelo Estado, sobre as entidades do Terceiro

Setor.

A terceira etapa se extrema entre meados da década de 60 e meados da década de

80. Como nos afirma Rubens Naves:

“Com o golpe militar de 1964, a repressão sistemática de todas as formas de contestação política e organização sindical fez com que a vida associativa se deslocasse para as comunidades e seus interesses localizados. Por não ser encarado como desafio para o regime, o trabalho comunitário escapou aos controles e assim conseguiu expandir-se.”18

Trata-se do surgimento de novos atores sociais, como as associações de moradores

e associações comunitárias. Encontravam na Igreja, mais precisamente na doutrina

consubstanciada na Teologia da Libertação e em sua manifestação exterior, as

Comunidades Eclesiais de Base (CEB’s), um diapasão para sua disseminação.

Dada a impossibilidade de qualquer debate ou questionamento político, inserido o

Brasil em uma ditadura militar, esses novos atores sociais passam a se ocupar de outras

urgências e demandas sociais de caráter eminentemente local (o saneamento do bairro, a

troca da rede elétrica aérea pela subterrânea, a urbanização de determinadas comunidades

etc.). Caracterizam-se, portanto, por um alcance limitado. 18 Obra citada, pp.567-568.

12

Num segundo momento desta terceira etapa, observa-se a emergência de outros

atores sociais, que darão, em seqüência, início ao processo de redemocratização. Assim, o

papel dos sindicatos, com as famosas greves dos metalúrgicos, e das organizações

estudantis, com a atuação marcante da UNE.

Entretanto, o processo de renascimento da vida pública no Brasil foi uma árdua

tarefa, que envolveu diversos segmentos da sociedade civil, com especial destaque a

instituições como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Sociedade Brasileira para o

Progresso da Ciência (SBPC) e a Associação Brasileira de Imprensa (ABI). Tratou-se do

retorno do Estado Democrático de Direito através da sociedade civil organizada, cujo ápice

foi a promulgação da Constituição de 1988, a Carta Cidadã.

Por fim, uma quarta etapa, onde, cremos, se encontra o desenvolvimento do

Terceiro Setor hoje, iniciada em fins da década de 80. Podemos definí-la como a fase da

afirmação do Terceiro Setor, com o maior entendimento e incorporação definitiva do

termo.

Verifica-se a ampliação das manifestações da sociedade civil organizada, agora

também voltadas para problemas e questões sociais ainda não profundamente trabalhados

pelos antigos atores: o meio ambiente, os direitos humanos, as questões de gênero e raça,

os direitos do consumidor. Manifestações, estas, que ganham contorno e organização

peculiares e próprios, procurando estabelecer fortes laços e conexões entre o Estado e seus

tutelados, ou seja, a sociedade, mantendo, entretanto, autonomia e independência. Datam

deste momento o fortalecimento do Ministério Público e leis como o Código de Defesa do

Consumidor.

Se, durante a etapa anterior, os atores sociais procuravam se manter neutros, longe

da filantropia tradicional e afastados do Estado ditatorial, o mesmo não ocorre nesta quarta

etapa. Na afirmação de Rubens Naves:

13

“A redemocratização do Brasil coincidiu com a expansão do neoliberalismo, com sérias implicações na forma como os brasileiros se relacionariam, nos anos seguintes, com as questões relativas à cidadania e ao exercício dos seus direitos. A falência do projeto socialista colocou em xeque as propostas da esquerda, que até então conduzira boa parte das reivindicações dos movimentos sociais. Mas, ao mesmo tempo, a realidade, continuou mostrando-se insatisfatória para a grande maioria da população.”19

Tem-se aí o surgimento, no contexto nacional, das ONG’s fenômeno, até então,

mais restrito aos Estados Unidos, consoante entendimento de Rubens César Fernandes:

“Há uma série de marcas contrastantes que diferencia as ONG’s: não-governamentais, não lucrativas, não fazem parte de estruturas maiores, não são representativas, não financiam. (...) Em nosso sentido restrito, as ONG’s nasceram dentro de circuitos de cooperação global. Forneceram canais não oficiais para o apoio internacional a projetos sociais caracteristicamente executados em nível local. (...) Sua independência facilitou as conexões internacionais não-oficiais e seu pequeno tamanho foi favorável para a imersão local.”20

Ou, nas palavras de Hebert de Souza:

“Uma ONG se define por sua vocação política, por sua positividade política: uma identidade sem fins de lucro cujo objetivo fundamental é desenvolver uma sociedade democrática, isto é, uma sociedade fundada nos valores da democracia – liberdade, igualdade, diversidade, participação e solidariedade. As ONG’s são comitês da cidadania e surgiram para ajudar a construir a sociedade democrática com que todos sonham”21.

1.3) Definindo o Terceiro Setor

Visto o contexto e processo de desenvolvimento do Terceiro Setor no Brasil

podemos concluir, com José Eduardo Marques Mauro e Rubens Naves, que o mesmo pode

ser definido como “o conjunto de atividades espontâneas, não governamentais e não

lucrativas, de interesse público, realizadas em benefício geral da sociedade e que se

19 Obra citada, p. 569. 20 FERNANDES, Rubens César. Privado, porém público: o terceiro setor na américa latina. In: OLIVEIRA, Miguel Darcy de & TANDON, Rajesh. Cidadãos: construindo a sociedade civil planetária. Ed. Prol, 1995, p. 350. 21 SOUZA, Hebert de. As ongs na década de 90. In: Desenvolvimento, cooperação internacional e as ongs, Rio de Janeiro : Ibase/Ipud, 1992, p. 25.

14

desenvolvem independentemente dos demais setores (Estado e mercado), embora deles

possa, ou deva, receber colaboração”22.

Mas, por que essa necessidade de se definir o Terceiro Setor? Justamente porque

apenas logrando êxito nesta tarefa, extremando o Terceiro Setor ontológica e

deontologicamente do Primeiro e Segundo Setores, será possível avançar, com o rigor

metodológico que a Academia exige, no estudo de seus institutos e caracteres definidores

próprios. E se esta afirmação vale genericamente, vale particularmente no ramo jurídico,

imperando um sentimento de caos e balbúrdia, onde, via de regra, a abordagem dos

institutos jurídicos que lhe são próprios é feita aleatoriamente, sem qualquer cuidado.23

Neste intuito, passaremos a apresentar alguns embates teóricos que discutem a

problemática apresentada.

1.4) Embates teóricos

Como visto acima, principalmente nas três últimas décadas, observou-se no Brasil

um intenso desenvolvimento do Terceiro Setor. Seus atores agem nas mais diversas

frentes, desde os clássicos setores de saúde, educação e cultura até os mais novos como

desenvolvimento rural e comunitário, economia solidária e microcrédito, habitação e

urbanismo, segurança alimentar, meio ambiente, relações de gênero, assistência a grupos

sociais vulneráveis (idosos, portadores de deficiência, migrantes, refugiados), mediação

pacífica de conflitos, defesa de direitos humanos.

22 Obra citada, p. 574. 23 Neste sentido, observe-se a quase total ausência de obras jurídicas específicas sobre o assunto e a quase total omissão da abordagem dos institutos jurídicos próprios do Terceiro Setor nas obras clássicas e existentes.

15

Segundo dados recentes, já mencionados, no Brasil estima-se haver um universo de

250 mil organizações da sociedade civil, que agregam cerca de 12 milhões de pessoas,

entre dirigentes, funcionários e voluntários.24

Entretanto, a atividade dos cidadãos e a vida associativa autônoma não constituem

ineditismo histórico. A novidade está nos números, em expansão geométrica25, e na

particular relevância deste fenômeno, materializada pelas transformações nos padrões de

relacionamento entre os três setores: Estado, Mercado e Sociedade Civil. Isto tudo com

impacto direto no modo de pensar e entender as relações de poder da sociedade

contemporânea.

E é justamente o entendimento do Terceiro Setor que tem causado o maior número

de interpretações e controvérsias, muitas vezes aparentemente insuperáveis, mas que,

entretanto, devem ser encaradas.

Sendo a sociedade uma estrutura dinâmica, é óbvio que existirão sempre pontos de

interpenetração e condicionamentos mútuos entre os diversos setores que a compõem.

Entretanto, se por um lado é relativamente simples visualizar-se a definição do Primeiro

Setor, entendido como o Estado e suas diversas estruturas públicas e do Segundo Setor,

entendido como o Mercado e suas diversas estruturas privadas, o mesmo não se diga do

Terceiro Setor. Contudo, o mesmo não deve ser encarado como abstração ou ser renegado

epistemologicamente, pois, como bem diz Rubem César Fernandes, “o Terceiro Setor não

é feito de matéria etérea”26.

Neste sentido o debate acerca do Terceiro Setor é processado com significativas

diferenças por distintos setores ideopolíticos. Cada qual partindo de análises sociais

24 IBGE. As fundações privadas e associações sem fins lucrativos no brasil 2002. 2ª edição. Ed. IBGE, 2004. 25 Segundo o site da ABONG (Associação Brasileira de ONG’s – www.abong.org.br) 75% de suas 248 afiliadas foram constituídas a partir de 1990. 26 Obra citada, p. 352.

16

diferentes, valendo-se de um marco referencial teórico distinto e tendo em vista escopos

diversos.

Assim sendo, a apresentação que faremos, de algumas das teorias legitimadoras,

objetiva alcançar uma compreensão menos festiva e acrítica do fenômeno social tratado, na

contra-corrente de um discurso simplista e reducionista comumente veiculado sobre as

ações das entidades que compõem o Terceiro Setor.

Destacamos, entretanto, que o recorte e seleção de autores feitos não pretendem

exaurir o tema. Procuramos, na medida do possível, respeitar a atual diversidade e

pluralidade do debate teórico acerca do tema abordado.

1.4.1) O Terceiro Setor como uma modalidade de democracia participativa em

Joaquim Falcão

Joaquim Falcão defende, em obra recentemente lançada27, a tese de que o recente

fortalecimento da sociedade civil e o conseqüente fortalecimento do Terceiro Setor são, ao

mesmo tempo, uma crítica aos monopólios estatais, a busca de uma saída, o forjar de novas

instituições e uma proposta de expansão da democracia. Afirma que o que distingue uma

geração humana de outra são as novas soluções aos permanentes problemas com que a

humanidade se depara através dos séculos. Sendo a questão sobre ‘como’ e ‘quem’ deve

participar das decisões da república um destes problemas permanentes, ilustra que o

Terceiro Setor é uma das saídas encontradas.

O autor parte da premissa de que o objetivo das entidades do Terceiro Setor

ultrapassa a mera caridade, alcançando, necessariamente, a promoção da participação

voluntária e organizada dos cidadãos. Desenvolve-a, afirmando que, se a democracia é o

processo de criação, circulação e distribuição igualitária dos bens sociais, se é justamente a

27 FALCÃO, Joaquim. Democracia, direito e terceiro setor. Ed. FGV, 2004.

17

institucionalização da participação dos cidadãos no processo de decisão da polis; e, se, nas

entidades do Terceiro Setor os fundos vêm da mobilização voluntária dos cidadãos e a ação

vem do compromisso com o bem público, então, ambos, democracia e Terceiro Setor

seriam formas de institucionalizar a mobilização, organização e participação dos cidadãos

no bem comum. Conclui no sentido de que o Terceiro Setor seria um subsistema da

democracia, sistema maior.

Neste sentido, trabalhar no Terceiro Setor seria, portanto, uma forma de trabalhar

com e na res publica, donde se pode concluir que o Terceiro Setor tem um papel

contributivo na consolidação e expansão da democracia. Atuar no Terceiro Setor seria,

assim, participar direta ou indiretamente da tomada de decisões da polis, manifestação

expressa do exercício da cidadania. De acordo com esta construção, Joaquim Falcão aduz

que “a consolidação e expansão da cidadania democrática seria assunto muito sério para

ser deixado apenas nas mãos dos governos ou ser limitado apenas ao momento eleitoral”28.

Neste contexto, a ampliação da participação da sociedade civil nas diversas instâncias do

processo decisório seria a principal tarefa da própria sociedade civil. E, na medida em que

o Terceiro Setor pode ser definido como o conjunto das manifestações da sociedade civil

organizada, patente resta sua importância.

Segundo diagnóstico de Falcão, nunca no mundo ocidental tantos países são ou se

pretendem democráticos29 mas, mesmo assim, “nunca no mundo, a democracia

representativa se mostrou tão incapaz de resolver nossos mais graves problemas: a

28 Obra citada, p. 51. 29 “No começo do século, existiam cerca de 48 países independentes, mas apenas 8 com instituições democráticas. Em 2001, 121 países de um total de 197 eram formalmente democráticos. Sendo que, destes 121 países formalmente democráticos, considerava-se que apenas 86 eram países de fato livres. E ainda, entre aqueles, apenas 22 seriam democracias estáveis, isto é, sem interrupções desde 1950”. DAHL, Robert. How democratic is the american constitution? Apud: FALCÃO, Joaquim. Obra citada, p. 52.

18

pobreza, a violência urbana, a destruição do meio ambiente”30. Seria este, portanto, seu

paradoxo: sucesso e crise concomitantes.

Entende o referido autor que cresce a percepção mundial de que a democracia

representativa sozinha não realiza seu próprio ideal: o ideal de cada dia mais cidadãos

participarem igualitariamente de decisões públicas, capazes de solucionar uma pauta cada

vez maior e mais complexa de problemas. Ideal este que, conforme a teoria democrática,

seria concretizável, sobretudo, através da regra da maioria, também chamada ‘regra de

ouro’. Acrescenta, ainda, que mesmo resolvendo a questão da igualdade política dos

cidadãos, a democracia representativa não resolveu, com poucas exceções, a questão da

desigualdade econômica, educacional e cultural. E que, a mesma só se justificaria e se

legitimaria enquanto resolvesse os problemas da convivência social. Não o conseguindo,

entra em crise de eficiência.

Para Falcão, esta crise teria como causa o que chama de excesso de demanda. Isto

porque, enquanto no passado, a representação dos cidadãos era mais homogênea, os

interesses menos diversificados, sendo igualmente menores o número de direitos a

defender e os problemas a enfrentar, a democracia representativa funcionou a contento.

Mas, diante do surgimento da comunicação global com os novos atores em cena, novas

classes e direitos, as demandas cresceram e a situação se inverteu. O erro residiria

justamente na pretensão de redução do excesso de demanda. Em suas palavras:

“As elites políticas, econômicas, étnicas e culturais tentam solucionar os problemas desconhecendo-os algumas vezes, relativizando-os outras, controlando-os, adiando quase sempre, fragmentando-os, incorporando-os parcialmente.”31

Neste sentido, o cerne da estratégia de controle da demanda é o próprio modelo

institucional da democracia representativa, caracterizado por um monopólio, imaginado

30 Obra citada, p. 52. 31 Obra citada, p. 55.

19

inicialmente como mecanismo de mobilização e participação popular da res publica, mas

que agora funcionaria como gargalo, instrumento de alienação e desmobilização – o

monopólio da representação social dos partidos políticos. Isto porque, de acordo com os

preceitos deste modelo, só os partidos e os políticos profissionais eleitos seriam legítimos

para decidir sobre o bem comum. Todos os demais, o Terceiro Setor, representariam

apenas interesses individuais, corporativos, privados. Apenas a representação eleitoral seria

legítima.

Acrescenta Joaquim Falcão, que o cenário, comum a quase todos os países, dentro

da diversidade que os caracteriza é a constatação diária deste monopólio, explicita ou

implicitamente. Sendo os maiores indicadores deste fenômeno: (a) o declínio da filiação

partidária; (b) a crescente descrença popular na política e no político, por vezes

incrementada por episódios de corrupção e falta de ética; (c) baixo índice de mobilização

popular e comparecimento às eleições, quando facultativas. De tal sorte que a insuficiência

deste monopólio acaba por gerar uma cidadania duplamente perversa:

“Cidadania da impotência, na medida em que sobretudo os jovens se consideram incapazes para mudar e moldar seus próprios destinos. Incapazes, inclusive, de obter emprego, de participar da cidadania economicamente ativa. A cidadania da desconfiança ou apatia, na medida em que poucos eleitores acreditam que seus representantes políticos queiram e possam mudar o destino. A desmotivação e desmobilização política entregam o processo decisório das nações nas mãos e bolsos de uns poucos. Não aos corações e ideais de muitos.”32

Assim, Falcão propõe o rompimento do monopólio de representação eleitoral e a

aceitação de que outras formas de representação social sejam consideradas legítimas e

capazes de consenso e eficiência. O que não significaria, entretanto, substituir a

democracia representativa, mas ampliar esta representação. Neste ponto afirma a

legitimidade da sociedade civil organizada e participante (Terceiro Setor) como uma das

32 Obra citada, p. 56.

20

possibilidades para esta ampliação democrática. Crê ser a vez e a hora da democracia

participativa, tendo o Terceiro Setor como agente privilegiado, protagonista.

Mas esta legitimidade não surge do nada. Joaquim Falcão a assenta em quatro

aspectos principais, a saber: a universalização do valor que define seus objetivos33; a

transparência; a publicidade; e a eficiência de suas atividades.

Indo além, ressalta que o encontro da legitimidade eleitoral com a legitimidade

participativa não seria um encontro excludente, o que o faz adotar uma visão concomitante

e não seqüencial da história da democracia34. A confirmar sua tese a própria Constituição

de 1988 que adotou, conjuntamente, o plebiscito e o referendo, típicos da democracia

direta, as eleições e o parlamento, típicos da democracia representativa, e audiências

públicas, conselhos e iniciativas legislativas populares, típicos da democracia participativa.

Conclui, assim, que a opção do constituinte, por si só, lançaria as bases de uma democracia

que chama de concomitante, resultado da articulação entre as instituições e processos dos

três tipos históricos apresentados: direta, representativa e participativa.

A partir daí, o desafio seria a maneira de articular estas três formas democráticas,

de modo complementar, não excludente. Para isto, Joaquim Falcão prescreve

inventividade, não havendo um modelo único de democracia, sendo a tarefa primordial o

aumento do repertório das instituições democráticas do mundo. E, na medida em que a

democracia é um processo, paralelo à construção e prática de uma cultura democrática, ao

Terceiro Setor cabe colaborar para uma maior oferta de democracia, dado o capital de

legitimidade que detém.

33 Não se trata de afirmar a sociedade civil e o Terceiro Setor como um bem em si, endogenamente democráticos. Trata-se de entidades que se moldam, comportam, perseguem e se comprometem com valores universalmente aceitos como bens públicos e se beneficiam da legitimidade que decorre deste compromisso. 34 Segundo a qual a história da democracia estaria dividida em três períodos sucessivos: a democracia direta grega, a democracia representativa eleitoral e a democracia participativa social.

21

Mais especificamente no Brasil, segundo entendimento do autor, até recentemente,

predominava uma visão dicotômica. De um lado o Estado, de outro a sociedade. E o

resultado líquido desta dicotomia era a apropriação pelo estado do interesse público, de

maneira que, interesse estatal, governamental ou público, tornaram-se sinônimos. Assim,

fora do Estado inexistiria interesse público, apenas privado. Nas palavras do próprio:

“Nos Estados Unidos, a empresa e o lucro são valores indispensáveis ao bem comum, ao interesse público, pois geram emprego e impostos. No Brasil, porém, importantes setores da sociedade, quer porque adeptos de um capitalismo egocêntrico, quer porque portadores de uma visão maniqueísta de sociedade de classes, associam o lucro apenas ao interesse privado, ao bem privado. Confundem ainda, medievalmente, lucro com ganância (...) E, na medida em que a visão dicotômica qualifica o interesse público com interesse altruísta, inevitavelmente o interesse privado se torna expressão do egoísmo social.”35

Logo, para Falcão, o resultado da apropriação exclusiva pelo Estado do que seja

interesse público legitima, a priori, qualquer ação do governo e estigmatiza de forma

reducionista e simplista qualquer ação de empresa.

Entretanto, esta visão estaria sendo superada, não somente porque, muitas vezes,

alguns setores estatais são indevidamente tomados por interesses corporativos, se

sobrepondo ao interesse público a que estariam destinados por institucionalização, como

também porque o interesse privado, mais do que um motor, é um valor a ser protegido e

estimulado. Neste entremeio surge e se afirma o Terceiro Setor, de forma independente e

autônoma dos demais.

1.4.2) Crítica ao padrão emergente de intervenção social, em Carlos Montaño

Caminhando em sentido contrário às teses legitimadoras do Terceiro Setor,

encontra-se Carlos Montaño36, autor de dura crítica ao que denomina de padrão emergente

35 Obra citada, pp. 95-96. 36 MONTAÑO, Carlos. Terceiro setor e a questão social: crítica ao padrão emergente de intervenção social. Ed. Cortez, 2003.

22

de intervenção social. Em sua exposição propõe uma análise sobre o discurso hegemônico

que sustenta o Terceiro Setor, seus pressupostos e promessas, aduzindo que o fenômeno

que se oculta por trás desta “dominação ideológica” teria uma funcionalidade para com o

projeto neoliberal, no novo enfrentamento da “questão social”.

Parte da hipótese de que as recentes transformações do capital37 tem tido uma sorte

de causa e determinação sobre o processo de alteração do padrão de respostas às seqüelas

da questão social (fenômeno encoberto, mistificado pelo ideológico debate do Terceiro

Setor), para afirmar o real papel no processo de mudanças operadas sob a hegemonia do

capital monopolista e financeiro. Isto porque, no projeto neoliberal, a questão social

deixaria de ser responsabilidade privilegiada do Estado e passaria a ser auto-

responsabilidade dos próprios sujeitos portadores de necessidades, em conjunto com a ação

filantrópica, “solidária-voluntária”, de organizações e indivíduos. Ou seja, a

responsabilidade pelas necessidades deixaria de ser uma responsabilidade de todos e um

direito do cidadão e passaria a ser uma opção do voluntário que ajuda ao próximo.

Entende, o autor, que escamotear a veracidade deste processo exige um duplo

caminho: por um lado, a indução a uma imagem mistificada de ampliação da cidadania e

democracia, por outro, a indução a uma ideologia de transferência de atividades de uma

esfera estatal satanizada (burocrática, ineficiente, corrupta) para um santificado Terceiro

Setor, supostamente mais ágil, eficiente, democrático e popular.

Para Carlos Montaño, o objetivo de retirar do Estado a responsabilidade pela

intervenção na questão social e transferí-la para o Terceiro Setor não ocorreria por motivo

de eficiência, “como se as ONGs fossem naturalmente mais eficientes que o Estado”38,

37 Segundo o autor, essas transformações foram operadas nas últimas décadas e orientadas nos postulados neoliberais, reunidos no Consenso de Washington (reunião, ocorrida em 1989, envolvendo FMI, BID, Banco Mundial, governo norte-americano e economistas latino-americanos) e direcionados a dez áreas: disciplina fiscal, priorização dos gastos públicos, reforma tributária, liberalização financeira, regime cambial, liberalização comercial, investimento direto estrangeiro, privatização, desregulação e propriedade intelectual. 38 Obra citada, p. 23.

23

nem apenas por razões financeiras, a fim de reduzir os custos para a sustentação do estatal.

O real objetivo seria de índole política-ideológica: retirar e esvaziar a dimensão de direito

universal do cidadão quanto a políticas sociais estatais de qualidade; criar uma cultura de

auto culpa pelas mazelas que afetam os povos, auto-ajuda para o seu enfrentamento;

desonerar o capital de tais responsabilidades, criando uma imagem de transferência de

responsabilidades, com uma subseqüente precarização e focalização da ação social estatal,

o que acabaria por gerar um novo nicho para a ação lucrativa do capital.

Acrescenta, ainda, que o isolamento, mediante a setorização de esferas da sociedade

e a mistificação de uma sociedade civil, definida como Terceiro Setor, popular, homogênea

e sem contradições de classes, que em conjunto buscaria o bem comum, em oposição ao

Estado, tido como Primeiro Setor, tido por burocrático e ineficiente, e ao Mercado,

enquanto Segundo Setor, contribui para facilitar a hegemonia do capital na sociedade.

Assim, o Terceiro Setor teria um conceito ideologizado, que segmenta reivindicações

sociais legítimas em setores autonomizados, desarticulados da totalidade social.

Neste particular, o autor rebate a idéia de uma sociedade civil homogênea, para

afirmar, que na verdade, nela se equaliza um conjunto contraditório de setores, não apenas

diversos, mas fundamentalmente antagônicos: “de grupos defensores dos direitos humanos

a organizações facistóides e instituições fanático-religiosas”39. Pelo que, pensar a

sociedade civil como um uno seria um grosseiro erro de interpretação histórica.

Na concepção de Montaño:

“A esperança e o otimismo no suposto poder democratizador do Terceiro Setor pelos seus teóricos é irmã da desesperança e do pessimismo que estes têm em relação ao Estado Democrático de Direito.”40

39 Obra citada, p. 20. 40 Obra citada, p. 21.

24

Por isso, esses teóricos acabariam por anular uma fonte importante de proteção ao

cidadão e de relativa regulação da contradição capital/trabalho nos marcos de uma lógica

democrática de legitimação social, desconsiderando o Estado como espaço significativo de

lutas de classes, mantenedor, ao mesmo tempo, da ordem da acumulação capitalista e das

conquistas sociais. Em suas palavras:

“Ao esquecer as conquistas sociais garantidas pela intervenção e no âmbito do Estado, e ao apostar prioritariamente nas ações dessas organizações da sociedade civil, zera-se o processo democratizador, volta-se a estaca zero, e começa-se tudo de novo, só que numa dimensão diferente: no lugar de lutas de classes, temos atividades de ONGs e fundações; no lugar da contradição capital/trabalho temos a parceria entre classes por supostos ‘interesses comuns’; no lugar da superação da ordem como horizonte, temos a confirmação e ‘humanização’ desta.”41

Particularmente às atividades das ONG’s, afirma a importância da mobilização

social em ações solidárias, mas desloca o problema para a ignorância do fato de se tratar de

ações emergenciais, que, entretanto, são incapazes de enfrentar e solver as raízes dos

problemas, consolidando uma relação de dependência entre assistidos e ações assistenciais.

Por isso, afirma que o real problema estaria em acreditar que todos os esforços sociais

possam ser dirigidos exclusivamente para este foco, dizendo que:

“O projeto neoliberal quer uma sociedade civil dócil, sem confronto, cuja cotidianidade, alienada, reificada, seja a preocupação e ocupação (não a do trabalho e lutas sociais) em atividades não criadoras, nem transformadoras, mas voltadas para as (auto) respostas imediatas às necessidades localizadas.”42

O autor destaca, ainda, que para que haja um movimento de efetiva transformação

social, seriam necessárias condições objetivas (estruturais e conjunturais) e subjetivas

(organização social). Aduz resultar equivocado pensar que apenas contradições imanentes

à dinâmica do capital e suas crises irão derivar, como que naturalmente, no

desmoronamento capitalista, da mesma forma que seria errado pensar que só a 41 Obra citada, p. 18. 42 Obra citada, p. 278.

25

intencionalidade dos indivíduos e grupos subalternizados transformará a sociedade. A

primeira visão, reducionista, não considera a necessidade de atividade do sujeito: identifica

a história como desenvolvimento natural das coisas, da estrutura. A segunda visão,

igualmente reducionista, não considera que a estrutura e dinâmica sistêmica, hegemonizada

pelo capital, armar-se-á de mecanismos extra econômicos e extra legais de defesa,

ignorando que a classe hegemônica também está em luta para manipular, refuncionalizar

ou impedir os processos de transformação.

Apesar de constatar a limitação de sua visão, restrita à posição de um observador

externo ao Terceiro Setor, o autor conclui que o conjunto de organizações e atividades que

compreende este setor, para além de eventuais objetivos manifestos de algumas

organizações ou da boa intenção que move o ator solidário e voluntário singular, termina

por ser instrumentalizado pelo Estado e pelo Mercado, no processo de reestruturação

neoliberal.

Rebatendo prováveis críticas de ser formulador de uma abordagem pessimista, o

autor cita Gramsci, para quem “o pessimismo da razão não cancela o otimismo da vontade,

sempre que sustentado no realismo da análise”43. Assim, a única verdadeira saída,

revertendo o modelo neoliberal, estaria no processo que parte do desvendamento da

realidade e da desmistificação dos fenômenos por ele instrumentalizados.

Em sede de conclusões, ao considerar a vida cotidiana na sociedade um espaço de

interação social, onde convivem determinantes econômicas, políticas, culturais e

ideológicas e onde se processam determinadas manifestações de lutas sociais, afirma ser

exatamente nela, na cotidianidade da sociedade civil, onde devam se concentrar todos os

esforços, voltados para uma suposta sociedade mais justa e digna.

43 Obra citada, p. 18.

26

1.4.3) A Questão Social em Selma Maria Schons

Assim como Carlo Montaño, Selma Maria Schons44 é autora de uma severa crítica

acerca da assistência social num contexto de desmontagem das promessas constitucionais

em incorporar à cidadania uma maioria que sempre esteve às margens das formas de

proteção social.

A autora não propõe uma análise profunda da Assistência, mas sim um

apontamento de suas características mais básicas e algumas tendências:

“Proclamando a assistência e alguns serviços essenciais como direitos, o sistema atual acomodou por um bom período a contradição da ‘desigualdade burguesa’ que fica novamente exposta com a crise do Welfare State, defendendo agora a ‘desigualdade’ como diferença e valorizando o mérito individual, usando-os para justificar uma renovada idolarização da liberdade de mercado, fazendo, como conseqüência, do Estado o bode expiatório de suas agruras (...). Na atual fase do neoliberalismo, que cada vez mais se afirma como tendência dominante de pensar e regular a sociedade, se expressa um impasse em relação aos valores igualitários do próprio ideário da sociedade liberal. Por isso uma igualdade de adjetivos tem que ser encontrada, como uma ‘igualdade de iguais chances’, numa verdadeira exaltação à meritocracia individual. Com defesa da ‘desigualdade como diferença’ os neoliberais se opõem obstinadamente aos programas de acesso à igualdade. Logo, afirma-se que o limite da Assistência seja para ‘as minorias’, ‘os marginalizados’ e ‘excluídos do sistema’, contanto que não se transforme em direito, impedindo um política social abrangente. (...) A benemerência se ocupará das desigualdades gritantes, pois os liberais continuam acreditando, apesar de tudo, no dever moral da assistência. O que se pretende é uma assistência marginal e limitada – que não seja alcançada a um direito – apenas para situações extremas, pois defender a desigualdade como diferença é opor-se aos programas de acesso a igualdade. A negação da justiça social e da igualdade – do não direito – e somente para situações extremas, importa um alto grau de seletividade. Os serviços previdenciários estatais que forem mantidos devem se direcionar estritamente aos pobres, já que podem ser justificados como parte de um programa destinado a aliviar as necessidades extremas através de uma ação humanitária coletiva, e não como uma política dirigida à justiça social ou a igualdade, mas sim possa ser interpretada como um direito dos necessitados.”45

44 SCHONS, Selma Maria. Assistência social entre a ordem e a des-ordem: mistificação dos direitos sociais e da cidadania. Ed. Cortez, 2003. 45 Obra citada, p. 197-198.

