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Hobbes e a teoria clássica do riso

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Quando Hobbes se pergunta, no capítulo 7 do The Elements of Law, e novamente no capítulo 6 do Leviathan, a respeito da natureza das emoções expressas pelo fenômeno do riso, ele passa a esboçar uma teoria do ridículo, que é muito parecida com as análises de Aristóteles na Retórica e na Poética. É com a tradição aristotélica de reflexão sobre o risível, e com a posição peculiar de Hobbes nessa tradição,que eu estarei envolvido no que segue. Assim como fazem os autores clássicos e do início do período moderno, que vou discutir, devo enfocar duas questões específicas: Que emoções expressa o fenômeno do riso? Como deve ser entendido e apreciado o fenômeno do riso?

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Page 1: Teoria clássica do riso

Hobbes e a teoria clássica do riso

Page 2: Teoria clássica do riso

UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOSPró-reitoria Comunitária e de Extensão

ReitorPe. Aloysio Bohnen, SJ

Vice-reitorPe. Marcelo Fernandes de Aquino, SJ

Pró-reitor Comunitário e de ExtensãoVicente de Paulo Oliveira Sant'anna

DiretorCarlos Alberto Gianotti

Conselho EditorialCarlos Alberto Gianotti

Fernando Jacques AlthoffPe. José No Follmann, SJ

Pe. Marcelo Fernandes de Aquino, SJNestor Torelly Martins

Hobbes e a teoria clássica do riso

Quentin Skinner

TraduçãoAlessandro Zir

EDITORA UNISINOS

Coleção Aldus7

Page 3: Teoria clássica do riso

© 2002 Quentin SkinnerHobbes e a teoria clássica do riso

Título original: Hobbes and the Classical Theory of Laughter2002 Direitos editoriais em lingua portuguesa, para o Brasil, fornecidos

pelo autor à Editora da Universidade do Vale do Rio dos SinosEDITORA UNISINOS

ISBN 85-7431-143-1

Coleção Aldus7

Sob a direção de Fernando Althoff e Nestor Torelly Martins

EditorCarlos Alberto Gianotti

PreparaçãoRui Bender

RevisãoRenato Deitos

EditoraçãoDécio Remigius Ely

CapaIsabel Carballo

ImpressãoGráfica da Unisinos, primavera de 2002

A reprodução, ainda que parcial, por qualquer meio, das páginas quecompõem este livro, para uso não-individual, mesmo para fins didáticos,

sem autorização escrita do editor, é ilícita e se constitui numacontrafação danosa à cultura.

Foi feito o depósito legal.

Editora da Universidade do Vale do Rio dos SinosEDITORA UNISINOSAv. Unisinos, 950

93022-000 São Leopoldo RS Brasil

Telef.: 51. 5908239Fax: 51. [email protected]

A COLEÇÃO ALDUS

A Coleção Aldus tem seu nome inspiradoem Aldus Pius Manutius (1450?-1515), im-pressor humanista italiano estabelecido emVeneza, que a partir de 1501 produziu a pri-meira coleção de livros de bolso. Numa épocaem que os livros eram caros e difíceis de ma-nusear, Aldus começou a editar livros comcerca de 11xl6cm. Para diminuir o volume e opreço de seus livros, Aldus encomendou aoourives Francesco Griffo o desenho de umtipo de letra que viria a ser conhecido comoitálico (grifo), que permitia um maior númerode caracteres por página.

0 formato "livro de bolso" criado há qui-nhentos anos por Aldus é hoje o preferidodos leitores em todo o mundo. A EDITORAUNISINOS, mediante esta coleção, em forma-to diferenciado e impressa em papel espe-cial, procura levar assuntos interessantesaos leitores por um preço acessível.

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6 COLEÇÃO ALDUS

APRESENTAÇÃO PELOS EDITORESSobre o autor

Quentin Skinner, inglês, nascido em 1940,formou-se na Universidade de Cambridge, ondeobteve sua graduação em História em 1962.Foi membro do Instituto para EstudosAvançados de Princeton na década de 1970,mas passou o restante de sua carreira emCambridge, onde foi professor de CiênciaPolítica de 1978 a 1996 e é atualmente oRegius Professor de História Moderna. 0professor Skinner tem recebido vários títuloshonoris causa e é membro de várias academias,incluindo a Academia Britânica, a AcademiaAmericana e a Academia Européia. Sua obratem sido traduzida para 19 idiomas, inclusive oportuguês, em que se encontram cinco de seuslivros. Dentre os seus vários trabalhosdestacam-se Machiavelli [1981), Reason andRhetoric in the Philosophy of Hobbes (1996),Liberty Before Liberalism [1998) e Visions ofPolitics (três volumes, 2002). 0 mais conhecidoé The Foundations of Modern Political Thought(dois volumes, 1978), que venceu o prêmioWolfson em 1979, o prêmio BenjaminLippincott da Associação Americana de CiênciaPolítica em 2001 e foi recentemente referidopelo Times Literary Supplement como um doscem livros mais influentes dos últimoscinqüenta anos.

Neste sétimo volume, a Coleção Aldustraz aos leitores o filósofo Quentin Skinnerfalando sobre o riso. Diz o próprio Skinner emsua apresentação que Hobbes e a teoria clás-sica do riso foi estruturado para uma pales-tra — A filosofia e o riso — feita por ele naSorbonne , em 12 de junho de 2001. Trechos daconferência foram publicados pelo Le Mondetrês dias depois e pela Folha de S. Paulo de 4

de agosto de 2002.

Motivados por essa leitura, procuramosQuentin Skinner — de quem é impossível nãodestacar a amabilidade e a generosidade —para que pudéssemos incluir o texto na Cole-ção Aldus. Professor Skinner não apenas revi-sou o texto ora publicado, mas tambémpreparou uma introdução para os leitores brasi-leiros. As referências encontradas no correrdas páginas são um convite para conhecermais sobre os autores e obras citados.

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B COLEÇÃO ALDUS

Skinner diz que o tema do riso é essen-cialmente humanista. Ao longo deste livro eleprepara um inventário, procede a classifica-ções e desenha o riso no quadro das ques-tões humanas. Oscar Wilde dizia que, se ohomem das cavernas tivesse aprendido a rir,a história teria sido diferente.

Boa leitura!Setembro de 2002.

APRESENTAÇÃO

A primeira vez que me interessei pelasidéias de Thomas Hobbes sobre o riso foiquando escrevia meu livro Reason and Rheto-ric in the Philosophy of Hobbes (Razão e Retó-rica na Filosofia de Hobbes). Meu principal ob-jetivo naquele trabalho era mostrar as cone-xões entre as concepções filosóficas de Hob-bes e a cultura humanista da Renascença.Um dos aspectos da teoria do discurso per-suasivo, herdada da cultura retórica da anti-ga Roma pela Renascença, era a crença deque o riso pode ser usado como uma arma po-tente em debates legais e políticos. Se, comoparticularmente argumentava Quintiliano noseu Institutio Oratoria, podemos ser bem-su-cedidos ao fazer com que nossos adversáriosdialéticos pareçam ridículos, provocando oriso contra eles, então podemos esperar ar-ruinar sua causa e persuadir nossa audiência

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10 COLEÇÃO ALDUS HOBBES E A TEORIA CLÁSSICA DO RISO 11

a tomar partido por nosso lado. Hobbes põeessa teoria para funcionar de forma devasta-dora nos últimos capítulos do Leviathan, nosquais ele monta uma sátira selvagem dos es-tudos escolásticos e da teologia da Igreja Ca-tólica, transmitindo seu escárnio e desprezopor meio de uma série de piadas, sarcasmose outras formas de ridículo.

Comecei a perceber que Hobbes estavacompletamente versado na literatura clássi-ca, em que ele encontrava – como, por exem-plo, em Quintiliano – uma explicação sobrecomo podemos aprender a falar e escrevernum tom zombeteiro, e isto me levou a consi-derar a teoria subjacente que Hobbes tinha arespeito das relações entre o riso e o despre-zo. 0 resultado foi este trabalho, no qualprocuro traçar as raízes da crença de que aemoção expressa pelo riso é sempre umamistura de alegria e escárnio, para mostrarcomo essa teoria ganhou proeminência noprimeiro período da filosofia moderna e final-mente explicar por que eventualmente surgiuuma tentativa de desafiá-Ia e desacreditá-Ia.

Minha primeira tentativa de desenvolveresse argumento tomou a forma de uma con-ferência intitulada Why Laughing Mattered in

the Renaissance (Por que Rir Importava naRenascença). Ela foi originalmente apresen-tada na Universidade de Harvard, depois naUniversidade de Columbia e, numa versãobastante revisada, foi proferida como umadas Henry Tudor Memorial Lectures na Uni-versidade de Durhan em 2000, e nessa formapublicada na revista History of Political

Thought1 Solicitado em particular por KinchHoekstra e Susan James, reescrevi então eampliei meu original. Apresentei a nova ver-são (em francês) como uma das Marc BlochLectures na Ecole des Hautes Etudes deParis em 2001, e ela foi publicada no Le Monde.Como resultado, inúmeras pessoas envia-ram-me comentários críticos, sugestõespara novas conferências e explicações adicio-nais a meu argumento. Dessa forma encora-jado, retornei ao texto uma vez mais e o rees-crevi de uma maneira nova, ampliada e dife-rente. Esta é a versão que aqui é publicadapela primeira vez.

1 Quentin Skinner, "Why Laughing Mattered in the Re-naissance", History of Political Thought 22 (2001), pp.418-47.

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1 2 COLEÇÃO ALDUS

Por fornecerem prestimosos comentá-rios às versões anteriores do meu texto, souparticularmente grato a Vic Gatrell, AngusGowland, Philip Pettit e Christopher Ricks.Meu maior débito é para com Kinch Hoekstrae Susan James, que leram as sucessivas ver-sões do meu trabalho com um cuidado minu-cioso e também me ofereceram importantesreferências adicionais.

0 contato para a publicação do meuensaio em português foi feito por Thaís Jardim,e devo a ela muitos agradecimentos por de-monstrar tão generoso interesse. Tambémquero oferecer meus agradecimentos a Ales-sandro Zir por traduzir meu ensaio, à EditoraUnisinos por aceitar a idéia da tradução, es-pecialmente a seu diretor, professor CarlosAlberto Gianotti, e aos responsáveis pela sé-rie em que meu ensaio aparece, professoresFernando Althoff e Nestor Torelly Martins.

Certo dia, Thomas Hobbes (1588-1679)disse a seu amigo e biógrafo John Aubreyque, embora "Aristóteles tenha sido o piorprofessor que já existiu, o pior político e opior estudioso de ética", seria preciso admi-tir que "sua retórica e seus estudos dos ani-mais eram esplêndidos".

