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EDILEIDE BONFIM DA SILVA RODRIGUES SÍNDROME DE ASPERGER: PERCURSOS NA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE CIDADE DE SÃO PAULO UNICID SÃO PAULO 2015

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EDILEIDE BONFIM DA SILVA RODRIGUES

SÍNDROME DE ASPERGER: PERCURSOS NA EDUCAÇÃO

UNIVERSIDADE CIDADE DE SÃO PAULO

UNICID

SÃO PAULO

2015

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EDILEIDE BONFIM DA SILVA RODRIGUES

SÍNDROME DE ASPERGER: PERCURSOS NA EDUCAÇÃO

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Educação da Universidade Cidade de São Paulo, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Educação junto à Universidade Cidade de São Paulo – UNICID sob orientação da Profa. Dra. Adelina de Oliveira Novaes. Área de concentração: Políticas Públicas.

UNIVERSIDADE CIDADE DE SÃO PAULO

UNICID

SÃO PAULO

2015

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Ficha elaborada pela Biblioteca Prof. Lúcio de Souza. UNICID

R696s

Rodrigues, Edileide Bonfim da Silva. Síndrome de Asperger: percursos na educação / Edileide Bonfim da Silva Rodrigues -- São Paulo, 2015. 63 p. Bibliografia Dissertação (Mestrado) - Universidade Cidade de São Paulo. Orientadora Profa. Dra. Adelina de Oliveira Novaes. 1. Aluno autista. 2. Educação especial. 3. Educação inclusiva. I. Novaes, Adelina de Oliveira, orient. II. Título.

CDD 371

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Profa. Dra. Adelina de Oliveira Novaes

Orientadora e Presidente da Banca Examinadora

Profa. Dra. Lúcia Pintor Santiso Villas Boas

Profa. Dra. Sandra Lúcia Ferreira

COMISSÃO JULGADORA

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho ao meu marido, por me incentivar e apoiar nessa fase da minha vida.

A todas as crianças com Asperger.

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AGRADECIMENTOS

À minha orientadora, pela sua dedicação, compreensão, competência e confiança, direcionando-me no desenvolvimento e conclusão

deste trabalho. Muito obrigada!

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A inclusão acontece quando. . .

“Se aprende com as diferenças e não com as igualdades.”

Paulo Freire

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Resumo

Ao tomar a inclusão da criança com Síndrome de Asperger (SA) como foco, a presente

investigação assumiu como objetivo debater, com base na bibliografia disponível acerca dessa

síndrome e dos estudos educacionais que tratam da temática da inclusão (bem como das

práticas educativas a ela relacionadas), os percursos educacionais que a educação especial

toma na prática, sobretudo com vistas a contribuir com a problematização e sugestão de

estratégias que o professor do Ensino Fundamental pode adotar com vistas a efetivar a

inclusão do estudante com Asperger. Ao compreender que a falta de sociabilização do

estudante com essa síndrome dificulta a aprendizagem por ter prejudicada a compreensão dos

pensamentos e motivações de outras crianças e, portanto, tendo menor probabilidade de

apresentar comportamentos que estabeleçam a comunicação ou de levar em conta os

pensamentos e sentimento de outros, pretendeu-se debater estratégias de inclusão de uma

criança com esse distúrbio, haja vista a necessidade de encontrar formas de ativar as

possibilidades de esse estudante aprender, utilizando os recursos disponíveis nas escolas

regulares. Ao longo da experiência da pesquisadora com um aluno com SA, quando era

professora dele, relatada nesta dissertação, foi possível conhecer melhor esse distúrbio e

desenvolver e aplicar estratégias de ensino direcionadas às dificuldades que o estudante

apresentava. Os resultados foram bastante satisfatórios, posto que o citado aluno, antes muito

retraído e isolado, passou a interagir com seus pares e com professores e avançou em seu

desenvolvimento intelectual e social. O investimento de pesquisa empreendido permitiu

considerar que o trabalho do educador de pessoas com necessidades especiais requer dele o

esforço projetivo de tentar ver o mundo por meio dos olhos de seus estudantes, e usar esta

perspectiva para ensiná-los a inserir-se na cultura de forma autônoma. Em outros termos,

enquanto não for possível extinguir os déficits de sociabilidade subjacentes, é pelo seu

entendimento que será viável planejar programas educacionais efetivos. Com o respaldo

teórico da bibliografia consultada e pela experiência da pesquisadora/educadora aqui

demonstrada, ficou patente a necessidade de que a formação dos professores contemple

cabalmente o conhecimento dos transtornos presentes em muitas crianças, de modo que o

docente esteja instrumentalizado para lidar eficientemente com as crianças com necessidades

educacionais especiais.

Palavras-chave: Síndrome de Asperger; inclusão; práticas docentes.

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ABSTRACT

By taking the inclusion of children with Asperger Syndrome (AS) as the focus, this research

aimed to debate, based on the available literature on this syndrome and educational studies

dealing with the inclusion theme (as well as the educational practices related to it),

educational pathways that special education takes in practice, particularly with a view to

contribute to the questioning and suggesting strategies that elementary school teachers can

adopt in order to effectively include the student with Asperger . By understanding that the

lack of socialization of students with this syndrome hinders the learning process by having

unclear comprehension of the thoughts and motivations of other children and therefore having

a smaller probability of presenting behaviors that establish communication or taking into

account the thoughts and feelings of the others, it was intended to discuss strategies of

inclusion of a child with this disorder, considering the need to find ways to enable the

possibilities of this student to learn, using the resources available in mainstream schools.

Along the researcher's experience with a student with AS when she was his teacher, reported

in this essay, it was possible to increase awareness of this disorder and develop and

implement educational strategies directed to the difficulties that the student had. The results

were quite rewarding, since the mentioned student, very withdrawn and isolated before, began

to interact with his mates and with teachers and advanced in his intellectual and social

development. The research investment allowed us to conclude that the work of the educator

who deals with people with special needs requires his projective effort to try to see the world

through the eyes of his students, and use this perspective to teach them to be part of the

culture autonomously. In other words, while you cannot extinguish the underlying sociability

deficits, it is through his understanding that it will be viable to plan effective educational

programs. With the theoretical support of the researched literature and by the experience of

the researcher / educator here demonstrated, it became patent the need that the teacher training

fully contemplates the knowledge of the present disorders in many children, so that the

teacher has instruments to efficiently cope with children with special educational needs.

Keywords: Asperger Syndrome; inclusion; teaching practices.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÂO……………………………………………………………………………...11

1. Inclusão e necessidades educativas do estudante com Síndrome de

Asperger...................................................................................................................................14

1.1. Uma breve discussão sobre as políticas de inclusão no campo educacional.....................18

1.2. Inclusão escolar no Brasil e a criança com Síndrome de Asperger...................................26

2. Síndrome de Asperger........................................................................................................36

2.1. Síndrome de Asperger e o autismo....................................................................................36

2.2. As especificidades da Síndrome de Asperger....................................................................40

2.3. Elementos a serem considerados quando se planeja ensinar a indivíduos com Asperger:

o que diz a literatura especializada...........................................................................................45

3. Estratégias educacionais para a inclusão do aluno com Asperger: elementos revelados

pela experiência.........................................................................................................................53

CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................61

REFERÊNCIAS......................................................................................................................63

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INTRODUÇÃO

A motivação para o desenvolvimento desta investigação partiu da experiência da

pesquisadora em lecionar em uma classe do 4o ano do Ensino Fundamental I, onde havia uma

criança que não se socializava com as outras, com olhar sempre baixo e com dificuldades de

aprendizagem. Na escola, ninguém sabia o diagnóstico dessa criança. Ao conversar com a

mãe desse aluno, a pesquisadora, então professora, tomou conhecimento de que o aluno

estava diagnosticado por psiquiatra com SA.

Nesta pesquisa, tomou-se como referencial a décima edição da Classificação

Estatística Internacional de Doença e Problemas Relacionados à Saúde (CID 10) para a

descrição da SA. Da referida classificação, consta que a patologia faz parte do grupo de

Transtornos Globais do Desenvolvimento, haja vista que a síndrome é um conjunto de

sintomas que define as manifestações clínicas de uma ou várias doenças ou condições

clínicas. No entanto, na quarta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos

Mentais (DSM IV), a patologia é descrita como Perturbação de Asperger e enquadra-se nas

Perturbações Globais do Desenvolvimento, que são caracterizadas por déficits graves e

perturbações generalizadas em múltiplas áreas do desenvolvimento.

Segundo informação coletada em site especializado em Medicina, a síndrome foi

nomeada em homenagem a Hans Asperger, pediatra austríaco que, em 1944, estudou e

descreveu crianças, as quais, em seus cotidianos, apresentavam falta de habilidades na

linguagem não verbal, demonstravam limitada empatia por seus pares e eram fisicamente

desajeitas.

Dado que SA é um Transtorno Global do Desenvolvimento (TGD) (CID 10, 1997,

F84.5), impôs-se o desafio: quais as estratégias que a escola, enquanto instituição de ensino, e

o professor, em sala de aula, do Ensino Fundamental I poderiam empregar para contribuir

para a interação dos alunos com Asperger tanto com o docente quanto com os demais

colegas?

Ao assumir esta pergunta como um problema de pesquisa, a presente investigação

tomou como objetivo identificar e descrever, com base na bibliografia disponível sobre a

referida síndrome e nos estudos educacionais que tratam da temática da inclusão (bem como

das práticas educativas a ela relacionadas), estratégias que o professor do Ensino Fundamental

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pode adotar com vistas a efetivar a inclusão do aprendiz diagnosticado com SA. A

investigação teve ainda a pretensão de, ao tomar a experiência de uma criança com Asperger

como foco, debater a temática da inclusão de outros estudantes da educação especial que

possam experienciar dinâmicas similares em seus contextos escolares.

O estudo compreende que a falta de sociabilização do estudante com SA dificulta sua

aprendizagem, por ficar prejudicada a compreensão dos pensamentos e das motivações de

outras crianças, tendo portanto, menor probabilidade de apresentar comportamentos com

vistas a estabelecer comunicação ou de levar em conta os pensamentos e sentimento de

outros.1

As normativas que fundamentam a educação inclusiva em nosso País declaram o

interesse em fazer acontecer à inclusão. No entanto, os investimentos previstos para que tais

ações sejam viabilizadas ainda são insignificantes diante da complexidade exigida para sua

real efetivação. Consta da Lei 7.853/89, artigos 1 e 2 que:

Ao Poder Público e seus órgãos, cabe assegurar às pessoas portadoras de deficiência

o pleno exercício de seus direitos básicos, inclusive dos direitos à educação, à saúde,

ao trabalho, ao lazer, à previdência social, ao amparo à infância e à maternidade, e

de outros que, decorrentes da Constituição e das leis, propiciem seu bem-estar

pessoal, social e econômico.(BRASIL. Constituição, 1989)

Apesar da distância temporal de um quarto de século entre a promulgação da referida

lei e os dias atuais, uma ação educativa que se intitula “inclusiva” ainda depara com desafios

que ultrapassam a esfera educacional ou organizacional vivenciada na educação especial. No

entanto, a educação é a via primordial para a inclusão social das pessoas com deficiência, uma

vez que se pretende que a educação do aluno com deficiência seja iniciada nos primeiros anos

da infância, devendo ser realizada preferencialmente no contexto do sistema regular de

ensino.

O ensino inclusivo tem por fundamento a visão sociológica de deficiência e das

diferenças (MEC, 2004, p. 9), uma vez que reconhece que todas as crianças são diferentes, e

que as escolas e o sistema de educação precisam ser alterados para receber todos os

1 Tal característica reflete-se ainda na falta ou diminuição da capacidade de imitar, um dos pré-requisitos

cruciais para o aprendizado.

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educandos, sendo eles com ou sem necessidades especiais. Nesse sentido, a inclusão não

significa tornar todos iguais, mas respeitar as diferenças.

No que tange à atuação docente, o ensino inclusivo defende a utilização de diferentes

métodos para se responder às diferentes necessidades, capacidades e níveis de

desenvolvimento individuais. Significa dizer que estudantes com SA podem estudar em

escolas regulares, desde que recebam algum suporte educacional sempre que necessário2.

Ao considerar tal contexto e de modo a responder à pergunta formulada, o presente

estudo debate no capítulo 1 a temática da inclusão por meio da educação e as necessidades

educativas do estudante com SA, uma vez que, para ele, o ambiente escolar deve ser o mais

previsível possível de modo a minimizar o impacto de mudanças repentinas (de professores,

metodologia, turma, prazos etc.) (GONZÁLEZ, 2003).

No capítulo 2, são descritas as características da síndrome, onde fica evidente que

pessoas com SA sentem-se facilmente afetadas por mudanças mínimas, são altamente

sensíveis a pressões do ambiente e às vezes atraídas por rituais, são ansiosas e tendem a temer

quando não sabem o que esperar, características que influem no modo como se relacionam e

compreendem o mundo (KLIN, 2006).

Tais características são compartilhadas por outras patologias, o que permite a

ampliação de tal debate para aqueles que apresentam sintomática similar.

Com base nas informações contidas nos capítulos 1 e 2, e na experiência da

pesquisadora como docente e psicopedagoga, no terceiro capítulo, a partir de um relato de

experiência, buscou-se problematizar e debater estratégias de inclusão desenvolvidas por

escolas e docentes, haja vista a necessidade de encontrar formas de ativar, especificamente, as

possibilidades de a criança com SA, bem como de os estudantes com necessidades especiais,

em geral, aprenderem utilizando os recursos disponíveis nas escolas regulares.

O investimento de pesquisa empreendido possibilitou considerar que o trabalho do

educador de pessoas com necessidades especiais requer dele o esforço projetivo de tentar ver

o mundo por meio dos olhos de seus estudantes, e usar esta perspectiva para ensiná-los a

inserir-se na cultura de forma autônoma.

2 A bibliografia debatida no capítulo 1 sustenta que quando o ambiente escolar é compreensivo e flexível, os

portadores de SA são capazes de se adaptar com poucos recursos e apoios formais da instituição de ensino

(KLIN, 2006).

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1 Inclusão e necessidades educativas da criança com de Síndrome de Asperger (SA)

Neste capítulo, serão analisadas a educação inclusiva e as necessidades educativas do

aprendiz com SA, ao discorrer sobre as contradições da educação especial, as

impossibilidades da educação inclusiva em uma sociedade que tem se configurado como

excludente.

Assim como para todas as crianças, a entrada na escola é um momento importante na

vida de uma criança com SA, pois nesta fase ela demonstrará um interesse obsessivo numa

determinada área como a Matemática, Ciências, Letras, entre outras, querendo aprender tudo

quanto for possível sobre o objeto de interesse e tendendo a insistir nesse assunto em

conversas e jogos livres.

Segundo Attwood, “quando a criança atinge cinco anos de idade, não revela nenhum

atraso na linguagem, mas manifesta problemas com determinadas competências linguísticas,

mais especificamente na área pragmática” (ATTWOOD, 2006, p.78).

No processo de aprendizagem e desenvolvimento, é fundamental perceber a

problemática e as características individuais para assim se poderem estabelecer intervenções

pedagógicas adequadas.

O papel do professor é fundamental para a educação da criança com SA, pois cabe a

esse profissional assegurar que todas as crianças sejam educadas a um nível adequado às

necessidades individuais. Geralmente, o professor é o primeiro a reparar no comportamento

pouco habitual da criança.

Segundo Jordan, “os bons professores estão habituados a adotar como primeiro passo

de ensino o estabelecimento de uma boa relação para estimular os educandos e motivá-los a

aumentarem os seus conhecimentos acadêmicos.” (JORDAN, 2000, p.39)

Cumine (1998) refere que “o professor de ensino especial é então a pessoa indicada

para levar a compreensão especializada da SA para a sala de aula, aumentando a confiança de

todos os que estão envolvidos na educação da criança com a SA".

Para que a educação dessas crianças seja eficaz, é necessário compreender a natureza

das suas limitações, a origem das dificuldades, os pontos fortes e o estilo cognitivo.

Da cognição fazem parte o pensamento, a aprendizagem e a imaginação.

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No que concerne à flexibilidade do pensamento, muitas vezes estas crianças são

bastante inflexíveis em termos cognitivos, têm ideias fixas, não entendem as mudanças ou

interrupções.

Esta inflexibilidade ou rigidez de pensamento afeta o comportamento desta criança na

sala de aula. Ela pode ser incapaz de transferir o que aprende para outras situações devido à

sua inflexibilidade cognitiva.

No campo imaginativo, os indivíduos com distúrbio em questão tendem para os jogos

imaginativos, mais solitários. É uma forma de escape que encontram para não se relacionarem

com seus pares.

