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“Sensing Spaces: Architecture Reimagined” A Exposição de Arquitetura em 2014 Amanda Saba Ruggiero

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“Sensing Spaces: Architecture Reimagined”

A Exposição de Arquitetura em 2014

Amanda Saba Ruggiero

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Ana Neiva

2

“Sensing Spaces: Architecture Reimagined”

A Exposição de Arquitetura em 2014

Ana Neiva

Arquitecta, pela Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto, em 2007, é actualmente

assistente convidada da UC de História da Arq. Antiga e Medieval, na mesma instituição. Desenvolve

investigação de Doutoramento intitulada “Curadoria de Arquitetura Contemporânea. Portugal fora (e

dentro) de Portugal”, na FAUP. Em paralelo, tem desenvolvido, individualmente e em colaboração,

atividade pratica profissional. É jurada do Concurso “Madrid Digital Arts Museum Competition”.

Resumo

Na senda do repto lançado pelo IV Seminário Internacional de Museografia e Arquitetura de

Museus, pela celebração do centenário de nascimento de Lina Bo Bardi e Lygia Martins Costa,

propomos um pequeno contributo à discussão da experimentação museográfica contemporânea

realizada especialmente no âmbito da Exposição de Arquitetura.

Partindo de duas exposições produzidas e desenhadas por Lina Bo Bardi para o SESC

Pompeia – “Mil brinquedos para a criança brasileira” (1982/83) e “Entreato para crianças” de 1985 –

procuraremos refletir sobre a recente exposição “Sensing Spaces: Architecture Reimagined”, patente

na Royal Academy of Arts, em Londres, entre 25 de Janeiro e 06 de Abril de 2014.

A valorização da experiência espacial e o caráter lúdico e interativo que estas exposições

encerram é o paralelismo primeiro e mais evidente entre os dois trabalhos de Lina e a exposição que

nos propomos escalpelizar. Utilizaremos estes último caso para refletir sobre a relação entre a

arquitetura como conteúdo, e a arquitetura do contentor: binómio que não é estranho à condição de

Lina nas intervenções referidas. Simultaneamente discutir-se-á a dimensão cultural, em particular

evidência nesta última exposição, procurando avaliar os diferentes entendimentos – propostas /

recepção crítica – dos trabalhos apresentadas, relacionando Cultura e Exposições, conexão

incontornável na análise que construímos.

In the sequence of the change presented by the VI Museology and Museum Architecture

International Seminar, celebrating the centenary of the birth of Lina Bo Bardi and Lygia Martins Costa,

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we propose a humble contribution to the discussion of experimentation on modern museology

held with special focus on architecture exhibition.

Abstract

Starting from the two exhibitions produced by Lina Bo Bardi for SESC Pompeia – “Mil

brinquedos para a criança brasileira” (1982/83) and “Entreato para crianças” in 1985 – as base

points, we will study the recent exhibition “Sensing Spaces: Architecture Reimagined”, held in the

Royal Academy of Arts in London, from the 25th of January to Abril 6th, 2014.

The value of spatial experience and its interactiveness, as well as ludic aspect of these

exhibitions is the most evident and primer parallel between the two Lina Bo Bardi’s works and the

exhibition we propose to scalp.

We will approach these last cases to reflect about the relation between architecture as content

and architecture as container: this binomial isn’t a strange concept in the mentioned interventions

from Bo Bardi. Simultaneously, we will discuss its cultural dimension, and by focusing on this last

exhibition, we will seek different perspectives/considerations – proposals/critic reception - of the

presented works, relating Culture and Exhibitions, which is a unavoidable relationship in our analysis.

Metodologia

Tomando como central o catálogo da exposição “Sensing Spaces: Architecture Reimagined”

onde encontramos o texto introdutório de Kate Goodwin – Curator’s Preface –, e uma série muito

interessante de entrevistas conduzidas pela curadora aos arquitetos participantes, será possível

estabelecer relações de proximidade e confronto entre as posições dos sete intervenientes sobre o

modo como se expõe arquitetura, a pertinência deste tipo de instalações espaciais, a relação da

experiência sensorial com a produção de espaços, etc., trazendo alguma luz a este já longo debate.