2Sem sombra de

dúvida, a Retórica de Aristóteles (384 a.C.–322 a.C.) foi uma obra com a qual Hobbes fi-cou profundamente impressionado. Um indí-cio desse impacto no seu pensamento temsido freqüentemente notado. Quando Hob-bes, pela primeira vez, volta-se para o examedo caráter das "emoções", nos capítulos 8 e9 do The Elements of Law (Os Elementos da

2 Aubrey 1898, vol. 1, p. 357.

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Lei), de 1640, ele estabelece várias de suasdefinições mediante quase que verdadeirascitações do livro 2 do texto de Aristóteles. 3

Mas uma outra influência semelhante da Re-tórica tem sido bem menos discutida. QuandoHobbes se pergunta, no capítulo 7 do The Ele-ments of Law, e novamente no capítulo 6 doLeviathan, a respeito da natureza das emo-ções expressas pelo fenômeno do riso, elepassa a esboçar uma teoria do ridículo, que émuito parecida com as análises de Aristóte-les na Retórica e na Poética. É com a tradiçãoaristotélica de reflexão sobre o risível, e coma posição peculiar de Hobbes nessa tradição,que eu estarei envolvido no que segue. Assimcomo fazem os autores clássicos e do iníciodo período moderno, que vou discutir, devoenfocar duas questões específicas: Que emo-ções expressa o fenômeno do riso? Comodeve ser entendido e apreciado o fenômenodo riso?

I I

A observação mais freqüentemente ci-tada de Aristóteles sobre o riso vem de umtexto conhecido pelos antigos latinos comoDe partibus animalium, no qual observa que osseres humanos são as únicas criaturas queriem. 4 Este pode também ter sido o texto queHobbes tinha em mente quando falou a Au-

brey de sua admiração pelos "estudos dosanimais" de Aristóteles. Para os meus

propósitos , entretanto, as observações mais rele-vantes de Aristóteles podem ser encontra-das na passagem do livro 2 da Retórica, emque ele discute o comportamento dos jovens.Hobbes foi um dedicado estudioso desse tex-to, do qual produziu uma paráfrase em latim

3 Para uma discussão dos paralelismos ver Strauss1963, pp. 36-41; Zappen 1983; Skinner 1996, pp.38-9.

4 Aristóteles 1961, III. 10, p. 281. Para uma discussãodesse ponto, ver Screech 1997, pp. 1-5.

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no início dos anos 1630. 5 Foi desta paráfraseque alguém (mas não Hobbes) 6 fez a traduçãoque foi publicada em 1637 como A Brief of theArt of Rhetoric (Um Resumo da Arte da Retó-rica), a primeira versão do texto de Aristóte-les a aparecer em inglês. Se considerarmosessa versão, encontraremos Aristóteles di-zendo que uma das características dos jo-vens é que eles são "amigos da alegria, e por-tanto adoram zombar dos outros". Isto o levaa investigar os sentimentos expressos pelaalegria deles e a constatar que "a zombaria éum insulto gracioso", tendo antes nos asse-gurado que o insulto "é a degradação do ou-tro por diversão". 7

A sugestão básica de Aristóteles é, por-tanto, que a alegria induzida pela zombaria ésempre uma expressão de desprezo, uma su-

5 A paráfrase de Hobbes pode ser encontrada em Chats-worth, como Hobbes MS D.1: Latin Exercises (Exercíciosem Latim).

6 Como a próxima edição de Karl Schuhmann deverá mos-trar, a versão inglesa da paráfrase de Hobbes contémmuitas anomalias e erros de tradução, o que sugere queela não pode ser dele. (Sendo assim, coloco o nome deHobbes entre colchetes ao me referir a esse texto.)

7 [Hobbes (?)) 1986, pp. 70, 86.

8 [Hobbes (?)] 1986, p. 57.9 Entretanto, pode ser que Aristóteles esteja se referin-

do a uma discussão mais ampla que fazia parte do se-gundo livro, agora perdido, da sua Poética.

10 Aristóteles 1995, 1449a, p. 44.

gestão que já estava presente em sua obser-vação anterior de que entre as origens doprazer estão "as ações, os ditos e as pes-soas ridículas". 8 Como ele mesmo adverte,ele já tinha examinado essas implicações naPoética, especialmente na breve seção emque ele discute o tipo de mimese que se mani-festa na comédia. 9 A comédia trata do que érisível, e o risível é um aspecto do vergonho-so, do feio ou do baixo. Chegamos a rir de ou-tras pessoas, porque elas exibem alguma fal-ta ou marca constrangedora que, enquantonão dolorosa, as torna ridículas. Dessa for-ma, são especialmente risíveis os inferioresem algum sentido, sobretudo os moralmenteinferiores, embora não os completamente de-pravados. 10

É possível que Aristóteles estivesse emdúvida, no que diz respeito a algumas dessasobservações, com as considerações que Pla-tão faz sobre o riso em vários de seus diálo -

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gos. No Filebo, Platão examina a natureza doridículo11 e, na República, antecipa o princípiocentral da análise de Aristóteles, ao declararque o riso está quase sempre ligado à repro-vação do vício. 12 Seria justo dizer, entretan-to, que as observações de Platão são disper-sas e desordenadas em comparação ao en-volvimento direto de Aristóteles com o as-sunto, e talvez não seja surpreendente quetenha sido a análise de Aristóteles que exer-ceu a maior influência na antiguidade.

Encontramos a teoria de Aristótelescompreendida segundo duas linhas de pensa-mento distintas, mas convergentes.

Uma era a médica, que parece ter se ori-ginado com a carta apócrifa de Hipócrates arespeito de Demócrito, o filósofo sorridente.Hipócrates relata ter sido chamado pela gen-te de Abdera – cidade para a qual Demócrítohavia se retirado quando atingiu uma idadeavançada – porque estavam preocupados

11 Ver Platão 1925, 48c-50b, pp. 332-40, e conferir tam-bém Platão 1926, 935d-936a, vol. 2, pp. 462-4, pas-sagem em que ele discute a necessidade de se controlaro uso do ridículo pelos escritores cômicos.

12 Platão 1930-35, 452d, vol. I, p. 436.

com a aparente insanidade do sábio. Um doscidadãos, ao fazer uma visita a Demócrito,"começou a chorar em voz alta como umamulher chorando a morte de um filho". Masmesmo diante dessa explosão aparentemen-te trágica, Demócrito teria apenas sorrido.Hipócrates escreve que, de início, censurouDemócrito por sua insensibilidade, mas esteteria explicado: "estou apenas rindo da huma-nidade, cheia de loucura e vazia de quaisquerboas ações" e de um mundo em que oshomens se ocupam de "assuntos sem nenhumvalor e consomem suas vidas com coisas ridí-culas". Hipócrates ficou muito impressionadoe, ao deixar Abdera, agradeceu às pessoaspor lhe terem dado a oportunidade de falarcom "o sapientíssimo Demócrito, que sozinhoé capaz de dar sabedoria aos homens do mun-do todo".

13

0 outro grupo de escritores que explo-rou as conexões entre o riso e o desprezo foio dos retóricos, que, neste caso, se

inspiraramdiretamente em textos de Aristóteles. Aanálise mais elaborada é a de Cícero (106 a.0

13 Joubert 1579, Apêndice, pp. 358, 363-4, 375.

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- 43 a. C), livro 2 do De Oratore, no qual o per-sonagem que representa César é persuadidoa discursar sobre o conceito do risível. Césarcomeça fornecendo uma reformulação e umaelaboração do argumento de Aristóteles:

0 campo próprio e, como se poderia dizer, aprovíncia do riso estão restritos a temasque são, de alguma forma, ou indignos ou de-formados. Pois a causa principal, se não aúnica causa, da hilaridade são aqueles tiposde observações que mencionam ou distin-guem, de uma maneira que em si mesma nãoé inconveniente) algo que é de algum modoinconveniente ou indigno.

14

César segue explicando que a inconve-niência pode ser de uma natureza tanto mo-

ral quanto física. Sugere, novamente num es-tilo bem aristotélico, que "ternas para o ridí-culo podem ser encontrados em vícios visíveisno comportamento das pessoas, desde queas pessoas em questão não sejam nem espe-cialmente populares e nem figuras de umaverdadeira tragédia". 15 E a isso ele acrescen-ta que "outros temas especialmente adequa-

dos para se fazer piada são fornecidos pelafeiúra e pela deformidade física " .

18

Outro retórico importante a examinaras relações entre o riso e o desprezo é Quin-tiliano. No livro 6 do seu Institutio Oratoria, en-contramos uma discussão que parece devermuito tanto às explicações de Aristótelesquanto às de Cícero. Ouintiliano reitera que oriso "tem sua origem em coisas que são dealgum modo ou deformadas ou indignas"",acrescentando que "os ditos engraçados sãomuitas vezes falsos (sempre torpes), muitasvezes engenhosamente distorcidos e de for-

ma alguma lisonjeiros". 18 Jogando claramen-te com os verbos ridere e deridere, ele concluique "nossa alegria não está muito longe daderrisão", já que a emoção incontrolávelexpressa por ela será freqüentemente a de umasuperioridade desdenhosa. Quando rimos,estamos freqüentemente nos gabando ouglorificando diante de outra pessoa, por ter-mos constatado que, comparadas conosco,elas sofrem de alguma fraqueza ou defeito

14 Cicero 1942,15 Cícero 194

16 Cícero, 1942, II. 59. 239, vol. 1, p. 374.

II. 58. 236, vol. 1, p. 372. 17 Quintiliano 1920-2, VI. 3. 8, vol. 2, p. 442.

, II. 59. 238, vol. 1, p. 374. 18 Ouintiliano 1920-2, VI. 3. 6, vol. 2, p. 440.

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22COLEÇÃO ALDUS

desprezível. Como sintetiza Quintiliano, "amaneira mais ambiciosa de se gabar é falarzombando". 19

19 Quintiliano 1920-2, XI. 1. 22, vol. 4, p. 166.

III

Com a redescoberta da teoria clássicada eloqüência — uma das conquistas caracte-rísticas da cultura renascentista —, a teoriaclássica do riso foi igualmente despertada.Parece ter sido nas primeiras décadas do sé-culo XVI que alguns dos principais humanistasresolveram investigar o significado e a impor-tância do riso. As contribuições mais impor-tantes foram a de Baldessare Castiglione, noseu Libro del Cortegiano, de 1528, e a deJuan Luis Vives, no seu De anima & vita, de1539. Mais tarde, no mesmo século, pela pri-meira vez desde a antigüidade, começou aaparecer uma literatura tanto sobre os as-pectos fisiológicos quanto sobre os aspectospsicológicos do fenômeno. 2° Aqui, o pioneiro

20 Para outras relações de teóricos do riso renascentis-tas, ver Screech 1997, p. 58, e especialmente

Ménager1995, pp. 7-11. 0 estudo de Ménager é excelente,e devo muito a ele.

