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LETRAMENTO: COMO DEFINIR, COMO AVALIAR, COMO MEDIR Monografia elaborada por solicitação da Seção de Estatística da UNESCO, em Paris, publicada em inglês, em março de /992, com o título "Uteracy Assessment and its implications for Statistical Measurement", traduzida para o francês eo espanhol; aqui se apresenta pela primeira vez a tradução para o português. Tradução preliminarparao português:RaquelIncianadeSoIWl eRobe1valAraújode Oliveira. Revisãoda tradução preliminar. Sueli CamposPaiva Versão parao português da autora,

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Letramento em ensaio: como definir, como avaliar, como medir.

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LETRAMENTO:COMO DEFINIR, COMOAVALIAR, COMO MEDIR

Monografia elaborada por solicitação da Seção de Estatística daUNESCO, em Paris, publicada em inglês, em março de /992, com o

título "Uteracy Assessment and its implications for StatisticalMeasurement", traduzida para o francês e o espanhol; aqui se

apresenta pela primeira vez a tradução para o português.Tradução preliminarparao português:RaquelIncianadeSoIWl eRobe1valAraújode Oliveira.

Revisãoda tradução preliminar. Sueli CamposPaiva Versão parao português da autora,

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Ensaio /63

INTRODUÇÃO

o permanente desafio, enfrentado mundialmente, paraa universalização do letramento - do acesso pleno àshabilidades e práticas de leitura e de escrita - está inti-mamente relacionado com um outro desafio: o de avaliare medir o avanço em direção a essa meta. Dados tornam-se, assim, necessários, tanto para evidenciar se os objeti-vos estão sendo alcançados como para estabelecer políticasou controlar programas de alfabetização e letramento. Poressa razão, desde escolas até instituições e organizaçõesnacionais e internacionais estão continuamente buscandodados e produzindo índices e estatísticas sobre níveis dedomínio de habilidades de leitura e de escrita e de usode práticas sociais que envolvem a escrita, por meio deavaliações e medições. r

Os processos de obtenção desses dados apresentam,porém, sérios problemas de natureza técnica, conceitual,ideológica e política.

Problemas de natureza técnica são, sem dúvida, osmais evidentes e urgentes: relacionam-se com os proces-sos de tomada de decisão para a definição de procedi-mentos de avaliação, a construção de instrumentos demedida, a organização e processamento dos dados.

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64 ILetramento

Entretanto, apesar da evidência e urgência desses pro-blemas de natureza técnica, há uma série de problemasconceituais que deveriam servir de base para buscar-Ihesa solução; equivocadamente, esses problemas conceituaissão geralmente negligenciados, em virtude exatamenteda imperativa necessidade de solução imediata dos pro-

blemas técnicos.Um primeiro e essencial problema conceitual é a

própria definição de letramento. Antes de coletar dadosou produzir estatísticas sobre letramento, uma questãocentral precisa ser respondida: que letramento é esseque se busca avaliar e medir? A avaliação e medição doletramento tem de fundamentar-se numa definição precisado fenômeno; contudo essa definição será possível?

Um segundo problema conceitual, intimamente ligadoao primeiro, é a escolha dos critérios a serem usadospara a avaliação e medição adequadas do letramento.Tradicionalmente, o letramento é avaliado e medido emcontextos escolares, em censos demo gráficos nacionais eem pesquisas por amostragem. Que critérios são utilizadospara avaliá-Io em cada uma dessas situações? E que con-ceito de letramento conduziu a esses critérios? Em outraspalavras, de que modo a avaliação do letramento emcontextos escolares e extra-escolares (censos da populaçãonacional ou pesquisas por amostragem) enfrenta oproblema da definição de letramento para, a partir dela,determinar os critérios para avaliá-Io?

Finalmente, como decorrência dessas questões, surge umterceiro problema. Por um lado, a importância e a neces-sidade da avaliação e medição do letramento não podemdeixar de ser reconhecidas; por outro lado, cumprir ospré-requisitos para fazê-Io - ou seja, definir letramentocom precisão e especificar critérios confiáveis para avaliá-Ioe medi-Io - é uma questão bastante controversa. Como

enfrentar esse paradoxo?

Ensaio I 6S

A finalidade deste estudo é levantar e discutir essasquestões conceituais. Na primeira parte, examina-se o con-ceito de letramento como um fenômeno multifacetado eextremamente complexo; argumenta-se que o consensoem tomo de uma única definição é impossível. Em seguida,discutem-se a avaliação e a medição do letramento emcontextos escolares, censos demo gráficos nacionais epesquisas por amostragem, apontando-se deficiências epressupostos equivocados na definição de critérios para oplanejamento e execução dessa avaliação e medição. Porfim, na última parte do estudo, a partir de argumentos afavor da avaliação e da medição do letramento, sugerem-seformas de enfrentar o conflito entre, de um lado, a impor-tância e necessidade de sua avaliação e, de outro lado, adificuldade de atender aos pré-requisitos para a realizaçãodessa tarefa. Conclui-se enfatízando os aspectos ideoló-gicos e políticos da definição de letramento e de sua ava-liação e medição; na verdade, o propósito deste textoé sugerir uma base conceitual para a discussão dessasquestões ideológicas e políticas que, sem dúvida, constituemo ceme do problema.

LETRAMENTO:EM BUSCA DE UMA DEFINiÇÃO

Qualquer processo de avaliação ou medição exige umadefinição precisa do fenômeno a ser avaliado ou medido.Sem dúvida, a maior parte das dúvidas e controvérsiasem tomo de levantamentos e pesquisas sobre níveis deletramento têm sua origem na dificuldade de formular umadefinição precisa e universal desse fenômeno e na impos-sibilidade de delimitâ-lo com precisão. Essa dificuldadee impossibilidade devem-se ao fato de que o letramentocobre uma vasta gama de conhecimentos, habilidades,

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I A habilidade de fazer uso do sistema numérico é, às vezes, incorporada ao concei-to de letramento (ler, escrever, contar); neste estudo, porém, letramento está sendotomado em seu sentido literal, referindo-se exclusivamente à escrita e à leitura.

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capacidades, valores, usos e funções sociais; o conceitode letramento envolve, portanto, sutilezas e complexidadesdifíceis de serem contempladas em uma única definição.Isso explica por que as definições de letramento dife-renciam-se e até antagonizam-se e contradizem-se: cadadefinição baseia-se em uma dimensão de letramento queprivilegia. Confrontem-se estes dois autores:

escrever, ou nos usos, funções e propósitos da línguaescrita no contexto social.'

Mas identificar essas duas dimensões que estão portrás de diferentes definições é apenas um primeiro passopara o enfrentamento do problema de formular uma defi-nição adequada de letramento. Sem dúvida, a identificaçãode duas amplas categorias de definições - aquelas queenfocam a dimensão individual do fenômeno e aquelasque enfocam sua dimensão social - lança alguma luzsobre o problema, mas não é suficiente para sua completaelucidação, pois é preciso ainda considerar a complexi-dade e a natureza heterogênea de cada dimensão.

As duas seções seguintes enfocam essa natureza com-plexa e heterogênea das dimensões individual e socialdo letramento.

Para estudar e interpretar o letramento (. .. ), três tarefas são ne-cessárias. A primeira é formular uma definição consistente quepermita estabelecer comparações ao longo do tempo e atravésdo espaço. Níveis básicos ou primários de leitura e escrita consti-tuem os únicos indicadores ou sinais flexíveis e razoáveis pararesponder a esse critério essencial (. . .) o letramento é, acima detudo, uma tecnologia ou conjunto de técnicas usadas para a co-municação e para a decodificação e reprodução de materiaisescritos ou impressos. não pode ser considerado nem mais nemmenos que isso. (Graff, 1987a, p. 18-19, grifos do original).As tentativas de definição (de letramento) estão quase semprebaseadas em uma concepção de letramento como um atributodos indivíduos; buscam descrever os constituintes do letramentoem termos de habilidades individuais. Mas o fato mais evidentea respeito do letramento é que ele é um fenômeno social (. ..) Oletramento é um produto da transmissão cultural (. . .) Uma defi-nição de letramento (. . .) implica a avaliação do que conta comoletramento na época moderna em determinado contexto social...Compreender o que "é" o letramento envolve inevitavelmenteuma análise social... (Scribner, 1984, p.7-8, grifos do original).

Mesmo que apenas sob a perspectiva da dimensãoindividual, é difícil definir letramento, devido à extensãoe diversidade das habilidades individuais que podem serconsideradas como constituintes do letramento.

Uma primeira fonte de dificuldade, que atinge o cernemesmo da questão, é que o letramento envolve doisprocessos fundamentalmente diferentes: ler e escrever.Nas palavras de Smith:

A DIMENSÃO INDIVIDUAL DO LETRAMENTO

Subjacentes a essas definições estão as duas principaisdimensões do letramento: a dimensão individual e adimensão social. Quando o foco é posto na dimensãoindividual, o letramento é visto como um atributo pessoal,parecendo referir-se, como afirma Wagner (1983, p.5), à"simples posse individual das tecnologias mentais com-plementares de ler e escrever". Quando o foco se deslo-ca para a dimensão social, o letramento é visto como umfenômeno cultural, um conjunto de atividades sociais quenvolvem a língua escrita, e de exigências sociais de uso

da língua escrita. Na maioria das definições atuais de letra-mcnto, LImaou outra dessas duas dimensões é priorizada:põe-se ênfase ou nas habilidades individuais de ler e

Ler e escrever são processos freqüentemente vistos como imagensespelhadas uma da outra, como reflexos sob ângulos opostos deum mesmo fenômeno: a comunicação através da língua escrita.Mas há diferenças fundamentais entre as habilidades e conheci-mentos empregados na leitura e aqueles empregados na escrita,assim como há diferenças consideráveis entre os processos

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envolvidos na aprendizagem da leitura e os envolvidos na apren-dizagem da escrita. (Smith, 1973, p.117)

Apesar dessas diferenças "fundamentais", as defini-ções de letramento freqüentemente tomam a leitura e aescrita como uma mesma e única habilidade, desconsi-derando as peculiaridades de cada uma e as desseme-lhanças entre elas (uma pessoa pode ser capaz de ler,mas não ser capaz de escrever; ou alguém pode ler fluen-temente, mas escrever muito mal).

Por outro lado, as definições de letramento que conside-ram as diferenças entre leitura e escrita tendem a concen-trar-se ou na leitura ou na escrita (mais freqüentemente naleitura), ignorando que os dois processos são complemen-tares: são diferentes, mas o letramento envolve ambos.Bormuth (973), por exemplo, declara que "letramento é ahabilidade de colocar em ação todos os comportamentosnecessários para desempenhar adequadamente todas aspossíveis demandas de leitura' (p.72, grifo nosso), e Kirsche Guthrie 0977-1978) argumentam que "seria prudente usaro termo letramento para referir-se à leitura, e a expressãocompetência cognitiva para referir-se a habilidades geraisde ouvir, ler, escrever e calcular" (p.s05, grifos do original).

Não levar em conta a coexistência, no conceito deletramento, desses dois constituintes heterogêneos - lei-tura e escrita - torna-se ainda mais sério, se se consideraque cada um desses constituintes é um conjunto de habi-lidades bastante diferentes, e não uma habilidade única.

A leitura, do ponto de vista da dimensão individual deletramento (a leitura como uma "tecnologia"), é um con-junto de habilidades lingüísticas e psicológicas, que seestendem desde a habilidade de decodificar palavras es-ritas até a capacidade de compreender textos escritos.

Essas categorias não se opõem, complementam-se; a lei-tura é um processo de relacionar símbolos escritos a uni-lades de som e é também o processo de construir umainterpretação de textos escritos.

Ensaio I (f)

Desse modo, a leitura estende-se da habilidade detraduzir em sons sílabas sem sentido a habilidades cogni-tivas e metacognitivas; inclui, dentre outras: a habilidadede de codificar símbolos escritos; a habilidade de captarsignificados; a capacidade de interpretar seqüências deidéias ou eventos, analogias, comparações, linguagem fi-gurada, relações complexas, anáforas; e, ainda, a habili-dade de fazer previsões iniciais sobre o sentido do texto,de construir significado combinando conhecimentos pré-vios e informação textual, de monitorar a compreensão emodificar previsões iniciais quando necessário, de refle-tir sobre o significado do que foi lido, tirando conclusõese fazendo julgamentos sobre o conteúdo.

Acrescente-se a essa grande variedade de habilidadesde leitura o fato de que elas devem ser aplicadas díferen-ciadamente a diversos tipos de materiais de leitura: litera-tura, livros didáticos, obras técnicas, dicionários, listas,enciclopédias, quadros de horário, catálogos, jornais, revis-tas, anúncios, cartas formais e informais, rótulos, cardápios,sinais de trânsito, sinalização urbana, receitas... Como de-clara Smith (973), a leitura pode ocorrer nas mais diversassituações, "de um recital público de poesia ao exame pri-vado de listas de preço e horários de ônibus" (p.103).

Assim como a leitura, a escrita, na perspectiva da di-mensão individual do letramento (a escrita como uma"tecnologia"), é também um conjunto de· habilidades lin-güísticas e psicológicas, mas habilidades fundamentalmen-te diferentes daquelas exigi das pela leitura. Enquanto ashabilidades de leitura estendem-se da habilidade de de-codificar palavras escritas à capacidade de integrar infor-mações provenientes de diferentes textos, as habilidadesde escrita estendem-se da habilidade de registrar unida-des de som até a capacidade de transmitir significado deforma adequada a um leitor potencial. E, assim como foiobservado em relação à leitura, essas categorias não seopõem, complementarn-se: a escrita é um processo de

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relacionar unidades de som a símbolos escritos, e étambém um processo de expressar idéias e organizar opensamento em língua escrita.