Os professores devem atentar aos seguintes aspetos: explicar muito bem aquilo que se

pretende utilizar, caso seja necessário, um objeto ou imagem para que a criança veja aquilo

que se espera que ela faça; utilizar indicações precisas; ensinar a fazer escolhas, criar

oportunidades para que a criança possa generalizar os conhecimentos e as capacidades,

estabelecer ligações com os conhecimentos anteriores e chamar a atenção da criança para a

relação da causalidade.

Estas crianças têm inteligência média ou acima da média, mas falham em pensamentos

de alto nível e não têm habilidades de compreensão, como acima referido.

São indivíduos bastante literais, as suas imagens são concretas e a abstração é pobre. O

seu estilo pedante de falar e impressionante leva a que se pense que entendem daquilo que

estão falando, no entanto estão simplesmente repetindo o que leram ou ouviram.

A criança com SA frequentemente tem excelente memória, mas isso é de natureza

mecânica, ou seja, a criança pode responder como um vídeo que toca em sequência, no

entanto as habilidades de solução de problemas são fracas (ATTWOOD, 2010).

Em face dessas peculiaridades dos indivíduos com SA, faz-se necessária a elaboração

de um Plano Educativo Individual, de modo a facilitar seu aprendizado. É importante

compreender as principais dificuldades dessa criança para se elaborar um currículo e fazer

uma abordagem pedagógica que corresponda às suas dificuldades. “Levar em conta apenas os

problemas de comportamento pode induzir-nos a interpretações erradas das suas atitudes e à

não identificação das suas verdadeiras dificuldades de aprendizagem.” (JORDAN, 2000, p.

22).

A educação pode desempenhar um papel preponderante para remediar os efeitos da

SA e melhorar a qualidade de vida destas pessoas, pois precisam de grande motivação para

não seguir os seus próprios impulsos. Aprender para toda a criança deve ser gratificante e não

um motivo de ansiedade.

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Estas crianças têm inteligência para frequentarem o ensino regular, mas não têm

estrutura emocional para enfrentarem as exigências da sala de aula.

A sua autoestima é reduzida, pois são bastante autocríticos e não toleram erros.

É importante saber olhar, analisar e só depois intervir diante de comportamentos e

atitudes incomuns, que não se enquadrem dentro dos padrões estabelecidos como sociais.

Para isso, não basta apenas ter bom senso ou sensibilidade, mas principalmente deve

haver formação adequada dos professores para que possam trabalhar com segurança e da

melhor forma possível com esses alunos, só assim se garantirá a igualdade de oportunidades

para todos, ao invés de conduzi-los para o insucesso na escola.

É necessário enriquecer as práticas pedagógicas, assumir um papel inovador no que se

refere às estratégias úteis e necessárias para trabalhar com crianças com SA. Para

transformarmos a prática pedagógica, é importante rever também a questão da formação do

educador.

A construção de uma sociedade inclusiva é um processo de fundamental importância

para o desenvolvimento e a manutenção de uma democracia. A inclusão é uma política que

busca perceber e atender às necessidades educativas especiais de todos os alunos em um

sistema regular de ensino, de modo a promover a aprendizagem e o desenvolvimento de todos

(SILVA, 2012).

A inclusão garante a todos o acesso contínuo ao espaço comum da vida em sociedade,

que deve estar orientada para aceitação das diferenças individuais e acolhimento à diversidade

humana. Na proposta da educação inclusiva, todos os alunos devem ter a possibilidade de

integrar-se a um ensino regular, mesmo aqueles com deficiências ou transtorno do

comportamento, de preferência sem defasagem de idade em relação à série. A escola,

portanto, deveria adaptar-se às necessidades individuais dessas crianças, fazendo mudanças

em sua estrutura e no funcionamento, na formação dos professores e nas relações família–

escola (SILVA, 2012).

O termo “inclusão” revela significados diversos, que representam desde uma “inclusão

parcial”, na qual a matrícula do aluno é considerada como o eixo definidor do processo, até a

ideia de que a escola, a partir da ruptura com a educação especial, tem de se adaptar e suprir

todas as necessidades educativas do aluno, promovendo sua aprendizagem, haja vista que:

“A institucionalização de espaços educacionais específicos para esse público,

ancorados nos parceiros da ciência moderna terá como objetivo principal

proporcionar seu maior desenvolvimento educacional e social de acordo com a

natureza da deficiência, valendo-se, para tanto, da sua segregação em ambientes

considerados apropriados para essa finalidade.” (RAHME, 2010, p.75).

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Em regime democrático, a educação deveria ser um direito de todos, contudo, por

vezes, isto não se verifica. A educação está centralizada nos alunos ditos “normais”, pondo à

margem todos os outros que necessitam de vários tipos de apoio.

Siegal (2008, p. 294) considera que: “ensino regular e inclusão total tornaram-se os

termos mais populares e mais recentemente usados no campo da Educação Especial.”

Como em qualquer criança com necessidades especiais, a identificação precoce da SA

é essencial para poder realizar uma intervenção reeducativa medianamente eficaz. No caso

SA, a intervenção deve dar-se antes que os padrões normais da síndrome tenham progredido

demasiadamente, permitindo assim melhorar as capacidades de adaptação dessas crianças,

bem como melhorar sua conduta em geral, facilitando as habilidades de comunicação de

interação social e sua capacidade de autorregulação das condutas.

A inclusão, tendo por base um ensino de qualidade e igualdade, exige das escolas

novas medidas educativas, constituindo-se em um motivo a mais para que o ensino se

modernize e para que os docentes aperfeiçoem os seus métodos pedagógicos (GOMEZ,

2008).

São imensas as barreiras que impedem que a política de inclusão deixe de ser uma

teoria e passe a tornar-se uma prática nas escolas do nosso País. Dentre as barreiras que

poderão impedir esta transição, destaca-se a falta de preparação evidenciada por parte de

alguns dos professores para receber na sala de aula alunos com necessidades especiais.

O fator que sustenta o suporte à inclusão é, sem dúvida, a qualidade do ensino das

nossas escolas públicas e privadas, e para que estas se tornem capazes de responder às

necessidades de cada aluno, é imprescindível que estejam atentas às suas especificidades e

necessidades.

A inclusão dos alunos com SA não só na teoria, mas sobretudo na prática é um

processo em transição. Seu sucesso depende, portanto, da capacidade de se conseguirem

progressos significativos desses mesmos alunos em cada fase sua vida acadêmica.

Para que possamos compreender toda a trama que envolve a questão das Necessidades

Educativas Especiais, convém aqui esclarecer o seu conceito.

Considera-se que uma criança carece de Educação Especial, se esta demonstra

dificuldades de aprendizagem e quando requer uma medida especial (SANTOS, 2006, p 21).

O conceito de necessidades educativas especial está subjacente ao conceito de

Integração, ou seja, visa à integração do aluno com Necessidades Educativas Especiais na sala

de aula do ensino regular.

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Integração das crianças com SA, numa perspectiva de inclusão, no ensino regular

insere-se numa filosofia da escola para todos e de abertura à diferença, o que exige que se

encontrem formas flexíveis, diversificadas e adequadas de organizar o processo educativo e a

relação pedagógica.

Nesse sentido, será apresentada a seguir, de maneira sintética, uma discussão acerca

das políticas que envolvem a temática da inclusão na educação.

1.1 Uma breve discussão sobre as políticas de inclusão no campo educacional

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada em 1948 pela Assembleia

Geral das Nações Unidas, é tida como o principal marco internacional dos direitos das

minorias, entre as quais se enquadram as pessoas com necessidades educacionais especiais.

Consta, em seu Artigo XXVI, que a educação é um direito de todos os seres humanos,

devendo ser orientada “no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do

fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais”.

De maneira geral, esta Declaração assegura às pessoas com deficiência os mesmos

direitos à liberdade, a uma vida digna, à educação fundamental, ao desenvolvimento pessoal e

social e à livre participação na vida da comunidade.

Por educação especial, modalidade de educação escolar conforme especificado na

LDBEN e no recente Decreto nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999, Artigo 24, entende-se um

processo educacional definido em uma proposta pedagógica, assegurando um conjunto de

recursos e serviços educacionais especiais, organizados institucionalmente para apoiar,

complementar, suplementar e, em alguns casos, substituir os serviços educacionais comuns,

como prestar auxílio ao professor e ao aluno no processo de ensino-aprendizagem, de modo a

garantir a educação escolar e promover o desenvolvimento das potencialidades dos educandos

que apresentam necessidades educacionais especiais, em todos os níveis, etapas e

modalidades da educação (MAZZOTTA, 1998).

Em março de 1990, a Conferência Mundial sobre Educação para Todos, realizada em

Jomtien, Tailândia, culminou na proclamação da Declaração de Jomtien. Tal documento foi

relevante por reafirmar o que estava disposto acerca da instrução na Declaração Universal dos

Direitos Humanos (1948), ou seja, que o acesso à educação é um direito de todos.

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A educação especial, portanto, insere-se nos diferentes níveis de educação

escolar: Educação Básica – abrangendo educação infantil, educação fundamental e

Ensino Médio e Educação Superior, bem como na interação com as demais

modalidades da educação escolar, como a educação de jovens e adultos, a educação

profissional e a educação indígena (Diretrizes Nacionais, 2001, p.28).

A Declaração de Jomtien admite que a qualidade da educação em âmbito internacional

ainda é insatisfatória e assume, com o intuito de melhorá-la, o objetivo último de satisfazer as

necessidades básicas de cada educando. Nesse sentido, elenca os seguintes compromissos a

serem observados por seus signatários: expandir o enfoque da educação básica; universalizar

o acesso e promover a equidade; concentrar a atenção na aprendizagem; ampliar os meios e o

raio de ação da educação básica; propiciar um ambiente adequado à aprendizagem; e

fortalecer alianças entre o poder público, a escola e os demais setores da sociedade (BRASIL,

1990a).

Em junho de 1994, a Conferência Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais:

Acesso e Qualidade, realizada em Salamanca, Espanha, teve como foco de discussão os

princípios, as políticas e as práticas na área das necessidades educacionais especiais. A

Declaração de Salamanca retomou as discussões sobre “Educação para Todos”, considerando

as peculiaridades de cada aluno e entendendo que o acesso e a permanência das pessoas com

necessidades educacionais especiais no ensino regular é a melhor alternativa para a

construção de uma sociedade mais humana e fraterna (BRASIL, 1994). A partir dessa

recomendação, criou-se o “conceito de escola inclusiva, cujo principal desafio é desenvolver

uma pedagogia centrada na criança, capaz de educar a todas elas [...]” (CARVALHO, 2002, p.

57).

Salienta-se que, apesar do foco de discussão ser os alunos com necessidades

educacionais especiais que, de fato, apresentam-se, em função de deficiência ou dificuldades

de aprendizagem, como a parcela mais vulnerável a ser excluída das escolas regulares, a

referida Declaração entende que todos os alunos são sujeitos da educação inclusiva

(RODRIGUES, 2008). Assim, o princípio que orienta a Declaração de Salamanca é o de que a

escola deve incluir todos os educandos, independentemente de suas condições, físicas,

intelectuais, sociais, emocionais, linguísticas ou outras (BRASIL, 1994).

“O respeito e a valorização da diversidade dos alunos exigem que a escola defina sua

responsabilidade no estabelecimento de relações que possibilitem a criação de espaços

inclusivos, bem como procure superar a produção, pela própria escola, de necessidades

especiais.” (DIRETRIZES NACIONAL PARA A EDUCAÇÃO ESPECIAL, 2001 p.27)

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Em 1999, a Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de

Discriminação contra as Pessoas Portadores de Deficiência, realizada na Guatemala,

reafirmou que as pessoas com deficiência são detentoras dos mesmos direitos humanos que os

demais, incluindo o direito de não serem discriminadas em função de deficiência (BRASIL,

2001b).

Por fim, em 2001, a Declaração Internacional de Montreal sobre Inclusão, proclamada

no Canadá, deu ênfase ao quesito acessibilidade, visando à promoção e ao progresso do

planejamento e desenhos inclusivos de ambientes, produtos e serviços em busca do

desenvolvimento do capital cultural, econômico e social (BRASIL, 2001c).

Em âmbito nacional, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, tida

como a Constituição Cidadã, assimilou os princípios da igualdade e da dignidade de pessoa

humana já definidos pela Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Pontes (2008, p. 42) esclarece que o direito à educação, é:

[...] o primeiro dos direitos sociais a ser elencado pela nossa Constituição Federal,

tendo este diploma legal reconhecido a sua importância na formação do homem

enquanto cidadão. Em razão da fundamentalidade desse direito, não é possível

admitir que ele seja negado a qualquer pessoa, independentemente do motivo.

Em seu artigo 205, a Carta de 1988 considera a educação um direito de todos e um

dever do Estado (formal) e da família (informal), tendo como principais objetivos o pleno

desenvolvimento da pessoa, o preparo para o exercício da cidadania e a qualificação para o

trabalho. Ainda, sob a ótica da educação inclusiva, o artigo 206 I assegura a igualdade de

condições para o acesso e a permanência de todas as pessoas na escola (BRASIL, 1988).

Mostra-se importante destacar o artigo 208, III, da Constituição Federal de 1988: “O

dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de atendimento

educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de

ensino”. Tal dispositivo poderá levar alguns à errônea conclusão de que o atendimento

educacional especializado destinado às pessoas com necessidades educacionais especiais é

uma alternativa que substitui a educação regular. Contudo, uma leitura mais atenta esclarece:

“que o legislador constitucional está a afirmar, na verdade, é que há uma preferência em que o

atendimento educacional especializado (e não a educação regular) seja prestado na rede

regular de ensino” (PONTES, 2008, p. 42).

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei n° 8.069, promulgado em 13 de

julho de 1990, reafirma o direito de todos à educação e aponta, em seu artigo 55, a

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obrigatoriedade dos pais e/ou responsáveis de matricularem seus filhos na rede regular de

ensino (BRASIL, 1990b).

Por outro lado, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei n° 9.394,

de 20 de dezembro de 1996, cria um capítulo próprio (Capítulo V) para discutir a educação

especial. Conforme Ferreira (1998, s/p), o fato de a nova LDB reservar um capítulo exclusivo

para a educação especial parece relevante para uma área tão pouco contemplada

historicamente no conjunto das políticas públicas brasileiras. Para o autor, o relativo destaque

recebido reafirma o direito à educação, pública e gratuita, das pessoas com deficiência,

condutas típicas e altas habilidades, haja vista que nas Leis 4.024/61 e 5.692/71 não se dava

muita importância para essa modalidade educacional: em 1961, destacava-se o

descompromisso do ensino público; em 1971, o texto apenas indicava um tratamento especial

a ser regulamentado pelos Conselhos de Educação - processo que se estendeu ao longo

daquela década.

A LDB de 1996, para fins conceituais, define, em seu artigo 58, a educação especial

como a modalidade de educação oferecida, preferencialmente na rede regular de ensino, para

os educandos com necessidades especiais (BRASIL, 1996).

Em nossa Constituição anterior, as pessoas com deficiência não eram contempladas

nos dispositivos referentes à educação em geral. Esses alunos, independentemente do tipo de

deficiência, eram considerados titulares do direito à Educação Especial, matéria tratada no

âmbito da assistência. Pelo texto constitucional anterior, ficava garantido “aos deficientes o

acesso à Educação Especial”. No entanto, isso não foi repetido na atual Constituição, fato que,

com certeza, constitui um avanço significativo para a educação dessas pessoas.

Assim, para não ser inconstitucional, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional (LDBEN), ao usar o termo Educação Especial, deve fazê-lo permitindo uma nova

interpretação, um novo conceito, baseado no que a Constituição inovou, ao prever o

Atendimento Educacional Especializado e não Educação Especial em capítulo destacado da

educação.

Não obstante, a educação especial (leia-se, sob a ótica da Constituição Federal,

atendimento educacional especializado) é caracterizada pela Lei n° 9.394, de 20 de dezembro

de 1996, como uma modalidade de ensino, e não um nível de escolarização, que,

preferencialmente deverá ser oferecida na rede regular de ensino. Fato este que denota a

impossibilidade de a educação especial substituir a educação regular (básica e superior).

Esse entendimento vem corroborado por Pontes (2008, p. 43), segundo o qual, sendo

uma modalidade educacional, o atendimento educacional especializado perpassa todos os

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níveis escolares, desde a educação infantil até o ensino superior. Desta forma, tal atendimento

diferencia-se substancialmente da escolarização, devendo ser oferecido em horário diverso

desta, justamente para possibilitar que os alunos atendidos na modalidade de educação

especial possam frequentar as turmas de ensino regular, não podendo a referida modalidade

funcionar como um substitutivo da educação escolar.

