tendências de desenvolvimento humano em angola...

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2.1 Índice de desenvolvimento humano e pós-conflito O índice de desenvolvimento humano é um índice compósito que pretende medir por aproximação a qualidade de vida ou o desen- volvimento humano de cada país a partir de três dimensões básicas da condição humana: longevidade, conhecimento e rendimento económico. Estas três dimensões básicas são operacionalizadas através de indicadores de esperança de vida, taxas de alfabetização de adultos e escolarização combinada e, produto interno bruto per capita ajustado. O índice é uma média ponderada dessas três compo- nentes, rendimento económico, esperança de vida e nível de educação. O índice tem várias limitações conceptu- ais, já que não captura outras dimensões do desenvolvimento humano como por exemplo, o acesso à justiça, níveis de liberdade de expressão individual e colectiva. Por outro lado há novas questões conceptuais emergentes como o Sida e o seu impacto demográfico, em particular a relação pobreza e mortalidade, que afectam desproporcionalmente mais os pobres. Pode-se antecipar que os valores actu- ais de pobreza absoluta serão reduzidos, se os mais pobres morrerem muito mais como resul- tado do Sida. Isto, à partida, poderá levar a crer que se está verificando num país, uma redução da pobreza absoluta, o que não será de facto verdade. Uma outra questão que se pode igualmente levantar sobre a validade do índice, é o seu valor informativo sempre que as suas três dimensões se deslocam em direcções diferentes. Que significado atribuir ao índice, se ele cresce de um ano para o outro como resultado do crescimento da dimensão rendi- mento, enquanto que as dimensões longevi- dade e alfabetização sofrem recuos? Uma mel- horia geral de desenvolvi- mento humano, deveria ser certamente aquela em que as três dimensões crescem na mesma direcção. Uma outra questão par- ticular da utilidade do índice, é a sua adequação ao contexto de países em situação de pós-confli- to. Como operacionalizar a medição do desen- volvimento humano numa situação de pós-con- flito como é o caso de Angola? O desenvolvi- mento pode assumir o formato de uma recu- peração de base ampla ou ser uma simples reconstrução daquilo que o conflito destruiu. Isto pressupõe interrogar-se sob a natureza da própria recuperação económica já que o crescimento económico pode ser polarizado num ou outro sector económico (caso dos petróleos e indústria extractiva de diamantes em Angola). Este tipo de crescimento não é, propriamente, do tipo de pró-desenvolvimento humano, já que não é gerador de um cresci- mento amplo de empregos, ao mesmo tempo que pode criar desequilíbrios sectoriais e regionais. A natureza da origem do crescimen- to do produto interno bruto per capita, uma das dimensões do índice de desenvolvimento humano, não captura tais particularidades, mascarando dessa forma, a natureza do próprio desenvolvimento económico. Outra questão largamente importante num país em situação de pós-conflito, é o desen- volvimento institucional. O capital social foi largamente destruído e a sua reconstrução ou criação em novos moldes, é vital para que o desenvolvimento humano tenha lugar. A cri- ação de instituições públicas, comunitárias e novas regras de jogo democrático e económi- cas, são vitais para o desenvolvimento humano. Em países saídos de uma guerra, os níveis de confiança comunitário são baixos e isso tem implicações negativas sob a capaci- capítulo 2 >> Tendências de desenvolvimento humano em Angola 1990-2001 Relatório de Desenvolvimento Humano | Angola 2005 29 O capital social foi largamente destruído e a sua reconstrução ou criação em novos moldes, é vital para que o desenvolvimento humano tenha lugar.

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2.1 Índice de desenvolvimentohumano e pós-conflito

O índice de desenvolvimento humano é umíndice compósito que pretende medir poraproximação a qualidade de vida ou o desen-volvimento humano de cada país a partir detrês dimensões básicas da condição humana:longevidade, conhecimento e rendimentoeconómico. Estas três dimensões básicas sãooperacionalizadas através de indicadores deesperança de vida, taxas de alfabetização deadultos e escolarização combinada e, produtointerno bruto per capita ajustado. O índice éuma média ponderada dessas três compo-nentes, rendimento económico, esperança devida e nível de educação.

O índice tem várias limitações conceptu-ais, já que não captura outras dimensões dodesenvolvimento humano como por exemplo, oacesso à justiça, níveis de liberdade deexpressão individual e colectiva. Por outro ladohá novas questões conceptuais emergentescomo o Sida e o seu impacto demográfico, emparticular a relação pobreza e mortalidade,que afectam desproporcionalmente mais ospobres. Pode-se antecipar que os valores actu-ais de pobreza absoluta serão reduzidos, se osmais pobres morrerem muito mais como resul-tado do Sida. Isto, à partida, poderá levar acrer que se está verificando num país, umaredução da pobreza absoluta, o que não seráde facto verdade.

Uma outra questão que se pode igualmentelevantar sobre a validade do índice, é o seuvalor informativo sempre que as suas trêsdimensões se deslocam em direcçõesdiferentes. Que significado atribuir ao índice,se ele cresce de um ano para o outro comoresultado do crescimento da dimensão rendi-mento, enquanto que as dimensões longevi-dade e alfabetização sofrem recuos? Uma mel-

horia geral de desenvolvi-mento humano, deveria sercertamente aquela em queas três dimensões crescem namesma direcção.

Uma outra questão par-ticular da utilidade doíndice, é a sua adequação aocontexto de países em situação de pós-confli-to. Como operacionalizar a medição do desen-volvimento humano numa situação de pós-con-flito como é o caso de Angola? O desenvolvi-mento pode assumir o formato de uma recu-peração de base ampla ou ser uma simplesreconstrução daquilo que o conflito destruiu.Isto pressupõe interrogar-se sob a natureza daprópria recuperação económica já que ocrescimento económico pode ser polarizadonum ou outro sector económico (caso dospetróleos e indústria extractiva de diamantesem Angola). Este tipo de crescimento não é,propriamente, do tipo de pró-desenvolvimentohumano, já que não é gerador de um cresci-mento amplo de empregos, ao mesmo tempoque pode criar desequilíbrios sectoriais eregionais. A natureza da origem do crescimen-to do produto interno bruto per capita, umadas dimensões do índice de desenvolvimentohumano, não captura tais particularidades,mascarando dessa forma, a natureza dopróprio desenvolvimento económico.

Outra questão largamente importante numpaís em situação de pós-conflito, é o desen-volvimento institucional. O capital social foilargamente destruído e a sua reconstrução oucriação em novos moldes, é vital para que odesenvolvimento humano tenha lugar. A cri-ação de instituições públicas, comunitárias enovas regras de jogo democrático e económi-cas, são vitais para o desenvolvimentohumano. Em países saídos de uma guerra, osníveis de confiança comunitário são baixos eisso tem implicações negativas sob a capaci-

capítulo 2 >>

Tendências de desenvolvimento humano

em Angola 1990-2001

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O capital social foilargamente destruído ea sua reconstrução oucriação em novosmoldes, é vital paraque o desenvolvimentohumano tenha lugar.

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dade de acionar mecanismos de acção colecti-va, para a realização de projectos comu-nitários.

Em resumo, poder-se-á afirmar que o IDHfoi construído com um viés para capturardimensões do capital humano, reflectindo commuita dificuldade, as dimensões do capitalsocial. Infelizmente numa situação de confli-to, também o capital social (instituições,regras e normas, confiança colectiva, acçãocolectiva, etc) são afectados na mesma pro-porção que as dimensões do capital humano(longevidade, conhecimento e rendimentoeconómico). Medidas mais amplas de capitalsocial, não são contempladas no IDH. Nãoobstante as suas limitações conceptuais, o IDHpermite, no entanto, classificar os países deacordo ao seu desenvolvimento e constitui umareferência obrigatória na medição do desen-volvimento humano.