Desse modo, a escrita engloba desde a habilidade detranscrever a fala, via ditado, até habilidades cognitivas emetacognitivas; inclui a habilidade motora (caligrafia), aortografia, o uso adequado de pontuação, a habilidade deselecionar informações sobre um determinado assunto ede caracterizar o público desejado como leitor, a habili-dade de estabelecer metas para a escrita e decidir qual amelhor forma de desenvolvê-Ia, a habilidade de orga-nizar idéias em um texto escrito, estabelecer relaçõesentre elas, expressá-Ias adequadamente.

Além disso, as habilidades de escrita, tal como asde leitura, devem ser aplicadas diferenciadamente àprodução de uma variedade de materiais escritos: dasimples assinatura do nome ou elaboração de uma listade compras até a redação de um ensaio ou de uma tesede doutorado.

À luz dessas considerações sobre o grande número dehabilidades e capacidades cognitivas e metacognitivas queconstituem a leitura e a escrita, a natureza heterogêneadessas habilidades e aptidões, a grande variedade degêneros de escrita a que elas devem ser aplicadas, ficaclaro que é extremamente difícil formular uma definiçãoconsistente de letramento, ainda que nos limitássemos aformulá-Ia considerando apenas as habilidades individuaisde leitura e escrita: quais habilidades e aptidões de leiturae escrita qualificariam um indivíduo como "letrado"? quetipos de material escrito um indivíduo deve ser capaz deler e escrever para ser considerado "letrado"?

Respostas a tais questões são bastante problemáticas.As competências que constituem o letramento são distri-buídas de maneira contínua, cada ponto ao longo desse

ntínuo indicando diversos tipos e níveis de habilidades,

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capacidades e conhecimentos, que podem ser aplicados adiferentes tipos de material escrito. Em outras palavras, oletramento é uma variável contínua, e não discreta ou di-cotômica. Portanto, é difícil especificar, de uma maneiranão arbitrária, uma linha divisória que separaria o indiví-duo letrado do indivíduo iletrado. Já em meados dos anos50, a monografia da UNESCO WorldIlliteracyat mid-century(1957) reconhecia que "o conceito de letramento é muitoflexível e pode cobrir todos os níveis de habilidades, deum mínimo absoluto a um máximo indeterminado" (p.19),e concluía que é de fato impossível considerar pessoasletradas e iletradas como duas categorias distintas.

Contudo, as definições de letrado e iletrado apresen-tadas pela UNESCO em 1958, com o propósito de padro-nização internacional das estatísticas em educação, sãouma tentativa de fazer tal distinção:

É letrada a pessoa que consegue tanto ler quanto escrever comcompreensão uma frase simples e CUlta sobre sua vicia cotidiana.É iletrada a pessoa que não consegue ler nem escrever comcompreensão uma frase simples e curta sobre sua vida cotidia-na. (UNESCO, 1958, p.4)

Considerando apenas a dimensão individual do letra-mento, essas definições determinam quais habilidades deleitura e escrita caracterizam uma pessoa letrada (ler eescrever com compreensão), e a que tipo de materialescrito essas habilidades devem ser aplicadas (uma frasesimples e curta sobre sua vida cotidiana). Entretanto, adefinição é arbitrária: qual é o fundamento para selecio-nar uma certa habilidade (ler e escrever com compreen-são - e atente-se para a imprecisão da expressão "comcompreensão") e um tipo específico de material escrito(uma frase simples e curta sobre a vida cotidiana de al-guém) como o ponto do contínuo que define uma pessoacomo letrada? Essa pergunta conduz à discussão apresen-tada na seção seguinte.

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A DIMENSÃO SOCIAL DO LETRAMENTO

Aqueles que priorizam, no fenômeno letramento, asua dimensão social, argumentam que ele não é um atri-buto unicamente ou essencialmente pessoal, mas é, so-bretudo, uma prática social: letramento é o que as pessoasfazem com as habilidades de leitura e de escrita, em umcontexto específico, e como essas habilidades se relacio-nam com as necessidades, valores e práticas sociais. Emoutras palavras, letramento não é pura e simplesmenteum conjunto de habilidades individuais; é o conjunto depráticas sociais ligadas à leitura e à escrita em que osindivíduos se envolvem em seu contexto social.

Mas há interpretaçôes conflitantes sobre a natureza dadimensão social do letramento: uma interpretação pro-gressista, "liberal" - uma versão "fraca" dos atributos eimplicações dessa dimensão, e uma perspectiva radical,"revolucionária" - uma versão "forte" de seus atributose implicações.

De acordo com a perspectiva progressista, "liberal"das relações entre letramento e sociedade, as habilidadesde leitura e escrita não podem ser dissociadas de seususos, das formas empíricas que elas realmente assumemna vida social; o letramento, nessa interpretação "fraca"de sua dimensão social, é definido em termos de habili-dades necessárias para que o indivíduo funcione adequa-damente em um contexto social - vem daí o termoletramento funcional (ou alfabetização funcional), difun-dido a partir da publicação do estudo internacional sobreleitura e escrita realizado por Gray, em 1956, para aUNESCO. Gray (1956) enfatiza a natureza pragmática doletramento quando adota o conceito de letramento funcio-nal que, como afirma, surgira a partir de pesquisas experiências sobre leitura desenvolvidas nas duas ou trêsIécadas anteriores. Gray define o letramento funcional.omo sendo os conhecimentos e habilidades de leitura e

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escrita que tornam uma pessoa capaz de "engajar-se emtodas aquelas atividades nas quais o letramento é normal-mente exigido em sua cultura ou grupo".

O enfoque na funcionalidade como o atributo essencialdas habilidades de leitura e escrita influenciou significati-vamente a definição de letramento da Unesco, já citada,formulada com o objetivo de padronização internacionalde estatísticas educacionais. Revendo, em 1978, a Reco-mendação de 1958, a Conferência Geral da Unesco julgounecessário introduzir um novo grau de letramento: emboramantendo a definição de 1958 de uma pessoa letrada,baseada em habilidades individuais, anteriormente citada,introduz o conceito de "pessoa funcionalmente letrada",fundamentado nos usos sociais da leitura e escrita:

Uma pessoa é funcionalmente letrada quando pode participarde todas aquelas atividades nas quais o letrarnento é necessá-rio para o efetivo funcionamento de seu grupo e comunidadee, também, para capacitá-Ia a continuar usando a leitura, aescrita e o cálculo para seu desenvolvimento e o de sua comu-nidade. (Unesco, 1978a, p.I)

Letramento funcional significa, pois, adaptação, comona metáfora de Scribner (Scribner, 1984): "Esta metáfora(Ietramento como adaptação) é proposta para caracterizarconceitos de letramento que enfatizam seu valor pragmá-tico ou de sobrevivência." (p.9) Scribner reforça a impor-tância do letramento funcional ou de sobrevivência:

A necessidade de habilidades de letramento na nossa vida diá-ria é óbvia; no emprego, passeando pela cidade, fazendo com-pras, todos encontramos situações que requerem o uso da lei-tura ou a produção de símbolos escritos. Não é necessárioapresentar justificativas para insistir que as escolas são obriga-das a desenvolver nas crianças as habilidades de letramentoque as tornarão aptas a responder a estas demandas sociaiscotidianas. E os programas de educação básica têm também aobrigação de desenvolver nos adultos as habilidades que de-vem ter para manter seus empregos ou obter outros melhores,receber o treinamento e os benefícios a que têm direito, e assu-mir suas responsabilidades cívicas e políticas. (p.9)

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_174 I Letrarnento

Assim, letramento envolve mais do que meramente lere escrever. Como Kirsch e Jungeblut (1990) afirmam, letra-mento não é simplesmente um conjunto de habilidades deleitura e escrita, mas, muito mais que isso, é o uso dessashabilidades para atender às exigências sociais. Acreditandono poder do letramento para conduzir ao progresso sociale individual, os autores definem-no como "o uso de infor-mação impressa e manuscrita para funcionar na sociedade,para atingir seus próprios objetivos e desenvolver seusconhecimentos e potencialidades." (p.1-8)

Subjacente a esse conceito liberal, funcional de letra-mento, está a crença de que conseqüências altamente posi-tivas advêm, necessariamente, dele: sendo o uso das habili-dades de leitura e escrita para o funcionamento e a partici-pação adequados na sociedade, e para o sucesso pessoal, oletramento é considerado como responsável por produzirresultados importantes: desenvolvimento cognitivo e econô-mico, mobilidade social, progresso profissional, cidadania."

Uma perspectiva diferente sobre as relações entre letra-mento e sociedade é proposta por aqueles que se filiam àvertente anteriormente denominada de uma interpretaçãoradical, "revolucionária" dessas relações - sua versão"forte". Enquanto que, na interpretação liberal, progressista(a versão "fraca"), letramento é definido como o conjuntode habilidades necessárias para "funcionar" adequadamenteem práticas sociais nas quais a leitura e a escrita são exi-gidas, na interpretação radical, "revolucionária", letramentonão pode ser considerado um "instrumento" neutro a serusado nas práticas sociais quando exigido, mas é essencial-mente um conjunto de práticas socialmente construídas que

envolvem a leitura e a escrita, geradas por processos sociaismais amplos, e responsáveis por reforçar ou questionarvalores, tradições e formas de distribuição de poder pre-sentes nos contextos sociais.

Street (1984), um dos representantes desta interpretaçãoalternativa da dimensão social do letramento, caracteriza-acomo o "modelo ideológico" de letramento, em oposiçãoao "modelo autônomo". De acordo com Street, letramentoé "um termo-síntese para resumir as práticas sociais e con-cepções de leitura e escrita" (p.I), tem um significadopolítico e ideológico de que não pode ser separado e nãopode ser tratado como se fosse um fenômeno "autônomo"(p.S). Street afirma que a verdadeira natureza do letramentosão as formas que as práticas' de leitura e escrita concreta-mente assumem em determinados contextos sociais, e issodepende fundamentalmente das instituições sociais quepropõem, e exigem essas práticas.

Provavelmente, a postura mais radical no quadro do"modelo ideológico" de letramento é a'de Lankshear (1987).Colocando-se contra a pressuposição de que o letramentoé um "instrumento" de que as pessoas simplesmente lan-çam mão para responder às exigências das práticas sociais,Lankshear afirma que é impossível distinguir letramentodo conteúdo utilizado para adquiri-Io e transmiti-Io, e dequaisquer vantagens ou desvantagens advindas dos usosque são feitos dele, ou das formas que assume (p.40).O que o letramento é depende essencialmente de como aleitura e a escrita são concebidas e praticadas em determi-nado contexto social; letramento é um conjunto de práticasde leitura e escrita que resultam de uma concepção de oquê, como, quando e por quê ler e escrever.

Do ponto de vista desse conceito, as qualidades ine-rentes ao letramento e suas conseqüências positivas, enfa-tizadas por aqueles que afirmam sua funcionalidade comoum instrumento para responder a demandas sociais e pararealizar metas pessoais, são negadas. Nessa perspectiva, o

~ A afirmação freqüente de que o letrarnento traz, como conseqüência, a elevaçãodos níveis cognitivo, econômico e social tem sido questionada por numerosos;Slutlos nas áreas da Psicologia, da Etnografia, da História: embora importante, adiscussão dessa questão ultrapassa os objetivos do presente estudo. Para uma revi-sOo sobre este tema, ver Akinnaso, 1981.

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3 Um estudo exaustivo de como os conceitos de letramento e os programas para suapromoção evoluíram na Unesco, de 1946 a 1987, é desenvolvido por Jones (1988).

Ensaio177

pressuposto é de que as conseqüências do letramentoestão intimamente relacionadas com processos sociaismais amplos, determinadas por eles, e resultam de umaforma particular de definir, de transmitir e de reforçarvalores, crenças, tradições e formas de distribuição depoder. Assim, os partidários da versão "forte" das rela-ções entre letramento e sociedade argumentam que asconseqüências do letramento são consideradas desejá-veis e benéficas apenas por aqueles que aceitam comojusta e igualitária a natureza e estrutura do contexto so-cial específico no qual ele ocorre. Quando não é esse ocaso, isto é, quando a natureza e a estrutura das práticase relações sociais são questionadas, o letramento é vistocomo um instrumento da ideologia, utilizado com o ob-jetivo de manter as práticas e relações sociais correntes,acomodando as pessoas às condições vigentes. Por exem-plo: aqueles que criticam as sociedades capitalistas afir-mam que o letramento funcional, tal como é concebidonessas sociedades, apenas reforça e aprofunda as rela-ções e práticas que proporcionam ou vantagens ou des-vantagens econômicas, relações e práticas estruturadassocialmente; como Lankshear afirma, o letramento fun-cional "designa um estado mínimo, essencialmente ne-gativo e passivo: ser funcionalmente letrado é ser capazde estar à altura das pequenas rotinas cotidianas e doscomportamentos básicos dos grupos dominantes na so-ciedade contemporânea". (p.64)

Resultam dessa concepção alternativas "revolucio-nárias" ao conceito liberal, progressista de "letramentofuncional". Paulo Freire 0967, 1970a, 1970b, 1976) foium dos primeiros educadores a realçar esse poder "revo-lucionário" do letramento, ao afirmar que ser alfabetizadoé tornar-se capaz de usar a leitura e a escrita como um meiode tomar consciência da realidade e de transformá-Ia. Freireconcebe o papel do letramento como sendo ou de liber-tação do homem ou de sua "domesticação", dependendo

do contexto ideológico em que ocorre, e alerta para aSua natureza inerentemente política, defendendo queseu principal objetivo deveria ser o de promover a mu-dança social.