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foi Laurent Joubert, um médico de Montpel-li er, cujo Traité du ris foi publicado pela primei-ra vez em Paris em 1579. Logo em seguida,vários tratados semelhantes surgiram naItália, incluindo o De risu, ac ridiculis de CelsoMancini, de 1598, o De risu de Antonio Loren-zini, de 1603, e o Phisici, et philosophi tracta-tus de risu de Elpidio Berrettario, de 1603.

Como no caso dos teóricos clássicos,todos esses escritores assumem que a per-gunta mais importante sobre o riso é quaisemoções o provocam. 21 Alguns deles abor-dam o problema considerando o fenômeno doriso juntamente com o do choro. FranciscoVallesio, um dos médicos de Filipe II, incluiuum capítulo intitulado De risu et fletu no seuControversiae, de 1582, enquanto NicanderJossius publicara um tratado completo com omesmo título em 1580. Timothy Bright, ummédico londrino, justapõe da mesma forma oriso e o pranto em seu Treatise of Melancholie(Tratado sobre a Melancolia), de 1586, assim

21 Isso contrasta com alguns dos estudos mais interes-santes da história do riso, que se concentram nos gê-neros da comédia e em seu potencial subversivo. Ver,por exemplo, Bakhtine 1970, Thomas 1977.

como o faz Rodolph Goclenius no seu Physicacommentatio de risu & lacrymis, de 1597.Hobbes também liga o riso e as lágrimas emsua crítica ao De mundo de Thomas White,bem como Descartes em Les passions de/'ame (As paixões da alma, Editora MartinsFontes).

Entre os elementos comuns ao riso e aochoro, esses escritores apontam que elessão peculiares à humanidade, que são emgrande parte incontroláveis e que parecemser reações excessivamente intensas a al-gum movimento interior da alma. Concordamperfeitamente que as principais emoções ex-pressas pelo choro devam ser o desânimo e atristeza, talvez acompanhados em algumasocasiões pelo medo. Mas, como admite expli-citamente Bright, a causa do riso "é mais di-fícil de se descobrir, e sua razão não é tãoclara". 22 Que paixão da alma poderia ser tãocomplexa e poderosa, a ponto de nos fazer"explodir", como diz Vallesio, dessa forma"quase convulsiva"?

23

22 Bright 1586, p. 162.23 Vallesio 1582, p. 222.

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26 COLEÇÃO ALDUS HOBBES E A TEORIA CLÁSSICA DO RISO 27

Um dos sentimentos envolvidos todosconcordavam com isso – deve ser alguma for-ma de alegria ou felicidade. Entre os escrito-res humanistas, Castiglione enfatiza no seuCortegiano que "o riso é percebido somenteno homem, e (de certa forma) é sempre umexemplo de uma certa alegria e disposição jo-cosa que ele sente em seu íntimo". 24 De for-ma parecida, em De anima & vita, Vives dizque "o riso nasce da felicidade e do prazer"

25 ,

doutrina que foi largamente repetida peloshumanistas das gerações seguintes.

Encontramos as mesmas suposições nali teratura médica, e o pioneiro nesse contex-to é o médico Girolamo Fracastoro no seu Desympathia & antipathia rerum, de 1546. 26 Acausa da alegria, declara Fracastoro, deveser sempre alguma forma de felicidade inte-rior. Laurent Joubert concorda com isso e

24 Castiglione 1994, p. 154.25 Vives 1550, p. 206.26 Ménager 1995, p. 8, observa que Fracastoro foi um dos

médicos designados pelo Vaticano a comparecer aoConcílio de Trento. Ele também era bem conhecido comopoeta e recebeu louvores de Sir Philip Sidney. Ver Sidney1912, p. 35. Sobre Hobbes como leitor de Fracastoro,ver Leijenhorst 1996.

argumenta que a paixão que nos leva ao risodeve estar sempre relacionada de alguma for-ma à alegria, enquanto Francisco Vallesioafirma, de maneira mais direta, que "é minhacrença que os homens riem sempre que algoagradável acontece " . 27 No espaço de uma ge-ração, todos os que escreviam sobre o as-sunto entenderam essa suposição como algogarantido. Em Les passions de l'ame, Descar-tes simplesmente observa que "o riso pareceser um dos principais signos da alegria" 28 , en-quanto Hobbes conclui, no The Elements ofLaw, de um modo ainda mais rápido, que oriso "é sempre alegre". 29

Reconhecia-se, entretanto, que essaalegria devia ser de um tipo peculiar, já queela parece estar conectada de algum modoaos sentimentos de sarcasmo, desprezo emesmo ódio. Entre os humanistas, Castiglio-ne constrói um dos primeiros argumentosnesse sentido. Quando rimos, estamos sem-pre "debochando e escarnecendo", estamossempre procurando "escarnecer e debochar

27 Vallesio 1582, p. 220.28 Descartes 1988, artigo 125, p. 153.29 Hobbes 1969, p. 41.

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28 COLEçAO ALDUS HOBBES E A TEORIA CLÁSSICA 00 RISO 29

de vícios". 30 Thomas Wilson discorre longa-mente sobre essa sugestão na sua Arte ofRhetorique (Arte da Retórica), de 1554, o pri-meiro grande tratado neoclássico em línguainglesa sobre eloqüência. Wilson inclui umalonga seção no livro 2 desse tratado, intitula-da "Deleitando os ouvintes e incitando-os aoriso", na qual ele afirma que experimentamossentimentos de desprezo sempre que perce-bemos "a afetação, a baixeza e a deformida-de" no comportamento de alguém, e entãosomos levados a "rir e escarnecer franca-mente".

31

Se nos voltarmos para os médicos escri-tores, encontraremos a mesma teoria larga-mente desenvolvida. Talvez a análise mais su-til seja a de Laurent Joubert, embora ele re-conheça uma dívida para com o trabalho ante-rior de François Valleriola, seu colega deMontpellier. No primeiro capítulo do seu Trai-té, Joubert propõe a seguinte questão: "Qualé o tema do riso?" Valendo-se das discussõesde Valleriola, Joubert responde que rimos "de

tudo que é ridículo, quer tenha sido feito oudito". E qualquer coisa que viermos a acharridículo, explica Joubert, será sempre "algoque nos surpreenderá por ser feio, deforma-do, desonesto, indecente, malicioso e muitopouco conveniente". Assim, nosso riso resul-tará sempre da contemplação de feitos e di-tos "que têm um aspecto desagradável, em-bora não sejam lastimáveis". Isto, por suavez, significa que a alegria que experimenta-mos nunca pode ser pura. Não conseguimosnunca evitar uma certa antipatia ou desdémdiante da baixeza e da feiúra, e assim "o feitiousual do nosso riso é o desprezo ou o escár-nio". Joubert vai ainda além e acrescentaque, em conseqüência desses sentimentoscomplexos, o riso nunca pode estar comple-tamente desconectado da tristeza. "Comotudo que é ridículo se origina da feiúra e dadesonestidade", e como nunca podemos con-templar tais desprazeres com equanimidade,segue que "qualquer coisa ridícula nos dá umprazer e uma tristeza combinados".

32

30 Castiglione 1994, pp. 155-6.31 Wilson 1554, fos. 74v, 75r. 32 Joubert 1579, pp. 15-6, 30, 87-88.

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30 COLEÇÃO ALDUS HOBBES E A TEORIA CLÁSSICA DO RISO 31

A ênfase que Joubert punha na tristesseraramente foi levada adiante, mas sua alega-ção de que o riso é basicamente uma expres-são de escárnio diante de coisas ridículas foibastante reiterada, especialmente por aque-les que queriam conectar as intuições doshumanistas àquelas da literatura médica quesurgia. Talvez o escritor mais importante aestabelecer essas relações tenha sido Ro-bert Burton, que declarou na Introdução dasua Anatomy of Melancholy (Anatomia da Me-lancolia), de 1621, que nunca teria havido"tanta oportunidade para o riso quanto en-contramos em nosso mundo desordenado".Ele ainda explica que "desprezamos e conde-namos um mundo de loucos" quando rimos eque no mundo nunca houve tanta loucura paradesprezar e condenar, tantas pessoas "lou-cas e ridículas". 33 Sir Thomas Browne, outromédico impregnado de cultura humanista,fala num estilo semelhante no seu Pseudodo-xia Epimedica, de 1646. Ao discutir a paixãodo riso, ele concorda que "existe um riso dedesprezo ou de indignação", acrescentando

que mesmo Deus é mostrado nas Escriturascomo se escarnecesse do que é pecamino-so. 34

Até agora, a explicação que descobri-mos na literatura médica e humanista do Re-nascimento tem uma aparência completa-mente neoclássica. É verdade que os escrito-res da Renascença ficam em geral satisfei-tos, pelo menos inicialmente, em enfeitar erepetir as alegações dos clássicos. Não obs-tante, qualquer sugestão de que eles se-guiam às cegas as autoridades antigas seriaum grave equívoco e exigiria pelo menos duasimportantes ressalvas.

Em primeiro lugar, em relação a váriosescritores renascentistas, é preciso enfati-zar que encontramos dois acréscimos impor-tantes aos argumentos herdados. Antes dequalquer coisa, eles dão uma nova ênfase aopapel do imprevisto, e logo da surpresa, namotivação da alegria. No De Oratore, Cíceroaludiu à importância do inesperado, mas seusseguidores renascentistas deram muitomais ênfase a esse ponto. Castiglione enfati-

33 Burton 1989, pp. 37, 57, 101. 34 Browne 1928-31, vol. 3, p. 312.

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32 COLEÇÃO ALDUS HOBBES E A TEORIA CLÁSSICA DO RISO 33

za que "certos acontecimentos inusitados"são particularmente capazes de "provocar oriso", especialmente se surpreendemos nos-sos ouvintes falando "o contrário do que elesesperam". 35 Vives elabora mais ainda essaidéia, argumentando que nossa alegria "sur-

ge de uma sensação nova de prazer" e que"coisas imprevistas e inesperadas têm maisefeitos sobre nós e nos conduzem mais rapi-damente ao riso do que tudo mais". 36

Para uma análise mais completa, preci-samos retornar aos escritores médicos, osprimeiros a introduzir na argumentação oconceito-chave de admiratio. A discussão pio-neira parece ser aquela de Girolamo Fracas-toro, no seu De sympathia, de 1546. "As coi-sas que geralmente nos levam a rir", diz ele,"devem trazer alguma novidade" e devemaparecer diante de nós "de forma repentina einesperada " . Quando isso acontece, ficamosno mesmo instante admirados, o que, por suavez, gera em nós uma satisfação. A seqüên-cia emocional é, portanto, a seguinte: "o im-

previsto e o inesperado dão origem à admira-tio, que, por sua vez, dá origem à delectatio,que, por sua vez, provoca o movimento facialque chamamos de riso". 37 Francisco Vallesiochega a ser maçante quando reconhece aanálise de Fracastoro e se apropria dela."Pela minha experiência", relata ele, "sou le-vado a acreditar que os homens riem quandoalgo ao mesmo tempo prazeroso e novo acon-tece; a novidade dá origem à admiratio, o pra-zer dá origem à alegria", e é a combinação de-les que nos faz rir.