27

Na perspectiva da autora, isto tem sua lógica quando se constata que o cerne da

crise do Welfare State passa pela crítica à concepção de igualdade e justiça social. A

afirmação do neoliberalismo se faz a partir da crise do Estado-Providência que está na raiz

da afirmação por igualdade e justiça social. Logo, o neoliberalismo seria a sua negação,

com uma clara retomada da valorização do indivíduo em detrimento do coletivo.

Nesse contexto, estaríamos presenciando um quadro de ações de assistência

descontínuas e localizadas, muitas vezes sujeitas à lógica clientelista. Dirigida para uma

população alvo bem específica, para contornar situações alarmantes, ou evitar a ameaça de

subversão da ordem social, de modo a pugnar pela manutenção de um ambiente saudável e

seguro e proteger os que se encontram na ordem. Assim, a aclamada guerra contra a

pobreza, refletiria o interesse em se melhorar o ambiente de vida da dita sociedade civil

instituída.

Acrescenta que programas assistenciais, fundados meramente na redistribuição da

renda, funcionariam como um prolongamento do salário dos assistidos, ou na própria

constituição de suas rendas, o que, feito de forma isolada, teria efeito alienante46. Em

especial porque, esta forma de atuação cria uma forma de remuneração que não

corresponde a trabalho. E, desta forma, substitui-se a exploração pela assistência,

perpetuando a dependência, a impotência e a subordinação.

Tudo isso em um cenário onde fica apagada a concepção da pobreza como um

problema estrutural, pouco se questionando sobre as origens da exclusão. Quando muito, o

discurso que se afirma seria o do pobre enquanto indivíduo que não acertou na vida e que,

como tal, deve ser atendido. Justificando-se, por isso, sua assistência, por iniciativas

privadas, não lucrativas e voluntárias, num fenômeno que materializa a revalorização do

46 Para a autora, nessas práticas as relações sociais seriam despolitizadas, de modo que as demandas desses atores (assistidos) deixariam de ser ouvidas, num movimento em que a tensão entre acumulação (geradora da exclusão) e legitimação seria superada: a acumulação seria autolegitimante para os que se beneficiam dela e nenhuma outra seria procurada.

28

trabalho voluntário como oportunidade de desenvolver o potencial de virtudes como a

generosidade com o semelhante que dessa forma busca sua própria felicidade.

Por fim, realçando ainda mais o efeito perverso da caridade, a autora cita François

Ewald, para quem “socorrer os pobres deve ter por fim libertá-los da pobreza; a caridade

não elimina a pobreza – ela conserva, ela produz os pobres ao lhes oferecer um interesse

em serem pobres”47. Neste sentido, este modelo de assistencialismo, em sua roupagem

mais moderna do Terceiro Setor, significaria um incentivo à dependência e um

conseqüente aumento da pobreza, e não sua eliminação.

1.4.4) Solidariedade como efeito de Poder em Pedro Demo

Em obra homônima48 o sociólogo Pedro Demo propõe uma análise minuciosa dos

efeitos da solidariedade e sua interface com o exercício do poder, traçando um paralelo

entre este fenômeno e as práticas do Terceiro Setor.

Para o autor haveria uma linha muito tênue entre a concepção de solidariedade

como resultante da realidade histórica concreta e como massa de manobra ou truque de

domesticação. Isto porque, o apelo à solidariedade pode esconder efeitos de poder, seja

pela via das ajudas que só ajudam a marginalizar, seja pela via da compreensão truncada da

pobreza como simples carência material para evitar a sublevação dos indivíduos.

Partindo desta premissa, Demo extrai a necessidade de que a solidariedade

mantenha capacidade dialética e de confronto com os assistidos, criando possibilidades

para estas pessoas exercerem vias alternativas e interação com a própria solidariedade.

Pois, do contrário, uma solidariedade não agregada a estes valores pode representar

discurso dos dominantes para acalmar os excluídos. E, neste sentido, poder-se-ia

compreender esta mesma solidariedade em sua interface com o poder, como uma poderosa 47 EWALD, François. L’etait providence. Ed. Bernard Grasset, 1987. Apud obra citada, p. 150. 48 DEMO, Pedro. Solidariedade como efeito do poder. Ed. Cortez, 2002.

29

ferramenta de manipulação por parte daqueles que a usufruem em face dos próprios

assistidos. Ou seja, a solidariedade se revestiria da condição de mascarar a dominação com

a face da ajuda, utilizando-se do altruísmo para acomodar os beneficiados.

Assim, esta modalidade de solidariedade (“de cima”), proposta pelos detentores do

poder estaria eivada de viés colonialista e estaria, sob palavras bem aclamadas, a defender

privilégios. Tratando-se de propostas, por vezes, inacreditavelmente “imbecilizantes”,

sobretudo quando manipulam gente de boa vontade e que amealha com isso forte sentido

para suas vidas.

De modo que, esta mesma crítica valeria para os experimentos comunitários

localizados, que, em si, podem ter extremo mérito, pontuando, o autor, que apesar de ser

mais fácil trabalhar no pequeno, é preciso dar conta da sociedade como um todo.

No que tange ao Terceiro Setor, aduz Demo que ele se mostra como uma

alternativa apresentada em um momento em que a única opção debatida é o

neoliberalismo. Daí o festejo com relação a suas propostas, sendo apresentado como

salvação para um sistema muito injusto.

Seguindo esta linha de raciocínio, aponta que os teóricos do Terceiro Setor o fazem

representar como verdadeira solução à lacuna social atualmente existente, tendendo ao

triunfalismo, como se estivesse surgindo no horizonte imediato, alternativa mais ou menos

completa ao Mercado e ao Estado. No entanto, estas mesmas doutrinas que o proclamam

estereótipo da cidadania útil, não conseguem esconder o seu funcionalismo ao sistema

liberal.

Por isso, afirma que a solidariedade não é entrega, perda de identidade,

conformismo, mas negociação interminável de coisas negociáveis e não negociáveis.

Segundo Demo, aparece por demais a intenção, quase sempre sub-reptícia, de se camuflar

e se substituir o Estado, com laivos privatizantes inegáveis.

30

Destaca, entretanto, a vertente das associações voluntárias, cuja qualidade política

poderia efetivar um controle democrático pertinente sobre o Estado e o Mercado. Assim,

apesar de figurar até o presente momento como apêndice, o Terceiro Setor teria vocação

para ser estratégia da sociedade para impor ao Estado e ao Mercado padrões mais justos de

estruturação e funcionamento.

Conclui pela necessidade de se tomar a sério este Terceiro Setor para que possa

assumir seu papel como autor de uma cidadania organizada voluntária, dado que:

“É quase tradição entre nós considerar política social como ‘coisa apenas social’, o eu é sobretudo comum nas assistências. Ainda que se defina que a assistência é devida acima das injunções do mercado, essa própria definição torna-se um convite para esquecer as injunções do mercado, a começar pela incapacidade de financiamento e conseqüente minimalização dos benefícios. (...) Para combater a globalização hegemônica é preciso ferir de morte o mercado, além de mudar radicalmente a constituição política da sociedade. Por isso mesmo, não basta confiar no Estado, como se fosse garantia da cidadania. Como regra, é subserviente ao mercado. O Welfare State ainda é Estado burguês. Em termos de controle democrático o que mais interessa, no fundo, é controlar o mercado, não só o Estado (...) Se poderia responder as tendências do arrefecimento associativo com uma onda de retomada da qualidade política, organizada em plano local e mundial. Colocar o marginalizado no seu processo de libertação é a estratégia crucial, razão pela qual tornam-se tão importantes políticas sociais de educação e do conhecimento (...) O mais difícil, porém, não é convencer o pobre de que precisa colocar-se na estrada de sua própria libertação, mas convencer o privilegiado de que precisa redistribuir o que tem. Ao senso crítico do pobre, capaz de ver na pobreza condição injusta, é mister corresponder na percepção dos ricos que sua riqueza é típica usurpação. Na solidariedade que vem da elite tremula sempre o pedido incômodo da má consciência que suplica no fundo, não responder pelo confronto. E neste nicho pode se colocar de forma decisiva e transformadora o papel do Terceiro Setor.”49

1.5) Medidas e possibilidades de um modelo alternativo de Terceiro Setor

No Brasil, muitas entidades do Terceiro Setor, vêm definindo o combate à miséria e

à exclusão social como um prioridade para as políticas sociais e a ação cidadã. Este

encaminhamento ético-político confronta-se com crenças tradicionais compartilhadas por

49 Obra citada, p. 182.

31

algumas destas instituições acerca das ações políticas adequadas para a promoção das

transformações sociais, criando dilemas e impasses no seio do próprio Terceiro Setor.50

Esta situação, somada aos embates teóricos acerca da legitimidade deste setor,

expostos, ainda que brevemente, acima, demonstram as dificuldades pelas quais passa a

afirmação do mesmo. Entretanto, a idéia que ora se apresenta é assinalar alguns possíveis

caminhos para a superação destes impasses, na construção de um modelo de Terceiro Setor

verdadeiramente transformador e que atue concomitantemente nas origens e nos efeitos da

exclusão social. Tudo isso, com vistas à afirmação clara da autonomia e independência

deste Terceiro Setor, até mesmo para que se possa avançar no objeto principal deste

trabalho, que é o estudo dos instrumentos jurídicos existentes para o relacionamento

contratual entre este e o chamado Primeiro Setor (Estado).

Assim, pretende-se congregar alguns apontamentos que possam servir como liame

estratégico-político para entidades do Terceiro Setor que busquem um posicionamento

mais crítico ou autocrítico em suas ações. Isto porque, entendemos a um certo nível, que a

mudança social repousa na força de pequenas atitudes e frentes de resistência.51

Inicialmente, a questão que se coloca, como ponto de partida para atores que

costumeiramente agem como mediadores nas organizações da sociedade civil, é a

importância de se pensar a tensão entre o emergencial e o estrutural, face à necessidade de

transformação social. Pois, como ilustra Luiz Inácio Gaiger:

50 Para Maria da Glória Gohn: “Nas novas entidades do Terceiro Setor, especialmente as prestadoras de serviços na área social, apesar de todos os aspectos meritórios de suas ações no combate à pobreza, o caráter da maioria de suas ações é emergencial. As ações não se destinam a acabar com os problemas ou resolvê-los, mas a equacioná-los de uma forma socialmente aceitável, integrando os clientes/alvos em programas sociais de caráter compensatório. Fazem isso por meio de atuações de caráter pontual , de curta duração, e dependentes da renovação contínua dos convênios, acordos (...) Resulta disso, uma teia de articulações, continuamente realimentada por objetivos que são paliativos aos problemas sociais em questão. Essas ações se auto ajuda, quando levadas a efeito por entidades de perfil ideológico mais conservador, podem vir a alterar completamente o sentido e o caráter das ações coletivas, deslocando a responsabilidade coletiva do Estado para os indivíduos, num estilo meramente assistencialista e compensatório” (GOHN, Maria da Glória. Mídia, terceiro setor e mst. Ed. Vozes, 2000, p. 73.) 51 Para tanto, partiremos de um compreensão da desigualdade social no Brasil como um problema estrutural, observando a marginalização por sua face política e não apenas material.

32

“Se levarmos em conta o estado de abandono da população beneficiária e os parâmetros de ação conjunturalmente postos, óbvio está que, de uma maneira ou de outra, todos os projetos atendem a necessidades sociais prementes e inquestionáveis.”52

No entanto, e ciente da necessidade de assistência por parte destes indivíduos, faz-

se necessário pensar em políticas sociais que possibilitem a emancipação desses grupos,

para que eles próprios sejam protagonistas de sua “libertação”. Sendo, portanto,

absolutamente importante a recuperação do compromisso emancipatório das ações sociais,

na fuga de um modelo de atuação que gire em torno da reprodução da vida, do suprimento

de necessidades básicas ou da sobrevivência tão somente. Como ensina Boaventura Souza

Santos, citado por Luiz Gaiger, produzir para viver, não apenas para sobreviver:

“Nem o assistencialismo, nem o clientelismo, nem as medidas vindas de cima para baixo, outorgadas. Nossa orientação é a busca de soluções criativas, a partir de iniciativas localizadas. Pois sabe-se que projetos com características assistencial-promocionais tradicionais, definidas como ações que partem de agentes externos aos interesses dos excluídos, os colocam como incapazes de por si sós se desenvolverem.”53

Assim, podemos falar em uma atribuição de significado à ação caritativa, associada

a um resgate de formas culturais populares no campo da filantropia, tradicional na

sociedade brasileira. Trata-se de um estreitamento do relacionamento entre uma tradição

cultural de ajuda assistencial e uma nova atribuição de significado político, trazida no seio

da proposta do Terceiro Setor.54

Pois, se no âmbito de atuação do Terceiro Setor a solidariedade é destacada como

um valor fundamental nas relações sociais, deve-se, então, defender uma solidariedade

52 GAIGER, Luiz Inácio. Empreendimentos solidários. In GAIGER, Luiz Inácio (org.). Formas de combate e de resistência à pobreza. Ed. Unisinos, 1996, p. 106. 53 Obra citada, p. 110. 54 Como justifica Vera Telles: “Este posicionamento introduz na vida política uma dimensão ética que mobiliza o senso de justiça de cada cidadão, deslocando a miséria do espaço da caridade para o espaço da luta por direitos e cidadania; coloca a solidariedade como valor e a justiça como parâmetro que dá fundamento ao sentido de obrigação social e responsabilidade civil.” (TELLES, Vera. Aliança contra a miséria. Alternativas contra a fome. Apu GAIGER, Luiz Inácio (org.). Formas de combate e de resistência à pobreza. Ed. Unisinos, 1996, p. 14.)

33

politicamente qualificada. Ou seja, uma “solidariedade libertadora”, que venha a

distinguir-se de uma mera “caridade alienadora”.

No mesmo sentido, Pedro Demo acrescenta a necessidade de que a solidariedade

mantenha a capacidade dialética e de confronto dos assistidos, criando a possibilidade de

estas pessoas exercerem vias alternativas de troca com a própria solidariedade. E que,

igualmente, faculte ainda mais aos marginalizados se confrontarem com a marginalização,

de sorte que a sociedade se torne mais justa. Em suas palavras:

“A qualidade política do indivíduo comparece como sua oportunidade primeira, porque, tornando-se capaz de apreciar-se como sujeito crítico, criativo e coletivamente organizado, alcança dimensão necessária para inaugurar história própria.”55

Assim, entidades que trabalham no desenvolvimento da qualidade política dos

indivíduos podem representar estratégias alternativas autênticas na trajetória da

emancipação social. Daí a importância em se combater a visão dos beneficiários apenas

como seres carentes e não como sujeitos participantes.56

Neste sentido, alguns valores do campo da cultura política, então considerada como

o conjunto de atitudes, normas e crenças mais ou menos partilhadas pelos membros de uma

determinada unidade social, se revigoram. Exemplo disso residiria na produção de um

novo entendimento acerca da vida social, uma postura mais crítica sobre as relações de

poder e a construção da noção de cidadania enquanto direito.57

55 DEMO, Pedro. Solidariedade como efeito do poder. Ed. Cortez, 2002, p. 89. 56 Da mesma forma, cremos que se deva pugnar pelo rompimento de um discurso antropológico evolucionista, em que a dita sociedade civil instituída irá “levar a luz e a evolução” aos que vivem em processo de exclusão. Deve permear na atuação do Terceiro Setor, a premissa de que referidos grupos possuem formas próprias de organização, ainda que não aquelas reconhecidas institucionalmente, e um conjunto de valores e práticas advindos de sua própria representação da realidade, não havendo entre eles anomia ou inorganicidade. 57 Uma vez mais, se destaca a preocupação de Pedro Demo de que “a cidadania assistida, embora represente inconteste avanço histórico e conquista expressiva dos direitos humanos, corre sempre o risco enorme de infantilização das populações marginalizadas, à medida que políticas sociais, cedendo à pressão do sistema,descambam para o assistencialismo e estigmatizam as populações marginalizadas como meros beneficiários (...) O desespero dos marginalizados pode efetivamente ser comprado a troco de migalhas, tamanha é a miséria material e sobretudo política.” (Obra citada, p. 89)

34

Por isso, entendemos necessário que as práticas diárias do Terceiro Setor sejam

capazes de produzir espaços coletivos ricos que passem pela afirmação dos indivíduos

como sujeitos de direitos e conscientes de sua realidade. É papel deste Terceiro Setor,

legitimado e autônomo, ser o promotor das mudanças necessárias para que possamos

passar de objetos de um processo societário, que acontece independentemente de nós, para

sujeitos livres e conscientes, capazes de intervir junto com os outros neste processo.

Este modelo de atuação se reveste de fatores que podem provocar mudanças de

atitudes e de percepção dos participantes, ajudando-os a descobrir suas potencialidades.

Isto porque, essas práticas sócio-culturais que se afirmam no cotidiano, através das ações

do Terceiro Setor, possibilitam a criação e recriação da vida social, indispensáveis para a

construção da democracia e para a luta pela afirmação dos direitos de cidadania.

Neste sentido, compreendemos o papel dos diversos atores, individuais e coletivos,

que compõe o Terceiro Setor, como mediadores do processo de constituição da cidadania e

da consciência política e crítica da sociedade como um todo. Esta mediação, se levada a

bom termo, pode funcionar como o locus da sedimentação da identidade dos excluídos,

função necessária e indispensável para a articulação teórico-prática de um projeto de

sociedade que supere as condições do atual.

No entanto, não desejamos apenas nos circunscrever à apresentação ou análise dos

embates teóricos acerca da legitimidade do Terceiro Setor. Desejamos, uma vez constatada

a sua legitimidade, validade e autonomia, extrair e trabalhar uma das inúmeras possíveis

abordagens acerca do tema. Nesse intuito, elegemos a abordagem jurídica e, dentro desta,

temática específica acerca dos instrumentos jurídicos formais existentes para que seja

estabelecido relacionamento entre o Terceiro Setor e o Primeiro Setor.

35

Assim, antes de avançarmos sobre o núcleo duro do tema, apresentaremos uma

breve introdução principiológica que intenta colaborar na colocação e contextualização do

tema.

36

CAPÍTULO II – PRINCIPIOLOGIA ADMINISTRATIVA APLICADA AO

TERCEIRO SETOR

2.1) Considerações iniciais

Nos dizeres de Humberto Ávila, podemos afirmar que a doutrina constitucional e

administrativa vive, hoje, a euforia de um Estado Principiológico, uma vez que:

“Hoje, mais do que ontem, importa construir o sentido e delimitar a função daquelas normas que, sobre prescreverem fins a serem atingidos, servem de fundamento para a aplicação do ordenamento constitucional – os princípios jurídicos.”58

Entretanto, o mesmo renomado mestre faz um alerta:

“Importa ressaltar, no entanto, que notáveis exceções confirmam a regra de que a euforia do novo terminou por acarretar alguns exageros e problemas teóricos que têm inibido a própria efetividade do ordenamento jurídico. Trata-se, em especial e paradoxalmente, da efetividade de elementos chamados fundamentais – os princípios jurídicos.”59

A fim de clarear o entendimento acerca do tema, Ávila propõe a seguinte definição:

“Os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementariedade e de parcialidade, que deve congregar o estado de coisas desejado com as condutas necessárias ao seu alcance.”60

Para em seguida explicitar o conceito, afirmando que:

“Como se vê, os princípios são normas imediatamente finalísticas. Eles estabelecem um fim a ser atingido. Como bem define Ota Weinberger, um fim é idéia que exprime uma orientação prática. Elemento constitutivo do fim é a fixação de um conteúdo como pretendido. Essa explicação só consegue ser compreendida com referência à função pragmática dos fins: eles representam uma função diretiva para a

58 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. Ed. Malheiros, 2003, p. 15. 59 Obra citada, p. 15. 60 Obra citada, p. 70.

37

determinação da conduta. Objeto do fim são conteúdos desejados. Esses, por sua vez, podem ser o alcance de uma situação terminal (viajar até algum lugar), a realização de uma situação ou estado (garantir previsibilidade), a perseguição de uma situação contínua (preservar o bem-estar das pessoas) ou a persecução de um processo demorado (aprender o idioma alemão). O fim não precisa, necessariamente, representar um ponto final qualquer, mas apenas um conteúdo desejado. Daí se dizer que o fim estabelece um estado ideal de coisas a ser atingido, como forma geral para enquadrar os vários conteúdos de um fim. A instituição do fim é ponto de partida para a procura dos meios. Os meios podem ser definidos como condições (objetos, situações) que causam a promoção gradual do conteúdo do fim. Por isso a idéia de que os meios e os fins são conceitos correlatos.”61

Isso nos leva a concluir que a positivação de princípios implica a obrigatoriedade

da adoção dos comportamentos necessários a sua realização. E que os princípios não são

apenas valores cuja realização fica na dependência de meras preferências pessoais do

operador.

Os princípios, embora relacionados a valores, não se confundem com eles. A

aproximação se dá na medida em o estabelecimento de fins, por princípios, implica uma

qualificação positiva de um estado de coisas, valorativo, que se quer promover. Entretanto,

a diferenciação se extrema na conclusão de que os princípios se situam no plano

deontológico, estabelecendo a obrigatoriedade da adoção de condutas necessárias à

realização do estado de coisas pretendido, enquanto os valores se situam no plano

meramente axiológico, apenas atribuindo uma qualidade positiva a determinado elemento.

No estudo pretendido por esta dissertação, tal discussão tem destacada importância.

Isso porque, quando se trata do chamado Terceiro Setor, via de regra, a tendência natural é

a apresentação dos temas cheios de carga valorativa. Até mesmo por tratar de questões de

fundo social, que dizem respeito muitas vezes às condições de vida e sobrevivência de

seres humanos, os debates sobre o Terceiro Setor quase sempre são calcados em premissas

exclusivamente axiológicas e com ares imperativos, do tipo tal ou qual projeto tem que ser

61 Obra citada, p. 70-71.

38

ajudado pelo governo, porque, afinal de contas, nele são atendidas dezenas de crianças

carentes por dia. Como se o simples só fato do atendimento a crianças carentes se

revestisse de um valor absoluto.

Sem querer desmerecer a importância e a existência deste olhar mais valorativo,

não se pode descuidar de uma análise mais atenta à base jurídica principiológica que rege o

Terceiro Setor. Até mesmo porque ela é peça fundamental para o crescimento e

amadurecimento do mesmo.

Especificamente no que diz respeito ao tema em estudo neste trabalho, que procura

tratar das relações contratuais estabelecidas entre o Primeiro e Terceiro Setores, tomaremos

por base a proposta de revisão principiológica esposada por Diogo de Figueiredo Moreira

Neto, em sua obra Mutações do Direito Administrativo62, em conjunto com o trabalho

desenvolvido por Maria Sylvia Di Pietro, no seu Parcerias na Administração Pública63.

Cremos que, com isso, se possa fazer uma leitura clara, correta e objetiva dos

princípios que regem e dão fundamento jurídico ao Terceiro Setor, em si e em suas

relações com o Primeiro Setor.

2.2) A principiologia administrativa que embasa o Terceiro Setor

2.2.1) Princípio da Subsidiariedade

Certamente trata-se daquele que pode ser considerado o princípio mater, a pedra

fundamental do Terceiro Setor e do entendimento do vínculo que se estabelece entre o

mesmo e o Primeiro Setor.

62 MOREIRA Neto, Diogo de Figueiredo. Mutações do direito administrativo. Ed. Renovar, 2000. 63 DI PITERO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia, terceirização e outras formas. 4ª ed. Ed. Atlas, 2002.

39

O princípio da subsidiariedade assume papel fundamental na redefinição do papel

do Estado (Primeiro Setor) nesta virada de milênio e no contexto de reconhecimento da

institucionalização do Terceiro Setor.

Na verdade, como bem destaca Di Pietro, sua formulação inicial se dá em fins do

século XIX, no seio da Doutrina Social da Igreja, sendo materializada em uma série de

encíclicas papais, começando com a Rerum Novarum (1891), passando pela Quadragésimo

Anno (1931) e Mater et Magistra (1961), até chegar a mais recente Centesimus Annus

(1991). Mas é na Quadragésimo Anno que se encontra sua principal definição:

“Verdade é, e a história o demonstra abundantemente, que, devido à mudança de condições, só as grandes sociedades podem hoje levar a efeito o que antes podiam até mesmo as pequenas; permanece, contudo, imutável aquele princípio de filosofia social: assim como é injusto subtrair aos indivíduos o que eles podem efetivar com a própria iniciativa e indústria, para conferi-lo à coletividade; do mesmo modo, passar para uma sociedade maior e mais elevada o que sociedades menores e inferiores podem conseguir é uma injustiça, um grave dano e perturbação da boa ordem social. O fim natural da sociedade e de sua ação é coadjuvar os seus membros, não destruí-los nem absorvê-los. Deixe, pois, a autoridade pública ao cuidado de associações inferiores aqueles negócios de menor importância, que a absorveriam demasiado; poderá então desempenhar mais livre, enérgica e eficazmente o que só a ela compete, porque só ela pode fazê-lo: dirigir, vigiar, urgir e reprimir, conforme os casos e a necessidade requeiram. Persuadam-se todos os que governam: quanto mais perfeita ordem hierárquica reinar entre as várias agremiações, segundo este princípio da função subsidiária dos poderes públicos, tanto maior influência e autoridade terão estes, tanto mais feliz e promissor será o estado da nação.”64

Desta definição podemos extrair, com Di Pietro65, as idéias fundamentais insertas

no princípio da subsidiariedade, a saber: o respeito aos direitos individuais, materializada

na afirmação da primazia da iniciativa privada sobre a estatal; a limitação da intervenção

estatal, que deve se abster de atividades que possam ser desenvolvidas por particulares; a

posição de fomentador, coordenador, fiscalizador do Estado sobre as iniciativas privadas,

de tal sorte a garantir, sempre que possível seu sucesso; e a noção de parceria que deve

64 Apud Maria Sylvia Di Pietro, obra citada, p. 26-27. 65 Obra citada, p. 27.

40

nortear a relação entre o público e o privado, no sentido de subsidiar a iniciativa privada,

quando seja deficiente ou insuficiente.

Ainda segundo Di Pietro:

“Em consonância com essas idéias, o Papa João XXIII, na Mater et Magistra define o bem comum como ‘o conjunto de condições sociais por onde os homens tornam-se capazes de alcançar mais facilmente a plenitude de seu desenvolvimento’. De conformidade com essa idéia, quando se diz que o fim do Estado é a busca do bem comum, tem-se que entender que ele deve assegurar as condições para que os próprios homens atinjam o bem comum.”66

Reforçando esta noção, João Paulo II, na Centesimus Annus afirma que o Estado

deve respeitar a autonomia dos indivíduos, e suas diversas formas de organização e

agrupamento, na busca do bem comum. Tal respeito deve, inclusive, se estender ao campo

econômico, onde a atuação estatal somente deve se dar nos estritos limites da insuficiência

ou deficiência da atuação privada.

Para se ter noção da tamanha importância do princípio da subsidiariedade, Di Pietro

destaca sua inclusão no Tratado da União Européia, no qual o artigo 3º B estabelece que:

“A comunidade age nos limites das competências que lhe são conferidas e dos fins que lhe são assinalados pelo presente. Nas matérias que não são de sua exclusiva competência, intervém, conforme o princípio da subsidiariedade, somente se e na medida em que os objetivos das ações previstas não podem ser suficientemente realizadas pelos Estados-membros.”67

Pode-se, inclusive, afirmar que o princípio da subsidiariedade está no âmago da

concepção do Estado Democrático de Direito, onde os direitos fundamentais do homem

são a própria razão de ser do Estado e não apenas uma barreira à sua atuação. Neste sentido

cumpre ao Estado promover, estimular, criar condições para o pleno e igual

desenvolvimento dos indivíduos na sociedade, criando condições para a participação direta

dos cidadãos no processo político e no controle das atividades estatais. 66 Obra citada, p. 27. 67 Apud Maria Sylvia Di Pietro, obra citada, p. 28.

41

Para o jurista italiano Franco Frattini:

“O princípio da subsidiariedade se vê como lógica dedução da afirmada centralidade da pessoa humana no âmbito do ordenamento social. Toda atividade tem como escopo o de ajudar os componentes do corpo social a desenvolver-se. A ordem social, por conseguinte, deve ser encarada pelo princípio da função subsidiária: indivíduo, família e instituições coexistem entre si em uma sobreposição em círculos concêntricos de diversos níveis de direitos e deveres cuja ordem de funcionamento é regulada pelo princípio da subsidiariedade. E como Estado e sociedade são uma ‘conseqüência da evolução das exigências do indivíduo’, os mesmos só devem vir em socorro quando ele não possa realizar-se por si, com as próprias forças.”68

Com isso se põe em destaque a noção de que as decisões que envolvem interesses

comuns da coletividade devem ser tomadas, preferencialmente, por instituições mais

próximas do cidadão, como as que compõem o Terceiro Setor.

Conclui, então, Di Pietro69, pela existência de cinco tendências decorrentes da

aplicação do princípio da subsidiariedade, a saber: (a) A idéia de diminuir o tamanho do

Estado, pelo instrumento fundamental da privatização, ocorrida especialmente a partir da

década de 80 e movida por fatores de ordem financeira, jurídica e política; (b) A

constatação de que a sociedade pluralista faz multiplicarem-se os interesses a serem

protegidos; não se fala mais em interesse público de que é titular exclusivo o Estado, mas

de vários interesses públicos, representativos dos vários setores da sociedade civil; (c) O

crescimento das técnicas de fomento e dos inúmeros instrumentos de parceria do setor

público com o privado; (d) O processo de desregulamentação, pelo qual se busca

estabelecer novo equilíbrio entre liberdade e autoridade; (e) A mudança da noção do que

seja interesse público, que passa a ser entendida como se referindo aos interesses dos

cidadãos (interesse público primário) e não mais aos da máquina administrativa (interesse

público secundário).

