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7/21/2019 Sebenta de Fisiologia I - FMUP http://slidepdf.com/reader/full/sebenta-de-fisiologia-i-fmup 1/248  SEBENTA FISIOLOGIA I BERNARDO MANUEL DE SOUSA PINTO FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DO PORTO 2011/2012

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SEBENTA

FISIOLOGIA I

BERNARDO MANUEL DE SOUSA PINTO

FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DO PORTO

2011/2012

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Bernardo Manuel de Sousa Pinto❖Faculdade de Medicina da Universidade do PortoFisiologia I

2

Índice Músculo esquelético……………………………………………………………………...………………4 

Considerações mecânicas e bioquímicas relativas ao processo de contracção muscular………12 

Músculo liso visceral e vascular…….…………………………………………………………………17

Músculo cardíaco.…………………………….……………...……………………………....…………24 

Actividade eléctrica cardíaca………………………………..….…………….…………...……….......3 0

Electrocardiograma……………………...…………………………………...…………………………36

Ciclo cardíaco.…………………………..………………………..……………………………...………49

Determinantes da função sistólica…………………...…………………...…………..………….……55

Determinantes da função diastólica……………………….………...………………...……...………65

Débito cardíaco e retorno venoso…..……………….……...………………………...……….………71

Circulação direita. Papel fisiopatológico do ventrículo direito…..…………………………..……78

Fisiopatologia da isquemia do miocárdio……………..………………...………………….………..82

Fisiopatologia da insuficiência cardíaca……………………………….………….………….………87

Hemodinâmica e hemorreologia……….…………...………..…………………………..…...….……93

Regulação da pressão arterial……….…………………………………….……………..……………96

Regulação da função vascular………………………...………….………...…………………...……103

Circulações especiais………………………………………………...………………………...………113

Microcirculação e vasos linfáticos…………………………………………………..……….………119

Hematopoiese………………..……………………………………..…...……………...……....………134

Cinética do ferro……………………………………..……...…….........................…………...………1 40

Hemóstase primária………………………………………...…….........................…………...………1 42

Hemóstase secundária……………………...………………………..……………….….…....………147

Fibrinólise…………………………..…………..………………………………………..…....…..……153

Transdução de sinal a nível celular..………………………………………..……...…...……………156

Sistema nervoso autónomo…………..……………………………………….………………..……..164

Regulação da temperatura corporal……….....……………………………………….………….…170

Ventilação pulmonar……………...……………………...………….……... ...................…….………178

Ventilação………………………………………….......…………….…………………………...….…195

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Bernardo Manuel de Sousa Pinto❖Faculdade de Medicina da Universidade do PortoFisiologia I

3

Perfusão…….………………………...…………………………...……………....…...…….……….…204

Trocas gasosas………………………………………………………………………...…....…………..220

Transporte de gases.………….....…………….……………………..………...………………...….…233

Regulação da ventilação pulmonar………………...…………………………………….….………245

Estão incluídos nesta sebenta, resumos de Fisiologia I da Faculdade de Medicina da Universidade do

Porto acompanhados por ilustrações e esquemas. Desde já agradeço a quem me ajudou na elaboração da

sebenta, através da correcção de eventuais erros inicialmente presentes, ou através de ideias e sugestões.

Bom trabalho e votos de sucesso nos exames,

Bernardo M. Sousa Pinto 

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Bernardo Manuel de Sousa Pinto❖Faculdade de Medicina da Universidade do PortoFisiologia I

4

Músculo esquelético

Existem muitas classificações possíveis para os músculos. Contudo, funcionalmente, o mais habitual é

classificar o músculo como sendo esquelético, cardíaco ou liso. O músculo esquelético  é estriado e

voluntário, enquanto o músculo cardíaco  é estriado e involuntário. Por fim, o músculo liso  é não-

estriado e involuntário. O facto de o músculo cardíaco e o músculo liso serem involuntários, significaque a sua actividade depende da acção do sistema nervoso autónomo.

Fibras musculares

Os músculos são constituídos por conjuntos

de fascículos, que por sua vez, são grupos

de fibras musculares. Cada fibra muscular

corresponde a uma célula muscular

esquelética, sendo estas células

normalmente de grandes dimensões e

multinucleadas. Cada fibra muscular é

constituída por múltiplas miofibrilas, cuja

unidade funcional é o sarcómero.

Ao nível das fibras musculares, os organelos

adquirem nomes diferentes dos aplicados

às restantes células. Dessa forma, o citoplasma passa a ser designado por sarcoplasma, a membrana

celular é denominada de sarcolema  e o retículo citoplasmático é designado por retículo

sarcoplasmático.

O retículo sarcoplasmático

encontra-se na periferia das

fibras musculares, rodeando-

as, e tem a capacidade de

libertar cálcio, aquando da

contracção muscular, e de o

recapturar, aquando do

relaxamento muscular.

Próximo do retículo

sarcoplasmático encontramos

invaginações do sarcolema, as

quais são designadas por

túbulos T, cujo interior

corresponde a espaçoextracelular. As porções do

. Fisiologia muscular

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retículo sarcoplasmático mais próximas dos túbulos T são designadas por cisternas terminais,

correspondendo aos locais onde ocorre a libertação de cálcio, algo fundamental para que possa ocorrer

a contracção muscular. Já as porções longitudinais do retículo sarcoplasmático são contínuas com as

cisternas terminais e estendem-se ao longo de toda a extensão do sarcómero. Estas porções contêm

uma grande densidade de ATPase de cálcio (uma bomba de cálcio), algo que se revela fundamental para

a recaptura de cálcio ao nível do retículo sarcoplasmático e, consequentemente, para o relaxamentomuscular.

Ao conjunto de um túbulo T e das suas duas cisternas terminais adjacentes dá-se o nome de tríade,

sendo que, nos mamíferos, existem ao nível do músculo esquelético duas tríades por sarcómero

(presentes ao nível da junção entre as bandas I e A). Já ao nível do músculo cardíaco, regista-se a

presença de uma tríade por sarcómero, nomeadamente ao nível da banda Z.

Sarcómero

O sarcómero é a estrutura que se

encontra por entre duas linhas Z.Consequentemente, estas linhas

unem dois sarcómeros adjacentes. Ao

nível do sarcómero encontramos dois

tipos de miofilamentos  –  os

miofilamentos grossos  (também

designados, de forma menos correcta

por miofilamentos de miosina, devido

ao facto de serem constituídos

principalmente por miosina) e os

miofilamentos finos  (também

designados, de forma menos correcta por miofilamentos de actina, devido ao facto de seremconstituídos, sobretudo por actina).

Para além da linha Z é ainda possível discriminar a presença de outras bandas no sarcómero. A banda I 

corresponde ao local onde apenas se encontram presentes miofilamentos finos, enquanto, por

oposição, a banda H corresponde ao local onde apenas existem miofilamentos grossos. A banda H está

incluída na banda A, que corresponde aos locais de sobreposição dos miofilamentos grossos com os

miofilamentos finos e de presença exclusiva de miofilamentos grossos. Por fim, ao local onde os

miofilamentos grossos se unem dá-se o nome de linha M, que corresponde à zona central do

sarcómero. Esta linha inclui proteínas de importância vital para a organização e alinhamento dos

miofilamentos grossos, ao nível do sarcómero.

Os miofilamentos finos têm um comprimento de 1 μm, enquanto os miofilamentos grossos têm um

comprimento de 1,6 μm. Isto implica forçosamente que o comprimento mínimo do sarcómero será de

1,6 μm, pois desta forma, o miofilamento grosso não “bate” na linha Z, nem se regista a interdigitação

dos miofilamentos finos, algo que seria impeditivo do normal funcionamento do sarcómero. Apesar

disso, os valores para o comprimento óptimo do sarcómero encontram-se no intervalo entre os 2 e os

2,2 μm.

Apenas pode ocorrer contracção muscular, quando se verifica à partida a presença de sobreposição

entre miofilamentos grossos e finos. Se no músculo esquelético, a distensão muscular é limitada pela

presença das inserções ósseas do músculo, no músculo cardíaco poderia teoricamente ser registada

uma distensão de tal maneira, que os miofilamentos grossos e os miofilamentos finos deixassem de seencontrar sobrepostos. Todavia, tal não acontece, devido à acção da titina. Esta molécula, que é a maior

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do organismo, ancora os miofilamentos grossos à linha Z e, ao fazê-lo, regula as propriedades elásticas

do músculo estriado, impedindo assim que se registe o estiramento excessivo do músculo cardíaco.

Outra particularidade da titina prende-se com o facto de esta proteína acumular energia, aquando da

contracção muscular, e libertar energia, aquando do relaxamento muscular.

Miofilamentos

Os miofilamentos finos são

predominantemente constituídospor uma dupla hélice de F-actina 

(actina filamentar), sendo esta,

um polímero de G-actina  (actina

glomerular). Ao longo do

miofilamento fino regista-se

igualmente a presença de

nebulina, uma proteína que participa na regulação do comprimento deste tipo de miofilamento. Ao

nível dos miofilamentos finos encontramos também dímeros de tropomiosina, que se estendem sobre

todo o filamento de actina, cobrindo os locais de ligação à miosina das moléculas de actina (dessa

forma, quando o músculo se encontra relaxado, a tropomiosina bloqueia a contracção muscular, ao

impedir que a actina se ligue à miosina). Cada dímero de tropomiosina encontra-se sobre os “sulcos”

formados pela dupla hélice de actina, estendendo-se sobre sete moléculas de actina.

Em cada dímero de tropomiosina é possível encontrar um complexo de troponina, constituído por três

subunidades (troponina T, troponina C e troponina I)  – a troponina T liga-se à tropomiosina, a troponina

I liga-se à actina (facilitando a inibição da ligação da miosina à actina), enquanto a triponina C se liga ao

ião cálcio.

Já o miofilamento grosso é, sobretudo, constituído por miosina. A miosina é formada por um par de

cadeias pesadas e dois pares de cadeias leves. As cadeias pesadas  formam no seu N-terminal uma

estrutura globular, a qual é designada por cabeça. Essa porção é responsável pela interacção com a

actina, tendo igualmente capacidade dehidrolisar ATP (ou seja, actividade de ATPase).

Já as cadeias leves  estão associadas com a

secção da cabeça da miosina  –  as cadeias

leves alcalinas participam na estabilização da

região da cabeça, enquanto as cadeias leves

reguladoras, regulam a actividade de ATPase

da miosina. A actividade das cadeias leves

reguladoras, por sua vez, é regulada por

fosforilação operada por cínases dependentes

e independentes de cálcio.