É neste contexto, controverso, de personagens e posicionamentos divergentes, onde se

jogam e se discutem “soluções alternativas para os mesmos problemas”1, que procuraremos pesar

as razões envolvidas, numa ambiciosa tentativa de formular uma síntese2 e trazer alguma luz a esta

discussão. Partimos das considerações de Paulo Tunhas, na leitura de Fernando Gil, sobre o

1 GIL. Fernando, “Mimésis e negação”, Lisboa: IN/CM, 1984, p.462 apud TUNHAS, Paulo, “Fernando Gil e a

controvérsia”. Revista Portuguesa de História do Livro e da Edição – Ano X, nº19, 2006, p.288.

2 Idem, p.307.

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problema da controvérsia, na legitimação do “seu contributo – não contingente, mas estrutural – para

a construção do conhecimento”3.

Deste modo, identificámos como matéria de análise, além do catálogo já referido, os

conteúdos veiculados na imprensa escrita e digital, dentro e fora de portas, que escalpelizaremos do

seguinte modo: as notícias produzidas pelo jornalismo associado a publicações generalistas, os

artigos de opinião e/ou crítica contidos nas publicações generalistas já apontadas e os textos críticos

disciplinares disponíveis em publicações especializadas. A natureza (nacionalidade, formação ou

atividade profissional) dos seus autores – arquitetos, curadores e críticos de arte –, possibilitará

desdobrar os vários enfoques sobre o problema, particularmente neste caso em que se identifica

uma expressiva diferenciação cultural dos agentes envolvidos.

“Sensing Spaces” and How to Reimagine Architecture

Produzida pela curadora Kate Goodwin, a exposição “Sensing Spaces: Architecture

Reimagined”, reúne um conjunto de sete arquitetos do circuito internacional alargado, que embora

não sejam representação exaustiva de todos os continentes, aportam consideráveis diferenças

culturais que reforçam a diversidade das propostas apresentadas. Do Oriente Asiático chegam

Kengo Kuma (Japão) e Li Xiadong (China) e da América do Sul os chilenos Pezo von

Ellrichshausem. De África, mais concretamente do Burkina Faso, Diébédo Francis Kéré; ficando a

Europa representada por quatro arquitetos: da Irlanda, a dupla Grafton Architects e de Portugal, os

Pritzkers, Álvaro Siza Vieira e Eduardo Souto de Moura.

A intenção da exposição é clara, tal como é postulado por Christophe Le Brun, presidente do

Royal Academy of Arts, no texto que abre o catálogo: “redefinir o que é que uma exposição de

arquitetura pode ser (...) oferecendo aos visitantes a oportunidade de se envolverem diretamente

com a arquitetura, experienciando-a através dos seus corpos e sentidos”4 .

Este ponto de partida é reforçado no Prefácio da curadora Kate Goodwin onde se

acentua o propósito de questionar a capacidade que uma exposição de arquitetura poderá ter

no realce das “sensações de se habitar um espaço construído”5, indo além da consideração da

componente puramente visual e da resolução das questões funcionais, elementos dominantes

na disciplina. Além deste envolvimento com os visitantes, Goodwin espera que esta exposição

3 “A primacial justificação da controvérsia reside no seu contributo – não contingente, mas estrutural – para a construção

do conhecimento”. Idem, p.295

4 LE BRUN, Christophe “President’s Foreword”, in “Sensing Spaces”, catálogo da exposição, GOODWIN, Kate (curator),

London: Royal Academy of Arts, 2014, p.33.

5 GOODWIN, Kate “Curator’s Preface”, Ibidem, p. 35-37.

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possa, “permitir-nos encontrar mais prazer nos espaços que habitamos” e quiçá “aumentar a

nossa consciência do domínio sensorial da arquitetura e, assim, incentivar a criação de

ambientes construídos mais gratificantes”6.

Daqui se depreende uma vontade de alcançar um público alargado, através da valorização da

experiência e, simultaneamente, contribuir para a discussão e problematização intradisciplinar.

Fleur Watson, no seu artigo “Beyond Art, The Challenge of Exhibiting Architecture”7,

estabelece três estratégias curatoriais que permitem resumir as principais tendências

verificadas nas práticas expositivas em arquitetura: ”Record, Research, Reflect”. Não estamos,

evidentemente, na presença de um exemplo que proponha Registar (Record) um determinado

percurso autoral (individual ou coletivo), ou fixar uma determinada realidade específica, com o

objetivo de construir história.