68 Apud Maria Sylvia Di Pietro, obra citada, p. 28. 69 Obra citada, p. 29-32.

42

Com relação à primeira e quarta tendências, letras a e d, pode-se afirmar que

sintetizam a nova forma como se dá a relação entre Primeiro e Segundo Setores, na medida

em que impactam diretamente na estruturação do Estado e do Mercado.

Já a segunda tendência delineia a forma como se dá a relação entre o Primeiro e

Terceiro Setores. Na medida em que a proteção do interesse público deixou de ser

prerrogativa do Estado, que não mais tem condições de assumir todas as novas atividades

de interesse geral, há uma necessidade de ampliação da atividade administrativa de

fomento, significando, como uma das aplicações do princípio da subsidiariedade, o

incentivo à iniciativa privada de interesse público. O Estado deve ajudar, estimular, criar

condições, para que os vários grupos de interesses, representados por entidades

particulares, partam à busca de seus própios objetivos. Devem ficar a cargo do Estado as

atividades que lhe são próprias como ente soberano, consideradas indelegáveis aos

particulares (segurança, finanças, defesa, justiça, legislação, relações exteriores) e devem

ser regidas pelo princípio da subsidiariedade as atividades sociais (educação, saúde,

pesquisa, cultura, assistência), as quais o Estado só deve exercer em caráter supletivo,

quando a atuação privada for insuficiente ou deficiente.

Como alerta Di Pietro70, não se quer, entretanto, com isso que haja assimilação do

Estado Subsidiário com o Estado Mínimo. Neste o Estado somente pode exercer atividades

que lhe sejam típicas, enquanto, no Subsidiário, o Estado atua em suas atividades típicas e

suplementarmente nas atividades sociais e econômicas, que não puderem ser

desempenhadas a contento pela iniciativa privada.

Cabe, ainda, com relação à tendência ora analisada, o realce de que, enquanto os

serviços públicos típicos do Estado estão sujeitos ao regime jurídico administrativo de

direito público, as atividades sociais e econômicas desempenhadas subsidiariamente pelo

70 Obra citada, p. 31.

43

mesmo devem estar subsumidas a formas mais flexíveis, havendo um equilíbrio entre os

regimes jurídicos público e privado.

A terceira tendência, letra c, diz respeito justamente ao objeto principal desta

dissertação, na medida em que apresenta, como um dos corolários da aplicação do

princípio da subsidiariedade, o surgimento de novas técnicas e instrumentos que

possibilitem a parceria do setor público e privado, como sói acontecer com os

instrumentos contratuais disponíveis à relação Primeiro-Terceiro Setores.

Por fim, a última tendência apresentada, letra e, que procura resumir as demais,

apresentando uma nova forma de se encarar a própria noção do que seja público. Em razão

da concepção da primazia do interesse público primário (interesse dos cidadãos) sobre o

interesse público secundário (interesse da máquina administrativa), conclui-se que os

recursos humanos, materiais e financeiros de que dispõe a Administração Pública devem

ser utilizados preferencialmente em benefício do cidadão, objetivando maior qualidade e

eficiência na prestação dos serviços públicos.

No mesmo sentido, Diogo de Figueiredo Moreira Neto71 afirma que o princípio da

subsidiariedade diz com a relação entre níveis de concentração de poder e respectivos

níveis de interesses a serem satisfeitos. Desta forma, procura elencar atribuições em função

da complexidade dos interesses sociais em jogo. Na divisão apresentada pelo mestre,

teríamos primeiramente os indivíduos atuando com seus próprios meios, para a satisfação

de seus interesses mais individuais; secundariamente, os grupos sociais menores, decidindo

e atuando para o atendimento dos interesses coletivos locais; terciariamente, os grupos

sociais maiores atendendo aos interesses coletivos de maior abrangência; e,

quaternariamente, a sociedade civil, como um todo, atuando na realização dos seus

interesses gerais. Assim, restariam ao Estado e a suas organizações políticas diretas

71 Obra citada, p. 20.

44

somente as demandas de maior complexidade e que necessitem de ação concentrada e

imperativa, agindo, portanto, subsidiariamente à sociedade.

Concluindo, juntamo-nos as palavras de Di Pietro:

“Com todas essas alterações, objetiva-se a ‘reforma do Estado’, com vista a fazer reverter os males instaurados pelo Estado intervencionista: de um lado, visto do lado do cidadão, quer-se restaurar e prestigiar a liberdade individual e a livre concorrência; isso leva às idéias de privatização, fomento, parceria com o setor privado; visto do lado do Estado, quer-se alcançar a eficiência na prestação dos serviços públicos, o que leva à idéia de desburocratização.”72

E, justamente, a partir do princípio da subsidiariedade que podemos analisar, ainda

que brevemente, os outros princípios que regem e norteiam a fundamentação jurídica do

Terceiro Setor e sua relação com o Estado.

2.2.2) O princípio da Participação Social

Na medida em que os avanços na área de comunicações da segunda metade do

século XX geraram maior fluxo de informação e de educação, a sociedade civil tornou-se

mais consciente sobre seus interesses, sobre sua potencialidade e sobre a natureza de sua

relação com o Estado. Tal situação levou, naturalmente, a um maior reclamo social por

participação nas atividades estatais, seja de forma direta ou indireta. Para a sociedade civil

atual a limitação de sua participação à escolha de seus governantes não é mais suficiente.

Cada vez mais cidadãos demandam serem ouvidos na tomada das decisões objetivas que

envolvam seus interesses individuais e metaindividuais e que estejam a cargo e proteção da

administração pública. Assim sendo, incrementou-se a exigência pela criação de novos

canais, formais e informais, de participação política e social.

72 Obra citada, p. 33.

45

Neste contexto, podemos afirmar que surgem, ou melhor dizendo, se desenvolvem

e consolidam as diversas organizações que compõe o Terceiro Setor, como entidades

intermédias, ou paraestatais. Esta posição sui generis destas figuras é assim destacada por

Diogo Figueiredo Moreira Neto:

“Quanto a estas, as entidades intermédias, que podem ser, indistintamente, pessoas de direito público ou pessoas de direito privado, prestam-se inúmeras combinações, importando mais para a sua caracterização jurídica, sua situação a meio caminho entre a sociedade, destinatária das ações políticas, e o Estado, seu aparato instrumental, cabendo-lhes a missão de reaproximá-los como parceiros, em novas bases de confiança, que se sucede auspiciosamente ao agudo abalo de que resultou a crise do Estado deste fim de século.”73

2.2.3) Princípio da Autonomia

Já, o princípio da autonomia, ao possibilitar maior flexibilização da antiga rigidez

estatal, leva à extensão da ação administrativa além da estrutura do Estado, através de

transferências da execução de atividades estatais a entes da sociedade civil.

Di Pietro74 nos traz alguns exemplos destas possibilidades de transferência, dentre

as quais se destacam: i) a delegação da execução de serviços públicos, pelos instrumentos

da concessão e permissão de serviço público; ii) o fomento à iniciativa privada de interesse

público (atividades sociais), através dos convênios e contratos de gestão; iii) a cooperação

do particular na execução de atividades propriamente estatais, pelo instrumento da

terceirização; iv) a desburocratização e instauração da Administração Pública Gerencial,

por meio dos contratos de gestão.

Assim, estimular a autonomia administrativa é estimular o incremento dessas

parcerias que concorrem para aperfeiçoar e baratear o atendimento dos interesses públicos,

73 Obra citada, p. 14. 74 Obra citada, p. 34.

46

principalmente onde as decisões técnicas suplantam, em importância, as decisões políticas.

Tudo isso tendo em mira sempre a consecução do bem comum, objetivo maior do Estado.

2.2.4) Princípio da Consensualidade

Pela aplicação deste princípio, sempre que possível, deve-se substituir a

imperatividade estatal pelo consenso entre Estado e Sociedade. Mais ainda, devem ser

criados, e aí incluem-se os novos instrumentos contratuais, atrativos para que os entes da

sociedade civil atuem em diversas formas de parceria com o Estado. Isto se dá, na medida

em que, se por um lado a Administração Pública pode ser exercida pela via da

subordinação, certo é que também pode ser exercida pela via da coordenação.

A administração pública coordenativa, na qual têm lugar o Terceiro Setor, é

multilateral, apresentando manifestações consensuais novas. E, segundo Diogo de

Figueiredo Moreira Neto:

“Destarte, como consectária da participação, a consensualidade aparece tanto como uma técnica de coordenação de interesses e de ações, como uma nova forma de valorização do indivíduo, prestigiando, simultaneamente, a autonomia da vontade, motor da sociedade civil e do progresso, e a parceria que potencia a ação desses dois atores protagônicos: a sociedade e o Estado.”75

E, logo em seguida, conclui:

“A preferência pela via da consensualidade se justifica, enfim, amplamente, pelas seguintes razões: pelo potencial criativo e operativo dos entes da constelação social (colaboração); pelo potencial criativo e operativo dos próprios entes da constelação estatal (cooperação); pela redução de custos para o Estado e sociedade (economicidade); pela simplificação da máquina gestora do Estado (agilidade); pelo reforço da máquina reguladora do Estado (publicização); pela renovação das modalidades de prestação de serviços a cargo do Estado (modernização); pelo atendimento às demandas reprimidas após o fracasso dos modelos de Estado do bem-estar social socialista (generalidade); e pela racionalização da atribuição de competências ao Estado e conseqüente

75 Obra citada, p. 26.

47

racionalização da distribuição de competências entre entidades e órgãos do Estado (subsidiariedade).”76

Poderemos, assim, confirmar, mais à frente, que os diversos instrumentos

contratuais existentes são manifestação clara e inequívoca da intensificação da

coordenação operativa, estabelecida entre o Estado e entes da sociedade civil organizada.

Uma vez mais, a idéia de parceria encontra relevo, sem que haja superposição de funções,

ou desperdício de recursos humanos, materiais ou financeiros.

2.2.5) Princípios da Eficiência e Eficácia

Neste novo contexto que se desenha, a simples busca da produção de efeitos, ou de

eficácia, das ações estatais não é mais suficiente. A Emenda Constitucional 19/98 incluiu

no rol de princípios norteadores da Administração Pública o princípio da eficiência,

entendido enquanto otimização dos meios existentes para a consecução das finalidades ou

objetivos almejados. Assim sendo, passou a ser exigível a eficiência do setor público,

enquanto gestor dos interesses sociais.

Entretanto, o Estado descobriu-se ineficiente na prestação de muitos serviços que

lhe eram atribuídos. Tal se dava principalmente pela burocracia estagnante que imperava

em alguns setores da administração pública. Destarte, viu-se obrigado a criar instrumentos

e mecanismos novos, que garantissem a eficiência enfatizada pela Reforma Administrativa,

eis que, desde 1988, eficiência e eficácia já tinham assento constitucional (artigo 74, inciso

II), como critérios impostos à observância dos órgãos dos sistemas de controle interno de

cada Poder, principalmente no tocante à avaliação dos resultados da aplicação de recursos

públicos por entidades de direito privado.

76 Obra citada, p. 28.

48

Assim, não se pode propriamente afirmar ser a aplicação do princípio da eficiência

uma novidade advinda com a Reforma Administrativa, senão que com ela aquele princípio

foi promovido, elevado à categoria de norteador de toda a Administração Pública.

Já a eficácia, enquanto real produção dos efeitos visados no caso concreto, tornou-

se a medida da eficiência.

E, dentre os novos instrumentos criados, encontram-se, por exemplo, o Termo de

Parceria e o Contrato de Gestão, que se traduzem em mecanismos de promoção de

atividades que têm como parâmetros eficiência e eficácia.

2.3) A positivação da principiologia no ordenamento jurídico brasileiro

O direito positivo brasileiro não ficou infenso a toda essa nova principiologia

apresentada. Especialmente no que toca ao Terceiro Setor o quadro que se apresenta é o

seguinte.

Primeiramente, tem-se a Constituição de 1988, que traz uma série de normas que

consolidam esta principiologia. Com relação aos serviços públicos sociais, em particular

saúde e educação, restou explicitada a prestação dos mesmos pelo Estado com a

participação direta da sociedade civil.

O artigo 194 prevê a participação social nas questões relativas à seguridade social,

expressando, no inciso VII, do parágrafo único, que o “caráter democrático e

descentralizado da gestão administrativa, com participação da comunidade” é um dos

objetivos norteadores da organização da seguridade social.

Com relação à saúde, o artigo 197 estabelece que os serviços devem ser prestados

“diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito

privado”. Já o parágrafo primeiro, do artigo 199, reforça esta idéia de parceria ao afirmar

49

que instituições privadas, preferencialmente filantrópicas e sem fins lucrativos, podem

participar de forma complementar do sistema único de saúde, mediante contrato de direito

público ou convênio.

Ainda no caso da assistência social, o artigo 204 prevê a descentralização político-

administrativa e a participação direta da população, por meio de suas organizações

representativas, da formulação das políticas e planos de assistência social. Para além disso,

estabelece a prestação destes serviços e execução destes planos não só pelo Estado, mas

também por entidades beneficentes e de assistência social.

Na área de educação, igualmente, o artigo 205 expressa a necessidade de

colaboração da sociedade com o Estado, além do artigo 213 autorizar a possibilidade de

repasse de recursos públicos para estabelecimentos de ensino privado que sejam

confessionais, comunitários ou filantrópicos, desde que sem fins lucrativos.

Por fim, há que se destacar que as idéias de fomento, colaboração e parceria

também estão presentes em outras matérias constitucionalizadas e afeitas ao Terceiro

Setor, como a cultura, o desporto e a ciência e tecnologia.

Além do assento constitucional, a principiologia estudada foi incorporada pela

legislação específica que trata dos instrumentos contratuais, a saber: a Lei 8.666/93

(contratos administrativos), a Instrução Normativa nº 1/97 da Secretaria do Tesouro

Nacional (convênios), a Lei 9.637/98 (contratos de gestão) e a Lei 9.790/99 (Termos de

Parceria).

Os dois primeiros instrumentos por serem mais antigos serão analisados no

próximo capítulo, restando os dois últimos ao capítulo posterior.

50

CAPÍTULO III – INSTRUMENTOS CONTRATUAIS CLÁSSICOS: CONTRATO

ADMINISTRATIVO E CONVÊNIO

3.1) Considerações iniciais

Conforme já visto nos capítulos anteriores, as instituições que compõe o Terceiro

Setor têm, atualmente, uma relação muito estreita com o Primeiro Setor, o Estado. Atuam,

na maior parte do tempo, como estruturas subsidiárias e complementares às atividades

típicas estatais, no que concerne aos denominados serviços sociais básicos, como saúde,

educação, saneamento etc.

Por se tratarem de relações juridicamente relevantes, as mesmas necessitam ser

formalizadas. Tal formalização se materializa nas diversas modalidades contratuais que

podem ser estabelecidas entre as partes mencionadas: Estado e instituições componentes

do Terceiro Setor.

Não se trata, entretanto, de um estudo pormenorizado destes instrumentos

contratuais. O objetivo deste trabalho é confrontá-los no campo conceitual do Terceiro

Setor a fim de verificar em que medida são adequados, ou não, às particularidades deste.

Num primeiro momento, abordaremos aquelas duas que convencionamos

denominar instrumentos contratuais clássicos: os contratos administrativos e os convênios.

Assim o fazemos, por reconhecer a precedência cronológica dos mesmos e a

inquestionável maior familiaridade que os mesmos gozam junto ao universo jurídico.

3.2) Os Contratos Administrativos

Nos dizeres de José dos Santos Carvalho Filho:

51

“Instituto destinado à livre manifestação da vontade, os contratos são conhecidos desde tempos imemoriais, muito embora, como é evidente, sem o detalhamento sobre os aspectos de conteúdo e de formalização que a história jurídica tem apresentado. Com a noção mais moderna da personificação do Estado, cristalizou-se a idéia da possibilidade jurídica de serem firmados pactos bilaterais, figurando ele como uma das partes na relação obrigacional. Logicamente, tais compromissos nem deveriam, de uma lado, ser desnaturados a ponto de perder sua característica própria, nem deveriam, por outro, ser de tal modo livres que pudessem abstrair-se das condições especiais que cercam a figura do Estado.”77

Assim o sendo, e nos afastando do embate teórico acerca da existência de contratos

celebrados pelo Estado78, afirmamos, desde logo, a sua possibilidade.

E, a par da discussão sobre a classificação dos mesmos79, importa-nos o estudo da

espécie contrato administrativo.

Para Di Pietro:

“(...) contrato administrativo são os ajustes que a Administração, nessa qualidade, celebra com pessoas físicas ou jurídicas, públicas ou privadas, para a consecução de fins públicos, segundo regime jurídico de direito público.”80

Aproximando-se deste mesmo conceito, José dos Santos Carvalho Filho:

“De forma simples, porém, pode-se conceituar o contrato administrativo como o ajuste firmado entre a Administração Pública e um particular, regulado basicamente pelo direito público, e tendo por objeto uma atividade que, de alguma forma, traduza interesse público.”81

77 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 12ª ed. Ed. Lúmen Juris, 2004. p. 167. 78 Di Pietro destaca a existência de, pelo menos, três correntes na doutrina nacional: “1. a que nega a existência de contrato administrativo; 2. a que, em sentido diametralmente oposto, acha que todos os contratos celebrados pela Administração são contratos administrativos; 3. a que aceita a existência dos contratos administrativos, como espécie do gênero contrato, com regime jurídico de direito público, derrogatório e exorbitante do direito comum.” (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 17ª ed. Atlas, 2004. p. 240.) 79 José dos Santos Carvalho Filho afirma serem os Contratos da Administração o gênero, do qual seriam espécies os Contratos Privados da Administração, subsumidos ao regramento privado civil, e os Contratos Administrativos, estes sujeitos a regime jurídico público próprio. (Apud, obra citada, pp. 167-168.) 80 Obra citada, p. 240. 81 Obra citada, p. 169.

52

Ora, as atividades desempenhadas pelas organizações do Terceiro Setor são

justamente as que se revestem da finalidade pública, apontada por Di Pietro, ou do

interesse público, destacado por Carvalho Filho.

Logo, aplicável a elas o contrato administrativo. Esse se encontra, atualmente,

regulado basicamente pela Lei 8.666 de 21/06/1993.

Um primeiro destaque a ser feito é que a Lei 8.666/93 se aplica igualmente,

qualquer que seja a parte contratada. Assim, à princípio, organizações do Terceiro Setor,

apesar de seu caráter não lucrativo e suas finalidades exclusivamente públicas, não

encontram nenhum reconhecimento especial82 por parte da legislação, devendo, sendo do

interesse, se adequar, por completo, ao modelo licitatório.

Entretanto, antes de nos aprofundarmos nesta questão, cumpre-nos, ainda que de

forma superficial, tecer alguns comentários acerca dos contratos administrativos, a partir

de uma análise de suas características próprias, que nos permitam concluir quanto à sua

utilização pelo Terceiro Setor.

Como caracteres próprios, os mesmos apresentam, na lição de Di Pietro83.

A) Presença da Administração Pública como Poder Público:

Claramente manifestada através da inclusão, nos contratos administrativos, de

cláusulas exorbitantes, que serão mais abaixo apresentadas, esta característica se define

pela posição de supremacia que desempenha a Administração Pública frente o particular.

Trata-se do conjunto de prerrogativas que garantem a primazia do Estado nos

contratos administrativos que celebra.

Sem dúvida alguma, dada a imperativa supremacia do interesse público sobre o

privado, a característica, ora analisada, é de fundamental importância. Entretanto, quando o

82 Como se verá mais a diante, existem apenas alguns casos de dispensa e inexigibilidade de licitação que podem, em alguns casos, significar algum benefício às instituições do Terceiro Setor. 83 Obra citada, pp. 250-271.

53

outro sujeito deste tipo de relação contratual, apesar de possuir personalidade jurídica de

direito privado, apresenta finalidade preponderantemente pública, assim como a

Administração Pública, torna-se mais delicada a aplicação do caracter em comento.

Acreditamos que nestas hipóteses, mais do que naquelas onde o Estado se relaciona

com particulares, exclusivamente focados em interesses privados, a citada supremacia deve

ser encarada mais como uma sujeição de ambas as partes, Estado e entidades privadas com

finalidades públicas, ao interesse público, condicionador da atuação do primeiro, ainda

quando tal atuação se dá de forma indireta, pelas segundas.

Isso o que ocorre com as instituições do Terceiro Setor. Tome-se, como exemplo,

as Santa Casas de Misericórdia. Indiscutível a importância do papel que desempenharam e

desempenham na saúde pública brasileira. Sua finalidade primordial reside, justamente, na

promoção da saúde. A mesma, nos termos dos artigos 6º e 196 da Constituição Federal84, é

considerada direito social básico fundamental.

Neste sentido, num eventual contrato administrativo, cujo objeto envolvesse

serviços de saúde pública, firmado entre uma Prefeitura Municipal e uma Santa Casa de

Misericórdia, estar-se-ia diante de dois contratantes que, igualmente, encontram em suas

finalidades a promoção deste direito social fundamental. Entendemos, então, que este

contrato administrativo deva ser encarado tomando-se por base o fato da saúde ser um

dever do Estado, para cuja efetivação é constitucionalmente prevista sua execução também

por terceiros, inclusive pessoas físicas e jurídicas de direito privado, sempre observados os

termos da legislação que estabeleça sua regulamentação, fiscalização e controle (artigo 197

da Constituição).

84 Constituição Federal: Art. 6° São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

54

B) Finalidade Pública:

Elemento ou característica intrínseco a própria natureza dos contratos

administrativos. Como bem assevera Di Pietro:

“(...) às vezes, pode ocorrer que a utilidade direta seja usufruída apenas pelo particular, como ocorre na concessão de uso de sepultura, mas, indiretamente, é sempre o interesse público que a Administração tem que ter em vista, sob pena de desvio de poder.”85

A finalidade pública decorre da própria essência da Administração Pública, cuja

gênese se justifica em nome da ordenação daquilo que se reveste de interesse da

coletividade.

C) Obediência à forma prescrita em lei:

Característica já presente no ordenamento privatístico civil, extravasa para o regime

jurídico público, ganhando neste desenho bem mais restrito. Diz com a formalidade a que

se submetem os contratos administrativos.

Dentre inúmeras regras, pode-se destacar: i) obrigatoriedade da observância da

forma escrita, havendo apenas uma residual hipótese de contratação verbal86; ii)

publicidade, que deve ser dada através da publicação, no Diário Oficial, do extrato do

contrato celebrado, a ser feita, obrigatoriamente, em até 20 dias, sob pena de perda de

validade do mesmo87; iii) formalização do contrato através de “termo de contrato”, “carta

contrato”, “nota de empenho de despesa”, “autorização de compra” ou “ordem de execução

de serviço”88; iv) vinculação do instrumento contratual ao edital licitatório89; v) previsão

85 Obra citada, p. 250. 86 Nos termos do artigo 60, parágrafo único, da Lei 8.666/93, compras de pequeno valor e imediato pagamento, feitas sob o regime de adiantamento, podem ser celebradas verbalmente. 87 Nos termos do artigo 61, parágrafo único, da Lei 8.666/93. 88 As hipóteses de utilização de cada uma das formas elencadas encontra-se definida no artigo 62, e seus parágrafos, da Lei 8.666/93.

55

do rol de cláusulas consideradas necessárias, sejam as de natureza regulamentar (referentes

ao objeto, forma de execução, rescisão etc.), sejam as de natureza financeira (preço,

critérios de reajustamento etc.)90.

Todo este conjunto de normas objetiva não só resguardar a Administração Pública,

como, também, as outras partes contratantes.

No que diz respeito especificamente ao Terceiro Setor, tal normatização, por vezes,

se apresenta demasiado onerosa. Isto se dá na medida em que muitas instituições que o

compõe são de tamanho diminuto e não têm recursos, financeiros e humanos, suficiente

para dar conta de cumprir todas as exigências formais que se impõe, principalmente as

originadas dos procedimentos licitatórios.

D) Procedimento Legal:

Trata-se, em verdade, do conjunto de procedimentos, fixados por lei, que são de

obrigatória observância na celebração de contratos administrativos.

Sem dúvida, o principal destes procedimentos é a licitação, prevista já na

Constituição, em seus artigos 37, inciso XXI e 175, regulamentada pela Lei 8.666/93 e

disposições posteriores.

E, em nossa opinião, aqui reside o maior problema atinente a utilização de contratos

administrativos por entidades do Terceiro Setor. Em absoluto afastamos a importância e

necessidade do processo licitatório, garantidor, pelo menos em tese, da necessária

transparência e probidade dos processos de contratação.

Entretanto, como hoje prevista, a licitação se tornou um conjunto de etapas

acentuadamente burocráticas, cujo resultado final nem sempre concretiza a probidade

89 Dado o caráter obrigatório e vinculante do processo licitatório, que antecede a celebração dos contratos administrativos, salvo raras exceções, os instrumentos contratuais têm sua redação completamente submissa ao estipulado no edital de convocação da licitação. 90 O conjunto destas cláusulas se encontra definido nos artigos 55 e seguintes da Lei 8.666/93.

56

almejada91. Os interessados em participar de licitações devem ser tornar especialistas em

obtenção de certidões e preparação de relatórios e documentos. Quase nenhuma atenção se

dá ao objeto do contrato propriamente dito. Ao invés disso, prolongam-se intermináveis

discussões acerca de especificidades de certidões92 exigidas e detalhes de só menor

importância. O foco das atenções que deveria estar voltado para que a realização do objeto

contratual fosse garantida, se desvia para a análise de pilhas e mais pilhas de documentos93.

Assim, todos os interessados, obrigatoriamente, primeiro teriam que criar a melhor

solução, técnica e financeira, para a execução do objeto contratual. Em tendo sua proposta

selecionada aí sim estariam obrigados a comprovar sua regularidade e sua capacidade em

executar o que foi proposto.

Neste procedimento, acentuadamente burocrático, as instituições do Terceiro Setor

são particularmente penalizadas. Via de regra, as mesmas não dispõem dos recursos

humanos e financeiros necessários para enfrentar estes procedimentos licitatórios.

Entretanto, se apresentariam com muito melhores condições de executar o objeto

contratual, em alguns casos, do que outros proponentes, especialistas em licitação.

Exemplificando, numa licitação pública para a contratação de um instituto de

pesquisa para a realização de um levantamento sócio-econômico da população de rua de

uma dada localidade, um proponente como o IBASE certamente reúne muito mais

expertise e capacidade técnica do que algum outro grande instituto de pesquisa. Entretanto,

provavelmente o mesmo não teria sequer condições de participar da licitação, pois não

dispõe de pessoal especializado na obtenção da vasta documentação necessária para a

habilitação. 91 Vide os inúmeros e cada vez mais freqüentes escândalos envolvendo fraudes, mais ou menos elaboradas, em licitações públicas. 92 Apenas a título de exemplo, recentemente, a extinta Secretaria da Receita Federal criou uma modalidade nova de certidão, intitulada Certidão Positiva de Débitos com Efeito de Certidão Negativa, fornecida a contribuintes que estejam com débitos, mas que aceitem cumprir algumas exigências a fim de que esses débitos não sejam considerados realmente débitos. 93 Como diria o cantor Raul Seixas: “Tem que ser selado, registrado, rotulado, carimbado, avaliado se quiser voar.”

57

Neste cenário, aparentemente desmotivante, existem algumas exceções, que se

apresentam em hipóteses de dispensa de licitação, previstas na Lei 8.666/93, no seu artigo

24, incisos XIII, XX e XXIV.

Com relação à primeira, encontram-se abrangidas as instituições sem fins

lucrativos, logo componentes do Terceiro Setor, desde que tenham reputação ético-

profissional inquestionável e tenham como finalidade pesquisa, ensino, desenvolvimento

institucional ou recuperação de detentos, poderão ser contratadas diretamente pela

Administração Pública, sem que seja obrigatória a realização de licitação.

Assim como na primeira hipótese, a prevista no segundo inciso mencionado, abarca

entidades do Terceiro Setor, dedicadas ao tratamento de portadores de deficiência física,

que, assim, podem ser contratadas diretamente para o fornecimento de mão-de-obra ou

prestação de serviços.

Por fim, quanto ao inciso XXIV, assim se manifesta José dos Santos Carvalho

Filho:

“O Estatuto recebeu – por força de alteração introduzida pela Lei nº 9.648, de 27.5.98 – a inclusão de nova hipótese de dispensa de licitação: a celebração de contratos de prestação de serviços com as organizações sociais para atividades contempladas no contrato de gestão (art. 24, XXIV). Como será estudado adiante, no capítulo destinado aos serviços públicos, ‘organização social’ não constitui uma nova espécie de entidade, mas, ao revés, reflete um tipo especial de qualificação jurídica conferida a algumas pessoas jurídicas que preencham os requisitos estabelecidos na Lei nº 9.637, de 15.5.98, diploma regulador da matéria, ressaltando-se dentre eles a ausência de fins lucrativos. Tais pessoas não têm, portanto, caráter econômico; ao contrário, dedicam-se a atividade de cunho social, como ensino, cultura, saúde, pesquisa científica, desenvolvimento científico e proteção ao meio ambiente. De acordo com a lei reguladora, essas entidades celebram com o Estado ajuste específico denominado contrato de gestão – instrumento que formaliza o vínculo jurídico entre os pactuantes, estabelece os objetivos do ajuste e define os direitos e obrigações dos signatários. Em que pese a denominação constante da lei, o ajuste não estampa propriamente um ‘contrato’, assemelhando-se muito mais, em razão de sua fisionomia e objeto, à modalidade de convênio – este sim, instrumento compatível com o regime de parceria que serve de núcleo para aquele negócio jurídico. Exatamente em virtude desta natureza real é que o Estatuto

58

afastou o regime de competição próprio das licitações e incluiu as contratações como mais uma hipótese de dispensa. Deve atentar-se, entretanto, para o fato de que são dois os tipos de contratos a que se refere o dispositivo: um deles é o próprio contrato de gestão, que vincula o ente público à organização social; outro é o contrato de prestação de serviços, visando ao cumprimento de atividades ligadas àquele primeiro ajuste. A dispensa de licitação teve por foco esta última modalidade de contratos e a hipótese apresenta motivo de fácil compreensão: vinculando-se o Estado à organização social para os fins não-econômicos por ele alvitrados, não haveria mesmo espaço para que licitasse entre terceiros os serviços decorrentes do contrato, visto que tais serviços são justamente aqueles para os quais a organização social é direcionada. Cabe observar, por fim, que, além das citadas organizações sociais, foram instituídas pela Lei nº 9.790, de 23.3.99, as organizações da sociedade civil de interesse público (OSCIP) – da mesma forma que aquelas, um tipo de qualificação jurídica conferida a certas pessoas sem fins lucrativos voltadas também para fins sociais. Conquanto o Estatuto não as tenha mencionado, incide a norma em foco sobre eventuais contratos – denominados na lei de termos de parceria – celebrados entre o ente federativo e as pessoas que tenham recebido a referida qualificação: será direta a contratação dos serviços decorrentes do ajuste principal, sendo, pois, dispensada a licitação.”94

Estamos plenamente de acordo com o administrativista, destacando, assim, esta

última hipótese de dispensa de licitação como uma grande oportunidade para a atuação de

entidades do Terceiro Setor, qualificadas como Organizações Sociais ou Organizações da

Sociedade Civil de Interesse Público.