38

A ênfase que Fracastoro dá à admiratiofoi rapidamente assumida pelos humanistas,em particular por certos comentadores daPoética de Aristóteles. Aqui, o pioneiro pare-ce ter sido Vicente Maggi no seu In AristotelisLibrum de Poetica Communes Explicationes,de 1550. Falando com a veemência típica doseruditos humanistas, Maggi declara que "nãotenho como expressar o tanto do meu es-panto por Cícero não ter dito uma única pala-vra sobre o tema da admiratio como uma das

35 Castiglione 1994, pp. 188, 190.36 Vives 1550, p. 207.

37 Fracastoro 1546, fo. 23v, fo. 24r.38 Vallesio 1582, p. 220.

Antonioherci
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34 COLEÇÃO ALDUS HOBBES E A TEORIA CLÁSSICA DO RISD 35

causas do riso, quando o fato é que na ausên-cia da admiratio não é nunca possível que oriso ocorra". 39 A razão pela qual a presençada admiratio é indispensável é que rimos so-mente quando encontramos coisas novas esurpreendentes. É a presença da novitas quenos induz à admiração, e é nossa impressãode admiração que nos faz rir.

Outro acréscimo importante feito pelosteóricos renascentistas à teoria clássica doriso surgiu da sua percepção de uma lacunana explicação original de Aristóteles. A tesede Aristóteles na Poética tinha sido que o risoé uma reprovação do vício, ao expressar eprovocar sentimentos de desprezo em rela-ção àqueles que têm um comportamento ridí-culo. Entretanto, como Maggi aponta no seucomentário à Poética, Aristóteles deixa defornecer, o que é atípico, uma definição do ri-dículo, e portanto não indica os vícios parti-culares que são mais facilmente ridiculariza-dos e assim escarnecidos por meio do riso. 40

39 Maggi 1550, pp. 301-27.40 Maggi 1550, parte 3, especialmente p. 325.

Para os escritores médicos, essa ques-tão tinha pouca importância, mas para os hu-manistas era, muitas vezes, a mais significa-tiva. Eles encontraram a chave para sua res-posta na alegação de Aristóteles de que pes-soas completamente depravadas não sãopropriamente motivo para zombarias. Casti-glione amplia essa idéia, sugerindo que os ví-cios que merecem especificamente nossodesprezo são aqueles que exibem uma certafalta de naturalidade em vez de uma perversi-dade completa, especialmente aqueles que"vão um pouco além", conduzindo assim a umcomportamento extravagante. "As vaidadese inconveniências ordinárias provocam repul-são, mas, quando elas assumem uma dimen-são exagerada, freqüentemente conduzem aoriso." As pessoas que visivelmente "vão umpouco além" e comportam-se de uma formainconveniente reduzem a si mesmas ao ab-surdo, e isto explica por que "provocam maiso riso do que a repulsão". 41

Dentre os vícios que resultam de não seobservar esse ideal de mediocritas, um dos

41 Castiglione 1994, pp. 163-4.

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36 COLEÇÃO ALDUS HOBBES E A TEORIA CLÁSSICA DO RISO 37

mais desprezíveis, segundo a opinião geral, éa avareza. Nicander Jossius aponta essa fra-queza como uma das "características do cor-po e da alma" em que mais obviamente "seescondem temas para o ridículo". 42 CelsoMancini termina o seu De risu, ac ridiculis es-pecificando, num estilo parecido, que um dosdefeitos que "mais merecem ser ridiculariza-dos" é a sovinice dos homens de idade, por-que a avareza desfigura e torna monstruosoqualquer homem.

43Também Paolo Beni, nos

seus Commentarii à Poética de Aristóteles,afirma que a figura do sovina sempre rendeum dos melhores personagens para a comé-dia. 44 Esta sugestão não deixou de exercerinfluência sobre os escritores de comédia daépoca, como nos lembram o Volpone de BenJohnson e o L'avare de Molière.

De todos os vícios sujeitos ao escárnio,entretanto, dizia-se que os mais flagranteseram a hipocrisia e a vanglória. Se dermosuma olhada nas teorias pós-renascentistasda comédia, encontraremos geralmente a fi-

42 Jossius 1580, p. 75.43 Mancini 1598, pp. 22-30.44 Beni 1613, p. 162.

gura do hipócrita apontada como a que maismerece ser ridicularizada. Esta é a afirmaçãode Henry Fielding, no ensaio teórico que servede introdução a seu romance cômico JosephAndrews, de 1742. Repetindo a tradução queHoby faz de Castiglione, Fielding começa es-tabelecendo que os vícios mais sujeitos a es-cárnio são aqueles que exibem uma certa"falta de naturalidade". Prossegue afirmandoque "a falta de naturalidade provém de umadessas duas causas: vaidade ou hipocrisia" eque "da descoberta dessa falta de naturali-dade surge o ridículo – que sempre repercuteno leitor com surpresa e prazer". Mas eleacrescenta que isso acontece "num graumais alto e mais forte quando a falta de natu-ralidade surge da hipocrisia em vez de surgirda vaidade". Conclui observando que "BenJohnson, que entre todos os homens foiquem melhor compreendeu o ridículo, fez usoprincipalmente da falta de naturalidade doshipócritas" em suas comédias.

45

Diferentemente, os teóricos renascen-tistas tendem a dar mais ênfase à falta de

45 Fielding 1985, pp. 28-9.

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38 COLEÇÃO ALDUS

naturalidade procedente da vanglória e do or-gulho. É possível que tenham sido diretamen-te influenciados por Platão nesse ponto, poisSócrates não apenas argumenta, ao exami-nar a natureza do ridículo no Filebo, que aque-les que têm um comportamento absurdo de-vem estar sofrendo de algum tipo de vício,mas acrescenta que o vício em questão é ge-ralmente uma falta de conhecimento a res-peito de si mesmo, especialmente a presun-ção. 46 É mais provável, entretanto, que osescritores renascentistas estivessem se re-ferindo a uma sugestão de Cícero, do livro 2do De Oratore, no qual o personagem que re-presenta César começa a sua análise do ridí-culo declarando que as pessoas que mais me-recem ser escarnecidas são "aquelas queagem de uma forma particularmente conven-cida". 47

Seja qual for sua origem, essa sugestãofoi amplamente desenvolvida pelos escritoreshumanistas da Renascença. É quando as pes-soas "se gabam e se vangloriam delas mes -

HOBBES E A TEORIA CLÁSSICA 00 RISO 39

mas, sendo orgulhosas e arrogantes", sus-tenta Castiglione, que estamos justificados"para debochar e escarnecer até provocar oriso". Ele dá o exemplo dos homens que "fa-lam da importância de sua família e da nobre-za de seu nascimento" e das mulheres que segabam de sua própria "beleza e elegância". 48

Celso Mancini se refere à figura cômica e es-tereotipada do miles gloriosus, "o soldadopretensamente cheio de glórias", como umoutro tipo de pessoa "cujo convencimentonos faz rir", porque "sabemos que tal presun-ção é ridícula e porque tamanha falta de mo-deração nos irrita". 49 Falando num tom maisgrandioso, Lodovico Castelvetro – outro co-mentador erudito da Poética de Aristóteles –sugere que a causa principal do riso surge dofato de nossa natureza decaída e corruptater nos "entulhado de vaidade e orgulho " . 50

Mais uma vez, essas idéias não deixaram deexercer influência sobre os escritores de co-média da época, que freqüentemente mos-tram uma aversão especial por aqueles que

46 Platão 1925, 48c-49c, pp. 332-6.47 Cícero 1942, II. 58. 237, vol. 1, p. 374.

48 Castiglione 1994, pp. 155, 163.49 Mancini 1598, pp. 229-30.50 Castelvetro 1570, fo. 53v.

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agem sem "medida" e pretendem ir além dosseus limites. O exagerado amor-próprio deMalvolio na Twelfth Night (Décima SegundaNoite), de Shakespeare, a vaidade presunço-sa de Puntarvolo em Every Man Out of his Hu-mour(Homens Aborrecidos), de Johnson, o ri-dículo arrivismo de M. Jourdain no BourgeoisGentilhomme, de Molière, são variações so-bre o mesmo tema satírico.

IV

Até o momento, tenho considerado asduas formas principais em que a teoria clás-sica do riso foi ampliada e desenvolvida duran-te a Renascença. Mais importante do queisso, entretanto, é o fato de que alguns es-critores desse período começaram a expres-sar dúvidas sobre a suposição dominante nateoria clássica, a suposição de que o riso é in-variavelmente uma expressão de desprezopelo vício. Eles começaram a se perguntar seesse argumento não seria muito exagerado,para não dizer equivocado. É realmente ver-dade que nosso riso é sempre uma expressãode escarnecimento? Não é evidente que al-guns tipos de riso – por exemplo, o riso dascrianças – expressam uma satisfação ple-na?

51

51 Alguém poderia acreditar que pudessem então ser en-contradas, além disso, algumas objeções morais ao riso

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42 COLEÇÃO ALDUS HDBBES E A TEORIA CLÁSSICA DO RISO 43

Vários escritores médicos, sem dúvidapreocupados em livrar-se do peso da culturaescolástica, enfatizaram particularmenteesse ponto. Fracastoro insiste que "as coi-sas que são ditas a respeito do ridículo nãosão corretas", pois a verdade é que "o riso éfeito de alegria e admiração combinadas

" .52

Vallesio refere-se à análise antiaristotélicade Fracastoro e passa a adotá-la. Ele começadeclarando que "os homens riem quando algu-ma coisa ao mesmo tempo agradável e novaacontece" e acrescenta que "nossa alegriaacaba quando a sensação de novidade ou asensação de prazer passa". 53 Disso ele infereque nosso riso não precisa ter nada a ver como desprezo, já que também pode ser uma sim-ples resposta a um acontecimento agradável

desdenhoso, especialmente a seu uso (conforme as ins-truções dadas por Cicero), como um meio para zombarda fraqueza e dos defeitos dos outros. Mas tais escrú-pulos são raramente expressos nesse período. Sir Tho-mas More é o único humanista importante a fazer essetipo de afirmação antiaristotélica. Ver More 1965, p.192. Preocupações mais tardias a respeito do uso zom-beteiro do riso podem ser encontradas em Cockagne2000, pp. 79-82, 89-91.