Essa nova maneira de conceber o letramento foi pro-posta no Simpósio Internacional para o Letramento, acon-tecido em Persépolis, em 1975, com o apoio da Unesco.>Um conceito mais amplo de letramento funcional foi entãosugerido pelos participantes, propondo

...uma distinção entre as duas principais categorias de funciona-lidade: a primeira, de caráter econômico, relacionada com a pro-dução e as condiçôes de trabalho; a outra, de caráter cultural,relacionada com a transformação da consciência primária emconsciência crítica (o processo de "conscientização") e com aativa palticipação dos adultos em seu próprio desenvolvimento.(citado em Street, 1984, p.187)

Seguindo essa distinção, a Declaração de Persépolisconsiderou o letramento como sendo

...não apenas o processo de aprendizagem de habilidades deleitura, escrita e cálculo, mas uma contribuição para a liberaçãodo homem e para o seu pleno desenvolvimento. Assim concebi-do, o letramento cria condições para a aquisição de uma cons-ciência crítica das contradições da sociedade em que os ho-mens vivem e dos seus objetivos; ele também estimula a iniciati-va e a participação do homem na criação de projetos capazesde atuar sobre o mundo, de transformá-Io e de definir os objeti-vos de um autêntico desenvolvimento humano. (citado em Bhola,1979, p.38)

Lankshear (987), citado anteriormente, em uma posiçãoainda mais radical, e endossando a distinção de O'Neilentre "adequadamente letrado" e "inadequadamente letrado"(O'Neil, 1970), mas dotando-a de maior força política, afirmaque "o letramento adequado aumenta o controle das pessoas

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sobre suas vidas e sua capacidade para lidar racionalmentecom decisões, porque as torna capazes de identificar,compreender e agir para transformar relações e práticassociais em que o poder é desigualmente distribuído" (p.74).Levine (1982) faz a mesma afirmação, quando enfatiza opapel do letramento no processo de "produzir e reprodu-zir - ou de falhar em reproduzir - a distribuição socialdo conhecimento" (p.264, grifo nosso).

Resumindo, os conceitos de letramento que enfatizamua dimensão social fundamentam-se ou em seu valor

pragmático, isto é, na necessidade de letramento para ofetivo funcionamento na sociedade (a versão "fraca"),

ou em seu poder "revolucionário", ou seja, em seu po-tencial para transformar relações e práticas sociais injus-tas (a versão "forte"). Apesar dessa diferença essencial,tanto a versão "fraca" quanto a versão "forte" evidenciama relatividade do conceito de letramento: porque as ativi-dades sociais que envolvem a língua escrita dependemda natureza e estrutura da sociedade e dependem doprojeto que cada grupo político pretende implementar,elas variam no tempo e no espaço. Graff (1987a) afirmaque o significado e contribuição do letramento não podeser pressuposto, ignorando "o papel vital do contextosocio-histórico" (p.17). Nas palavras dele:

o principal problema, que retarda muitíssimo os estudos sobre oletramento, seja no passado ou no presente, é o de reconstruiros contextos de leitura e escrita: como, quando, onde, por que epara quem o letramento foi transmitido; os significados que lheforam atribuídos; os usos que dele foram feitos; as demandas dehabilidades de letramento; os níveis atingidos nas respostas aessas demandas; o grau de restrição social à distribuição e difu-são do letramento; e as diferenças reais e simbólicas que resulta-ram das condições sociais de letramento entre a população. Cp.23)

É, assim, impossível formular um conceito único deletramento adequado a todas as pessoas, em todos oslugares, em qualquer tempo, em qualquer contexto cultural

LI político.

Ensaio Ií9 .

Estudos históricos documentam as mudanças deconcepção de letramento ao longo do tempo;4 estudosantropológicos e etnográficos evidenciam os diferentesusos do letramento, dependendo das crenças, valores epráticas culturais, e da história de cada grupo socíai.'Como afirma Scribner (1984)

Em certo momento, a habilidade de escrever o próprio nomeera a comprovação de letramento; hoje, em algumas partes domundo, a habilidade de memorizar um texto sagrado é a prin-cipal demanda de letramento. O letramento não tem uma es-sência estática nem universal. (p.B)

Do ponto de vista histórico e antropológico, é, porexemplo, significativo que a língua inglesa tenha incor-porado o termo illiteracy (ausência de letramento) muitoantes que surgisse o termo literacy (letramento); segundoCharnley & Jones (1979), o Oxford English Dictionaryregistra o termo illiteracy desde 1660, enquanto que otermo positivo literacy só aparece registrado no final doséculo 19 (p.B). O surgimento do termo literacy nessaépoca reflete certamente uma mudança histórica nas prá-ticas sociais: novas demandas sociais de uso da leitura eescrita exigiram uma nova palavra para designá-Ias. Conse-qüentemente, um novo conceito foi criado.

É interessante observar que, em países onde deman-das sociais complexas de uso da leitura e escrita nãoestão ainda amplamente disseminadas, a língua não ofe-rece um termo equivalente a literacy, no português doBrasil, por exemplo, circulam os termos negativos "anal-fabeto" e "analfabetismo" há muito tempo, mas só recen-temente foram criados termos equivalentes a literacy-"alfabetismo", "Ietramento". O conceito oposto a "analfa-betismo", significando mais do que ser capaz de assinar o

·1 Ver, por exemplo: Graff (1987a, 1987b), Schofield (1968), Resnick & Resnick (1977),Furet & Ozouf (1977), Chartier & Hébrard (1989), Chartier (1985).

5 Ver, por exemplo: Goody (1968,1987), Levine (1982, 1986), Heath (1983), Finnegan(1988), Scribner & Cole (1981), Wagner (1983, 1986, 1991), Schieffelin & Gilmore (1986).

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sociais e competências funcionais e, ainda, a valores ídc-ológicos e metas políticas.

Reconhecendo esses múltiplos significados e varieda-des de letramento, Scribner (1984) defende a convcnlên-cia de "desagregar" seus diversos níveis e tipos em umprocesso de decomposição (p.18). A sugestão que fazHarman de uma definição de letramento que distinga trêsdiferentes estágios representa uma tentativa de realizaressa "desagregação":

o primeiro (estágio) é a concepção de letramento como uminstrumento. O segundo é a aquisição do letramento, a aprendi-zagem das habilidades de ler e escrever. O terceiro é a aplicaçãoprática dessas habilidades em atividades significativas para oaprendiz. Cada estágio é dependente do anterior; cada um é umcomponente necessário do letramento. (Harman, 1970, p.228)

Um segundo exemplo de tentativas de "desagregar" oletramento é a tendência contemporânea, sobretudo em pa-íses desenvolvidos, de qualificar o termo, fazendo distin-ções entre letramento básico e letramento crítico, letramentoadequado e inadequado, letramento funcional e integral,letramento geral e especializado, letramento domesticador elibertador, letramento descritivo e avaliativo, etc.

Uma tentativa mais radical de "desagregar" o letra-mento nos seus componentes é aquela proposta por au-tores que, em vez de considerarem o letramento comoconstituído de "estágios" ou componentes, ou como ne-cessitando ser qualificado, argumentam que é mais ade-quado referir-se a letramentos, no plural, é não a umúnico letramento, no singular:

81fi I Letramento

próprio nome ou ler e escrever uma sentença simples,vai-se constituindo à medida que novas demandas de com-portamento letrado vão surgindo no contexto social.

Pode-se concluir, então, que há diferentes conceitos deletramento, conceitos que variam segundo as necessidadese condições sociais específicas de determinado momentohistórico e de determinado estágio de desenvolvimento.

Além disso, do ponto de vista sociológico, em qualquersociedade, são várias e diversas as atividades de letramen-to em contextos sociais diferenciados, atividades que assu-mem determinados papéis na vida de cada grupo e decada indivíduo. Assim, pessoas que ocupam lugares sociaisdiferentes e têm atividades e estilos de vida associados aesses lugares enfrentam demandas funcionais completa-mente diferentes: sexo, idade, residência rural ou urbana eetnia são, entre outros, fatores que podem determinar anatureza do comportamento letrado. Conseqüentemente,definir um conjunto universal de competências que evi-denciassem o domínio de um "letramento funcional" é pro-blemático: que parâmetros escolher para selecionar e definiressas competências? Da mesma forma, na perspectiva deum letramento "para a libertação", pessoas ou grupos quetêm ideologias diferentes e, conseqüentemente, diferentesobjetivos políticos propõem diferentes práticas de letra-mento, determinadas por seus valores, afirmações, ideais.Por exemplo: o conceito de letramento em sociedades emprocesso de mudança revolucionária (como em Cuba, nosanos 60, em Nicarágua, nos anos 80) não é o mesmo quenos países politicamente estáveis.

É POSSÍVEL UMA DEFINiÇÃO?

A discussão anterior permite concluir que o conceitode letramento envolve um conjunto de fatores que variamde habilidades e conhecimentos individuais a práticas

... seria, provavelmente, mais apropriado referirmo-nos a"letrarnentos'' do que a um único "letramento", (Street, 1984, p.8)... devemos falar de letramentos, e não de letramento, tanto nosentido de diversas linguagens e escritas, quanto no sentido demúltiplos níveis de habilidades, conhecimentos e crenças, ncampo de cada língua e/ou escrita. CWagner, 1986, p.259)

... deveríamos identificar e estudar diferentes letramentos e n~supor ou presumir um único letramento. (Lankshear, 1987, p.1\8

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82\ Letramento

Sendo difícil ou mesmo impossível definir letramento,enfrenta-se a falta de uma condição essencial para suaavaliação e medição: uma definição precisa que permitadeterminar os critérios a serem utilizados para distinguirpessoas letradas de iletradas, ou para estabelecer dife-rentes níveis de letramento.

Na ausência dessa condição, as avaliações e mediçõesde letramento realizadas, quer através de censos popula-cionais, quer de pesquisas por amostragem, quer, ainda,em sentido mais restrito, realizadas por sistemas escola-res ou escolas, produzem dados imprecisos. Segundo oscensos populacionais, quase um bilhão de membros dapopulação mundial adulta (de idade acima de 15 anos)ão iletrados (Unesco 1990); conforme pesquisas por

amostragem, o letramento é hoje um grande problemaaté mesmo em países desenvolvidos (ver, por exemplo,

Pode-se concluir que definir letramento é uma tarefaaltamente controversa; a formulação de uma definição quepossa ser aceita sem restrições parece impossível. Contu-do, como -observa Cervero (985), "afirmar que uma defi-nição geral e comum a todos não é possível... não querdizer que não haja necessidade de uma definição geral ecomum a todos" (p.53). Uma definição geral e amplamen-te aceita é necessária, especialmente quando se pretendeavaliar e medir níveis de letramento: sem ela, como deter-minar critérios que estabeleçam a diferença entre letrado eiletrado, entre diferentes níveis de letramento? Na seçãoseguinte, alguns critérios comumente utilizados para avali-ar e medir o letramento serão examinados do ponto devista dessa controvérsia conceitual.

AVALIAÇÃO E MEDiÇÃO DO LETRAMENTO:EM BUSCA DE CRITÉRIOS

Ensaio I 83

Kirsch & Jungeblut, 1990); de acordo com estatísticas edu-cacionais, tanto em países desenvolvidos quanto em paí-ses em desenvolvimento, um número alarmante de criançasnão alcança o letramento nos primeiros anos do ensinofundamental." Entretanto, que letramento (ou não letra-mento) está por trás desses dados? Se o letramento é umcontínuo que representa diferentes tipos e níveis de ha-bilidades e conhecimentos, e é um conjunto de práticassociais que envolvem usos heterogêneos de leitura e es-crita com diferentes finalidades, que ponto, nesse contí-nuo, deve separar adultos letrados de iletrados, em censospopulacionais e pesquisas por amostragem, ou criançasbem sucedidas de crianças mal sucedidas na aquisição doletramento, em contextos escolares?

As principais tentativas de enfrentamento desse proble-ma são discutidas abaixo. Como a avaliação e medição doletramento dependem essencialmente de seu propósito, adiscussão é apresentada segundo as seguintes categorias:avaliação e medição do letramento em contextos esco-lares, em censos demográficos nacionais e em pesquisaspor amostragem.

AVALIAÇÃO E MEDiÇÃO DO LETRAMENTO

EM CONTEXTOS ESCOLARES

Nas sociedades contemporâneas, a instância respon-sável por promover o letramento é o sistema escolar(embora não seja impossível, como Scribner & Cole (1981)

6 Por exemplo: no Brasil, assim como em muitos países do Terceiro Mundo, umagrande porcentagem de crianças (em tomo de 50"10) repetem o primeiro ano deescolaridade, porque são consideradas não alfabetizadas; McGill-Franzen & Alling-ton (1991) informam que, na América do Norte, "um número jamais alcançado decrianças estão repetindo os primeiros anos, basicamente porque estão "atrasadas"no desenvolvimento da leitura" (p.87). Para uma revisão crítica de dados referentesà América Latina, ver Roca (1989).

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84 I Letramento

demonstraram, ser letrado sem ter tido escolarização):segundo Cook-Gumperz (1986), "é consenso social, nosdias de hoje, que o letramento é tanto o objetivo quanto oproduto da escolarização" (p.16)J Mas o que se entendepor esse letramento proposto como objetivo e produtoda escolarização, e como é ele avaliado e medido emcontextos escolares?