2.2. Evolução do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)

A evolução de uma década de desenvolvi-mento humano de Angola é analisada a partirdo comportamento dos valores do IDH e dasposições relativas do IDH e do PIB per capita(PPC$) tendo por base a série de dados dosrelatórios mundiais de desenvolvimentohumano. A tabela a seguir mostra a evoluçãodos valores dos mesmos.

Angola está considerada nos relatórios dasNações Unidas como um país de baixo desen-volvimento humano tendo nos relatórios dedesenvolvimento humano mundial de 2003 e2004 sido classificada a 11 lugares do últimopaís listado com o pior desempenho em termosde desenvolvimento humano.

A evolução do IDH mostra que houveganhos mínimos e que a tendência é de uma

clara estagnação no desenvolvimento humano.A linha de tendência do IDH não mostra quevenham a ocorrer grandes saltos positivos nospróximos anos. Isto é indicador de gravesproblemas estruturais de desenvolvimento queo país está enfrentando, que evidenciamreduções ou mudanças nulas em alguns indi-cadores de desenvolvimento humano,nomeadamente, a longevidade e o conheci-mento. Estas duas dimensões de desenvolvi-mento humano são de tipo estrutural, em largamedida sendo afectadas positivamente ou não,a médio e longo prazo, por políticas agressivasde saúde pública e educacionais. Na ausência

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de tais políticas, muito dificilmente um paíspoderá, a curto prazo, evidenciar ganhos nosvalores de IDH.

No caso de Angola, na componente delongevidade, tem jogado contra si, a alta taxade mortalidade infantil. Igualmente os proces-sos de empobrecimento acelerado da últimadécada, promoveram aumentos de morbilidadenão contrapostos por políticas de saúde públi-ca e pela criação de redes de segurança anti-pobreza. Já a componente de educação foilargamente afectada pela queda dos orçamen-tos públicos para a educação, ao longo dadécada em referência, a destruição de infra-estruturas e o não alargamento de rede esco-lar para fazer face à dinâmica natural decrescimento populacional e também aos fluxosmigratórios provocados pelo conflito armado.Outro factor que também tem concorrido parao aprofundamento da crise, é o empobreci-mento das famílias, levando a que os jovensem idade escolar engrossem o sector informal,para apoiar o rendimento familiar.

Em resumo, pode-se afirmarque não se registaram, na décadaem análise, ganhos em termos deesperança de vida e educação(taxa de educação de adultos etaxa de matrícula combinadas doprimário e secundário), indi-cadores que operacionalizam asdimensões de longevidade e deconhecimento do IDH.

Caixa 4 - Longevidade no IDH e Papel da Mortalidade Infantil.

Uma das razões do alto nível de mortali-dade geral em Angola, está ligada à alta taxade mortalidade infantil, que faz com que o paísseja considerado um dos que tem as mais altastaxas mundialmente. A taxa de mortalidadeinfantil, ao longo dos anos, não tem sofridoalterações substanciais, o que pressupõe quefactores estruturais estarão a influenciar nega-tivamente a não redução, ao longo da últimadécada.

Entre esses factores destaca-se a prevalên-cia da malária no país, que constitui uma dasprincipais causas de mortalidade entremenores de cinco anos. Segundo o Ministérioda Saúde, mais de setenta e cinco mil mortesocorrem anualmente em menores de cincoanos. Por outro lado, também há que acres-centar a forte prevalência de doenças diarre-icas agudas e de infecções respiratórias agu-das. Igualmente, o sarampo é uma das princi-pais causas de mortalidade entre as crianças,que poderiam ser preveníveis pela vacinação.Estes são alguns factores que têm impactosobre a mortalidade infantil e como tal, sobrea componente longevidade do IDH.

Por outro lado, a má nutrição geral entreas crianças com idades inferiores a cinco anos,é extremamente elevada: a má nutrição cróni-ca global rondaria os 45% a nível nacional.Quando se comparam as zonas urbanas e zonasrurais, há um diferencial de mais de 7% de mánutrição crónica global nas áreas rurais, o quenão é significativo. Há uma má nutrição cróni-ca aguda de 26% nas áreas rurais contra 12%nas áreas urbanas. À parte este indicador,

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todos os outros indicadores conforme a tabelaabaixo, mostram que de facto, a situação éestrutural ou seja, encontra-se nas áreasurbanas e rurais, o mesmo nível de situação demá nutrição referente às crianças com idadeinferior a cinco anos.

A situação estrutural descrita, implicariauma abordagem sistémica de políticas públicasque tenham por objectivo tentar reduzir aomáximo os actuais níveis de mortalidade infan-til. Se isso não for feito, é muito difícil que acomponente longevidade do índice de desen-volvimento humano possa registar melhoriassignificativas.

Atacar as causas da mortalidade infantilque estão ligadas à prevalência de altos níveisde malária e de subnutrição (os níveis de

pobreza) poderia levar a umaredução acelerada da mortali-dade infantil e assim, conduzir àmelhoria da componente delongevidade do IDH. A taxa demortalidade infantil tem umgrande impacto sobre a taxa demortalidade geral e, se aquela formelhorada, a taxa de mortalidadegeral terá um desempenho muitomais positivo e, assim haverámelhorias no nível da longevidade.

2.2.1.IDH e PIB per capita

A terceira dimensão do IDH é o rendimentoindividual do cidadão medido em dólaresamericanos com base na paridade do poder decompra nesse país. A posição de um dado país(neste caso Angola) com relação aos outrospaíses no classificador de desenvolvimentohumano mundial, melhora sempre que ascen-der um ou mais lugares neste classificador. Ouseja, estar na posição 100, por exemplo, émelhor do que estar na posição 166. Os gráfi-cos seguintes mostram que enquanto a posiçãorelativa de Angola tem estagnado em termosde globais, já a dimensão de rendimento temregistado ganhos. Por outras palavras, a déca-da passada mostrou que as três dimensões dedesenvolvimento humano têm experimentado

dinâmicas de desenvolvimentoantagónicas, já que enquanto adimensão “longevidade” e adimensão “conhecimento” têmregistado perdas e estagnação, adimensão “rendimento económi-co” tem vindo a crescer.

O facto do valor do IDH não serlargamente afectado por ganhosda dimensão rendimentoeconómico mostra também quan-to as outras dimensões de desen-volvimento tiveram na décadadesempenhos bastante fracos. Nocômputo geral, a análise datendência em cada uma das

dimensões do índice fica marcada pelos rumos

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de desenvolvimento antagónicos, deixandotransparecer a ideia de que a década passada,em termos de desenvolvimento humano, foiperdida.

2.3 Desigualdade e disparidades sociais

A tabela abaixo mostra aevolução do coeficiente de Ginientre dois períodos, 1995 e2000. O coeficiente de Gini é umindicador de desigualdade sociale quanto mais elevado ele fôr,maior é o estado de desigual-dade social entre os diferentesgrupos de rendimento da popu-lação. Normalmente, valoresdeste coeficiente superiores a0.3 são indicadores de desequi-líbrios sérios em termos de dis-tribuição da renda nacional. EmAngola o coeficiente de Ginisofreu um agravamento passan-do de 0.54, em 1995, para 0.62em 2000, o que é demonstrativode um agravamento dasdesigualdades entre os maisricos e os mais pobres nasociedade.

O coeficiente de Gini foi

desagregado por províncias observando-se quepara as províncias com dados para os doisperíodos não se registaram alterações signi-ficativas. Isto pode significar que no períodoem análise as políticas públicas de redis-tribuição da renda não tiveram impacto positi-vo.

A análise que a seguir se apresenta, mostraas desigualdades sociais no acesso à educaçãoentre os diferentes grupos de despesa (quintísde despesa) a partir dos dados do IDR. A análiseestá centrada em duas questões fundamentais:acessibilidade ao ensino e conhecimento defacto, medido pela capacidade de um indiví-duo saber ler e escrever. Por outras palavraspretendeu-se analisar os processos e produtosda actividade escolar a partir de duas questõeschave: se sabe ler e escrever e se alguma vez

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frequentou a escola. A análise foi realizadapara várias categorias de análise, nomeada-mente, período colonial e pós-independência,cidades e genéro.