Assinalamos, pelo contrário, uma vontade de construir conhecimento, futuro, numa atitude

Investigativa (Research), e que parte precisamente do testar de ambientes físicos, construídos, a

partir da produção de instalações. Aqui, a discussão disciplinar faz-se à ilharga de questões

económicas, sociais ou políticas, debruçando-se particularmente sobre o “valor cultural [da

arquitetura] e a capacidade [desta] oferecer a possibilidade de uma experiência transcendental”8.

Esta experimentação não pode deixar de ser considerada Reflexiva (Reflect) já que convoca

um conjunto de arquitetos em torno de um mesmo tema o que, de certo modo, é também o

propulsor deste ensaio pela possibilidade de avaliar as contaminações, paralelismos e confrontos

das várias respostas.

Sensing Spaces é, independentemente das repostas que viriam a dadas, um momento

relevante na história das exposições de arquitetura, pela proposição que lhe está na origem. De

facto, e apesar de se poder considerar já um século de exposições de Arquitetura tem-se assistdo a

uma lenta evolução, particularmente em comparação com o campo da Arte.

A passagem do caráter estrito de contentor para uma posição de conteúdo é um território em

permanente exploração que questiona continuamente o problema da representação versus a

necessidade sine qua non da experiência, em Arquitetura. Esta exposição, em 2014, não sendo

absolutamente vanguardista no formato instalação é pioneira em alguns aspetos relevantes.

6 Idem, Ibidem.

7 WATSON. Fleur, “Beyond Art, The Challenge of Exhibiting Architecture”, disponível em www.dhub.org/beyond-art-the-

challenge-of-exhibiting-architecture/#fn1204688419346, consultado a 01 de Julho de 2014.

8 LE BRUN, Christophe, Ibidem.

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Voltemos um pouco atrás, recuperando outros antecedentes deste tipo de discurso: em 1997,

Daniel Libeskind instala a sua exposição monográfica “Beyond the Wall 26.36º” nas galerias do NAi –

Netherlands Architecture Institute [Figura.1].

Figura.1 – “Beyond the Wall 26,36º”, Daniel Libeskind

(http://static.nai.nl/libeskind/, consultado a 06 de Agosto de 14)

A partir de um labirinto que ocupa e altera dramaticamente o hall de entrada do museu, os

visitantes são encaminhados em direção às peças expostas ao longo das novas e reconfiguradas,

paredes metálicos. A grande diferença passa, aqui, pela redefinição da envolvente em que os

ortodoxos instrumentos de representação da arquitetura – desenhos, maquetas, processo... – são

apresentados9. As paredes brancas e não neutras do museu, são substituídas pela própria

concepção espacial do autor o que alterará a legibilidade dos objetos expostos, contextualizando-os

e, acreditamos nós, gerando um superior nível de atenção da experiência expositiva.

O processo experimental associado a estas intervenções está igualmente presente em

exemplos como os pavilhões temporários, presença constante em exposições internacionais de

âmbito temático alargado, ou em ações mais específicas como The Serpentine Pavilion , em

Londres, desde 2000, que patenteia o exemplo mais relevante deste formato.

De facto, neste caso a experiência espacial continua a ser o principal, senão exclusivo,

impulso. A exploração laboratorial de aspetos espaciais, formais ou concetuais é fomentada a partir

do convite realizado por reconhecidos curadores a arquitetos “mundialmente aclamados, que

continuamente pressionam os limites da prática arquitetónica e que ainda não tiveram oportunidade

de construir um edifício em Inglaterra”10.

9

“Wandering through the corridors and paths of this labyrinth the visitor will come across models and drawings, which with

the exhibition design itself will give an insight into the way of thinking and working of one of the major architects of the

present international avantgarde” in http://static.nai.nl/libeskind/, consultado a 01 de Julho de 2014.

10 “architects worldwide acclaim, who continue to press the boundaries of architectural practice and have not completed a

building in England at the time of the Gallery’s invitation, http://www.e-flux.com/client/serpentine_gallery/, consultado a

01 de Julho de 2014.