E) Natureza intuitu personae:

Todas as contratações feitas pela Administração Pública o são levando-se em

consideração as condições pessoais do contratado, que são avaliadas na fase licitatória.

Assim sendo, como regra geral, é proibida a sub-contratação ou cessão, ainda que parcial,

do contrato administrativo. Tais situações somente são autorizadas quando expressamente

previstas no edital convocatório da licitação, ou nas exceções previstas em lei.

94 Obra citada, pp. 240-241.

59

F) Cláusulas Exorbitantes:

São cláusulas, autorizadas em contratos administrativos, mas que em contratos civis

seriam incomuns ou até mesmo ilícitas. Elas são as mantenedoras e garantidoras da

sujeição da Administração Pública e do contratado ao interesse público, na forma do artigo

58 da Lei 8.666/93.

Em seguida, a licitação é, provavelmente, o segundo maior obstáculo para a

contratação de entidades do Terceiro Setor, que não têm a menor condição de fazer frente a

algumas dessas exigências exorbitantes.

As principais são: (a) apresentação de garantia: por força do parágrafo primeiro, do

artigo 56 da Lei 8.666/93, é facultado à Administração Pública exigir, já em fase licitatória,

garantia ao adimplemento do contrato, na modalidade de caução em dinheiro ou títulos da

dívida pública, seguro-garantia ou fiança bancária. Apesar de ser uma proteção a própria

Administração Pública, tal prerrogativa inviabiliza, em grande parte, a participação de

entidades do Terceiro Setor que não reúnem a menor condição de apresentar tais garantias,

em qualquer modalidade que seja; (b) alteração unilateral: prevista genericamente no artigo

58, inciso I, e especificamente no artigo 65 e seus parágrafos, ambos da Lei 8.666/93, trata-

se da prerrogativa, concedida à Administração Pública contratante de alterar,

unilateralmente, os termos de contrato administrativo firmado. Apesar de não poder ser

utilizada indiscriminadamente95, de haver a obrigatoriedade da motivação para alteração e

de ser garantido ao contratado o direito à manutenção do equilíbrio econômico-financeiro,

se apresenta como mais um elemento inibidor a participação do Terceiro Setor, na medida

em que gera uma insegurança contratual com a qual muitas organizações não têm como

operar; (c) rescisão unilateral: apresenta-se como a garantia que a Administração Pública

95 Nos termos do inciso I, do artigo 65 da Lei 8.666/93, a alteração unilateral basicamente pode se dar: I) quando houver modificação do projeto ou das especificações, para melhor adequação técnica aos seus objetivos; II) quando necessária a modificação do valor contratual em decorrência de acréscimo ou diminuição quantitativa de seu objeto, nos limites permitidos nos parágrafos do mesmo dispositivo.

60

tem de poder rescindir, em certos casos, unilateralmente, o contrato administrativo

firmado. Estão eles fixados nos artigos 58, inciso II, 79, inciso I e 78, incisos I a XII e

XVII, todos da Lei 8.666/93. Dentre estes, o que é objeto do maior número de

questionamentos é o que determina a possibilidade de rescisão por razões de interesse

público (artigo 78, inciso XII). Apesar de haver previsão de que a Administração Pública

arque com as indenizações que sejam devidas, na conjuntura administrativa brasileira,

razões alegadamente de interesse público, muitas vezes escamoteiam verdadeiras razões de

interesse político e privado daqueles que as alegam96. Obviamente tal situação acaba por

gerar certa instabilidade e insegurança para aqueles que contratam com a Administração

Pública; (d) fiscalização: prerrogativa, a nosso ver, de fundamental importância para a

plena realização dos objetos contratuais, a fiscalização é, por vezes, negligenciada. Trata-

se do poder que tem a Administração Pública de, ao longo da execução do contrato,

exercer direta fiscalização a fim de verificar o regular desenvolvimento do mesmo. E sendo

detectada qualquer ocorrência ou irregularidade, sejam tomadas imediatamente as medidas

reparadoras necessárias; (e) aplicação de penalidades: havendo inexecução, total ou

parcial, do contrato administrativo, a Administração Pública tem prerrogativa para aplicar

sanções de natureza administrativa, a saber: advertência, multa, suspensão temporária,

declaração de inidoneidade97; (f) anulação: trata-se da prerrogativa, inerente a própria

Administração Pública, de rever seus atos, anulando os ilegais e revogando por motivo de

conveniência e oportunidade. Assim, contrato administrativo, eventualmente eivado de

ilegalidade, ainda que seja na licitação, deverá ser anulado, seus efeitos desconstituídos,

sendo, entretanto, garantido ao contratado indenização pelo que houver executado e pelos

prejuízos sofridos, desde que não houver dado causa à anulação, nos termos dos artigos 49 96 Por outro lado é certo que, comprovando-se não existir o alegado interesse público, estar-se-ia diante de hipótese de inexistência de motivo, qualificadora da nulidade do ato de rescisão, nos termos do artigo 2º e parágrafo único da Lei 4.717/65. 97 Vide artigo 87 da Lei 8.666/93.

61

e 59 da Lei 8.666/93; (g) retomada do objeto: nos termos do artigo 80 da Lei 8.666/93,

além das medidas já estudadas, objetivando a manutenção de serviços públicos essenciais,

em caso de paralisação, pode a Administração Pública: i - assumir imediatamente o objeto

do contrato, no local e estado em que se encontrar; ii – ocupar e utilizar o local,

instalações, equipamentos, material e pessoal necessários a continuidade do contrato; iii –

executar a garantia contratual; iv – reter os créditos oriundos do contrato até o limite

necessário a reparação dos prejuízos causados; (h) exceção do contrato não cumprido:

enquanto para os contratos de natureza civil, quando há a inadimplência de uma das partes

a outra pode descumpri-lo também, valendo-se da exceção do contrato não cumprido

(artigo 477 do Código Civil), nos contratos administrativos, a princípio, o contratado não

pode suspender a execução do contrato, ainda que haja descumprimento por parte da

Administração Pública. Atualmente, entretanto, tal restrição já se encontra mais mitigada,

nos termos do artigo 78, inciso XV, da Lei 8.666/93.

G) Mutabilidade:

Trata-se de mais uma das características típicas dos contratos administrativos e que,

segundo Di Pitero98, deve ser analisada sob dois aspectos: as razões e circunstâncias que

tornam esses contratos mutáveis e a conseqüência disto quanto a manutenção do equilíbrio

econômico-financeiro.

Neste sentido, os administrativistas elaboraram toda uma teoria do equilíbrio

econômico dos contratos administrativos. Basicamente, além da força maior, são elencadas

três categorias de riscos, que podem vir a ser enfrentados pelo particular quando contrata

com a Administração.

98 Obra citada, p. 263.

62

Riscos, estes, que, via de regra, não são suportáveis por entidades do Terceiro

Setor, que já operam no limite de sua capacidade físico-financeira. Qualquer variação no

planejado, como a suspensão de um contrato, por exemplo, pode significar até mesmo a

completa interrupção das atividades dessas organizações99.

São as categorias mencionadas: i) álea ordinária ou risco empresarial: diz respeito

ao conjunto de eventos presentes em qualquer tipo de negócio, sendo, assim, risco que todo

o empresário sofre, oriundo das próprias variações do mercado. Por ser tipicamente

previsível, responde por ele o próprio particular que com a Administração contratou100; ii)

álea administrativa: composta por três modalidades, a primeira decorrente do poder de

alteração unilateral do contrato, por fins de interesse público, quando, então, faz frente a

este risco a própria Administração. A segunda, comumente chamada de Fato do Príncipe,

decorrente de um ato de autoridade, não diretamente ligado ao contrato, mas que nele

repercute, estando, igualmente, a Administração responsável pelo restabelecimento do

equilíbrio rompido. Por fim, a terceira, diz com os chamados Fatos da Administração, que

podem ser definidos como “toda ação ou omissão do Poder Público que, incidindo direta e

especificamente sobre o contrato, retarda, agrava ou impede a sua execução”101, devendo,

por óbvio, ser arcados pela própria Administração que os gerou; iii) álea econômica: esta

deriva de circunstâncias externas ao contrato, que fogem à vontade dos contratantes e que

se caracterizam por serem imprevisíveis, excepcionais, inevitáveis, geradoras de um

desequilíbrio contratual muito grande. Uma vez que são imprevisíveis, normalmente, os

prejuízos são repartidos entre os contratantes.

99 Não aprofundaremos esta questão , pois não é objeto do presente trabalho a discussão acerca da sustentabilidade das organizações do Terceiro Setor. 100 Assim como a consideração geral feita, dada as peculiaridades das entidades do Terceiro Setor, resta dificultada a aplicação estrita do entendimento de que as mesmas possam estar submetidas às mesmas vicissitudes típicas de uma empresa ou negócio tipicamente empresarial. 101 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 36ª ed. Malheiros, 1996. p. 223.

63

Analisadas sete das características básicas dos contratos administrativos, podemos

concluir que, conforme hoje regulado, principalmente pela Lei 8.666/93, o mesmo não se

apresenta como um instrumento adequado ao tratamento jurídico de contratados que sejam

do Terceiro Setor. Salvo algumas poucas hipóteses de dispensa de licitação, já vistas, de

resto as organizações do Terceiro Setor estão subsumidas aos mesmos rígidos critérios

contratuais aplicados aos empresários comerciais.

Frise-se que, em absoluto, somos partidários de flexibilização nos procedimentos

contratuais típicos, mormente a licitação, que possam significar qualquer espécie de

privilégio, ou abertura para a realização de fraudes, ou outros descaminhos. Apesar de, em

nossa opinião, a legislação contratual administrativa padecer da necessidade de alguns

ajustes, como se configura atualmente, pelo menos em tese, dificulta a ocorrência de

fraudes ou desvios.

Para além disso, tomando por base os princípios administrativos, consagrados no

artigo 37 da Constituição, resta inequívoco o mandamento de que a Administração Pública,

em seus atos, deva se pautar pela probidade, transparência e isonomia. Nestes termos,

entendemos que seria uma violação a tal princípio o estabelecimento de privilégios seria

ilegal.

Por outro lado, tais princípios devem ser sopesados com outros tantos postos pela

própria Constituição, dentre os quais se encontram aqueles normalmente defendidos e

trabalhados pelo Terceiro Setor, como o direito a educação, saúde, habitação, saneamento

etc. Assim o sendo, cremos que a legislação contratual administrativa, sem que houvesse

violação a seus princípios norteadores, poderia prever situações específicas e especiais nas

quais a contratação de entidades do Terceiro Setor não fosse privilegiada, mas sim

incentivada.

64

Exemplo claro disto, estaria em previsão que permitisse que uma Santa Casa de

Misericórdia fosse dispensada de apresentar garantia contratual, quando fosse contratada

para a prestação de serviços de saúde. Ora, pública e notória a especialização das mesmas

neste segmento de atendimento público-social. Logo, em eventual contratação, garantida

estaria a expertise técnica necessária. Para além disso, todos os demais procedimentos

poderiam ser observados normalmente, inclusive o processo licitatório. O simples fato da

dispensa de apresentação de garantia contratual já seria suficiente para permitir a

participação desta e outras entidades do Terceiro Setor.

Certo é que, eventualmente, se correria o perigo de se estar legislando sobre o

casuísmo, na tentativa de se prever todas as hipóteses nas quais deveriam incidir exceções.

Entretanto, a fim de afastar tal risco, pelo conhecimento que hoje já se tem do Terceiro

Setor, seria possível enfeixar a grande maioria das hipóteses em poucas previsões

normativas. Tal se daria, por exemplo, com uma previsão genérica que autorizasse a

dispensa de apresentação de garantia contratual para entidades contratadas que fossem

enquadradas, ao mesmo tempo, nos termos dos artigos 150, inciso VI, aliena c e 195,

parágrafo sétimo, da Constituição. Como corolário indireto desta previsão, teríamos que

todas as potenciais contratadas do Terceiro Setor seriam obrigadas a possuir o título de

utilidade pública federal e o certificado de entidade beneficente de assistência social,

garantindo, assim, que as mesmas já sejam regularmente fiscalizadas pelo poder público

através do Ministério da Justiça e do INSS102.

Pelo exposto, reafirmamos que, como hoje regulado, o contrato administrativo não

se apresenta como um instrumento adequado às particularidades e peculiaridades típicas do

102 Esta conclusão deriva do fato de que o parágrafo sétimo do artigo 195 da Constituição se encontra, atualmente, regulado pelo artigo 55 da Lei 8.212/91, que prevê que as instituições que desejem fazer jus a isenção das contribuições sociais deverão possuir o título de utilidade pública federal e o certificado de entidade beneficente de assistência social. Pela regulamentação dos mesmos, as entidades que os possuem são obrigadas a, anualmente, apresentar prestação de contas ao Ministério da Justiça e ao INSS. Estamos, assim, diante de formas de controle indiretas, que garantem a regularidade dessas entidades.

65

Terceiro Setor. Apesar de poderem livremente contratar com a Administração Pública, as

organizações que o compõem terão que se submeter as rígidas regras contratuais

administrativas. Outrossim, cremos que algumas poucas mudanças legislativas seriam

suficientes para melhor adequar este instrumento à realidade do Terceiro Setor.

3.3) Os Convênios

Segundo o ilustre Procurador de Fundações do Distrito Federal, José Eduardo Sabo

Paes:

“A ampliação das funções do Estado, a complexidade, a falta de estrutura e de condições para, com eficácia, cumprir suas atribuições fizeram com que o próprio Estado estabelecesse novas formas e meios de prestação eficiente de seus serviços e atribuição. Uma das formas usuais são os convênios administrativos, entendidos estes como acordos firmados por entidades públicas de qualquer espécie, ou entre estas e organizações particulares (associações civis e fundações de direito privado, por realização dos objetivos do interesse comum dos partícipes).”103

No mesmo sentido, afirma Leon Fredja Szaklarowsky que:

“Os convênios administrativos são, pois, acordos firmados pelos mais diversos entes públicos, nada obstando, porém, que se realizem esses ajustes entre entidades públicas e particulares, visando à realização de objetivos comuns”104.

E justamente esta possibilidade de serem firmados com organizações particulares,

que não tenham caráter lucrativo, transformou o convênio no instrumento mais utilizado na

celebração de acordos entre a Administração Pública e o Terceiro Setor.

Segundo Hely Lopes Meirelles:

“Convênio e contrato não se confundem, embora tenham em comum a existência de vínculo jurídico fundado na manifestação de vontade dos participantes.”105

103 PAES, José Eduardo. Fundações e entidades de interesse social. 5ª ed. Brasília Jurídica, 2004. pp. 546-547. 104 In: Os convênios administrativos, Revista dos Tribunais (RT), ano 80, julho de 1991, vol. 669, p.40. 105 Obra citada, p. 354.

66

E como bem assevera José dos Santos Carvalho Filho, fazendo referência à lição de

Diogo de Figueiredo Moreira Neto.:

“No contrato, os interesses são opostos e diversos; no convênio, são paralelos e comuns. Neste tipo de negócio jurídico, o elemento fundamental é a cooperação, e não o lucro procurado por celebrar contratos. De fato, num contrato de obra, o interesse da Administração é a realização da obra, e do particular, o recebimento do preço. Num convênio de assistência a menores, porém, esses objetivo tanto é do interesse da Administração como também do particular. Por isso, pode-se dizer que as vontades não se compõem, mas se adicionam”.106

No mesmo sentido, afirmando pela distinção conceitual entre convênios e contratos,

expõe Di Pietro:

“O convênio tem em comum com o contrato o fato de ser um acordo de vontades. Mas é um acordo de vontades com características próprias. Isto resulta da própria Lei nº 8.666, de 1993, quando, no art. 116, caput, determina que suas normas se aplicam aos convênios no que couber. Se os convênios tivessem natureza contratual, não haveria necessidade dessa norma, porque a aplicação da Lei já decorreria dos arts. 1º e 2º.”107

Além dessa distinção conceitual, a mesma autora elenca outros aspectos que

extremam estes dois instrumentos108, dentre os quais, destacamos: (a) a existência de

objetivos institucionais comuns entre os entes conveniados; (b) a existência de

competências institucionais comuns, entre os entes conveniados, se inserindo dentro das

atribuições de cada um, os resultados alcançados; (c) a noção de que os partícipes

objetivam o alcance de um resultado comum, que será usufruído por ambos, ou, até

mesmo, por terceiros que sejam destinatários do mesmo; (d) a verificação de que os entes

trabalham em regime de mútua colaboração, que pode ser concretizada de várias formas,

106 Obra citada, p. 215. 107 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública. 4ª ed. Atlas, 2002. p. 189. 108 Apud Parcerias na administração pública, pp. 190-191. Aos aspectos elencados pela insígne administrativista, o mestre José dos Santos Carvalho Filho acrescenta, como regra, a inexigibilidade de prévia autorização legislativa para os convênios, em contraposição aos contratos (obra citada, p. 216).

67

como o repasse de verbas, uso e cessão de equipamentos etc., razão, pela qual, inclusive,

em convênios, não se cogita de preço ou remuneração.

Por tudo isso, enquanto no contrato o valor pago a título de remuneração passa a

integrar o patrimônio da contratada, sendo irrelevante o uso que lhe será dado; no

convênio, o valor repassado pela Administração ao ente conveniado não perde a sua

natureza de dinheiro público, somente podendo ser aplicado na realização do objeto do

convênio, devendo, ao final, serem prestadas contas ao ente repassador e ao Tribunal de

Contas.

Por fim, o último aspecto distintivo a ser destacado diz respeito a inexigibilidade,

nos convênios, da realização de licitação, enquanto, nos contratos administrativos tal

procedimento é a regra109.

Em que pese o posicionamento dos referidos autores, cremos ser igualmente

importante a colocação da conceituação à luz da legislação vigente.

Já nos termos da alínea c, do parágrafo primeiro, do artigo 10 do Decreto-Lei

200/67, encontra-se estabelecido que a descentralização se dará da esfera federal para a

órbita particular por meio de contratos ou concessões.

Reafirmando esta disposição, o parágrafo único, do artigo 2º da Lei 8.666/93, é bem

claro ao definir que:

“Art. 2º (...) Parágrafo único. Para os fins desta Lei, considera-se contrato todo e qualquer ajuste entre órgãos ou entidades da Administração Pública e particulares, em que haja um acordo de vontades para a formação de vínculo e a estipulação de obrigações recíprocas, seja qual for a denominação utilizada.” (Grifou-se)

109 Segundo Di Pietro: “Enquanto os contratos abrangidos pela Lei nº 8.666 são necessariamente precedidos de licitação – com as ressalvas legais – no convênio não se cogita de licitação, pois não há viabilidade de competição quando se trata de mútua colaboração (...). Aliás, o convênio não é abrangido pelas normas do art. 2º da Lei nº 8.666; no caput é exigida licitação para as obras, serviços, compras alienações, concessões, permissões e locações, quando contratadas com terceiros; e no parágrafo único define-se o contrato por forma que não alcança os convênios e outros ajustes similares, já que nestes não existe a ‘estipulação de obrigações recíprocas’ a que se refere o dispositivo.” (Apud Temas polêmicos sobre licitações e contratos. 4ª ed. Malheiros, 2000. p. 310-314.)

68

Enquanto, com relação a convênios, temos, nos termos da alínea b, do parágrafo

primeiro, do artigo 10 do Decreto-Lei 200/67, que os mesmos concretizam a

descentralização entre entes de unidades federadas entre si.

E, reafirmado pelo disposto no artigo 116 da Lei 8.666/93:

“Art. 116 - Aplicam-se as disposições desta Lei, no que couber, aos convênios, acordos, ajustes e outros instrumentos congêneres celebrados por órgãos e entidades da Administração.” (Grifou-se)

Concluímos, destarte, haver confusão terminológica no que diz respeito à utilização

do instrumento convênio para a celebração de ajustes entre órgãos ou entidades da

Administração Pública e particulares.

De acordo com a legislação vigente, entendemos ser mais correta a utilização do

contrato administrativo para as hipóteses descritas no parágrafo anterior, devendo ser

reservado o convênio para os ajustes entre órgãos e entidades da própria Administração

Pública.

Entretanto, tal não é o que ocorre na prática, onde a celebração de convênio tornou-

se a regra no relacionamento contratual da Administração Pública com o Terceiro Setor.

E, como se verá, da forma como se encontra regulamentado, o convênio está mais

bem adequado às particularidades do Terceiro Setor, razão pela qual, apesar de nosso

entendimento em contrário, estaremos analisando-o sob este prisma.

Quanto ao convênio firmado entre entidades públicas, o mesmo encontra assento

constitucional expresso no artigo 241110, alterado pela Emenda Constitucional nº 19/98.

Entretanto, desde a promulgação da Carta Magna em 1988, tal já era implícito, na

redação do parágrafo único do artigo 23111.

110 “Art. 241. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disciplinarão por meio de lei os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes federados, autorizando a gestão associada de serviços públicos, bem como a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos.”

69

Em legislação infraconstitucional, desde 1967, o convênio entre entidades públicas

é referido, nos termos do já mencionado artigo 10 do Decreto-Lei 200/67, como forma de

descentralização da administração federal para as unidades federadas, quando estiverem

devidamente aparelhadas.

Enquanto isso, apesar de entendermos existir imprecisão terminológica, o convênio

entre entidades públicas e entidades particulares, foco deste trabalho, se dá de outra forma.

Segundo Di Pietro:

“Quanto ao convênio entre entidades públicas e entidades particulares, ele não é possível como forma de delegação de serviços públicos, mas como modalidade de fomento. Caracteriza-se este por ser uma forma de incentivar a iniciativa privada de interesse público. Difere do serviço público, porque, neste, o Estado assume como sua uma atividade de atendimento a necessidades coletivas, para exercê-la sob regras total ou parcialmente públicas; no fomento, o Estado deixa a atividade na iniciativa privada e apenas incentiva o particular que queira desempenhá-la, por se tratar de atividade que traz algum benefício para a coletividade. O incentivo é dado sob a forma de auxílios financeiros ou subvenções por conta do orçamento público, financiamentos, favores fiscais, desapropriações de interesse social em favor de entidades privadas sem fins lucrativos, que realizem atividades úteis à coletividade, como os clubes desportivos, as instituições beneficentes, as escolas particulares, os hospitais particulares etc.”112

Está-se, assim, diante de uma das manifestações do Estado Subsidiário, calcado no

princípio homônimo da subsidiariedade, já visto no capítulo II deste trabalho.

Nas palavras de Juan Carlos Cassagne:

“A utilização da técnica de fomento, enunciada como tal a partir do século XVIII, implica a aplicação adequada do princípio da subsidiariedade, enquanto o Estado, frente a uma situação de insuficiência da inciaitiva particular ou corpos intermediários, estimula a realização das atividades faltantes, em lugar de realizá-las por sua própria conta.”113

111 Art. 23 (...) Parágrafo Único – Lei complementar fixará normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional 112 Apud Parcerias na administração pública. p. 192. 113 CASSAGNE, Juan Carlos. La intervención administrativa. Abeledo-Perrot, 1992. p. 103. No mesmo trecho, o autor nos afirma que “o fomento, tanto como a polícia e o serviço público, caracterizam a intervenção subsidiária do Estado, tratando-se de uma atividade estatal que amplia os direitos das pessoas físicas ou jurídicas (...), enquanto a polícia é uma típica forma de intervenção estatal que limita os direitos individuais com o fim de fazê-los compatíveis com o bem comum ou interesse geral (...); difere do serviço público na natureza e nos fins e,

70

E, como bem destaca Di Pietro114, esse Estado Subsidiário é o que o atual Governo

brasileiro quer implantar em substituição ao Estado de Bem-estar, prestador de serviços.

Assim, no Estado Subsidiário, o Estado só presta as atividades que o particular não possa

desenvolver ou necessite de alguma ajuda suplementar para realizá-las.

Da mesma forma que o Estado, por vezes, ao invés de realizar atividades por meio

de suas empresas, apenas incentiva a atuação de particulares, assim também se dá no

âmbito de atividades sociais, sem fins lucrativos, como a cultura, educação, saúde, onde o

Estado pode realizá-las como serviços próprios ou incentivá-las a serem prestadas por

particulares (leia-se: Terceiro Setor) como serviços impróprios.

Assim que quando realizada por particulares, esta relação vem sendo formalizada,

via de regra, através de convênios.

Outrossim, não se deve confundir convênio com delegação de serviço público, pois,

enquanto neste, o que ocorre é uma transferência de uma atividade de uma pessoa para

outra que não a possui, no convênio parte-se de princípio que ambos os envolvidos têm

competência institucional comum e irão trabalhar em regime de cooperação.

Legalmente, em que pese nossa ressalva já mencionada acima acerca da imprecisão

na utilização deste instrumento, o convênio celebrado entre entidades públicas e

particulares é considerado disciplinado pelo artigo 116 da Lei 8.666/93115.

Comentando o mesmo, destaca Di Pietro:

“A redação do dispositivo não é muito feliz, porque dá a impressão de que somente se aplica a ajustes que tenham por objeto a realização de projetos ou, por outras palavras, um resultado determinado (uma obra, um

conseqüentemente, no regime jurídico que acompanha a realidade que transmite esta atribuição estatal. Com efeito, enquanto o serviço público se concebe objetivamente como uma atividade prestacional intercorrente , donde surge a necessidade, continuidade etc., da prestação, o fomento aparece como uma ajuda, um estímulo, tendente a que os particulares possam realizar sua próprias finalidades comerciais ou industriais”. 114 Apud Parcerias na administração pública. p. 192. 115 “Art. 116 - Aplicam-se as disposições desta Lei, no que couber, aos convênios, acordos, ajustes e outros instrumentos congêneres celebrados por órgãos e entidades da Administração.

71

serviço, um parecer, um laudo etc.), com repasse de verbas de uma entidade para outra. Isto nem sempre ocorre, tendo em vista quem em determinadas hipóteses, o objetivo do convênio é o de estabelecer a mútua colaboração para a prestação de serviços contínuos a terceiros, em áreas como educação, ensino, cultura, por exemplo; além disso, nem sempre a mútua colaboração envolve repasse de verbas.”116

Assim sendo, por óbvio podem os convênios ter por objeto a prestação de serviços

contínuos, respeitadas as características típicas deste tipo de acordo. Nesse sentido, o artigo

116 da Lei 8.666/93, supra transcrito, será aplicado no que couber, devendo, suas

estipulações serem observadas sempre que houver repasse de recursos públicos.

E esse controle mais estrito se faz necessário nos convênios em virtude de não

haver nos mesmos a reciprocidade obrigacional típica dos contratos administrativos, sendo

a verba repassada de natureza pública e não preço ou honorários contratuais. Inclusive,

neste particular, nos termos do parágrafo único, do artigo 70 da Constituição, o executor do

convênio é considerado administrador de recursos públicos, estando sujeito aos controles

financeiro e orçamentário ali previstos.

Como se pode depreender do até aqui exposto, ressalvando uma vez mais nossa

crítica à imprecisão na sua utilização, resta claro que o convênio, como aplicado na prática,

é um instrumento muito mais adequado ao estabelecimento de relações entre o Estado e o

Terceiro Setor. Estando ambos comungando dos mesmos interesses, de caráter social e

coletivo, e sendo ambos competentes institucionalmente para a execução de tais interesses,

resulta, como natural, a realização de convênios.

Atualmente, a celebração, execução e prestação de contas de convênios, no âmbito

da Administração Pública, encontram-se reguladas pela Instrução Normativa nº 01, de

15/01/1997, da Secretaria do Tesouro Nacional.

116 Apud Direito Administrativo. p. 295.

72

Em que pese nosso entendimento pela incompetência de tal diploma legal -

instrução normativa - para a fixação de normas acerca deste tipo de matéria, que deveria

estar disciplinado por legislação ordinária, é o que temos hoje no Brasil. Assim,

organizações do Terceiro Setor interessadas em firmar convênios com entidades públicas

terão que observar referida Instrução Normativa.

Para além desta primeira colocação, como se verá, tal diploma legal não é muito

feliz em sua redação. Logo de início, em flagrante confusão de termos, apresenta uma

definição incompleta de convênio, na medida em que o restringe a programas de trabalho,

projetos, atividades ou eventos, em que hajam interesse recíproco da Administração

Pública e do ente particular117. Como já visto anteriormente, também podem ser objeto de

convênio e execução de serviços continuados, como saúde e educação, não abrangidos na

definição posta.

Em seguida, é apresentada uma série de definições, mais ou menos precisas, que,

no entanto, servem para balizar a aplicação e entendimento dos conceitos envolvidos na

celebração, execução e prestação de contas de convênios.

Dentre elas destacamos: i) convênio: instrumento qualquer que discipline a

transferência de recursos públicos e tenha como partícipe órgão da administração pública

federal direta, autárquica ou fundacional, empresa pública ou sociedade de economia mista

que estejam gerindo recursos dos orçamentos da União, visando à execução de programas

de trabalho, projeto/atividade ou evento de interesse recíproco, em regime de mútua

cooperação; ii) concedente: órgão da administração pública federal direta, autárquica ou

fundacional, empresa pública ou sociedade de economia mista, responsável pela 117 Afirma o caput do artigo 1º da IN 01/97 STN: “Art. 1º A execução descentralizada de Programa de Trabalho a cargo de órgãos e entidades da Administração Pública Federal, Direta e Indireta, que envolva a transferência de recursos financeiros oriundos de dotações consignadas nos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social, objetivando a realização de programas de trabalho, projeto, atividade, ou de eventos com duração certa, será efetivada mediante a celebração de convênios ou destinação por Portaria Ministerial, nos termos desta Instrução Normativa, observada a legislação pertinente.”