A tabela abaixo mostra que, comparativa-mente ao período colonial, os diferenciais deperda entre o acesso à escola e a capacidadede ler e escrever são actualmente superiores.

Enquanto que no tempo colonial para cada 65indivíduos actualmente mais pobres que fre-quentaram a escola 57 sabiam ler e escrever,significando uma perda de 8 %, já no períodoactual essa perda é de 28%. O quadro é geralpara todos os outros grupos de despesa comperdas menores entre os mais ricos. Umaconstatação rápida é que os níveis actuais deeficiência de ensino são menores que no perío-do colonial já que se registamperdas mais elevadas. Umaoutra constatação é que naprimeira fase do período pós-colonial o nível de acesso aoensino foi superior ao períodocolonial demonstrativo de umapolítica nacional de ensinofocado na educação de massasem que o direito ao ensino sepretendeu instituir como umdireito de facto do cidadão.

Quando a análise é feitaentre Luanda e as outrascidades observa-se que as per-das de eficiência são compara-tivamente iguais o que leva a

pressupor que o problema actual de ensino ésistémico a nível nacional. Os mais pobres têmperdas de eficiência superiores quando com-parados com os grupos com maior rendimentoeconómico.

Este interessante dado poderá ajudar adesmistificar um mito que, eventualmente, asmelhores condições de ensino se encontrariam

na capital do país. A julgarpelos números gerais, o proble-ma de eficiência e acesso aoensino é sistémico a nívelnacional, o que pressupõe quea sua abordagem e busca desoluções terá de ser encontra-do ao nível do desenho depolíticas.

Já a análise dos mesmos indi-cadores do inquérito pela cate-goria de género mostra que osexo feminino regista maioresperdas, para além de possuirníveis inferiores de acesso à

escola. O problema tem características estru-turais em termos de acessibilidade embora aproblemática de eficiência possa estar maisligada a questões conjunturais nomeadamenteos níveis de pobreza que promovem uma par-ticipação forçada mais rápida das raparigas aomercado informal de trabalho.

A nível nacional, para cada 81 indivíduos

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mais pobres que alguma vez frequentaram aescola 57 acabaram por declarar que não sabi-am ler e escrever. Já entre os indivíduos commaiores posses, esse diferencial é de 11%.

A conclusão geral da análise que foi feita éque os níveis de pobreza aliados ao sistémiconível de ineficiência do sistema de ensinopúblico são factores de promoção da desigual-dade social no tocante ao acesso ao conheci-mento entre a população. Em última análisepode-se afirmar que os problemas de índoleestrutural encontrados estão funcionandocomo bloqueadores do desenvolvimentohumano.

2.4. Caracterizaçãoda pobreza urbana

Uma caracterização profunda da pobrezaurbana em Angola está limitada pela fracadisponibilidade de dados, acesso limitado aosdados de inquéritos aos agregados familiaresrealizados pelo INE, nomeadamente, o inquéri-to sobre receitas e despesas e pela fraca pro-dução de informação social económica sis-tematizada sobre a pobreza urbana. Cientesdestas dificuldades, é feito um exercício deaproximação ao problema de caracterizaçãoda pobreza urbana, a partir da análise dealguns vectores importantes que poderão aju-dar a perceber algumas das principais determi-nantes do fenómeno pobreza urbana a saber:

* Tendências demográficas recentes;* Concentração urbana e atracção pela

capital do país;* Evolução do padrão da desigualdade

económica e social;* Urbanização acelerada;* Perturbações do mercado de emprego;* Ritmos de inflação elevados; * Programas de combate à pobreza e

exclusão social;* A ruptura das instituições públicas;

Pela sua importância estes vectores podemajudar a perceber as tendências correntes dapobreza urbana em Angola e contribuir para a

necessidade de um estudo mais aprofundado eregular do mesmo. O estudo tentará caracteri-zar o pentágono das dimensões de pobreza

urbana como sendo: o rendimento/consumo; asegurança de posse de terra/habitação; saúde;educação e participação cívica e social(empowerment).

Um esforço é feito no sentido de, em cadaum dos vectores enunciados anteriormente, seanalisar as diferentes dimensões de pobreza.

2.4.1 Tendências demográficas recentes

A nível mundial assiste-se a um fenómenode migração das áreas rurais para as cidades,não escapando Angola a essa tendência. Nocaso particular de Angola, o longo período deconflito armado estimulou esta tendência,com fluxos migratórios acelerados e quase per-manentes (com múltiplas etapas, onde deter-minadas famílias tiveram que migrar váriasvezes de um local para outro). Os centrosurbanos capitais de província e a capital dopaís foram as zonas de maior preferência. Osgrandes fluxos migratórios no país tiveram

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lugar:

* aquando da independência, 1975-76; * após a assinatura dos acordos de paz de

Bicesse e posterior reacender do confli-to 1992-93;

* aquando da assinatura dos acordos depaz de Lusaka, 1994-95 e;

* entre finais de 1998 e 2000 com o rea-cender e generalização do conflito.

Estima-se que hoje mais de 40% da popu-lação Angolana tenha sofrido em alguma faseda sua existência um processo de deslocaçãointerna nas últimas décadas. Como resultadodos processos migratórios acelerados einvoluntários verificaram-se os seguintes fenó-menos:

* Um processo de pauperização repentinoe sistémico, de longo prazo, das popu-lações deslocadas muitas delas vivendoem áreas urbanas ou peri-urbanas;

* Uma pressão sobre os equipamentossociais urbanos já de si saturados einsuficientes para cobrir as necessi-dades das populações urbanas e subur-banas não deslocadas;

* Uma pressão sobre os recursos naturais(terra, água, floresta) junto dos centrosurbanos receptores e a consequentedegradação destes recursos;

* Uma pressão sobre os mercados de tra-balho com a infusão massiva de mão deobra maioritariamente sem formaçãoprofissional, provocando o aumento dosector informal da economia e, umapressão descendente sobre os salários erendimentos médios nesse sector e nomercado de mão de obra formal nãoespecializada;

* Uma ruptura nos mecanismos de entreajuda familiar que tinha nos membrosrurais das famílias alargadas urbanas deprimeira geração um elemento impor-tante no suporte à dieta alimentar eacesso dos primeiros aos bens industri-ais;

* Uma fragmentação social pela ausênciaou disfuncionalidade de mecanismos desegurança social comunitário e intra-agregado presentes nas áreas rurais. Ofenómeno de crianças de rua e na rua,é um exemplo disso;

* Um processo de ruralização de atitudes,comportamentos e estilos de vidaurbanos;

* O aumento do desemprego e sub-emprego urbanos;

* A exposição dos recém-chegados a umaeconomia monetária, para a qual nãoestavam preparados.

Por tudo isto, se pode afirmar que o princípiode aceleração económica aplicada aos fenó-menos demográficos, teve lugar massivamentena Angola urbana, já que:

1. registou-se um aumento no nível dostock demográfico urbano;

2. este aumento realizou-se a uma veloci-dade excessiva e pouco habitual; edurante um longo período de tempo;

O caso da análise da pobreza urbana Angolana,centrada no papel que a variável migração temjogado, contraria em certa medida, algunsestudos de migração interna segundo os quaisos migrantes não se encontram entre os maispobres das suas comunidades de origem ou derecepção, e que a migração interna é respon-sável por menos de metade do crescimentourbano, o que leva a concluir não existir umarelação simples entre migração e pobreza. (deHaan 1999 e 2000).