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Alinhamento das cabeças de miosina

Quando se observa um sarcómero em corte transverso, depreende-se com uma estrutura de grosso

modo hexagonal, na medida em que cada miofilamento fino se encontra rodeado por três

miofilamentos grossos e que cada miofilamento grosso se encontra rodeado por três finos. Como num

mesmo plano (ou seja num “corte transverso”) encontramos três filamentos grossos, concluí mos que

num mesmo plano, cada cabeça de miosina dista 120º da seguinte. Se atendermos agora a uma

organização tridimensional, constatamos que uma cabeça de miosina dista 14,3 nm da cabeça que se

encontra no plano adjacente (ou seja, dois planos contendo cabeças de miosina distam 14,3 nm um do

outro). Contudo, as cabeças de miosina nestes dois planos adjacentes não se encontram alinhadas – elas

fazem um ângulo de 40º entre si. Dessa forma, uma cabeça de miosina dista 43 nm da cabeça de

miosina mais próxima que com ela se encontra perfeitamente alinhada (ver cálculos e esquema em

baixo):

 

 

.

Acoplamento excitação/contracção

As fibras musculares são inervadas por neurónios motores somáticos, cujos corpos celulares se

encontram no corno anterior da espinal medula. Uma unidade motora é entendida como o número de

fibras musculares inervadas por um mesmo neurónio, registando-se unidades motoras menores,

sobretudo ao nível dos músculos que efectuam movimentos mais precisos (tais como os músculos da

laringe), enquanto as unidades motoras maiores predominam em músculos cujas acções não requerem

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tanta delicadeza (tais como os músculos posturais). Contudo, num mesmo músculo existem unidades

motoras de diferentes dimensões.

Os neurónios motores, que inervam as fibras musculares, libertam acetilcolina, que interage com

receptores nicotínicos (um tipo de receptores colinérgicos), que se encontram acoplados a canais de

sódio dependentes do ligando, levando à génese de um potencial pós-sináptico excitatório que, caso

atinja o limiar da excitabilidade, se converte num potencial de acção.

Este potencial chega até ao

sarcolema, sendo inclusive

transmitido aos túbulos T. Os

túbulos T apresentam canais de

cálcio do tipo L (canais esses que

são passíveis de ser inibidos por di-

hidropiridinas), que são sensíveis à

voltagem e se encontram em

íntimo contacto com os canaisrianodínicos  das cisternas

terminais do retículo

sarcoplasmático. Ora, aquando de

um potencial de acção, a

despolarização da membrana

induz a abertura dos canais de

cálcio do tipo L (por via de

alterações conformacionais) e,

subsequentemente, devido a um

acoplamento mecânico entre os

dois tipos de canal, os canaisrianodínicos (também designados

por canais libertadores de cálcio)

do retículo abrem e o cálcio

abandona as cisternas terminais do retículo sarcoplasmático, sendo libertado para o sarcoplasma, algo,

essencial para a ocorrência de contracção muscular. Este processo descrito é designado por

acoplamento excitação/contracção. É importante referir que no músculo cardíaco, contrariamente ao

que se passa no músculo esquelético, parte do cálcio que entra para o sarcoplasma é proveniente do

meio extracelular.

Em termos de duração temporal, o potencial de acção

apresenta uma duração mais longa no músculo cardíaco,

comparativamente ao músculo esquelético e, como tal, o

período refractário é maior. Ao potencial de acção, segue-

se a libertação de cálcio pelo retículo sarcoplasmático,

sendo que mal a concentração de cálcio atinge o seu valor

máximo no sarcoplasma, este ião começa logo a ser

recapturado para o retículo sarcoplasmático (contudo, após

ser libertado, uma parte importante destes iões ficou ligada

à troponina C, algo essencial para a ocorrência de

contracção muscular). Mesmo assim, só passados alguns

milissegundos é que o músculo se começa a contrair. Istosignifica que num abalo muscular isolado, quando é

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atingida a força máxima pelas fibras musculares, já não se verifica a presença da concentração máxima

de cálcio no sarcoplasma (cuja manutenção seria capaz de activar a contracção muscular na sua

plenitude).

Activação das pontes cruzadas pelo cálcio

O cálcio que entretanto foi

libertado para o

sarcoplasma liga-se à

troponina C. Esta apresenta

quatro locais de afinidade

para o cálcio  –  dois de

maior afinidade, que se

encontram sempre ligados

ao cálcio, e dois de menor

afinidade, que se

encontram ciclicamenteligados ao cálcio,

nomeadamente quando há

libertação de cálcio pelo

retículo sarcoplasmático.

A ligação do cálcio à

troponina C leva a uma

alteração na conformação

do complexo de troponina,

o que está associado ao

afastamento da troponina I do filamento de actina/tropomiosina e a um maior “afundamento” datropomiosina nos “sulcos da dupla hélice” da actina (por via da troponina T). Este movimento da

tropomiosina permite a exposição dos locais de ligação da miosina (na molécula de actina), o que

permite a interacção entre os filamentos de actina e os filamentos de miosina, algo que resulta na

contracção do sarcómero.

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De referir que, a concentração crítica de cálcio no sarcoplasma para que se inicie a activação do

aparelho contráctil é de 10-7 molares, sendo que a concentração de 10-5 molares de cálcio corresponde a

uma situação de activação máxima do aparelho contráctil.

Ciclo das pontes cruzadas

Durante o ciclo das pontes cruzadas, as proteínas contrácteis do músculo convertem a energia

resultante da hidrólise do ATP em energia mecânica e, como tal, este processo é a base molecular que

possibilita a génese de força e movimento nas fibras musculares.

Foi já descrito como é que a miosina se liga à actina, contudo, caso a miosina ficasse sempre ligada à

actina, o músculo permaneceria rígido e contraído. Isto é o que se verifica nas primeiras horas que

decorrem após a morte de um indivíduo (rigor mortis), até começar a ocorrer necrose e putrefacção. De

facto, a actina tem muita afinidade para a miosina e a ligação que estas estabelecem é muito forte,

sendo necessária a presença de ATP para “desligar” a miosina da actina. Ora, num indivíduo morto não

há produção de ATP e, como tal, a actina permanece ligada à miosina e os músculos mantêm-se

contraídos (para além do ATP ser necessário para que ocorra a dissociação do complexo actina-miosina,esta molécula também é essencial que o cálcio volte para o interior do retículo sarcoplasmático).

Dessa forma, o primeiro passo do ciclo das pontes cruzadas consiste na ligação de uma molécula de ATP

à cabeça de miosina (que forma um ângulo de 45º com o filamento de actina). Isto permite a

dissociação do complexo actina-miosina, por diminuição da afinidade entre os dois filamentos.

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A cabeça de miosina opera então a hidrólise de ATP, passando a descrever um ângulo recto com o

filamento de actina. Isto está associado a um aumento da afinidade entre o filamento de actina e o

filamento de miosina - a cabeça de miosina liga-se então a uma nova posição do filamento de actina,

formando-se uma ponte cruzada.

Segue-se a libertação do fosfato inorgânico (resultante da hidrólise do ATP), que se encontrava ligado à

molécula de miosina, o que leva a nova alteração conformacional da cabeça de miosina (que passa a

descrever de novo um ângulo de 45º com o filamento de actina) e a um consequente deslizamento do

filamento de actina no sentido da cauda da miosina, o que gera força e energia.

Finalmente, ocorre a libertação do ADP (resultante da hidrólise do ATP) que ainda permanecia ligado à

molécula de miosina - o complexo de actina-miosina volta ao estado rígido inicial, para que uma nova

molécula de ATP se possa ligar à cabeça da miosina.

De referir que, numa mesma fibra muscular, as pontes cruzadas não se encontram sempre na mesma

fase, isto permite que haja sempre pontes cruzadas que se encontrem num estado rígido, que actuam

“sustendo a força gerada” (de modo análogo a indivíduos que se encontrem a suster uma corda, de

modo a impedir o seu movimento). É igualmente importante lembrar que a velocidade de contracção

muscular depende da velocidade de degradação de ATP, ou seja da velocidade da acção ATPásica da

cabeça de miosina, algo que é regulado pelas cadeias leves reguladoras da miosina.

Acoplamento inactivação-relaxamento

O processo principal associado à expulsão de cálcio do sarcoplasma requer a presença de uma bomba

de cálcio do tipo SERCA  (uma cálcio/ATPase), que opera o transporte activo do cálcio para o retículo

sarcoplasmático, contra o gradiente de concentração. Contudo, a actividade da bomba de cálcio do tipo

SERCA é inibida por concentrações elevadas de cálcio livre ao nível do lúmen do retículo

sarcoplasmático. Como forma de evitar essa inibição, o cálcio presente no retículo sarcoplasmático liga-

se à calreticulina  e a calsequestrina  (estas proteínas têm uma elevada afinidade para este ião),

registando-se assim também a diminuição da

sua osmolaridade naquele organelo, o que

permite minimizar os gastos energéticos para o

transporte de uma maior quantidade deste ião.

Alternativamente, parte do cálcio pode ser

igualmente expulsa para o meio extracelular. A

célula pode, então, enviar o cálcio para o meio

extracelular, quer através de um trocador

sódio/cálcio  (este antiporter é designado por

NCX), quer através de uma bomba de cálcio

presente na membrana celular (esta é

designada por PMCA e acopla a saída de cálcio

e a entrada de um protão para o sarcoplasma,

com a hidrólise de ATP). Contudo, esta não é a

forma preferencial de remoção de cálcio do

sarcoplasma, na medida em que, caso todo o

cálcio do sarcoplasma fosse removido para o

meio extracelular, registar-se-ia uma depleção

nas reservas celulares de cálcio.

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Considerações mecânicas e bioquímicas relativas ao processo de

contracção muscular

A força total gerada por um músculo corresponde à soma das forças geradas por muitas pontes

cruzadas cíclicas de actina-miosina. O número de pontes cruzadas que ocorrem em simultâneo depende

substancialmente do comprimento inicial da fibra muscular e do padrão ou frequência da estimulação

das fibras musculares. Quando a contracção muscular é estimulada, o músculo exerce uma força, que

tende a aproximar a origem e a inserção muscular – esta força é designada por tensão.

A tensão muscular registada antes da contracção muscular é designada por tensão passiva, sendo esta

influenciada pela pré-carga à qual está submetido o músculo. A pré-carga é a carga que se impõe ao

músculo antes de este se contrair. O aumento da pré-carga leva igualmente a um aumento do

comprimento do músculo e do sarcómero (tal como acontece quando adicionamos um peso a um

elástico de borracha – o elástico estica), o que é determinante para influenciar as propriedades activas

do músculo, caso este seja subsequentemente estimulado (como tal, a pré-carga influencia

directamente a tensão passiva e, indirectamente, a tensão activa).