73

transferência dos recursos financeiros ou pela descentralização dos créditos orçamentários

destinados à execução do objeto do convênio; iii) convenente: órgão da administração

pública direta, autárquica ou fundacional, empresa pública ou sociedade de economia

mista, de qualquer esfera de governo, ou organização particular com a qual a administração

federal pactua a execução de programa, projeto/atividade ou evento mediante a celebração

de convênio; iv) contribuição: transferência corrente ou de capital concedida em virtude de

lei, destinada a pessoas de direito público ou privado sem finalidade lucrativa e sem

exigência de contraprestação direta em bens ou serviços; v) auxílio: transferência de capital

derivada da lei orçamentária que se destina a atender a ônus ou encargo assumido pela

União e somente será concedida a entidade sem finalidade lucrativa; vi) subvenção

social: transferência que independe de lei específica, a instituições públicas ou privadas

de caráter assistencial ou cultural, sem finalidade lucrativa, com o objetivo de cobrir

despesas de custeio.

Para a celebração do convênio, a entidade do Terceiro Setor interessada deverá

apresentar, ao órgão público responsável, um plano de trabalho que deverá conter, dentre

outras, as seguintes informações, fixadas no artigo 2º da IN 01/97 STN: (a) razões que

justifiquem a celebração do convênio; (b) descrição completa do objeto a ser executado;

(c) descrição das metas a serem atingidas, qualitativa e quantitativamente; (d) etapas ou

fases da execução do objeto, com previsão de início e fim; (e) plano de aplicação dos

recursos a serem desembolsados pelo concedente e a contrapartida financeira do

proponente, se for o caso, para cada projeto ou evento; (f) cronograma de desembolso.

Como se pode verificar da leitura dos incisos, todos os requisitos são razoáveis e

necessários para assegurar o bom emprego e administração dos recursos públicos,

envolvidos em convênios.

74

As normas subseqüentes, previstas pela Instrução Normativa em comento, tratam:

dos documentos, a serem apresentados pela entidade do Terceiro Setor para comprovar sua

regularidade (artigos 3º e 4º); da proibição de celebração de convênios com instituições

que estejam em mora, inadimplentes com outros convênios, estejam em situação irregular

para com a União, ou tenham finalidade lucrativa (artigo 5º); e da qualificação formal das

partes convenentes (artigo 6º).

Já os artigos 7º e 8º tratam, respectivamente, das cláusulas obrigatórias e proibidas

nos convênios, parcialmente transcritos, seguidos, nos casos pertinentes, de comentários

em notas:

“Art. 7º O convênio conterá, expressa e obrigatoriamente, cláusulas estabelecendo: I - o objeto e seus elementos característicos com a descrição detalhada, objetiva, clara e precisa do que se pretende realizar ou obter, em consonância com o Plano de Trabalho, que integrará o Convênio independentemente de transcrição; II - a obrigação de cada um dos partícipes, inclusive a contrapartida118; III - a vigência, que deverá ser fixada de acordo com o prazo previsto para a consecução do objeto e em função das metas estabelecidas119; IV - a obrigação do concedente de prorrogar “de ofício” a vigência do convênio, quando houver atraso na liberação dos recursos, limitada a prorrogação ao exato período do atraso verificado120; V - a prerrogativa da União, exercida pelo órgão ou entidade responsável pelo programa, de conservar a autoridade normativa e exercer controle e fiscalização sobre a execução, bem como de assumir ou transferir a responsabilidade pelo mesmo, no caso de paralisação ou de fato relevante que venha a ocorrer, de modo a evitar a descontinuidade do serviço121; (...) VIII - a obrigatoriedade de o convenente apresentar relatórios de execução físico-financeira e prestar contas dos recursos recebidos, no prazo máximo de sessenta dias, contados da data do término da vigência, observada a forma prevista nesta Instrução Normativa e salvaguardada a

118 Normalmente essa contrapartida diz respeito aos produtos finais, ou serviços prestados, que deverão ser oferecidos gratuitamente a quem deles necessitar. 119 Entendimento recente do Tribunal de Contas da União, originado da aplicação da Lei Complementar nº 101/2000, a chamada Lei de Responsabilidade Fiscal, sinaliza que os convênios somente poderão exceder a um exercício civil e fiscal, quando forem previamente previstos e autorizados no Plano Plurianual e na Lei de Diretrizes Orçamentárias. 120 Trata-se, na verdade, de cláusula que matiza a impossibilidade de aplicação da exceção de contrato não cumprido aos contratos administrativos (cláusula exorbitante). 121 Prerrogativa exorbitante, também aplicada a convênios, em nome do princípio maior da continuidade dos serviços públicos.

75

obrigação de prestação parcial de contas de que tratam os §§ 2o e 3o do art. 21122; (...) X - a faculdade aos partícipes para denunciá-lo ou rescindi-lo, a qualquer tempo, imputando-se-lhes as responsabilidades das obrigações decorrentes do prazo em que tenham vigido e creditando-se-lhes, igualmente os benefícios adquiridos no mesmo;123 XI - a obrigatoriedade de restituição de eventual saldo de recursos, inclusive os rendimentos da aplicação financeira, ao concedente ou ao Tesouro Nacional, conforme o caso, na data de sua conclusão ou extinção;124 (...) XVIII - o livre acesso de servidores do Sistema de Controle Interno ao qual esteja subordinado o concedente, a qualquer tempo e lugar, a todos os atos e fatos relacionados direta ou indiretamente com o instrumento pactuado, quando em missão de fiscalização ou auditoria;125 Art. 8º É vedada a inclusão, tolerância ou admissão, nos convênios, sob pena de nulidade do ato e responsabilidade do agente, de cláusulas ou condições que prevejam ou permitam: I - realização de despesas a título de taxa de administração, de gerência ou similar;126 II - pagamento, a qualquer título, a servidor ou empregado público, integrante de quadro de pessoal de órgão ou entidade pública da administração direta ou indireta, por serviços de consultoria ou assistência técnica.;127 (...) IX - realização de despesas com publicidade, salvo as de caráter educativo, informativo ou de orientação social, das quais não constem nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos.128

122 Aqui reside a maior das críticas incidentes aos convênios. Trata-se da previsão exclusiva de prestação de contas financeiras e não dos resultados obtidos. Assim sendo, ainda que os objetivos pretendidos não tenham sido alcançados, tendo havido aplicação regular dos recursos repassados, de acordo com o cronograma e plano de trabalho, o convênio será considerado regular, terá suas contas aprovadas e o convenente poderá voltar a firmar novos convênios. Consideramos isto uma falha do sistema fiscalizador e regulatório estatal que deveria, igualmente, se preocupar com o cumprimento dos objetivos, metas e prazos estipulados. 123 Como já mencionado, trata-se de outra cláusula convenial que afasta a incidência de prerrogativa exorbitante, incidente nos contratos administrativos e que prevê apenas à Administração a faculdade de rescindir unilateralmente os contratos. 124 Decorrência lógica do fato de que esses recursos são públicos e, portanto, não podem ser indevidamente apropriados por particulares. 125 Previsão interessante, pois faculta, desde o princípio, o livre acesso de membros dos órgãos internos de fiscalização da Administração. 126 Dado o caráter dos participantes de convênio, não há que se falar em remuneração de nenhum deles. Entretanto, tal previsão é duramente criticada por instituições do Terceiro Setor sob a alegação de que necessitam de verbas específicas e liberadas para fazer frente a seus custos administrativos internos. Em nosso entendimento, caso sejam esses necessários, deverão estar vinculados ao convênio de tal sorte que possam ser expressamente previstos no mesmo. 127 Até mesmo porque se tal houver se estará diante de ilícito administrativo, passível sanções que repercutem na esfera criminal, cível e administrativa. 128 Cláusula que tão somente tenta evitar prática, ainda corriqueira, de auto-promoção de políticos, através de suas instituições sociais de fachada, com propaganda ostensiva às custas de dinheiro público.

76

Definidas as cláusulas obrigatórias e proibidas, a Instrução Normativa nº 01/97

STN, no artigo 11, afirma ser obrigatório que, após a assinatura de qualquer convênio, o

órgão concedente dê ciência do mesmo à respectiva Câmara Municipal ou Assembléia

Legislativa.

Outra estipulação obrigatória, fixada no artigo 13, determina que todo Plano de

Trabalho de convênio seja previamente cadastrado no Sistema Integrado de Administração

Financeira do Governo Federal – SIAFI. Em se tratando de convênios estaduais e

municipais, os respectivos ordenamentos e regulamentos deverão prever, à símile, os

procedimentos necessários para a fiscalização e controle. Tal medida, que julgamos salutar,

objetiva garantir condições de que os órgãos de fiscalização e controle do governo possam

desempenhar suas funções sobre os recursos públicos, repassados através de convênios.

Em atendimento ao princípio administrativo da publicidade, o artigo 17, da

Instrução Normativa em comento, afirma que a eficácia dos convênios fica condicionada à

publicação do extrato dos mesmos em Diário Oficial, que deve ser procedida pela

Administração Pública.

A execução do objeto do convênio está prevista dos artigos 22 a 27. Para tanto o

convênio deverá ser executado fielmente pelas partes, de acordo com as cláusulas

pactuadas e a legislação pertinente, respondendo cada uma delas pelas conseqüências de

sua inexecução total ou parcial. Quanto à função gerencial fiscalizadora, nos termos dos

artigos 23 e 24, esta será exercida pelos órgãos ou entidades concedentes dos recursos,

dentro do prazo regulamentar de execução e prestação de contas do convênio, ficando

assegurado aos seus agentes qualificados o poder discricionário de reorientar ações e de

acatar ou não justificativas com relação às eventuais disfunções havidas na execução, sem

prejuízo da ação das unidades de controle interno e externo. A fim de facilitar o

desempenho de tais funções, o órgão público concedente poderá delegá-las, com reserva de

77

direitos, à dirigentes de outros órgãos públicos que estejam localizados mais próximos do

local de aplicação dos recursos.

Já os artigos 28 a 35 da IN 01/97 STN definem as normas atinentes à prestação de

contas. O órgão ou entidade que receber recursos, inclusive de origem externa, através de

convênio, fica sujeito a apresentar prestação de contas final do total dos recursos recebidos,

que será constituída de relatório de cumprimento do objeto, cabendo ao órgão público

concedente decidir sobre a regularidade, ou não, da aplicação dos recursos transferidos.

Constatada alguma irregularidade, nos termos do artigo 38, deverá ser instaurada Tomada

de Contas Especial, visando à apuração dos fatos, identificação dos responsáveis e

quantificação do dano. Nos termos do mesmo artigo, tais situações se dão quando: (a) não

for apresentada a prestação de contas no prazo de até 30 dias concedido em notificação

pelo concedente; (b) não for aprovada a prestação de contas, apesar de eventuais

justificativas apresentadas pelo convenente, em decorrência de não execução total do

objeto pactuado, atingimento parcial dos objetivos avençados, desvio de finalidade,

impugnação de despesas, não cumprimento dos recursos da contrapartida, ou não aplicação

de rendimentos de aplicações financeiras no objeto pactuado; (c) ocorrer qualquer outro

fato do qual resulte prejuízo ao erário.

Por outro lado, uma vez aprovada a prestação de contas final, o ordenador da

despesa do órgão público concedente deverá efetuar o devido registro da aprovação da

prestação de contas no respectivo cadastro de convênios, fazendo constar, do processo,

declaração expressa de que os recursos transferidos tiveram boa e regular aplicação.

Como já mencionado, na prestação de contas reside a principal crítica das entidades

do Terceiro Setor em relação aos convênios. Apesar de, nos termos do parágrafo primeiro,

78

do artigo 31129, a prestação de contas ser composta de duas partes, uma técnica e outra

financeira, a realidade nos aponta para outro cenário. Tendo por base nossa própria

experiência e vivência junto a essas instituições do Terceiro Setor, e já tendo sido

responsável pela verificação da regularidade jurídica de alguns convênios, podemos

afirmar que a quase totalidade dos órgãos públicos concedentes apenas se ocupam da

prestação de contas financeira.

Neste sentido, formulam exigências e mais exigências no tocante aos documentos

contábeis que dão lastro às operações realizadas no decorrer do convênio. Entretanto,

quanto aos resultados atingidos e aos prazos previamente estipulados, quase nenhum

controle ou fiscalização é exercido. Normalmente, apenas em situações onde o desvio de

finalidade ou atraso são grosseiros se dá algum tipo de controle. Tal prática acaba

prestando um desserviço, uma vez que, como já vimos por diversas vezes, algumas

entidades convenentes levam a termo práticas desviantes, como aquisição de notas fiscais

“frias” e apresentação de documentos adulterados, que não refletem a realidade. Como tais

documentos se revestem de regularidade formal contábil, terminam por serem aceitos pelos

órgãos de fiscalização e controle, sem que haja comprovação da realização efetiva das

operações que descrevem.

Esta situação, apesar de não acontecer em todos os casos, acaba por reforçar um

sentimento, relativamente comum atualmente, de que o Terceiro Setor seria o terreno da

“pilantropia”.

129 Art. 31 (...) § 1º A prestação de contas parcial ou final será analisada e avaliada na unidade técnica responsável pelo programa do órgão ou entidade concedente que emitirá parecer sob os seguintes aspectos: I - técnico - quanto à execução física e atingimento dos objetivos do convênio, podendo o setor competente valer-se de laudos de vistoria ou de informações obtidas junto a autoridades públicas do local de execução do convênio; II - financeiro - quanto à correta e regular aplicação dos recursos do convênio.

79

O que mais nos assusta é que a própria Instrução Normativa 01/97 STN já traz, em

suas determinações, os instrumentos para o combate a estas práticas desviantes,

principalmente com a Tomada de Contas Especial e as sanções que podem advir para a

entidade convenente, em sendo comprovada qualquer irregularidade. Não obstante a

existência de tais instrumentos, via de regra, os órgãos de fiscalização e controle do

concedente preferem fazer “vista grossa”, se preocupando apenas com a regularidade

cartorial da documentação contábil de suporte.

80

CAPÍTULO IV – NOVOS INSTRUMENTOS CONTRATUAIS: CONTRATO DE

GESTÃO E TERMO DE PARCERIA

4.1) Considerações iniciais

Vistos os instrumentos contratuais clássicos, os contratos administrativos e os

convênios, passaremos a analisar dois outros instrumentos contratuais, de criação mais

recente, e que foram especialmente formulados para a interlocução entre o Estado e certas

e determinadas entidades que compõe o Terceiro Setor.

Como bem destaca José dos Santos Carvalho Filho:

“O Estado, nos últimos tempos, tem demonstrado evidente preocupação em adaptar-se à modernidade, ao gerenciamento eficiente de atividades e ao fenômeno da globalização econômica, que arrasta atrás de si uma série interminável de conseqüências de ordem pública, social, econômica e administrativa. Na verdade, as antigas fórmulas vêm indicando que o Estado, com o perfil que vinha adotando, envelheceu. Para enfrentar as vicissitudes decorrentes da adequação aos novos modelos exigidos para a melhor execução de suas atividades, algumas providências têm sido adotadas e outros rumos foram tomados, todos alvitrando qualificar o Estado como organismo realmente qualificado para o atendimento das necessidades da coletividade.”130

O mesmo autor elenca o que considera os três aspectos principais que comprovam

esta adaptação do Estado.

Primeiramente, a desestatização e privatização, iniciado com o Programa Nacional

de Desestatização, instituído pela Lei 8.031/90, cujas ações e conseqüências são de

conhecimento de todos.

130 Apud Manual de direito administrativo. pp. 320-321.

81

Em seguida, a gestão associada, prevista pelo artigo 241 da Constituição Federal,

na redação dada pela Emenda Constitucional 19/98, que estabelece que os serviços

públicos possam ser executados com maior celeridade e eficiência, através de convênios de

cooperação e consórcios públicos, a serem firmados entre a União, os Estados, o Distrito

Federal e os Municípios, no fortalecimento do chamado federalismo de cooperação;

Por fim, os regimes de parceria, através dos quais a Administração Pública delega a

entidades do Terceiro Setor a execução de certos serviços públicos e que pode se dar

através do regime de convênios administrativos, já vistos no capítulo anterior, pelo regime

dos contratos de gestão, ou pelo regime de gestão por colaboração dos termos de parceria,

que serão estudados neste capítulo.

Por estarem, tanto contratos de gestão, como termos de parceria, vinculados a certas

e determinadas entidades do Terceiro Setor, respectivamente as organizações sociais e as

organizações da sociedade civil de interesse público, antes de abordá-los propriamente,

faremos algumas considerações à respeito destas instituições.

4.2) As Organizações Sociais e os Contratos de Gestão

Dada a necessidade de ampliação da descentralização da prestação de serviços

públicos, em 15/5/1998, o Governo Federal criou o Programa Nacional de Publicização,

com a promulgação da Lei 9.637, na verdade conversão em lei da Medida Provisória 1.591

de 9/10/1997. Nos termos do seu artigo 20, algumas atividades de caráter social,

desempenhadas por pessoas e órgãos administrativos de direito público, poderão ser

absorvidas por pessoas jurídicas de direito privado, qualificadas como organizações

82

sociais131. Tal absorção implica, por conseguinte, a extinção dos órgãos e pessoas de

direito público e a descentralização dos serviços para sua execução sob a modalidade de

parceria.

Nas palavras de José dos Santos Carvalho Filho:

“O que existe, na realidade, é o cumprimento de mais uma etapa do processo de desestatização, pelo qual o Estado se afasta do desempenho direto da atividade, ou, se se preferir, da prestação direta de alguns serviços públicos, mesmo não econômicos, delegando-a a pessoas de direito privado não integrantes da Administração Pública.”132

Essas pessoas de direito privado, como já dito, são as organizações sociais. Na

verdade não se trata de nova categoria de pessoas jurídicas, senão que apenas uma

qualificação especial, um título jurídico concedido as entidades que preencherem os

requisitos legais. Assim sendo, não compõem o quadro da Administração Pública,

figurando, entretanto, como parceiras do Poder Público, na execução de determinados

serviços de interesse público.

Neste sentido, afirma José Eduardo Sabo Paes:

“As organizações sociais objetivam ser um modelo de parceria entre o Estado e a sociedade, mas não constituem uma nova pessoa jurídica; inserem-se no âmbito das pessoas jurídicas já existentes sob a forma de fundações e associações civis, todas sem fins lucrativos. Portanto, elas estão fora da Administração Pública, pois são pessoas jurídicas de direito privado.”133

Dispõe o artigo 1º da Lei 9.637/98:

131 Como bem destaca Di Pietro, as organizações sociais vinham sendo anunciadas pelo Governo Federal desde que lançado o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, em 21/09/1995, que afirmava, in verbis: “O Projeto das Organizações Sociais tem como objetivo permitir a descentralização de atividades no setor de prestação de serviços não-exclusivos, nos quais o exercício do poder de Estado, a partir do pressuposto que esses serviços serão mais eficientemente realizados se, mantendo o financiamento do Estado, forem realizados pelo setor público não estatal. Entende-se por ‘organizações sociais’ as entidades de direito privado que, por iniciativa do Poder Executivo, obtêm autorização legislativa para celebrar contrato de gestão com esse poder, e assim ter direito a dotação orçamentária. (...) A transformação dos serviços não-exclusivos estatais em organizações sociais se dará de forma voluntária, a partir da iniciativa dos respectivos ministros, através de um Programa Nacional de Publicização.” In Parcerias na Administração Pública, pp. 212-213. 132 Obra citada, pp. 326-327. 133 Apud Fundações e entidades de interesse social. pp. 112-113.

83

“Art. 1° O Poder Executivo poderá qualificar como organizações sociais pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde, atendidos aos requisitos previstos nesta Lei.”

Dele podemos extrair as três principais características a serem observadas pelas

organizações sociais: i) serem pessoas jurídicas de direito privado; ii) não possuírem

finalidade lucrativa; iii) se dedicarem ao ensino134, à pesquisa científica, ao

desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura ou à

saúde.

A estas se somam outras expostas por Di Pietro135.

Assim que, nos termos do artigo 11 da Lei 9.637/98, são declaradas entidades de

interesse social e utilidade pública, sendo que suas atribuições, responsabilidades e

obrigações, em conjunto com o Poder Público, são definidas por meio de contrato de

gestão.

Para além disso, serão fomentadas pelo Poder Público através das seguintes

possíveis medidas: destinação de recursos orçamentários e bens necessários ao

cumprimento do contrato de gestão, mediante permissão de uso, com dispensa de licitação;

cessão especial de servidores públicos com ônus para a Administração Pública cedente;

dispensa de licitação nos contratos de prestação de serviços.

A habilitação como organização social está vinculada ao atendimento, pela entidade

interessada, dos requisitos fixados no artigo 2º, da lei em comento, estabelecendo que o seu

ato constitutivo disponha sobre: (a) natureza social de seus objetivos relativos à respectiva

área de atuação; (b) finalidade não-lucrativa, com a obrigatoriedade de investimento de

seus excedentes financeiros no desenvolvimento das próprias atividades; (c) previsão

134 Nos cumpre atentar para o fato de que não houve distinção, podendo, portanto, se referir a ensino fundamental, médio ou superior. 135 Apud Direito administrativo, p. 419.

84

expressa de a entidade ter, como órgãos de deliberação superior e de direção, um conselho

de administração e uma diretoria definidos nos termos do estatuto, asseguradas àquele

composição e atribuições normativas e de controle básicas previstas na Lei; (d) previsão de

participação, no órgão colegiado de deliberação superior, de representantes do Poder

Público e de membros da comunidade, de notória capacidade profissional e idoneidade

moral; (e) composição e atribuições da diretoria; (f) obrigatoriedade de publicação anual,

no Diário Oficial da União, dos relatórios financeiros e do relatório de execução do

contrato de gestão; (g) no caso de associação civil, a aceitação de novos associados, na

forma do estatuto; (h) proibição de distribuição de bens ou de parcela do patrimônio

líquido em qualquer hipótese, inclusive em razão de desligamento, retirada ou falecimento

de associado ou membro da entidade; (i) previsão de incorporação integral do patrimônio,

dos legados ou das doações que lhe foram destinados, bem como dos excedentes

financeiros decorrentes de suas atividades, em caso de extinção ou desqualificação, ao

patrimônio de outra organização social qualificada no âmbito da União, da mesma área de

atuação, ou ao patrimônio da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios,

na proporção dos recursos e bens por estes alocados.

Preenchidos esses requisitos deverá, então, haver aprovação, quanto à conveniência

e oportunidade de sua qualificação como organização social, do Ministro ou titular de

órgão supervisor ou regulador da área de atividade correspondente ao seu objeto social e

do Ministro de Estado da Administração Federal e Reforma do Estado.

Quanto ao Conselho de Administração, que deve estar previsto no estatuto, o

mesmo deve possuir composição onde haja representantes do Poder Público, de entidades

85

da sociedade civil, membros eleitos entre os associados e membros eleitos por sua notória

capacidade profissional, em percentuais fixados no artigo 3º da Lei 9.637/98136,137.

Como bem ressalta José dos Santos Carvalho Filho:

“A organização social, todavia, poderá sofrer desqualificação de seu título quando forem descumpridas as disposições fixadas no contrato de gestão. Nesse caso, será necessária a instauração de processo administrativo em que se assegure o contraditório e a ampla defesa. Definida a desqualificação, porém, os dirigentes são solidariamente responsáveis pelos danos causados ao Poder Público, impondo-se ainda a reversão dos bens usados sob permissão e a devolução dos recursos alocados à entidade, sem prejuízo de outras sanções cabíveis.”138

Tal medida nos parece ser bastante benéfica, pois, diferentemente do que ocorre

com os convênios, prevê sistema mais rígido de fiscalização e controle, podendo, inclusive,

136 Art. 3° O conselho de administração deve estar estruturado nos termos que dispuser o respectivo estatuto, observados, para os fins de atendimento dos requisitos de qualificação, os seguintes critérios básicos: I - ser composto por: a) 20 a 40% (vinte a quarenta por cento) de membros natos representantes do Poder Público, definidos pelo estatuto da entidade; b) 20 a 30% (vinte a trinta por cento) de membros natos representantes de entidades da sociedade civil, definidos pelo estatuto; c) até 10% (dez por cento), no caso de associação civil, de membros eleitos dentre os membros ou os associados; d) 10 a 30% (dez a trinta por cento) de membros eleitos pelos demais integrantes do conselho, dentre pessoas de notória capacidade profissional e reconhecida idoneidade moral; e) até 10% (dez por cento) de membros indicados ou eleitos na forma estabelecida pelo estatuto; II - os membros eleitos ou indicados para compor o conselho devem ter mandato de quatro anos, admitida uma recondução; III - os representantes de entidades previstos nas alíneas "a" e "b" do inciso I devem corresponder a mais de 50% (cinqüenta por cento) do conselho. 137 Em 13/11/1997, em artigo intitulado “Organizações sociais e o Governo”, publicado na Folha de São Paulo, o então Curador de Fundações de São Paulo, Dr. Carlos Francisco Bandeira Lins, teceu feroz crítica a esta estipulação, definindo as organizações sociais como “organização a serviço do governante”, nestes termos: “Com astúcia e engenho, prevê-se uma nova composição para os conselhos. As associações civis (a cujos membros a MP concede a graça de poder ocupar, no máximo, um décimo dos lugares no conselho da entidade que eles próprios criaram) e as fundações (em favor de cujos instituidores o governo admite o mesmo dízimo) deverão escancarar as portas a representantes de entidades da sociedade civil e do Poder Público. Seria chocar a população reclamar para agentes do governo a maioria das vagas. Modestamente, a MP diz contentar-se com 20% a 40%. Como, porém, os representantes da sociedade civil não podem ser mais de 30% do total, e outro dispositivo diz que estes mais aqueles devem ter a maioria dos assentos, nunca os do governo serão apenas os 20% ilusionisticamente apontados como patamar mínimo. Nem o mais crédulo ser duvidará que se encontrem no sei da sociedade civil entidades e pessoas permeáveis a pressões governamentais. E, esperta, dispõe a MP que de 10% a 30% das vagas serão ocupadas por membros eleitos pelos conselheiros das demais categorias, o que significa que o máximo esforço a ser feito pelo governo é dobrar um ou dois conselheiros a fim de eleger, para o preenchimento dessas vagas, pessoas de confiança. Eleitos, os governantes passam a ter maioria absoluta dentro da OS, que melhor se chamaria organização a serviço do governante. Mas vai além a armadilha em que se quer enredar as entidades privadas. Aquelas que pretendam se qualificar como OS terão primeiro que alterar seus estatutos, aninhando representantes do Poder Público e outras pessoas estranhas, sem que daí resulte direito líquido à qualificação, dependente de decisão discricionária do governo.” 138 Obra citada, p. 328.

86

haver responsabilização direta dos dirigentes de organizações sociais que, em assim sendo,

não terão como se furtar ás suas responsabilidades como gestores de recursos públicos.

Apesar desta característica salutar, e antes de entrarmos no estudo mais detalhado

do contrato de gestão propriamente dito, é interessante observar que uma boa quantidade

de administrativistas faz severas críticas a estas organizações sociais139. Por todos,

tomaremos as colocações de Di Pietro:

“Pela forma como a matéria está disciplinada na esfera federal, são inegáveis o conteúdo de imoralidade contido na lei, os riscos para o patrimônio público e para os direitos do cidadão. Em primeiro lugar, fica muito nítida a intenção do legislador de instituir um mecanismo de fugir ao regime jurídico de direito público a que se submete a Administração Pública. O fato de a organização social absorver atividade exercida por ente estatal e utilizar o patrimônio público e os servidores públicos antes a serviço desse mesmo ente, que resulta extinto, não deixa dúvidas de que, sob a roupagem de entidade privada, o real objetivo é o de mascarar uma situação que, sob todos os aspectos, estaria sujeito ao direito público. É a mesma atividade que vai ser exercida pelos mesmos servidores públicos com a utilização do mesmo patrimônio. (...) Trata-se de entidades constituída ad hoc, ou seja, com o objetivo único de se habilitarem como organizações sociais e continuarem a fazer o que faziam antes, porém com nova roupagem. São entidades fantasmas, porque não possuem patrimônio próprio, sede própria, vida própria. Elas viverão exclusivamente por conta do contrato de gestão com o Poder Público. (...) Por isso mesmo, para que a organização social se enquadrasse adequadamente nos princípios constitucionais que regem a gestão do patrimônio público e que existem exatamente para proteger esse patrimônio, seria necessário, no mínimo: a) exigência de licitação para escolha da entidade; b) comprovação de que a entidade já existe, tem sede própria, patrimônio próprio, capital, entre outros requisitos exigidos para que uma pessoa jurídica se constitua validamente; c) demonstração de qualificação técnica e idoneidade financeira para administrar o patrimônio público; d) submissão aos princípios da licitação; e) imposição de limitações salariais quando dependam de recursos orçamentários do Estado para pagar seus empregados; f) prestação de garantia tal como exigida nos contratos administrativos em geral, exigência essa mais aguda na organização social, pelo fato dela administrar patrimônio público. Há que se assinalar que os Estados e Municípios, se quiserem, podem adotar medida semelhante à prevista na esfera federal; alguns já o fizeram. Mas é importante que não incidam nos erros constantes da lei

139 A própria Lei 9.637/98 é objeto de duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade, de nos 1.923-6/98 e 1.943-1/99, cujos pedidos de liminares foram indeferidos, mas que pendem ainda quanto ao julgamento de mérito.

87

federal. Seria também importante que esta fosse alterada, para imprimir ao instituto um mínimo de moralidade que se espera na administração da res publica.”140

Concordamos, em parte, com essas críticas. Se, por um lado, resta clara a intenção

maliciosa do legislador, em burlar o regime jurídico público, por outro lado, nossa prática

cotidiana, junto a algumas organizações sociais, já nos provou que, com boa-fé, a aplicação

do instituto pode se dar com respeito à moralidade administrativa. Principalmente nas

esferas estaduais e municipais, já é possível constatar-se casos de sucesso, onde certo

serviço público, historicamente negligenciado pelo Poder Público, passa por significativa

revitalização, graças à atuação de organização social141.

Como qualquer instituto, pode ser apropriado regular ou irregularmente. Cumprirá

ao próprio Poder Público, instituidor das organizações sociais, exercer rígido controle e

fiscalização para que não sejam perpetrados qualquer espécie de desvio ou ilegalidade.

Quanto aos contratos de gestão, propriamente ditos, primeiramente é necessário que

se faça uma distinção entre os contratos que são firmados entre a Administração Pública

Direta e entidades da Administração Pública Indireta e os firmados entre aquela e as

organizações sociais, já apresentadas.

Com relação aos celebrados entre entes da Administração Pública, nos dá notícia Di

Pietro142 de que os primeiros foram celebrados com a Companhia Vale do Rio Doce, com a

Petrobras e com o Serviço Social Autônomo Associação das Pioneiras Sociais, todos

baseados no Decreto 137/91. O principal objetivo desses contratos seria sujeitar estas

entidades da Administração Indireta ao cumprimento de metas definidas e, em troca,

garantir-lhes maior autonomia, liberando-as de certas formas de controle.