2.4.2 Concentração urbana e atracção pela capital do país

Como já foi referido anteriormente, oscentros urbanos capitais de município nãoforam os grandes receptores das vagas

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migratórias por causa da sua instabilidademilitar, levando a que de facto as cidadesmédias, capital de províncias e a capital dopaís recebessem o maior contingente de popu-lação largamente rural. Segundo algumas esti-mativas, a população das cidades de Luanda,Benguela, Lobito e Lubango seria no ano 2000,40 ou 50 vezes mais elevada que em 1940. Ascidades costeiras de Benguela e Namibe, regis-taram uma população em 2000 que era dezvezes superior à de 1970. (DW, ibid.).

Um outro fenómeno pouco estudado,prende-se com o facto de que uma ampla partedas elites provinciais emigraram ou para ascidades do litoral ou para a capital do país. Asimplicações deste fenómeno sobre os proces-sos de desenvolvimento são enormes, pois semelites técnicas e empresariais, as possibili-dades de desenvolvimento rápido e susten-tável a nível provincial e local, ficaram blo-queadas e futuramente, serão muito mais difí-ceis.

Por tudo isto, a urbanização em Angola ederivativamente a análise da pobreza urbana,deve espelhar a pobreza da capital do país, elao grande centro urbano desproporcionalmentemegacéfalo relativamente às outras cidades.Assim, pode-se afirmar que:

* A maior concentração de pobresurbanos se encontra na cidade capital;

* Os maiores desequilíbrios de mercadosde mão de obra, taxas de desempregoe sub-emprego encontram-se na cidadecapital e nas principais cidades capitaisde província;

* O maior florescimento do sector infor-mal da economia encontra-se na capi-tal do país;

* Os maiores contingentes de deslocadosde guerra encontram-se na capital dopaís ou sua periferia;

Pode-se afirmar ainda, que a epicentragemdo poder económico, político e técnico nacapital do país, foi acompanhada pela maiorconcentração de pobreza. Paradoxalmente, acidade capital do país receberia do OrçamentoGeral do Estado no ano fiscal de 2000, um valoranual per capita equivalente a US$64.00enquanto que a província de Cabinda receberiano mesmo período 2,3 vezes mais. A capitalcontribuiria, nesse ano, com duas vezes maisem termos de per capita, para o OrçamentoGeral do Estado do que aquilo que recebia .

A tabela abaixo apresenta a distribuição dapobreza urbana por municípios da cidade capi-tal, podendo-se observar que há diferenciaisintra-urbanos profundos em termos dalocalização da pobreza extrema. Os municípiosdo Cazenga, o mais populoso, da Samba e deCacuaco apresentam os maiores níveis de con-centração de pobreza extrema. O Cazengapossuiria, segundo os dados disponíveis, umterço das famílias em extrema pobreza o quemostra que as manifestações de pobreza são,particularmente, específicas à localização nasáreas urbanas. Seis em cada dez pobres emuito pobres de Luanda vivem nos municípiosde Maianga, Sambizanga e Cazenga.

Um outro fenómeno que tem sido tambémpouco estudado, tem sido a caracterização das

cidades capitais do interiordo país, algumas das quaisforam sujeitas a longosprocessos de des-urbaniza-ção e empobrecimento.Estas podem ser caracteri-zadas, entre outros sob oponto de vista de capitalfísico, pela:

1. ausência regu-lar de provisão de electrici-

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dade a todos os bairros destas cidades,mesmo aqueles que estão conectados àrede eléctrica, com destaque paraaqueles mais pobres, onde raramenteexiste acesso à electricidade;

2. sistemas de abastecimento de águapotável danificados, alguns deles com asua respectiva reabilitação ainda emfase de arranque;

3. destruição física dos activos públicos;

4. des-industrialização pela destruição edanificação massiva dos equipamentose infra-estrutura física e perda deelites técnicas;

5. mecanismos de comércio urbano erural formal destruídos, levando a umafraca integração das economias locais.

Sob o ponto de vista humano essas cidadesestão caracterizadas pela perda das elites téc-nicas e empresariais.

Não foram disponibilizados dados que per-mitissem uma análise sobre a relação entre otamanho das cidades e o padrão de pobreza.Alguns estudos empíricos realizados noutraspartes do mundo têm mostrado que o bemestar dos cidadãos se vem deteriorando maisrapidamente em cidades grandes onde umrápido crescimento demográfico foi observado,como é o caso de Luanda. No caso de Angola,as pequenas e médias cidades, não obstanteterem também sofrido o impacto das vagasdemográficas, mantêm uma estrutura de pro-dução e relações mais agro-camponesas o quepode explicar a menor incidência de pobreza.

2.4.3 Evolução do padrão de desigualdade económica e social urbana

Uma das características mais marcantes doprocesso de empobrecimento urbano em Ango-la, tem sido o alargar do fosso entre ricos e

pobres, sendo estes últimos cada vez maispobres e, os primeiros, cada vez mais ricos.Segundo alguns indicadores de desigualdadeeconómica, tais como o coeficiente de Gini,observa-se que esta desigualdade tem crescidonos últimos anos. O coeficiente de Gini, porexemplo, passou de 0.54 em 1995 para 0.62 em2001, correspondendo a um crescimento naordem dos 14,8%. Este crescimento pode sertraduzido no facto de, em 2001, cerca de 23%dos agregados familiares das grandes cidadesse encontrarem nos limiares da pobrezaextrema, o que, em termos absolutos, equiva-leria grosso modo, a cerca de 115 mil agrega-dos a viverem abaixo do limiar de pobrezaextrema.

Um outro indicador, que caracteriza opadrão crescente de desigualdade económica esocial urbana, é o acesso aos serviços sociais,nomeadamente, a saúde e a educação. A maio-ria do equipamento social público encontra-sesob stress institucional há bastante tempo,como resultado dos magros orçamentos afecta-dos aos sectores ao longo dos últimos anos.

Em relação aos serviços de educação, astaxas de abandono e aproveitamento escolar,podem servir de bons indicadores de desigual-dade social quando o padrão da distribuiçãodos seus valores é, proporcionalmente,enviesada negativamente, em termos de classeseconómicas. As elevadas taxas de abandonoescolar e as baixas taxas de aproveitamentoescolar que caracterizam o sistema de ensinopúblico urbano, prejudicam maioritariamenteas classes mais pobres. Isto tem implicaçõessobre os processos de empobrecimentosistémico dessas famílias, pois retira às suasgerações mais jovens, um dos mecanismos demobilidade social que é o acesso à educação edaí, a oportunidade de acesso a melhoresempregos e rendimentos. Por outras palavras,a criação do capital humano e social nascamadas pobres, encontra-se em situação derisco e, a sua taxa de crescimento é inferior àtaxa de crescimento do capital humano nascamadas mais ricas.

O indicador sobre a proporção de criançasque entram no sistema de ensino e que, even-tualmente, atingem a quinta, sexta e sétima

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classes de escolaridade, é um bom indicadorestrutural sobre as oportunidades de acesso aosistema de ensino e também das condições devida dos agregados. Acima de tudo, é um bomindicador sobre a mobilidade social via edu-cação e acesso a um melhor emprego. A tabelaa seguir apresenta esse indicador desdobradopor estatuto económico do agregado familiar epor área de localização ou residência.

O quadro mostra que, em termos de localiza-ção, o facto de se estar na região capital,Luanda, faz uma grande diferença, pois 56 cri-anças em cada 100 atingem a sétima classe. Jáno caso das outras áreas urbanas e das áreasrurais, esse número é cerca de 32 e 35, respec-tivamente. Também parece ser evidente queas diferenças entre a área rural e outras áreasurbanas é quase nula o que parece indicar omesmo nível de condições. Já em termos derendimentos, o resultado é bastante marcantecom somente 17 em cada 100 crianças pobresatingindo a sétima classe comparado com oscerca de 42 em cada 100 crianças ricas.