A nova LDB, com a finalidade de atender as pessoas com necessidades educacionais

especiais, prevê ainda em seu artigo 59: currículos, métodos, recursos educativos e

organização específicos, terminalidade específica, aceleração de conclusão (para os

superdotados), educação para o trabalho, entre outros (BRASIL, 1996).

Assim, é visível, na letra da lei, a tendência de flexibilização das práticas e estruturas

pedagógicas, com vistas à instrução das pessoas com necessidades educacionais especiais.

A Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, Decreto n°

3.298, de 20 de dezembro de 1999, que regulamenta a Lei nº 7.853, de outubro de 1989,

objetiva assegurar o pleno exercício dos direitos individuais e sociais das pessoas com

deficiência, visando desconsiderar privilégios ou paternalismos. Além disso, considera crime

recusar, suspender, procrastinar, cancelar ou fazer cessar, sem justa causa, a inscrição de

aluno com deficiência em estabelecimento de ensino, público ou particular, sendo tais

condutas puníveis com reclusão de um a quatro anos e multa (BRASIL, 1999).

A Lei n° 10.172 de 2001 aprovou o Plano Nacional de Educação. No que tange à

educação especial, o Plano traçou diagnóstico, diretrizes, objetivos e metas. O diagnóstico

ressalta os direitos já consagrados na Constituição Cidadã de 1988, afirma a precariedade

brasileira no âmbito da educação especial e sugere tendências para sanar tal impasse,

afirmando que o grande desafio é a construção de uma escola inclusiva, que garanta o

atendimento à diversidade humana.

Quanto às diretrizes, indica a necessidade de promoção da educação especial nos

diferentes níveis de ensino, além de ressaltar a articulação e cooperação entre os setores da

educação, da saúde e da assistência para o desenvolvimento e aprendizagem das pessoas com

necessidades especiais. Por fim, os objetivos e metas definem ações nas órbitas Federal,

Estadual e Municipal em prol da educação especial (BRASIL, 2001a).

As Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, instituídas pela

Resolução CNE/CEB n° 02/2001, manifestam o compromisso nacional na promoção de uma

educação de qualidade para todos os educandos. Vale destacar que a referida resolução, em

seu artigo 3º, define por educação especial a modalidade de educação escolar que visa apoiar,

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complementar, suplementar e, em alguns casos, substituir os serviços educacionais comuns

(BRASIL, 2001d).

Assim, ao creditar à educação especial (mesmo sendo modalidade e não nível de

escolarização) a possibilidade de substituir a educação regular, a resolução não potencializa a

adoção de uma política de educação inclusiva e, mais que isso, fere o dispositivo

constitucional.

Em janeiro de 2008, é publicada a Política Nacional de Educação Especial na

perspectiva da Educação Inclusiva, que visa definir as políticas públicas promotoras de uma

educação de qualidade para todos os alunos.

Nesse sentido, tal documento elenca os marcos históricos e normativos da educação

especial; traça, a partir do Censo Escolar de 2006, um diagnóstico da educação especial (que

aponta um significativo aumento de matrículas de alunos com necessidades especiais no

ensino regular).

Define como objetivos o acesso, a participação e a aprendizagem dos alunos com

necessidades educacionais especiais nas escolas regulares; afirma a intenção, na perspectiva

da inclusão escolar, de a educação especial integrar a proposta pedagógica da escola regular;

e, por fim, traça diretrizes em prol de uma educação inclusiva: a garantia do direito de todos à

educação, o acesso e as condições de permanência e continuidade dos estudos no ensino

regular (BRASIL, 2008).

A justificativa da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação

Inclusiva centra-se na necessidade de transformar as concepções de ensino e aprendizagem,

não se definindo, apenas, como proposta para a educação das pessoas com deficiência. Mais

que isso, pensa a prática educativa e a organização escolar visando respeitar a identidade e as

diferenças dos educandos (BRASIL, 2008).

Enfim, a política citada – que é a mais recente política de inclusão escolar – reconhece

e valoriza a diversidade como uma característica de uma escola democrática, orientando ainda

a articulação entre a educação especial (leia-se atendimento educacional especializado) e a

educação regular, com o fito de melhor atender às necessidades específicas dos educandos.

Nesse sentido, há que se ter em consideração que, durante a infância, a criança com

SA tem os mesmos direitos que as crianças ditas “normais”, previstos no Estatuto da Criança

e do Adolescente (ECA), e que após os 60 anos, os indivíduos têm os direitos do Estatuto do

Idoso. Com tais direitos garantidos, em tese, não deveriam encontrar nenhuma dificuldade

para receber um diagnóstico correto e um tratamento efetivo, ambos pautados em pesquisas

científicas, para experimentar a inclusão social e escolar (SILVA, 2012).

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A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, deve ser promovida e

incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa,

seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (BRASIL, 1988).

Frente à Constituição, entende-se, portanto, que a escola regular tem um papel importante na

busca e conquista dessa legislação, haja vista que é por meio da escola que a criança pode

desenvolver seu potencial. Nesse sentido, segundo Silva (2012), o atendimento educacional

especializado deve ser visto como um conjunto de atividades, recursos de acessibilidade e

pedagógicos organizados institucionalmente, prestado de forma complementar ou suplementar

à formação dos alunos do ensino regular.

O Ministério da Educação/Secretaria de Educação Especial (2008, p.5) apresentou a

Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, que

acompanha os avanços do conhecimento e das lutas sociais, visando constituir políticas

públicas promotoras de uma educação de qualidade para todos os alunos. Sobre este assunto,

Silva afirma:

Apesar de, na teoria, o direito à educação ser garantido a tais crianças, na prática

observamos que muitas das escolas que se propõem a um projeto de inclusão escolar

ainda falham pelo despreparo dos profissionais e, por vezes, também pelo descaso

com tais alunos. (2012, p. 233).

Tomando como premissa o que defende a Unesco (1998), que a educação pode

contribuir para conquistar um mundo mais seguro, mais sadio e mais próspero, que, ao

mesmo tempo, favoreça o progresso social, econômico e cultural, a tolerância e a cooperação

internacional e sabendo que a educação, embora não seja condição suficiente, é de

importância fundamental para o progresso pessoal e social, a escola tem um papel muito

importante na vida das pessoas, mas precisa adaptar-se aos mais recentes desafios a que se

impõe a educação, tendo em vista que este espaço de cidadania e formação social do

indivíduo permanece sempre mudando seus conceitos e valores, em prol da melhor oferta da

educação, onde os desejos, necessidades e anseios das pessoas possam ser atendidos de forma

igualitária e justa.

Neste sentido, o maior desafio da educação é tentar oferecer um ensino de qualidade

para todos, como rege nossa constituição, em que a construção de um espaço cidadão possa

fluir para as pessoas ditas “normais” e as consideradas “deficientes”. Nesse sentido, a Lei

9.394/96 (LDB) dispõe:

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Art. 58. Entende-se por educação especial, para os efeitos desta Lei, a

modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de

ensino, para educandos portadores de necessidades especiais.

§1º Haverá, quando necessário, serviços de apoio especializado, na escola

regular, para atender as peculiaridades da clientela de educação especial.

§2º O atendimento educacional será feito em classes, escolas ou serviços

especializados, sempre que, em função das condições específicas dos alunos, não for

possível a sua integração nas classes comuns do ensino regular.

§3º A oferta da educação especial, dever constitucional do Estado, tem

início na faixa etária de zero a seis anos, durante a educação infantil.

Art. 59. Os sistemas de ensino assegurarão aos educandos com

necessidades especiais:

I – currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização

específicos para atender às suas necessidades;

II – terminalidade específica para aqueles que não puderem atingir o nível

exigido para a conclusão do ensino fundamental, em virtude de suas deficiências, e

aceleração para concluir em menor tempo o programa escolar para os superdotados;

III – professores com especialização adequada em nível médio ou superior,

para atendimento especializado, bem como professores do ensino regular

capacitados para a integração desses educandos nas classes comuns;

IV – educação especial para o trabalho, visando a sua efetiva integração na

vida em sociedade, inclusive condições adequadas para os que não revelarem

capacidade de inserção no trabalho competitivo, mediante articulação com os órgãos

oficiais afins, bem como para aqueles que apresentam uma habilidade superior nas

áreas artística, intelectual ou psicomotora;

V – acesso igualitário aos benefícios dos programas sociais suplementares

disponíveis para o respectivo nível do ensino regular.

Art. 60. Os órgãos normativos dos sistemas de ensino estabelecerão

critérios de caracterização das instituições privadas sem fins lucrativos,

especializadas e com atuação exclusiva em educação especial, para fins de apoio

técnico e financeiro pelo Poder público. Parágrafo único. O poder Público adotará,

como alternativa preferencial, a ampliação do atendimento aos educandos com

necessidades especiais na própria rede pública regular de ensino, independentemente

do apoio às instituições previstas neste artigo.

O processo de inclusão nos convida a olhar essa pessoa com deficiência de outra

maneira na busca pelos seus potenciais. É justamente por fazer uma aposta nestes sujeitos, e

tentando investigar o processo de aprendizagem, que a adoção da inclusão nos leva a pensar o

impacto da escola no desenvolvimento dessas pessoas, que não podem ser vistas como

sujeitos limitados pelas deficiências que apresentam.

É preciso desvendar quem é esse sujeito, como e em que condições ele aprende, e

como produzir nele o desejo de aprender. Partindo da perspectiva de que a escola e a sala de

aula são lugares de processo de ensino-aprendizagem, temos numa grande diversidade de

alunos que aprendem de maneiras diferentes. Contudo, a escola, a todo instante, busca a

homogeneização, enquadrando os sujeitos nas amarras institucionais, não atendendo assim às

suas especificidades individuais, o que gera uma relação paradoxal entre inclusão e exclusão.

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1.2 Inclusão escolar no Brasil

Ao ver a escola como um espaço social pensado para que se tenha acesso ao

conhecimento e troca de experiências, entende-se neste trabalho que ela precisa adaptar-se

para atender a todos os alunos, inclusive aqueles que demandam maior apoio no processo

educacional.

Assim, é necessário repensar uma abrangente educação inclusiva, a qual, nessa

perspectiva, tem como características principais o ensino para todos, a qualidade de ensino e a

permanência na escola regular, com vistas a formar as novas gerações. Tendo em

consideração que a educação especial se constituiu como modalidade de ensino e que, no

Brasil, na década de 1970, foi institucionalizada com a criação do Centro Nacional de

Educação Especial, posteriormente transformado em Secretaria de Educação Especial

(Ministério da Educação), o impacto desta iniciativa foi significativo, levando ao

desenvolvimento acadêmico e científico da área, o qual culminou em metodologias e técnicas

de ensino que possibilitaram a aprendizagem e a adaptação escolar de alunos com deficiência

(MAZZOTA, 2005).

Diante dessas possibilidades, passou a ser defendida no Brasil a ideia de que pessoas

com deficiência poderiam aprender, o que, consequentemente, resultou em uma mudança de

paradigma, ou seja, o modelo médico, até então vigente, foi substituído pelo modelo

educacional (MAZZOTA, 2005). Significa dizer que a perspectiva geral foi no sentido de

priorizar as condições do meio em proporcionar o desenvolvimento e a aprendizagem do

aluno com deficiência, e não mais o indivíduo isolado.

Para melhor compreensão do contexto em que estão inseridas as questões relativas às

pessoas com alguma deficiência, sejam elas físicas ou intelectuais, vale fazer uma breve

retrospectiva. No Brasil, o atendimento às pessoas com deficiência teve início na época do

Império, com a criação de duas instituições: o Imperial Instituto dos Meninos Cegos, em

1854, atual Instituto Benjamin Constant (IBC), e o Instituto dos Surdos Mudos, em 1857, hoje

denominado Instituto Nacional da Educação dos Surdos (INES), ambos no Rio de Janeiro. No

início do século XX, é fundado o Instituto Pestalozzi (1926), instituição especializada no

atendimento às pessoas com deficiência mental; em 1954, é fundada a primeira Associação de

Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE); e, em 1945, é criado o primeiro atendimento

educacional especializado às pessoas com superdotação na Sociedade Pestalozzi, por Helena

Antipoff. Em 1961, o atendimento educacional às pessoas com deficiência passa a ser

fundamentado pelas disposições da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional –

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(LDBEN), Lei nº 4.024/61, que aponta o direito dos “excepcionais” à educação,

preferencialmente dentro do sistema geral de ensino. A Lei nº 5.692/71, que altera a LDBEN

de 1961, ao definir “tratamento especial” para os alunos com “deficiências físicas, mentais, os

que se encontram em atraso considerável quanto à idade regular de matrícula e os

superdotados”, não promove a organização de um sistema de ensino capaz de atender às

necessidades educacionais especiais e acaba reforçando o encaminhamento dos alunos para as

classes e escolas especiais (BRASIL, 2007).

Em 1973, o Ministério da Educação e Cultura (MEC) cria o Centro Nacional de

Educação Especial (CENESP), responsável pela gerência da educação especial no Brasil, que,

sob a égide integracionista, impulsionou ações educacionais voltadas às pessoas com

deficiência e às pessoas com superdotação, mas ainda configuradas por campanhas

assistenciais e iniciativas isoladas do Estado. A Constituição Federal de 1988 traz como um

dos seus objetivos fundamentais “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem,

raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (art.3º, inciso IV). Define,

no artigo 205, a educação como um direito de todos, garantindo o pleno desenvolvimento da

pessoa, o exercício da cidadania e a qualificação para o trabalho. No seu artigo 206, inciso I, a

Constituição Federal estabelece a “igualdade de condições de acesso e permanência na

escola” como um dos princípios para o ensino e garante, como dever do Estado, a oferta do

atendimento educacional especializado, preferencialmente na rede regular de ensino (art. 208)

(BRASIL, 2007).

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei nº 8.069/90, no artigo 55, reforça

que “os pais ou responsáveis têm a obrigação de matricular seus filhos ou pupilos na rede

regular de ensino”. Também nessa década, documentos como a Declaração Mundial de

Educação para Todos (1990) e a Declaração de Salamanca (1994) passam a influenciar a

formulação das políticas públicas da educação inclusiva.

Em 1994, é publicada a Política Nacional de Educação Especial, orientando o processo

de “integração instrucional” que condiciona o acesso às classes comuns do ensino regular

àqueles que “(...) possuem condições de acompanhar e desenvolver as atividades curriculares

programadas do ensino comum, no mesmo ritmo que os alunos ditos normais” (p.19).

Reafirmando os pressupostos construídos a partir de padrões homogêneos de

participação e aprendizagem, a Política não provoca uma reformulação das práticas

educacionais de maneira que sejam valorizados os diferentes potenciais de aprendizagem no

ensino comum, mas mantendo a responsabilidade da educação desses alunos exclusivamente

no âmbito da educação especial (BRASIL, 2007).

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Em 1999, o Decreto nº 3.298, que regulamenta a Lei nº 7.853/89, ao dispor sobre a

Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, define a educação

especial como uma modalidade transversal a todos os níveis e modalidades de ensino,

enfatizando a atuação complementar da educação especial ao ensino regular (BRASIL, 2007).

“Os sistemas de ensino devem matricular todos os alunos, cabendo às

escolas organizarem-se para o atendimento aos educandos com necessidades

educacionais especiais, assegurando as condições necessárias para uma educação de

qualidade para todos. (MEC/SEESP, 2001).”

No entanto, apesar de haver um avanço nas técnicas de ensino, a educação de pessoas

com deficiência continuou a acontecer em um ambiente segregado. O desenvolvimento do

trabalho pedagógico cotidiano em sala de aula3 é um fator essencial que necessita estar

fundamentado em bases sólidas, tanto teóricas quanto práticas, para assim formar um

indivíduo integrado na sociedade que o cerca (SILVA, 2012).

Há de se considerar que o trabalho pedagógico, não só com alunos com deficiência,

mas também com todos os sujeitos do sistema comum de ensino, é aquele que tem como

ponto de partida e de chegada a inovação e o empenho na mudança de postura, na criação e na

transformação cultural e social. Essa inovação e empenho passam, consequentemente, pelo

viés da formação do professor, seja ela inicial, seja continuada, pelo fato de que a inclusão,

como consequência de um ensino de qualidade para todos os alunos, provoca e exige da

escola novos posicionamentos. Além disso, é um motivo a mais para que o ensino se atualize

e para que os professores aperfeiçoem as suas práticas, pensem no que estão fazendo, com

quem estão lidando, que subjetividades estão formando.