52 Fracastoro 1546, fos. 23v.-24r.53 Vallesio 1582, p. 220.

e surpreendente. Desenvolvendo essa idéiade uma maneira mais sistemática, o médicoElpidio Berrettario, de Pisa, no seu Tractatusde risu, introduz uma distinção perspicaz en-tre o que ele considera dois gêneros distintosde alegria. Um é o genus discutido por Aristó-teles na Poética, a saber, aquele em que nos-so riso é provocado quando vemos vícios quepodem ser ridicularizados sem problema.Mas o outro não está ligado ao escárnio esurge simplesmente "quando somos levadosao riso por alguma coisa que nos é muito que-rida ou que nos dá satisfação " .

54

Essas dúvidas não estavam restritas àliteratura médica. Em seu comentário à Poé-tica, Castelvetro começa sua análise da pas-sagem na qual Aristóteles teria argumenta-do, conforme ele traduz, que "o risível é umasubdivisão do desprezível", replicando que "oriso pode ser provocado por coisas puramen-te agradáveis". 55 Em seus ainda mais porme-norizados Commentarii sobre a Poética, Beniquestiona a alegação de Aristóteles de que a

54 Berrettario 1603, fo. 7r, 19r.55 Castelvetro 1570, fo. 50v, fo. 51r.

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44 COLEÇÃO ALDUS HOBBES E A TEORIA CLÁSSICA DO RISO 45

comédia está sempre preocupada com a re-provação do vício, apontando que "não é raroque a comédia retrate homens bons e que osretrate de uma forma louvável". 56

Estas observações eram, muitas vezes,reforçadas por uma concepção antiaristotéli-ca da alegria e do prazer, que podem dar ori-gem ao riso. A emoção subjacente, argumen-tam alguns teóricos, pode ser com freqüên-cia a simples joie de vivre, que não está ligadaa nenhum sentimento. de superioridade oudesdém. Fracastoro observa que "freqüente-mente rimos e demonstramos nossa alegriaquando encontramos nossos amigos e conhe-cidos, ou ainda nossas crianças, e mais ge-ralmente aqueles que nos são queridos". 57

Castelvetro ilustra o mesmo mise-en-scène,descrevendo uma situação na qual "um pai euma mãe acolhem sua pequena criança comrisos e mimos, enquanto de forma semelhan-te um amante vai ao encontro da sua amadarindo". 58 Referindo-se com aprovação à análi-se de Fracastoro, Berrettario acrescenta,

56 Beni 1613, p. 103. Ver também pp. 162 e 197.57 Fracastoro 1546, fo 23v.58 Castelvetro 1570, fo. 51r.

num floreio, que rimos não apenas quando en-contramos nossas crianças e amigos, mastambém quando contemplamos uma mulherestimada ou uma pedra preciosa. 59

Segundo esses escritores, outra situa-ção em que, às vezes, o riso pode surgir équando experimentamos uma mudança re-pentina em nossas expectativas, seja na for-ma de alguma justaposição surpreendente oude algum outro tipo de incongruência. Embo-ra, no geral, um seguidor fiel de Aristóteles,Nicander Jossius ilustra essa possibilidadecom considerável minúcia. Ele propõe queconsideremos como reagiríamos "se umamulher colocasse roupas masculinas, ou pu-sesse a espada à cintura e se dirigisse à pra-ça pública, ou se um soldado cheio de glóriassentasse com meninos na escola para apren-der gramática, ou se um príncipe se vestissecomo um camponês". Certamente iríamosrir, mas a razão de nossa hilaridade seria acompleta incongruência dessas coisas, o fra-casso em se dar o devido respeito "ao tempo,

59 Berrettario 1603, fos. 19r, 20v, 21v.

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46 COLEÇÃO ALDUSHOBBES E A TEORIA CLÁSSICA DO RISO 47

ao lugar, à moderação ou à adequação" . 6o

Embora essas situações sejam sem dúvida ri-dículas, Jossius parece sugerir que iríamosrir delas menos por desprezo do que por puraperplexidade.

Essas idéias foram desenvolvidas algu-mas vezes na cultura augustana, numa defe-sa geral da alegação de que pode existir umriso puramente bondoso. 61 Encontramosessa sugestão nos artigos de Joseph Addi-son sobre o riso, que aparecem no Spectator,de 1711, nas explicitamente anti-hobbesia

-

nas Reflections upon Laughter (Reflexões so-bre o Risol , de Francis Hutcheson, publicadasem 1725, e talvez de forma mais interessan-te no prefácio de Fielding a seu Joseph

Andrews. Conforme vimos, a análise de Fiel-ding, à primeira vista, parece completamenteclássica, pois ele aceita que a comédia almejaridicularizar certos tipos de afetações e con-corda que os vícios mais suscetíveis ao es-cárnio são a avareza, a hipocrisia e a vaidade.Ao mesmo tempo, entretanto, ele estabelece

60 Jossius 1580, pp. 71-2.61 Sobre esse desenvolvimento, ver Tave 1960, esp. pp.

43-87.

uma forte distinção entre o cômico e aquiloque ele descreve como burlesco. Ao mesmotempo em que este último gênero "contribuimais do que qualquer outro para a•alegria de-licada e o riso", ele nunca faz isso tentandoprovocar o desprezo. Mais exatamente, eleproduz seu efeito comunicando o "absurdosurpreendente" de alguma situação, "comoquando reservamos os modos daqueles quesão mais elevados para os que são mais bai-xos" ou produzimos outras "distorções eexageros". O resultado, se bem alcançado, éque vamos rir, mas nossa alegria, nesses ca-sos, será "cheia de bom humor e benevolên-cia".

62

Estes últimos argumentos foram, semdúvida, muito importantes para a evoluçãodas teorias modernas da comédia. Como te-mos visto, entretanto, tão cedo quanto nasprimeiras décadas do século XVIl, já se torna-ra largamente aceita a idéia de que a teoriaclássica do riso só tinha sido parcialmente

62 Fielding 1985, pp. 26-8. Sobre a evolução do contrasteentre o riso produzido pela sátira (desdenhoso e escar-necedor) e o riso produzido pelo burlesco (simpático),ver Paulson 1988.

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bem-sucedida na explicação desse fenômenoversátil. Para obter uma síntese da teoriamais complexa que desde então se tornaraortodoxa, o melhor que temos a fazer é consi-derar aquela fonte de máximas convencio-nais, o conseilleur francês Louis Guyon, queinclui um capítulo sobre o riso na terceira edi-ção das suas Diverses Leçons, de 1617.

Guyon mantém-se fiel a vários argumen-tos clássicos. Concorda com Aristóteles que"somente o homem é capaz de rir" e acres-centa que "algo súbito e inesperado" deveacontecer para que o riso seja provocado.Sente-se inclinado a aceitar a alegação bási-ca de Aristóteles de que "a causa do risodeve ser uma certa deformidade, porque ri-mos somente daquelas coisas que são incon-venientes e que parecem ser feitas de formatosca". Como deixa claro, entretanto, sualealdade intelectual está longe de ser estrita-mente relacionada a Aristóteles; ele prosse-gue desenvolvendo uma explicação mais com-plexa, embora ainda convencional. Em primei-ro lugar, enfatiza que é possível rir "de formacivilizada" e explica que "qualquer um que re-flita adequadamente vai ver que aquilo quenos faz rir é quase sempre algo que, embora

inconveniente de alguma maneira, ainda as-sim não precisa ser tosco". Guyon diz que"tudo o que provoca o riso dá prazer" e afirmaincisivamente que "o riso é a todos muitoagradável, de forma que qualquer um que oprovoque de um modo louvável, numa ocasiãoadequada, será bastante elogiado". Seu de-sejo – conforme explica num espírito muito tí-pico do Renascimento – é, portanto, "mos-trar quais métodos uma pessoa discretadeve usar a fim de provocar o riso", se o obje-tivo for, ao mesmo tempo, "sempre preser-var a própria dignidade".

63

63 Guyon 1617, 1.3.3, pp. 434-42.

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HOBBES E A TEORIA CLÁSSICA DO RISO 51

V

A idéia de que o riso pode ser tantoaprazível quanto desdenhoso e, assim, podefazer parte de uma vida propriamente "civili-zada" tornara-se largamente aceita nas pri-meiras décadas do século Xvii. Por isso, échocante descobrir que, nas duas discus-sões mais conhecidas sobre o riso da gera-ção seguinte – aquelas de Hobbes e Descar-tes –, essas suposições são deixadas explici-tamente de lado em favor de um retorno a umponto de vista seguramente clássico.

Isso não quer dizer que Hobbes e Des-cartes restabeleçam a teoria aristotélica emsua forma mais tacanha. Ambos recuperam ereafirmam os dois desenvolvimentos do argu-mento de Aristóteles, conforme já analisei.Antes de qualquer coisa, eles dão uma ênfaseconsiderável ao conceito originalmente intro-duzido na discussão por Fracastoro, o con-ceito da surpresa ou admiração. Descartes,

para quem a admiratio é uma paixão funda-mental, inicia sua análise do riso, em Les pas-sions de Fame, salientando a importância danovidade e do imprevisto, argumentando queri mos apenas quando algo "faz subitamentecom que os nossos pulmões se inflem", deforma que "o ar que eles contêm é forçadopara fora, através da traquéia, com ímpeto,produzindo um ruído inarticulado e espontâ-neo". Ele acrescenta que essas alterações fi-siológicas características ocorrem somentequando um evento novo e repentino é asso-ciado a sentimentos de admiração. 0 sanguevindo do baço deve ser "impelido até o cora-ção por alguma emoção mais branda de ódio,ajudada pela surpresa da admiratio", se o re-sultado tiver de ser o tipo de dilatação à qualestá associado o riso.

64

Hobbes traz à tona as mesmas caracte-rísticas em sua primeira e mais completa dis-cussão do riso, apresentada no capítulo 9 deThe Elements of Law. Ele também enfatiza aimportância da novidade e da surpresa, argu-mentando que "uma mesma coisa deixa de

64 Descartes 1988, artigo 124, pp. 153-4.

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ser ridícula quando se torna corriqueira ouusual. Seja o que for que provoque o riso,deve tratar-se de algo novo e inesperado".Ele também acredita que a causa do riso deveser algo que dá origem à admiração, especial-mente na forma de "uma compreensão súbitade alguma habilidade daquele mesmo que ri".Quando experimentamos "a súbita intuiçãode nossa diferença e superioridade", nósmesmos fervilhamos de alegria.

65

Hobbes também concorda a respeitodos vícios específicos mais sujeitos ao debo-che e ao escárnio. E surpreendente que nemele nem Descartes forneçam uma explicaçãoexplícita desse aspecto da teoria renascen-tista do riso, como o fazem Beni, Mancini ouCastelvetro. Mas quando Hobbes opta porescrever de forma satírica - como faz mais doque nunca no livro 4 do Leviathan -, as fra-quezas que ele ridiculariza, podemos reco-nhecer, são os três vícios que os teóricos daRenascença haviam distinguido: a vanglória,a avareza e a hipocrisia. São os vícios do or-gulho e da vanglória, especialmente quando

65 Hobbes 1969, pp. 41-2.

aparecem entre aqueles que ironicamenteelogia como os célebres escolásticos, queele ataca no livro 4 sob o título de "vã filoso-fia". 66 É a avareza do clero que ele satiriza nasua argumentação fulminante sobre a "pro-veitosa" doutrina do purgatório. 67 E é a hipo-crisia do clero que ele espirituosamente nosobriga a reconhecer, quando compara o cor-po eclesiástico a um reino de fadas: "As fa-das não casam; mas existem entre elas os in-cubos, que copulam com quem é feito de car-ne e sangue. Os padres também não ca-sam".