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O caráter experimental e investigativo da proposta da Royal Academy encontra-se aqui

igualmente presente, porém com diferenças que podem ser relevantes. Por um lado, o contexto em

que tem lugar – o Hide Park na proximidade à centenária Serpentine Gallery – muito diferente do

isolamento das galerias de um museu, por outro, a simultaneidade que uma mostra coletiva garante,

permite uma discussão tendencialmente mais densa e reflexiva, que uma sequência anual como a

que a Serpentine oferece.

And the nominees are...

A exposição coletiva de Goodwin convoca sete arquitetos de proveniências distintas,

definindo uma matriz que coloca o core da exposição a partir da interação de tês fatores: “a natureza

física dos espaços, a nossa percepção sobre eles e a sua capacidade evocativa”11. Os seus

diferentes entendimentos “sobre o modo como a arquitetura pode ir além das preocupações práticas

e funcionais, alcançando o espírito humano”12, são explorados a partir das questões levantadas entre

“os limites entre Arte e Arquitetura, [e] as qualidades humanas do espaço”13 e postos em relação.

Deste modo, surgem instalações que se alinham entre propostas objetuais – de filiação

escultórica -, evocativas e mais simbólicas, e outras que partem do exacerbar de determinados

efeitos espaciais ou de releituras do espaço onde se inserem, testando continuamente a interação

entre o construído e os visitantes.

A partir do hall octogonal da Burlington House, e sem uma sequência de espaços pré-

determinada, os visitantes experienciam as diferentes instalações que lhes colocam desafios

profundamente variados. A ligação ao espaço da galeria é evidente em todas as propostas. Os

projetos são pensados in-situ na relação com as preocupações dominantes no modo de pensar

destes arquitetos.

Kengo Kuma e Li Xiaodong procuram destacar o lado sensitivo, de tradição cultural oriental,

onde o olfato e o tacto são trazidos a uma consciência experiencial maior. Reduzindo a luminosidade

ao mínimo, encaminhando os visitantes entre duas salas de aromas libertados por uma leve estrutura

de bambu, Kuma [Figura 2] procura mostrar “que a arquitetura não é apenas sobre experiência física

11

GOODWIN, Kate, Ibidem.

12 Idem, Ibidem.

13 “their work raises intriguing questions about the boundaries between art and architecture, the human qualities of space”,

traduzido livremente de LE BRUN, Christophe “President’s Foreword”, in “Sensing Spaces”, catálogo da exposição,

GOODWIN, Kate (curator), London: Royal Academy of Arts, 2014, p.33.

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e efeitos visuais, colocando os outros sentidos em segundo plano” 14, e entende esta exposição como

“uma oportunidade para gerar novas tendências de projeto que façam a arquitetura entrar num modo

mais sensual”15. Do mesmo modo Xiaodong [Figura 3] coloca o ênfase no modo como ativamos a

consciência da experiência corporal, tornando os sentidos alerta.

Figura 2 – Instalação de Kengo Kuma (http://www.metalocus.es/content/en/system/files/file-images/metalocus_Kengo-

Kuma1_09_1024.jpg, consultado a 06.08.2014)

Figura. 3 – Instalação de Li Xiadong (http://happyfamousartists.com/wordpress/wp-content/uploads/2014/01/Sensing-

Spaces.jpg, consultado a 06.08.2014)

14

“... we should be able to show that architecture is no longer just about physical presence and visual effects with other

senses as secondary elements. Exhibitions can provide opportunities to hint at the new tide for design and i predict that

architecture will soon move into a more sensual mode” traduzido livremente de KUMA, Kengo, “Interview” in “Sensing

Spaces”, catálogo da exposição, GOODWIN, Kate (curator), London: Royal Academy of Arts, 2014, p.61-71.

15 “... we should be able to show that architecture is no longer just about physical presence and visual effects with other

senses as secondary elements. Exhibitions can provide opportunities to hint at the new tide for design and i predict that

architecture will soon move into a more sensual mode” traduzido livremente de KUMA, Kengo, “Interview” in “Sensing

Spaces”, catálogo da exposição, GOODWIN, Kate (curator), London: Royal Academy of Arts, 2014, p.61-71.