A Educação Especial manteve-se, portanto, funcionando como um serviço

especializado paralelo: com currículos, metodologias, recursos humanos e organização

próprios. As escolas especiais detinham a responsabilidade de promover a escolarização dessa

população e ainda não mantinham com o sistema regular de ensino um vínculo de

continuidade de suas práticas (MAZZOTA, 2005).

Nas palavras de González (2003, p. 60), “O princípio de normalização defende a

igualdade de oportunidades para levar a cabo uma vida normal na sua totalidade [...]”. Com

esta visão, foi defendida a ideia de que as pessoas com deficiência, além de aprender,

poderiam integrar-se na sociedade.

3 Silva (2012) acrescenta que todas as crianças, mesmo as que apresentam as mais diferentes dificuldades,

precisam ser acolhidas para que se sintam verdadeiramente como em sua casa.

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Segundo Glat, Pletsch e Fontes:

Este novo pensar sobre o espaço social das pessoas com deficiências toma força em

nosso país com o processo de redemocratização, e resultou em um redirecionamento

significativo das políticas públicas, dos objetivos e da qualidade dos serviços de

atendimento a esta população [...]. (2007, p. 347)

Nesse sentido, a inclusão é um desafio que, ao ser devidamente enfrentado pela escola

comum, provoca a melhoria da qualidade da educação básica e superior, pois, para que os

alunos com e sem deficiência possam exercer o direito à educação em sua plenitude, é

necessário que a escola aprimore suas práticas, a fim de atender às diferenças (MONTOAN,

2007, p. 45).

Além das declarações internacionais, sobretudo a de Salamanca (1994), como visto, no

Brasil, são vários os dispositivos legais que asseguram a irreversibilidade da proposta (entre

eles a Constituição Federal de 1988; a Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996).

Nesse tocante, o direito à educação é traduzido em direito ao ensino regular, que é

uma oportunidade de todos aprenderem juntos, compartilhando espaços e experiências,

superando, deste modo, a lógica da exclusão. Em especial o público-alvo desta educação

especial, em uma perspectiva inclusiva, deve considerar os impasses quanto ao termo

“necessidades educacionais especiais”, além de outros aspectos relacionados à inclusão

escolar.

É importante salientar ainda que a educação inclusiva é um fenômeno social que se

interpôs aos diferentes espaços acadêmicos, políticos e jurídicos. Embora a proposta pareça

assumir certa obviedade, falar da inclusão das diferenças em um espaço único não é um

fenômeno dado natural, mas o resultado de uma problematização histórica do social.

Compreender a educação inclusiva nesta perspectiva torna evidente, portanto, a possibilidade

de gerar novas problematizações em torno, inclusive, dela própria.

A emergência para propostas de intervenção no social, como se configurou a educação

especial e, agora, a educação inclusiva, é, portanto, a problematização deste social. Sobre isso,

Silva nos diz que [...] é a partir do momento em que certos disfuncionamentos de uma

sociedade não são mais regulados de uma maneira relativamente informal no tecido dessa

sociedade que podemos falar de uma “problematização” do social (2004, p. 14).

Vale esclarecer que o social, concebido como um problema, passa a solicitar uma

intervenção, que assume diferentes configurações ao longo da história. A valorização do

indivíduo na sua condição subjetiva implica, em outros termos, liberdade à diferença e reflete

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as mudanças históricas do período contemporâneo. No entanto, estas duas dimensões, social e

subjetiva, não podem ser consideradas dissociadamente e, no que se refere à inclusão, a

consideração de tal complexidade mostra-se imperativa.

No âmbito escolar, os indivíduos com SA possuem características muito peculiares;

geralmente são alunos com dificuldades, tendo em vista que não seguem as ordens e

instruções para atividades pedagógicas como os demais colegas de classe; ao contrário,

gostam de seguir seus próprios interesses e sua ordem própria nos afazeres, a despeito de

esforços dos docentes.

Como o diagnóstico é baseado em achados clínicos, o tratamento da SA é considerado

difícil e oneroso (JACOBSON; MULICK, 2000), e de resultados pouco previsíveis, que

surgem somente em médio e em longo prazo, e dependem do sucesso na abordagem familiar e

interdisciplinar. Nesse sentido, a conduta terapêutica para portadores da SA, segundo

Goodman (1987), é composta basicamente pela diminuição das diferenças proporcionadas

pela doença entre a criança e seus familiares, responsáveis e demais profissionais de educação

e saúde mental. Desse modo, a atuação conjunta entre profissionais da educação e de saúde

mental é essencial, pois a evolução da criança deve ser observada não somente em seus

parâmetros clínicos, mas também em seu cotidiano.

Reitera-se aqui que a criança com SA precisa tornar-se visível sob o olhar de que a

aprendizagem ocorre ao longo da vida, já que esse aluno vai se constituindo na relação que

estabelece com o outro e pelos processos de mediação e nas oportunidades que ele tem de

aprendizagem. É preciso, portanto, entender que a diferença não é um impeditivo de

aprendizagem, mas sim uma potência (WILLIAMS, 2008).

O aluno com SA precisa aprender a função de cada objeto e seu manuseio, as

estereotipias causam atraso no desenvolvimento psicomotor. Diante disso, tudo passa a ter

valor pedagógico: os usos, as habilidades e as atividades mais elementares da vida. O

professor deve aproveitar o próprio fascínio que os objetos exercem e ensinar a esses alunos o

uso correto.

Com o ingresso de um estudante com SA na escola, poderá haver observações

relacionadas com seu comportamento, como: falta de atenção, hiperatividade e agressividade.

Suas habilidades sociais e interações com os colegas poderão ser definidas como “imaturas”,

podendo ser tidas como incomuns. Nesse sentido, cabe reiterar a importância do papel do

professor como mediador no processo de ensino-aprendizagem da criança com Asperger, a

fim de perceber como estão sendo construídos os conceitos e como podem ser ressignificados

por meio da sua linguagem.

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31

No processo de escolarização de alunos com deficiência, tem-se percebido que a

assunção desse indivíduo como sujeito de direito tem produzido mudanças na política pública

para que a escola de ensino comum se assuma como lócus de aprendizagem e produção de

conhecimento para todos os alunos.

Há de se considerar que o trabalho pedagógico, não só com alunos com deficiência,

mas também com todos os sujeitos do sistema comum de ensino, é aquele que tem como

ponto de partida e de chegada a inovação e o empenho na mudança de postura, na criação e na

transformação cultural e social.

Conforme observado por meio da experiência relatada na introdução, o processo de

escolarização de um aluno com SA possibilitou à pesquisadora compreender que, mesmo

considerando os muitos desafios e caminhos a trilhar, o processo de inclusão escolar nos faz

rever posturas, porque lidar com a diferença na escola impõe desafios para toda a comunidade

escolar. Tais desafios fazem com que as pessoas se juntem para pensar possibilidades.

Dadas as características da criança ou adolescente com SA, a comunicação é muito

importante, o trabalho entre a escola e a família tem de ser intensificado. A abordagem

educacional deve apresentar caráter interdisciplinar e deve sempre objetivar a melhoria da

qualidade de vida do indivíduo em qualquer etapa e contexto da vida4, tendo em vista que o

esperado é que educadores e pais estejam sempre preocupados em encontrar a melhor maneira

para que o aluno com SA aprenda (WILLIAMS, 2008).

Entende-se que o trabalho pedagógico, não só com alunos com deficiência, mas

também com todos os sujeitos do sistema comum de ensino, é aquele que tem como ponto de

partida e de chegada a inovação e o empenho na mudança de postura, na criação e na

transformação cultural e social.

Essa inovação e empenho passam, consequentemente, pelo viés da formação do

professor, seja ela inicial, seja continuada, pelo fato de que a inclusão, como consequência de

um ensino de qualidade para todos os alunos, provoca e exige da escola novos

posicionamentos.

Não é possível pensar em inclusão sem a transformação global da escola em relação a

concepções, práticas, além da própria organização física. Nesse sentido, a metodologia

4 Como visto no capítulo anterior, segundo Orrú (2010), quanto mais se puder trabalhar utilizando instrumentos

e exemplos reais, concretos, num ambiente natural para o aluno, melhor será a construção de significados

naquilo que está aprendendo pela primeira vez. Há, portanto, a necessidade de se compreender as especificidades

cognitivas e comportamentais do portador de Asperger, para que se possa de fato desenvolver propostas de

interação social e afetiva, minimizando, assim, problemas apresentados por essa população no ambiente de sala

de aula (SILVA, 2012).

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autocrática de ensino, o foco na correção de desvios, a intolerância ao erro, a não

contextualização do conhecimento, a negação da aprendizagem como um processo individual,

entre outros, são fatores que pressionam o modelo inclusivo a um percurso contrário

(BRASIL. MEC, 2004).

Dessa forma, as implicações da política de inclusão contemplam desde a formação

docente, para atuar frente à nova demanda, até a adaptação do espaço físico da escola, de

modo a oferecer condições de acessibilidade aos alunos que dela necessitam, estando todos

preparados para que haja uma real interação.

Nesse contexto, Glat, Pletsch e Fontes afirmam que:

[...] mais do que uma nova proposta educacional, a Educação Inclusiva pode ser

considerada uma nova cultura escolar: uma concepção de escola que visa o

desenvolvimento de respostas educativas que atinjam a todos os alunos,

independente de suas condições intrínsecas ou experiências prévias de escolarização.

(2007, p. 34)

A ideia de “nova cultura escolar” defendida pelas autoras contempla a real dimensão

da educação inclusiva, uma vez que o que se busca com a proposta é o significado da vida

coletiva no espaço da escola, a ser pautada no respeito às diferenças, sobretudo, às diferenças

nos processos de aprendizagem e desenvolvimento.

Para Prieto (2006), a educação inclusiva é um novo paradigma, que se constitui pelo

apreço à diversidade como condição a ser valorizada, pois é benéfica à escolarização de todas

as pessoas, pelo respeito aos diferentes ritmos de aprendizagem e pela proposição de outras

práticas pedagógicas, o que exige ruptura com o instituído na sociedade e, consequentemente,

nos sistemas de ensino.

No mesmo sentido, González argumenta que a:

[...] inclusão mais do que um juízo de valor é uma forma de melhorar a qualidade de

vida, onde a educação pode desempenhar um papel primordial ao oferecer as

mesmas oportunidades e idêntica qualidade de meios a todo aquele que chega de

novo. (2003, p. 58)

Segundo Silva (2012), o papel da escola é possibilitar o desenvolvimento dos alunos,

por meio da transmissão-assimilação de conhecimentos sistematizados. Diante das

necessidades educacionais especiais, o suporte pedagógico especializado torna-se uma

ferramenta indispensável para que a inclusão se efetive.

Como visto, a participação da educação especial no processo de inclusão escolar de

pessoas com necessidades educacionais especiais é defendida pela legislação que fundamenta

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a política de inclusão no Brasil (CF/1988, LDBEN/1996, Resolução CNE/CEB nº. 2/2001,

entre outras). As normativas asseguram tal participação, uma vez que o atendimento

educacional especializado, previsto em Lei, é tradicionalmente, no País, uma responsabilidade

dessa modalidade de educação escolar.

No entanto, é necessária uma consideração, visto que todo o processo deve ser

condicionado a uma redefinição de princípios e conceitos básicos, ou seja, a uma reinvenção

da educação especial: o professor precisa de preparo técnico e pedagógico, suporte

psicológico e uma boa relação com as famílias para lidar com os desafios da inclusão.

Para a criança com Asperger, são de grande importância as horas que ela fica na escola

e que devem ser traduzidas em socialização e estimulação constante, para que haja, de fato, a

inclusão. Nesse sentido, a educação especial vem ressignificando seu papel no contexto do

paradigma inclusivo. Ao contrário do ensino segregado que a caracterizou em outros

momentos históricos, a escola especial deve abranger o atendimento educacional

especializado aos alunos com necessidades educacionais especiais que se encontram

regularmente matriculados na escola comum, além de oferecer apoio aos professores dessa

instituição no planejamento de propostas diferenciadas de ensino que contemplem as

particularidades da aprendizagem da população atendida, os conhecimentos teóricos e práticos

acumulados sobre educação especial devem estar a serviço não somente do aluno com

necessidade especial, mas de toda a comunidade escolar.

Para Glat, Pletsch e Fontes:

[...] a Educação Especial não deve ser mais concebida como um sistema educacional

especializado à parte, mas sim como um conjunto de metodologias, recursos e

conhecimentos (materiais, pedagógicos e humanos) que a escola comum deverá

dispor para atender à diversidade de seu alunado. (2007, p. 345)

A participação da educação especial no processo de inclusão escolar é legítima, tanto

na sua dimensão teórica como na sua dimensão legal, desde que sejam observados os

princípios e conceitos e suas necessidades. Além disso, o novo papel da educação especial

diante do paradigma inclusivo elimina qualquer possibilidade de educação segregada, uma

vez que a educação escolar passa a ser responsabilidade única do ensino regular.

Na Declaração de Salamanca, fica claro que o termo “necessidades educacionais

especiais” contempla condições diversas (sociais, culturais, econômicas, orgânicas etc.), no

entanto, no Brasil, houve uma redução das políticas de inclusão ao âmbito da educação

especial, logo, redução da inclusão de pessoas com deficiência (UNESCO, 1990).

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O conceito de deficiência se reporta às condições orgânicas do indivíduo, que podem

resultar em uma necessidade educacional especial, porém não obrigatoriamente. O conceito

de necessidade educacional especial, por sua vez, está intimamente relacionado à interação do

aluno com os conteúdos e a proposta educativa com a qual ele depara no cotidiano escolar

(SILVA, 2012).

A noção de deficiência exprime uma condição biológica, individual e

descontextualizada. O indivíduo é concebido tomando-se por base sua condição orgânica, que

determinaria mecanicamente a externalidade da deficiência, a qual denota as dificuldades de

aprendizagem. Por outro lado, o significado de necessidade educacional especial retira o foco

da condição biológica e enfatiza os aspectos relacionais entre aluno e conteúdo/proposta

educativa.

Compreendendo a diferença entre as expressões, pode-se afirmar que a mudança da

terminologia no âmbito da legislação tem suas implicações práticas. Ao se manter o foco nas

deficiências, se reduz o alcance das ações da educação especial voltadas para a inclusão, uma

vez que a expressão de referência utilizada nos dispositivos legais define os alunos que podem

ser beneficiados por estas ações.

Todavia, a bandeira das necessidades educacionais especiais revela uma

multiplicidade de condições que nos obrigam a evidenciar o público-alvo contemplado pela

política de educação especial na perspectiva inclusiva. No domínio da legislação, os

documentos aprovados depois da Constituição Federal de 1988 passaram a utilizar a

expressão “necessidades educacionais especiais” em substituição ao termo “portadores de

deficiência”. No parecer CNE/CEB nº. 17 de 2001 (apud PRIETO, 2006), encontra-se o

seguinte argumento: com a adoção do conceito de necessidades educacionais especiais,

afirma-se o compromisso com uma nova abordagem, que tem como horizonte a inclusão.

Dentro dessa visão, a ação da educação especial amplia-se, passando a abranger não

apenas as dificuldades de aprendizagem relacionadas a condições, disfunções, limitações e

deficiências, mas também aquelas não vinculadas a uma causa orgânica específica,

considerando que, por dificuldades cognitivas, psicomotoras e de comportamento, alunos são

frequentemente negligenciados ou mesmo excluídos dos apoios escolares.

O parecer exprime o conceito de necessidades educacionais especiais no domínio das

ações da educação especial, e, por isso, não há nenhuma menção às necessidades educacionais

especiais produzidas a partir das carências socioeconômicas, em conformidade com a

Declaração de Salamanca.

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A proposta de inclusão abrange a totalidade de alunos da escola e pretende que o

atendimento da educação especial nesta perspectiva inclusiva seja dirigido a um segmento dos

alunos que apresentam necessidades educacionais especiais. O conceito de necessidades

educacionais especiais emergiu, portanto, no seio do paradigma inclusivo. Nesse sentido, as

políticas de inclusão não podem restringir-se ao campo da educação especial, tendo em vista

que, ao longo da história, esta educação ocupou-se do atendimento educacional de alunos com

condições especiais, constituindo com base neste ponto suas teorias e práticas.

Considerando as políticas de inclusão, a criança com SA precisa tornar-se visível sob o

olhar de que a aprendizagem ocorre ao longo da vida, já que esse aluno vai se constituindo na

relação que estabelece com o outro e pelos processos de mediação e nas oportunidades que ele

tem de aprendizagem. É preciso entender que a diferença não é um impeditivo de

aprendizagem, mas sim uma potência.