66

0 que é surpreendente, entretanto, éque nem Hobbes e nem Descartes mencio-nam o desafio direto à teoria aristotélica,surgido ao longo do Renascimento, omissãoainda mais surpreendente quando se consi-dera que esses dois filósofos usualmente ex-pressam com vigor seu menosprezo pela filo-sofia de Aristóteles. A alegação principal deDescartes a respeito do riso, em Les pas-sions de 1'ame, permanece completamente

66 Hobbes 1996, cap. 46, p. 458.67 Hobbes 1996, cap. 44, p. 426.68 Hobbes 1996, cap. 47, p. 481.

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aristotélica. Como ele explica, "embora o risopossa parecer um dos principais sinais da ale-gria, a alegria não pode ser a causa do riso, amenos que ela seja apenas moderada e estejaao mesmo tempo misturada com um elementode ódio ou admiração". 69 A conexão do risocom o ódio e o desprezo é algo a que Descar-tes dá uma particular atenção; ele retornamais tarde a esse ponto em sua discussão dela moquerie. "0 escárnio ou a zombaria é umtipo de alegria misturada com ódio, e quandoeste sentimento surge inesperadamente, oresultado é que desatamos a rir. " 70

0 recurso de Hobbes ao mesmo argu-mento clássico é ainda mais significativo, jáque ele abre sua discussão, no The Elementsof Law, proclamando que sua própria análise éinteiramente nova:

Há uma paixão que não tem nome, e seu si-nal é aquela perturbação do semblante aqual chamamos de RISO, que é sempre ale-gria; mas qual alegria, em que pensamos eem que ponto triunfamos quando rimos, istoaté o momento ninguém explicou. 71

69 Descartes 1988, artigo 125, p. 153.70 Descartes 1988, artigo 178, p. 195.71 Hobbes 1969, p. 41.

A despeito desse floreio característicode auto-admiração, a explicação que Hobbessegue fornecendo é completamente clássica.Sua definição, muito citada, formulada inicial-mente no The Elements of Law, diz o seguinte:

A paixão do riso não é nada senão uma súbi-ta glória que surge de uma súbita concep-ção de alguma superioridade em nós mes-mos pela comparação com as fraquezasalheias, ou com as nossas próprias fraque-zas em tempos passados. 72

A invocação da glória e a ênfase dada àglorificação sobre os outros foram, muitasvezes, apontadas como a quintessência dossentimentos hobbesianos. Entretanto, comoficará evidente a partir de agora, elas se limi-tam a um pouco mais do que citações não ad-mitidas das fontes antigas de Hobbes, emparticular da análise do riso feita por Quinti-Iiano no livro 6 do seu Institutio Oratoria.

Mais tarde, Hobbes sublinha sua fideli-dade ao classicismo, enfatizando que os sen-timentos de glória que ele está descrevendosão invariavelmente desdenhosos e escarne-

72 Hobbes 1969, p. 42.

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56 COLEÇÃO ALDUS HOBBES E A TEORIA CLÁSSICA DO RISO 57

cedores. "Os homens riem das fraquezas dosoutros, em comparação com as quais suaspróprias habilidades são realçadas e torna-das ilustres." Sendo assim as coisas, "não éde se admirar, portanto, que os homens con-sideram odioso ser motivo de riso, pois,quando se ri deles, é porque estão sendo es-carnecidos, isto é, derrotados". Hobbes re-sume as coisas de forma ainda mais brutal nofinal do capítulo, quando apresenta a sua"comparação da vida dos homens com umacorrida" e explica o papel, nessa corrida, dasdiferentes paixões da alma: "Cair de repentenos dispõe a chorar. Ver outros caírem nosdispõe a rir". 73 Como no caso de Descartes, asugestão básica de Hobbes é que o riso ex-pressa a sensação, alegre e desdenhosa, danossa própria superioridade.

74

73 Hobbes 1969, pp. 41, 42, 48.74 Heyd 1982, numa discussão que é excelente a não ser

por esse aspecto, faz a sugestão questionável (p. 289)de que isso pode se dever à influência direta de Descar-tes. Mas isso é porque Heyd supõe (p. 286) que Hobbesdiscute o riso pela primeira vez apenas em 1650, en-quanto a principal discussão de Hobbes sobre o assunto(no The Elements of Law) na verdade data de 1640, oitoanos antes da publicação de Les passions de l'ame de

Descartes.

Hobbes e Descartes propõem teoriassimilares, mas a análise de Hobbes é muitomais elaborada, abarcando vários elementoscaracterísticos. Um deles é a sugestão, pro-posta no final da discussão em The Elementsof Law, de que algumas vezes nós rimos nãoporque sentimos desprezo por alguma pes-soa em particular, mas porque nos damosconta de algum absurdo mais geral. Estapossibilidade permite aquilo que Hobbes des-creve como sendo "um riso não-ofensivo",que acontece quando rimos "dos absurdos edos defeitos abstraídos das pessoas, em si-tuações nas quais todos podem rir em con-junto". 75 Esse riso ainda será uma expressãodo nosso escárnio, mas, em vez de debochardiretamente de outras pessoas, estaremosnos unindo para ridicularizar alguma caracte-rística burlesca do mundo e de seus absur-dos.

Curiosamente, Hobbes nunca retorna aessa sugestão em nenhuma de suas discus-sões subseqüentes sobre o riso. Mas ele in-troduz ainda outra distinção em The Elements

75 Hobbes 1969, p. 42.

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of Law, a qual reitera, subseqüentemente,tanto na versão latina quanto na versão ingle-sa de seu último Leviathan. Sugere que umcontraste precisa ser estabelecido entre osdois diferentes modos como a sensação desuperioridade manifestada pelo riso podesurgir. Algumas vezes, as pessoas riem "dasfraquezas dos outros, em comparação comas quais suas próprias habilidades são real-çadas e tornadas ilustres " , e em particular"de zombarias cuja graça sempre consisteem descobrir mostrar à nossa mente, comelegância, alguns absurdos cometidos pelosoutros". Mas, em outros momentos, as pes-soas riem "de suas próprias ações, que nun-ca deixam de ir pelo menos um pouco alémdas suas próprias expectativas, e tambémdas suas próprias piadas". 76 Quer dizer, riemquando fazem a descoberta agradável e re-pentina de que elas são ainda melhores doque tinham suposto.

Depois dessa discussão no The Elements

of Law, Hobbes retorna ao tema do riso em1650, no seu fragmento manuscrito Of Pas-

sions (Das Paixões). Este inclui uma reafirma-ção incisiva do seu argumento básico e come-ça pela declaração de que "a imaginação súbi-ta das próprias habilidades é a paixão que nosleva ao riso".

77Como esta observação deixa

claro, Hobbes não pensa que o próprio risoseja uma paixão, embora ele fale de formaelíptica, numa passagem em The Elements ofLaw, da "paixão do riso". Mais exatamente,como ele indica no começo daquela discus-são, ele considera a ocorrência do riso comoo "sinal" natural de uma paixão. Acrescenta,em The Elements of Law, que a paixão emquestão "não tem nenhum nome "78 , mas, nomanuscrito de 1650, Hobbes a nomeia comconfiança, observando que ela gira exatamen-te ao redor daqueles sentimentos de superio-ridade — "da imaginação das próprias habilida-des" — que ele particularmente distingue.

As palavras finais de Hobbes sobre oriso podem ser encontradas nas duas ver-sões do Leviathan, embora a passagem rele-vante da edição latina de 1668 não seja muito

77 Hobbes, Of Passions, BL Harl. MS 6083, fo. 177r.78 Hobbes 1969, pp. 41-42.76 Hobbes 1969, pp. 41-42.

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60 COLEÇÃO ALDUS HOBBES E A TEORIA CLÁSSICA DO RISO 61

mais do que uma tradução do que aparece naedição inglesa de 1651. Hobbes começa re-tornando à definição que já tinha fornecido emThe Elements of Law. "A glória imprevista",declara novamente, "é a paixão que provocaaquelas caretas que chamamos de riso." Damesma forma, retorna à sua alegação maisantiga: a sensação de superioridade que dis-põe as pessoas ao riso pode emergir de duasmaneiras. Elas podem conseguir realizar algoque está além das suas expectativas, com oresultado de que irão rir "por causa de umato imprevisto, feito por elas mesmas, que asagrada". Alternativamente, seu sentimentode superioridade pode provir mais diretamen-te da sua percepção, em outra pessoa, de al-guma fraqueza desprezível ou "deformida-de". 79

Hobbes agora passa por alto a interes-sante possibilidade que tinha notado ante-riormente em The Elements of Law de que asensação de "superioridade " que nos faz rirpode surgir não apenas da comparação denós mesmos "com as fraquezas alheias",

79 Hobbes 1996, cap. 6, p. 43.

mas também "com as nossas próprias fra-quezas em tempos passados". A idéia de quenós, às vezes, rimos de nossos egos anterio-res não é retomada em nenhuma das versõesdo Leviathan. Talvez Hobbes tenha começadoa acreditar, como, muitas vezes, parece su-gerir, que nossos egos anteriores podem serconsiderados como equivalentes a outraspessoas, de forma que não haja nenhuma dis-tinção a ser feita. 80 Ou talvez tenha começa-do a sentir que tal auto-ironia é menos co-mum do que ele anteriormente tinha suben-tendido, especialmente como enfatiza em TheElements of Law que ninguém ri "de suas pró-prias tolices do passado", a menos que este-ja certo de que isso não acarreta "nenhumadesonra no presente". "Pois quando uma pia-da irrompe sobre nós ou sobre amigos cujadesonra nos atinge, nunca rimos. " 81 Seja qualfor a razão dessa omissão, o resultado é queHobbes trata, no Leviathan, apenas do que

80 Isto é, parece que a concepção de Hobbes é a de que,mesmo quando nosso riso se dirige às nossas própriasfraquezas de outros momentos, ele é um exemplo danossa ascendência momentânea sobre outras pessoas.