Para resolver o conflito entre a falta de uma definiçãoprecisa de letramento e a necessidade de sua avaliação emedição, o sistema escolar enfrenta condições simultane-amente favoráveis e desfavoráveis.

Condições favoráveis advêm do fato de que o letra-mento é, no contexto escolar, um processo, mais que umproduto; conseqüentemente, as escolas podem fazer usode avaliações e medições em vários pontos do contínuoque é o letramento, avaliando de maneira progressiva aaquisição de habilidades, de conhecimentos, de usossociais e culturais da leitura e da escrita, evitando, assim,o problema de ter de escolher um único ponto do contí-nuo para distinguir um aluno letrado de um iletrado, umacriança alfabetizada de uma não alfabetizada.

Por outro lado, da natureza "teleológica" do sistemaescolar advêm condições desfavoráveis para o enfrenta-mento do conflito entre a falta de uma definição precisa deletramento e a necessidade de sua avaliação e medição.As escolas são instituições às quais a sociedade delega aresponsabilidade de prover as novas gerações das habili-dades, conhecimentos, crenças, valores e atitudes conside-rados essenciais à formação de todo e qualquer cidadão.Para alcançar tal objetivo, o sistema escolar estratifica ecodifica o conhecimento, selecionando e dividindo em

7 A história das relações entre letramento e escolarização esclarece bastante os atuaisprocedimentos de avaliação e medição do letramento em contextos escolares, masessa discussão ultrapassa os objetivos deste texto; para uma revisão crítica, ver Cook-

Gumperz (986),

ensaio I 8S

"partes" o que deve ser aprendido, planejando em quantperíodos (bimestres, semestres, séries, graus) e em quseqüência deve se dar esse aprendizado, e avaliando, perio-dicamente, em momentos pré-determinados, se cada partefoi suficientemente aprendida. Desse modo, as escolas frag-mentam e reduzem o múltiplo significado do letramento:algumas habilidades e práticas de leitura e escrita são sele-cionadas e, então, organizadas em grupos, ordenadasavaliadas periodicamente, através de um processo de testese provas tanto padronizados quanto informais. O conceitode letramento toma-se, assim, fundamentalmente determi-nado pelas habilidades e práticas adquiridas através deuma escolarização burocraticamente organizada e tradu-zidas nos itens de testes e provas de leitura e de escrita. Aconseqüência disso é um conceito de letramento reduzido,determinado pela escola, muitas vezes distante das habili-dades e práticas de letramento que realmente ocorremfora do contexto escolar - um letramento escolar, naspalavras de Cook-Gumperz (1986):

A instituição escola redefiniu o letramento, tornando-o o queagora se pode chamar de letramento escolar, ou seja, um siste-ma de conhecimento descontextualizado, validado através dodesempenho em testes (p,14).

Essa estreita relação entre letramento e escolarizaçãocontrola mais do que expande o conceito de letramento,e seus efeitos sobre a avaliação e medição do letramentosão significativos, embora não sejam os mesmos em paísesdesenvolvidos e em desenvolvimento.

Nos países desenvolvidos, onde os sistemas escolaressão rigorosamente organizados, O· letramento escolar é,em geral, definido por meio do estabelecimento de deter-minados padrões de progresso desejado em leitura eescrita, e os níveis alcançados pelos estudantes tendocomo parâmetro esses padrões são considerados umarepresentação adequada de letramento. Devido ao cará-ter "teleológico" do sistema escolar, esses padrões de

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86 I Letramento

progresso são definidos, em grande parte, por testes padro-nizados e/ou informais; como conseqüência, o fenômenocomplexo e multi-facetado do letramento é reduzido àque-las habilidades de leitura e escrita e àqueles usos sociaisque os testes avaliam e medem. Desse modo, os critériossegundo os quais os testes são construídos é que definemo que é letramento em contextos escolares: um conceitorestrito e fortemente controlado, nem sempre condizentecom as habilidades de leitura e escrita e as práticas sociaisnecessárias fora das paredes da escola.

Essa é, provavelmente, uma explicação (dentre outras)para o fato de o letramento ainda ser um grande proble-ma entre adultos de países desenvolvidos, apesar de,neles, a educação fundamental obrigatória atingir prati-camente a todos: tendo alcançado um letramento escolar,os adultos são capazes de comportamentos escolares deletramento, mas são incapazes de lidar com os usos coti-dianos da leitura e da escrita em contextos não escolares.Por exemplo, Kirsch & Jungeblut (1990) alegam que osproblemas de leitura e escrita identificados em adultosjovens na América do Norte evidenciam um domínio limi-tado das habilidades e estratégias de processamento deinformação necessárias para que os adultos sejam bem-sucedidos ao enfrentarem uma vasta gama de atividadesno trabalho, em casa, em suas comunidades. Do mesmomodo, uma análise dos problemas de leitura e escrita dejovens adultos na Grã-Bretanha (ALBSU, 1987) revela queeles enfrentam dificuldades na vida cotidiana e tambémno trabalho, o que sugere que, talvez, o conceito de letra-mento adotado pela escola esteja de certa forma em disso-nância com aquilo que é importante para as pessoas emsua vida diária.

Nos países em desenvolvimento, os efeitos da estreitarelação entre escolarização e letramento são bastantediferentes.

ensaio I 'ir!

Em primeiro lugar, a maioria dos países em desenvolvi-mento ainda não provê educação fundamental para todos ~,obviamente, esse fato tem sérias implicações para a avalia-ção e mesmo para a conceituação de letramento. Por umlado, como a escolarização é a principal responsável, nassociedades contemporâneas, por promover e garantir o le-tramento, a incapacidade do sistema escolar em ofereceruma escolarização universal resulta em altos índices de anal-fabetismo e baixos níveis de letramento: quase toda a popu-lação analfabeta do mundo encontra-se em países emdesenvolvimento, enquanto que o índice de analfabetismonos países desenvolvidos pode ser considerado desprezível(Unesco, 1990, p.4). Por outro lado, e como conseqüênciado fato de o analfabetismo resultar da falta de escolarização,o conceito de letramento nos países em desenvolvimento ébastante diferente do conceito mais difundido nos paísesdesenvolvidos: nesses, ser i1etrado significa ter dificuldadespara ler e escrever; naqueles, ser i1etrado significa ser inca-paz de ler e escrever. Por essa razão, enquanto que nospaíses desenvolvidos o letramento é o principal problema,e não o não-Ietramento (o analfabetismo), como afirmamKirsch & Jungeblut (1990), nos países em desenvolvimento,pelo contrário, o não-fetramento (o analfabetismo) é o prin-cipal problema, não o letramento.

Em segundo lugar, nos países em desenvolvimento,apesar de os sistemas escolares serem em geral rigida-mente regulamentados, a adesão às normas e regula-mentos não é rigorosamente controlada, de modo que setorna difícil assegurar padrões de resultados. No casodo letramento, a ausência de padrões estabelecidos deforma mais geral permite a utilização de critérios vagos ealeatórios de avaliação e medição, de modo que alunosda mesma faixa etária ou série evidenciam o domínio dehabilidades de leitura e escrita bastante diferenciadas eníveis variados de letramento escolar. Quase sempre,nos países em desenvolvimento, em geral sociedades

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881 Letramento

com divisões sociais marcantes, os padrões de letramentodefinidos pelas escolas variam de acordo com o statussocial e/ou econômico do aluno: os padrões são, quasesempre, consideravelmente mais altos para os alunos dasclasses altas. Assim, tornar-se letrado ou mesmo àpenasalfabetizado numa escola de classe alta tem um significa-do bastante diferente de tornar-se letrado ou alfabetizadonuma escola de classe trabalhadora; de fato, os alunosdas classes trabalhadoras são sub-escolarizados e sub-letrados em comparação com os alunos das classes altas.Desse modo, como afirma Lankshear (987), "a transmissãoe a prática do letramento na escola contribuem para amanutenção de padrões desiguais de distribuição de podere de vantagens dentro da estrutura social" (p.131).8

Em síntese, dois pontos principais devem ser enfati-zados em relação à avaliação e medição do letramentoem contextos escolares. O primeiro deles diz respeito aoconceito de letramento escolar, que decorre dos critériosdefinidos pela escola para avaliar e medir as habilidadesde leitura e escrita: um conceito limitado, em geral insufi-ciente para responder às exigências das práticas sociaisque envolvem a língua escrita, fora da escola. O segundoponto diz respeito aos diferentes efeitos educacionais esociais desse letramento escolar em países desenvolvi-dos e em desenvolvimento: nos países desenvolvidos,sistemas educacionais fortemente organizados prescrevempadrões estritos e universais para a aquisição progressivade níveis de letramento, enquanto que, nos países emdesenvolvimento, um funcionamento inconsistente e dis-criminatório da escola gera padrões múltiplos e diferen-ciados de aquisição de letramento.

Essas questões têm uma influência significativa na defi-nição de critérios para a avaliação e medição do letra-mento em censos populacionais, como se discute a sezu!r,

AVALIAÇÃO E MEDIÇÃO DO LETRAMENTO

EM CENSOS POPULACIONAIS

Afirmar que um conceito único de letramento não épossível, tanto para a sociedade como Um todo quantoem contextos escolares, não implica que esse conceitoúnico não seja necessário; de fato, uma definição precisaé indispensável para fundamentar programas de coletade dados sobre o letramento, como no caso de censosdemográficos nacionais.

Nesses casos, o problema a enfrentar é que, apesar deo letramento, como foi discutido, não ser algo que aspessoas ou têm ou não têm - ele é um contínuo, variandodo nível mais elementar ao mais complexo de habilidadesde leitura e escrita e de usos sociais - em levantamentoscensitários, questões práticas exigem que o letramento sejatratado como uma variável discreta e não contínua. Comoum dos propósitos dos censos demográficos é fornecerinformação estatística sobre letramento e analfabetismo, osinstrumentos de avaliação não podem deixar de determinarum ponto de cisão no contínuo do letramento que distingapessoas alfabetizadas ou letradas de analfabetas ou iletradas,e não podem deixar de usar a enganosa dicotomia "alfabe-tizado", "letrado", versus "analfabeto", "iletrado".

Tradicionalmente, os levantamentos censitários coletamdados sobre o letramento basicamente através de um dedois processos: o primeiro é a auto-avaliação, ou seja, opróprio informante responde se é alfabetizado, letrado,ou se é analfabeto, iletrado; o segundo é a obtenção deinformação sobre a conclusão, ou não, pelo informante,de uma determinada série escolar, ou seja, a obtenção de

• Na verdade, Lankshear não se refere, nessa citação, exatamente aos países emdesenvolvimento, mas sim às sociedades capitalistas modernas; entretanto, apesarde ° problema que ele aponta não se limitar, certamente, apenas aos países emdesenvolvimento, ele é, sem dúvida alguma, mais acentuado nesses países.

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IX) ILetramento

dado sobre a escolarização formal. A definição de letra-mento e os critérios para avalíá-lo variam, assim, enorme-mente, pois dependem do ponto específico escolhido, sejapelo recenseado seja pelo recenseador, como linha divisó-ria entre indivíduos alfabetizados e analfabetos, letrados eiletrados, ao longo do contínuo que é o letramento.

Na verdade, a decisão sobre que ponto escolher comolinha divisória é determinada pelo estágio histórico dasociedade em análise, ou seja, por suas condições cultu-rais, sociais e econômicas específicas num determinadomomento, e depende das práticas reais de usos da leiturae da escrita e dos processos através dos quais esses usossão transmitidos naquelas condições específicas e naque-le momento. Assim, a linha divisória escolhida para dis-tinguir o "alfabetizado", o "letrado" do "analfabeto", do"iletrado" varia de sociedade para sociedade: pessoas clas-sificadas como alfabetizadas ou letradas em um determi-nado país não o seriam em outro. Mais ainda: em ummesmo país, os conceitos de alfabetizado e analfabeto,de letrado e iletrado variam ao longo do tempo: à medidaque as condições sociais e econômicas mudam, tambémas expectativas em relação ao letramento mudam, e aquelesclassificados como alfabetizados ou letrados em determi-nado momento podem não sê-lo em outro.

A própria escolha entre coletar dados sobre o letra-mento através de auto-avaliação ou de identificação denível de escolarização depende do estágio de desenvol-vimento social e econômico da sociedade e, conseqüen-temente, de seu sistema escolar.

Os países em desenvolvimento optam, em geral, pelacoleta de dados através do processo de auto-avaliação 3.4 aavaliação feita pelo próprio informante sobre suas habili-dades de leitura e escrita é considerada a mais adequada,por várias razões: primeiramente, porque as práticas sociaisde leitura e escrita não estão suficientemente difundidasntre a população, não sendo pertinente, por isso, pretender

avaliar nível ou níveis de letramento; em segundo lugar,porque a educação fundamental universal e obrigatÓlia aindanão foi inteiramente alcança da, de modo que o critérjo denível de escolaridade seria improcedente; além disso,em terceiro lugar, porque os sistemas escolares estão orga-nizados de modo inconsistente e não são homogêneos,funcionando em níveis de qualidade muito diferentes, demodo que haveria pouca concordância sobre o que podsignificar a conclusão de determinada série escolar emdiferentes regiões, em diferentes escolas.

Os países desenvolvidos, ao contrário, geralmente utili-zam-se de dados sobre nível de escolarização para aferir ograu de letramento da população: considera-se necessáriaa conclusão de um certo número de anos de escolarizaçãoformal para caracterizar a população letrada, porque a vidasocial exige habilidades e práticas de letramento em inú-meras e diferentes ocasiões, a educação fundamental básicapara todos já foi praticamente atingida, e os sistemas esco-lares são rigorosamente organizados.