Quando a contracção muscular é estimulada, desenvolve-se uma tensão adicional através dos ciclos das

pontes cruzadas – a tensão activa (a tensão muscular total corresponde ao somatório da tensão passiva

com a tensão activa). A pós-carga influencia o músculo depois de este se começar a contrair, na medida

em que esta oferece resistência ao encurtamento do músculo. De referir que quanto maior a pós-carga,

maior a dificuldade de contracção muscular, pois o músculo precisa inicialmente de força para vencer a

resistência da pós-carga aplicada e só depois se pode encurtar.

Contracção isotónica e contracção isométrica

Existem dois grandes

tipos de contracção

muscular concêntrica  – 

aquando de uma

contracção isotónica,

uma das duas fixações

musculares é móvel e,

como tal, a estimulação

permite uma redução

do comprimento

muscular (pois a tensão

aplicada pelo músculo ésuperior à aplicada pela

carga). Como esse encurtamento ocorre com carga constante, verifica-se a manutenção do tónus

muscular. Se o encurtamento do músculo se verificar na ausência de pós-carga, presencia-se uma

contracção isotónica pura  (algo que apenas é presenciado em condições experimentais), enquanto

numa contracção isotónica pós-carregada, o comprimento do músculo diminui, mas este primeiro tem

de vencer a resistência oferecida pela pós-carga.

Já a contracção isométrica está associada a uma imobilidade dos pontos de fixação muscular (e, como

tal, o comprimento do músculo não varia), havendo somente uma variação na tensão muscular (tónus),

aquando de uma estimulação. Este tipo de contracção verifica-se quando o músculo não consegue

vencer a resistência da pós-carga que lhe é imposta e, como tal, não se consegue encurtar.

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No que concerne à velocidade de

encurtamento do músculo, aquando

de uma contracção isotónica, esta é

tanto menor, quanto maior for a

pós-carga aplicada, até que, a partir

de um determinado valor deresistência oferecida pela pós-carga,

o músculo não se consegue encurtar

e a passa a ser registada uma

contracção isométrica. Contudo, é

importante referir que não importa

por quanto é ultrapassada a

capacidade de o músculo se encurtar

 –  o músculo entra em contracção

isométrica, independentemente do

facto de a resistência oferecida pela

pós-carga ser 0,1 ou 100% superior!

É igualmente importante salientar

que a velocidade de contracção

máxima (situação teórica de pré-

carga e pós-carga nulas) é a mesma

para qualquer que seja o

comprimento de músculo, mas que

à medida que se aumenta a pós-

carga, um sarcómero cujo

comprimento inicial seja menor que

óptimo tem menor capacidade devencer a resistência oferecida pela

pós-carga.

Numa contracção isométrica, como

 já foi referido, existe uma relação

entre a tensão passiva e o

comprimento muscular (e do

sarcómero), sendo essa relação de

natureza exponencial (a tensão

passiva depende do comprimento

muscular). Contudo, numacontracção isométrica existe

também uma relação entre o comprimento do sarcómero e a tensão activa desenvolvida pelo músculo.

Esta tensão é máxima (Lmax ), em sarcómeros que apresentem um comprimento óptimo (em sarcómeros

cujo comprimento se situa entre 2 e 2,2 μm, apresentam melhores interdigitações entre os

miofilamentos). Sarcómeros com valores de comprimento superiores aos “valores óptimos” registam

uma área cada vez menor de interdigitações entre os miofilamentos finos e grossos (até que, quando

deixa de haver interdigitações, a tensão activa desenvolvida passa a ser nula e toda a tensão registada

corresponde à tensão passiva verificada), enquanto sarcómeros com valores de comprimento inferiores

registam uma sobreposição cada vez maior entre os miofilamentos finos e uma proximidade cada vez

maior entre o miofilamento grosso e a linha Z, o que reduz também a tensão activa produzida.

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Como o comprimento do sarcómero influencia quer a tensão activa, quer a tensão passiva, pode-se

dizer que o grau de encurtamento do músculo também varia com o grau de tensão passiva.

Trabalho e rendimento

O trabalho  realizado ( ) quer aquando contracção isométrica, quer aquando de uma contracção

isotónica pura, é nulo, sendo que apenas realizam trabalho as contracções isotónicas pós-carregadas. O

trabalho realizado é passível de ser descrito pela fórmula:

   

Ora, como numa contracção isotónica pura a força aplicada na contracção ( ) é nula e numa contracção

isométrica, o deslocamento () é nulo (porque não há variação no comprimento muscular), o trabalho é

nulo em ambas as situações.

Como as contracções isotónicas pós-carregadas são as únicas que desempenham trabalho, estas são as

únicas contracções em que se pode registar o rendimento (potência). Nas contracções isotónicas puras

e nas contracções isométricas, o rendimento é nulo. Ao nível das contracções isotónicas carregadas, o

rendimento aumenta inicialmente à medida que se aumenta a carga, sendo máximo quando se atinge

entre 30 a 40% do pico de tensão necessário para se passar a registar uma contracção isométrica.

Contracções excêntricas

As contracções isotónicas são contracções concêntricas, na medida em que se regista um encurtamento

do músculo, quando este se contrai. Contudo, existem também contracções excêntricas, nas quais se

verifica um aumento do comprimento muscular na sequência de uma contracção. A título de exemplo,

quando um indivíduo se encontra a descer escadas, os músculos da região anterior da perna encontram-

se contraídos, mas o seu comprimento aumenta. De referir que as contracções excêntricas são

registadas frequentemente, quando as cargas associadas são muito elevadas.

Quer aquando de uma contracção isotónica, quer aquando de uma contracção isométrica, registam-se

gastos de ATP, devido à ocorrência de ciclos de pontes cruzadas (sendo a velocidade desses ciclos, e,

como tal, o gasto de ATP, maior nas contracções isotónicas). Todavia, nas contracções excêntricas,

praticamente não há gastos de ATP  – o que se verifica é que ocorre uma contra-rotação adicional do

filamento de miosina sobre o de actina, seguida de deslizamento. Dessa forma, a contracção excêntrica

é sempre levada a cabo à conta de estiramento muscular e, por isso, na sequência de contracções

excêntricas regista-se uma grande frequência de lesões musculares por estiramento (até porque a

tensão passiva imposta nestes músculos é maior).

Tétano muscular

Se em vez de presenciarmos um abalo muscular isolado, aplicarmos um novo estímulo às fibras

musculares, antes de estas relaxarem completamente, compreendemos que o cálcio volta aos seus

valores máximos no sarcoplasma, antes de ser completamente recolhido. Quando esta situação ocorre,

o segundo potencial de acção consegue atingir maior tensão isométrica com o primeiro, na medida em

que a tensão associada ao segundo estímulo é somada à que ainda restava do primeiro (este efeito é

designado por sumação).

Aumentando agora a frequência dos estímulos, de tal modo que os múltiplos estímulos, no seu

somatório, aumentem significativamente a tensão desenvolvida, podemos obter duas situações  – caso a

frequência dos estímulos não seja ainda suficiente para evitar que o cálcio seja constantementerecapturado e recolhido (ainda que parcialmente), presenciamos um estado de tétano imperfeito.

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Contudo, quando a frequência dos estímulos é de tal ordem, que se regista uma manutenção dos níveis

máximos de cálcio no sarcoplasma, presenciamos uma situação de tétano perfeito. Neste estado, os

estímulos individuais são indistinguíveis uns dos outros, tal a proximidade temporal com que ocorrem.

Em suma, a quando os potenciais de acção são aplicados a maior frequência, a tensão gerada é maior.

Esse aumento da tensão muscular gerada, por via do aumento da frequência da estimulação muscular, édesignado por somatório de frequências.

Metabolismo muscular e tipos de fibras musculares

A hidrólise de ATP é fundamental para que possa ocorrer o processo de contracção muscular. As

reservas de ATP disponíveis do músculo e a conversão de ADP em ATP com concomitante conversão da 

fosfocreatina em creatina  fornecem ATP de forma imediata, contudo, o ATP disponibilizado por estas

vias, apenas consegue manter a contracção muscular durante alguns segundos.

A glicólise, por sua vez, é um processo que permite obter ATP de forma rápida. Contudo, este é um

processo anaeróbio e cujo rendimento energético é baixo, ao qual acresce o facto de, recorrendo à

glicólise, as reservas de glicose se esgotarem rapidamente. Por seu turno, a fosforilação oxidativa é um

processo aeróbio que permite um maior rendimento energético, sendo teoricamente ilimitado, caso

seja atingido um equilíbrio entre o oxigénio e a glicose que entram para as fibras musculares e o tempoque decorre durante a fosforilação oxidativa.

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As fibras com grande capacidade de levar a cabo a fosforilação oxidativa, designadas fibras oxidativas

lentas (fibras musculares do tipo I), como necessitam de uma maior quantidade de oxigénio, exprimem

uma proteína adicional, a mioglobina, uma proteína similar à hemoglobina, mas que apresenta mais

afinidade para o oxigénio. A presença de mioglobina confere uma cor avermelhada às fibras oxidativas

lentas, que têm um menor diâmetro, pois o processo de difusão (que é necessário para o transporte de

nutrientes) é mais eficaz para distâncias menores. É fácil perceber que as fibras oxidativas lentaspredominam nos músculos posturais e estão mais desenvolvidas em atletas de resistência, como os

maratonistas.

Por outro lado, as fibras glicolíticas rápidas  (fibras musculares do tipo II B) adquirem o seu ATP,

sobretudo, através da glicólise. Estas fibras não apresentam mioglobina, tendo um aspecto mais pálido e

sendo mais abundantes no ser humano, em comparação com as fibras musculares do tipo II A. De referir

que estas fibras predominam nos músculos fásicos e que se encontram particularmente desenvolvidas

nos atletas que desempenham grandes esforços num curto período de tempo, tais como os corredores

de curtas distâncias ou os levantadores de peso.

Por fim, as fibras oxidativas rápidas (fibras musculares do tipo II A) apresentam mioglobina e têm coravermelhada. Estas fibras são mais abundantes em animais que têm de fazer contracções rápidas

durante longos períodos de tempo (por exemplo, as presas), sendo pouco comuns no ser humano.

A diferença entre fibras musculares rápidas e lentas deve-se também à diferença entre as isoenzimas da

miosina apresentadas  –  as fibras musculares rápidas apresentam uma isoenzima rápida, enquanto as

fibras musculares lentas apresentam uma isoenzima lenta. Paralelamente, a capacidade do retículo

sarcoplasmático de bombear cálcio é mais elevada nas fibras rápidas, que nas fibras lentas.

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Músculo liso visceral e vascular

As células musculares lisas  são células

pequenas, fusiformes, mononucleadas (de

núcleo central) e que a microscópio de luz, se

caracterizam pela ausência de estriação (e daí,o músculo ser designado por liso). Em termos

fisiológicos, o músculo liso distingue-se do

esquelético, pelo facto de poder haver

contracção destas células, sem que haja

despolarização da membrana e pelo facto do

cálcio extracelular ser mais importante que o

intracelular para a contracção muscular. De

referir que os filamentos presentes no núcleo são de desmina e vimentina.