81 Hobbes 1969, p. 42.

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sempre tinha considerado como sendo a prin-cipal causa do riso, a saber, "a apreensão dealguma deformidade no outro, em compara-ção com a qual as pessoas de súbito aplau-dem a si mesmas". 82

Antes de voltar à segunda questão prin-cipal que quero considerar, preciso pararnesse ponto e perguntar o que pode ter leva-do Hobbes a retornar à sua forma antiga eparcialmente desacreditada de pensar sabreo riso, ao mesmo tempo em que alega comtanta força a novidade de sua própria expli-cação. Será que ele pensava que o desafio àteoria aristotélica colocado por tantos escri-tores renascentistas estava simplesmentemal dirigido? Talvez, mas parece estranhoque ele nunca mencione qualquer das dúvidasmais freqüentes ou que não deixe claro, emmomento algum, que está escrevendo com oobjetivo de responder a elas. Poderia ele sim-plesmente não estar a par de que a teoriaaristotélica tinha sido tão amplamente criti-cada por sua óbvia unilateralidade? Confessoque não conheço a resposta a esta questão,

mas minha hipótese é que foi por causa daconcepção mais geral de Hobbes sobre a na-tureza humana que a teoria aristotélica per-maneceu tão irresistível para ele. Como eleexpressa no Leviathan, é uma de suas cren-ças mais fundamentais "que precisamos evi-denciar uma inclinação geral de toda humani-dade, um desejo perpétuo e incansável de po-der e mais poder, que cessa somente com amorte". 83 Descobrimos não apenas que oshomens "amam naturalmente a liberdade e odomínio sobre os outros". Descobrimos tam-bém que no homem "a alegria está na compa-ração de si mesmo com os outros", de formaque os homens "só podem se deleitar com oque é superior". 84 E de acordo com a teoriaclássica do riso, rimos ao mesmo tempo paraexpressar alegria e para transmitir uma sen-sação de superioridade escarnecedora e des-denhosa. Isto sugere que o interesse espe-cial que Hobbes tem pelo riso, bem como suaadesão à explicação clássica, pode provir dofato de que, de acordo com essa análise, o fe-

82 Hobbes 1996, cap. 6, p. 43.83 Hobbes 1996, cap. 11, p. 70.84 Hobbes 1996, cap. 17, pp. 117, 119.

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64 CoLeção AwuS

nômeno do riso fornece uma ilustração per-feita de suas concepções mais gerais a res-peito da natureza humana.

VI

Vou tratar agora da outra questão nota-da pelos autores que tenho discutido. Comomencionei inicialmente, a outra questão so-bre a qual eles geralmente refletem diz res-peito a como devemos avaliar o fenômeno doriso, o que devemos pensar dele. Para aque-les que pensam que o riso é — ou pelo menospode ser — uma expressão pura de alegria eprazer, há pouca dificuldade aqui. É possívelaceitar o fenômeno como digno de ser cultiva-do sem maiores problemas, pelo menos emalgumas de suas manifestações. Já vimosessa defesa do riso em escritores humanis-tas como Castelvetro, Beni e Guyon, epode-se encontrar uma nobre reformulaçãodela no livro 4 da Ética de Spinoza, no qual oriso é tratado como um elemento daquelelado mais leve da vida que Spinoza tem comopropósito nos recomendar.

85

85 Spinoza 1985, IV, P. 45, pp. 571-2.

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Mesmo para aqueles que pensavam noriso como sendo invariavelmente uma expres-são de escárnio, era ainda possível pensar noriso como algo importante e digno de ser en-corajado. Uma razão tinha sido dada pelo pró-prio Aristóteles, quando insistiu que os víciosmerecem ser reprovados e que o riso, um dosmeios mais efetivos para reprová-los, tem umpapel moral a desempenhar em nossas vidas.Uma razão muito diferente tinha sido apre-sentada pelos escritores médicos que discu-ti, para quem a disposição de rir das tolicesda humanidade era considerada como ummeio de preservar a saúde. Como LaurentJoubert explica em detalhes, o encorajamen-to desse tipo de alegria é excepcionalmentevalioso no caso das pessoas de compleiçãofria e seca, portanto de coração pequeno eduro. 86 Qualquer pessoa amaldiçoada comesse temperamento sofre de um excesso deatra bills ou bílis negra no baço, que, por suavez, dá origem a sentimentos de raiva e, senão tratados, leva à perda do esprit e conse-

qüentemente à melancolia. 87 0 exemplo aoqual os médicos constantemente recorriamera Demócrito, cujo temperamento biliosotornava-o tão impaciente e irritável, que,conforme descreve Burton em The Anatomyof Melancholy, ele eventualmente se deprimiaquase a ponto de se matar.

88A decisão de

Demócrito de cultivar o hábito de rir foi umremédio para a sua perigosa situação. Fazen-do de si mesmo um constante espectadordos absurdos humanos, conseguiu superarseu mau humor rindo de tudo o que provocas-se o seu desprezo. Isto não apenas melhorouo fluxo de seu sangue, tornando-o dessa for-ma temporariamente mais sangüíneo, mas oajudou a expelir a bílis negra, que teria de ou-tro modo trazido de volta a sua melancolia.Como Joubert conclui, devemos ser sangüí-neos e leves de coração para permanecer "ci-vilizados", e a virtude médica do riso provémdo fato de que sua ação violenta nos permitecorrigir um desequilíbrio ameaçador em nos-so temperamento.

86 Joubert 1579, pp. 251-4, 258-9.87 Joubert 1579, pp. 81-3, 273-6.88 Burton 1989, p. 2.

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Durante o século XVIl, entretanto, cadauma dessas defesas do riso começou, por di-ferentes razões, a encontrar dificuldades.Em primeiro lugar, a crença no riso como umaforma de tratamento médico perdeu gradual-mente a credibilidade. Uma das conquistasda fisiologia do século XVI~ foi minar o prestígioda psicologia dos humores, e depois dessarejeição a conexão aparentemente íntima en-tre riso e bom humor foi reduzida a nada maisdo que uma metáfora. Mais surpreendente, acrença de que o riso deveria ser encorajadocomo um meio de escarnecer do vício, ou ain-da como uma inocente expressão de conten -

tamento, caiu da mesma forma em descrédi-to no final do século XVII. Esse acontecimen-to, entretanto, é mais difícil de entender, eeu gostaria de terminar meu ensaio , tentandoesboçar, e se possível explicar, essa mudan-ça cultural.

Encontramos já uma marcante desapro-vação do riso entre vários escritores mora-li stas da metade daquele século. 0 próprioHobbes sempre expressa consideráveis re-ceios e dúvidas. Ele se refere com desgosto,em The Elements of Law, àqueles que pen-sam "nas fraquezas alheias como motivo sufi-

ciente para o seu próprio triunfo", declaran-do que "isso é uma glória vã e um argumentode pouco valor". 89 Subseqüentemente, no Le-viathan, fala num tom ainda mais deprecia-dor, acrescentando que "rir muito dos defei-tos dos outros é um sinal de pusilanimida-de". 90 A impressão que ele sempre transmiteé que o riso é algo que precisa ser eliminadoou pelo menos controlado. Thomas Fuller, umpregador monarquista cujas concepções nogeral não são muito próximas das de Hobbes,expressa dúvidas bastante parecidas no seutratado The Holy State (O Estado Sagrado),de 1642. Fuller reconhece que algumas zom-barias não devem ser consideradas "ilíci-tas", desde que "não excedam em quantida-de, qualidade ou sejam inoportunas". Masele expressa um considerável constrangi-mento e declara, como Hobbes, uma espe-cial antipatia por aqueles que riem das fra-quezas alheias. "Não escarneça", adverte eleno seu capítulo Da Zombaria, "dos defeitosnaturais de qualquer um que não esteja em

89 Hobbes 1969, p. 42.90 Hobbes 1996, cap. 6, p. 43.

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70 Coi_EoÂo AimS HDBBES E A TEDRIA CLÁSSICA DO RISO 71

condições de se corrigir." Pois "como pode oobjeto da tua piedade ser o objeto do teu di-vertimento"? "Desenvolver o hábito de escar-necer deles" é ter um comportamento emnada melhor que o dos filisteus quando obri-garam Sansão a "servir de divertimento paraeles". 91

Se considerarmos a geração seguinte, eespecialmente os livros de cortesania que en-tão começam a proliferar, encontraremosuma hostilidade ainda maior. Considere-se,por exemplo, a discussão do riso que apareceno livro de Lord Halifax Advice to a Daughter( Recomendações a uma Filha), de 1688. Ne-nhuma dama, argumenta Halifax, deve procu-rar cultivar o caráter de "uma mulherbem-humorada" e apresentar-se a si mesmacomo alguém que "pensa que deve estar sem-pre rindo, ou com um largo sorriso", poisessa suposta "necessidade de aparecer otempo todo como infinitamente contente"envolve um "grave engano". 92 Se dermos umaolhada, uma geração mais adiante, no livro de

Lord Chesterfield Letters to his Son (Cartas aseu Filho), de 1748, descobriremos que o risofoi absolutamente proscrito. "Desejo de co-ração", assegura o conde a seu filho, "quemuitas vezes possam te ver sorrir, mas quenunca possam te ouvir rir, por toda a tuavida". 93

Por que o riso caiu em tal descréditocom esses escritores do comportamentocortês? Talvez a principal origem dessa hosti-li dade possa estar ligada a uma exigência dealtos padrões de decoro e autocontrole. Umimportante aspecto desse assim chamadoprocesso "civilizador" toma a forma de umapelo por respeito mútuo e comedimento,mais particularmente de um apelo ao contro-le das várias funções do corpo que tinhamsido previamente classificadas como involun-tárias. 94 0 riso começou a ser visto como umtipo de grosseria nos dois sentidos do termo:tanto como um exemplo de incivilidade e inde-li cadeza quanto como uma reação descontro-lada e, portanto, bárbara que precisava,

91 Fuller 1642, pp. 155, 156, 181.92 Halifax 1969, p. 298.

93 Chesterfield 1901, Carta 144, vol. 1, p. 213.94 Elias 1994, pp. 110-17; Thomas 1977, p. 79.

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72 COLEÇÃO ALDUS HOBBES E A TEORIA CLÁSSICA 00 RISO 73

numa sociedade educada, ser dominada e, depreferência, eliminada.

Não se encontra quase nada dessa ani-mosidade contra o riso mesmo nos livrosmais exigentes de cortesania do século XVI.Considere-se, por exemplo, a atitude adotadapor Castiglione, no seu Libro del Cortegiano.Ele está certamente preocupado em assegu-rar que nossa alegria não seja nunca vulgar enem de um tipo que dê origem a blasfêmias oua hostilidades perigosas. Mas ele está tãolonge de ver o riso como algo inerentementebárbaro que, no livro 2 do Cortegiano, faz comque a figura impecável de Lady Emilia peça aM. Bernarde, depois de uma conversa parti-cularmente espirituosa, que "nos permita rircontando piadas e nos ensine como devemosusá-Ias". 95 Nem jamais encontraremos Hob-bes dizendo que sua razão para desaprovar oriso é que este lhe parece indecoroso. Eleadequadamente observa, em The Elements ofLaw, que os homens riem de coisas indecen-tes e enfatiza, no Leviathan, que devemos rirnão apenas dos vícios dos outros, mas tam-

bém do seu comportamento indecoroso. Masnunca sugere – mesmo no caso de uma tal hi-laridade, baixa e vulgar – que precisamos poresse motivo controlá-Ia e eliminá-Ia.