Entretanto, tanto a auto-avaliação quanto informaçõessobre conclusão de série escolar são processos proble-máticos para a coleta de dados a respeito do letramento,como se discute a seguir.

Auto-avaliação

Informações sobre o letramento através de auto-avaliação,coletadas em censos demográficos nacionais, são obtidaspor meio de uma ou mais perguntas feitas ao indivíduo,perguntas que traduzem uma definição prévia daquiloque se convencionou ser letramento. Entretanto, apesarda tentativa de garantir confiabilidade aos dados derivandoas perguntas de uma definição de letramento decididapreviamente, as informações através de auto-avaliaçãosofrem de algumas deficiências sérias.

A primeira deficiência é resultado da aplicação errôneada definição de letramento mais amplamente utilizada

EnsaJo /91

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92 I Letramento

em censos demográficos, definição que gera as pergun-tas e a aferição das respostas. Apesar de países diferen-tes utilizarem definições diferentes, a fonte primária éinvariavelmente a recomendação da Unesco: "é letradaa pessoa que consegue tanto ler quanto escrever comcompreensão uma frase simples e curta sobre sua vidacotidiana" (Unesco, 1978a). Contudo, o uso dessa defi-nição básica para fins de auto-avaliação não deixa deser problemático: como se pode traduzi-Ia em uma oumais perguntas breves a serem incluídas no questio-nário censitário?

A fim de evitar esse problema, na maioria dos países apergunta do censo sobre o letramento é simplesmente sea pessoa sabe ler e escrever ("Você sabe ler e escre-ver?"), sem qualquer referência a o quê a pessoa é capazde ler e escrever ou à compreensão do que é lido ouescrito; o resultado é que o significado da resposta "sim"ou não" do informante é, na melhor das hipóteses, dúbio."Como observa o estudo técnico das Nações Unidas de1989 sobre a avaliação do letramento:

Como determinar se a resposta inclui o requisito de "com com-preensão", aplicado a "uma frase simples e curta sobre suavicia cotidiana", é uma questão diferente e complexa. Pre-qüentemente, presume-se simplesmente que este é o caso; àsvezes, a questão ou as questões especificam um contexto am-bíguo tal como em: "Você sabe ler uma mensagem simples?"(United Nations, 1989, p.S5)

No Brasil, por exemplo, o manual de instrução queorienta o recenseador inclui uma definição de "alfabetiza-do" a ser usada no preenchimento do questionário, defini-ção que é, na verdade, uma versão simplificada da definiçãoda Unesco: uma pessoa deve ser considerada alfabetizada

Y Sociedades multilíngues e multiletradas enfrentam ainda um outro problema: emque língua o indivíduo deve saber ler e escrever? Para uma discussão dessa questão,ver Wagner (1990), United Nations (989), Unesco (1978b).

Ensaio 193

se for capaz de ler e escrever uma mensagem simples nasua própria língua (IBGE, 1991). Na prática, contudo, osrecenseadores geralmente não seguem estritamente as ins-truções e confiam exclusivamente na resposta afirmativaou negativa do informante à questão concisa que apareceno questionário: "Você sabe ler e escrever?" Uma das ra-zões que pode explicar a desconsideração da definiçãoproposta no manual de instrução é provavelmente a difi-culdade de saber exatamente o que ela significa: qual deve-ria ser a extensão de "uma mensagem simples"? quantasunidades de informação ela deveria incluir? em que nível deproficiência ela deveria ser lida ou escrita? o que quer dizer"com compreensão"? etc.

Um segundo obstáculo à confiabilidade das informa-ções obtidas através de auto-avaliação é a impossibili-dade de, com base apenas na resposta afirmativa ("sim")ou negativa ("não") à pergunta sobre a habilidade doinformante de ler e escrever, captar distinções importan-tes em termos de habilidades e processos (por exemplo,leitura versus escrita; diferença entre decodificação ecompreensão ou interpretação; diferença entre apenasser capaz de transcrever unidades sonoras e ser capaz decomunicar-se por escrito com um leitor potencial). Naverdade, as respostas "sim" ou "não" a perguntas a res-peito das próprias habilidades de leitura e escrita depen-dem, fundamentalmente, da avaliação que o informantefaz de suas habilidades, competências e práticas pessoaisde letramento. Deve-se salientar aqui um ponto impor-tante: essa avaliação que o informante faz de si mesmo éfreqüentemente influenciada por um conceito de letra-mento definido pela escola, isto porque, nas sociedadescontemporâneas, como foi dito antes, as escolas são"árbitros dos padrões de letramento" (Cook-Gumperz, 1986,p.34), de modo que o informante tende a descrever-secomo alfabetizado/analfabeto, letrado/iletrado, tendo comoparâmetros as habilidades e práticas de letramento que sãotipicamente ensinadas e medidas nos contextos escolares,

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94 I Letramento

ou seja, de acordo com um conceito de letramento escolare não em função das habilidades e práticas aprendidas eusadas de fato na vida cotidiana fora da escola. tO

Uma outra consideração a ser feita é que as perguntasde auto-avaliação nos levantamentos censitários não sãorespondidas por cada indivíduo separadamente, mas porum morador do domicílio que responde por todos os ou-tros moradores. Assim, a classificação de um indivíduocomo "alfabetizado" ou "analfabeto", "letrado" ou "iletra-do" baseia-se não apenas na avaliação que o informantefaz de suas próprias habilidades de letramento, mas tam-bém na estimativa que faz das habilidades dos outrosmoradores: com que critérios o informante classifica a simesmo e aos outros como dominando ou não as habili-dades necessárias para que o indivíduo seja consideradoalfabetizado ou letrado?

Finalmente, as respostas do informante às perguntasdo censo sobre letramento podem não corresponder àssuas condições reais, devido a inibições sociais e psicoló-gicas e atitudes de censura. Como os informantes descon-fiam freqüentemente das motivações do recenseador,podem dar respostas desejáveis em vez de respostassinceras; por exemplo, pessoas analfabetas muitas vezespreferem esconder que não sabem ler e escrever, porvergonha de admitir, diante de um estranho, sobretudoalguém que vêem como exercendo um papel de autori-dade, o que consideram ser uma deficiência; ou, pelocontrário, pessoas alfabetizadas ou letradas podem declararnão saber ler e escrever pelo temor de vir a serem subme-tidas a um teste ou alguma outra forma de medição direta.Como afirma Schofield (1968):

10 A'té mesmo em países do Terceiro Mundo, embora o ensino fundamental paratodos ainda não tenha sido alcançado, uma grande maioria da população temalgum tipo de contato com a escolarízação elementar, de modo que os parãmetrosda escola para avaliação do letramento são em geral bastante conhecidos e ampla-mente internalizados.

Como na maioria das investigações atuais sobre o leu·amento, osdados desses relatórios (relatórios estatísticos) são medidas dasopiniões das pessoas sobre suas competências de leu<tmento, talcomo foram declaradas a estranhos, e não constituem lima evi-dência direta da existência dessas competências. O perigo deresultados pouco confiáveis nesses casos, sobretudo quando seestabelece uma relação entre status e posse de competências deletJ<tmento, sequer precisa ser enfatizado. Cp.319)

À luz dessas considerações, pode-se concluir que,apesar das tentativas de garantir a confiabilidade dos dados,as informações sobre índices de letramento baseadas emauto-avaliação são muito imprecisas. A principal causa dissoé que o marco divisório que distinguiria pessoas alfabeti-zadas, letradas, de pessoas analfabetas, iletradas, ao longodo contínuo do letramento, varia enormemente nas pes-quisas feitas para censos demográficos, porque sua carac-terização depende de fatores diversos e freqüentementediscrepantes: a aplicação (ou má aplicação) pelo recen-seador da definição de letramento pré-estabelecida e daqual deveria derivar-se esse marco divisório; a decisão dopróprio informante sobre esse marco divisório, ao descrevera si mesmo e a outros membros da família como alfabeti-zados ou analfabetos; os aspectos psicológicos e sociaisrelacionados com o status do letramento na sociedade.

Essas restrições às informações sobre letramento obti-das por auto-avaliação têm conduzido ao procedimentoalternativo de medir competências e práticas de letra-mento com base na escolarização e na conclusão de deter-minada série escolar.

Conclusão de série escolar

Definir, avaliar e medir o letramento em termos de anosde escolarização apresenta algumas vantagens conceituaisem relação a fazê-Ia com base em auto-avaliação.

A principal vantagem é que, enquanto a auto-avaliaçãofundamenta-se essencialmente na suposição de que existeum ponto específico, num contínuo de habilidades e

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% ILetramento

práticas, que separa o alfabetizado, o letrado, do analfabeto,do iletrado, o critério baseado em número de anos de escola-ridade, embora tenha também o objetivo, no caso dos levan-tamentos censitários, de distinguir alfabetizado, letrado, deanalfabeto, iletrado, traz em si, intrinsecamente, o reconheci-mento de que o letramento é uma série ou um contínuo decompetências e práticas, de certa forma escapando, assim, àdicotomia artificialletramento oersus analfabetismo. Na verda-de, avaliar e medir o letramento com base no número deanos de escola fundamental concluídos é reconhecer que égradualmente que as pessoas passam do analfabetismo, donão letramento, ao letramento, e que isso ocorre ao longo deum certo período de tempo e através de vários estágios.

Uma outra vantagem de avaliar o letramento em termosde anos de escolarização é que a responsabilidade de classi-ficar indivíduos como alfabetizados, letrados, ou analfa-betos, iletrados é transferida para um árbitro provavelmentemais confiável: enquanto a informação baseada em auto-avaliação fundamenta-se basicamente na avaliação do pró-prio informante sobre suas competências de leitura e escrita,como discutido anteriormente, o critério de conclusão desérie escolar atribui a avaliação ao sistema escolar, aproxi-mando-se, dessa forma, de uma estimativa mais imparcial.

Entretanto, o número de anos de escolaridade conclu-ídos, como critério para a avaliação e medição do letra-mento, suscita um problema crucial: é necessário selecionaruma determinada série escolar como linha divisória entreo analfabetismo, o não letramento e o letramento, e essaseleção é inevitavelmente arbitrária. Hillerich (1978) expressaesse problema nos seguintes termos:

Se um determinado número de anos na escola é adotado comobase de avaliação do letramento, é necessário apenas escolher asérie que será usada como critério. Tal decisão pode ser feita emtermos do número de iletrados que se deseja declarar - quantomais avançada a série escolhida, maior será, obviamente, o nú-mero de "iletrados" identificado. Ou a série pode ser escolhidacom base em algum nível que se presuma "necessário" para queadultos sejam bem sucedidos. (p.31)

Ensaio IIJ?

Os dados abaixo, relativos a estimativas de letramentonos Estados Unidos, fomecidas por Newman & Beverstock(1990),]] reforçam o argumento de Hillerich: os dados ilustrama arbitrariedade da seleção de uma determinada série cujaconclusão indicaria letramento adequado ou satisfatório:

Nos anos 30, o Civilian Conservation Corps utilizou a conclusãoda terceira série como padrão de letramento. No início da Segun-da Guerra Mundial, a conclusão da quarta série foi consideradacomo indicativo de letramento suficiente para a entrada no exérci-to. Contudo, à medida que a guerra avançava, as exigências deletrarnento foram alteradas, de modo que um número suficientede soldados pudesse ser incorporado. O censo especial de 1947estabeleceu como nível indicativo de letramento cinco anos deescolarização, e 13.5 por cento da população masculina não atin-giu esse nível. O censo de 1949 tomou como critério a quintasérie, e o de 1952, a sexta série. Na década de sessenta, o Depar-tamento de Educação dos Estados Unidos estabeleceu como ní-vel indicativo de letramento oito anos de escolarização. Conside-rando 9 anos de escolarização como o mínimo necessário pal-aser atingido o letramento, o censo de 1980 revelou 24 milhões depessoas de 25 anos ou mais que eram iletradas - 18 por cento daspessoas nessa faixa etária. Mas, tomando como critério um míni-mo de 12 anos de escolaridade, o mesmo censo encontrou 45milhões de pessoas iletradas, ou seja, 34 por cento. (p.57)

Como os dados deixam claro, o número de anos deescolaridade considerados necessários para que seja alcan-çado o letramento pode aumentar com o tempo: à medi-da que a sociedade vai-se tomando mais complexa, maisexigências vão sendo feitas em relação a habilidades epráticas de leitura e escrita e, conseqüentemente, níveismais avançados de escolarização vão sendo consideradosnecessários. Mais ainda, a seleção de uma determinadasérie como linha divisória entre letramento e não letra-mento depende dos fins da avaliação e medição, ou seja,daquilo que é julgado necessário em função dos efeitos

1\ A fonte dos dados apresentados por Newman & Beverstock é: McGrail, J. (1984).Adult Illiterates and Adult Literacy Programs: A Summary of Descriptive Da!.1. SanFrancisco, CA: National Adult Literacy Project, Far West Laboratory.

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desejados. Finalmente, e obviamente, pode-se obter qualquernúmero de analfabetos ou iletrados, apenas tomando-secomo critério a conclusão desta ou daquela série.

Além da arbitrariedade inerente ao critério de esco-lher uma determinada série escolar e decidir que, conclu-ída ela, foi atingido um nível adequado de letramento e,abaixo dela, permanece-se no não letramento (Hillerich,1978, p.33), o critério de conclusão de determinada sérieescolar, para avaliar o letramento, baseia-se em algumassuposições equivocadas.