Tendo interesse por esta criança, e tentando investigar o processo de aprendizagem,

objetivou-se, neste trabalho, pensar o papel da escola no desenvolvimento da criança com SA,

que não pode ser vista como sujeito limitado pelas deficiências que apresenta. Busca-se

desvendar quem é esse sujeito, como e em que condições ele aprende, e como produzir nele o

desejo de aprender.

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2 A síndrome de Asperger

Segundo a quarta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais

(DSMIV), a SA resulta de uma desordem genética e se assemelha ao autismo.

Para melhor entendimento sobre a SA, este capítulo inicia-se por um detalhamento das

características do autismo, uma vez que a SA compartilha de algumas de suas expressões

sintomáticas. A intenção é a de evidenciar as especificidades da SA tem-se o escopo de

fornecer subsídios ao professor para a definição de estratégias de ensino e da escola em seu

planejamento para inclusão.

2.1 Síndrome de Asperger e o autismo

Segundo a décima edição da Classificação Internacional de Doenças e Problemas

Relacionados à Saúde CID-10, autismo é classificado sob a referência F84-0, e descrito como:

Um transtorno invasivo do desenvolvimento, definido pela presença de

desenvolvimento anormal e/ou comprometimento que se manifesta antes da idade de

3 anos e pelo tipo característico de funcionamento anormal em todas as três áreas: de

interação social, comunicação e comportamento restrito e repetitivo. O transtorno

ocorre três a quatro vezes mais frequentemente em garotos do que em meninas.

Pioneiro na definição do diagnóstico de autismo, o psiquiatra austríaco Leo Kanner

obteve informações relevantes na pesquisa que desenvolveu nos anos de 19405. O referido

psiquiatra dedicou-se à pesquisa de crianças que apresentavam comportamentos estranhos

como repetição de gestos caracterizados por estereotipias (ORRÚ, 2011 p.19).

Nos termos de Orrú (2011, p. 17), “Autismo é uma palavra de origem grega (autós),

que significa “por si mesmo””. Nesse sentido, consta da CID-10 que o autismo é uma

síndrome que envolve comprometimentos nas interações sociais, na comunicação e nos

padrões de conduta, que devem estar presentes no desenvolvimento infantil antes da idade de

três anos.

5 Publicada em 1943, na Revista Nervous Child.

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O indivíduo com autismo tem, portanto, dificuldade em estabelecer relações sociais

recíprocas, apresenta um déficit acentuado de linguagem, o que compromete a função social,

e seu comportamento se caracteriza pela estereotipia e presença de campos restritos de

interesse (SILVA, 2012).

De acordo com Klin (2006), a pessoa com autismo apresenta inabilidade nas relações

interpessoais, que se configura pela ausência de reciprocidade social e emocional. Nesse

sentido, mostra dificuldades em responder adequadamente às emoções das outras pessoas, o

que exprime pela inabilidade em interpretar as ações alheias, e em conduzir seu

comportamento conforme as expectativas de um dado contexto social. Em consequência, não

consegue iniciar e manter uma conversação nem compartilhar espontaneamente experiências

de prazer, interesses ou realizações. Ainda de acordo com Klin (2006), o uso, pelo autista, de

formas não verbais de comunicação e interação social, como contato visual direto, expressão

facial, gestos, entre outros, também não está presente em seu comportamento.

As dificuldades vivenciadas pelos autistas nas relações sociais são acentuadas por

alterações no desenvolvimento da linguagem, as quais também resultam em consequências

negativas para o uso da imaginação. O indivíduo com autismo que desenvolve a linguagem

não a utiliza com a finalidade de intercâmbio social. A fala se caracteriza pela presença de

ecolalia (repetição estereotipada das palavras), do uso de pronome reverso (referência a si

mesmo em terceira pessoa), de entonações fora do contexto linguístico e pela predominância

do “sentido literal” das palavras (BOSA, 2002).

No autista que não desenvolve a fala, está ausente qualquer estratégia compensatória

por meio de formas alternativas de comunicação (KLIN, 2006). Em relação à função

imaginativa, independentemente do desenvolvimento da fala, ocorre ainda um

comprometimento evidenciado na ausência de jogos ou brincadeiras de imitação social

(SILVA, 2012).

Certas crianças com autismo desenvolvem-se normalmente, durante sua primeira

infância, chegando, até mesmo, a adquirir uma linguagem funcional. Entretanto, esta

vai se perdendo progressivamente ou tornando-se suscetível de consequências sérias

em virtude de tal condição; assim, muitas delas acabam em um intenso isolamento

social, envolvidas em seus rituais e estereótipos e, praticamente, sem nenhuma

comunicação externa (ORRÚ, 2001 p.34).

O indivíduo com autismo insiste ritualisticamente em manter uma rotina, o que reduz

de forma significativa sua atividade espontânea. Soma-se a isso uma preocupação obstinada

com padrões estereotipados e restritos de interesse, destoante em relação à intensidade de

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energia canalizada. Na motricidade, é notória a presença de maneirismos estereotipados e

repetitivos (BOSA, 2002; KLIN, 2006).

Diferente do que ocorre em algumas manifestações de autismo, crianças com Asperger

não apresentam grandes atrasos no desenvolvimento da fala e nem sofrem com

comprometimento cognitivo grave. Em relação à SA, o diagnóstico é formulado com base na

presença de prejuízos qualitativos nas interações sociais e de padrões de interesse restrito e

estereotipado, de acordo com os mesmos critérios utilizados para o autismo. No entanto, na

SA, diferentemente do autismo, não há comprometimento significativo da inteligência e da

linguagem. Além disso, na SA, as habilidades de autocuidado e a curiosidade sobre o

ambiente estão preservadas (KLIN, 2006).

Segundo Williams (2008), o indivíduo com autismo tem grandes dificuldades em

entender o ponto de vista, as ideias ou os sentimentos alheios. O autor recorre à expressão

“cegueira mental”, já que o autista parece estar ser cego em relação à mente de outras pessoas

(WILLIAMS, 2008, p.33). “Teoria da mente insuficiente” é a expressão utilizada por alguns

pesquisadores no lugar de “cegueira mental”; significa para eles que a criança autista tem

entendimento precário acerca do que os outros pensam ou sentem (WILLIAMS, 2008, p. 33).

[...] A Teoria da Mente (TOM) refere-se a nossa habilidade de fazer suposições

precisas sobre o que outros pensam ou sentem ou nos ajuda a prever o que farão.

Trata-se de uma aptidão crucial para a vida em sociedade; e a cegueira mental causa

problemas nesse ponto (WILLIAMS, 2008 p.33).

Baron (1990) ressaltou que o autismo altera a metarrepresentação requerida nos

padrões sociais, a qual implica atribuir estados mentais aos outros, o que é necessário para o

desenvolvimento dos padrões da representação simbólica. Isso altera a capacidade para

desenvolver o faz-de-conta, o jogo simbólico e a capacidade para a criatividade e

originalidade, alterando também a adaptação pragmática ao mundo. Para ele, os déficits

sociais e os déficits pragmáticos estão associados, posto que o pragmatismo seja parte da

competência social.

Embora a pessoa com autismo tenha características próprias que sem referem à

síndrome, suas manifestações comportamentais podem ser diferentes, de acordo com seu nível

linguístico e simbólico, quociente intelectual, temperamento, histórico de vida, ambiente e

condições clínicas (ORRÚ, 2011).

Como qualquer um de nós, a pessoa com autismo também tem sua individualidade,

desejos e necessidades que vão além das características da síndrome. Logo, nem

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tudo que venha a dar resultado para uma pessoa com autismo, serve de referência

positiva à outra pessoa com a mesma síndrome. (ORRÚ, 2011 p.32).

Tendo em mente esta afirmação de Orrú (2011), devemos considerar que os

transtornos globais do desenvolvimento (TGD) são síndromes comportamentais com

alterações qualitativas na linguagem, na sociabilidade e nos padrões de comportamento

(OMS, 1993). Na CID-10, são classificados como TGD o autismo, a SA, o Transtorno de Rett

e o Transtorno Desintegrativo da Infância.

A SA e o autismo são as síndromes mais conhecidas e controversas, uma vez que seus

diagnósticos são estabelecidos não por uma semiologia distinta, mas pela quantidade e

intensidade dos mesmos sintomas de outras síndromes (tais como o Transtorno de Rett e o

Transtorno Desintegrativo da Infância).

O Transtorno de Rett foi descrito até o momento unicamente em meninas e, segundo a

CID 10, é classificado como F84.2 e caracterizado por um desenvolvimento inicial

aparentemente normal, seguido de uma perda parcial ou completa de linguagem, da marcha e

do uso das mãos, associado a um retardo do desenvolvimento craniano e ocorrendo

habitualmente entre 7 e 24 meses. A perda dos movimentos propositais das mãos, a torsão

estereotipada das mãos e a hiperventilação são características deste transtorno. Ainda de

acordo com a descrição do documento de classificação, o desenvolvimento social e o

desenvolvimento lúdico estão detidos enquanto o interesse social continua em geral

conservado. A partir da idade de quatro anos, manifesta-se uma ataxia do tronco e uma

apraxia, seguidas frequentemente por movimentos coreoatetósicos. Diferente da SA, o

transtorno leva quase sempre a um retardo mental grave.

Por outro lado, de acordo com CID 10, classificado sob o registro F84.3, o Transtorno

Desintegrativo da Infância tem como característica essencial a regressão pronunciada em

múltiplas áreas do funcionamento, após um período de pelo menos dois anos de

desenvolvimento aparentemente normal. O desenvolvimento aparentemente normal é refletido

por comunicação verbal e não verbal, relacionamentos sociais, jogos e comportamento

adaptativo apropriados à idade. Após os primeiros dois anos de vida (mas antes dos 10 anos),

a criança sofre uma perda clinicamente significativa de habilidades já adquiridas em pelo

menos duas das seguintes áreas: linguagem expressiva ou receptiva, habilidades sociais ou

comportamento adaptativo, controle intestinal ou vesical, jogos ou habilidades motoras.

Os indivíduos com o transtorno desintegrativo da infância exibem déficits sociais e

comunicativos, bem como aspectos comportamentais, geralmente observados no Transtorno

Autista. Existe um prejuízo qualitativo na interação social e na comunicação e padrões

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restritos, repetitivos e estereotipados de comportamento, interesses e atividades e pelo

impacto na vida social do indivíduo (CID 10 - F84.3).

Apesar de a psicopatologia definir as fronteiras dos sintomas que permitem o

diagnóstico dos diferentes transtornos, não há ainda estudos sistemáticos de acompanhamento

ao longo prazo de crianças com SA, parcialmente devido a problemas com a nosologia.

Muitas crianças são capazes de assistir a aulas em escola regular com serviços de apoio

adicional, ainda que sejam especialmente vulneráveis a serem vistas como excêntricas e a

serem alvo de chacotas ou serem vitimizadas; outras requerem serviços de educação especial,

geralmente não em razão de déficits acadêmicos, mas pelas suas dificuldades sociais e

comportamentais (SILVA, 2012).

A descrição inicial de Hans Asperger previu um desfecho positivo para muitos de

seus pacientes que, com frequência, eram capazes de utilizar seus talentos especiais para obter

emprego e ter vidas autossustentadas. Sua observação de traços similares em familiares, pais,

pode também tê-lo tornado mais otimista sobre o desfecho final. Ainda que seu relato tenha

sido pouco comprovado durante o período em que ele tinha visto 200 pacientes com a

síndrome (25 anos após seu artigo original), Asperger continuava a acreditar que um desfecho

mais positivo era um critério central para diferenciar os indivíduos com sua síndrome

daqueles com o autismo de Kanner (BOSA, 2002).

2.2 As especificidades da Síndrome de Asperger

Como mencionado acima, foi o psiquiatra austríaco Hans Asperger (MELLO, 2007) o

responsável pela identificação da Síndrome. Em 1944, ele observou quatro crianças que

tinham dificuldade em se integrar socialmente em seu cotidiano. Mesmo que sua inteligência

parecesse normal, essas crianças não tinham habilidades de comunicação não verbal, também

não demonstravam empatia para com seus colegas e eram fisicamente desajeitadas. Falavam

de maneira desarticulada ou extremamente formal, e seu interesse se concentrava apenas em

assuntos que prevaleciam em suas conversas (AUTISM SPEAKS, s/d, p.2).

Os estudos de Asperger, por terem sido publicados em língua alemã no final da

Segunda Guerra Mundial, não tiveram uma ampla difusão, ao contrário dos trabalhos de Leo

Kanner, que um ano antes havia estudado 11 casos infantis com prejuízos significativos na

sociabilidade (BOSA, 2002).

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Kanner, também de origem austríaca, embora radicado nos Estados Unidos, descreveu

os comprometimentos que as crianças exibiam nas relações sociais, na linguagem, na

motricidade e nos padrões comportamentais. As crianças que pesquisou, diferentemente das

descritas por Asperger, eram mais retraídas ou alheias (KLIN, 2006).

As observações sobre Asperger, publicadas em alemão, não eram completamente

conhecidas até 1981, quando uma médica inglesa, chamada Lorna Wing publicou

uma série de estudos de casos de crianças apresentando sintomas semelhantes, os

quais ela chamou de Síndrome de "Asperger". Seus trabalhos foram completamente

publicados e popularizados (AUTISM SPEAKS, s/d, p.2).

Tanto Kanner quanto Asperger, na designação dos casos relatados, utilizaram o termo

“autismo” (do grego, autos: si mesmo e ismos: disposição), o qual foi criado por Bleuler para

caracterizar o bloqueio social de pacientes esquizofrênicos (BOSA, 2002).

Quando foi incluída na décima edição publicada do Manual de Diagnóstico da

Organização Mundial da Saúde, em 1992, a SA tornou-se uma condição distinta e

diagnosticada (CID10). Por outro lado, ela foi incluída com critérios para diagnóstico apenas

em 1994, na quarta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais

(DSM-IV).

Os sinais e sintomas da SA podem aparecer nos primeiros anos de vida da criança,

mas raramente são valorizados pelos pais como algo negativo, especialmente se as

manifestações forem leves (WILLIAMS, 2008).

A grande maioria dos diagnósticos da SA é feita a partir da fase escolar, quando a

dificuldade de socialização, considerada a característica mais significativa do distúrbio,

manifesta-se com maior intensidade, juntamente com o desinteresse por tudo que não se

relacione com o hiperfoco de atenção. O que efetivamente chama a atenção dos pais são os

sintomas associados ao isolamento social, inadequação de comportamentos ou manifestações

de ansiedade, depressão ou irritabilidade (WILLIAMS, 2008).

Como já descrito, o indivíduo com autismo insiste em manter uma rotina, o que reduz

de forma significativa sua atividade espontânea (BOSA, 2002; KLIN, 2006). Quando

comparado à SA, o diagnóstico deve ser formulado com base na presença de prejuízos

qualitativos nas interações sociais e de padrões de interesse restrito e estereotipado, de acordo

com os mesmos critérios utilizados para o autismo. No entanto, na SA, diferentemente do

autismo, não há comprometimento significativo da inteligência e da linguagem, as habilidades

de autocuidado e a curiosidade sobre o ambiente estão preservadas (KLIN, 2006).

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Usualmente, os primeiros relatos sobre os problemas observados são feitos ao

Pediatra, que pode encaminhar a criança aos médicos especialistas para uma avaliação mais

profunda e detalhada. Não existem exames laboratoriais ou de imagem destinados à

confirmação do diagnóstico. Hoje, o principal instrumento para essa finalidade são os testes

aplicados por neuropsicólogos que, por meio de tarefas propostas à criança, observam e

avaliam aspectos cognitivos e comportamentais, como memória, atenção e habilidades sociais

(SILVA, 2012).

De acordo com o DSM IV, são critérios diagnósticos para SA:

A. Prejuízo qualitativo na interação social, manifestado por pelo menos dois dos

seguintes quesitos: (1) prejuízo acentuado no uso de múltiplos comportamentos não

verbais, tais como contato visual direto, expressão facial, posturas corporais e gestos

para regular a interação social. (2) fracasso para desenvolver relacionamentos

apropriados ao nível de desenvolvimento com seus pares (3) ausência de tentativa

espontânea de compartilhar prazer, interesses ou realizações com outras pessoas (por

ex., deixar de mostrar, trazer ou apontar objetos de interesse a outras pessoas) (4)

falta de reciprocidade social ou emocional. B. Padrões restritos, repetitivos e

estereotipados de comportamento, interesses e atividades, manifestados por pelo

menos um dos seguintes quesitos: (1) insistente preocupação com um ou mais

padrões estereotipados e restritos de interesses, anormal em intensidade ou foco (2)

adesão aparentemente inflexível a rotinas e rituais específicos e não funcionais (3)

maneirismos motores estereotipados e repetitivos (por ex., dar pancadinhas ou torcer

as mãos ou os dedos, ou movimentos complexos de todo o corpo) (4) insistente

preocupação com partes de objetos C. A perturbação causa prejuízo clinicamente

significativo nas áreas social e ocupacional ou outras áreas importantes de

funcionamento. D. Não existe um atraso geral clinicamente significativo na

linguagem (por ex., palavras isoladas são usadas aos 2 anos, frases comunicativas

são usadas aos 3 anos). E. Não existe um atraso clinicamente significativo no

desenvolvimento cognitivo ou no desenvolvimento de habilidades de autoajuda

apropriado à idade, comportamento adaptativo (outro que não na interação social) e

curiosidade acerca do ambiente na infância. F. Não são satisfeitos os critérios para

um outro Transtorno Invasivo do Desenvolvimento ou Esquizofrenia (DSM IV,

2002, p.84).