Durante muito tempo pensou-se que o músculo liso não apresentava sarcómeros, devido ao facto de

não apresentar estrias. Contudo, sabe-se agora que o músculo liso é constituído por sarcómeros comfilamentos organizados, mas que se entrecruzam em várias direcções. Apesar disso, o sarcómero do

músculo liso é diferente do apresentado pelo músculo esquelético, na medida em que não existem

linhas Z, mas sim corpos densos ricos em α-actinina (no músculo esquelético, a α-actinina é a proteína

principal de ancoragem da actina à linha Z). Ao nível dos miofilamentos finos do músculo liso, também

não existe troponina, nem nebulina. Outra diferença entre o sarcómero dos dois tipos de músculo

prende-se com o facto de no músculo liso os sarcómeros apresentarem menos miofilamentos grossos.

Enquanto a contracção no músculo esquelético é regulada pelo miofilamento fino, no músculo liso esta

é regulada pelo miofilamento grosso, uma vez que a miosina é sintetizada a partir de um gene diferente.

Dessa forma, a regulação da miosina também é diferente nos dois tipos de músculo.

A regulação da cadeia de miosina passa pela fosforilação desta proteína, um processo que envolve a

acção de uma enzima. Dessa forma, o processo de contracção muscular é mais lento no músculo liso,

mas simultaneamente mais prolongado. Isto permite que o músculo liso se mantenha contraído por um

mais longo período de tempo, mas sem que ocorram tantos gastos energéticos (existem, contudo,

excepções, tais como ao nível do músculo liso da íris, que apresenta um processo de contracção

diferente, sendo caracterizado pelas suas rápidas contracções).

Diferentes estados fisiológicos de contracção do músculo liso

O músculo liso é um músculo

intimamente associado às vísceras eaos vasos sanguíneos e, como tal, as

células musculares lisas podem se

encontrar em diferentes estados,

dependendo dos órgãos aos quais

estão associadas. Existem fibras

musculares que se encontram

geralmente contraídas, mas que por

vezes relaxam, sendo que estas fibras

estão associadas as esfíncteres (tais

como o esfíncter esofágico superior).

Por oposição, existem células que se

encontram maioritariamente

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relaxadas e, por vezes, contraem (a título de exemplo, é possível referir os músculos que promovem o

esvaziamento do estômago ou da bexiga). Existem igualmente células musculares lisas que se

encontram sempre contraídas, mas cujo grau de contracção varia (por vezes encontram-se mais

contraídas e por vezes encontram-se menos), tal como acontece com os músculos vasculares, que

aquando de um aumento de pressão, diminuem a tensão de parede e vice-versa. Por fim, existem

músculos que participam em movimentos oscilatórios de contracção e relaxamento (tais como osmovimentos peristálticos), sendo exemplo destas fibras, aquelas presentes ao longo de todo o tracto

gastrointestinal.

Inervação e comunicação intercelular entre as células do músculo liso

O músculo liso não tem placa motora e, como tal, não é inervado por nervos motores. A inervação do

músculo liso é da competência do sistema nervoso autónomo, sendo que alguns músculos são

predominantemente inervados pelo sistema nervoso simpático, enquanto outros são sobretudo

inervados pelo parassimpático.

Os mecanismos de comunicação intercelular entre as células do músculo liso são mais diversos, que osapresentados pelo músculo estriado. Em alguns órgãos, o músculo liso é inervado de forma idêntica ao

músculo esquelético, onde cada fibra recebe o seu input sináptico.  Todavia, cada célula muscular lisa

pode receber esse input através de mais que um neurónio. As fibras que são inervadas deste modo

apresentam poucas gap junctions (e portanto, existe pouco acoplamento eléctrico entre essas células

musculares) e, como tal, podem-se contrair independentemente das suas vizinhas. Dizemos, então, que

estamos perante músculo liso multiunitário. As fibras musculares multiunitárias são capazes de um

controlo mais refinado e, como tal, estas são passíveis de ser encontradas na íris, corpo ciliar do olho,

músculos piloerectores da pele e em alguns vasos sanguíneos.

Por oposição, as células musculares lisas da maior parte dos órgãos apresentam comunicação

intercelular extensiva, através de gap junctions. Nem todas as células deste tipo precisam de serinervadas por um neurónio motor, aquando de uma contracção - a presença abundante deste tipo de

gap junctions  permite a comunicação eléctrica entre células vizinhas e, como tal, a contracção

coordenada de várias células. Como estas fibras se contraem como se fossem uma só, este tipo de

músculo liso é designado por músculo liso unitário.

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As sinapses ocorridas ao nível do músculo liso, são feitas en passage, o que permite a libertação de

neurotransmissores ao longo de toda a fibra muscular (e não num local isolado). Os neurotransmissores

podem ser libertados mais próximos da fibra muscular, ou mais afastados, sendo que se a libertação de

neurotransmissores ocorrer a maior distância da célula muscular, maior a área desta, pela qual os

neurotransmissores se difundem.

Despolarização celular

Depois de as fibras musculares serem estimuladas, estas são, na maior parte dos casos, despolarizadas.

Contudo, a despolarização não tem obrigatoriamente de ocorrer por via de um estímulo eléctrico,

podendo ocorrer uma despolarização através de um estímulo químico.

É importante referir que no músculo liso é igualmente possível verificar-se a ocorrência de contracção

muscular, sem que haja despolarização celular. Este processo é designado por acoplamento fármaco-

mecânico e mobiliza principalmente o cálcio do retículo sarcoplasmático para o sarcoplasma.

Despolarização por estímulo eléctrico e repolarização

No músculo liso, a despolarização celular não é directamente induzida pelos canais de sódio. De facto, a

abertura dos canais de sódio, por consequência de um estímulo, leva à abertura de canais de cálcio

dependentes de voltagem do tipo L. Estes últimos permitem a entrada de cálcio do meio extracelular

para o interior da célula, o que gera um potencial de acção, que leva à despolarização da membrana.

Contudo, uma vez que os canais de cálcio dependentes de voltagem são mais lentos, que os canais de

sódio, raramente se registam despolarizações em pico. A repolarização da membrana, por sua vez,

origina-se através da abertura de canais de potássio dependentes de voltagem  ou de canais de

potássio dependentes de cálcio (que abrem, aquando da concentração de cálcio).

Os potenciais de acção são frequentemente observados no músculo liso unitário, sendo que esses

potenciais se caracterizam por apresentar uma fase de despolarização mais lenta, bem como uma

duração mais prolongada, comparativamente ao que acontece no músculo liso. O potencial de acção na

célula muscular lisa pode se caracterizar por um único pico, pela presença de um pico seguido de uma

fase de  plateau, ou por uma série de picos. Em qualquer um dos casos, a longa fase de despolarização

do potencial de acção reflecte o longo período de tempo associado à abertura dos canais de cálcio

dependentes de voltagem. A entrada de cálcio para o sarcoplasma despolariza ainda mais a célula,

causando assim, a abertura de mais canais de cálcio dependentes de voltagem. De referir que o cálcio

proveniente do meio extracelular estimula também os canais rianodínicos do retículo sarcoplasmático,

o que leva a que também ocorra libertação de cálcio do retículo para o sarcoplasma.

A repolarização das células de músculo liso também é relativamente lenta. Contudo, ainda não se sabe

se isto se deve a uma lenta inactivação dos canais de cálcio dependentes de voltagem ou,

alternativamente, a um atraso na activação dos canais de potássio. Em alguns músculos lisos unitários, a

repolarização sofre um atraso tal, que no potencial de acção verifica-se a presença de um  plateau. Esses

potenciais de  plateau ocorrem no tracto urogenital e permitem que a entrada de cálcio se mantenha

por um maior período de tempo e, consequentemente, que a concentração de cálcio permaneça

elevada por um maior período de tempo, prolongando-se assim a contracção muscular.

Despolarização por estímulo químico

Enquanto a génese de um potencial de acção é essencial para iniciar a contracção do músculo cardíaco e

do músculo esquelético, muitas células musculares lisas contraem-se, mesmo sendo incapazes de gerar

um potencial de acção. Os potenciais de acção normalmente não ocorrem no músculo liso multiunitário,

sendo que, neste músculo a despolarização celular é despoletada através da acção da fosfolipase C. Esta

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enzima cliva fosfoinositídeos, permitindo a libertação de diacilglicerol e inositol trifosfato (IP3), sendo

que o se IP3 liga a um receptor específico da membrana do retículo sarcoplasmático. Este receptor é um

canal de cálcio dependente de cálcio e, como tal, a sua ligação ao IP 3 permite a libertação de cálcio do

retículo sarcoplasmático para o sarcoplasma.

Repreenchimento de cálcio

A membrana do músculo liso não apresenta túbulos T. Contudo, apresenta caveolae, invaginações

membranares análogas aos túbulos T, que se encontram próximas do retículo sarcoplasmático. As

caveolae comunicam com o retículo sarcoplasmático, através dos canais rianodínicos do retículo, bem

como através do transportador sódio/cálcio e da ATPase de cálcio.

Quando se verifica um défice de cálcio ao nível do retículo sarcoplasmático (ou seja os níveis de cálcio

estão abaixo de um valor significativo), o retículo pode captar o cálcio extracelular, através de canais de

cálcio dependentes do armazenamento, situados, sobretudo, ao nível das caveolae (a este processo se

dá o nome de repreenchimento de cálcio). Deste modo,  a ausência de cálcio extracelular impede a

contracção do músculo liso, contrariamente ao que se passa com o músculo esquelético.

Activação da miosina e ciclo das pontes cruzadas

Os miofilamentos grossos são muito menos abundantes no músculo liso, comparativamente ao músculo

esquelético. Todavia, esta propriedade está associada a uma melhor interposição entre miofilamentos

finos e grossos. Ao nível destes miofilamentos grossos encontramos miosina II  (miosina do músculo

liso), que apresenta, na sua cabeça, uma cadeia leve reguladora, que é essencial para a sua activação.

Quando esta cadeia se encontra fosforilada, a miosina pode-se ligar à actina, enquanto se a cadeia se

encontrar desfosforilada, a miosina não se liga à actina.

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O mecanismo das pontes cruzadas é igualmente diferente no músculo liso e no músculo esquelético, na

medida em que requer uma activação inicial. O primeiro passo dessa activação prende-se com a ligação

de quatro iões cálcio à calmodulina  (a concentração de cálcio no sarcoplasma que despoleta este

processo é da ordem dos 10-6 molares), uma proteína

presente no sarcoplasma. De seguida, o complexo

cálcio-calmodulina activa uma enzima designada por

cínase da cadeia leve de miosina, que, por sua vez,

fosforila a cadeia leve reguladora da molécula de

miosina II. A fosforilação dessa cadeia altera a

conformação da cabeça de miosina, activando-a (ao

aumentar a sua actividade ATPásica) e permitindo-

lhe, assim, interagir com a actina. Uma vez que este

mecanismo depende da acção de uma enzima, a

contracção muscular é mais lenta nas células

musculares lisas.