Primeiramente, o uso do critério de conclusão de sé-rie escolar para avaliar o letramento em levantamentoscensitários pressupõe que a educação universal e obri-gatória é adequadamente oferecida, de modo que todoindivíduo tenha a oportunidade de entrar e permanecerno sistema escolar. Mais ainda, esse sistema deve serfortemente organizado, para permitir supor que a natu-reza e qualidade da escolarização seja suficientementeuniforme entre as escolas, e que o mesmo nível deletramento seja alcançado no mesmo número de anosem escolas diferentes.

Isto certamente não ocorre nos países em desenvolvi-mento, em que a coriclusão de determinada série escolartem pouca validade como critério para a avaliação doletramento, porque ainda não é oferecido o ensino funda-mental para todos, e a organização e controle escolaressão, em geral, tão precários que uma grande parte dascrianças que conseguem ter acesso à escola ou a abando-nam, depois de completar dois ou três anos de escolari-zação fundamental, ou repetem a mesma série diversasvezes (em geral a primeira série)." Mais ainda, nos países

98 I Letramento

12 o Brasil é um exemplo característico: cerca de apenas 50 por cento das crianças desele anos brasileiras matriculadas na primeira série passam para a série seguinte; osoutros 50 por cento ou deixam a escola ou repetem o ano.

Ensalo 199

em desenvolvimento, justamente por causa do índice dereprovações e das repetências decorrentes delas, a con-clusão da quarta série, por exemplo (em geral selecionadacomo linha divisória entre analfabetismo e letramento)representa com freqüência, na verdade, seis, oito ou dezanos de escolarização.

Até mesmo nos países desenvolvidos, onde os siste-mas educacionais são em geral submetidos a padrões bemdefinidos de progressão de série para série, não deixa deser discutível supor que o processo de escolarização éuniforme entre as escolas, igualando-se o que é certa-mente desigual: processos de escolarização, competên-cia dos professores, potencialidades dos alunos, valoresatribuídos pela comunidade ao letramento. Como observaOxenham (1980):

... enquanto quatro anos de escolarização, em certas escolasde alguns países, podem habilitar a maioria dos alunos a tor-nar-se adequada e permanentemente letrada, o mesmo nú-mero de séries em outro lugar pode resultar simplesmente empermanência no analfabetismo. (p.90)

Uma segunda suposição subjacente ao critério de con-clusão de série escolar para avaliação e medição do letra-mento é a presumida relação entre comportamentosadquiridos na escola e habilidades e práticas de letra-mento ou, em outras palavras, uma suposição de que oletramento é aquilo que as escolas ensinam e medem e,portanto, é basicamente adquirido por meio da escolari-zação. Além do fato de que essa suposição ignora a apren-dizagem por meios informais ao longo da vida, emsituações externas à escola, há outras importantes evi-dências de que se trata de uma suposição discutível.

Em primeiro lugar, apesar de ter recebido ainda poucaatenção a hipótese de que um determinado nível/sérieconcluído equivale a letramento, alguns estudos empí-ricos sugerem que ela não procede: Harman (1970), Kirsch

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100 I Letramento

& Guthrie 0977-1978), Hillerich (978), Wagner (991)relatam resultados de pesquisa que indicam haver umarelação muito tênue entre o critério de série escolar con-cluída e as competências de letramento do adulto.

Em segundo lugar, a suposta ligação de causa-e-efeitoentre escolarização e letramento é refutada pelo fato deque o não letramento (o analfabetismo funcional) conti-nua a ser um grave problema nos países onde o ensinofundamental obrigatório para todos foi praticamentealcançado, como no caso dos países desenvolvidos. Sea conclusão de uma determinada série equivale a letra-mento, por que baixos níveis de letramento ocorrem emsociedades em que o direito à escolaridade básica égarantido a todos?

Esse aparente paradoxo pode ser compreendido sese considera o fato de que as escolas, como discutidoacima, avaliam e medem o letramento segundo as exi-gências de desempenho determinadas por instrumentosde avaliação definidos por elas mesmas, internamente,não levando em conta, em geral, as competências deletramento requeridas em situações exteriores a elas. Naverdade, as habilidades e práticas de letramento, emoutros contextos sociais, parecem ir muito além das ha-bilidades de leitura e escrita ensinadas e medidas emcontextos escolares, ou seja, muito além de um letra-mento escola riza do. A conseqüência, como afirmamCastell et aI. (986), é "uma discrepância significativaentre o que conta como letramento na escola e os tiposde competências de letramento realmente necessáriasnas atividades profissionais e comunitárias" (p.7). Emoutras palavras, por meio da escolarização, as pessoaspodem se tornar capazes de realizar tarefas escolaresde letramento, mas podem permanecer incapazes delidar com usos cotidianos de leitura e escrita em contex-tos não escolares - em casa, no trabalho e no seu con-texto social. De fato, o termo "letramento funcional" foi

Ensaio I 101

criado justamente para ampliar o conceito de letramentodefinido pela escola, acrescentando a ele comporta-mentos letrados cotidianos que a aprendizagem formalem contextos escolares não parece promover.

Inúmeros estudos têm dado suporte a essas afir-mações. Por exemplo: os estudos etnográficos de Heath(983) indicam que as atividades de leitura e escrita emcontextos escolares revelam-se altamente irrelevantesem situações externas ao mundo escolar; nesse mesmosentido, a pesquisa de Wagner sobre o letramento funcio-nal entre crianças marroquinas em idade escolar (991)levou à seguinte conclusão:

o presente estudo confirma um crescente número de evidên-cias indicando que muitas das habilidades necessárias na vidacotidiana podem não ser adquiridas mesmo após os 4 anosde escolarização formal convencionalmente (ou convenien-temente) utilizados como a linha divisória entre letramento enão letramento. (p.193)

Portanto, a suposição de que se pode avaliar e medirletramento pelo critério de conclusão de determinada sé-rie escolar é, certamente, uma suposição equivocada.

Igualmente equivocada é uma terceira suposição emque se fundamenta o critério de série escolar concluídapara a avaliação e medição do letramento: a suposiçãode que a conclusão de uma dada série garante um letra-mento permanente e de que o que foi adquirido nãoserá perdido.

Essa suposição deixa de levar em consideração umaquestão importante: a validade de arbitrariamente esco-lher uma determinada série escolar como o limiar de umaprendizado de tal natureza que, mesmo no caso de pou-co ou nenhum uso das competências adquiridas, não ocor-reria uma reversão ao analfabetismo ou a perda dehabilidades de letramento. O esclarecimento dessa ques-tão depende de dados empíricos ainda não disponíveis,como observa Wagner (990):

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102 I LetrarnentoEnsaio 1103

Embora haja numerosas hipóteses sobre o mínimo deescolarização primária necessário (ou de educação não formalou de experiências vivenciadas em campanhas de alfabetiza-ção) para que o letramento seja "fixado" na criança ou noadulto, há ainda muito pouca informação para sustentar essashipóteses. (p.Iô'l)

Na verdade, a retenção de competências de leitura ede escrita é um fenômeno ainda pouco estudado, sendosurpreendentemente pequeno o número de pesquisasnesse campo. Além disso, os resultados a que chegamesses poucos estudos empíricos não são conclusivos, sendoainda restrita a possibilidade de generalização.

Simmons, ao revisar, na segunda metade dos anos 70,seis estudos sobre a retenção de competências de letra-mento que, segundo ele, constituíam, então, toda a litera-tura sobre o tema, resume os resultados concluindo que:primeiro, "os estudos indicam de modo consistente umdeclínio das habilidades de leitura e escrita ao longo dotempo"; segundo, "altos níveis alcançados em educaçãoanterior não garantem que as pessoas não regridam aoanalfabetismo"; e, finalmente, "mesmo aquilo que é reti-do parece ter pouco valor prático para o indivíduo ou asociedade" (Simmons, 1976, p.84). O estudo realizadopelo próprio Simmons sugere que a suposição de que aeducação fundamental tem efeitos permanentes deve serquestionada, e que "o motivo pelo qual alguns indivíduosretêm mais do que outros parece estar mais em fatoresligados ao ambiente familiar e uso pós-escolar das habili-dades cognitivas do que em fatores ligados às experiên-cias escolares" (Simmons, 1976, p.92).

Ao contrário, um estudo longitudinal realizado porWagner, Spratt, Klein & Ezzaki (989) "não confirma ahipótese do 'retrocesso' em competências de letramentoou perda de habilidades acadêmico-cognitivas depoisde cinco séries de escolarização fundamental" (p.Z);segundo os autores, o estudo "oferece as primeiras

evidências de que o 'retrocesso do letramento' pode serum mito" (p.I1).

Conclui-se que estudos empíricos sobre a retenção decompetências de leitura e escrita têm chegado a resulta-dos conflitantes; assim, presumir que a conclusão de umadeterminada série escolar seja evidência de letramento é,por enquanto, questionável.

Em síntese, embora o critério de conclusão de sérieescolar para a avaliação e medição do letramento ofe-reça algumas vantagens conceituais em relação ao crité-rio de auto-avaliação, traz alguns sérios problemas ebaseia-se em suposições ou equivocadas ou contro-versas. Além disso, é uma questão ainda aberta a inves-tigações futuras determinar se indivíduos que concluemuma determinada série tornam-se letrados de forma ade-quada e permanente.

Podemos concluir que as informações por auto-avalia-ção e por conclusão de série escolar, coletadas em levan-tamentos censitários, permitem apenas uma medidabastante precária de letramento. Um procedimento para aavaliação e a medição, com mais profundidade, do letra-mento, permitindo investigar tanto as habilidades quantoas práticas sociais de leitura e de escrita, é o estudo poramostragem, discutido a seguir.

AVALIAÇÃO E MEDiÇÃO DO LETRAMENTO

EM ESTUDOS POR AMOSTRAGEM

Avaliar o letramento por meio de levantamento dascompetências reais de uma amostra representativa dapopulação, isto é, levantamento realizado por amos-tragem, é uma alternativa para assegurar uma aferiçãomais precisa da extensão e qualidade do letramento napopulação.

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1041 Letramento

A coleta de dados sobre o letramento em levanta-mentos censitários tem por objetivo fornecer, dentremuitas outras informações sobre características demo-gráficas, sociais e socioeconômicas, um indicador ge-nérico da extensão do letramento na população comoum todo; os levantamentos por amostragem, ao contrá-rio, visam à coleta de uma grande variedade de infor-mações específicas sobre habilidades e práticas sociaisreais de leitura e de escrita. Conseqüentemente, en-quanto o levantamento censitário avalia e mede o le-tramento de maneira superficial, porque não podeutilizar mais que uma ou duas perguntas curtas de auto-avaliação ou o simples critério de conclusão de deter-minada série escolar, o levantamento por amostragempode avaliar e medir em profundidade tanto as habi-lidades de leitura e de escrita, através de provas etestes, quanto os usos cotidianos dessas habilidades,através de questionários estruturados. Os levantamentospor amostragem sobre o letramento podem, pois, for-necer dados sobre ambas as dimensões do letramentodiscutidas anteriormente: a dimensão individual, ou seja,a posse pessoal de habilidades de leitura e escrita, e adimensão social, ou seja, o exercício das práticas sociaisque envolvem a leitura e a escrita.

Além disso, como pesquisas por amostragem sobreo letramento quase sempre levantam dados tambémsobre a formação educacional em geral e sobre as ca-racterísticas socioeconômicas e culturais do grupo fa-miliar, elas permitem que se analisem as relações entreas habilidades e práticas sociais de leitura e de escritae outros fatores, tais como idade, sexo, raça, renda,residência rural/urbana, meio cultural e região (UnitedNations, 1989, p.10). Desse modo, pesquisas de letra-mento por amostragem fornecem dados não apenaspara a estimativa dos níveis de letramento, mas também,

e sobretudo, para a formulação de políticas educacionaise a implementação de programas de alfabetização e deJetramento.'>

Na verdade, o que os levantamentos por amostragembuscam identificar é o letramento funcional; em lugar deconsiderar o letramento como uma característica que aspessoas ou têm ou não têm, como fazem os levantamen-tos censitários, os levantamentos por amostragem buscamidentificar a prática real das habilidades de leitura e escri-ta e a natureza e freqüência de usos sociais dessas habili-dades. Assim, os levantamentos por amostragem têm comoobjetivo avaliar e medir níveis de letramento, e não ape-nas o nível básico de "ser capaz de ler e escrever".

Como conseqüência, a necessidade de avaliar e mediro letramento por meio de pesquisas por amostragem éreconhecida principalmente em países onde esse nívelbásico de letramento já foi alcançado praticamente portodos, de modo que é pertinente buscar identificar habili-dades de leitura e escrita mais complexas, como tambémo uso da leitura e da escrita em contextos sociais os maisdiversos. O World Education Report de 1991 (Unesco,1991) ratifica esse ponto de vista:

ensaio 1105

Não obstante a diversidade de níveis de letrarnento, a maioriados países do mundo ainda tem proporções significativas desua população abaixo até mesmo do nível mínimo de ser ca-paz de, com compreensão, ler e escrever uma frase simplessobre a vida cotidiana. O fato de que este primeiro nível conti-nua a ser a principal preocupação na maioria dos países ficouevidenciado nas respostas ao questionário do InternationalBureau of Education (IBE) sobre as tendências atuais da edu-cação fundamental e de programas de alfabetização de adultos

13 Uma discussão a respeito das possibilidades de utilização de pesquisas de letra-mento por amostragem domiciliar ultrapassa os objetivos deste estudo; uma discus-são detalhada pode ser encontrada no estudo técnico das Nações Unidas de 1989sobre a avaliação do letramento através de levantamentos domiciliares (UnitedNations, 1989); ver também Wagner (1990).