140 Apud Parcerias na administração pública, pp. 215-216. 141 Apenas à título de exemplificação, a organização social municipal De Volta para Casa, que atua no município de Santo André (SP), é responsável por verdadeira revolução no serviço público de saúde mental, influenciando, inclusive, as políticas públicas desta área em municípios vizinhos. 142 In Direito Administrativo, p. 290.

88

Entretanto, uma vez que tais contratos somente foram disciplinados por decreto,

todos acabaram por ser impugnados pelo Tribunal de Contas da União, já que a

flexibilização dos controles, mencionada no parágrafo anterior, somente poderia se dar por

meio de norma constitucional ou legislação infraconstitucional. Neste sentido, entendeu o

TCU que o decreto não seria instrumento competente para isto143.

Essa situação somente foi alterada com a edição da Emenda Constitucional 19/98,

que introduziu o § 8º ao artigo 37 da Constituição, estabelecendo as regras para a

autonomia gerencial, orçamentária e financeira dos órgãos e entidades da Administração.

Como bem ressalta Di Pietro:

“Embora o dispositivo constitucional não mencione a expressão contrato de gestão, é a esse tipo de contrato que quis referir-se, com a peculiaridade de que o mesmo poderá ser celebrado não apenas com entidades da Administração Indireta, como também com órgãos (sem personalidade jurídica) da própria Administração Direta. Isto significa que poderá ocorrer que dois órgãos sem personalidade jurídica própria celebrem acordo de vontade. Em qualquer caso, o objetivo é definir metas de desempenho, ampliar a autonomia e permitir o controle de resultado em função das metas estabelecidas.”144

Nestes termos, reforça-se a idéia, já mencionada, de que o principal objetivo deste

tipo de contrato de gestão é a concessão de maior autonomia à entidade da Administração

Indireta, ou órgão da Administração Direta, de tal sorte que possam alcançar as metas

pactuadas, dentro do prazo do contrato. Assim sendo, deve o contrato de gestão prever a

existência de um controle de resultados que oriente a Administração Pública quanto à

conveniência, ou não, de se manter, rescindir ou alterar o mesmo.

143 Interessante comparar esta posição do TCU com a existente em matéria de convênios. Como já visto, anteriormente, neste trabalho, os convênios estão disciplinados no Brasil por meio da Instrução Normativa 01/97 da Secretaria do Tesouro Nacional. Ora, instrução normativa é hierarquicamente ainda mais inferior do que decreto. Entretanto, enquanto para os contratos de gestão, entendeu o TCU não ser o decreto instrumento competente, com relação aos convênios, até hoje, nada opôs ao fato de estarem regulados por simples instrução normativa. 144 Obra citada, p. 291.

89

Por isso mesmo podemos afirmar que, certa forma, o contrato de gestão, previsto no

§ 8º do artigo 37 da Constituição, teria como fim último a concretização do princípio

administrativo da eficiência.

Minimamente todos esses contratos de gestão devem conter a forma como será

exercida a autonomia; as metas a serem cumpridas e seus prazos; bem como a forma de

controle dos resultados.

Já, quanto aos contratos de gestão, firmados entre a Administração Pública e

organizações sociais, outro é o cenário. Assim como o modelo anterior, este também está

submetido ao regime de direito público, nos termos do artigo 7º da Lei 9.637/98, que

afirma que na elaboração de qualquer contrato de gestão deverão ser observados os

princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e economicidade.

Segundo Juarez Freitas:

“As organizações sociais submetem-se à necessidade de um contrato de gestão, a ser celebrado entre o Poder Público e a respectiva organização social, tendo em vista a execução das atividades mencionadas (art. 5º), sendo mister assinalar que tal contrato deve guardar obediência aos princípios juspublicistas, inclusive moralidade e impessoalidade (art. 7º)”145

E, de acordo com Sílvio Luís Ferreira da Rocha:

“A observância obrigatória desses princípios e dos princípios subjacentes da supremacia do interesse público sobre o provado e da indisponibilidade do interesse público tornam insustentável o argumento de que o contrato de gestão pode ser classificado como contrato da Administração, submetido ao regime jurídico privado, com ressalvas, e não como contrato administrativo.”146

Neste sentido, afirmando claramente a natureza pública do contrato de gestão,

temos a Lei do Estado da Bahia, Lei 7207/97 que é expressa em seu artigo 14 § 1º:

145 “As organizações sociais: sugestões para o aprimoramento do modelo federal”, in Boletim de Direito Administrativo (BDA), outubro de 1998, p. 618. 146 da ROCHA, Sílvio Luís Ferreira. Terceiro setor. Coleção Temas de Direito Administrativo nº 7. Malheiros Editores, 2003. p. 121.

90

“Art. 14. As relações entre a Administração Pública e as organizações sociais serão reguladas pelo ato de autorização e pelo contrato de gestão, que será instrumentalizado sempre por escrito e através do qual serão estabelecidas as respectivas atribuições, responsabilidades e obrigações a serem cumpridas. § 1º. Os contratos de gestão têm sempre natureza jurídica de direito público e serão firmados pelo Secretário de Estado da área correspondente às atividades e serviços transferidos e pelo representante legal da organização social, após aprovação pelo Conselho de Administração ou Curador da entidade.” (Grifos nossos)

Em que pese a ausência de previsão legal expressa, concluímos, juntamente com

Sílvio Luís Ferreira da Rocha147, que, como regra, o contrato de gestão deve ser precedido

de licitação. Tal se dá na medida em que o processo licitatório é o instrumento jurídico

adequado para garantir que o Estado realize o negócio mais vantajoso para si, ao mesmo

tempo, em que assegura aos administrados a possibilidade de disputar o direito de contratar

com o Poder Público. Esta regra somente deve ser afastada nos casos em que a própria Lei

8.666/93 estabelece dispensa ou inexigibilidade148.

Assim sendo, podemos afirmar que o contrato de gestão é um instrumento de

fomento das atividades, desenvolvidas por organizações sociais, relativas ao ensino, à

pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à preservação do meio ambiente, à

cultura e à saúde, uma vez que possibilita o recebimento, pelas mesmas, de recursos

orçamentários, bens e servidores públicos.

Nestes contratos de gestão teremos como partes sempre, de um lado, como

contratante, órgão da Administração Pública direta, e, como contratada, uma entidade

qualificada como organização social.

O conteúdo dos contratos de gestão está definido nos artigos 7º e 12 da Lei

9.637/98, que dispõem:

147 Obra citada, p. 122. 148 Como já visto anteriormente, inclusive, o inciso XXIV, do artigo 24, da Lei 8.666/93, estabelece a inexigibilidade de licitação quando da contratação de serviços prestados por organizações sociais.

91

“Art. 7° Na elaboração do contrato de gestão, devem ser observados os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, economicidade e, também, os seguintes preceitos: I - especificação do programa de trabalho proposto pela organização social, a estipulação das metas a serem atingidas e os respectivos prazos de execução, bem como previsão expressa dos critérios objetivos de avaliação de desempenho a serem utilizados, mediante indicadores de qualidade e produtividade;149 II - a estipulação dos limites e critérios para despesa com remuneração e vantagens de qualquer natureza a serem percebidas pelos dirigentes e empregados das organizações sociais, no exercício de suas funções.150 Art. 12. Às organizações sociais poderão ser destinados recursos orçamentários e bens públicos necessários ao cumprimento do contrato de gestão. (...) § 3° Os bens de que trata este artigo serão destinados às organizações sociais, dispensada licitação, mediante permissão de uso, consoante cláusula expressa do contrato de gestão.151”

Outra cláusula fundamental dos contratos de gestão é a que estabelece os

mecanismos de controle e fiscalização, como a apresentação de relatório detalhado das

atividades executadas.

Sílvio Luís Ferreira da Rocha152 indaga quanto à possibilidade de incidência das

chamadas cláusulas exorbitantes nos contratos de gestão e conclui afirmando que nada

impediria que a Administração, presente o interesse público, modifique-o e passe a exigir a

prestação de modo diverso ou, mesmo, conclua pela rescisão unilateral do contrato. E,

ocorrendo alteração, tal, que haja um sensível agravamento nas obrigações a serem

executadas pela organização social, apesar de não poder se falar explicitamente em

equilíbrio econômico-financeiro (uma vez que não se trata de relação lucrativa), nada

149 Significa dizer que não basta que uma entidade seja qualificada como organização social, mas, para a celebração do contrato de gestão é fundamental que a mesma tenha um plano de ação que detalhe os serviços que serão prestados, devendo ser observados os princípios administrativos atinentes a generalidade e universalidade desses serviços. Além disso, deve ser prevista a metodologia de avaliação de desempenho que será utilizada para verificar o cumprimento, ou não, satisfatório das metas propostas. 150 Tal referência é fundamental, pois se trata de recurso público. Em nosso entendimento, as organizações sociais, nesta questão, estariam submetidas aos limites fixados para o funcionalismo público. 151 Trata-se do conjunto de recursos, bens e/ou servidores que serão repassados à organização social para que cumpra as metas fixadas no Plano de Trabalho. Podemos dizer que é a contrapartida da Administração Pública direta contratante. 152 Obra citada, p. 125.

92

obstaria que essa organização social pleiteasse, junto a Administração Pública contratante,

um reequilíbrio que garantisse a manutenção das metas propostas.

Quanto à fixação de prazo, a Lei 9.637/98 é omissa, o que nos leva a afirmar que

deve ser aplicado o artigo 57 da Lei 8.666/93, de tal sorte que se o incentivo se der pela

forma de repasses de recursos orçamentários, a duração do contrato de gestão não poderá

exceder à vigência dos respectivos créditos orçamentários, exceto se o incentivo estiver

contemplado no Plano Plurianual, o que autoriza a prorrogação do contrato de gestão se

houver interesse da Administração contratante.

Igualmente quanto à forma do contrato de gestão, uma vez que a legislação federal

específica é omissa, devem ser aplicadas as regras fixadas pela Lei 8.666/93. Desta forma,

o contrato de gestão formaliza-se por termo em livro próprio, seqüenciado em ordem

cronológica, sendo, formalidade essencial, vinculadora da eficácia do mesmo, a publicação

do seu extrato em Diário Oficial.

A execução do contrato de gestão encontra-se disciplinada pelo artigo 8º da Lei

9.637/98 e, subsidiariamente, pelos artigos 66 a 76 da Lei 8.666/93. Regra geral é máxima

é a de que o ajuste deve ser cumprido pelas partes.

Para Sílvio Luís Ferreira da Rocha:

“A organização social desenvolverá as atividades de ensino, pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico, saúde, cultura, proteção e preservação do meio ambiente, de acordo com o programa de trabalho acertado entre ela e a Administração. A correta execução deste programa de trabalho pressupõe o alcance das metas detalhadas no contrato de gestão dentro dos prazos de execução propostos.”153

Quanto ao acompanhamento da execução do contrato de gestão, mais do que

direito, é dever da Administração Pública, que, nos termos do artigo 8º, § 1º, da Lei

9.637/98, ficará a cargo do órgão ou entidade contratante. Este, por sua vez, deverá nomear

153 Obra citada, p. 128.

93

uma Comissão de Avaliação, composta por técnicos capacitados e qualificados para emitir

manifestação conclusiva quanto ao cumprimento satisfatório das metas acordadas.

Francisco de Assis Alves assim se manifesta:

“A execução do contrato de gestão celebrado por organização social será fiscalizada pelo órgão ou entidade supervisora da área de atuação correspondente à atividade fomentada e fiscalizada pelos órgãos de controle do Tribunal de Contas. O Poder Público poderá requerer, ao término de cada exercício, ou a qualquer momento, conforme recomende o interesse público, a apresentação de relatório referente à execução do contrato de gestão, contendo comparativo específico das metas propostas com os resultados alcançados, acompanhado da prestação de contas correspondente ao exercício financeiro. O contrato de gestão deverá conter cláusula que possibilite ao Poder Público fazer tal requisição. Comissão de Avaliação, indicada pela autoridade supervisora, da área correspondente, periodicamente, apreciará os resultados alcançados pelo contrato de gestão. O relatório conclusivo da Comissão será encaminhado à autoridade supervisora, subscrito por especialistas de notória capacidade e adequada qualificação.”154

Esse direito de acompanhamento da execução não se restringe a mera fiscalização,

mas garante, ainda, o poder de orientar, intervir, interromper e aplicar penalidades quando

as atividades estiverem sendo executadas em desacordo com o contrato de gestão.

Nos termos do artigo 10 da Lei 9.637/98, constatada qualquer irregularidade, a

mesma deve, sob pena de responsabilização solidária do agente público omisso, ser

comunicada ao Tribunal de Contas da União, aos representantes do Ministério Público, da

Advocacia-Geral da União ou à Procuradoria da contratante para que sejam tomadas as

medidas cabíveis, incluídas nestas, a indisponibilidade dos bens da organização social e o

seqüestro dos bens de seus dirigentes.

No tocante a extinção dos contratos de gestão, assim como ocorre nos demais

contratos, pode se dar por modo normal ou por modo anormal.

154 ALVES, Francisco de Assis. Fundações, organizações sociais e agências executivas, organizações da sociedade civil de interesse público e outras modalidades de prestação de serviços públicos. LTr, 2000. p. 207.

94

Quanto àquele, a extinção se dá com o término do prazo de duração pactuado ou

quando haja integral atendimento do objetivo do contrato, nos casos em que se refira a

atividades não continuadas.

Já, a extinção de contrato de gestão por modo anormal pode ocorrer nas seguintes

hipóteses: i) resolução judicial; ii) resilição bilateral; iii) resilição unilateral; iv) anulação;

v) dissolução regular ou irregular da organização social.

A resolução é o meio posto à disposição das partes para romper o vínculo contratual

mediante a propositura da ação judicial fundada no inadimplemento de uma das partes. Se

for por iniciativa da organização social terá que ser judicial. Entretanto, se for por

iniciativa da Administração poderá ser judicial ou extrajudicial, uma vez que a mesma

detém a prerrogativa da rescisão unilateral.

Para Sílvio Luís Ferreira da Rocha:

“A organização social pode deixar de alcançar os resultados pactuados pelas partes por fato não imputável a ela, como o caso fortuito, a ocorrência de eventos a que se reporta a teoria da imprevisão e a onerosidade excessiva. Em todas estas hipóteses o fracasso no cumprimento das prestações não poderá ser imputado à organização social. Logo, ocorrerá a resolução do contrato, com o retorno das partes ao estado anterior à contratação, salvo se o contrato for de execução periódica, prolongada no tempo, quando, então, respeitar-se-ão os fatos pretéritos, entre eles as prestações e contraprestações realizadas. Desta forma, os recursos repassados e não utilizados no cumprimento das prestações deverão ser devolvidos, assim como os bens e servidores cedidos. A resolução, no entanto, pode ocorrer por descumprimento imputável à organização social, hipótese em que ela, na qualidade de devedora, terá agido com dolo ou culpa na violação das obrigações assumidas no contrato. Nesse caso, a principal conseqüência do inadimplemento imputável à organização social é a obrigação de indenizar os prejuízos causados à Administração.”155

Havendo justa causa, que no caso do contrato de gestão deve ser apontada no

relatório conclusivo da Comissão de Avaliação, a Administração, intentando rescindir

unilateralmente o contrato, deve dar ciência de tal fato à organização social, assinalando- 155 Obra citada, p. 140.

95

lhe prazo para que se defenda, inclusive com a produção de provas que possam desmentir o

relatório conclusivo. Apenas após a defesa, pode a Administração, motivadamente, tomar

sua decisão.

No caso específico dos contratos de gestão, seu inadimplemento, culposo ou

doloso, por parte da organização social, além de levar à rescisão contratual, terá, como

conseqüência a desqualificação da organização social e a responsabilização individual e

solidária de seus dirigentes, nos termos do artigo 16 da Lei 9.637/98.

A resilição bilateral se dá basicamente por acordo entre as partes contratantes, que

decidem distratar. Tal modalidade é admitida nos contratos de gestão.

Já quanto à resilição unilateral, a mesma pode ser utilizada, nos contratos de gestão,

pela Administração. Admite-se, assim, que a Administração possa revogar um contrato de

gestão por conveniência ou oportunidade.

Para Sílvio Luís Ferreira da Rocha:

“A revogação da Administração deve ser motivada, e esse motivo deve atender a um interesse público. A revogação, que respeitará os fatos e efeitos passados, criará para a Administração o dever de indenizar a organização social pelos prejuízos causados pela cessação do contrato. A indenização deve compreender apenas os danos emergentes, e não os lucros cessantes, porque a organização social não tem fins lucrativos e presta aqueles serviços normalmente sem o incentivo do Poder Público. O contrato de gestão apenas viabiliza a transferência de recursos para incentivar e fomentar a atuação da organização social, considerada de relevância pública. Mas não há a garantia de lucros, de modo que, como dito, a resilição unilateral do contrato de gestão pela revogação feita pela Administração não criará para esta a obrigação de indenizar a organização social pelos lucros cessantes; apenas a obrigará a indenizar os danos emergentes.”156

Para a anulação temos que o contrato de gestão, contaminado por vício que não

possa ser convalidado pela Administração, deve ser invalidado. Estando a organização

social de boa-fé e não tendo concorrido para a anulação do contrato, persistirão os efeitos

pretéritos. 156 Obra citada, p. 144.

96

Por fim, caso a organização social venha a ser dissolvida, regular ou

irregularmente, por óbvio estará extinto o contrato de gestão, dado que a parte contratada

não mais existirá.

Vistos, assim, os contornos que balizam as organizações sociais e seus respectivos

contratos de gestão, podemos concluir que estamos diante de modalidade contratual que se

coaduna mais com as particularidades próprias do Terceiro Setor.

Sem resvalar na questão posta em relação aos convênios, que diz respeito à

praticamente inexistente fiscalização e controle de resultados, em matéria de contratos de

gestão, o cenário é outro. A própria Lei 9.637/98, como já visto, prevê, em diversos

dispositivos, formas de controle e fiscalização sobre os resultados realmente logrados na

execução dos contratos de gestão.

Por outro lado, cuidamos que a Lei 9.637/98, ao limitar significativamente o escopo

das atividades atinentes às organizações sociais157, acaba por limitar o âmbito de atuação

dos contratos de gestão.

Como se verá no item subseqüente, cremos que tal limitação tenha sido afastada

com a edição da Lei 9.790/99, que criou as organizações da sociedade civil de interesse

público (OSCIP), bem como os termos de parceria.

4.3) As Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) e os Temos da

Parceria

Como bem assevera José Eduardo Sabo Paes:

“A Lei nº 9.790/99 estabeleceu, de forma pioneira, um novo disciplinamento jurídico às pessoas jurídicas de direito privado sem fins

157 Apenas lembrando, as organizações sociais somente podem atuar no ensino, na pesquisa científica, no desenvolvimento tecnológico, na proteção e preservação do meio ambiente, na cultura e na saúde, nos termos do artigo 1º da Lei 9.637/98.

97

lucrativos que compõem o denominado Terceiro Setor, ao conferir-lhes a possibilidade de serem qualificadas, pelo Poder Público, como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIPs e poderem com ele relacionar-se por meio de parceria. Na verdade, foi instituído um primeiro marco legal englobando todas as entidades que formam o Terceiro Setor e que apresentem em seus estatutos objetivos ou finalidades sociais voltadas para a execução de atividades de interesse público nos campos da assistência social, cultura, educação, saúde, voluntariado, desenvolvimento econômico e social, da ética, da paz, da cidadania e dos direitos humanos, da democracia e de outros valores fundamentais, além da defesa, preservação e conservação do meio ambiente. Essas entidades poderão relacionar-se com o Poder Público federal, estadual, do Distrito Federal ou dos municípios, visando à executar atividades de interesse público por meio de um vínculo de cooperação entre as partes, que a lei denominou de termo de parceria.”158

Necessário ressaltar, de antemão, que a Lei 9.790/99, em comento, se originou de

um projeto de lei, de autoria do Poder Executivo, que contou com ampla interlocução

prévia com a sociedade civil e atores do Terceiro Setor. Tal se deu através do Conselho

Comunidade Solidária, ligado à Presidência da República.159

Assim como fizemos com as Organizações Sociais, antes de avançarmos nas

considerações atinentes ao instrumento contratual termo de parceria, apresentaremos

breves comentários acerca das próprias Organizações da Sociedade Civil de Interesse

Público.

Nos dizeres de José dos Santos Carvalho Filho:

“O terceiro regime de parceria consiste na gestão por colaboração, que envolve a colaboração de entidades da iniciativa privada, usualmente representativas dos diversos segmentos da sociedade civil, que desenvolvem ações de utilidade pública. Reconhecendo que sua atividade se preordena ao interesse coletivo, o Governo delega a tais entidades

158 Obra citada, p. 127. 159 Para um maior detalhamento desta interlocução, remetemos à nota nº 5 desta dissertação. O próprio Eduardo Sabo Paes nos dá notícia de que “no âmbito do Congresso Nacional, o projeto mereceu pronta acolhida por parte dos senhores parlamentares, sendo sucessivamente aprimorado, tendo início na Câmara dos Deputados pela ação do Deputado Milton Mendes (PT/SC), primeiro relator designado, e posteriormente, pelo atuante Deputado Marcelo Déda (PT/SE), integrante da Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público e relator da matéria no plenário, cuja capacidade de negociação com a liderança do Governo, na pessoa do ilustre Deputado Ronaldo Cezar Coelho (PSDB/RJ), fez possível a concretização de audiência pública com parlamentares e instituições da sociedade civil que puderam trazer colaborações e sugestões na elaboração do texto final do projeto, posteriormente aprovado na íntegra no Senado Federal e, sem vetos, sancionado em 23.3.99.” (Obra citada, p. 128).

98

algumas tarefas que lhes são próprias, como forma de descentralização e maior otimização dos serviços prestados. O regime de gestão por colaboração foi instituído pela Lei nº 9.790, de 23/3/1999 (regulamentada pelo Decreto nº 3.100, de 30/6/1999), que concebeu as organizações da sociedade civil de interesse público, outra modalidade de qualificação jurídica a ser atribuída a algumas pessoas de direito privado em virtude de ações que podem desenvolver em regime de parceria com o Poder Público.”160

Nos termos do artigo 1º da Lei 9.790/99, podem se qualificar como OSCIPs as

pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, que atendam aos requisitos

fixados pela própria lei. Assim sendo, de acordo com o artigo 44 do Código Civil,

podemos concluir que são passíveis de pleitearem o certificado de OSCIP, desde que

preencham os requisitos legais, associações e fundações.

Já, em seu artigo 2º, a Lei 9.790/99 definiu, por critério negativo, as instituições

que não poderão ser qualificadas como OSCIP.

Nesse elenco, numerus clausus, foram elencadas as instituições privadas de caráter

comercial ou não assistencial e as entidades públicas ou entidades privadas criadas pelo

Poder Público, quais sejam: as sociedades comerciais; os sindicatos; as associações de

classe ou de representação de categoria profissional; as instituições religiosas ou voltadas

para a disseminação de credos, cultos, práticas e visões devocionais e confessionais; as

organizações partidárias e assemelhadas, inclusive suas fundações; as entidades de

benefício mútuo destinadas a proporcionar bens e serviços a um círculo restrito de

associados ou sócios; as entidades e empresas que comercializam planos de saúde e

assemelhados; as instituições hospitalares privadas não gratuitas e suas mantenedoras; as

escolas privadas dedicadas ao ensino formal não gratuito e suas mantenedoras; as

organizações sociais; as cooperativas; as fundações públicas; as fundações, sociedades

civis ou associações de direito privado criadas por órgão público ou por fundações

160 Manual de direito administrativo, p. 330.

99

públicas; as organizações creditícias que tenham quaisquer tipo de vinculação com o

sistema financeiro nacional a que se refere o art. 192 da Constituição Federal.

Pela leitura desta relação, resta clara a intenção do legislador em afastar a

possibilidade de certificação como OSCIP de qualquer tipo de instituição que seja de

alguma forma vinculada ao Estado, ou que não manifeste, genuína e claramente, seu

caráter subsidiário e desinteressado.

Tal conclusão resta ainda mais evidente pela leitura do artigo 3º, da lei em comento,

que fixa, como requisito básico finalístico, que qualquer instituição interessada em ser

certificada como OSCIP atenda ao princípio da universalização de seus serviços e atue em,

pelo menos, uma das seguintes áreas: i) promoção da assistência social; ii) promoção da

cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico; iii) promoção gratuita da

educação, observando-se a forma complementar de participação das organizações de que

trata esta Lei; iv) promoção gratuita da saúde, observando-se a forma complementar de

participação das organizações de que trata esta Lei; v) promoção da segurança alimentar e

nutricional; vi) defesa, preservação e conservação do meio ambiente e promoção do

desenvolvimento sustentável; vii) promoção do voluntariado; viii) promoção do

desenvolvimento econômico e social e combate à pobreza; ix) experimentação, não

lucrativa, de novos modelos sócio-produtivos e de sistemas alternativos de produção,

comércio, emprego e crédito; x) promoção de direitos estabelecidos, construção de novos

direitos e assessoria jurídica gratuita de interesse suplementar; xi) promoção da ética, da

paz, da cidadania, dos direitos humanos, da democracia e de outros valores universais; xii)

estudos e pesquisas, desenvolvimento de tecnologias alternativas, produção e divulgação

de informações e conhecimentos técnicos e científicos que digam respeito às atividades

mencionadas neste artigo.

100

Logo em seguida, o parágrafo único, deste artigo 3º, inaugura a noção de parceria e

cooperação ao afirmar que a dedicação às atividades nele previstas configura-se mediante a

execução direta de projetos, programas, planos de ações correlatas, por meio da doação de

recursos físicos, humanos e financeiros, ou ainda pela prestação de serviços intermediários

de apoio a outras organizações sem fins lucrativos e a órgãos do setor público que atuem

em áreas afins.

Assim sendo, de forma inédita no ordenamento jurídico brasileiro, se prevê,

expressamente, que determinadas instituições, no caso as OSCIPs, possam agir

coordenadamente, inclusive com a cessão e repasse de recursos físicos, humanos e

financeiros.

Como a qualificação de OSCIP, como visto, é dada pelo Ministério da Justiça à

pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos, constantes do artigo 44 do Código

Civil, imperioso que as mesmas sejam regidas por estatutos próprios. Além das

estipulações gerais próprias, previstas nos artigos 45 e 46 do Código Civil161, o artigo 4º da

Lei 9.790/99 elenca um rol específico de previsões estatutárias que devem ser observadas

pelas instituições interessadas em obterem a certificação como OSCIP.

Traçaremos breves observações sobre os mesmos:

A) Observância dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade,

publicidade, economicidade e da eficiência:

161 Art. 45. Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo. Parágrafo único. Decai em três anos o direito de anular a constituição das pessoas jurídicas de direito privado, por defeito do ato respectivo, contado o prazo da publicação de sua inscrição no registro. Art. 46. O registro declarará: I - a denominação, os fins, a sede, o tempo de duração e o fundo social, quando houver; II - o nome e a individualização dos fundadores ou instituidores, e dos diretores; III - o modo por que se administra e representa, ativa e passivamente, judicial e extrajudicialmente; IV - se o ato constitutivo é reformável no tocante à administração, e de que modo; V - se os membros respondem, ou não, subsidiariamente, pelas obrigações sociais; VI - as condições de extinção da pessoa jurídica e o destino do seu patrimônio, nesse caso.

101

Os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência

são os princípios constitucionais da Administração Pública, que encontram assento no

caput do artigo 37 da Constituição. Já o princípio da economicidade, igualmente, encontra

proteção constitucional, nos termos do caput do artigo 70, como um dos aspectos que

devem ser observados pelas entidades da administração direta e indireta em suas atuações.

Cremos que, por certo, entendeu o legislador que, dada a importância e atuação das

OSCIPs, as mesmas deveriam permanecer sujeitas a observância desses princípios

constitucionais, válidos não mais somente para a Administração Pública.

Quanto ao princípio da legalidade, nos afirma José Eduardo Sabo Paes:

“Nas OSCIP, e indubitavelmente em todas as entidades de interesse social, o princípio da legalidade deve ser observado. Os integrantes da entidades, associados ou membros, dirigentes ou Conselheiros em todas as suas atuações, quer no âmbito de uma Assembléia Geral, quer no seio de um Conselho Curador ou Fiscal, quer no exercício de uma Diretoria Administrativa tem como condicionante à sua liberdade ou vontade pessoal a obediência às normas estatutárias da entidade. Norma estatutária que é lei para a entidade. É certo também que o princípio para uma OSCIP ou para uma associação ou fundação é muito mais amplo do que a mera sujeição do administrador em sentido lato ao estatuto, pois está ele obrigado à lei e evidentemente ao Direito, ao ordenamento jurídico, e às normas e princípios constitucionais.”162

Quanto ao princípio da impessoalidade, nos afirma o mesmo autor:

“O princípio significa dizer que a OSCIP não pode atuar com vistas a prejudicar ou beneficiar pessoas determinadas, uma vez que é sempre o cumprimento de seus fins e o interesse público que devem nortear todas as suas atividades. Agora, por certo que esse atributo, o da impessoalidade da entidade de interesse social, pode significar que deve haver uma observância por parte dos beneficiários das atividades com igualdade de condições, como também que os atos e provimentos não são imputáveis tão somente ao empregado que pratica, mas ao órgão ou aos órgãos que manifestam a vontade do ente, p.ex., Conselho Curador, Conselho Fiscal, Diretoria Administrativa ou Assembléia Geral.”163

162 Obra citada, p. 137. 163 Obra citada, p. 138.

102

Ou, nos dizeres de Sílvio Luís Ferreira da Rocha, “não são tolerados nem

favorecimentos, nem perseguições”164.

No que diz respeito ao princípio da moralidade, Sabo Paes165 define que no âmbito

do direito privado, no seio das OSCIPs e, portanto, das entidades de interesse social, o

próprio da moralidade é condição sine qua non da validade dos atos de seus integrantes,

administradores e dirigentes. Estes todos devem obedecer à Lei e ao estatuto da entidade, e

também à ética, e ética no sentido de que o comportamento praticado deve ser um

comportamento justo e correto. Portanto, o princípio da moralidade deve significar o

respeito, pelo administrador e dirigente, no exercício de suas funções, aos princípios éticos

da razoabilidade, da justiça e da probidade. A moralidade exige a proporcionalidade entre

os meios e os fins a atingir.