O mecanismo descrito activa os miofilamentos

grossos do músculo liso, sendo os restantes passos

deste ciclo, similares aos descritos para o ciclo das

pontes cruzadas do músculo esquelético. Dessa

forma, a primeira contracção requer o gasto de duas

moléculas de ATP  – uma para activação da miosina e

outra para o processo de contracção muscular,

propriamente dito.

Relaxamento muscular

Quando se regista a diminuição dos níveis de cálcio, quer por este estar a ser bombeado para o retículo

sarcoplasmático (por via da SERCA), quer por este estar a ser expulso para o meio extracelular (por via

do trocador sódio/cálcio ou da ATPase de cálcio), torna-se necessário desfosforilar a cabeça da miosina,

de modo a promover o relaxamento muscular. Esta desfosforilação é operada pela fosfátase da

miosina, que é activada por baixos níveis de cálcio sarcoplasmático. A desfosforilação da cabeça de

miosina é um processo lento (mais uma vez, por ser de natureza enzimática).

O processo acima referido não envolve um mecanismo de tudo-ou-nada, ou seja, não temos, num dado

momento todas as miosinas fosforiladas e noutro todas as miosinas desfosforiladas. De facto, o que se

verifica é a presença de algumas fases em que as cínases estão mais activas (havendo mais fosforilação

das cabeças de miosina e, como tal, maior força de contracção muscular) e de outras em que asfosfátases se encontram mais activas (registando-se menor força de contracção muscular).

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Por outro lado, como o tempo de acção das fosfátases é elevado, enquanto ocorre a desfosforilação da

miosina e o “desligar” do complexo miosina -actina, a força de contracção muscular vai sendo mantida

por um maior período de tempo. Concomitantemente, uma vez que algumas cínases também se

encontram activas, vai ocorrendo o estabelecimento de novas pontes cruzadas. Assim sendo, a

manutenção em simultâneo de cínases e fosfátases em actividade, permite que a contracção seja mais

prolongada e gaste menos ATP. Isto revela-se particularmente importante para o funcionamento dosesfíncteres e dos vasos sanguíneos, visto que o músculo liso associado a estas estruturas tem que estar

sempre, ou quase sempre contraído.

Regulação da contracção e relaxamento muscular

Existem duas proteínas que, quando se encontram desfosforiladas, impedem a ocorrência de interacção

entre a actina e a miosina  – a calponina e a caldesmona. A calponina inibe a acção ATPásica da miosina

(ligando-se à miosina e impedindo a sua ligação à actina), enquanto a caldesmona  inibe a actividade

ATPásica da miosina promovida pela actina (ou seja, liga-se à actina e impede a sua ligação à miosina).

Aquando da contracção muscular, o complexo cálcio-calmodulina liga-se a estas proteínas e inibe a sua

acção. Também a proteína cínase C, activada pelo diacilglicerol, inibe à acção da calponina e da

caldesmona, fosforilando-as.

Por outro lado, níveis elevados de cálcio activam o sistema Rho/ROCK, que promove a fosforilação da

fosfátase da miosina (nomeadamente por acção da cínase ROCK), inibindo a sua acção. Isto impede que

a miosina seja desfosforilada e, como tal, que o músculo se mantenha contraído por um maior período

de tempo. De referir que uma desregulação deste sistema está na base do desenvolvimento de algumas

hipertensões arteriais, na medida em que, caso o sistema se encontre hiperactivo, o músculo liso

vascular se mantém contraído por um maior período de tempo, algo que está associado ao

desenvolvimento de tensão mais alta.

Nem sempre a subida dos níveis de cálcio condiciona a contracção. Por vezes registam-se picos

transitórios de cálcio, que consistem em saídas espontâneas e rápidas de cálcio dos canais rianodínicos.

Estas saídas condicionam a abertura dos canais de potássio do sarcolema, o que promove a saída de

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potássio e, consequentemente,

o relaxamento muscular. Os

picos transitórios de cálcio são

promovidos pelo cAMP, que

também favorece o

relaxamento muscular, aofosforilar a PKA  que, por sua

vez, fosforila a cínase das

cadeias leves de miosina (entre

outras proteínas), inactivando-

a. O cGMP  leva também à

génese de picos transitórios de

cálcio, ao promover a abertura

dos canais de cálcio e de potássio.

Considerações mecânicas 

Ao nível do músculo liso

distinguem-se dois tipos de

contracções  –  as contracções

fásicas e as contracções tónicas.

As contracções fásicas  são

rápidas, sendo depressa sucedidas

por um rápido relaxamento. Estas

contracções verificam-se, por

exemplo, ao nível do músculo da

íris. Já as contracções tónicas são

lentas, sendo o poder de

contracção mantido, à custa de

menores gastos de ATP.

Verificamos que ao nível das

contracções tónicas se verifica,

após a subida dos níveis de cálcio,

uma descida para níveis

intermédios, o que permite que a

força de contracção seja também

intermédia, constante e mais prolongada. É, contudo, importante referir que a contracção muscular é

apenas possível para um intervalo de concentrações de cálcio muito restrito, sendo que a fosforilaçãode miosina aumenta substancialmente, quando a concentração de cálcio sobe apenas uma unidade

logarítimica.

Caso o músculo liso seja submetido a mais estiramento, este, contrariamente ao músculo esquelético,

tem capacidade de responder a esse estiramento e de se contrair normalmente. Isto apenas é possível,

caso as fibras musculares lisas estejam sujeitas a este estiramento durante um certo período de tempo,

que permita a adaptação e, consequente reorganização, dos miofilamentos de actina e miosina.

Por outro lado, comparando a tensão com a velocidade, constatamos que para cada ponto de tensão, a

velocidade de contracção muscular apresentada é muito baixa, até porque a quantidade de ATP gasta é

muito reduzida. Contudo, não é possível descrever uma única curva velocidade-tensão para este

músculo, mas sim várias, dependendo dos níveis de cínase e fosfátase activados.

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Músculo cardíaco

Mecanismo geral de condução cardíaca

Ao nível do coração são passíveis de ser encontrados dois tipos de fibras musculares  –  as fibras

diferenciadas para a contracção muscular (as quais vão ser abordadas com pormenor neste texto) e asfibras diferenciadas para a génese e propagação de um estímulo. São estas últimas fibras que

permitem que, caso o coração pudesse ser isolado e lhe seja fornecida energia, este continue a contrair-

se espontaneamente (estas células têm capacidade de despolarização automática). Contudo, estes dois

tipos de fibras “trabalham em conjunto”, motivo pelo qual, se as fibras diferenciadas para a génese e

propagação de um estímulo sofrerem de algum problema, as fibras diferenciadas para a contracção

muscular também são afectadas.

Geralmente, pensa-se no coração como funcionando estritamente em uníssono. Todavia, o que se passa

de facto é que os ventrículos funcionam como um sincício, enquanto as aurículas funcionam como outro

sincício diferente. Isto deve-se à existência de tecido fibroso a separar as aurículas dos ventrículos, que

funciona como um isolante, na medida em que não passa nenhum estímulo eléctrico pelo tecidofibroso. Assim sendo, um estímulo apenas é transmitido das aurículas para os ventrículos através do nó

aurículo-ventricular e do feixe de His.

Para que as aurículas apresentem máxima eficiência hemodinâmica, têm de se contrair primeiro e

”ajudar no enchimento dos ventrículos”, só depois se podendo dar a contracção ventricular (caso as

contracções auricular e ventricular ocorressem em simultâneo, as aurículas não conseguiriam ejectar os

seus conteúdos, antes de se iniciar a contracção ventricular). Este desfasamento é conseguido através

de um atraso no nó aurículo-ventricular – o estímulo eléctrico é conduzido a alta velocidade (por via do

tecido de condução), até aquele nó, onde sofre uma desaceleração que permite a contracção das

aurículas. Após ocorrer a

contracção auricular, oestímulo eléctrico volta a

propagar-se a alta

velocidade, de modo a

chegar rapidamente às

fibras ventriculares. Isto

permite que estas fibras

se contraiam todas

quase em simultâneo, de

tal modo que a eficácia

hemodinâmica do

coração se torna

optimizada).

Células musculares cardíacas diferenciadas para a contracção

Os miócitos cardíacos diferenciados para a

contracção são ramificados e mais pequenos que

as células musculares esqueléticas.

Contrariamente às células musculares

esqueléticas, que são electricamente isoladasentre si, as células do músculo cardíaco

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encontram-se electricamente

conectadas por gap junctions.

Desta forma, quando uma

célula é estimulada, o

estímulo propaga-se para

todas as restantes células. Jáa ligação mecânica entre as

células musculares cardíacas é

assegurada pela presença de

discos intercalares  e

desmossomas.

A célula muscular cardíaca

diferenciada para a

contracção tem uma

estrutura similar à célula

muscular esquelética, todavia,regista-se a presença de

apenas uma tríade por

sarcómero, que se encontra

ao nível da linha Z. Também o

retículo sarcoplasmático da fibra muscular cardíaca não é tão desenvolvido como o retículo da fibra

muscular esquelética, o que implica que, ao nível das células cardíacas, por vezes sejam registadas

díades, em vez de tríades (uma díade é constituída por uma cisterna terminal mais um túbulo T).

Outra diferença entre as células musculares cardíacas e as células musculares esqueléticas prende-se

com o facto de canais de cálcio de tipo L  (também designadas por receptores dihidropiridínicos)

permitirem a entrada de uma quantidade substancial de cálcio para o sarcoplasma das células cardíacas.Isto leva a que se gerem diferenças entre os potenciais de acção registados ao nível do músculo cardíaco

e do músculo esquelético  –  verificamos que os primeiros, após a despolarização têm uma fase de

 plateau (ou seja, uma duração mais longa). Contudo, esse  plateau apresenta diferentes características,

consoante a cavidade cardíaca, na qual as fibras se encontram inseridas.

Acoplamento excitação/contracção

O potencial de acção do

músculo cardíaco é

caracterizado por uma fase

de despolarização rápida,que se caracteriza pela

entrada de sódio para o

interior da célula.

Subsequentemente, verifica-

se uma diminuição na

permeabilidade de sódio,

passando os canais do

estado “aberto” para o seu

estado “inactivo”.

Concomitantemente,

verifica-se a abertura dos

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canais de potássio, mas a repolarização é interrompida pela abertura dos canais de cálcio tipo L, que

permitem a entrada de cálcio para o meio intracelular, o que serve como mecanismo de contrabalanço

ao movimento do potássio. Desta forma, a célula mantém-se despolarizada, registando-se uma fase de

 plateau. A repolarização da membrana apenas se torna completa, quando os canais de cálcio fecham, na

medida em que os canais de potássio permanecem abertos.