Uma das características dos indivíduos com distúrbios de Asperger é a dificuldade na

comunicação, no relacionamento social e no pensamento abstrato. No entanto, as pessoas com

SA têm problemas de linguagem em menor escala do que as classificadas como autistas,

falam mais fluentemente e não têm dificuldades de aprendizagem tão marcadas, mas têm

dificuldade na compreensão das convenções sociais e da expressão afetiva das outras pessoas

(GALLAGHER, 2002).

Há ainda, por parte delas, uma baixa capacidade para compreender comportamentos

não verbais. As pessoas com SA comumente obtêm quocientes de inteligência (Q.I.) médio ou

mesmo acima da média. Muitas vezes, a SA não é diagnosticada até a criança atingir a idade

escolar. Ao contrário do autismo, normalmente pode apenas ser determinada tomando-se

como base as interações sociais da criança (DSM IV, 2002, p.80).

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Crianças com SA mostram o desenvolvimento de uma linguagem típica e, muitas

vezes, um vocabulário proporcionalmente superior, costumam escolher temas de interesse,

que podem ser únicos por longos períodos de tempo - quando gostam do tema "dinossauros",

por exemplo, falam repetidamente nesse assunto. Habilidades incomuns, como memorização

de sequências matemáticas ou de mapas são muito presentes em pessoas com essa síndrome

(WILLIAMS, 2008).

Na infância, as pessoas com SA apresentam déficits no desenvolvimento motor e

podem ter dificuldades para segurar o lápis para escrever. Estruturam seu pensamento de

forma bastante concreta e não conseguem interpretar metáforas e ironias - o que interfere no

processo de comunicação (AMA, s/d). Além disso, não sabem como usar os movimentos

corporais e os gestos na comunicação não verbal e apegam-se a rituais, tendo dificuldades

para realizar atividades que fogem à rotina (ATTWOOD, 2007).

Devido ao desenvolvimento regular das habilidades linguísticas, nas fases iniciais, os

sintomas da SA podem ser difíceis de ser diferenciados dos outros problemas

comportamentais, como o déficit de atenção e hiperatividade (TDAH). (DSM IV, 2002).

Ainda que significativas anormalidades na linguagem não sejam comuns em indivíduos com

SA, há pelo menos três aspectos nos padrões de comunicação desses indivíduos que são de

interesse clínico: (i) a linguagem pode ser marcada pela prosódia pobre, ainda que a inflexão e

a entonação possam não ser tão rígidas e monotônicas como no autismo (WILLIAMS, 2008);

(ii) eles geralmente exibem um espectro restrito de padrões de entonação que é utilizado com

pouca relação no funcionamento comunicativo da declaração, asserções de fato, comentários

bem-humorados (KLIN, 2006); (iii) a velocidade da fala pode ser incomum (fala muito

rápida) ou pode haver falta de fluência (fala entrecortada) e há, frequentemente, modulação

pobre do volume (a voz é muito alta, apesar da proximidade física do parceiro da

conversação), a fala pode ser tangencial e circunstancial, transmitindo um sentido de

frouxidão de associações e incoerência (KLIN, 2006).

São indivíduos que falham no entendimento das relações humanas e regras do

convívio social; são ingênuos e eminentemente carentes de senso comum. Sua inflexibilidade

e falta de habilidade para lidar com mudanças levam-nos a serem facilmente estressados e

emocionalmente vulneráveis (KLIN, 2006).

“O revezamento na conversa também é difícil. Às vezes a conversa não se efetiva

como tal, porque esta ação implica no movimento entre as partes, o dar e receber informações

que podem levar a muitas direções” (WILLIAMS, 2008, p.74). Conforme a experiência

relatada na introdução, a pesquisadora percebeu que, quando se conversa com uma criança

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com SA, esse dar e receber quase parece ausente, é como se a conversa seguisse apenas em

uma direção, controlada por ela.

Os indivíduos com o transtorno em questão podem iniciar conversas unidirecionais

com outras pessoas, falando somente sobre os fatos relacionados a assuntos de seu interesse,

podem não gostar da ideia de discutir sobre outra coisa, ou podem ser incapazes de ouvir e

compreender as respostas dos outros (o que constitui também a incapacidade de compreender

os sentimentos, ações, palavras ou comportamentos de outras pessoas) (WILLIAMS, 2008).

Estas características fazem com que, muitas vezes, a criança com SA seja reconhecida

em seu convívio social como “pessoa diferente”, estranha, excêntrica ou esquisita. No

entanto, embora esses aspectos ou características sejam relevantes, necessário se faz que

tenhamos em mente que a pessoa com SA também é capaz de desenvolver atividades do

cotidiano normalmente, desde que para isso a família a incentive e a ensine a ser o mais

autônoma possível em sua vida, pois uma provável dependência pode acentuar-se no decorrer

dos anos, caso a família subestime os sintomas (SILVA, 2012).

Outros sintomas que a criança com SA pode apresentar são: interações sociais

impróprias ou muito raras; fala repetitiva ou "robótica"; tendência a discutir alto;

incapacidade de compreender problemas ou frases que são consideradas "senso comum"; falta

de contato visual ou conversação recíproca; obsessão com temas únicos e específicos;

conversas unilaterais; movimentos e/ou modos desajeitados (WILLIAMS, 2008).

Um indicador muito evidente e distinto da SA é a preocupação com um problema

específico, desde coisas simples ou até temas mais complexos. Gestos discretos ou

expressões, como um sorriso, um olhar de reprovação ou um gesto podem não sincronizar as

crianças com SA, porque elas são incapazes de perceber a relação entre estes métodos de

comunicação não verbais e os métodos verbais, como fala e linguagem.

Attwood (2007) afirma que devido ao fato de muitas vezes serem incapazes de

compreender os gestos e as expressões não verbais, o mundo social pode ser de difícil

compreensão, ou seja, muito confuso e opressivo para o indivíduo com Asperger, acarretando

assim a dificuldade em ver as coisas pelo ponto de vista de outra pessoa. Embora não seja um

fato generalizado, é comum as pessoas com SA apresentarem dificuldade em regular as suas

emoções. Por não entenderem as interações sociais, consequentemente não percebem que seus

temas de discussão ou método de falar podem ser inadequados ou desagradáveis,

particularmente em situações específicas (KLIN, 2006).

Segundo Klin (2006) e corroborando Williams (2008), citado acima, as crianças com

SA podem apresentar uma maneira embaraçosa ou própria de falar, falando extremamente

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alto, constantemente num tom monótono, ou com uma pronúncia particular. De acordo com a

experiência da pesquisadora, percebeu-se que a criança com esse distúrbio com quem teve

contato geralmente apresentava movimentos desajeitados ou um atraso nas habilidades

motoras, um andar desajeitado ou um baixo senso de coordenação.

Indivíduos com SA podem ter um histórico de aquisição atrasada das habilidades

motoras, tais como andar de bicicleta, agarrar uma bola, abrir garrafas e subir em brinquedos

de parquinho ao ar livre. Com frequência, são visivelmente desajeitados, têm uma

coordenação pobre e podem exibir padrões de andar arqueado ou aos saltos e uma postura

bizarra (KLIN, 2005).

Do ponto de vista neuropsicológico, existe, em geral, um padrão relativamente elevado

em habilidades auditivas e verbais, aprendizado repetitivo, déficits significativos nas

habilidades visuomotoras e visuoperceptuais e no aprendizado conceptual. Muitas crianças

exibem altos níveis de atividade na infância, de modo até precoce e, como mencionado,

podem desenvolver ansiedade e depressão na adolescência e no início da vida adulta

(ATTWOOD, 2007).

Embora esses indivíduos possam ser muito inteligentes e possam exibir habilidades

linguísticas especializadas, eles podem não ser capazes de apanhar uma bola ou entender

como pular corda, apesar das diversas tentativas para ensiná-los. No entanto, nem todas as

crianças desenvolvem estes sintomas, e a gravidade de cada sintoma pode variar entre

crianças com o mesmo diagnóstico. Ainda que desenvolvendo alguns ou todos esses sintomas,

cada criança também possui muitos dons exclusivos (ATTWOOD, 2007).

Segundo a Associação Portuguesa (APSA), nos casos menos pronunciados,

diagnosticados ou não, os indivíduos podem entrar no sistema educativo comum e com o

apoio adequado e motivação apropriada, em casa e na escola, podem fazer excelentes

progressos, ter sucesso, e mesmo continuar os estudos em nível universitário e arranjar um

emprego. Observações, principalmente de pais de crianças com SA, mostram que não há

impedimento para uma vida adulta “normal”. Geralmente buscarão uma ocupação ou

profissão relacionada a sua área de interesse especial, às vezes tornando-se muito talentosos.

2.3 Elementos a serem considerados quando se planeja ensinar aos indivíduos com

Asperger: o que diz a literatura especializada

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Para que a criança com Asperger tenha um bom desenvolvimento, é importante que

ela, familiares e professores tenham consciência dessa condição, pois isso possibilitará um

entendimento mais adequado do que acontece e o desenvolvimento de estratégias eficazes por

parte de todos. Nesse sentido, mostra-se importante encarar a SA não como um problema,

mas como uma condição em que se devem minimizar as dificuldades decorrentes desse

transtorno (KLIN, 2006).

Muitos dos estudantes com SA são capazes de completar com sucesso o curso superior

e até mesmo cursos de pós-graduação. No entanto, em muitos casos, continuarão a

demonstrar, pelo menos em alguma extensão, sutis diferenças nas interações sociais (BAUER,

1995).

Em razão das dificuldades de interação, dentro e fora da família, há risco aumentado

de problemas de humor, como depressão; entretanto as pessoas com esse distúrbio podem

seguir uma profissão, casar-se e, até mesmo, há quem se torne professor universitário. Um

exemplo de um indivíduo com Asperger de sucesso chama-se Temple Grandin6, ela vive nos

Estados Unidos, é engenheira e zoóloga, professora universitária7.

Estas crianças [com Asperger] frequentemente mostram uma surpreendente

sensibilidade à personalidade do professor (…). E podem ser ensinados, mas

somente por aqueles que lhes dão verdadeira afeição e compreensão. Pessoas que

mostrem delicadeza e, sim, humor. (…) A atitude emocional básica do professor

influencia, involuntária e inconscientemente, o humor e o comportamento da criança

(BAUER, 1995, p.32)

O treino de competências sociais é uma das estratégias utilizadas quando se pretende

ensinar crianças com SA, as quais ainda podem ser ajudadas na aprendizagem social por

psicólogos preparados. Por meio do treino de competências sociais, a linguagem corporal e a

comunicação não verbal podem ser ensinadas da mesma maneira que se ensina uma língua

estrangeira (MYLES, 2004). As crianças conseguem aprender como interpretar expressões

não verbais, emoções e interações sociais. Este procedimento ajuda nas interações sociais e

aproximações com as pessoas, prevenindo assim o isolamento e a depressão que geralmente

ocorrem assim que entram na adolescência (BAUER, 2008).

Com a experiência relatada na introdução, confirma-se que uma das maiores

dificuldades da criança com SA é o fato de agir e pensar de forma egocêntrica, pensando

6 Sua vida inspirou o filme “Temple Grandin”. Direção: Mick Jackson. Estados Unidos, 2010. 1 DVD, (109 min)

color. 7 Outro exemplo de sucesso é Lionel Andrés Messi, jogador de futebol argentino que joga pelo Barcelona e pela

Seleção Argentina, equipe da qual é capitão desde o segundo semestre de 2011.

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apenas em si própria. Este comportamento pode resultar numa extrema honestidade quando se

expressa acerca das pessoas, o que pode machucar alguém. Elas não conseguem demonstrar o

sentimento que têm pelos seus familiares e às vezes, por não demonstrar, acabam criando uma

barreira entre as outras crianças, a família e a sociedade, mas isso ocorre involuntariamente,

sem que elas percebam.

Nesse sentido, as pessoas com SA não têm habilidade natural de enxergar o contexto

da interação social, nem capacidade de expressar seu próprio estado emocional, resultando em

observações e comentários que podem soar ofensivos apesar de bem-intencionados, ou na

impossibilidade de identificar o que é socialmente “aceitável” (WILLIAMS, 2008). Nesse

sentido, como os indivíduos com Asperger sentem-se forçosamente compelidos a corrigir

erros, o fazem mesmo quando os erros são cometidos por pessoas em posição de autoridade,

como um professor.

Os indivíduos com SA são, portanto, facilmente sobrecarregados pelas pressões do

ambiente e têm profunda diferença na habilidade de formar relações com outras pessoas. Às

vezes causam a impressão de que são muito imaturos, pela maneira de se comportar quando

passam por alguma situação em que são confrontados.

Diante da importância do meio social na vida das pessoas, sejam estas com alguma

deficiência ou não, e apesar de não haver uma distinção comum a todos os indivíduos com

sintomatologia da SA, as dificuldades com o convívio social são praticamente universais e,

portanto, também constituem um dos critérios definidores mais relevantes (ATTWOOD,

2007)

Esses indivíduos precisam aprender estas aptidões sociais intelectualmente de maneira

clara, seca, lógica como matemática, em vez de intuitivamente, por meio da interação

emocional normal. Os indivíduos com SA não têm capacidade de captar informação sobre os

estados cognitivos e emocionais de outras pessoas baseadas em “pistas” deixadas no ambiente

social e em traços como a expressão facial, linguagem corporal, humor e ironia. Este aspecto,

portanto, é chamado de “cegueira mental”, como já foi mencionado acima, significando “ser

cego em relação à mente de outras pessoas” (WILLIAMS, 2008, p.33).

Segundo Williams (2008), por causa da “cegueira mental”, pessoas com SA têm

problemas para distinguir a diferença entre atitudes deliberadas ou casuais dos outros. Ser

incapaz de entender outros pontos de vista pode levar à inflexibilidade e a uma incapacidade

de negociar soluções de conflitos. Tal fenômeno também é considerado uma carência de

teoria da mente.

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Muitas vezes estas crianças interrompem as conversas, não percebem quando as

pessoas estão mentindo, atuam da mesma maneira nas variadas situações sociais e com

diferentes pessoas, não entendem o sarcasmo e não percebem as diferentes expressões faciais.

(ATTWOOD, 2006)

Sem tal compreensão relacional, os indivíduos com SA não conseguem reconhecer

nem entender os pensamentos e sentimentos dos demais, têm problemas em compreender as

emoções alheias. No entanto, as mensagens passadas pela expressão facial, olhares e gestual

têm um impacto baixo neles, mas não nulo (KLIN, 2006).

Eles podem também ter dificuldades em demonstrar empatia. Assim, podem parecer

egoístas, egocêntricos ou insensíveis, quando na realidade não o são. Na maioria dos casos,

estas percepções são injustas, porque eles são neurologicamente incapazes de entender os

estados emocionais das pessoas à sua volta (AMA, s/d).

Geralmente ficam chocados, irritados e magoados quando outras pessoas lhes dizem

que suas ações são ofensivas ou impróprias. É claro que pessoas com SA têm emoções, mas

os laços emocionais que venham a ter podem gerar estranhamento nas pessoas que o cercam

ou até ser uma causa de preocupação para quem não tem o conhecimento da síndrome.

Desprovidos dessa informação intuitiva, não podem interpretar nem compreender os desejos

ou intenções dos outros e, portanto, são incapazes de prever o que se pode esperar dos demais

ou o que estes podem esperar deles (ATWOOD, 1997, p. 89-92).

Dentre as dificuldades que o indivíduo com SA possuem nas interações sociais, pode-

se destacar a dificuldade em compreender as mensagens transmitidas por meio da linguagem

corporal, já que comumente não olham nos olhos e, quando olham, não conseguem captar o

sentimento do outro com quem interage (WILLIMS, 2008).