Dentro de poucas décadas, entretanto,tal falta de preocupação com esses escrúpu-los sociais começou a ser considerada faltade educação. Se perguntarmos, por exemplo,por que Lord Halifax previne sua filha contra ohábito da "tola hilaridade", aprenderemosque ele considera tal "tipo barulhento de ani-mação" contrário não apenas "à sagacidade eaos bons costumes", mas também "à modés-tia e à virtude". A razão por que o riso deveser evitado é que ele é "uma característicade tipo baixo, que reduz a mulher a uma condi-ção inferior e a degrada da classe daquelasque são mais refinadas". 96 Uma geração maisadiante, encontraremos Lord Chesterfieldexpressando o mesmo compromisso em ter-mos ainda mais veementes. Tão peremptóriaé a sua exigência de decoro que o riso – estenotável veículo de desprezo – é ele própriotransformado num objeto de desprezo. A ra-

95 Castiglione 1994, pp. 153, 155, 159-60. 96 Halifax 1969, p. 298.

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74 COLEÇÃO ALDUS HOBBES E A TEORIA CLÁSSICA DO RISD 75

zão pela qual o conde insiste que o riso deveser totalmente evitado é que "não há nadatão tacanho e tão mal-educado". "Pessoasde sensibilidade e educação devem mostrarestar acima" daqueles que se habituam aoriso. Rir é "algo baixo e inconveniente", espe-cialmente por causa do "ruído desagradávelque o riso provoca e da distorção chocante daface que ele ocasiona" sempre que sucumbi-mos a ele. 97

O imperativo de decoro foi, sem dúvida, aprincipal causa do crescimento, no início doperíodo moderno, de um movimento para ba-nir o riso da sociedade educada. Para qual-quer um numa cultura pós-freudiana, entre-tanto, parecerá natural sugerir uma outrarazão muito diferente para considerar o ri-so, especialmente o riso desdenhoso, comoalgo a ser evitado ou controlado. Tais irrup-ções podem ser interpretadas não apenascomo bastante agressivas, mas tambémcomo estratégias óbvias para tentar lidarcom sentimentos de inadequação e insegu-rança. Elas podem ser vistas, em outras pa-

lavras, como sinais de um tipo de fraquezapsíquica que qualquer pessoa com respeitopróprio vai querer controlar ou, pelo menos,dissimular.

Algum dos escritores que mencioneichega a esse nível de perspicácia? A respos-ta, talvez pouco surpreendente, é que, emgeral, eles não parecem fazer isso. Nessa ge-neralização, entretanto, há pelo menos umaexceção: é Hobbes. 98 Tão cedo quanto no TheElements of Law, podemos encontrar Hobbesobservando que são geralmente aqueles que"são ávidos de aplausos, por tudo aquilo queeles fazem bem", que têm prazer em rir "desuas próprias ações, que nunca deixam de irpelo menos um pouco além das suas própriasexpectativas". Ele também observa que talriso consiste, com efeito, "na recomendaçãode nós mesmos à nossa própria estima, pormeio da comparação com as fraquezas e osabsurdos dos outros homens". É neste pontoque ele acrescenta um comentário desdenho-so: "é uma glória vã e um argumento de pouco

98 Um indício dessa mesma idéia pode ser encontrado emDescartes 1988, art. 179, p. 196.97 Chesterfield 1901, carta 144, vol. 1, p. 212.

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valor pensar nas fraquezas alheias como mo-tivo suficiente para o seu próprio triunfo". 99

Entretanto, vamos encontrar a primeirasugestão explícita de Hobbes de que o riso ésinal de uma falta de auto-estima na sua Res-posta, de 1650, ao Prefácio de Sir WilliamDavenant ao Gondibert:

Mentes elevadas que refletem sobre assun-tos elevados não têm tempo disponível parao riso e ficam satisfeitas com a contempla-ção de suas próprias capacidades e virtu-des, de forma que não precisam das fraque-zas e dos vícios de outros homens para serecomendar a si mesmas por meio da com-paração, como fazem todos os homensquando riem. 100

Nessa passagem, Hobbes aproximaduas idéias igualmente severas a respeito doriso, a saber, que pessoas importantes nãoterão motivo e nem tempo para cultivá-lo.

Se nos voltarmos para o Leviathan, pu-blicado no ano seguinte, encontraremos Hob-bes dando toda atenção à sugestão de que oriso revela uma fraqueza de caráter e expres-

99 Hobbes 1969, p. 41-2.100 Hobbes 1971, p. 53.

sando essa idéia em tons ainda mais intimida-tivos:

[0 riso] se manifesta na maioria daquelesque estão conscientes das poucas habilida-des que possuem; que se sentem forçados ase manter de bem consigo mesmos, obser-vando as imperfeições dos outros. E, porisso, rir muito dos defeitos dos outros é umsinal de pusilanimidade. Pois uma das ocupa-ções próprias das mentes elevadas é ajudara libertar os outros do escarnecimento ecomparar a si mesmas somente com osmais hábeis. 10 '

Como esta é a palavra final de Hobbessobre o assunto, é surpreendente encon-trá-lo introduzindo dois elementos inteira-mente novos em sua teoria básica de que oriso é uma expressão de desprezo. Um delesé que, como é apropriado às mentes elevadascompararem a si mesmas somente com osmais hábeis, elas não terão oportunidade dealimentar tais sensações de superioridade eescárnio. Sua outra sugestão, ainda maisexigente, é que pessoas talentosas têm o de-ver moral adicional e concreto de ajudar os

101 Hobbes 1996, cap. 6, p. 43.

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78 COLEÇÃO ALDUS HOBBES E A TEORIA CLÁSSICA DO RISO 79

outros a cultivarem sentimentos similares demagnanimidade e respeito.

Embora Hobbes até então, em suasobras publicadas, nunca tenha expressadoessas idéias, de modo algum elas foram ade-sões novas. Ele nutriu essas idéias por umtempo considerável, como fica evidente emuma carta extraordinária, de admoestação eaconselhamento, que enviou a Charles Caven-dish, o filho mais novo do segundo conde deDevonshire, na época em que ele estava resi-dindo em Paris, em 1638:

Encorajar aqueles que nos são inferiores,ser cordial com os que nos são iguais e comos que nos são superiores, perdoar as toli-ces daqueles com quem conversamos e aju-dar os homens que correm o risco de se tor-nar motivo de riso — estes são sinais de no-breza e de maestria do espírito. Adorar a simesmo ao avistar a fraqueza de outros ho-mens, como os que riem e escarnecem, écaracterística de alguém que se põe a com-petir por honra com tais homens ridícu-los.

102

Aqui, o dever de exigir e ajudar os outrosa cultivarem um verdadeiro sentido de mag-nanimidade é tão enfatizado que Hobbes seaproxima da alegação humanista tradicionalde que virtus vera nobilitas est

Para Hobbes está claro, então, que oriso é, fundamentalmente, uma estratégiapara enfrentar sentimentos de inadequação.Mas é esta a razão por que ele pensa que oriso deve ser controlado? Talvez não seja asua razão principal, pois, em primeiro lugar,ele enfatiza sua aversão à agressão que tam-bém considera presente no riso. Para enten-der essa aversão, devemos começar lem-brando do princípio mais básico da sua filoso-fia política: "buscar a paz e obedecê-Ia",

103

Quando Hobbes lista as linhas de ação quedevemos seguir se quisermos preservar apaz, afirma que uma dessas "cláusulas dapaz" ("que de outra forma são chamadas leisda natureza")

104é que "nenhum homem, por

ações, palavras, expressão ou gesto, devedeclarar ódio ou desprezo a outro homem". A

102 Hobbes 1994, carta 28, vol. 1, pp. 52-3.103 Hobbes 1996, cap. 14, p. 92.104 Hobbes 1996, cap. 13, p. 90.

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80 COLEÇÃD ALDUS HDBBES E A TEORIA CLÁSSICA DO RISO 81

razão pela qual a observação desse preceitoé indispensável para a paz é que "todos os si-nais de ódio ou desprezo provocam brigas;visto que a maioria dos homens prefere arris-car a vida a não ser vingado". 105 Como temosvisto, Hobbes, invariavelmente, trata o risocomo um sinal de desprezo. A principal razãode sua hostilidade é, portanto, que considerao riso como uma ameaça óbvia à paz.

Há muitas indicações, entretanto, deque Hobbes também é movido pelo pensa-mento de que, se o riso escarnecedor indicafalta de auto-estima, isso dá mais uma razãopara que se deva evitá-Io. Ele trata desse ar-gumento no final do capítulo 9 de The Ele-

ments of Law, no qual estabelece sua explica-ção mais completa do riso e de seu valor.Nesse capítulo, ele aprofunda a sua imagemda vida como uma corrida, acrescentando que"devemos supor que essa corrida não temoutro objetivo, outra grinalda, senão ser oprimeiro". A conquista da felicidade vem deconseguir "continuamente ultrapassar o queestá pela frente", enquanto a miséria surge

quando somos continuamente "ultrapassa-dos". Dentre as maneiras de atrair a miséria,uma será, portanto, agir com vanglória, poisaqueles que sofrem dessa fraqueza "perdemterreno olhando para trás"; outra será exibirpusilanimidade, pois essa fraqueza nos faz"perder terreno diante de pequenos obstácu-los". 106

Estas características da vida enquantouma corrida assumem uma importância espe-cial quando nos lembramos do que diz Hobbesa respeito das faltas reveladas por aquelesque se comprazem em rir desdenhosamente.Como temos visto, ele declara que o riso éuma "glória vã" e que "rir muito dos defeitosdos outros é um sinal de pusilanimidade".

107

Mas ele agora acrescenta que, se nos entre-garmos a essas fraquezas, perderemos ter-reno na corrida da vida, já que a vanglória nosfaz olhar para trás e a pusilanimidade nos dei-xa embaraçados. Ele também acredita queperder terreno nessa corrida particular é apior coisa que nos pode acontecer. Sendo as-

106 Hobbes 1969, pp. 47-8.107 Hobbes 1969, p. 42; Hobbes 1996, cap. 6, p. 43.105 Hobbes 1996, cap. 15, p. 107.

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82 CDLEÇÃO ALDUS

sim, temos fortes razões para controlarqualquer disposição ao riso, já que temos for-tes razões para controlar os sentimentos devanglória e pusilanimidade, que têm sua ex-pressão no riso. Não podemos nos dar ao luxode nos entregar a nenhuma dessas fraquezasenquanto lutamos para nos manter de pénum mundo competitivo e hostil.

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