A entrada de cálcio proveniente do meio extracelular, por via dos canais de cálcio de tipo L, leva a um

aumento dos níveis de cálcio no sarcoplasma. Isto promove a abertura dos canais rianodínicos do

retículo sarcoplasmático, o que por sua vez, leva a que se liberte cálcio do retículo sarcoplasmático para

o sarcoplasma. Desta forma, este acoplamento excitação/contracção é designado por mecanismo de

libertação de cálcio induzida pelo cálcio, sendo de natureza electroquímica (no músculo esquelético,

por sua vez, verificava-se a presença de um acoplamento electromecânico).

O ciclo das pontes cruzadas é similar no músculo cardíaco e no músculo esquelético, contudo, a

troponina C do músculo cardíaco apresenta apenas um local de ligação ao cálcio (enquanto a do

músculo esquelético apresenta dois).

Remoção de cálcio do sarcoplasma

Os níveis elevados de cálcio no sarcoplasma activam os mecanismos que levam à extrusão de cálcio.

Cerca de dois terços do cálcio presente no sarcoplasma são recaptados pelo retículo sarcoplasmático

por via da SERCA  – quando a actividade deste transportador se encontra aumentada, não só o cálcio

que se encontrava anteriormente no retículo é captado, mas também o cálcio que estava previamente

no meio extracelular passa para o retículo. Isto leva, como tal, a um aumento das reservas intracelulares

de cálcio. Por outro lado, cerca de um terço do cálcio presente no sarcoplasma é expulso para o meio

extracelular por via do trocador  (antiporter ) sódio/cálcio  –  quando a actividade deste trocador se

encontra mais aumentada, verifica-se uma diminuição das reservas intracelulares de cálcio.

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Convém referir que menos de 1% do cálcio sarcoplasmático é expulso, ou para o meio extracelular pela

bomba de cálcio, ou para a mitocôndria. A libertação de cálcio para a mitocôndria tem particular

interesse, na medida em que, se a concentração deste ião aumentar muito neste organelo (o que se

pode dever, por exemplo, a menor actividade da SERCA, devido a um défice de ATP), é aberto um poro

de transição mitocondrial, o que leva à libertação do citocromo c, uma substância que desencadeia a via

intrínseca da apoptose. De referir que esta situação regista-se, por exemplo, aquando de uma situaçãode enfarte do miocárdio, sendo um dos processos que leva à morte celular nessa condição.

Efeitos da estimulação simpática

A estimulação simpática influencia a contracção muscular cardíaca, ao promover a fosforilação do

fosfolamban. O fosfolamban é uma proteína que, quando desfosforilada, se encontra ligada à SERCA,

inactivando-a. Por outro lado, o fosfolamban fosforilado desliga-se da SERCA, o que aumenta a

actividade desta. Ora, isto significa que o fosfolamban fosforilado, ao permitir maior actividade da

SERCA, leva a que o relaxamento muscular ocorra mais rapidamente e a que o retículo sarcoplasmático

capte mais cálcio (o que leva a que a contracção seguinte seja mais vigorosa, na medida em que passa a

ser disponibilizado mais cálcio para o sarcoplasma).

Também a noradrenalina, um neurotransmissor libertado pelo sistema nervoso simpático, aumenta o

aumento da força contráctil gerada. Esta hormona leva a um aumento da síntese de cAMP, o que está

associado à fosforilação dos canais de cálcio do tipo L e a um consequente influxo passivo de cálcio para

o sarcoplasma (sendo como tal, gerada mais força contráctil). Por outro lado, o cAMP produzido

aumenta a sensibilidade ao cálcio, por parte do aparelho contráctil.

Desta forma, a estimulação simpática aumenta a contractilidade cardíaca (tornando-a mais vigorosa) e asua velocidade. Diz-se, por isso, que a estimulação simpática tem um efeito inotrópico positivo 

(inotrópico  diz respeito à contractilidade) e, simultaneamente, lusotrópico  positivo  (lusotrópico  diz

respeito ao relaxamento. Como o relaxamento passa a ocorrer mais rapidamente, aquando o efeito diz-

se lusotrópico positivo).

Considerações mecânicas

Impossibilidade de tetanização do músculo cardíaco

O músculo cardíaco em condições fisiológicas não pode ser tetanizado. Isto deve-se ao facto de o

potencial de acção ser muito longo, prolongando-se por três quartos do tempo de duração do abalo

muscular. Dessa forma, quando se regista o pico de força, ao nível da contracção muscular cardíaca, o

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músculo ainda se encontra

em período refractário

absoluto, não sendo

possível induzir a génese de

um potencial de acção

nessa altura. Dessa forma, atetanização do músculo

cardíaco torna-se

impossibilitada e as fibras

musculares cardíacas

encontram-se num

processo de contracção e

relaxamento intermitentes.

Relação tensão-comprimento

O músculo cardíaco consegue

responder ao aumento do

comprimento muscular com o

aumento da tensão activa

desenvolvida. É importante

referir que, apesar da tensão

activa aumentar, com o

comprimento do sarcómero,

este quase nunca excede o valor

de comprimento óptimo.

De facto, o aumento do

comprimento dos miofilamentos

leva a um aumento da

sensibilidade das fibras musculares para o cálcio, passando a ser necessária uma menor quantidade de

cálcio para activar o aparelho contráctil. Isso é possível, na medida em que, aquando do estiramento,

uma fibra muscular activa mecanossensores, o que leva ao desencadeamento de uma cascata

intracelular no sentido de aumentar a sensibilidade destas células ao cálcio. O aumento da concentração

de cálcio no sarcoplasma, leva a que seja desempenhada maior força. Isto explica porque é que aquando

da contracção crónica do coração contra resistência (pós-carga intensa aplicada), as paredes dos

ventrículos sofrem um espessamento; enquanto um aumento crónico da pré-carga leva a uma dilatação

das cavidades cardíacas.

Outro mecanismo que permite explicar o fenómeno de aumento da tensão activa, aquando do aumento

do comprimento muscular, prende-se com o facto de, com o estiramento muscular, as fibras musculares

ficarem mais finas. Isto leva a que diminua a distância entre os miofilamentos grossos e finos e, como

tal, a probabilidade dos miofilamentos interagirem entre si aumenta.

Mecanismo de prevenção do estiramento

O músculo esquelético permite movimentos amplos, contudo, a variação real do comprimento muscular

é reduzida (devido ao facto de as inserções serem próximas das articulações), ou seja, por exemplo,

aquando da contracção do bicípite braquial, é possível fazer um amplo movimento de 180º, mas avariação real do comprimento muscular é diminuta. Isto implica que a força gerada pelo músculo para

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levantar um peso colocado próximo da ponta, seja superior à força gerada para erguer o mesmo peso,

quando este é colocado próximo da inserção (a título de exemplo, quando se pega num peso, a

contracção do bicípite braquial torna-se mais facilitada se o peso for colocado próximo do cotovelo, do

que se for colocado na ponta da mão). Apesar disso, este mecanismo permite que o comprimento dos

sarcómeros se mantenha sempre próximo dos valores óptimos.

Contudo, isto não ocorre no músculo cardíaco e, como tal, aquando da ejecção de sangue, as fibras

musculares contraem-se e o comprimento dos sarcómeros diminui, enquanto, aquando do influxo de

sangue para o coração, verifica-se um aumento do comprimento dos sarcómeros. Ora, isto poderia

teoricamente potenciar um grande estiramento das fibras musculares cardíacas, algo que não se verifica

devido à maior rigidez apresentada pelo músculo cardíaco.

Esta rigidez deve-se à presença de titina  (que é mais rígida nas células musculares cardíacas,

comparativamente às células musculares esqueléticas), que “obriga” os sarcómeros a actuarem,

normalmente, em valores de comprimento inferiores aos óptimos  –  quando o comprimento do

sarcómero se aproxima dos 2,2 μm gera-se uma tensão passiva tal, que o estiramento ulterior dos

sarcómeros se torna praticamente interdito. Existem duas isoformas de titina no músculo cardíaco,sendo uma delas mais rígida (N2B) e outra mais complacente (N2BA). O miocárdio pode alterar a sua

rigidez, fazendo variar a proporção destas isoformas de titina e a rigidez de ambas as isoformas pode ser

alterada por mecanismos pós-traducionais. Isto revela-se importante porque um miocárdio pouco rígido

oferece pouca resistência ao estiramento, enquanto um miocárdio demasiado rígido leva a dificuldades

de enchimento do coração.

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Actividade eléctrica cardíaca

Diferentes células cardíacas despenham funções diferentes  –  existem células especializadas para a

contracção cardíaca (cardiomiócitos) e células especializadas na condução. Contudo, todas estas

células são electricamente activas. O sinal eléctrico cardíaco normalmente origina-se num grupo de

células da região superior da aurícula direita, que despolarizam espontaneamente. A partir daí, essepotencial propaga-se pelo coração, por ambos os tipos de células. Pela velocidade com que ocorre o

upstroke, os potenciais de acção podem ser caracterizados como sendo lentos  (como ocorre nos nós

sinusal e AV) ou rápidos  (o que se verifica nos miócitos auriculares, fibras de Purkinje e miócitos

ventriculares).

Uma vez que a excitação dos cardiomiócitos desencadeia um processo de acoplamento excitação-

contracção, o tempo de propagação de potenciais de acção deve ser altamente regulado, de forma a

verificar-se uma sincronização da contracção ventricular e, consequentemente, uma ejecção óptima de

sangue.

Correntes de membrana 

O tempo de iniciação e a duração do potencial de acção são distintos em diferentes porções do coração,

o que reflecte as suas diferentes funções. Essas distinções advêm do facto de os miócitos em cada

região do coração apresentarem um conjunto de canais característicos. Associados a esses canais,

existem vários tipos de correntes de membrana, responsáveis pelas várias fases dos potenciais

membranares:

1. 

Corrente de sódio (I Na)  – Responsável pela fase de despolarização rápida do potencial de acção

nos músculos ventricular e auricular, bem como nas fibras de Purkinje. Ao nível das células do

nó sinusal e do nó aurículo ventricular não se verifica a presença desta corrente, motivo pelo

qual elas têm um potencial de acção lento.2.

 

Corrente de cálcio  - (I Ca)  –  Responsável pela fase de despolarização rápida do potencial de

acção no nó sinusal e nó AV, despoletando também a contracção dos cardiomiócitos.

3. 

Correntes de potássio - Existem três correntes de potássio presentes ao nível da célula. I K  é a

principal corrente responsável pela fase de repolarização do potencial de acção em todos os

cardiomiócitos e nas células especializadas na condução. I to determina a fase I do potencial de

acção dos cardiomiócitos, enquanto a corrente I K1 é a principal estabilizadora do potencial de

repouso.