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Numa proposição contrastante encontramos a proposta dos Grafton Architects, [Figura 4] que

explora fundamentalmente a manipulação da luz e da sombra, procurando ativar “imaginação e

memória” e instalando mecanismos capazes de amplificar a variação natural da luz por oposição ao

segundo espaço onde a matéria e a gravidade são exploradas numa atitude de escavação

contrastantes com a suspensão dos leves painéis do primeiro espaço. Para a dupla de arquitetas

irlandesas, Sensing Spaces é uma chance de “descrever uma experiência espacial utilizando luz, em

vez de palavras”16.

Figura 4 – Instalação, em duas salas, de Grafton Architects (http://www.beonliest.com/magazine/wp-content/uploads/2014/ 03/ss68.jpg e http://d.ibtimes.co.uk/en/full/1358460/royal-academy.jpg, consultado a 06.08.2014)

Vinda do outro lado do atlântico, outra dupla coloca a sua intervenção ao fundo de uma das

maiores galerias do museu. Aqui o espaço é lido diferentemente e articula-se, numa mesma peça –

tal como definido pelos arquitetos. A ambiguidade de um objeto de grande escala, colocado

autonomamente no espaço, sem sugerir atravessamento, numa primeira leitura, fazem com que a

proposta dos arquitetos chilenos, Pezo von Ellrichshausem [Figura 5], possa ser vista como a mais

intrigante. As dualidades exploradas em muitas das salas da exposição, utilizando o contraste como

meio de colocar em evidência as diferenças, aqui são interpretadas em corte e implicam a

experimentação do objeto para que sejam compreendidas.

Através do interior dos quatro grandes pilares que suportam a plataforma quadrangular

superior, é possível subir-se ao nível superior do objeto e a partir daí ter uma visão completamente

diferente do espaço da galeria.

16

GRAFTON Architects, “Interview” in “Sensing Spaces”, catálogo da exposição, GOODWIN, Kate (curator), London:

Royal Academy of Arts, 2014, p. 79-89.

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As considerações sensoriais, em exploração noutras propostas, como o tacto ou o olfato,

são aqui traduzidas pela consciência corporal da subida, realizada num espaço confinado e

preenchido pelo intenso odor a madeira que constrói o objeto e que agudiza o suspense para o novo

ponto de vista que se terá no final do percurso.

Figura 5 – Instalação de Pezo von Ellrichshausem (http://image.digitalinsightresearch.in/uploads/imagelibrary/designcurial/SSPVE072.jpg, consultado a 06.08.2014)

O objeto “um statement em si mesmo, algo mais próximo da arte do que da ciência ou da

tecnologia”, na verdade, a sua proposta ambiciona “trazer gravidade como um facto arquitetónico”,

“produzir sensações de quietude e nostalgia”, na crença de que “um edifício é simultaneamente uma

construção física e intelectual”, através de uma gramática formal que não reconhece referências

diretas e que tem como último objetivo “uma ideia de intemporalidade” 17.

Outro manifesto resultante de uma preocupação simbólica maior, do que a mera

experienciação sinestésica, será a proposta participada de Diébédo Francis Kéré [fig.6], arquiteto

sediado em Berlim e natural do Burkina Faso onde desenvolve grande parte da sua prática

arquitetónica. Kéré valoriza o tacto enquanto sensor que se prende com um sentido de substância e

confiança e a Arquitetura enquanto espaço de encontro e partilha onde o primordial é o utilizador. “O

que é suposto acontecer neste espaço? Como posso responder às necessidades dos utilizadores?”18

são as questões que fundamentam as suas propostas arquitetónicas. No RA, propõe uma estrutura

que é simultaneamente uma alusão à arquitetura participada, completada através da interação dos

17

PEZO VON ELLRICHSAUSEN, “Interview” in “Sensing Spaces”, catálogo da exposição, GOODWIN, Kate (curator),

London: Royal Academy of Arts, 2014, p. 119-129.

18 KÉRÉ, Diébédo Francis “Interview” in “Sensing Spaces”, catálogo da exposição, GOODWIN, Kate (curator), London:

Royal Academy of Arts, 2014, p. 139-149.

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utilizadores, plus uma oportunidade para testar novos materiais. A referência cultural trazida pelo

material utilizado,– plástico –é outro dos dados surpreendentes desta proposta. Para um arquiteto

com uma paleta de materiais autóctones dos espaços onde atua, tendencialmente naturais, o shift

que a opção pelo plástico permite, gera um integração que vai além de uma proposta site-specific, na

forma, para propor uma interpretação profundamente simbólica.