Outro indicador de acessibilidade ao sis-tema regular de ensino, é a percentagem decrianças em idade para a escola primária quede facto se encontram matriculadas. Os dadosmais recentes sobre este indicador (MICSII,2001), mostram mais uma vez que a cidadecapital e outras áreas urbanas estão melhorservidas que a área rural. A desigualdade entremais pobres e mais ricos é abismal, já queenquanto 35 em cada 100 crianças de famílias

pobres estão na escola, esse número sobe para80 em cada 100 crianças, no caso de famíliasque se encontram no patamar superior dorendimento.

Em relação aos serviços de saúde, as taxasde mortalidade infantil einfanto-juvenil (menores de5 anos de idade), são doisindicadores que podem serutilizados para ilustrar onível de desigualdade socialno acesso à esses serviçosentre grupos de rendimen-tos diferentes, bem como aqualidade, numa abordagemde eficácia, destes serviçosde saúde pública, que nogeral, tem sido consideradacalamitosa nos hospitaispúblicos.

A tabela a seguirreflecte estes indicadores organizados de acor-do ao nível de rendimentos dos agregadosfamiliares e a residência ou localização dosmesmos. Os resultados, de acordo ao estatutoeconómico dos agregados, é revelador do ele-vado nível de vulnerabilidade do capitalhumano entre agregados muito pobres, já queregistam mais 83 mortes de crianças menoresde 5 anos por cada 1.000 nascidas vivas que osagregados mais ricos. Este elevado diferencialentre ricos e pobres neste indicador inter-

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agregados, revela um menor acesso aosserviços básicos de saúde por parte dasfamílias mais pobres, combinado comcondições insalubres de habitabilidade,pobreza económica, acesso reduzido à infor-mação sobre medidas de prevenção sanitária ede saúde pública, etc.. Por outro lado, osresultados da análise por localização mostra,que a diferença entre as áreas urbanas e ruraisé quase nula, o que por outras palavras, vemrevelar que, existe um problema estrutural desaúde pública que é independente das áreas deresidência e consubstanciado na ineficácia daspolíticas de saúde pública.

Um outro indicador sobre o acesso aosserviços de saúde pública, está ligado com oacesso aos serviços de seguros de saúde. EmAngola, existem seguros de saúde privadoscujo acesso está limitado às classes mais ricase à trabalhadores de empresas ligadas aoenclave petrolífero e aos serviços financeiros.A maioria da população não tem acesso a umsistema de seguros de saúde.

2.4.4 Urbanização acelerada

Os processos migratórios acelerados referi-dos anteriormente, provocaram processos deurbanização não sustentáveis, que podem emcerta medida ser designados de fenómenos deinflexão da urbanização anterior. Esses fenó-

menos de inflexão ou dese-quilíbrios negativos dosprocessos de urbanizaçãodas décadas de 60 e 70,também eles processosacelerados típicos de umarápida industrialização,foram acompanhados dedesequilíbrios culturais,económicos, habitacionais esociais. Pode-se afirmar queesses fenómenos terão con-tribuído, em certa medida,para os processos de empo-brecimento generalizadodos centros urbanos.

Choques culturais têm sido sentidos sobre ouso do equipamento urbano, individual ecolectivo, pois muita da população que ocupao stock habitacional público, nacionalizado,não possuí hábitos de convivência urbana.Assiste-se a uma rápida destruição dos activosfísicos, acompanhada pela baixa ou fracamanutenção dos serviços básicos comuns. Ascondições de higiene deterioraram-se e comisso as condições de vida das populações, querurbanas ou peri-urbanas. A não construção denovas habitações nas últimas décadas, levou aum aprofundamento da diferenciação habita-cional das grandes cidades, que vêem cresceros seus bairros periféricos. Nesses bairros, emparticular nos mais recentes, coabitam a misériahumana na forma de altas taxas de densidadedemográfica, acumulação de lixo, ausência deserviços de esgotos e água potável e, taxas ele-vadas de desemprego e sub-emprego.

Um bom indicador da qualidade de vida, éo nível de acesso das populações à águapotável. A tabela abaixo, mostra que somenteuma proporção muito baixa (18%) dos agrega-dos familiares da cidade capital, em 2001, pos-suía água canalizada nas suas moradias,enquanto esta proporção para as outrascidades era cerca de 11%. O recurso a outrasfontes de água melhoradas descritas na tabelareforçam a ideia da existência de um baixonível de infra-estuturação dos sistemas deabastecimento de água potável.

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A ruptura dos sistemas de abastecimentode água nas cidades, levou ao aparecimento demercados urbanos de água, onde o preço daágua é superior ao preço do mercado oficial.Como uma maioria das famílias urbanas nãotem acesso a água canalizada, elas recorrem aeste sistema de abastecimento informal.Segundo dados do IDR de 2001, o peso do custoda água sobre os orçamentos familiares repre-senta já, em média, cerca de 3,6% da despesamensal destas famílias.

O acesso ao sistema de saneamento básico,é ainda, outro indicador importante de carac-terização da pobreza urbana. A tabela abaixo,mostra que apenas 28 em cada 100 agregadosna capital têm acesso a sistemas de esgotos,enquanto que nas outras cidades, este númerobaixa para apenas 18 em cada 100 agregados.Este indicador mostra de facto, um baixo nívelde infra-estruturação dos sistemas de sanea-mento básico nas cidades angolanas, em par-ticular nas áreas habitadas pelos pobres.

O tipo de posse daterra e da propriedadehabitacional urbana, consti-tui um outro factor de carac-terização da pobrezaurbana. Estima-se que amaioria da população (pobree não pobre) não possui títu-los de propriedade da terraocupada na periferia dascidades ou das habitações.

Num estudo conduzido pelo DW (2002), 70%dos ocupantes tinha pago, segundo eles, oequivalente ao rendimento mensal dumafamília, por uma parcela de terra na periferiadas cidades, montante esse inflacionado nosúltimos anos devido à grande procura provoca-da pelo fluxo migratório referido anterior-mente. A maioria das pessoas (93%) que afir-mou ter adquirido parcelas de terra, possuidocumentos informais sem qualquer valorjurídico de facto, para garantir os direitos deposse de terra, o que é revelador de um altonível de precariedade da propriedade. O quepoderia ser um canal privilegiado de acesso aoportunidades de crédito bancário transforma-se, desta forma, em capital morto. Estima-seque uma política de outorga massiva de títulosde propriedade de terra urbana e propriedadede habitação aos cidadãos urbanos, poderialibertar milhões de dólares de capital mortoque poderiam ser alocados pelas famíliaspobres na produção de riqueza e geração deempregos.

As famílias pobres,usam indiferenciadamenteas suas habitações comolocais de habitação e locaisde trabalho em 22% doscasos (IDR, 2001). Aindasegundo a mesma fonte, emLuanda 33% dos chefes deagregados haviam recorridoa lugares informalizados,tais como a rua, barracas,feiras, entrada de prédios,pracinhas ou lanchonetes,para a realização das suasactividades laborais. Esse

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comportamento é invariável entre aquelesconsiderados pobres ou não pobres, que sededicam a actividades de economia informal edoméstica. Este indicador, mostra as dificul-dades na obtenção de espaços para a realiza-ção de negócios, incluindo preços proibitivosque os pobres não podem pagar.

2.4.5 Perturbações do mercado de trabalho

A caracterização dos diferentes tipos demercado de trabalho urbano é um exercíciocomplexo, ainda não realizado, pelo que nestecontexto se pretende aflorar, simplesmente,algumas questões relacionadas com a pobrezaurbana. Assim, os mercados de trabalho formalurbanos podem ser caracterizados por umagrande oferta de mão de obra não especializa-da, por um lado e por outro, por uma procurade mão de obra especializada. Factores comoos fluxos migratórios acelerados para ascidades; o baixo nível de investimento nocapital humano (individual e colectivo) atravésda educação formal e formação técnico-profis-sional; o baixo nível de investimento em sec-tores de economia formal não petrolífera e aconsequente falta de criação de emprego, con-tribuem para esta situação. Uma das principaisconsequências desses fenómenos combinadostem sido a informalização dos mercados deemprego, dando origem ao surgimento de umforte mercado informal.