Em outras palavras, o ser humano com características da SA interpreta as palavras

sempre em sentido denotativo e tem dificuldade em identificar o uso de coloquialismos,

ironia, gírias, sarcasmo e metáforas. Nesse sentido, pode ser considerado grosso, rude e

ofensivo, propenso a comportamento egocêntrico, ao não captar indiretas e sinais de alertas

quando tem um comportamento inadequado (ATTWOOD, 1997).

No entanto, à medida que a criança com SA amadurece, começa a se tornar ciente de

sua “cegueira emocional” (BARON, 1990) e a temer cometer novos erros no comportamento

social. O risco de tal percepção reside no fenômeno de a autocrítica poder crescer a ponto de

se tornar uma fobia (KLIN, 2006). Vale considerar que, uma vez que o conflito se resolva, o

remorso pode deixar de ser evidente (BARON, 1990).

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A incapacidade de entender os interesses alheios pode levar os indivíduos com

Asperger a serem incompreensíveis ou desatentos, nesse sentido, o/a docente deve ter em

mente que seu estudante com SA geralmente tende a ser menos afetado pelo clima social do

grupo e, como resultado, geralmente faz tudo da maneira que acha mais confortável, sem se

importar com a opinião alheia (como exemplo, estão a forma de se vestir e os cuidados com a

própria aparência).

Como os indivíduos com SA reagem mais pragmaticamente do que emocionalmente,

suas expressões de afeto são geralmente curtas e fracas. Apesar do fato de terem compreensão

intelectual de constrangimento, são incapazes de aplicar estes conceitos no nível emocional,

processando informações de relacionamentos muito mais lentamente do que o normal,

levando a pausas ou demoras desproporcionais e incômodas (ORRÚ, 2011).

Apesar de esses aspectos serem importantes, o fato de não conseguirem demonstrar

afeto – pelo menos de modo convencional – não significa necessariamente que pessoas com

SA não sintam afeto. A compreensão disto pode ajudar professores, parceiros ou convíveres a

se sentirem menos rejeitados e mais compreensivos (ATTWOOD, 2007). No entanto, às

vezes, ocorre o problema oposto: a pessoa com SA é normalmente afeiçoada a alguém e não

consegue captar ou interpretar sinais daquela pessoa, causando aborrecimento, fenômeno para

o qual os docentes precisam ter especial atenção, haja vista a referência que representam para

suas classes.

Vale ressaltar que, quando um indivíduo com SA começa a entender o processo de

abstração, precisa treinar um esforço deliberado e repetitivo para processar informações de

outra maneira. Isto muito frequentemente leva à exaustão mental (WILLIAMS, 2008).

Além destes, outro aspecto importante das diferenças sociais encontradas em pessoas

com a síndrome em questão é uma fraqueza na coerência central do indivíduo. Pessoas com

esta deficiência podem ser tão focadas em detalhes que não conseguem compreender o

conjunto. Uma pessoa com coerência central fraca pode lembrar-se de uma história

minuciosamente, mas ser incapaz de fazer um juízo de valor sobre a narrativa, ou pode

entender um conjunto de regras detalhadamente, mas ter dúvidas de como aplicá-las (HAPPE,

2006).

No entanto, além de estes aspectos ou características serem relevantes, é importante

que o docente tenha em mente que o estudante com SA também é capaz de desenvolver

atividades do cotidiano normalmente, desde que, para isso, a família e a escola o incentivem e

o ensinem a ser o mais autônomo possível em sua vida, já que uma provável dependência

pode acentuar-se no decorrer dos anos.

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Outra importante observação diz respeito ao já abordado desenvolvimento afetivo por

parte dos indivíduos que apresentam o distúrbio em tela. Contrastando um pouco com os

sintomas do autismo, os indivíduos com SA encontram-se socialmente isolados, mas não são

usualmente inibidos na presença dos demais. Nesse sentido, pessoas com SA sentem

dificuldades em aceitar, de modo natural, a afetividade, com um agravamento nas suas

relações sociais mais próximas, pois uma das suas características mais marcantes é a

necessidade de isolamento social, fato este que é uma condição e que pode ocasionar alguns

prejuízos na sua vida social e afetiva (WILLIAMS, 2008 p.125).

Os educadores devem, portanto, levar em conta que os alunos com SA podem

expressar interesse em fazer amizades e encontrar pessoas, mas seus desejos são

invariavelmente frustrados por suas abordagens desajeitadas e pela insensibilidade em relação

aos sentimentos e intenções das demais pessoas e pelas formas de comunicação não literais e

implícitas que emitem sinais de tédio, como quem tem pressa para deixar o ambiente e

necessidade de privacidade (SILVA, 2012).

Cronicamente frustrados pelos seus repetidos fracassos de se envolverem com outras

pessoas e de estabelecerem relações de amizade, alguns indivíduos com SA desenvolvem

sintomas de transtorno de ansiedade ou de humor que podem requerer tratamento, incluindo

medicação. Eles também podem reagir de forma inapropriada ou não compreender o valor do

contexto da interação afetiva, geralmente transmitindo um sentido de insensibilidade,

formalidade ou desconsideração pelas expressões emocionais das demais pessoas (BOSA,

2002).

No entanto, os indivíduos com Asperger podem ser capazes de descrever

corretamente, de uma forma cognitiva e frequentemente formalista, as emoções, as intenções

esperadas e as convenções das demais pessoas, mas são incapazes de atuar de acordo com

essas informações de uma forma intuitiva e espontânea, perdendo, desse modo, o ritmo da

interação.

Sua intuição pobre e a falta de adaptação espontânea são acompanhadas por um

notável apego às regras formais do comportamento e às rígidas convenções sociais. Essa

apresentação é responsável, em grande parte, pela impressão de ingenuidade social e rigidez

comportamental, que é tão forçosamente transmitida por esses indivíduos (WILLIAMS,

2008).

Comumente, a criança com SA tem interesse por certos assuntos ou áreas específicas

que exigem alto grau de abstração, de modo que, em outras pessoas, tal interesse se apresenta

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com idades consideravelmente mais avançadas, ou mesmo na idade adulta (são exemplos,

robótica, cibernética, programas de computador etc.).

Outra característica que o professor tem de levar em conta é que a criança com SA tem

um “olhar perdido”. Em um ambiente estimulador, ela fica estressada, pois tem muitas coisas

que chamam a atenção dela. Não gostam, portanto, de mudanças bruscas; assim como, por

exemplo, troca de professores e ambientes, mudança de rotina (WILLIAMS, 2008).

A pessoa com SA deve ser aceita, respeitada e auxiliada pela sua família em todos os

momentos da vida, constituindo, sobremaneira, a construção de um ambiente saudável e com

características naturais, apesar da deficiência.

Em todos os momentos da vida dos indivíduos, a família desempenha papel

fundamental, onde os laços consanguíneos, bem como as relações afetivas, podem construir

um ambiente salutar, dependendo de como a dinâmica familiar se estabelece e, ainda,

fortalece as relações sociais das mais variadas formas, constituindo o equilíbrio emocional,

afetivo, social e educacional destas pessoas no seio da sociedade.

Apesar de a pessoa com SA apresentar limitações e dificuldades em suas relações

interpessoais, a família e a escola podem auxiliá-los a se adequarem ao meio em que vivem. A

maior dificuldade reside no fato de que as famílias e professores pouco conhecem sobre essa

síndrome ou até nunca ouviram falar dela, o que torna mais difícil o entendimento do

comportamento que seus filhos e estudantes apresentam. Neste sentido, o primeiro obstáculo

das famílias e escolas é acertar o diagnóstico.

Muitas vezes os pais de crianças com SA percorrem verdadeiras maratonas em

psicólogos, psiquiatras e neurologistas, que chegam a confundir a síndrome com

hiperatividade ou déficit de atenção (SILVA, 2012).

Contudo, outro fator importante a ser considerado é o fato de que muitas famílias de

crianças com SA sentem dificuldade em aceitar tal deficiência, o que prejudica, a princípio,

sua forma de se relacionar, pois com as dificuldades de compreensão da deficiência,

aumentam os casos em que a família não sabe como agir diante das necessidades do filho.

Por isso, é importante o diagnóstico precoce para que a deficiência seja compreendida

e, ao mesmo tempo, a família possa procurar auxílio profissional específico, visando facilitar

o desenvolvimento educacional de forma geral da pessoa com SA.

Tão importante quanto o papel da família na compreensão dos aspectos positivos e

negativos que envolvem a SA são os mecanismos educacionais pessoais que esta deve

construir no lar da criança com SA, como por exemplo, o incentivo aos cuidados pessoais e

individuais em prol da saúde e autonomia desse indivíduo (WILLIAMS, 2008). Mas, para que

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o papel da família seja eficaz, é necessário que a busca por melhores condições de vida dessas

pessoas seja o tempo todo reforçada em casa e na escola, objetivando alcançar os melhores

resultados possíveis no convívio familiar e social dos envolvidos.

Do ponto de vista da participação familiar no desenvolvimento de estratégias que

facilitem o comportamento da criança com SA, estão as formas naturais de se comunicar,

envolvendo fatores de natureza sociocomportamental, a paciência e o carinho dos parentes.

Assim, diante das dificuldades enfrentadas pela família, a aceitação e o respeito ao

filho com Asperger é o primeiro passo na busca da felicidade de todos os familiares, fazendo

com que o amor seja a mola propulsora da harmonia no lar da criança, mesmo sabendo que

suas limitações ainda o impedem de conviver de maneira natural com as pessoas, tanto em

casa quanto na escola ou na sociedade como um todo (SILVA, 2012).

Frente a este desafio, a família é o primeiro grupo social que fundamenta os princípios

e valores de respeito, amizade afeto, entre outros aspectos importantes na vida das pessoas,

sejam estas deficientes ou não. De acordo com essa assertiva, o afeto é o primeiro elo entre a

mãe e o filho, o que tem o poder de superar qualquer dificuldade, seja esta de natureza

orgânica ou psíquica (SILVA, 2012).

Nesse sentido, Silva (2012 p.135) afirma a respeito dos indivíduos com SA:

[...] nunca vão fingir amor, nunca dirão palavras amorosas sem que elas signifiquem

exatamente o que estão sentindo. E, além disso, não enganarão os desavisados com

paixões falsas. Também não serão melosas e românticas demais, mas, mostrarão um

amor vivido na prática. Essas pessoas possuem amor do bem.

É necessário que, diante do diagnóstico, a família possa desenvolver atitudes positivas

em relação ao filho com SA, onde o carinho, o respeito e o amor possam ser construídos ao

longo da sua vida, promovendo assim o melhor desempenho possível das suas atividades

cotidianas, evitando os conflitos em torno do comportamento isolado do seu familiar.

Contudo, hoje já se observam manifestações positivas em torno da SA,

principalmente quando esta é bem assistida, tanto por profissionais capacitados, quanto da

família que procura entender cada vez mais o indivíduo com Asperger (SILVA, 2012). Ainda

que haja um número considerável de pessoas com esse distúrbio na sociedade, é de grande

valia que os meios de comunicação tratem dos assuntos, pois colaboram com o

reconhecimento das dificuldades pertinentes ao distúrbio por familiares e professores8.

8 Haja vista as contribuições já oferecidas por filmes ou desenhos, o que influenciou positivamente os

conhecimentos e informações das famílias em todo o mundo, como por exemplo, “Muito além do jardim” e

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3 Estratégias educacionais para a inclusão do indivíduo com Síndrome de Asperger:

elementos revelados pela experiência

De acordo com Orrú (2011), a criança com SA é um sujeito social que se constrói nas

relações sociais, culturais e históricas por meio da mediação de outro sujeito. Ao considerar

que grande parte do sucesso da inclusão depende do trabalho pedagógico adequado às

diversidades dos discentes no cotidiano escolar (GIVIGI, 2007; VIEIRA, 2008;

GONÇALVES, 2008), o processo de inclusão nos convida a olhar a criança com SA de outra

maneira na busca pelos seus potenciais.

A escola oferece um ambiente propício para a avaliação emocional das crianças e

adolescentes, por ser um espaço social relativamente fechado, intermediário entre a família e a

sociedade. É na escola que o desempenho dos alunos pode ser avaliado e onde eles podem ser

comparados estatisticamente com seus pares, com seu grupo etário e social. Nesse sentido, é

importante que a escola tenha em vista as reais potencialidades e limites da criança. Por isso,

um programa educacional específico para cada criança pode ser de grande ajuda para o

desenvolvimento de seus diferentes estudantes (SILVA, 2012).

Ao concordar com os autores citados, a pesquisadora passa a relatar aqui, ainda que de

maneira assistemática, a experiência que viveu enquanto docente de uma escola em que havia

uma criança com SA, ao considerar que tal oportunidade evidenciou o quanto a escola, seus

procedimentos em relação ao registro e acompanhamento dos alunos, bem como a formação

docente ainda estão defasados para receber um aluno especial. Por se tratar de uma

experiência pessoal da pesquisadora, este relato segue em primeira pessoa.

***

Minha experiência com o aluno H começou em 2011, quando entrei no colégio para

cobrir uma licença maternidade. Deparei com uma criança que, de primeiro momento, achei

diferente; como não era meu aluno, fui perguntar a sua professora sobre ele.

A professora me disse que não havia nenhum laudo, e não havia informação da escola

e nem dos pais sobre alguma condição especial desse aluno.

Mas aquele menino me intrigava, na hora do lanche estava sempre sozinho, andava de

cabeça baixa, revelava dificuldade na fala e só respondia o que lhe perguntavam.

“Mary e Max – Uma amizade Diferente”, este último, com maior abrangência de público, consiste em uma

animação que mostra os problemas dos “aspies”, como são chamados, onde na ficção, Mary, de 8 anos, uma

menina gordinha e solitária, que mora na Austrália, torna-se amiga de Max, um homem de 44 anos, que tem SA

e vive em Nova York.

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Descobri que minha aluna era irmã de H e no dia da reunião dos pais da minha turma,

conheci a mãe de H. Após conversar com ela sobre minha aluna, aproveitei a oportunidade

para saber sobre H.

Ela me disse que ele tinha SA e que já o havia levado ao psicólogo e que estava em

tratamento terapêutico com a fonoaudióloga. Perguntei se ela havia comunicado a escola

sobre a síndrome. Então ela alegou que precisava ir ao psicólogo para ter o laudo e que

sempre se esquecia de ir atrás, por isso nunca tinha falado com a escola a respeito.

Naquele momento, fiquei pensando em como seria importante essa informação para a

professora e para a escola, e o que seria esta síndrome. Não me lembrava, como

psicopedagoga, de ter lido ou ouvido os professores mencionarem algo a respeito. Então

anotei o nome para não me esquecer, logo que cheguei a casa fui pesquisar na internet sobre a

síndrome. Não encontrei muita coisa, apenas que se tratava de um grau do autismo.

Falei com a professora e com a coordenadora da escola sobre o que a mãe havia me

falado, bem como dos subsídios que coletei sobre SA e a professora mostrou interesse, mas a

coordenadora disse que havia a necessidade de um laudo para que a escola pudesse fazer algo.

Ao longo do ano letivo, fui construindo saberes, pesquisando, procurando autores,

assistindo a filmes sobre o tema e entrando em contato com associações.

Para minha alegria, no ano seguinte, quando fui lecionar para a turma do 3º ano, o

aluno H estava na minha sala de aula, fiquei muito empolgada, porque assim poderia me

aproximar mais dele e conquistá-lo para que pudesse avançar nos estudos dentro de suas

potencialidades.

Ele tinha muita dificuldade nas matérias, principalmente em Matemática, não

entregava os trabalhos no prazo estabelecido.

Percebi que era necessário um apoio dos pais. Conversei com eles em uma reunião

sobre as dificuldades de H, manifestando que precisava da ajuda deles para que esse aluno

entregasse as atividades que deveriam ser feitas em casa.

Quando falei a respeito de H ter a SA, o pai me disse que a psicóloga que diagnosticou

H tinha uma escola para crianças autistas e por isso deu esse diagnóstico para que os pais o

transferissem para a escola dela. Então a mãe, em particular, me confirmou que H tinha SA,

mas o pai não queria aceitar.

Minha prioridade era que ele aprendesse a brincar, a interagir com os colegas e

também que compreendesse as regras sociais e a rotina da sala e da escola. Minha

aprendizagem foi acontecendo concomitantemente ao trabalho desenvolvido com o aluno. A

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cada dificuldade com que me defrontava, iniciava um processo de reflexão e buscava uma

solução.