Figura 6 – Instalação de Diébédo Francis Kéré

(http://www.notanottinghillmum.co.uk/wp-content/uploads/2014/02/IMG_2691.jpg, consultado a 06.08.2014)

Os arquitetos portugueses são entre todos, os mais objetuais, não representando por isso

um despreendimento do sítio em que intervêm. A partir de elementos fundamentais da construção –

vão e coluna - Álvaro Siza e Souto de Moura parecem, ironicamente, em linha com o proposto por

Koolhas na edição da Bienal de Arquitetura de Veneza deste ano. A capacidade de reinterpretação

do sítio, tão caraterística da nossa especificidade arquitetónica verifica-se aqui de um duplo modo.

Souto de Moura [Figura 7], replica dois dos vãos interiores do museu introduzindo uma nova

direccionalidade provocada pela rotação; evidencia a pré-existência ao duplica-la e atribui-lhe um

sentido contemporâneo ao questionar o material em que se constrói. Mais poético e interpretativo do

que à primeira vista pode parecer, num contexto em que a supresa e o inesperado na sucessão

espacial é tónica dominante, Soutro de Moura não define a sua instalação como Arquitetura, antes “é

um reflexo da arquitetura”19, cruzando Clássico e Moderno e colocando no futuro a compreensão das

motivações que o terão levado a esta proposta.

19

SOUTO DE MOURA, Eduardo, “Interview” in “Sensing Spaces”, catálogo da exposição, GOODWIN, Kate (curator),

London: Royal Academy of Arts, 2014, p. 159-177.

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A intervenção de Álvaro Siza [Figura 8] surge, como é afirmado por ambos nos textos do

catálogo da exposição, pelo diálogo com a proposta de Souto de Moura. Siza, que reforça a ideia de

que “fazer arquitetura significa começar com o que está no sitio” A coluna desconstruída que propõe,

em três momentos, no pátio de entrada da Burlington House, é o resultado de uma leitura espacial e

de uma intenção de introduzir uma surpresa. “A escala [do pátio] é mais doméstica do que

monumental, mas a fachada do edifício – com o seu pórtico e as suas colunas, mais brancas do que

o resto da pedra -, têm uma presença muito forte. A minha primeira reação foi de quase pânico

quando pensei no que fazer. Então depois emergiu a ideia da coluna e imaginei que poderia fazer

uma instalação que evocasse o nascimento da coluna” 20. A cor com que as adjetiva terá surgido do

amarelo dos London BUS e a vontade de que os visitantes ativem a memória para procurar uma

relação entre ambas as propostas de Siza e Souto é uma intencionalidade expressa.

Figura. 7 – Instalação de Eduardo Souto de Moura

(http://farm8.staticflickr.com/7428/12072442564_da12df6ac4_z.jpg, consultado a 06.08.2014)

20

SIZA, Álvaro, “Interview” in “Sensing Spaces”, catálogo da exposição, GOODWIN, Kate (curator), London: Royal

Academy of Arts, 2014, p. 1731-183.

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Figura 8 – Instalação de Álvaro Siza Vieira

(http://static.dezeen.com/uploads/2014/01/Sensing-Spaces_dezeen_17.jpg, consultado a 06.08.2014)

And the winner is...

Avaliando as reviews e as reportagens dos principais periódicos e imprensa

especializada que dedicou alguns carateres a este evento, é possível medir o pulso à reação

do público e dos pares (entre críticos e arquitetos) aos projetos apresentados. A partir da

bibliografia enunciada foi permitido determinar alguns padrões, confrontos e a reunião de

consensos em torno de algumas propostas.

Salientamos antes de tudo uma grande discrepância de sentido crítico e do rigor da escrita

entre as reviews de jornais britânicos, quando comparados com o Semanário Sol ou o Jornal Público,

em Portugal, ou com o over critic das publicações francesas e espanholas.

Como seria espectável, os artigos nacionais votam especial atenção a Álvaro Siza e Souto

de Moura, com textos construídos em torno das entrevistas que ambos concederam a Kate Goodwin.