Os dados da tabela abaixo, pese embora

não cobrem a extensão do problema de desem-prego urbano , mostra que, de facto, a capaci-dade de oferta de emprego formal tem sidomuito baixa. Aos centros de emprego do

MAPESS recorre, normalmente,mão de obra não especializada,abundante, principalmente,entre as famílias pobres.

Os dados da tabela ao lado e osgráficos acima mostram que, acapacidade de criação deemprego tem sido, ao longo dosanos, baixa, não cobrindo,sequer metade da procura deempregos no período entre1997 e 2001. Por outro lado,esta capacidade tende cada

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vez mais a decrescer, já que nofinal do período em análise(2001), somente 28% dos pedi-dos de emprego haviam sidosatisfeitos. Um outro dadoimportante a registar, é aredução na procura deemprego por parte da massadesempregada urbana, o quepode pressupor uma menorconfiança dos desempregadosna capacidade dos centros deemprego em conseguir colo-cações, que fica reforçada coma oferta explosiva de empregosno sector informal. Por outrolado, também pode indicarque, cada vez mais, se instalou umarelação directa entre empregador epotencial empregado, no processo derecrutamento. Os dados sobre a reduçãoda oferta de emprego por parte dasempresas, podem ser sintoma do proces-so anterior, mas também podem repre-sentar uma fraca capacidade de criaçãode emprego formal não especializado; ouseja, as empresas têm hoje menos capaci-dade de absorção de tal força de tra-balho. Quaisquer que sejam as leiturasque possam ser realizadas, o facto é queos dados mostram que os pobres urbanos,têm dificuldade na obtenção de emprego,a partir dos mecanismos da economia for-mal.

Uma das consequências das perturbaçõesdos mercados de emprego é a presença detaxas elevadas de desemprego urbano que, em2001, se situariam a volta de 46% conforme a

tabela abaixo. A análise da taxa de desem-prego por municípios de Luanda, mostra que oproblema é geral, sem se notar grandesdiferenças entre municípios, com a taxa de

desemprego a variar entre os45% e os 49%.

A relação de empregabilidadee estatuto de pobreza, mostraque possuir emprego não écondição suficiente para não sepertencer a uma família pobree, o inverso, também é ver-dadeiro, nomeadamente, emLuanda , onde somente 26% dosempregados pertenciam, em2001, a famílias não pobres.

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Um outro indicador ilustrativo do capitalhumano da mão de obra urbana é a posse deuma profissão. A tabela abaixo mostra que 4em cada 10 chefes de agregado não possuiqualquer qualificação profissional. Quando aanálise é estendida para toda a população eco-

nomicamente activa, então esse número sobepara 6 em cada 10 indivíduos que não têm umaprofissão.

O recurso ao trabalho infantil constituiuma das estratégias de intensificação de

emprego entre famílias pobres, visando oaumento de seus rendimentos. Um grandenúmero de crianças abandonam as escolas ounão atendem às aulas, para ajudar na econo-mia do agregado familiar. Os dados da tabelaabaixo mostram, claramente, que em 2001, naregião capital, que inclui as províncias deLuanda, Cabinda, Bengo e Zaire, um quinto dascrianças de 5 a 14 anos estavam a trabalhar.Pode-se ainda constatar a partir da mesma

tabela, que as famílias mais pobres fazemmaior recurso às suas crianças para a obtençãode rendimentos adicionais do que as famíliasmais ricas, pois 4 em cada 10 crianças defamílias mais pobres se encontravam atrabalhar (maioritariamente em negócios

familiares) enquanto entrefamílias mais ricas este númerocai para metade (cerca de 2 emcada 10 crianças).

Um dos indicadores maisvisíveis do fenómeno da mão deobra infantil urbana na cidadecapital, são os vendedoresambulantes e os lavadores decarros, que pululam por toda acidade. A relação dos lavadoresde carros com os proprietáriosde viaturas, representa uma

relação directa de uma política não estrutura-da de transferência de rendimentos, dos maisabastados para os mais pobres.

Em suma, os números mostram que exis-tem sérias distorções no mercado de emprego,

que a mão de obra não possuiníveis aceitáveis de qualifi-cação profissional e como tal assuas chances de obtenção deum emprego de qualidade sãomenores, resultando, geral-mente, em salários muitobaixos. Desta forma, a posse deum emprego formal não consti-tui garantia de não se serpobre. Esta situação se consti-tui num forte impedimento aodesenvolvimento urbano e aaumentos da produtividade erendimento das famílias.

2.4.6. Contínuos ritmos elevados de inflação

Angola tem registou na última década rit-mos elevados de inflação, que felizmente, temreduzido gradualmente nos últimos anos, con-

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forme ilustra o gráfico abaixo. Estes níveis ele-vados de inflação têm tido um impacto negati-

vo sobre as famílias pobres urbanas, particu-larmente, aquelas cuja fonte de rendimentoestá fortemente dependente dos salários, fun-cionado como um imposto acrescido sobre acapacidade de poupança dos pobres eacelerando os processos de desigualdade socialem curso nas cidades.

Apesar desta tendência decrescente nosníveis de inflação, os ritmos de crescimento dacomponente alimentar do índice de preçoscontinuam a ser bastante altos, atingindo nosprimeiros 5 meses de 2004, uma contribuiçãomédia ao redor dos 59% do Índice de Preços noConsumidor (IPC), o que é preocupante se

tomar-se em conta que a estrutura de despesamensal das famílias pobres é caracterizada por

uma forte proporção de despe-sa alimentar (estimada emcerca de 64% por mês – IDR,2001). Por outro lado, a con-tribuição da componente trans-portes do IPC, registou nomesmo período, em resultadodos ajustes feitos aos preçosdos combustíveis, um cresci-mento considerável, passandode cerca de 1% em Janeiro de2004 para cerca de 42% emMaio de 2004. Ou seja, con-tinua a persistir uma pressãosignificativa sobre os parcosrendimentos das famílias pobres.

2.4.7. Programas de combate à pobreza e exclusão urbanas

Com a transição para a democracia em1992, a alocação de finançaspúblicas para os sectores soci-ais, particularmente, para ossectores da saúde, educação eassistência social sofreram umaquebra espectacular. Isto impli-cou, na prática, a destruiçãodos sistemas de assistênciasocial e acesso a serviços soci-ais básicos, anteriormentegrátis para a maioria da popu-lação, e o surgimento dos sis-temas de ensino privado e desaúde privada, bem como, oaparecimento de serviços deseguros de saúde, estes relati-vamente mais recentes, poucodivulgados e utilizados. O facto

de não se ter substituído os anteriores sistemasde assistência social por redes de segurança(safety nets ) direccionadas para as camadassociais mais desfavorecidas redundou numaforte penalização da população pobre.

O Fundo de Apoio Social (FAS), surgiu comouma proposta séria de programa de redução da

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pobreza que, no entanto, se concentrou nascomunidades rurais, incidindo essencialmente,a redução da pobreza rural. Mais recente-mente, o Governo com o apoio do PAM, lançoua nível nacional, um programa piloto de apoioàs crianças no sistema de ensino, designadopor Merenda Escolar, um suplemento alimentardiário para as crianças que atendem a escolaprimária pública. Este programa, se bemmonitorado em termos da população alvo,constituirá um alívio importante para as cri-anças pobres e resultará num importantedesincentivo ao abandono escolar, mais fre-quente entre crianças pobres.