A primeira questão sobre a qual me debrucei foi a dificuldade motora que H

apresentava: traços muito leves, traçado sem intenção, desenho ainda rudimentar. Diante

disso, procurei os melhores encaminhamentos metodológicos e iniciei um trabalho de

estimulação motora constante e diário: modelagem com massinha ou argila, punção, alinhavo,

recorte com dedos, com tesoura, colagem, pintura utilizando diferentes materiais. Além disso,

procurando proporcionar situações para o desenvolvimento do desenho, muitas atividades

foram propostas visando à estruturação do esquema corporal e sua representação gráfica:

jogos e montagem com as figuras, dentre outras.

Com os dias, fui percebendo que as crianças comentavam que H era esquisito, pois

não falava com ninguém e se irritava quando a sala estava fazendo muito barulho.

Então uma vez por semana, eu procurava dar uma atividade em dupla ou em grupo, a

cada semana, colocando H com um colega ou grupo diferente para que tivesse a oportunidade

de se socializar com todos e para que todas as crianças também pudessem conhecê-lo melhor.

Em uma ocasião, a escola estava fazendo uma gincana nas salas. Nós, professores,

deveríamos formar grupos e cada grupo deveria estudar um tema, estipulado pela

coordenação.

Recordo-me de que no dia da gincana, todos estavam eufóricos, menos H que estava

sentado com seu grupo, mas não representava nenhuma emoção.

A coordenadora sorteava o nome da criança para responder pelo grupo, a cada acerto

as crianças vibravam; quando ela sorteou o nome de H, fiquei tensa, porque não queria que

ele errasse e o grupo o criticasse.

A coordenadora tinha duas perguntas na mão; uma delas era uma pergunta de inglês;

como já sabia que H gostava muito de inglês e se saía muito bem nessa matéria, então

sutilmente sugeri-lhe que fizesse a pergunta de inglês.

Quando a coordenadora fez a pergunta, ele respondeu corretamente, o grupo ficou

feliz e H também; percebi no seu olhar que estava feliz e naquele momento houve uma

interação com os outros que até então não tinha acontecido.

A partir desse episódio, percebi que a interação era de extrema importância para seu

aprendizado, haja vista que as pessoas com SA apresentam muitas dificuldades em interagir

socialmente. Demonstram pouco jeito para começar e até mesmo manter uma conversa, tendo

assim dificuldade na comunicação. Elas falam para as pessoas, mas não com elas.

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Frequentemente, desejam fazer parte do mundo social, no entanto, não sabem como se

integrar (ATTWOOD, 2007).

Ao observá-lo na hora do intervalo, notei que geralmente levava um tablete de

chocolate ou um pacote de bolacha recheada e sentava em seu canto e comia.

Então me aproximei dele e perguntei se iria comer todo aquele chocolate e até brinquei

dizendo que iria ter dor de barriga; ele respondeu que sim e continuou comendo. Sugeri-lhe

que dividisse com algum colega; nesse momento ele me olhou sem falar nada, falei

novamente para que ele escolhesse com quem ele gostaria de dividir o chocolate.

Nesse momento, ele citou o nome de dois colegas; então disse para que ele fosse

oferecer , quando ele o fez, os dois colegas gostaram muito e dividiram seus lanches com ele,

convidando-o para lancharem juntos; ele me olhou e eu disse: “Vá com eles.” Foi muito bom

ver H interagir com as crianças.

Um das características do indivíduo com SA é a falta de contato visual, procurei me

socializar com H, fazendo com que me olhasse nos olhos, sempre que eu falava com ele,

dizia-lhe: “Olhe-me nos meus olhos.” Após conseguir estabelecer um vínculo com ele, foi

muito gratificante receber aquele olhar. A partir desse momento, negociamos regras, que é

muito importante para as pessoas com esse distúrbio, permitindo no início que ele fizesse as

atividades ao seu tempo.

Sempre que tinha alguma atividade em que ele sentia dificuldade, explicava

novamente de outra forma até que ele entendesse, respeitando seu tempo e seus limites.

H tinha dificuldade na fala; quando tentava conversar com os colegas e eles não

entendiam, nosso aluno ficava nervoso e não queria falar mais.

As atividades de leituras em voz alta na sala de aula ajudaram H a se expressar melhor

com os colegas e fizeram com que as crianças se habituassem à maneira de ele falar.

Depois de um tempo, os pais me contrataram para atendê-lo em sua residência como

psicopedagoga.

Assim fui me aproximando mais de H, conhecendo sua família, seu dia a dia... Sua

mãe me disse que quando ele era bebê não se aconchegava no seu colo, não trocava olhares na

hora de mamar. Não se interessava por brincadeiras, barulhos muito altos o incomodavam,

não interagia com as irmãs, demorou a falar e não gostava de dividir o que estava comendo

com os outros. Então contei para a mãe sobre o episódio da hora do lanche, quando ele

dividiu seu chocolate; ela ficou muito feliz.

No decorrer do ano, trabalhamos com projetos em que H participou e interagiu com os

colegas em uma apresentação em que estava fantasiado cantando e dançando com todos.

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Nos atendimentos em sua residência, procurava estimulá-lo com jogos, às vezes ele

tinha que jogar sozinho, às vezes comigo.

Conversávamos sobre suas preferências de comida, roupas, filmes e outros. Sempre

estimulando a expor seus sentimentos e manter o contato visual.

Sua mudança foi evidente; os professores do colégio comentaram sobre seu

comportamento. H passou a cumprimentar os professores, até sua expressão facial mudou.

A irmã de H iria fazer sua festa de aniversário dentro de um ônibus com muita música

e muitas crianças. Perguntei à mãe de H se ele iria à festa, ela me disse que não sabia, pois ele

não gostava de música alta, pessoas falando. Então disse que deveria deixá-lo decidir. Para

minha surpresa, H foi à festa, gostou e curtiu com as crianças.

No final do ano letivo, suas notas não foram tão boas, mas o mais importante era

conseguir que H interagisse com outros, deixando de ficar tão só. E para mim, foi a felicidade

de conseguir olhar em seus olhos e receber de volta um olhar que agora não parecia mais tão

vazio.

Ensinar uma criança com SA a fazer perguntas e declarações é o primeiro passo para

que elas desenvolvam suas habilidades para iniciar e manter uma conversa, além de trocar de

temas durante uma mesma conversa e até resgatar o interesse da outra pessoa durante a

mesma conversa.

Estas são consideradas habilidades avançadas de conversação e podem ser exercitadas

por pais, familiares, amigos, professores (SILVA, 2012).

O primeiro passo é ensinar à criança que uma conversa é marcada pela ida e volta de

falas: ao perguntar ou declarar algo, portanto, ela deve entender que haverá uma resposta

verbal da outra pessoa, mesmo que seja para dizer “Não sei”.

Da mesma forma, é preciso mostrar-lhe que as outras pessoas esperam respostas

verbais durante uma conversa. Isso pode ser ensinado por meio de exercícios práticos,

desenhos ou objetos, como fantoches ou bonecos.

É importante também explicar à criança o valor das conversas para o desenvolvimento

das relações afetivas e sociais. E, acima de tudo, a criança com SA deve ter oportunidade de

praticar a conversação com o maior número de pessoas para que entre em contato com

opiniões e reações diferentes. Os comportamentos agressivos ou relutantes que algumas

crianças apresentam diante de pessoas novas podem ser amenizados com a prática social.

Uma conversa é feita também de sinais não verbais, e isso também deve ser ensinado à

criança. Mostrar-lhe que muitas pessoas costumam ficar inquietas ou olhar ao redor quando

não estão interessadas em uma conversa é uma boa maneira de treinar o resgate da conversa.

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Pode-se, por exemplo, ensinar-lhe que, nessas situações, é possível fazer uma pergunta

para que a pessoa volte sua atenção à conversa.

Tendo isso em vista, a seguir são elencadas as estratégias educacionais que, ao serem

executadas por mim no decorrer da experiência relatada, possibilitaram o desenvolvimento e a

inclusão processual do aluno com SA:

Ter um olhar inclusivo, estar atento às diferenças e não deixar a criança de lado, mas

procurar conhecer aquela criança “diferente”, saber mais sobre ela.

As rotinas na sala de aula devem ser mantidas tão consistentes, estruturadas e

previsíveis quanto possível. As crianças com SA não gostam de surpresas, devendo

assim ser preparadas previamente para as mudanças e transições, inclusive aquelas

relacionadas com paragens na sua agenda, dias de férias, entre outras.

As regras devem ser aplicadas cuidadosamente, pois muitas destas crianças são

extremamente rígidas no que toca ao seguimento de regras. É útil expressar as regras e

linhas mestras claramente, de preferência por escrito, embora devam ser aplicadas com

alguma flexibilidade.

Os docentes devem tirar toda a vantagem das áreas de especial interesse quando

lecionadas. A criança aprenderá melhor, quando as suas áreas de interesse estiverem

programadas no seu currículo. Os professores podem também conectar criativamente

as áreas de interesse como recompensa para a criança por completar com sucesso

outras tarefas, como, por exemplo, no que toca a aderir a novas regras e

comportamentos.

Muitas crianças respondem bem a estímulos visuais, tais como esquemas, mapas,

listas, figuras etc.

Procurar ensinar baseando-se no concreto. Evitar linguagem que possa ser interpretada

erroneamente por crianças com SA, como sarcasmo, ironias, linguagem figurada e

confusa etc. Ao dar uma orientação ou fazer uma pergunta de duplo sentido, o

professor pode ser mal interpretado. Nesse tocante, vale o esforço de dizer tudo de

maneira clara e simples, observando o valor denotativo das palavras e não o

conotativo (linguagem figurada, cifrada).

Procurar interromper e simplificar conceitos de linguagem mais abstratos.

É importante que o professor explique as características da criança com SA e sempre

elogie os colegas, quando estes as tratam com respeito, sendo assim, evita-se o

isolamento da criança.

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Ensino didático e explícito das estratégias pode ser muito útil para ajudar a criança a

ganhar mestria em “funções executivas” como organização e habilidades de estudo.

Para um aprendizado eficaz, é importante dizer palavras de elogios e incentivos

quando a criança conseguia realizar avanços, mesmo que pequenos. Sem críticas ou

expressões de reprovação, a criança pode associar o aprendizado com algo prazeroso e

positivo, e nunca com algo aversivo.

Vivenciar situações em que as crianças com SA apresentem suas habilidades

cognitivas em pequenos grupos, e possam ser vistas pelos colegas como talentosas,

favorecendo assim uma maior probabilidade de serem aceitas.

A criança com SA apresenta tendência para se retrair, portanto o professor precisa

criar situações de envolvimento com os outros, favorecendo a socialização e evitando

assim que ela passe todo o tempo solitário nos seus interesses obsessivos por

determinados assuntos.

Evitar medir forças. Estas crianças frequentemente não entendem demonstrações

rígidas; tornam-se um pouco teimosas no caso de estarem sendo forçadas. O seu

comportamento pode ficar rapidamente fora de controle, e nesse ponto, geralmente, é

melhor interromper a atividade e deixar a criança acalmar-se. É sempre preferível, se

possível, antecipar este tipo de situação e tomar ações preventivas, evitando assim o

confronto ao adotar atitudes de serenidade, negociação, apresentação de escolhas ou

dispersão de atenção.

Quando uma criança com SA, mesmo sem intenção, insulta, magoa, deve ser-lhe

explicado que esse comportamento é inapropriado e qual deveria ser o jeito correto de

agir, pois a crianças com SA não têm noção do que são as emoções dos outros.

Os estilos de aprendizagem são especialmente importantes para o processo da

avaliação, porque são essenciais para liberar o potencial de aprendizagem. Nesse

sentido, é preciso que o (a) docente compreenda como seu estudante com SA processa

a informação e quais são as melhores estratégias de ensino de acordo com a

singularidade de seus pontos fortes, interesses e habilidades em potencial. Isso permite

abrir a porta para várias oportunidades pedagógicas.

Soma-se a essas estratégias, ter

muita criatividade para adaptar materiais e inserir as letras na vida delas [crianças

com SA, de forma atraente e estimulante]. A utilização de computadores e tablets

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como plataforma de motivação e ensino têm apresentado bons resultados, pois os

recursos de cores, sons e jogos auxiliam o foco dessas crianças. Devido à facilidade

de abstração, a escolha de materiais concretos e visuais torna a alfabetização mais

efetiva (SILVA, 2012, p. 125).

Em síntese, o que foi verificado no decorrer da experiência é que um olhar atento

percebe que tais estratégias pedagógicas são aplicáveis e possuem eficácia didática em alunos

com SA ou não (sejam eles da educação especial e/ou alunos regulares). Nesse sentido, ficou

evidente que a principal ação para a melhoria constante da educação em nível fundamental I é

ter maior consideração das singularidades dos estudantes e mais treinamento dos profissionais

para ajudá-los a entenderem os estilos de aprendizagem dos seus alunos com necessidades

educacionais especiais.

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Considerações finais

A bibliografia consultada, associada à experiência relatada, evidencia a necessidade de

conscientização dos profissionais da educação, baseada na solidariedade humana e no

oferecimento de uma formação sólida, no respeito e no comprometimento do Estado, e das

escolas em geral, no sentido da inclusão das pessoas com deficiência, de modo que sempre

sejam atendidas na medida de suas necessidades especiais, pois somente assim, no

atendimento das diversidades, é que se encontra a democracia que todos esperam.

A inclusão teria maior sucesso se as escolas regulares se adaptassem de modo a

conseguir integração social das crianças com deficiência. Existem muitas crianças

frequentando escolas específicas para alunos com necessidades educacionais especiais, cujo

ensino tem sido alvo de críticas, porque, nesses espaços, não se promove o convívio com as

demais crianças que não possuem necessidades especiais.

Uma transformação pedagógica do sistema regular de ensino permitirá atender ao

alunado de forma inclusiva, haja vista que, segundo Silva (2012), a vida escolar é especial e

todos têm o direito de vivenciar essa experiência. Afinal é na instituição de ensino que se

aprende a conviver em grupo, a se socializar, trabalhar em equipe e conviver com as

diferenças. Acresce-se a isso que dentro da sala de aula há situações psíquicas significativas,

nas quais os professores podem atuar tanto beneficamente, quanto consciente ou

inconscientemente, agravando condições emocionais problemáticas dos alunos (ORRÚ,

2011).

Para tornar-se uma escola inclusiva, é preciso formar os professores e equipe de

gestão, bem como rever as formas de interação vigentes entre todos os segmentos que a

compõem e que nela interferem. Isso implica, portanto, em avaliar e rever a estrutura da

escola, sua organização, projeto político-pedagógico, recursos didáticos, práticas avaliativas,

metodologias e estratégias de ensino, de modo que se adaptem às necessidades dos alunos a

serem incluídos.

Tendo em vista que as crianças com SA não compreendem como se estabelecem as

relações de amizade, algumas não têm amigos, enquanto outras pensam que todos em sua sala

de aula são seus amigos. Significa dizer que os alunos podem trazer consigo um conjunto de

situações emocionais intrínsecas ou extrínsecas, ou seja, podem trazer para a escola alguns

problemas de sua própria constituição emocional (ou personalidade) e, extrinsecamente,

podem apresentar as consequências emocionais de suas vivências sociais e familiares.

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Reiterando que os perfis irregulares das habilidades e dos déficits são características

bem documentadas nos alunos com Asperger, esse aluno pode ter a habilidade extraordinária

de estabelecer relações espaciais ou de entender conceitos numéricos, mas ser incapaz de usar

estes pontos fortes, por causa das limitações organizacionais e de comunicação (GOODMAN,

1987). Nesse sentido, são necessários professores com habilidade e com experiência em

ensinar na presença destes pontos fortes e fracos tão singulares.

Ensinar alunos com esta ampla gama de habilidades requer avaliações completas de

todos os aspectos de seu funcionamento. Isto não pode restringir-se às habilidades

acadêmicas, mas deve também incluir os estilos de aprendizagem, distratibilidade,

funcionamento em situações de grupo, em habilidades independentes, e em tudo mais que

possa ter impacto sobre a situação de aprendizagem (AMA, s/d).

No entanto, o que se aplica à criança com SA ou a crianças com outra deficiência

também impacta na educação das demais crianças, a saber, a falta de um planejamento

consciente e de formação adequada do professor, que efetive a comunicação na escola e

ofereça instrumental teórico, pedagógico e didático aos docentes e, certamente, a regra de

ouro para a garantia da qualidade educacional.

Espera-se que este estudo seja propulsor de muitas outras pesquisas sobre o tema SA e

sobre outros distúrbios que precisam ser conhecidos pelos professores e que deveriam ser

tratados em disciplina específica da grade curricular dos cursos de formação do docente, a fim

de que estejam melhor equipados para fazer frente à demanda de alunos com necessidades

educacionais especiais, conformando-se à filosofia de inclusão presente nas diretrizes

educacionais.

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