Não identificamos textos críticos em publicações especializadas, o que não deixa de ser um

dado relevante, e salientamos a omissão crítica relativamente ao conceito expositivo ou aos

restantes participantes, contida nos jornais que analisámos. Resumidamente, o Semanário Sol

lê a importância do país se fazer representar pelos seus dois Pritzkers, “o que torna a

exposição relevante para nós é que Portugal é o único país a ter dois representantes, que são

também os únicos arquitectos presentes vencedores de prémios Pritzker: Álvaro Siza Vieira e

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Eduardo Souto de Moura”21, enquanto que o Jornal Público, num artigo de Isabel Salema, se

limita a citar continuamente Souto de Moura.

As opiniões dos críticos do El Mundo, em Espanha, e do Le Mond, em França,

(curiosamente, afins no título) são, à semelhança do que já tinha acontecido a propósito da Trienal

de Lisboa “Close, Closer”, em 2013, as mais ácidas e demolidoras. Mantém um registo opinativo

mais evidente do que uma apreciação global e um caráter informativo, o que seria natural em

publicações desta natureza. Sobre Siza, Concha Rodríguez escreve: “Álvaro Siza, no pátio exterior

quase passa despercebido com três colunas amarelas”22. O homónimo jornal francês sintetiza as

intervenções “minimalistas e simbólicas” portuguesas com a seguinte frase, que expressamente

citaremos no original: “Signification du geste de Siza-Moura? Esotérique, pédante ou nulle”23.

A crítica gaulesa é alargada à própria asserção curatorial que, aliás, condena

duramente, apontando “a total rutura [da arquitetura] com noções de estilo, escola ou

tendência, [definindo] um jogo sem regra, sem objetivo e sem função”. Mais acrescenta:

“Doravante, só importa o jogo, feliz ou infeliz. Apenas se impõe o horizonte da escultura como

o maior denominador comum. O século XXI começa com um estrondo de puro formalismo. Será

necessário um desastre ou um renovado otimismo?”24.

Mais informadas e detalhados serão os textos da imprensa britânica, como The

Guardian, The Independent ou The Telegraph. Assinados por críticos de arte, colunistas

frequentes nestas publicações, estes textos refletem sobre as diferentes propostas

apresentadas e, antes disso, sobre a pergunta “Como expor Arquitetura?”. Para Ellis Woodman

(The Telegraph), “Sensing Spaces é a mais ambiciosa exposição de arquitetura que a RA

produziu até hoje, [e] oferece uma resposta ousada a essa pergunta”25, elegendo como as

melhores propostas, aquelas que se relacionam com o edifício. Para a crítica do The

Independent, “está exposição é sobre o poder da arquitetura moldar – inclusive ditar – as

21

MIGUEL, Telma “Experimentar a Arquitetura em Londres”, in Jornal Sol, edição de 05.03.2014.

22 RODRÍGUEZ, Concha “Escala 1:1”, in El Mundo, edição de 22.01.2014.

23 EDELMANN, Frédéric “L'architecture, un jeu sans enjeu”, in Le Monde, 14.02.2014, edição online, disponível em

http://www.lemonde.fr/culture/article/2014/02/14/l-architecture-un-jeu-sans-enjeu_4366345_3246.html, consultado a 01

de Julho de 2014.

24 Idem, Ibidem.

25 WOODMAN, Ellis, “Sensing Spaces: Architecture Reimagined, Royal Academy, review”, in The Telegraph, 21.01.2014,

edição digital disponível em

http://www.telegraph.co.uk/culture/art/architecture/10586976/Sensing-Spaces-Architecture-Reimagined-Royal-Academy-

review.html, consultado a 30 de Junho de 2014.

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“Sensing Spaces: Architecture Reimagined” - A Exposição de Arquitetura em 2014

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nossas emoções”26, e Rowan Moore (pelo The Guardian) va i mais longe e adjetiva de “heróico”

o projeto que coloca a experiência no centro das atenções: “é um memorando sobre as

propriedades fundamentais da arquitetura colocadas em evidência. Sensing spaces têm as

suas fragilidades e alguns momentos desajeitados, mas cumpre uma tarefa que é muito

importante que se cumpra”27.