Um programa designado de Programa dePobreza Urbana de Luanda (LUPP), financiadopelo DFID , orçado em 6,65 milhões de librasesterlinas, está sendo implementado numperíodo de 3 anos por três ONGs estrangeiras:CARE, DW e Save the Children Fund (SCF). Esseprograma está estruturado em quatro princi-pais projectos que visam: desenvolver sis-temas de serviços de água e saneamento sus-tentáveis, equitativos, eficientes e replicáveispara as áreas peri-urbanas; fortalecer acapacidade das instituições de suporte aodesenvolvimento do sector informal; melhorara capacidade das instituições locais parafortalecer a provisão de serviços para 130 milpessoas e melhorar a segurança económica dasmesmas; desenvolver e testar formas de fortale-cer o acesso dos agregados mais pobres aosserviços básicos e oportunidades económicas.Segundo um relatório de progresso do referidoprograma, desafios ao programa envolveriam:

* Baixos níveis de solidariedade em cer-tas áreas e segmentos da população,implicando a ausência ou fraca pre-sença de comunidades de base locaisque possam servir de interface com asagências de implementação do progra-ma;

* A necessidade de abordar questões desustentabilidade institucional de longoprazo;

* A possibilidade de surgimento de movi-mentos especulativos da terra urbanaque podem promover a insegurança da

terra entre os pobres urbanos (ausênciade títulos de terra);

* Desenvolvimento de abordagens viáveisde micro-finanças para os pobresurbanos num ambiente de alta inflação;

* Reforço institucional das capacidadesdos parceiros locais;

Oportunidades identificadas pelo relatórioenvolvem entre outras:

* As componentes de micro-finanças doprograma atingiram altos retornos nosseus primeiros ciclos de empréstimosnão obstante os altos níveis de inflação;

* Existe a possibilidade de a componentede água do programa permitir a recu-peração total de custos, com possibili-dades de subsídio cruzado para as com-ponentes de saneamento;

* Foi criado um Fórum ad-hoc de desen-volvimento de micro-empresas, grupoinformal de instituições de micro-finanças, incluindo representantes deONGs, ministérios, Banco Central eprincipais bancos comerciais. EsteFórum pretende promover o sector domicro crédito em Angola.

Alguns ministérios, como o Ministério Famíliae Promoção da Mulher, têm desencadeado projec-tos de micro-crédito de suporte a micro-empreendimentos e promoção das actividades dosector informal, envolvendo um elevado númerode mulheres. Contudo, haverá que reconhecerque a maioria dos programas de assistência sociale humanitária dos últimos anos, estiveram direc-cionados, maioritariamente, para atender àsnecessidades das populações deslocadas rurais e,não concebidos para atacar o problema daexclusão e marginalização social urbana.

A entrada em funcionamento, nas áreasurbanas de Luanda, de outros provedores detransporte público, constitui um elementopositivo para a redução do fardo sobre a popu-lação pobre, que anteriormente não tinhaoutra alternativa senão o transporte colectivoinformal. A oferta de mais oportunidades de

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locomoção, reduz o isolamento das populaçõesque habitam as periferias das grandes cidades,uma grande parte delas sendo famílias pobres,e permite o seu acesso a oportunidades deemprego existentes nos centros de serviçosmais urbanizados das grandes urbes.

Os programas de combate à pobreza têmmuitas dificuldades em ter sucesso num con-texto institucional de fraca ou quase nuladescentralização administrativa e financeira,que caracteriza actualmente a maioria dagestão dos municípios urbanos. Uma das carac-terísticas da pobreza urbana é que ela pode serlocalizada no espaço, ou seja, há áreas maisafectadas que outras. A concepção, implemen-tação e monitoria de programas locais de com-bate à pobreza devem ter em linha de conta adimensão espaço.

Em resumo, pode-se argumentar que aausência de programas de combate à exclusãosocial urbana mostra, em certa medida, afraqueza institucional na criação de mecanis-mos formais do tipo safety nets ou outros, decombate à pobreza.

2.4.8. Ruptura das instituiçõespúblicas

Algumas instituições e políticas concorrem,mais que outras, pelo seu impacto sobre a vidados pobres urbanos e, é sobre elas que se iráfazer uma análise sucinta.

Níveis de desconcentração institucional

O figurino institucional de descentralizaçãodos poderes públicos, tem impacto directosobre os canais através dos quais as políticaspúblicas atingem os cidadãos. A gestão daacessibilidade a programas de formação técni-co-profisional, outorga de habitação, paga-mento de impostos locais, gestão de programasde benefícios, funcionam melhor quando asadministrações e serviços públicos se encon-tram, funcionalmente, perto dos cidadãos. Isto

é, particularmente, importante quando maisse tratar da gestão de programas sociais.

Os níveis actuais de descentralizaçãoadministrativa são baixos ou quase nulos e sórecentemente se está a fazer um esforço parauma desconcentração de poderes e recursospara o segundo nível da administração pública,que são os municípios. A título de exemplo,alguns dos municípios urbanos da capital dopaís possuem uma população estimada acimade 250 mil habitantes, e não obstante isso, nãopossuem uma capacidade local de gestãofinanceira, porquanto, os recursos alocados àprovíncia estão centralizados no poder provin-cial, que até à relativamente bem poucotempo, era a única unidade orçamental.Actualmente, os municípios não têm acesso arecursos orçamentais próprios e, como tal, aexperiência de gestão orçamental destes, énula. Por outro lado, os mecanismos de contro-lo da gestão local são inexistentes ou reduzi-dos. As eleições do poder autárquico, quepoderiam constituir um reforço institucionaldo controlo da despesa local, ainda não ocor-reram. Num quadro institucional poucofavorável a uma relação directa do poderpúblico com o cidadão, fica difícil promoveruma política de prestação de contas e respon-sabilização pelo sucesso ou insucesso de quais-quer projectos públicos, em particular, decombate à pobreza.

Instituições de Sistemas de acesso à terra

Estudos levados a cabo, demonstraram queos sistemas formais de acesso à terra não têmcapacidade de dar resposta à demanda deterra urbana. Eles implicam por parte dospobres urbanos, o conhecimento da lei emecanismos burocráticos, envolvem custostransacionais elevados, exigem padrões deconstrução relativamente caros, representan-do um peso financeiro sobre os agregadospobres. Como resultado da inadequação insti-tucional, emergiram nos centros urbanos sis-temas informais de acesso à terra, a que aspopulações urbanas pobres têm acesso. Assis-tiu-se a um processo de informalização institu-cional em que a segurança formal, de jure, da

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posse da terra não tem lugar, sendo substituí-da pela segurança de facto, fruto da existênciade mecanismos informais de minimização eresolução de conflitos.

O débil estado de desenvolvimento institu-cional, ligado ás questões de acesso e posse deterra, leva a que aos pobres urbanos seja nega-do um mecanismo de acesso ao créditobancário, que teria a propriedade da terracomo garantia de pagamento dos empréstimos.Como se pode observar, isso coloca-os emdesvantagem com relação aos não pobresurbanos, que em maior grau têm acesso aosdois tipos de segurança de posse da terra e daí,

a capacidade de accionar outros mecanismosde acesso ao crédito.

Para a situação actual concorreram a inade-quação das políticas de terra, os sistemaslegais, os sistemas de gestão e monitoria e asestruturas institucionais. Estas últimas nãoestavam preparadas para responder aoschoques demográficos que as áreas urbanassofreram nos últimos anos. Por exemplo, afilosofia centralizadora e administrativa cor-rente em que somente o Governo de Luanda(DW, ibid) tem o direito de ceder terrenos,aliena as administrações municipais, e nisso apossibilidade de criação de mecanismos insti-tucionais de gestão da terra e conflitos deriva-dos, na comunidade. Já em Benguela, segun-do o mesmo estudo, as administrações munici-pais têm uma maior autoridade e decisão o queaponta para níveis mais elevados de gestão da

crise urbana dos seus municípios urbanos.