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Ia> ILetramento --Lque foi distribuído aos Estados Membros da UNESCO,por oca-sião da 42' sessão da Conferência Internacional de Educação(Genebra, setembro de 1990). As respostas, em sua maioria,afirmaram que a definição primeira de analfabeto de 1958 ain-da era relevante em seus países; um número menor concordouque a noção de "analfabeto funcional" era "percebida e defini-da como uma categoria específica". (p.47-48)

letramento consiste de um grande número de diferenteshabilidades, competências cognitivas e metacognitivas,aplicadas a um vasto conjunto de materiais de leitura egêneros de escrita, e refere-se a uma variedade de usosda leitura e da escrita, praticadas em contextos sociaisdiferentes. Os instrumentos de avaliação utilizados empesquisas por amostragem de letramento (testes e ques-tionários) não podem, assim, deixar de selecionar uma.amostra de comportamentos considerados representa-tivos de uma grande variedade de habilidades e práti-cas. Como conseqüência, as estimativas de letramento,através de pesquisas por amostragem, "variam tanto quan-to as medidas empregadas" (Kirsch & Guthrie, 1977-1978, p.504). Newman & Beverstock (1990) referem-sea estudos que tentaram avaliar e medir o letramentofuncional nos Estados Unidos nos anos setenta e oitentanos seguintes termos:

Por essa razão é que as pesquisas por amostragemsobre o letramento foram implementadas principalmentenos países onde a noção de analfabeto funcional é "per-cebida e definida como uma categoria específica", ouseja, nos países desenvolvidos. Nos Estados Unidos, porexemplo, um número significativo de pesquisas por amos-tragem sobre o letramento foi realizado nas últimas duasdécadas (para uma revisão crítica, ver Kirsch & Guthrie,1977-1978; Newman & Beverstock, 1990). Já nos paísesem desenvolvimento, onde uma grande parte da popula-ção ainda não atingiu sequer o nível básico de letramento- ser capaz de ler e escrever - estudos do letramentoatravés de pesquisas por amostragem são raros, prova-velmente porque são considerados supérfluos. H

Uma outra consideração a ser feita é que, emboralevantamentos por amostragem domiciliar sobre o letra-mento forneçam informações sobre uma ampla varieda-de de habilidades e práticas, não se deve supor queneles seja inteiramente eliminada a seleção arbitrária delinhas divisórias no contínuo do letramento para distin-guir diferentes níveis. Como discutido anteriormente, o

Os estudos variavam, e seus resultados também. As estimati-vas indicavam de 13 até mais de 50 por cento da populaçãoadulta americana com dificuldades em habilidades e práti-cas básicas de letramento. Dependendo de quem estiver fa-lando e de qual estudo é citado, os Estados Unidos têm umíndice de letramento baixo, alto ou um índice que seposiciona em algum lugar entre baixo e alto. (p.49)

A falta de concordância em relação ao que deve sermedido em processos de avaliação de letramento podeser evidenciada comparando-se os quadros referenciaispara a medição do letramento adotados por dois estudosrelativamente recentes: o National Assessment of Educa-tional Progress (NAEP), um estudo sobre o letramentodos jovens norte-americanos (Kirsch & Jungeblut, 1990),e o estudo técnico das Nações Unidas sobre a avaliaçãode letramento através de pesquisas domiciliares (NHS-CP: National Household Survey Capability Programme,United Nations, 1989),

" o relativamente recente estudo técnico das Nações Unidas sobre a avaliação doletramento através de pesquisas domiciliares (United Nations, 1989) pretendeu auxiliaros países em desenvolvimento com uma minuciosa orientação sobre como planejar,conduzir e executar uma pesquisa de letramento por amostragem domiciliar, tacitamentereconhecendo li inexperiência e pouca familiaridade desses países com esse tipo delevantamento. Na verdade, o maior desafio dos países em desenvolvimento ainda estáem planejar, conduzir e executar programas e campanhas nacionais de alfabetizaçãodirecionados à eliminação de altos e persistentes índices de analfabetismo.

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llli I Letramento

Ambos os quadros referenciais propõem uma matrizde habilidades de leitura e escrita aplicadas a diferentestipos de materiais escritos, mas os critérios de seleçãodas categorias de habilidades e dos materiais de leiturae escrita para compor os instrumentos de avaliação sãobastante diferentes.

Em relação às habilidades de leitura e escrita, en-quanto as categorias do NAEP são definidas tendo porcritério os usos dessas habilidades, ou seja, o tipo deinformação que os indivíduos buscam quando lêem ouescrevem, as categorias do NHSCP são definidas segun-do os processos básicos envolvidos na leitura e na escri-ta. Assim, a matriz do NAEP inclui, como categorias deuso da leitura e da escrita, conhecimento, avaliação,informação especifica, interação social e aplicação, en-quanto a matriz do NHSCP inclui, como tipos de habili-dades de leitura e escrita, decodificação, compreensão,escrita e localização de informações.

Da mesma forma, em relação aos materiais de leitu-ra e escrita, enquanto as categorias do NAEP são defi-nidas segundo a forma lingüística em que a informaçãoé apresentada, as categorias do NHSCP referem-se aosdomínios em que as habilidades de leitura e escrita sãoutilizadas. Assim, a matriz do NAEP inclui as seguintescategorias de materiais de leitura e escrita: signo/rótu-lo, instruções, memorando/carta, formulário, tabela,gráfico, prosa, índices/referências, notícia, esquema oudiagrama, anúncio e conta/fatura; trabalhando com cri-térios diferentes, a matriz do NHSCP inclui não maisque três tipos de domínios textuais: palavras/frases, pro-sa e documentos.

É importante observar que essa falta de congruênciaentre propostas distintas de fragmentação do letramento emcomponentes específicos para fins de avaliação explica-se

pela exigência a que deve atender qualquer instrumento, de avaliação: a necessidade de selecionar, no universo

de comportamentos que se deseja avaliar e medir, umconjunto de comportamentos de que as questões do ins-trumento de avaliação devem ser uma amostragem. Comoa definição desse conjunto de comportamentos dependedos propósitos e do contexto da avaliação, propósitos econtextos diferentes resultam em procedimentos de amos-tragem diferentes.

Assim, as diferenças entre os dois estudos discutidosaqui podem ser explicadas pelos seus diferentes propó-sitos e contextos. O propósito do estudo do NAEP foidescrever a natureza e a extensão dos problemas deletramento apresentados por jovens adultos de um paísdesenvolvido onde o conceito de letramento é basica-mente, como o próprio estudo declara, "o uso pelo indi-víduo de informações impressas e escritas para inserir-sena sociedade, para atingir suas metas pessoais e desen-volver seu conhecimento e potencial" (Kirsch & Junge-blut, 1990, p.I-8). Por outro lado, o estudo do NHSCP foiconcebido principalmente para orientar programas epolíticas de letramento em países em desenvolvimentoonde, como discutido anteriormente, o letramento aindaé definido como a capacidade elementar de ler e escre-ver, e o letramento funcional ainda não se configuroucomo uma categoria distinta.

É necessário apontar ainda uma última questão sobreo uso de pesquisas por amostragerri para avaliação deletramento. A dicotomia básica letrado/iletrado pode, éóbvio, ser utilizada também nesse tipo de pesquisa; oestudo técnico das Nações Unidas sobre a avaliação doletramento, anteriormente mencionado, até mesmo re-comenda que os países em desenvolvimento façam usodessa dicotomia nos levantamentos por amostragem do-miciliar sobre o letramento (United Nations, 1989, p.89).

Ensalo I 1(1)

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.1

...... ImlIJ _

Entretanto, como esse mesmo estudo das Nações Unidasobserva, essa dicotomia básica "pode revelar detalhesinsuficientes sobre os níveis e habilidades de letramen-to", e "a medição direta de habilidades de leitura e es-crita através da utilização de instrumentos de avaliaçãofornece informações para a construção de categorias maisprecisas do que as que a simples auto-avaliação permiteconstruir" (United Nations, 1989, p.156, 159). Um exem-plo disso é o apresentado nesse estudo mesmo das Na-ções Unidas, que sugere as seguintes categorias comouma possível classificação de níveis de letramento aserem avaliados através de pesquisas por amostragem:não letrado, pouco letrado, letrado mediano e altamenteletrado (United Nations, 1989, p.159-160; ver tambémWagner, 1990, p.122)

As duas classificações seguintes, ambas incluídas emestudos relativos à medição direta de habilidades e práti-cas de letramento, são outros exemplos de "categoriasmais precisas", superando a dicoto mia letrado-iletrado,difícil de ser mantida: a primeira estabelece níveis deletramento pelo critério da "sobrevivência" social per-mitida por cada nível, e classifica o letramento de so-brevivência como provável, marginal, questionâuel,baixo (Harris, 1970);15a segunda usa o critério da fun-cionalidade e classifica o indivíduo nas categorias fun-cionalmente incompetente, marginalmente funcional efuncionalmente proficiente (Adult Performance LevelStudy, 1977).16

Um exemplo mais sofisticado é encontrado no estu-do de Kirsch & Guthrie (1990) sobre níveis de letra-mento de jovens adultos norte-americanos. As questõesde avaliação das habilidades de leitura e de escritaincluídas no instrumento de medida utilizado foram dis-tribuídas em três escalas de letramento e organizadas,em cada escala, segundo níveis de dificuldade, de modoa tornar possível a avaliação de vários tipos e níveisde proficiência. O objetivo foi "construir um perfil"dos indivíduos e não apenas "classificá-Ios", segundoos resultados em cada escala e entre as três escalas.Kirsch & Guthrie indicam o pressuposto subjacente aotratamento que dão à avaliação e medição do letramen-to nos seguintes termos:

Este estudo, embora pretendendo esclarecer a questãoda avaliação e medição do letramento em suas relações

o que é preciso é um tratamento que realmente permita com-preender os vários tipos e níveis de profiCiência em leitura eescrita atingidos em nossa sociedade. Tal tratamento forneceriauma representação mais precisa não apenas da natureza com-plexa das exigências de letramento em uma sociedadepluralística, mas também do status das pessoas que atuam emnossa sociedade. Cp.III-36)

Na verdade, esse pressuposto está presente, de ummodo geral, nas pesquisas por amostragem sobre o letra-mento. Propiciando uma abordagem multidimensional doletramento e avaliando habilidades e práticas de leitura ede escrita através de uma medição direta, essas pesquisaspodem fornecer dados mais refinados e confiáveis sobrea extensão e natureza do letramento na população doque outros procedimentos de coleta de dados.

" HARRIS, L & Associates (970). Suruiual Literacy Study. Washington, DC: NationalReading CounciL Citado por: Newman & Beverstock, 1990, p.65; ver também Kirsch& Guthrie, 1977-1978, p.496.

.6 US OFFICE OF EDUCATION (1977). Final Report. The American Performance LeveIStudy. Washington, DC: US Office of Education, Department of Health, Educationand Welfare. Citado por: Newman & Beverstock, 1990, p.69-70; ver também Kirsch &Guthrie, 1977-1978, p.499.

AVALIAÇÃO E MEDiÇÃO DO lETRAMENTO:EM BUSCA DE SOlUÇÕES

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1121Letrarnento

com a conceituação e definição desse fenômeno, traz, naverdade, mais problemas que soluções.

A discussão feita evidencia que avaliar e medir oletramento é uma tarefa altamente complexa e difícil:ela exige uma definição precisa de letramento, indis-pensável como parâmetro para a avaliação e a medida,mas qualquer tentativa de resposta a essa exigênciatraz sérios problemas epistemológicos. Concluiu-se queo letramento é uma variável contínua e não discretaou dicotômica; refere-se a uma multiplicidade de habi-lidades de leitura e de escrita, que devem ser aplica-das a uma ampla variedade de materiais de leitura eescrita; compreende diferentes práticas que dependemda natureza, estrutura e aspirações de determinadasociedade. Em síntese, o letramento é "um fenômenode muitos significados" (Scribner, 1984, p.9); uma únicadefinição consensual de letramento é, assim, totalmenteimpossível.

Entretanto, a falta de concordância sobre o que életramento - e, portanto, a falta de concordância sobreo que deve ser avaliado e medido - não elimina anecessidade ou a importância da avaliação e mediçãodo letramento, única forma de obter dados sobre essefenômeno, dados que são necessários para fins teóricose práticos. Pelo menos três argumentos justificam a ne-cessidade de definir índices de letramento através deavaliação e medição.

Primeiramente, o índice de letramento de uma socie-dade ou de um grupo social é um dos indicadores bási-cos do progresso de um país ou de uma comunidade.Obviamente, como afirmado anteriormente, não se tra-ta de propor que o índice de letramento, ele só, repre-sente o nível econômico, social e cultural de um paísOll de uma comunidade; na verdade, o pressuposto subja-

nte a essa proposição - o pressuposto de que o letra-mento leva ao crescimento econômico e ao progresso

Ensaio I 113

social - não tem qualquer suporte empírico, como jádemonstraram várias pesquisas históricas e etnográfi-caso Como afirma Wagner (1990, p.116), defender umarelação de causalidade entre letramento e indicadoreseconômicos, o que ainda é feito com freqüência, éextremamente discutível:

Seria igualmente correto afirmar que, ao contrário, os índicesde Ietrarnento, assim como os de mortalidade infantil, são con-seqüência do grau de desenvolvimento econômico na maioriados países. Quando há progresso social e econômico, desco-bre-se geralmente que os índices de letramento sobem e os demortalidade infantil caem. Blaug, que foi um dos defensoresda teoria do capital humano, concluiu, posteriormente, quenem anos de escolarização nem índices de letramento têm qual-quer efeito direto no crescimento econômico dospaíses em desen-volvimento. (grifo nosso)

Entretanto, embora se deva reconhecer que o letra-mento é antes lima variável dependente que indepen-dente (Graff, 1987a), ele se associa, sem dúvida alguma,a muitos dos indicadores de desenvolvimento social eeconômico. Correlacionar índices de letramento comindicadores socioeconômicos tais como produto internobruto, índices de mortalidade infantil, de natalidade, denutrição, dentre muitos outros, permite identificar ecompreender o status econômico, social e cultural de umpaís ou de uma comunidade, evidenciando, por exemplo,que o analfabetismo e a pobreza andam de mãos dadas,como ocorre nos países do Terceiro Mundo.