4. 

Corrente de  pacemaker   - (I  f )  –  Responsável, em parte, pela actividade de  pacemaker nas

células do nó sinusal, células do nó AV e fibras de Purkinje.

Potencial de acção dos cardiomiócitos 

As células cardíacas especializadas na contracção apresentam um potencial de acção diferente das

restantes. Este potencial é normalmente dividido em quatro fases separadas:

0. 

Fase 0  (Fase de despolarização rápida)  –  Upstroke do potencial de acção, devido à

despolarização da membrana, uma vez ultrapassado o potencial limiar dos cardiomiócitos (-

65mV). Este rápido upstroke deve-se à acção das correntes de sódio ( INa) e cálcio (ICa). A

passagem de sódio para o interior dos cardiomiócitos deve-se à abertura dos canais rápidos de

sódio dependentes de voltagem, enquanto a passagem de cálcio para o meio intracelular

ocorre por via dos canais de cálcio do tipo L.

. Fisiologia cardiovascular

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1. 

Fase I  (Fase de repolarização rápida/precoce)  –  Nesta etapa, verifica-se uma ligeira

repolarização de membrana, que se deve à abertura transitória dos canais de potássio, que

geram a pequena corrente Ito. Esta etapa, que é muito breve e de muito baixa amplitude, é

acompanhada pela quase inactivação total das correntes de cálcio ou sódio.

2. 

Fase II  (Fase de  plateau ) –   Esta fase depende da entrada continuada de cálcio (ou, menos

frequentemente, de sódio) através dos canais de cálcio do tipo L. Esta entrada de cálciocontrabalança a saída de potássio (note-se que, durante a fase de  plateau, a membrana tem

menor permeabilidade ao potássio), gerando-se assim duas correntes antagónicas. É

importante referir que a fase de  plateau é mais proeminente no músculo ventricular, onde os

potenciais de acção têm uma maior duração, mas também estão associados a uma maior força

de contracção.

3. 

Fase III  (Fase de repolarização)  –  Nesta fase regista-se novo aumento da permeabilidade ao

potássio. A abertura dos canais de potássio é acompanhada pelo fecho dos canais de cálcio,

verificando-se a saída de potássio para o meio extracelular. Passam então a estar activas as três

correntes de potássio, presentes ao nível da célula.

4. 

Fase IV  (Fase de repouso)  –  Constitui a fase diastólica eléctrica do potencial de acção. O

potencial de membrana durante a fase IV é designado por potencial diastólico  (sendo que o

potencial mais negativo registado é designado por potencial diastólico máximo). Nesta fase

verifica-se a reposição das concentrações originais do sódio (que é expulso dos cardiomiócitos

por via da bomba de sódio e potássio) e do cálcio (que é expulso das células musculares

cardíacas por via do trocador Na+/Ca2+, ou por acção da ATPase de cálcio.

A existência de períodos refractários impede

que o músculo cardíaco possa ser tetanizado, ou

que sejam desencadeados batimentos ectópicos 

(algo passível de ser observado em situações

patológicas, por via da acção de  pacemakers

inapropriados). Isto é fundamental para que

ocorra o normal funcionamento do coração, que

tem de se contrair e relaxar ciclicamente, de

modo a que seja possível que os ventrículos se

encham de sangue, antes de se contraírem. É

importante referir que o período refractário

absoluto é aqui designado por período

refractário efectivo.

Aplicações clínicas e farmacológicas

Em termos clínicos, o conhecimento do modo como se processam os

potenciais de acção ao nível dos cardiomiócitos é de extrema

importância. Todos os anos, vários indivíduos no Japão morrem por

acção da tetrodotoxina. Esta toxina está presente no peixe-balão e a sua

ingestão é letal, na medida em que bloqueia os canais rápidos de sódio.

Isto leva a um bloqueio dos potenciais de acção ou a um atraso na sua

transmissão, o que impede a normal contracção cardíaca. Por outro lado,

mutações dos canais rápidos de sódio estão associadas a arritmias

cardíacas, potenciais causadoras de morte súbita. 

Já os canais de potássio têm importância clínica, na medida em que é possível o bloqueio farmacológico

de alguns destes canais (note-se que existem diversos tipos de canais de potássio), com o objectivo de

aumentar a duração do potencial de acção e, consequentemente, a lentidão da frequência cardíaca.

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Propriedades gerais da actividade eléctrica cardíaca

O coração saudável apresenta duas propriedades fundamentais - a ritmicidade e a automacidade. A

ritmicidade está associada à presença de um intervalo de tempo igual entre cada duas contracções. Já a

automacidade prende-se com a capacidade que o coração apresenta de génese de actividade eléctrica

cardíaca de forma espontânea. De facto, caso toda a inervação do coração fosse removida, mas lhefossem fornecidos nutrientes, este órgão ficaria a bater durante horas fora da cavidade cardíaca. Este

cenário não é assim tão ficcional

como parece  –  quando são feitos

transplantes cardíacos, a inervação é

seccionada, de forma a ser possível a

introdução do coração. Isto faz com

que o coração dos indivíduos

transplantados continue a bater,

embora a frequência cardíaca deixe

de poder ser modulada pelo sistema

nervoso autónomo.

Não só a frequência de contracção

cardíaca (cronotropismo) é modulada

pelo sistema nervoso autónomo

(SNA). Verifica-se que o SNA tem

capacidade de alterar a excitabilidade

cardíaca (batmotropismo), a

capacidade de condução

(dromotropismo) e a força de

contracção (inotropismo)  –  atravésda regulação destas propriedades, o

SNA consegue modular a

automacidade cardíaca.

Tecido de condução cardíaco

O coração normal apresenta três tecidos intrínsecos de  pacemaking  – o nó sinusal, o nó AV e as fibras

de Purkinje. O conceito “actividade de  pacemaker ” refere-se à capacidade de despolarização

espontânea (dependente do tempo) que se verifica na membrana celular e leva a um potencial de acção

(ou seja, necessita da presença ciclos regulares de despolarização e repolarização). Nas células dos nós

sinusal e AV, a actividade de  pacemaker  é provocada por mudanças nas correntes IK  , ICa e I f , enquantonas fibras de Purkinje esta actividade apenas se deve à corrente I f . 

Qualquer célula cardíaca com actividade de  pacemaker tem capacidade de iniciar o batimento cardíaco,

sendo que o pacemaker com a frequência mais elevada será aquele que desencadeará um potencial de

acção que se propagará através do coração. De forma corriqueira pode-se dizer, então, que o

 pacemaker mais rápido define a frequência cardíaca, anulando os efeitos dos  pacemakers mais lentos.

Assim sendo, os pacemakers cardíacos apresentam uma hierarquia, baseada na sua frequência. Como as

células do nó sinusal, apresentando uma frequência de entre 60 a 100 batimentos por minuto,

constituem o pacemaker mais rápido, o potencial de acção cardíaco é gerado ao nível das células do nó

sinusal.

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Uma vez que as células cardíacas se encontram electricamente acopladas por via de gap junctions, o

potencial de acção propaga-se de célula a célula, da mesma forma que um potencial de acção se

propaga ao longo de um único axónio. Um potencial de acção espontâneo originado no nó sinusal é

então conduzido de célula a célula, através da aurícula direita (pelas fibras internodais), sendo então

transmitido para a aurícula esquerda. Um décimo de segundo após a sua génese, o sinal atinge o nó

aurículo-ventricular  –  oimpulso não se propaga

directamente das

aurículas para os

ventrículos, devido à

presença do anel fibroso

aurículo-ventricular.

Assim sendo, a única via

possível para o impulso

se deslocar desde o nó

aurículo-ventricular,

passa pelo sistema de

His-fibras de Purkinje,

uma rede de células

especializadas na

condução, que permite a

propagação do sinal até

ao músculo de ambos os

ventrículos. 

Nó sinusal

O nó sinusal  encontra-se na região superior da aurícula direita, próximo da entrada da veia cava

superior, sendo o principal local de origem de sinal eléctrico no coração. Isto deve-se ao facto de

constituir o  pacemaker mais rápido do coração, com uma taxa de 60 batimentos por minuto, ou

superior. Os impulsos eléctricos gerados a este nível apresentam como características intrínsecas a

ritmicidade (conferida pelas interacções entre as correntes IK  , ICa e I f ) e a automacidade.

O potencial de acção que se verifica ao nível do tecido de condução especializado, sobretudo ao nível

dos nós, é diferente do registado ao nível dos cardiomiócitos. Como já foi referido, enquanto nos

cardiomiócitos se verifica a presença de um

potencial de resposta rápida, o tecido de

condução caracteriza-se pela presença de um

potencial de resposta lenta.

De facto, ao nível do tecido de condução ocorre

uma despolarização automática das células que o

integram (despolarização diastólica espontânea),

o que está na base da automacidade verificada

nos impulsos gerados pelo nó sinusal. Parte da

despolarização espontânea deve-se à presença da

corrente I f . Esta corrente depende da presença de

um canal de catiões não-específico (canal  HCN)

que é activado aquando da hiperpolarização das

células com capacidade de  pacemaker . Isto

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permite a génese espontânea de uma corrente de despolarização após uma etapa de hiperpolarização.

A despolarização das células do nó sinusal deve-se também à abertura de canais de cálcio do tipo T, que

geram uma corrente ICa, que contribui, sobretudo para o upstroke do potencial de acção. Esta

despolarização rapidamente inactiva a corrente If , verificando-se, subsequentemente, um processo de

repolarização, com a abertura dos canais de potássio (não se verifica nestas células a presença de uma

fase de repolarização rápida, nem de uma fase de  plateau). À medida que a célula se vai repolarizando,

os canais de potássio vão começando a fechar até que, quando a célula entra em repouso se verifica

uma nova abertura dos canais HCN e um novo ciclo se inicia. De referir que o potencial diastólico

máximo das células do tecido de condução é de -60mV. Este valor, assim como o valor do potencial

limiar, é menor em módulo nestas células comparativamente aos cardiomiócitos.

Estas correntes membranares encontram-se sob controlo de agentes locais e de agentes em circulação

(tais como a acetilcolina, a adrenalina  e noradrenalina) e são frequentemente alvos de agentes

terapêuticos de modulação do ritmo cardíaco (por exemplo, actualmente, existe um fármaco que

bloqueia os canais que geram a corrente If . Isto não suprime totalmente a despolarização espontânea,

devido à presença dos canais de cálcio. O que se verifica, de facto, é o atraso da despolarização, o queacarreta uma diminuição da frequência cardíaca, ou seja, um efeito cronotrópico negativo).