2.5 Contribuição para a caracterização da pobreza rural

O conhecimento actual sobre os níveis depobreza rural e suas principais característicasé limitado, devido essencialmente, à falta dedados actualizados, uma vez que o país estevemergulhado numa guerra civil, durante as últi-mas 3 décadas que manteve um certo isola-mento das suas áreas rurais. Contudo, algunsestudos esporádicos foram realizados, dentre os

quais o mais abrangente, tantodo ponto de vista da variedadede dados recolhidos como donúmero de províncias cobertas,foi um inquérito realizado peloMINADER com o apoio da FAO,em Outubro de 1996. Com basenos dados disponibilizados poreste inquérito, um estudo foirealizado pelo PNUD , em 2000.Neste estudo, visando oestabelecimento de uma basede comparação entre aincidência de pobreza nasáreas urbanas e rurais, umalinha de pobreza absoluta foi

determinada, utilizando a mesma metodologiaadoptada pelo INE na determinação da linha depobreza urbana a partir dos dados do InquéritoIPCVD de 1995.

De acordo a estes dados, ilustrado no gráfi-co acima, no cômputo das 9 províncias cobertaspelo inquérito, cerca de 78% dos agregadosrurais eram pobres, dentre os quais 70% eramextremamente pobres. Considerando o contex-to que se instalou nos anos que se seguiram,caracterizado com o recrudescer do conflitomilitar, a intensificação do isolamento das áreasrurais do resto do país, tanto devido a insegu-rança humana exacerbada pelo próprio conflitocomo pela destruição de infra-estruturas decomunicação (pontes e estradas), e da explosãomigratória da população rural para as cidades, 2cenários sobre a evolução nos níveis de pobreza,entre a população rural, se desenham:

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* Em primeiro lugar, a população rural quese refugiou nas áreas urbanas, muitoprovavelmente, continuou em situaçãode pobreza extrema engrossando ogrupo dos extremamente pobresurbanos, como, aliás, dados maisrecentes o provam (a incidência depobreza extrema nas áreas urbanasduplicou entre 1995 (13%) e 2000-01(26%), segundo dados do IDR 2000-01;Este argumento sustenta-se no facto deque a população rural, ao chegar nasgrandes cidades capitais de província,teve de adaptar-se a novas formas devida e, sobretudo, competir com apopulação residente por um mercado deemprego de reduzida oferta, incenti-vando a informalização do mercado,que por sua vez atingiu níveis de satu-ração, que reflectiram num substancialabaixamento do nível de rendimentosdaqueles empregados neste sector.

* Em segundo lugar, a população que per-maneceu nas áreas rurais, muitoprovavelmente, viu as suas condições devida a se degradarem substancialmente,uma vez que os factores identificados,neste estudo e noutros similares realiza-dos em outros países da África Sub-sahariana, como determinantes dapobreza rural continuaram a persistir,tendo até se deteriorado, nalguns casos.Por exemplo, o argumento de que aactividade laboral, é principal bem que

os pobres rurais possuem, épraticamente consensual. Con-tudo, a falta de acesso adequa-do ao crédito, infra-estruturasbásicas, e a um mercado com-petitivo, para além de umreduzido acesso a terra arável,funcionam como factores dedesincentivo a actividade agrí-cola familiar. Outros factoresidentificados neste estudocomo possíveis catalisadores dapobreza nas áreas rurais, são, aidade do chefe do agregado(quanto mais velho for o chefedo agregado, maior é a proba-

bilidade do agregado ser pobre), o anal-fabetismo entre os homens (quando ochefe do agregado do sexo masculinonão sabe ler nem escrever maior é aprobabilidade do agregado ser pobre), onúmero de dependentes no agregado, eo facto do chefe do agregado ser dosexo feminino e trabalhar no campo.

Curiosamente, os principais resultados de out-ros estudos, estes com uma abordagem maisqualitativa, vêm demonstrar que a própriapopulação rural partilha desta óptica. Numestudo encomendado pelo PNUD, no quadro daelaboração do presente relatório , quandoinstados a identificar a sua percepção sobre oconceito pobreza, os agregados entrevistados,consideraram-na como “a falta de terra oumeios para trabalhar a terra ou criar gado”.Noutra questão, que pretendia identificarquem eram os mais pobres na comunidade, asrespostas incidiram “nos mais velhos e nasmulheres”.

Um outro estudo, realizado no quadro da elab-oração da Estratégia de Combate à Pobreza(ECP) do Governo de Angola, e elaborado pelaAMA - uma ONG local, e pelo FAS - Fundo deApoio Social, em 2002, vem reafirmar que, napercepção local, “as características maisimportantes da pobreza rural, são a falta deinputs e factores de produção, a falta de opor-tunidades de trabalho, dificuldades de acessoaos serviços sociais, degradação do capitalsocial e pobre defesa dos direitos de cidada-nia”. Entre os principais factores de empo-

CAPÍTULO 2 TENDÊNCIAS DE DESENVOLVIMENTO HUMANO EM ANGOLA 1990-2001

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brecimento, as comunidades rurais entrevis-tadas, identificaram: os movimentosmigratórios das populações; o tempo e o perío-do em que as famílias regressaram às suasáreas de origem; ausência nos agregadosfamiliares de homens com força de trabalhoactiva; trocas comerciais injustas entre osagricultores e os intermediários ou retalhistas;acesso limitado a parcelas de terra aráveis;degradação dos meios de comunicações eestradas; alta taxa de morbilidade – mortali-dade e baixo nível de escolarização. A falta debilhetes de identidade foi também apontada,em alguns casos, como um factor de empo-brecimento, sob o argumento de que a popu-lação nestas zonas depende da produção agrí-cola para sobreviver e gerar rendimentos, peloque a evacuação dos produtos para os merca-dos é fundamental. Por não terem bilhetes deidentidade, os camponeses vêem-se obrigadosa vender os produtos à intermediários por umvalor dez vezes menor que o valor real, porquese forem até aos mercados junto das cidades,arriscam-se a serem presos ou molestados pelapolícia, por não terem documentos.

Conclusão

O estudo sobre a pobreza urbana mostra queela não pode ser explicada, unicamente, comoresultado de falha económica, particular-mente, no que concerne a promoção do cresci-mento económico, mas reflecte em largaescala, fluxos migratórios acelerados das áreasrurais para as urbanas. No caso concreto deAngola, a cidade constituiu-se, até bem recen-temente, não como uma oportunidade imedia-ta para a melhoria do bem estar material daspopulações, mas antes, o mecanismo básico desegurança física. A oportunidade de transfor-mação das cidades em lugares de mercado,onde a indústria poderia ter funcionado comoum motor de crescimento, está a ser perdidapela ausência de políticas públicas de curto emédio prazos; pelo baixo nível de governabili-dade pública; pela existência de uma estrutu-ra de governação, ainda bastante concentrada,e pela fraca ou nula provisão de serviços públi-cos de qualidade aceitável. Pelo contrário,poder-se-á sim dizer, que a falta de desenho depolíticas públicas urbanas adequadas, é cadavez mais, importante na reprodução da

pobreza urbana.

A pobreza rural, apesar do conhecimento aindalimitado, é reflexo de quase três décadas deguerra civil, que isolou grandes extensões daárea rural do país, fragmentando os mercadosagrícolas e enfraquecendo os sistemas decomercio rural. Por outro lado, a fuga massivadas populações rurais para as cidades, retiroudo campo a sua força de trabalho mais activa,que combinada com a redução, em algunscasos, do acesso a terras aráveis, devido ainsegurança, culminou com uma drásticaredução dos níveis de produção agrícola. Parainverter este quadro é fundamental que asautoridades considerem uma parceria fortecom as igrejas, o sector privado, no sentido dese melhorar a oferta de serviços sociais bási-cos, incluindo água, saneamento, educaçãobásica, e o relançamento da produção agríco-la.

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