No que concerne ao princípio da publicidade, clara resta sua necessária aplicação

no campo das entidades de interesse social. Existem certos atos, contratos, ajustes que,

para que possam produzir seus efeitos jurídicos, exigem publicação. Trata-se, na verdade,

de requisito de eficácia e não de validade.

Para o cumprimento do princípio da eficiência, afirma Sabo Paes que:

“Exige-se que toda a atividade administrativa da entidade seja executada com agilidade e rapidez, de modo a não deixar desatendidos e prejudicados os interesses coletivos e sociais a que se propôs. Primordial é que as técnicas e conhecimentos adequados que deverão proporcionar o melhor resultados possível sejam o característico da execução dos atos administrativos.”166

Por fim temos o princípio da economicidade que analisa os atos administrativos sob

a lógica econômica, procurando aferir se foi observada a relação custo-benefício, no

sentido de que os recursos públicos tenham sido aplicados da forma mais econômica,

164 Terceiro Setor, p. 64. 165 Obra citada, p. 139. 166 Obra citada, p. 140.

103

eficiente e vantajosa. E, uma vez que as OSCIPs são consideradas de interesse público,

recebendo recursos dos tesouros públicos, ou firmando parcerias, devem, em suas atuações

observar, igualmente, este princípio.

B) A adoção de práticas de gestão administrativa, necessárias e suficientes a

coibir a obtenção, de forma individual ou coletiva, de benefícios ou vantagens pessoais, em

decorrência da participação no respectivo processo decisório.

Trata-se, sem dúvida de outra previsão inovadora e salutar da Lei 9.790/99. Afirma-

se que os próprios estatutos das OSCIPs devem prever, no mínimo, cláusula com redação

igual a acima transcrita, podendo, entretanto, ampliar seu escopo, detalhando de que forma

concretizarão tais medidas e práticas.

Entretanto, não basta que seja mera previsão estatutária, mas sim que seja um

elemento balizador da atuação dos dirigentes e membros das OSCIPs que poderão,

inclusive, ser responsabilizados pessoalmente por suas atuações, caso firam esta previsão.

O Decreto 3.100/99, que regulamentou a lei em comento, foi além e, ao

regulamentar esta disposição, entendeu como benefícios ou vantagens pessoais aqueles

obtidos pelos dirigentes da entidade e seus cônjuges, companheiros e parentes colaterais ou

afins até o terceiro grau e aqueles obtidos pelas pessoas jurídicas das quais as pessoas

mencionadas anteriormente sejam controladoras ou detenham mais de dez por cento das

participações societárias.

Esperamos que com essa previsão, pelo menos as OSCIPs estejam mais infensas às

nefastas práticas de apadrinhamentos, nepotismos e outras que tais.

C) A constituição de conselho fiscal ou órgão equivalente, dotado de

competência para opinar sobre os relatórios de desempenho financeiro e contábil, e sobre

104

as operações patrimoniais realizadas, emitindo pareceres para os organismos superiores da

entidade:

A existência de um Conselho Fiscal na estrutura de qualquer pessoa jurídica sem

fins lucrativos é fundamental. Trata-se do órgão, colegiado, preferencialmente formado por

especialistas, que tem condições de realizar a fiscalização da gestão econômico-financeira

da entidade, não somente em matéria contábil, mas igualmente nas questões e operações

patrimoniais. Atuando de forma íntegra e neutra, funciona como uma das melhores formas

de controle interno da própria OSCIP.

D) A previsão de que, em caso de dissolução da entidade, o respectivo

patrimônio líquido será transferido a outra pessoa jurídica qualificada como OSCIP,

preferencialmente que tenha o mesmo objeto social da extinta:

Trata-se de disposição que intenta proteger a continuidade da atuação das OSCIPs.

Ora, em se tratando de uma entidade de interesse público e caráter social, não seria

razoável que, caso venha a ser extinta, seu patrimônio, certamente amealhado sob esta

premissa, possa ter outro destino que não a continuidade de sua fruição em outra entidade,

igualmente de interesse público e caráter social.

E) A previsão de que, na hipótese de a pessoa jurídica perder a qualificação

de OSCIP, o respectivo acervo patrimonial disponível, adquirido com recursos públicos

durante o período em que perdurou aquela qualificação, será transferido a outra pessoa

jurídica qualificada nos mesmos termos, preferencialmente que tenha o mesmo objeto

social:

Disposição que complementa a anterior, visa proteger o patrimônio público, na

medida em que tenha sido adquirido com recursos públicos.

105

F) A possibilidade de se instituir remuneração para os dirigentes da

entidade que atuem efetivamente na gestão executiva e para aqueles que a ela prestam

serviços específicos, respeitados, em ambos os casos, os valores praticados pelo mercado,

na região correspondente a sua área de atuação:

Como nos dá conta José Eduardo Sabo Paes:

“De forma inovadora, o referido diploma legal, no inciso VI do art. 4º, abriu a possibilidade expressa de se remunerar os dirigentes das entidades sem fins lucrativos, tanto aqueles que atuem efetivamente na gestão executiva (diretores-gerais, diretores executivos, administrativos, financeiros e outros), como também aqueles que prestem serviços específicos à entidade (profissionais liberais, consultores, empregados administrativos, prestadores de serviços, etc.).”167

Importante, ainda, destacar, que o dispositivo a ser inserido no estatuto da OSCIP

diz com a possibilidade, ou não, de instituição de remuneração. Tal não quer dizer que,

concretamente, será instituída a remuneração.

G) As normas de prestação de contas a serem observadas pela entidade, que

determinarão, no mínimo:

i) a observância dos princípios fundamentais de contabilidade e das Normas

Brasileiras de Contabilidade;168

ii) que se dê publicidade por qualquer meio eficaz, no encerramento do exercício

fiscal, ao relatório de atividades e das demonstrações financeiras da entidade, incluindo-se

167 Obra citada, p. 145. 168 De acordo com o artigo 3º da Resolução do Conselho Federal da Contabilidade nº 750/93, são princípios fundamentais da contabilidade: Entidade; Continuidade; Oportunidade; Registro pelo Valor Original; Atualização Monetária; Competência; e Prudência. Com relação as entidades sem fins lucrativos, as principais normas a serem observadas são a NBC T3 e NBC T10.

106

as certidões negativas de débitos junto ao INSS e ao FGTS, colocando-os à disposição para

exame de qualquer cidadão;169

iii) a realização de auditoria, inclusive por auditores externos independentes se for o

caso, da aplicação dos eventuais recursos objeto do termo de parceria conforme previsto

em regulamento;170

iv) a prestação de contas de todos os recursos e bens de origem pública recebidos

pelas Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público será feita conforme determina

o parágrafo único do art. 70 da Constituição Federal.171

Mais uma das novidades trazidas pela Lei 9.790/99, verifica-se que a OSCIP deve

prever expressamente em seu estatuto que obedecerá a este elenco de disposições atinentes

a seu controle contábil, fiscal e financeiro.

Cremos que se esteja diante de mais um mecanismo que procura evitar que as

OSCIPs se transformem nas chamadas instituições “pilantrópicas”.

Atendidos os requisitos estatutários, previstos no artigo 4º, e atuando a entidade

interessada em uma das áreas do artigo 3º, ambos da Lei 9.790/99, deverá a mesma

formular, através de seu representante legal, pedido formal de certificação ao Ministro da

Justiça. Este pedido deverá ser instruído com cópias autenticadas dos documentos

elencados no artigo 5º da mesma lei172.

169 Exige-se que se dê publicidade tanto ao relatório de atividades, quanto às demonstrações financeiras, aí incluídas o Balanço Fiscal, a Demonstração do Resultado do Exercício, a Demonstração das Origens e Aplicação de Recursos e a Demonstração das Mutações do Patrimônio Líquido. Entendemos que “publicidade por qualquer meio eficaz” abre a possibilidade de utilização de qualquer veículo de comunicação, desde que o objetivo final, que é tornar pública a contabilidade, seja alcançado. 170 Será visto pormenorizadamente quando tratarmos do termo de parceria propriamente dito. 171 Trata-se de previsão que, mesmo que não explicitada, seria obrigatória, pois, nos termos do artigo 70 da Constituição, todos os agentes, públicos ou não, que operarem, por qualquer forma, com bens ou recursos públicos, devem prestar contas dos mesmos. Sendo a OSCIP destinatária de recursos públicos, está obrigada à observância desta norma constitucional. 172 Art. 5° Cumpridos os requisitos dos arts. 3° e 4° desta Lei, a pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos, interessada em obter a qualificação instituída por esta Lei, deverá formular requerimento escrito ao Ministério da Justiça, instruído com cópias autenticadas dos seguintes documentos: I - estatuto registrado em cartório; II - ata de eleição de sua atual diretoria; III - balanço patrimonial e demonstração do resultado do exercício;

107

Preparado o pedido, nos termos da Portaria nº 361/98 do Ministério da Justiça, o

mesmo deverá ser encaminhado pelo correio ou apresentado ao protocolo geral do

Ministério, que terá prazo de 30 dias para analisar o requerimento, através da Divisão de

Outorga, Títulos e Qualificações, vinculada a Secretaria Nacional de Justiça.

Estando tudo de acordo, a solicitação deve ser deferida, sendo publicada no Diário

Oficial. Por se tratar de certificação sujeita apenas a juízo vinculado, não se lhe aplicando

avaliação subjetiva ou discricionária, o parágrafo 3º, do artigo 6º, da Lei 9.790/99, é claro

ao definir que o pedido de qualificação somente poderá ser indeferido quando: (a) a

requerente enquadrar-se nas hipóteses previstas no art. 2° desta Lei173; (b) a requerente não

atender aos requisitos descritos nos arts. 3° e 4° desta Lei174; ou (c) a documentação

apresentada estiver incompleta.

Analisando este dispositivo, Francisco de Assis Alves afirma que:

“A outorga da qualidade de OSCIP à entidade interessada é ato vinculado ao cumprimento dos pressupostos instituídos em lei. Isso significa que, preenchidos os requisitos legais exigidos pela entidade interessada em se qualificar como OSCIP, não resta outro comportamento ao agente do Ministério da Justiça senão deferir o pedido. Não há para o agente qualquer margem de liberdade. Isso garante à entidade candidata a obter o títutlo o direito subjetico de exigi-lo caso este lhe seja negado por motivos diversos daqueles mencionados na lei”175.

A nosso ver, tal procedimento, significativamente desburocratizado, principalmente

se considerado em relação a outros, como a titulação como utilidade pública, agrega ainda

mais vantagens e relevância à legislação em comento, pois, afirma, uma vez mais, seu

caráter ético e promotor da transparência na gestão do interesse público.176

IV - declaração de isenção do imposto de renda; V - inscrição no Cadastro Geral de Contribuintes. 173 Tratam-se das hipóteses já vistas, mais acima. 174 Tratam-se das áreas de atuação e dos requisitos estatutários já apresentados. 175 Fundações, Organizações Sociais e Agências Executivas, p. 279. 176 A bem da verdade, na atual gestão administrativa da Divisão responsável pela certificação como OSCIP, os requerimentos estão sendo apreciados em 15 dias, tornando ainda mais célere o procedimento.

108

Cumpre-nos, ainda, uma palavra acerca dos artigos 7º e 8º177. Em posicionamento

raro, no ordenamento jurídico nacional, a velação, fiscalização e controle das atividades

exercidas pelas OSCIPs foi expressamente atribuída, não somente às autoridades públicas

competentes, como o Ministério Público, mas ao próprio cidadão, que se torna parte

legítima na promoção da defesa dos interesses públicos e coletivos, quando deparado com

alguma irregularidade na gestão destas entidades.

Sem dúvida alguma, dispositivos que merecem o reconhecimento de todos e que

devem ser divulgados, a fim de que se concretizem na prática cidadã e cotidiana do Brasil.

Processualmente nos informa Sílvio Luís Ferreira da Rocha:

“O processo administrativo de desqualificação da OSCIP compõem-se das seguintes fases: a fase de iniciativa ou propulsória; a fase instrutória; a fase dispositiva; a fase controladora ou integrativa; e a fase de comunicação. A iniciativa dar-se-á de ofício, por determinação da autoridade competente, ou a pedido de pessoa definida como interessada. Assim, entidades e associações constituídas para a defesa de interesses pertinentes às áreas de atuação das OSCIPs podem solicitar a instauração de processo administrativo com o objetivo de desqualificar o ente que preste serviços à população de modo ineficiente. A seguir ocorre a fase instrutória. Nela a Administração colherá elementos de prova que sirvam de subsídio para a decisão que deva tomar.A possível desqualificação de uma OSCIP envolve assunto de interesse geral, e, desta forma, a Administração pode abrir período de consulta pública. Encerrada a fase instrutória, abre-se a oportunidade de defesa para a OSCIP. Segue-se, então, a fase dispositiva, que obriga a Administração a decidir no prazo máximo de 30 dias, de forma devidamente motivada.”178

Vistas, assim, considerações gerais acerca das OSCIPs, podemos passar ao estudo

mais detalhado do que compõe o objeto desta dissertação, que é o termo de parceria.

Nos dizeres de José dos Santos Carvalho Filho:

177 “Art. 7° Perde-se a qualificação de Organização da Sociedade Civil de Interesse Público, a pedido ou mediante decisão proferida em processo administrativo ou judicial, de iniciativa popular ou do Ministério Público, no qual serão assegurados, ampla defesa e o devido contraditório. Art. 8° Vedado o anonimato, e desde que amparado por fundadas evidências de erro ou fraude, qualquer cidadão, respeitadas as prerrogativas do Ministério Público, é parte legítima para requerer, judicial ou administrativamente, a perda da qualificação instituída por esta Lei.” 178 Obra citada, pp. 75-76.

109

“Havendo condições de cooperação com a Administração, a lei prevê a celebração de termo de parceria, no qual deverão estar formalizados, de modo detalhado, os direitos e as obrigações dos pactuantes.”179

Assim, o Termo de Parceria é uma metodologia nova de relacionamento entre o

poder público e a sociedade civil, um novo instrumento jurídico, criado pela Lei 9.790/99,

para a concretização de parcerias unicamente entre o Poder Público e as OSCIP’s,

objetivando o fomento e execução de projetos. Em outras palavras, o Termo de Parceria

consolida um acordo de colaboração entre as partes e constitui uma alternativa às demais

formas de contratação, existentes e já vistas, dispondo, como se verá, de procedimentos

mais simples do que aqueles utilizados para a celebração das demais formas.

Tal não é senão a dicção que se extrai, com a ressalva que se segue, do artigo 9º da

referida Lei:

“Art. 9º Fica instituído o Termo de Parceria, assim considerado o instrumento passível de ser firmado entre o Poder Público e as entidades qualificadas como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público destinado à formação de vínculo de cooperação entre as partes, para o fomento e a execução das atividades de interesse público previstas no artigo 3º desta Lei.”

A ressalva que se põe diz respeito a terminologia “cooperação”, ao nosso ver,

doutrinariamente criticável e tecnicamente incorreta.

Segundo Diogo de Figueiredo Moreira Neto180, a expressão cooperação, ou

administração cooperativa, é reservada a que se estabelece entre entes da própria

Administração Pública. Tal assertiva encontra lastro no artigo 241 da Constituição que

afirma que a União, Estados, Municípios e Distrito Federal disciplinarão os convênios de

cooperação entre os entes federados.

179 Manual de direito administrativo, p. 332. 180 Organizações sociais de colaboração, RDA nº 210/1997, pp. 183-193.

110

Para a relação estabelecida entre entes da Administração Pública e particulares,

qualquer que seja a denominação dada, sua natureza seria de colaboração, ou, nos termos

do mesmo mestre, acompanhado por José dos Santos Carvalho Filho181, administração

colaborativa.

Assim, o vínculo estabelecido com o Termo de Parceria é de natureza colaborativa

e não cooperativa, como posto no artigo supra transcrito.

Pelo que se pode observar, a intenção da criação do Termo de Parceria é claramente

identificada como uma partilha de responsabilidades entre o terceiro setor e o setor

público, resgatando a transparência nas relações entre os dois e, também, a adequação

instrumental que permita um relacionamento mais razoável, mais baseado em resultados,

embora não se olvide da forma, tão cara para o direito público.

Apesar da inexistência de doutrina mais acurada acerca da natureza jurídica do

Termo de Parceria, encontramos, basicamente, três correntes, a saber:

Primeiramente temos a Teoria Convenial. Para essa corrente, perfilhada por José

dos Santos Carvalho Filho182, o Termo de Parceria em tudo se aproxima de um convênio,

devendo ser enquadrado nesta categoria jurídica. Segundo seus defensores o ponto crucial

está na conjunção dos interesses público e privado, materializada na celebração do Termo

de Parceria. E, sendo essa comunhão de interesses típica dos convênios, os demais

caracteres do Termo de Parceria não seriam suficientes para sua desnaturação.

Uma segunda, seria a Teoria Contratualista. capitaneada por Alexandre de

Moraes183, para quem o Termo de Parceria seria um Contrato de Gestão com nova

nomenclatura. Assim, levando em conta sua estrutura formal, com a estipulação legal de

181 Obra citada, p. 330. 182 “Por sua natureza, esse negócio jurídico qualifica-se como verdadeiro convênio administrativo, já que as partes têm interesses comuns e visam à mutua cooperação, além do fato de que uma delas será o Poder Público, representados por algum de sues órgãos ou pessoas.” (Obra citada, p. 332.) 183 MORAES, Alexandre. Direito constitucional. 12ª ed. Atlas, 2002. p. 115.

111

cláusulas indispensáveis, dentre outros caracteres típicos dos contratos, seus defensores

militam pelo enquadramento do Termo de Parceria na seara dos contratos. Para esses, a

ausência formal de licitação é suprida pela existência do concurso de projetos, verdadeira

espécie licitatória, que será visto mais à frente, garantidor da transparência indispensável e

característica dos contratos administrativos.

Por fim, uma Teoria Mista, aparentemente majoritária, defendida, dentre outros, por

Diogo de Figueiredo Moreira Neto, para os quais o Termo de Parceria seria um híbrido

entre o contrato e o convênio, devendo adotar natureza jurídica própria, diferente dos

outros dois institutos. Em seus termos:

“Está-se, portanto, diante de um ato administrativo complexo, também chamado de ato união, em que há solidariedade de interesses e, por isso, conjugação de vontades e de meios e não de um contrato ou convênio, em que há confronto de interesses divergentes ou mera composição de interesses afins.”184

Na mesma linha já esposada acerca da natureza e aplicação do convênio, somos

pelo entendimento de que o Termo de Parceria seja uma espécie de contrato. Nossa

conclusão toma por base, uma vez mais o parágrafo único, do artigo 2º, da Lei 8666/93.

Assim sendo, independentemente da denominação criada, qualquer acordo de

vontades entre entidades da Administração Pública e particulares deve ser tratada como

contrato, como o que ocorre no caso das OSCIPs e termos de parceria.

Quanto à sua regulamentação, a Lei 9.790/99 trata do Termo de Parceria em todo

seu Capítulo II, nos artigos 9º ao 15, além da norma pontual no artigo 4º, inciso VII, alínea

‘c’. Já o Decreto 3.100/99 detalha todo o procedimento regulatório em seus artigos 8º ao

31, inclusive o concurso de projetos.

Sua definição legal é posta, como já visto no artigo 9º da Lei 9.790/99, sendo

reproduzida pelo caput do artigo 8º do Decreto 3.100/99. 184 MOREIRA Neto, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo, p. 133.

112

Cumpre-nos destacar os pontos essenciais da definição legal. Assim: o Termo de

Parceria é instrumento legal a ser celebrado exclusivamente entre o Poder Público,

incluídas aí as três esferas de Poder e os três níveis federativos, e as entidades qualificadas

como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, excluídas quaisquer outras

entidades do Terceiro Setor; o vínculo que se estabelece entre as partes signatárias é

colaborativo, o que significa dizer que trata-se de modalidade de delegação social, para

fins de cooperação, rectius, de colaboração - de atividades estatais que possam, sem

exclusão ou substituição da ação direta do Estado, ser desenvolvidas, mormente de forma

complementar e/ou suplementar, pelas OSCIP’s; o objetivo direto dos Termos de Parceria

é o fomento e a execução de atividades de interesse público, ou seja, deseja-se que as

OSCIP’s atuem de forma colaborativa na consecução de interesses sociais; não é qualquer

atividade de interesse público que pode ser objeto do Termo de Parceria, mas apenas

aquelas elencadas no artigo 3º da Lei 9.790/99, já analisadas, uma vez que apenas sob

aquelas atividades as OSCIP’s podem definir o seu objeto social.

O caput do artigo 10 da Lei 9.790/99185, adotado no parágrafo único do artigo 8º do

Decreto 3.100/99, afirma, de forma geral, que o Termo de Parceria, firmado de comum

acordo entre o Poder Público e as OSCIP’s, deverá obedecer modelo padrão próprio,

afastada qualquer outra forma que não a escrita, e conter os direitos, as responsabilidades,

as obrigações de ambas as partes, além das cláusulas essenciais estabelecidas no parágrafo

2º, do artigo 10, da Lei 9790/99.

A esta norma adita-se uma primeira responsabilidade do Estado, estabelecida no

artigo 9º do Decreto 3.100/99, que afirma ser do órgão estatal celebrante a obrigação da

prévia certificação do regular funcionamento da OSCIP. Assim, cumpre ao órgão

185 Art. 10. O Termo de Parceria firmado de comum acordo entre o Poder Público e as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público discriminará direitos, responsabilidades e obrigações das partes signatárias.

113

celebrante obter, junto ao Ministério da Justiça, responsável pela certificação das OSCIP’s,

as informações que atestem a regular constituição e funcionamento da organização.

Entretanto, esta não é a única obrigação preliminar do Estado. Afirma o parágrafo

1º, do artigo 10, da Lei 9790/99, que a celebração de qualquer Termo de Parceria será

precedida de consulta aos Conselhos de Políticas Públicas das áreas correspondentes de

atuação, existentes nos respectivos níveis de governo.

Ora, tal obrigação, apesar de ser inovadora, é mais do que justificável, uma vez que

se está falando de recursos públicos a serem destinados a entidades privadas para a

consecução de atividades de interesse público.

Logo, tal destinação não deve ficar ao livre-arbítrio do órgão estatal celebrante,

devendo sofrer um juízo prévio de necessidade e oportunidade a ser exercido pelos

mencionados Conselhos de Políticas Públicas, responsáveis, justamente, pelo

estabelecimento dos objetivos e das prioridades em matéria de políticas públicas.

Já o artigo 10 do Decreto 3100/99 explicita melhor esta obrigação, afirmando que

para efeitos da consulta mencionada, a manifestação do Conselho de Política Pública será

considerada para a tomada de decisão final em relação ao Termo de Parceria.

Entretanto, caso não exista Conselho de Política Pública da área de atuação

correspondente, o órgão estatal parceiro fica dispensado de realizar a consulta, não

podendo haver substituição por outro Conselho.

Assim, pode-se concluir, que a consulta tem caráter obrigatório, somente sendo

dispensada quando da não existência do Conselho de Políticas Públicas da área de atuação

correspondente.

Além disso, afirma-se que a manifestação do Conselho, emitida em prazo de trinta

dias, deverá ser considerada quando da decisão pela celebração do Termo de Parceria, mas

114

não se reveste de vinculação, podendo o órgão estatal celebrante decidir contrariamente ao

indicado pelo Conselho, desde que justificadamente.

Já o parágrafo 2º, do artigo 10, da Lei 9790/99, elenca, em seus incisos, as cláusulas

essenciais do Termo de Parceria, que devem obrigatoriamente explicitar: i) o objeto, com

especificação do programa de trabalho; ii) as metas e resultados previstos com prazos de

execução e cronograma de desembolso; iii) os critérios objetivos de avaliação de

desempenho com indicadores de resultado; iv) a previsão de receitas e despesas, detalhadas

por categorias contábeis, segundo as Normas Brasileiras de Contabilidade, inclusive as

remunerações e benefícios de pessoal (diretores, empregados, consultores) a serem pagos

com recursos do Termo de Parceria; v) o conjunto de obrigações da OSCIP, dentre as quais

a de apresentar ao Poder Público celebrante, ao término de cada exercício, relatório

detalhado sobre a execução do Termo de Parceria, com a análise das metas propostas e

resultados alcançados, bem como de prestação de contas dos gastos efetivamente

realizados; vi) a publicação pelo órgão estatal do extrato do Termo de Parceria na imprensa

oficial do Município, Estado ou União, conforme modelo citado no parágrafo 4º do art. 10

do Decreto 3.100/99, bem como a publicação, pela OSCIP, na imprensa oficial do

Município, Estado ou União de demonstrativo da sua execução física e financeira, até

sessenta dias após o término de cada exercício financeiro, conforme modelo citado no art.

18 do Decreto 3.100/99.

O programa de trabalho, mencionado no item (i), é o projeto detalhado que a

OSCIP se compromete a desenvolver, devendo conter o objeto da proposta, as metas a

serem alcançadas, os indicadores de avaliação de desempenho, o cronograma de execução

e de desembolso, previsão de receitas e despesas, além de outras informações pertinentes,

como justificativa, metodologia de trabalho etc.

115

O programa de trabalho é parte integrante do Termo de Parceria, devendo

necessariamente expressar os quesitos determinados pela Lei 9790/99.

Para executar o Termo de Parceria, o órgão estatal e a OSCIP precisam cumprir

todas as cláusulas estabelecidas.

A OSCIP deve implementar o programa de trabalho pactuado dentro dos prazos

estipulados e com a qualidade prevista. O órgão estatal, por sua vez, deve orientar,

supervisionar e cooperar na implementação das ações, liberar os recursos que constam do

cronograma de desembolso, além de exigir probidade e qualidade.

A liberação dos recursos financeiros é regulamentada pelos artigos 14 e 15 do

Decreto 3.100/99186. Assim, os valores são depositados em conta bancária específica, que a

OSCIP deve abrir no banco indicado pelo órgão estatal parceiro.

Além disso, deverá ser obedecido o cronograma de desembolso previsto no Termo

de Parceria, salvo quando houver autorização expressa para o desembolso em parcela

única.

Entretanto, como é mais comum, se estiver previsto que os recursos sejam liberados

em várias parcelas, a liberação de cada uma delas poderá ser condicionada à comprovação

do cumprimento das metas para o período imediatamente anterior à última liberação.

Conforme estabelece o artigo 13 do Decreto 3.100/99, o Termo de Parceria poderá

ser celebrado por período superior ao do exercício fiscal.

Assim, o Termo de Parceria se presta ao alcance de metas de mais longo prazo,

podendo, inclusive, ser estabelecido por períodos maiores do que o do mandato eletivo de

determinado governo.

186 Art. 14. A liberação de recursos financeiros necessários à execução do Termo de Parceria far-se-á em conta bancária específica, a ser aberta em banco a ser indicado pelo órgão estatal parceiro. Art. 15. A liberação de recursos para a implementação do Termo de Parceria obedecerá ao respectivo cronograma, salvo se autorizada sua liberação em parcela única.

116

Igualmente, como previsto, poderá ser prorrogado, preferencialmente por indicação

da Comissão de Avaliação, caso expire sua vigência sem a execução total do seu objeto, ou

no caso de a OSCIP dispor em seu poder de excedentes financeiros.

Nestes casos, a prorrogação dos Termos de Parceria poderá ser feita mediante

Registro por Simples Apostila, dispensando a celebração de Termo Aditivo, desde que não

haja alterações de valores financeiros, o que é gerencialmente muito mais simples.

Também pode ser utilizado o Registro por Simples Apostila quando se tratar da

indicação de nova dotação orçamentária para o exercício seguinte, nos casos em que o

Termo de Parceria ultrapasse o exercício fiscal.

Não prevista expressamente na Lei 9.790/99, foi normatizada pelo artigo 16 do

Decreto 3.100/99187, a possibilidade de vigência simultânea de um ou mais Termos de

Parceria, inclusive com o mesmo órgão estatal.

Para tanto deverá ser considerada a estrutura e capacidade operacional da OSCIP

celebrante de mais de um Termo de Parceria. Se por um lado tal previsão é salutar, pois

credencia as melhores instituições a obterem mais recursos, por outro lado, deve preocupar

os concorrentes a possibilidade de benefício indevido a uma entidade em prejuízo de

outras, de concorrência desleal e tráfico de influência em favor de uma organização.

Assim, importante realçar que o direito a ser atingido pela regra não pode entrar em

conflito com outros princípios da administração pública, como probidade e

impessoalidade.

Já o artigo 18 do Decreto 3.100/99 determina que a OSCIP deverá publicar o

extrato de execução física e financeira do Termo de Parceria, na imprensa oficial da área

de abrangência do Termo, no prazo máximo de sessenta dias após cada exercício

financeiro. 187 Art. 16. É possível a vigência simultânea de um ou mais Termos de Parceria, ainda que com o mesmo órgão estatal, de acordo com a capacidade operacional da Organização da Sociedade Civil de Interesse Público.

117

Ainda em se tratando de execução do Termo de Parceria, nos termos do artigo 14

da Lei 9.790/99188 e do artigo 21 do Decreto 3.100/99189, a OSCIP deverá publicar na

imprensa oficial do Município, Estado ou União, até trinta dias após a assinatura do Termo

de Parceria, regulamento próprio contendo os procedimentos que adotará para a compra de

bens e a contratação de obras e serviços, seguindo os princípios da legalidade,

impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

Trata-se de um regulamento interno próprio da OSCIP para disciplinar as

contratações e aquisições de bens feitas com recursos do Poder Público, devendo ser

enviada uma cópia desse regulamento para o órgão estatal parceiro.

Por fim, em se tratando de execução do Termo de Parceria, determina o artigo 15

da Lei 9.790/99190 que, caso sejam adquiridos bens imóveis com recursos provenientes da

celebração de Termo de Parceria, estes deverão ser gravados com cláusula de

inalienabilidade.

Tal não é senão uma proteção a mais aos recursos públicos empregados, pois se

foram convertidos em bens imóveis não poderão ser alienados a terceiros, o que, se

ocorresse, provavelmente, caracterizaria algum tipo de fraude ou malversação dos recursos

recebidos.

Interessante analisar o sistema de fiscalização e controle criado pela própria Lei

9.790/99.