Uma segunda justificativa para a necessidade dedeterminar índices de letramento através de avaliaçãoe medição está intimamente ligada à primeira. Os índi-ces de letramento são extremamente úteis para finsde comparação entre países ou entre comunidades,respondendo, assim, a uma importante preocupaçãonacional e internacional com o cotejo de dados econô-micos e sociais.

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Por um lado, os índices de letramento podem ser utili-zados para avaliar e interpretar mudanças nos níveis deletramento/analfabetismo através dos tempos, com basenos dados de uma série cronológica de levantamentos.A possibilidade de tais comparações históricas é funda-mental, não apenas para a pesquisa histórica, mas tam-bém para estudar e compreender o letramento no presentee avaliar sua difusão ao longo do tempo. Como observaGraff (1987a, p.32):

... o estudo adequado da experiência histórica de letramentonão responde apenas a um interesse pelo passado; ele trazmuitos dados relevantes para a análise e a definição de políti-cas no mundo em que vivemos hoje.

É claro que medidas da extensão e distribuição daleitura e da escrita, de que resultam dados quantitativossobre a difusão do letramento através dos tempos,não são a única nem a principal fonte para "o estudoadequado da experiência histórica de letramento", mascertamente contribuem com algumas evidências signifi-cativas e sistemáticas.

Por outro lado, índices de letramento são utilizadospara comparações em um determinado momento do tem-po histórico, fornecendo dados para que se identifiquea distribuição das habilidades e práticas de leitura e deescrita por regiões geográficas ou econômicas do mun-do ou de um certo país. Os índices de letramento são,assim, úteis para revelar tendências e perspectivas emnível nacional e internacional, para confrontar a magni-tude do analfabetismo em diferentes países ou regiões,para comparar populações ou grupos, evidenciando dis-paridades na aquisição do letramento determinadas porfatores tais como idade, sexo, etnia, residência urbanaou rural, etc.

Finalmente, uma terceira justificativa para a necessi-dade de avaliação e medição do letramento é o fato de

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que índices de letramento são imprescindíveis tanto paraa formulação de políticas quanto para o planejamento, aimplementação e o controle de programas, não apenasprogramas de letramento, mas também programas de bem-estar social, em geral. Segundo o estudo técnico sobre aavaliação do letramento feito pelas Nações Unidas (UnitedNations, 1989, p.8):

Medir o nível de letramento na população do país é um passopara a avaliação da eficácia dos programas em desenvolvimen-to e para a obtenção de dados precisos necessários à formula-ção de programas futuros nos campos educacional e social.Por exemplo, projetos de assistência médica básica não podemdeixar de considerar o grau de letramento da população-alvo.

As considerações acima conduzem a um paradoxo:de um lado, a importância e necessidade da avaliação emedição do letramento, para fins teóricos e práticos; deoutro lado, a impossibilidade de atender ao pré-requísítopara a sua avaliação e medição, ou seja, a formulação deuma definição precisa que possa ser usada como parâ-metro. Como enfrentar esse paradoxo?

De início, é preciso reafirmar e enfatizar que o letra-mento não pode ser avaliado e medido de forma abso-luta. Como não é possível "descobrir" uma definiçãoindiscutível e inequívoca de letramento, ou a melhorforma de defini-Io, qualquer avaliação ou medição dessefenômeno será relativa, dependendo de o quê (quaishabilidades de leitura e/ou escrita e/ou práticas sociaisde letramento) estiver sendo avaliado e medido, porquê (para quais fins ou propósitos), quando (em quemomento) e onde (em que contexto "socioeconômico ecultural) se está avaliando ou medindo, e como (deacordo com quais critérios) é feita a avaliação ou amedição.

Assim, o que é possível e necessário para realizar qual-quer avaliação ou medição do letramento é formular uma

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1161Letramento

definição ad hoc desse fenômeno a ser avaliado ou medi-do e, a partir daí, construir um quadro preciso de inter-pretação dos dados em função dos fins específicos emum determinado contexto. Uma definição comum e uni-versal não é possível, mas uma definição deliberadarnen-te operacional, ainda que arbitrária, tanto é possível quantoé extremamente necessária para atender aos requisitospráticos de procedimentos de avaliação e medição. Des-se modo, haverá tantas estratégias operacionais para amedição do letramento quantos programas para sua avalia-ção e medição. Em outras palavras, o reconhecimentodos múltiplos significados de letramento conduz a umadiversidade de definições operacionais, cada uma res-pondendo aos requisitos de um determinado programade avaliação ou medição.

Assim, a questão crucial, em processos de avaliaçãoou medição do letramento, é determinar de modo claro adefinição operacional em que esses processos deverãobasear-se e construir instrumentos para a coleta de infor-mações em função dessa definição.

Em contextos escolares, esse procedimento é facili-tado pelo fato de que, como observado anteriormente,as escolas podem avaliar e medir habilidades e compe-tências em pontos diferentes do contínuo que é o letra-mento, e em diversos momentos durante o processo deescolarização. Desse modo, as escolas podem trabalharcom várias e diferentes definições operacionais de le-tramento, cada uma sendo utilizada para a avaliação oua medição de determinadas habilidades e práticas emestágios específicos do processo de escolarização. Oproblema, aqui, é ou o de evitar que o letramento sejadefinido de modo vago e medido com critérios dife-rentes em cada escola, sistema de ensino ou região,como em geral ocorre nos países em desenvolvimento,ou o de reduzir o letramento a um conceito escolarizado,

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Ensaio 1117

distanciado das exigências de letramento externas à es-cola, como ocorre freqüentemente nos países desenvol-vidos. Na verdade, a estrutura da educação formal básicaé que determina fundamentalmente a quantidade e anatureza das habilidades e práticas de letramento quepodem ser adquiridas; sendo assim, a discussão de defi-nições operacionais de letramento para fins de sua ava-liação e medição, em contextos escolares, pressupõe adiscussão da natureza e qualidade da escolarização fun-damental para todos.

Enquanto que em contextos escolares é possível ava-liar o letramento repetidas vezes e progressivamente e,portanto, é possível atribuir-lhe várias e diferentes defi-nições operacionais, um levantamento censitário nacio-nal, realizando-se através de uma única situação deavaliação e de um único instrumento de avaliação, temde necessariamente basear-se em uma única definição deletramento.

Quando o critério é a conclusão de determinada sé-rie, a definição de letramento bem como sua avaliação emedição são transferidos, de certa forma, para o sistemaescolar e, assim, dependem do uso ou mau uso, emcontextos escolares, de definições operacionais de le-tramento e dos instrumentos de avaliação e mediçãodecorrentes delas. Desse modo, é indispensável que, aoutilizar-se o critério de conclusão de série, esse sejarelacionado com a estrutura e qualidade da educaçãofundamental formal.

Quando dados para um censo são coletados atravésde auto-avaliação, uma definição operacional e sua tra-dução em uma ou duas perguntas tornam-se questõescruciais. Como discutido anteriormente, um sério obstá-culo à confiabilidade de informações sobre o letramento,quando obtidas através de auto-avaliação do próprioinformante, é a aplicação inadequada da definição

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segundo a qual as perguntas deveriam ser propostas.Como essa definição não é, em geral, operacionalmen-te formulada, as perguntas são vagas e imprecisas, geran-do respostas dúbias e pouco confiáveis. Assim, oscuidados básicos com o uso de auto-avaliação para finsde avaliação e medição do letramento, em levantamen-tos censitários nacionais, devem ser, em primeiro lugar,e sobretudo, a formulação de uma definição operacionaladequada que expresse o que se considere um nível dehabilidades e práticas de leitura e escrita desejável, emum determinado país; em segundo lugar, a tradução dessadefinição em perguntas precisas e inequívocas; e, emterceiro lugar, a compreensão e aplicação corretas des-sas perguntas pelos recenseadores.

A vantagem, em relação aos levantamentos por cen-sos nacionais, de levantamentos sobre o letramento poramostragem domiciliar é que podem ser utilizadas váriasdefinições de letramento, em vez de uma única, poden-do-se abranger, dessa' forma, diferentes conjuntos de ha-bilidades e de práticas de leitura e de escrita. Sendo assim,tipos diferentes de instrumentos de avaliação e mediçãopodem ser construídos, permitindo distinções mais clarase diferenciações mais refinadas de níveis de letramento.A questão principal, aqui, é a formulação de um conjuntoadequado de definições operacionais, considerando-se oque realmente deve ser levado em conta como letra-mento em dado contexto, a seleção, a partir daí, de umaamostra adequada de habilidades e práticas sociais dese-jadas, e a construção de instrumentos para avaliar correta-mente essas habilidades e práticas.

Essas considerações enfatizam a possibilidade e anecessidade de formulação de definições operacionaisde letramento, construídas deliberadamente para respon-der às exigências de um determinado processo de avalia-ção e medição confiáveis de letramento, e indicam tanto

Ensaio I 119

os maiores problemas inerentes a essa tarefa quanto algu-mas precauções para a sua realização. Mas a obtençãode dados confiáveis sobre o letramento não é a únicaquestão importante; na verdade, a questão fundamental éa interpretação desses dados.

Conforme foi discutido nas seções anteriores, os crité-rios comumente utilizados para avaliar e medir o letra-mento apresentam deficiências e/ou estão muitas vezesbaseados em suposições equivocadas; como essas defi-ciências e suposições são, de certa forma, inevitáveis, ainterpretação de dados sobre o letramento deve semprelevá-Ias em conta.

Além disso, como o conceito de letramento varia deacordo com o contexto social, cultural e político, a in-terpretação adequada de dados sobre letramento re-quer o conhecimento das definições com base nas quaisfoi avaliado e medido, e das técnicas de coleta dedados utilizadas.

Uma outra consideração é que dados sobre letramen-to devem ser relacionados com as características do con-texto, para que sejam adequadamente interpretados: aoavaliar, comparar ou confrontar dados em nível nacionalou internacional, é fundamental analisá-Ios associando-os a indicadores demográficos, socioeconômicos, cultu-rais e políticos. Fazendo uso de uma expressão criadapor Wagner (1990, p.132), dados sobre letramento devemser interpretados no quadro de uma análise da "ecologiado letramento".

Finalmente, como a estrutura da educação formal ea natureza e qualidade da escolarização primária influ-enciam enormemente o conceito de letramento, seuvalor social, seus usos e funções, bem como sua avali-ação e medição, a interpretação de dados sobre letra-mento deve sempre levar em conta as característicasdo sistema escolar.

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Em síntese, o conjunto de problemas envolvidos nadefinição, avaliação e medição do letramento, discutidosneste estudo, equipara-se a um conjunto correspondentede problemas associados à interpretação dos dados cole-tados. O ponto principal, aqui, é que enfrentar ambosesses conjuntos de problemas não é apenas uma questãoconceitual, mas também uma questão ideológica e políti-ca. Este estudo enfatizou, até aqui, a faceta conceitual daavaliação e medição do letramento, nos seus aspectosteóricos e práticos - foi esse o seu objetivo central.Entretanto, é preciso concluir, acrescentando e enfatizan-do a sua polêmica faceta ideológico-política.

O letramento é, sem dúvida alguma, pelo menos nasmodernas sociedades industrializadas, um direito humanoabsoluto, independentemente das condições econômicase sociais em que um dado grupo humano esteja inserido;dados sobre letramento representam, assim, o grau emque esse direito está distribuído entre a população e foiefetivamente alcançado por ela.

Entretanto, o que o letramento é, e, conseqüentemente,o significado de dados sobre o letramento, isto é, dadossobre a distribuição e a conquista efetiva do direito aoletramento, são questões relativas, como este estudo pre-tendeu demonstrar.

Algumas indagações devem, pois, ser propostas àreflexão. Se letramento não pode ter uma definição ab-soluta e universal, será que o direito humano ao letra-mento deve ter significados diferentes em sociedadesdiferentes? Será que a avaliação e medição do letramen-to e a interpretação dos dados coletados deveriam sercondicionadas às condições de uma determinada socie-dade? Se a resposta a essas perguntas for "sim", seráque um conceito "empobrecido" de letramento, proces-sos "pouco sofisticados" para sua avaliação e medição,e uma interpretação "benevolente" dos dados coletados

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não seriam mais um fator de manutenção das desigual-dades entre países desenvolvidos, subdesenvolvidos eem desenvolvimento?

Não há respostas "técnicas" para essas indagações; elasse inserem no campo das normas e dos valores.

Pode-se concluir afirmando que a análise conceitual deletramento e de sua avaliação e medição, desenvolvida .neste estudo, pretende servir como um quadro referencialpara as tarefas essencialmente ideológicas e políticas deformulação de políticas de alfabetização e letramento e deprogramas de desenvolvimento do letramento.

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