Para estes três críticos – que, de um modo irónico, indicamos como representantes do

prémio do público – o óscar da categoria “Surpresa” vai para a dupla de arquitetos chilenos, como a

instalação melhor sucedida no aspeto lúdico, de efeito surpresa, levantando questões espaciais, de

escala e posicionamento no espaço, de relação com o contexto, “que confronta o visitante axialmente

mal se entra na galeria (...) transformando-se numa máquina de descobrir espaço”28.

No entanto o prémio da categoria “Poesia”, provavelmente o mais valorizdo, é atribuído à

sucessão espacial proposta por Grafton Architects – a poética luz/sombra, vazio / matéria –

conquista os periódicos britânicos: “Grafton installation is perhaps my favourite. It is a poetic feat”

(Zoe Pilger), “The best installation is the last one, by Yvonne Farrell and Shelley McNamara of Dublin

firm Grafton” (Rowan Moore).

Surpreendentemente quando analisados, em paralelo, os artigos de título

especializados como Architectural Record, Uncube Magazine ou The Architectural Review – o

prémio do Jurí da Academia –, desloca-se dos nomeados anteriores – criadores de

espacialidades fortes, em grande escala, e onde a surpresa da experiência é expressiva – para

a valorização dos aspetos simbólicos e evocativos.

Por outras palavras, Siza e Souto de Moura, incompreendidos pela imprensa generalista

internacional, são agora levados em braços: “Nada nesta exibição é tão maravilhoso quanto a

‘African rock carrying sequence’ nem não sábio quanto a observação codificada de Álvaro Siza (...) o

gesto expositivo de Siza: cujo amarelo não se voltará a encontrar no Norte da Europa, uma coluna

caída, um fuste, um capitel. Podem chamar-se como se quiser, mas ficarão gravados na mente”29. O

26

PILGER, Zoe “Sensing Spaces: Architecture Reimagined, review: 'A terrific show that leaves you at peace”, in The

Independent, 28.01.2014 (edição digital disponível em http://www.independent.co.uk/arts-

entertainment/art/reviews/sensing-spaces-architecture-reimagined-review-a-terrific-show-that-leaves-you-at-peace-

9090890.html, consultado a 01 de Julho de 2014)

27 MOORE, Rowan “Sensing Spaces: Architecture Reimagined – review“, in The Guardian, 26.01.2014, (edição digital,

disponível em http://www.theguardian.com/artanddesign/2014/jan/26/sensing-spaces-royal-academy-review, consultado

a 01 de Julho de 2014).

28 PILGER, Zoe, Ibidem.

29 “Nothing in this show is as wondrous as the African rock carrying sequence, and nothing so wise as Alvaro Siza’s

encapsulations of his welll ived observations (...) it was wonderful to walk back into Piccadilly past Siza’s expository

concrete gesture: a yellow whose equal you will never find in Northern Europe, a fallen column, a post, a lintel, a capital.

Call them what you will, but they will stay in your mind’s eye”, traduzido livremente de WENTWORTH, Richard “Sensing

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Ana Neiva

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particular entendimento de Siza nesta exposição – o único arquiteto com uma instalação fora do

museu –, “atingiu o maior objetivo desta exposição : trazer as qualidades experimentais da

arquitetura à superfície”30.

A premissa colocada por Goodwin, no texto de abertura do catálogo, que justifica a

eleição dos sete arquitetos convocados, pelo modo como “os seus edifícios se encontram

encontrados às paisagens – urbanas e naturais – onde se inserem e pelas relações que

estabelecem com as culturas e tradições que os envolvem”31, encontrou reflexo na construção

das suas propostas que, mais além da exacerbação sinestésica e experiencial, não deixaram o

seu entendimento sobre o mundo, a história e o passado numa proposição experimental de

presente e futuro da arquitetura e da sua comunicação.

Spaces at the Royal Academy”, in Architectural Review, 26.02.2014, (edição digital, disponível em

http://www.architectural-review.com/reviews/sensing-spaces-at-the-royal-academy/8659282.article, consultado a 01 de

Julho de 2014).

30 MORRIS, Ali “Exhibition Review: Sensing Spaces at London's Royal Academy of Arts”, in ArchRecord, 26.03.2014

(edição digital disponível em http://archrecord.construction.com/news/2014/03/140326-Exhibition-Review-Sensing-

Spaces-at-Londons-Royal-Academy-of-Arts.asp, consultado a 01 de Julho de 2014)

31 GOODWIN, Kate, Ibidem.