188 Art. 14. A organização parceira fará publicar, no prazo máximo de trinta dias, contado da assinatura do Termo de Parceria, regulamento próprio contendo os procedimentos que adotará para a contratação de obras e serviços, bem como para compras com emprego de recursos provenientes do Poder Público, observados os princípios estabelecidos no inciso I do art. 4° desta Lei. 189 Art. 21. A Organização da Sociedade Civil de Interesse Público fará publicar na imprensa oficial da União, do Estado ou do Município, no prazo máximo de trinta dias, contado a partir da assinatura do Termo de Parceria, o regulamento próprio a que se refere o art. 14 da Lei n° 9.790, de 1999, remetendo cópia para conhecimento do órgão estatal parceiro. 190 Art. 15. Caso a organização adquira bem imóvel com recursos provenientes da celebração do Termo de Parceria, este será gravado com cláusula de inalienabilidade.

118

Dispõe o caput do artigo 11 que a execução do objeto do Termo de Parceria será

acompanhada e fiscalizada por órgão do Poder Público da área de atuação correspondente

à atividade fomentada, e pelos Conselhos de Políticas Públicas das áreas correspondentes

de atuação existentes, em cada nível de governo.

Assim, fica claro que o monitoramento e a fiscalização da execução do Termo de

Parceria é dever do órgão estatal parceiro, em conjugação com o Conselho de Política

Pública da área a que está afeto.

É importante, portanto, que o órgão estatal mantenha esse Conselho informado a

respeito de suas atividades de acompanhamento do Termo de Parceria.

O Conselho de Política Pública, por sua vez, deve encaminhar suas recomendações

e sugestões ao órgão estatal para que o mesmo adote as providências cabíveis, sendo

vedada a inclusão de modificações das obrigações firmadas no Termo de Parceria.

O Termo de Parceria também é fiscalizado, nos termos do artigo 12 da Lei

9.790/99, pelo sistema de controle interno da Administração Pública, formado por

auditorias internas, como a Secretaria Federal de Controle, e pelo controle externo, a cargo

dos Tribunais de Contas.

Os responsáveis pelo controle interno têm a obrigação de comunicar qualquer

irregularidade ao Ministério Público e ao Tribunal de Contas, sob pena de serem

considerados solidariamente responsáveis.

Neste sentido uma importante análise foi feita pelo Tribunal de Contas da União

sobre a Lei 9.790/99 e o Termo de Parceria, em sua Decisão nº 931/99. Além de legitimar

o novo instrumento de parceria, o TCU determinou, que a Secretaria do Tesouro Nacional

disponibilize no Sistema Integrado de Administração Financeira - SIAFI, as informações

sobre o Termo de Parceria.

119

Soma-se a isso a obrigação, fixada no artigo 22 do Decreto 3.100/99, de que seja

formalmente indicado pela OSCIP pelo menos um responsável pela execução do Termo de

Parceria, que terá seu nome inclusive publicado no extrato de execução física e financeira

do Termo.

E, uma vez detectada qualquer irregularidade ou ilegalidade, severas são as

punições legalmente previstas no artigo 13 da Lei 9.790/99:

“Art. 13. Sem prejuízo da medida a que se refere o art. 12 desta Lei, havendo indícios fundados de malversação de bens ou recursos de origem pública, os responsáveis pela fiscalização representarão ao Ministério Público, à Advocacia-Geral da União, para que requeiram ao juízo competente a decretação da indisponibilidade dos bens da entidade e o seqüestro dos bens dos seus dirigentes, bem como de agente público ou terceiro, que possam ter enriquecido ilicitamente ou causado dano ao patrimônio público, além de outras medidas consubstanciadas na Lei no 8.429, de 2 de junho de 1992, e na Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990. § 1º O pedido de seqüestro será processado de acordo com o disposto nos arts. 822 e 825 do Código de Processo Civil. § 2º Quando for o caso, o pedido incluirá a investigação, o exame e o bloqueio de bens, contas bancárias e aplicações mantidas pelo demandado no País e no exterior, nos termos da lei e dos tratados internacionais. § 3º Até o término da ação, o Poder Público permanecerá como depositário e gestor dos bens e valores seqüestrados ou indisponíveis e velará pela continuidade das atividades sociais da organização parceira.”

Havendo, pois, fundados indícios de malversação de bens ou recursos, os fiscais do

Termo de Parceria deverão imediatamente notificar o Ministério Público e a Advocacia

Geral da União, ou seu correspondente estadual e municipal. Esses, por sua vez, deverão,

confirmados os indícios, requerer ao juízo competente (que será a Justiça Federal de 1ª

instância, em caso de parceria com a União, ou uma das Varas de Fazenda Pública, em

caso de parceria com Estado ou Município) a decretação da indisponibilidade dos bens da

OSCIP, bem como o seqüestro dos bens de seus dirigentes.

Isso sem afastar a possibilidade do pedido de seqüestro de bens de agente público

ou terceiro que tenha enriquecido ilicitamente ou causado dano ao patrimônio público

120

através da malversação de recursos destinados ao Termo de Parceria. Nestes casos de

indisponibilidade e seqüestro de bens serão observadas as normas processuais civis

relativas á matéria, sendo que o Poder Público será o depositário e gestor dos bens até o

final da ação.

Além dessa medida de extrema gravidade, poderão ser aplicadas outras sanções

previstas na Lei 8429/92 e na Lei Complementar 64/90, ambas tratando de improbidade

administrativa e sanções a agentes públicos. Tais penalidades recaem mesmo sobre a

própria OSCIP, seus dirigentes e terceiros, pois, por força do artigo 1º, parágrafo único, e

dos artigos 2º e 3º da Lei 8429/92 são considerados atos de improbidade aqueles cometidos

contra entidades que recebam subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício e são

equiparados a agentes públicos todos aqueles que, mesmo não o sendo stricto sensu,

exercem função, cargo ou emprego nas entidades beneficiadas pelo Poder Público ou

induzam, concorram ou se beneficiem da prática de ato de improbidade.

Indo até onde quase nenhuma legislação alcançou, o parágrafo 2º, do artigo 13,

autoriza a investigação, o exame e o bloqueio de bens e recursos não só alocados no Brasil,

como depositados no exterior, desde que segundo as normas pertinentes e os tratados

internacionais.

Destarte, pode-se concluir que o sistema de fiscalização e punição montado com

relação ao Termo de Parceria é extremamente rigoroso, sem, entretanto, imobilizar a sua

execução.

À respeito deste sistema de fiscalização e controle, assim se manifesta José dos

Santos Carvalho Filho:

“Tais preceitos demonstram que o regime de parceria previsto na Lei nº 9.790/99 implica sérias responsabilidades às entidades qualificadas como organizações da sociedade civil de interesse público, e isso pela circunstância de que, mesmo tendo personalidade jurídica de direito privado e pertencendo ao segmento da sociedade civil, passam a executar serviços públicos em regime formalizado por instrumento próprio, o

121

termo de parceria, devendo, por conseguinte, respeitar as obrigações pactuadas e, o que é mais importante, direcionar-se primordialmente ao interesse público, visto que no exercício dessas atividades a organização desempenha função delegada do Poder Público.”191

A avaliação do Termo de Parceria é prevista nos parágrafos 1º e 2º, do artigo 11, da

Lei 9.790/99192, bem como no artigo 20 do Decreto 3.100/99193.

Assim, ao final do Termo de Parceria, uma Comissão de Avaliação, composta por

dois representantes do órgão estatal, um da OSCIP e um indicado pelo Conselho de

Política Pública da área do projeto, quando houver, analisará os resultados alcançados, com

base nos indicadores de desempenho do programa de trabalho estabelecido.

Essa Comissão de Avaliação, além de acompanhar o desempenho da execução, tem

por obrigação elaborar um relatório conclusivo sobre o cumprimento das metas e o alcance

dos resultados do Termo de Parceria e encaminhá-lo ao órgão estatal parceiro. Quando for

necessário, a Comissão de Avaliação indicará no relatório a conveniência ou não da

prorrogação do Termo de Parceria.

Além desta avaliação formal, todo e qualquer instrumento de avaliação social, que

seja legalmente previsto, pode ser usado para o monitoramento do Termo de Parceria, uma

vez que este tem por escopo o atendimento de interesses sociais.

Já a prestação de contas do Termo de Parceria pela OSCIP está prevista nos artigos

4º, inciso VII, alíneas ‘c’ e ‘d’ e 10, parágrafo 2º, inciso V, da Lei 9.790/99, bem como nos

artigos 11, 12 e 19 do Decreto 3.100/99.

191 Manual de direito administrativo, p. 333. 192 Art. 11 (...) § 1° Os resultados atingidos com a execução do Termo de Parceria devem ser analisados por comissão de avaliação, composta de comum acordo entre o órgão parceiro e a Organização da Sociedade Civil de Interesse Público. § 2° A comissão encaminhará à autoridade competente relatório conclusivo sobre a avaliação procedida. 193 Art. 20. A comissão de avaliação de que trata o art. 11, § 1°, da Lei n° 9.790, de 1999, deverá ser composta por dois membros do respectivo Poder Executivo, um da Organização da Sociedade Civil de Interesse Público e um membro indicado pelo Conselho de Política Pública da área de atuação correspondente, quando houver. Parágrafo único. Competirá à comissão de avaliação monitorar a execução do Termo de Parceria.

122

Esta prestação de contas é a comprovação, perante o órgão estatal parceiro, da

execução do programa de trabalho pactuado e da correta aplicação dos recursos públicos

recebidos. Tal prestação de contas somente será completa conjugada com prestação anual

de contas da própria OSCIP.

Assim o artigo 10, inciso V, Lei 9.790/99 determina às OSCIP’s a obrigatoriedade

de prestação de contas, ao término de cada exercício financeiro, diretamente ao órgão

estatal parceiro.

O artigo 11 do Decreto 3.100/99 elenca os documentos para a prestação de contas

da própria OSCIP: i) relatório anual de execução de atividades; ii) demonstração de

resultados do exercício; iii) balanço patrimonial; iv) demonstração das origens e aplicações

de recursos; v) demonstração das mutações do patrimônio social; vi) notas explicativas das

demonstrações contábeis, se necessárias; vii) parecer e relatório de auditoria, nos casos em

que o montante de recursos for igual ou superior a R$ 600.000,00.

Já a prestação de contas do Termo de Parceria deve ser instruída com os

documentos elencados no artigo 12 do Decreto 3.100/99: i) relatório sobre a execução do

objeto do Termo de Parceria, contendo comparativo entre as metas propostas e os

resultados alcançados; ii) demonstrativo integral das receitas e das despesas efetivamente

realizadas na execução; iii) parecer e relatório de auditoria, nos casos em que o montante

de recursos for maior ou igual a R$ 600.000,00; iv) extrato da execução física e financeira,

publicada na imprensa oficial da Município, Estado ou União, conforme modelo

estabelecido no art.18 do Decreto 3.100/99.

A exigência de realização de auditoria independente, por pessoa física ou jurídica

habilitada pelos Conselhos Regionais de Contabilidade, quando o montante dos recursos de

um ou mais Termos de Parceria for igual ou superior a R$ 600.000,00, está prevista no

artigo 19 do Decreto 3.100/99.

123

Entretanto, segundo o parágrafo 3º, do mesmo artigo, as despesas com tal auditoria

poderão ser incluídas no orçamento do projeto e financiadas pelo parceiro público por

meio do próprio Termo de Parceria.

É importante lembrar, como já mencionado, que a Lei é rigorosa no caso de uso

indevido de recursos públicos, estando as entidades e seus dirigentes sujeitos a punição

severa, inclusive com a indisponibilidade e seqüestro dos bens dos responsáveis.

O concurso de projetos não foi previsto pela Lei 9.790/99, tendo sido inteiramente

disciplinado pelo Decreto 3.100/99, em seus artigos 23 a 32.

Dispõe o artigo 23 do Decreto 3.100/99:

“Art. 23. A escolha da Organização da Sociedade Civil de Interesse Público, para a celebração do Termo de Parceria, poderá ser feita por meio de publicação de edital de concursos de projetos pelo órgão estatal parceiro para obtenção de bens e serviços e para a realização de atividades, eventos, consultorias, cooperação técnica e assessoria. Parágrafo único. Instaurado o processo de seleção por concurso, é vedado ao Poder Público celebrar Termo de Parceria para o mesmo objeto, fora do concurso iniciado.”

Assim, podemos concluir que o concurso de projetos é uma espécie licitatória,

garantindo uma seleção mais democrática, transparente e eficiente, na medida em que

estimula salutar competição entre OSCIP’s da mesma área para atuarem em atenção a

determinado interesse ou atividade de caráter público.

Tem como pressuposto a impessoalidade e a existência de metodologia de escolha

com critérios públicos previamente definidos.

Destarte, mesmo não estando expressamente definido, o paradigma legal desse

concurso certamente será a Lei 8.666/93, principalmente naquilo que a Lei 9.790/99 e o

Decreto 3.100/99 não forem claros o suficiente.

Outro ponto interessante no artigo 23 do Decreto 3.100/99 é a dicção quanto a

obrigatoriedade ou não da realização do concurso.

124

Apesar de não estar clara a opção legislativa, entendemos que sendo o concurso de

projetos modalidade licitatória, é de se afirmar pela aplicação do artigo 37, inciso XXI, da

Constituição, que estabelece a obrigatoriedade da licitação, salvo os casos expressos em

lei.

De qualquer forma, uma vez instaurado o concurso é vedado ao Poder Público

celebrar Termo de Parceria para o mesmo objeto fora do concurso.

Determina o artigo 24 do Decreto 3.100/99 que o órgão estatal parceiro deverá

preparar com clareza, objetividade e detalhamento a especificação técnica do bem, do

projeto, da obra ou do serviço a ser obtido ou realizado por meio do Termo de Parceria. Tal

preparação prévia torna-se fundamental na medida em que será com base nela que as

OSCIPs concorrentes poderão elaborar os seus projetos individuais.

Já o artigo 25 do Decreto 3.100/99 estabelece as informações mínimas a serem

expostas no edital do concurso, tais como: i) prazos, condições e forma de apresentação

das propostas; ii) especificações técnicas do objeto do Termo de Parceria; iii) critérios de

seleção e julgamento das propostas; iv) datas e locais para apresentação de propostas; v)

valor máximo a ser desembolsado.

Verifica-se, portanto, uma vez mais, que o concurso de projetos aproxima-se da

licitação, pois, ao comparar-se o dispositivo em análise com o artigo 40 da Lei 8666/93,

que trata dos editais licitatórios, é possível encontrar diversos incisos equivalentes.

O artigo 26 do Decreto 3.100/99 apresenta norma aparentemente desnecessária,

pois limita-se a afirmar que a OSCIP deverá apresentar o seu projeto técnico e o

detalhamento dos custos relativos à sua realização ao órgão estatal parceiro. Trata-se de

norma óbvia, já inserta na dicção do artigo 23 do Decreto 3.100/99.

A seleção e julgamento do concurso de projetos obedece as regras previstas nos

artigos 27 a 31 do Decreto 3.100/99.

125

O artigo 30 estabelece que a composição da comissão julgadora deve englobar

todos os segmentos envolvidos no concurso, buscando, com a presença de um

representante do Conselho de Políticas Públicas da área de competência e com um

especialista no assunto objeto do concurso, avaliar a eficiência e qualidade dos projetos

apresentados. Essa composição também procura afastar qualquer tipo de brecha para

favorecimentos ou adoção de critérios que não sejam estritamente técnicos.

Assim, cumprirá à comissão, que trabalhará gratuitamente, considerar única e

exclusivamente os critérios e pontuação estabelecidos no respectivo edital, mantido o sigilo

quanto à identificação das OCIPs proponentes, para classificar os projetos apresentados.

Tal restrição à atuação da comissão julgadora aos critérios previstos no respectivo

edital vem reforçada pelo artigo 29 do Decreto 3.100/99 que estabelece que não serão

aceitos como critérios de julgamento os aspectos jurídicos, administrativos, técnicos ou

operacionais não estipulados no edital do concurso.

Já, quanto aos critérios de seleção e julgamento legalmente admitidos, estão

previstos no artigo 27 do Decreto 3.100/99: i) o mérito intrínseco e adequação ao edital do

projeto apresentado; ii) a capacidade técnica e operacional da candidata; iii) a adequação

entre os meios sugeridos, seus custos, cronogramas e resultados; iv) o ajustamento da

proposta às especificações técnicas; v) a regularidade jurídica e institucional da

Organização da Sociedade Civil de Interesse Público; e vi) a análise dos documentos

exigidos.

Pela análise dos critérios elencados, claramente observa-se a predileção por aqueles

de ordem técnica, apesar da manutenção de alguns de ordem meritocrática.

Enquanto o mérito intrínseco se apresenta como critério de ordem subjetiva,

devendo, entretanto, ser amenizado pela composição técnica da comissão julgadora, a

adequação do projeto, apresentado ao edital do concurso, não apresenta maiores

126

dificuldades de análise, bastando uma comparação entre o que foi demandado no edital e o

que está sendo ofertado no projeto.

Maiores dificuldades podem repousar sobre o inciso II do referido artigo, uma vez

que não há qualquer previsão quanto aos critérios norteadores da avaliação da capacidade

técnica e operacional das OSCIPs.

Há, portanto, que se evitar que esse critério seja maximizado na avaliação, de forma

a não se privilegiar OSCIPs de maior porte em detrimento das de menor porte. Mesmo

porquê, em determinados casos, OSCIPs locais menores podem ser ideais para a execução

de projetos locais e de menor envergadura.

No que diz respeito à adequação dos meios sugeridos, seus custos, cronogramas e

resultados, se bem aplicado, poder-se-á estar colocando o país na vanguarda dos projetos

desenvolvidos por OSCIPs. Isto porque tal critério, estritamente técnico, se de início dará

trabalho para a elaboração dos projetos, com o tempo deverá ser capaz de criar uma cultura

de melhor qualidade na apresentação de projetos, habilitando nossas OSCIPs até mesmo a

pleitear recursos estrangeiros.

O ajustamento da proposta às especificações técnicas e a verificação da

regularidade jurídica e institucional das OSCIPs nada mais são do que critérios mínimos

para garantir a probidade e transparência do concurso e, por conseguinte, da aplicação dos

recursos públicos.

Por fim, o inciso VI do artigo em análise contém uma impropriedade. Ao fazer

menção ao artigo 12, parágrafo 2º, do Decreto 3.100/99, não atentou o redator da norma

para o fato de que o referido artigo 12 não tem um parágrafo segundo. Assim, o que se

pode depreender é que o objetivo do inciso VI do artigo 27 é fazer menção a necessidade

de prestação de contas do Termo de Parceria.

127

A fim de extirpar qualquer tentativa de burla ao espírito do concurso de projetos e a

sua natureza eminentemente técnica, o artigo 28 do Decreto 3.100/99 dispõe que são

inaceitáveis como critério de seleção, de desqualificação ou pontuação: i) o local do

domicílio da Organização da Sociedade Civil de Interesse Público ou a exigência de

experiência de trabalho da organização no local de domicílio do órgão parceiro estatal; ii) a

obrigatoriedade de consórcio ou associação com entidades sediadas na localidade onde

deverá ser celebrado o Termo de Parceria; ou iii) o volume de contrapartida ou qualquer

outro benefício oferecido pela Organização da Sociedade Civil de Interesse Público.

Assim, primeiramente não se pode descuidar nunca da observância dos princípios

gerais da administração pública, mormente os da legalidade, impessoalidade, moralidade,

publicidade e eficiência, todos elencados no caput do artigo 37 da Constituição.

E, com base neles, estão terminantemente vedados como critérios de seleção

aqueles que imponham discriminações relativas ao domicílio da OSCIP, bem como

estabeleçam de forma obrigatória o consórcio com entidades do local de execução do

Termo de Parceria ou fixem o montante de contrapartida ou benefícios oferecidos pela

OSCIP.

Na verdade o que se objetiva é garantir igualdade de condições para todas as

OSCIPs que queiram apresentar projetos, mesmo que sejam de outros locais do país.

Por fim, nos termos do artigo 31 do Decreto 3.100/99, lançado o edital, recebidos

os projetos, julgados e selecionados segundo os critérios apresentados, a comissão

julgadora apresentará, na presença dos concorrentes, os resultados de seu trabalho,

indicando os aprovados.

Fica vedado ao órgão estatal parceiro examinar recursos administrativos contra as

decisões da comissão julgadora, anular ou suspender administrativamente o resultado do

128

concurso, bem como celebrar outros Termos de Parceria, com mesmo objeto, antes da

finalização do concurso de projetos.

Anunciado publicamente o resultado do concurso, o órgão estatal parceiro o

homologará e, ato contínuo, deverá ser celebrado o Termo de Parceria pela ordem de

classificação dos aprovados.

Em resumo, afirmam Elisabete Ferrarezi e Valéria Rezende:

“Em outras palavras, o Termo de Parceria é um alternativa ao Convênio para a realização de projetos ou atividades de interesse comum entre as entidades qualificadas como OSCIP e a administração pública; porém, sem a necessidade do extenso rol de documentos exigidos na celebração de um convênio. O Termo de Parceria é um instrumento de gestão que envolve a negociação de objetivos, metas e produtos entre as partes. O monitoramento e a avaliação são feitos por uma Comissão de Avaliação, composta de comum acordo entre o órgão parceiro e a OSCIP, que verificará o desempenho global do projeto em relação aos benefícios direcionados para a população-alvo.”194

Ou seja, o Termo de Parceria foi criado no intento de ser um instrumento jurídico

mais adequado à dinâmica própria do Terceiro Setor.

194 Conselho Comunidade Solidária. OSCIP: a lei nº 9.790/99 como alternativa para o terceiro setor. 2ª ed. Cartilha. 2002, p. 59.

129

CONCLUSÃO

Sem qualquer pretensão de esgotar o tema, procuraremos, a seguir, expor algumas

breves conclusões, oriundas do trabalho empreendido.

1) A sociedade brasileira, e mais especificamente o Estado brasileiro, vivem um

momento de profunda mudança em sua configuração social. Em paralelo a outros diversos

fenômenos, observa-se a emergência do chamado Terceiro Setor. Este Terceiro Setor é

composto por atores de diversas naturezas, tanto pessoas físicas (voluntários,

empreendedores sociais), como pessoas jurídicas (associações, fundações, organizações

religiosas), estas últimas muito mais conhecidas por seus apelidos: filantrópicas, institutos

e principalmente organizações não-governamentais (ONG’s).

2) Questão da maior relevância, e que se coloca a priori, diz respeito à própria

definição dos contornos e conceitos desta nova categoria, Terceiro Setor, e dos elementos

(atores sociais) que a compõe. Como acentuado no texto os diversos atores sociais estão

sujeitos a fraudes vocabulares, em que palavras escorrem pelo ralo do redemoinho

semântico, em tempos onde qualquer coisa pode dizer qualquer coisa. E o tratamento desta

questão põe em cena outra: a relação dos atores sociais do Terceiro Setor com o interesse

público. E esta questão somente pode ser entendida se lançarmos atenção a nova

configuração do próprio Estado. O Leviatã hobbesiano não mais existe, pelo menos em sua

aparência original. Particularmente no Brasil, o Estado vive seu momento mais recente de

metamorfose dos primórdios da década de 90 para cá. Mais especialmente no que tange ao

Terceiro Setor, temos a redistribuição e redefinição das responsabilidades e deveres dos

atores estatais e não estatais. Emerge daí o que poderíamos chamar de um sentimento mais

amplo de cidadania global, ou cidadania planetária, onde muitos dos assuntos da ordem do

130

dia (ecologia, justiça, democracia) não ficam restritos localmente, sendo abordados

globalmente. Visto este contexto, podemos concluir que o Terceiro Setor pode ser

definido como o conjunto de atividades espontâneas, não governamentais e não

lucrativas, de interesse público, realizadas em benefício geral da sociedade e que se

desenvolvem independentemente dos demais setores (Estado e mercado), embora deles

possa, ou deva, receber colaboração.

3) Quando se trata do chamado Terceiro Setor, via de regra, a tendência natural é a

apresentação dos temas cheios de carga valorativa. Até mesmo por tratar de questões de

fundo social, que dizem respeito muitas vezes às condições de vida e sobrevivência de

seres humanos, os debates sobre o Terceiro Setor quase sempre são calcados em premissas

exclusivamente axiológicas e com ares imperativos, do tipo tal ou qual projeto tem que ser

ajudado pelo governo, porque, afinal de contas, nele são atendidas dezenas de crianças

carentes por dia. Como se o simples só fato do atendimento a crianças carentes se

revestisse de um valor absoluto. Sem querer desmerecer a importância e a existência deste

olhar mais valorativo, não se pode descuidar de uma análise mais atenta à base jurídica

principiológica que rege o Terceiro Setor. Assim, é possível afirmar que o Terceiro Setor

tem alicerces firmados nos princípios da subsidiariedade, solidariedade, participação

social, autonomia, consensualidade e eficiência/eficácia. Para além disso, constata-se que o

atual diploma constitucional brasileiro cuidou de positivar, ainda que timidamente, tal

principiologia, sendo, ainda mais completado por recentes leis que disciplinam o Terceiro

Setor.

4) Conforme visto, as instituições que compõem o Terceiro Setor têm, atualmente,

uma relação muito estreita com o Primeiro Setor, o Estado. Atuam, na maior parte do

tempo, como estruturas subsidiárias e complementares às atividades típicas estatais, no que

concerne aos denominados serviços sociais básicos, como saúde, educação, saneamento

131

etc. Por se tratarem de relações juridicamente relevantes, as mesmas necessitam ser

formalizadas. Tal formalização se materializa nas diversas modalidades contratuais que

podem ser estabelecidas entre as partes mencionadas: Estado e instituições componentes

do Terceiro Setor.

5) Classicamente, tal formalização se dava através da celebração de contratos

administrativos ou convênios. Os primeiros, extensamente regulados pela Lei 8.666/93.

Analisada essa regulamentação, podemos concluir que o mesmo não se apresenta como um

instrumento adequado ao tratamento jurídico de contratados que sejam do Terceiro Setor.

Salvo algumas poucas hipóteses de dispensa de licitação, as organizações do Terceiro

Setor estão subsumidas aos mesmos rígidos critérios contratuais aplicados aos empresários

comerciais. Já os convênios, basicamente regrados pela Instrução Normativa nº 01/97, da

Secretaria do Tesouro Nacional, são, apesar de nossas críticas quanto à imprecisão de sua

utilização, acordos firmados por entidades públicas de qualquer espécie, ou entre estas e

organizações particulares (associações civis e fundações de direito privado, por

realização dos objetivos do interesse comum dos partícipes). De seu estudo, podemos

concluir que, apesar do convênio ser um instrumento muito mais adequado à formalização

de relações contratuais entre o Estado e o Terceiro Setor, sua prática cotidiana se encontra

permeada por alguns desvios que devem ser duramente combatidos, para que o próprio

instrumento em si não caia em descrédito.

6) Mais recentemente, foram criados dois novos instrumentos contratuais,

juntamente com uma legislação que criou duas novas qualificações às entidades que

compõe o Terceiro Setor. São eles, o Contrato de Gestão, aplicado às Organizações

Sociais, criados pela Lei 9.637/98 e o Termo de Parceria, aplicado às Organizações da

Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), criados pela Lei 9.790/99. Com relação aos

primeiros, dada a necessidade de ampliação da descentralização da prestação de serviços

132

públicos, em 15/5/1998, o Governo Federal criou o Programa Nacional de Publicização,

com a promulgação da Lei 9.637, na verdade conversão em lei da Medida Provisória 1.591

de 9/10/1997. Nos termos do seu artigo 20, algumas atividades de caráter social,

desempenhadas por pessoas e órgãos administrativos de direito público, poderão ser

absorvidas por pessoas jurídicas de direito privado, qualificadas como organizações

sociais. Tal absorção implica, por conseguinte, a extinção dos órgãos e pessoas de direito

público e a descentralização dos serviços para sua execução sob a modalidade de parceria.

Podemos afirmar, então, que o contrato de gestão é um instrumento de fomento das

atividades, desenvolvidas por organizações sociais, uma vez que possibilita o recebimento,

pelas mesmas, de recursos orçamentários, bens e servidores públicos.

7) Já quanto às OSCIP’s, afirma-se, com o suporte doutrinário referido, que a Lei nº

9.790/99 estabeleceu, de forma pioneira, um novo disciplinamento jurídico às pessoas

jurídicas de direito privado sem fins lucrativos que compõem o denominado Terceiro

Setor, ao conferir-lhes a possibilidade de serem qualificadas, pelo Poder Público, como

Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIPs e poderem com ele

relacionar-se por meio de parceria. Na verdade, foi instituído um primeiro marco legal

englobando todas as entidades que formam o Terceiro Setor e que apresentem em seus

estatutos objetivos ou finalidades sociais voltadas para a execução de atividades de

interesse público nos campos da assistência social, cultura, educação, saúde,

voluntariado, desenvolvimento econômico e social, da ética, da paz, da cidadania e dos

direitos humanos, da democracia e de outros valores fundamentais, além da defesa,

preservação e conservação do meio ambiente. Essas entidades poderão relacionar-se com

o Poder Público federal, estadual, do Distrito Federal ou dos municípios, visando à

executar atividades de interesse público por meio de um vínculo de cooperação entre as

partes, que a lei denominou de termo de parceria. E, feito um estudo acerca dos Termos de

133

Parcerias, podemos aderir à doutrina segundo a qual o Termo de Parceria é um alternativa

ao Convênio para a realização de projetos ou atividades de interesse comum entre as

entidades qualificadas como OSCIP e a administração pública; porém, sem a necessidade

do extenso rol de documentos exigidos na celebração de um convênio. O Termo de

Parceria é um instrumento de gestão que envolve a negociação de objetivos, metas e

produtos entre as partes. O monitoramento e a avaliação são feitos por uma Comissão de

Avaliação, composta de comum acordo entre o órgão parceiro e a OSCIP, que verificará o

desempenho global do projeto em relação aos benefícios direcionados para a população-

alvo.

134

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DISSERTAÇÃO APRESENTADA AO MESTRADO EM DIREITO DA UNIVERSIDADE GAMA FILHO, NO RIO DE JANEIRO, E APROVADA PELA COMISSÃO EXAMINADORA FORMADA PELOS SEGUINTES PROFESSORES:

PROF. DR. FRANCISCO MAURO DIAS (ORIENTADOR) UNIVERSIDADE GAMA FILHO – UGF

PROF. DR. JOSÉ RIBAS VIEIRA UNIVERSIDADE GAMA FILHO – UGF

PROF. DR. DWIGHT CERQUEIRA RONZANI UNIVERSIDADE SALGADO DE OLIVEIRA – UNIVERSO

Rio de Janeiro, 14 de fevereiro de 2006.

Prof. Dr. JOSÉ RIBAS VIEIRA

Coordenador do Programa de Pós-graduação em Direito