Nó aurículo-ventricular

O nó aurículo-ventricular (AV) encontra-se localizado na aurícula direita, imediatamente superiormente

ao anel fibroso aurículo-ventricular. Esta localização é extremamente importante, pois permite a

passagem de um impulso eléctrico proveniente das aurículas para os ventrículos (esta é a única via pela

qual um impulso eléctrico é transmitido para os ventrículos, porque de resto, estas estruturas

encontram-se separadas por via de tecido fibroso).

Assim sendo, normalmente o nó AV é excitado por um impulso proveniente das fibras internodais (vias

de condução auriculares). Contudo, os impulsos que chegam ao nó AV sofrem um ligeiro atraso, o que

impede que aurículas e ventrículos se contraiam em simultâneo, algo essencial para que o enchimento

dos ventrículos ocorra, quando estes se encontram relaxados. É importante referir que o atraso que os

impulsos sofrem ao chegar ao nó AV se deve ao facto do nó AV (contrariamente às fibras internodais)

ser caracterizado por um potencial de acção lento, que depende apenas da corrente de cálcio para

despolarizar.

Para além dessa função moduladora, o nó AV funciona como um filtro, uma vez que, aquando de uma

taquiarritmia  (ou seja, uma arritmia caracterizada por um maior número de batimentos cardíacos por

minuto) supra-ventricular, ocorre uma despolarização desorganizada ao nível das aurículas e o nó AV é

bombardeado com estímulos. Contudo o nó AV transmite apenas alguns desses estímulos aos

ventrículos, actuando numa tentativa de normalização da condução cardíaca.

A ritmicidade intrínseca do nó AV depende, tal como a do nó sinusal, da interacção das correntes IK  , ICa e

I f . Electricamente, verificam-se igualmente parecenças entre os dois nós – ambos apresentam potenciais

de acção similares (que se transmitem lentamente) e mecanismos de  pacemaker . Contudo, o nó AV não

é o local principal de origem dos impulsos eléctricos cardíacos, na medida em que apresenta uma

frequência de pacemaker (40 batimentos por minuto) inferior à registada pelo nó sinusal. Mesmo assim,

aquando de uma falha do nó sinusal, o nó AV tem capacidade de “assumir o controlo do coração”,

gerando estímulos eléctricos secundários e actuando como um pacemaker de escape.

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Feixe de His e células da rede de Purkinje

Os estímulos que chegam ao nó AV deslocam-se até aos ventrículos através do feixe de His, que se

encontra presente ao nível do septo interventricular e se divide num feixe direito  (para o ventrículo

direito) e num feixe esquerdo  (para o ventrículo esquerdo). O feixe esquerdo, por sua vez, divide-se

geralmente num fascículo anterosuperior e num fascículo posteroinferior.

O feixe de His contacta com as células da rede de Purkinje, sendo que ambas as estruturas transmitem

os potenciais de acção de forma muito rápida (mais rápida, que em qualquer outro tecido do coração)

para ambos os ventrículos. Isto permite que a informação seja transmitida aos ventrículos,

praticamente, em simultâneo, o que leva a que estes se consigam contrair em uníssono.

As células da rede de Purkinje apresentam o ritmo de  pacemaker mais lento do coração (20 batimentos

por minuto, ou menos), o que leva a que estas se tornem  pacemakers funcionais, apenas se os nós

sinusal e AV falharem (são por isso, consideradas  pacemakers terciários). Contudo, a presença da rede

de Purkinje como pacemaker principal não é compatível com uma correcta actividade hemodinâmica.

O potencial de acção das células da rede de Purkinje depende de

quatro correntes dependentes do tempo e da voltagem  – INa (que não

se encontra presente ao nível das células dos nós sinusal e AV), ICa, IK  e

I f . O potencial diastólico máximo para as células da rede de Purkinje é

de -80 mV. A partir desse potencial de membrana, gera-se uma

despolarização dependente da corrente I f . Caso essa despolarização

atinja o potencial limiar, ocorre um rápido upstroke, mediado pelas

correntes ICa e INa, sendo que é esta última que permite que os

potenciais de acção sejam conduzidos tão rapidamente.

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36

Electrocardiograma

O electrocardiograma  (ECG) é dos exames complementares de diagnóstico mais utilizados, devido ao

facto de ser inócuo, versátil e barato. Este exame permite conhecer a orientação anatómica do coração,

as dimensões das suas cavidades cardíacas, alterações do ritmo e condução cardíacos, o estudo de

lesões isquémicas (extensão, localização e progressão), a influência de determinados fármacos e osefeitos de alterações de electrólitos.

A obtenção de um ECG é possível através de um aparelho denominado electrocardiógrafo, que

amplifica e regista os sinais detectados pelos eléctrodos. Estes sinais, apesar de serem detectados à

superfície do organismo correspondem a potenciais de um campo eléctrico com origem no coração.

Deflexões

Os eléctrodos positivos  num ECG funcionam de modo análogo a câmaras de vigilância, registando a

actividade eléctrica do coração sob os seus “pontos de vista”. Assim sendo, quando uma dada onda de

despolarização se propaga no sentido de um eléctrodo positivo, aproximando-se deste, é registada umadeflexão positiva (um traçado para cima da linha de base). Por outro lado, quando uma dada onda de

despolarização se propaga no sentido oposto ao do eléctrodo positivo, afastando-se deste, é registada

uma deflexão negativa (um traçado para baixo da linha de base). Isto ocorre, uma vez que ao nível de

um electrocardiograma são detectadas as diferenças de potencial presentes no exterior da célula.

A título de exemplo, se uma despolarização se registar da direita para a esquerda, um eléctrodo que

esteja colocado à esquerda do coração “sente” a onda de propagação do estímulo a aproximar-se de si e

regista uma deflexão positiva. Pelo contrário, um eléctrodo que esteja colocado à direita do coração

“sente” a onda de propagação do estímulo a afastar-se de si e regista uma deflexão negativa. O impulso

de despolarização foi o mesmo, mas foi registado sob dois “pontos de vista” diferentes. 

Quando um eléctrodo se encontra perpendicular à direcção de propagação de um impulso, este regista

uma deflexão positiva, quando o impulso se aproxima, e uma deflexão negativa, quando o impulso se

afasta. Isto gera uma deflexão bifásica (porque apresenta duas fases, uma positiva e uma negativa).

Aquando da repolarização, a distribuição

das cargas encontra-se invertida

relativamente à situação de

despolarização. Dessa forma, um impulso

de repolarização a propagar-se na mesma

direcção de um impulso de

despolarização, produz uma deflexão comsentido inverso. Por outro lado, um

impulso de repolarização que se

propague na direcção inversa de um

impulso de despolarização produz uma

deflexão com o mesmo sentido.

Obviamente que quando o músculo se

encontra em repouso a diferença de

potencial registada é nula e não é

registada nenhuma deflexão.

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Amplitude do sinal eléctrico

A amplitude do sinal eléctrico registado ao nível do ECG depende de vários factores:

1.  Corrente gerada momentaneamente no interior do miocárdio, menos a anulação de forças

associadas a ondas eléctricas que se propagam em direcções opostas. Isto significa que um

bloqueio cardíaco é registado num ECG através de uma deflexão com mais amplitude.

2. 

Massa miocárdica  – Maior massa miocárdica está associada a deflexões com maior amplitude.

A título de exemplo, a despolarização de um ventrículo hipertrofiado leva ao registo de uma

deflexão com maior amplitude, comparativamente à despolarização de um ventrículo normal.

Isto é explicado, porque no ECG são registadas diferenças de potencial existentes no meio

extracelular.

3.  Factores extrínsecos  – Estes factores estão geralmente associados a perdas de sinais eléctricos,

antes de estes chegarem aos eléctrodos na superfície e devem-se sobretudo aos tecidos que se

interpõem (nomeadamente os pulmões, o tecido adiposo e a parede torácica). Situações

anómalas, como um derrame de sangue no pericárdio ou um excesso de tecido adiposo

contribuem para essas perdas.

Planos e derivações

Como a electrografia lida com forças eléctricas, esta pode ser considerada vectorial, sendo o sentido do

vector determinado pelo sentido do potencial eléctrico gerado pelo fluxo de corrente, enquanto o

comprimento do vector é determinado pela voltagem do potencial. Como num mesmo momento se

gera uma grande quantidade de forças eléctricas de diferente direcção e magnitude, o normal é registar

o vector médio, ou seja, o vector resultante da actividade eléctrica na activação cardíaca

(paralelamente, o vector instantâneo representa o conjunto de forças eléctricas que se propagam pelo

coração num dado instante). O vector médio pode ser calculado para a fase de despolarização auricular,

despolarização ventricular e repolarização ventricular.

Foi referido que os eléctrodos funcionam analogamente a câmaras de vigilância, registando a

propagação dos vários impulsos sob o seu ponto de vista. Dessa forma, e para ser registado o vector

médio de forma tridimensional, é necessário o registo da propagação de estímulos em todos os

sentidos. A colocação de eléctrodos nos membros, permite a determinação do plano frontal  (ou seja,

num plano coronal), isto é, a determinação das forças que se dirigem superiormente ou inferiormente e

para a esquerda ou para a direita. Por outro lado, a determinação do plano horizontal (ou seja, do plano

transversal) permite determinar se a propagação de estímulos está a ocorrer em direcção anterior ou

posterior.

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Determinação do plano frontal e triângulo Einthoven

A colocação de um eléctrodo no ombro esquerdo, de outro no ombro direito e de um último no púbis

permite a obtenção de um triângulo equilátero em que o centro (teoricamente) corresponde ao centro

da actividade eléctrica (triângulo de Einthoven). Na prática, os eléctrodos dos ombros são colocados

nos respectivos braços, enquanto o eléctrodo do púbis é colocado na perna esquerda  –  isto nãointerfere com o registo do ECG, na medida em que o potencial eléctrico registado numa extremidade

será o mesmo, seja qual for o local dessa extremidade, considerando-se, por isso os membros como

extensões dos ombros e a perna esquerda como uma extensão do púbis.

A colocação de eléctrodos

nas regiões mencionadas

permite obter três

derivações bipolares (DI, DII 

e DIII), que permitem

registar potenciais

eléctricos no plano frontal.Em DI, o eléctrodo positivo

encontra-se no braço

esquerdo (LA) e, como tal,

esta derivação regista a

diferença de potencial entre

o braço esquerdo (VLA) e o

braço direito (VRA). Já em

DII, o eléctrodo positivo

encontra-se na perna

esquerda (LL), sendo

registada a diferença de

potencial entre a perna

esquerda (VLL) e o braço direito. Por fim, em DIII, o eléctrodo positivo encontra-se na perna esquerda,

sendo registada a diferença de potencial entre a perna esquerda e o braço esquerdo.

Desta forma, podemos concluir que, segundo as leis de Einthoven:

 

Para determinar o plano frontal são ainda analisadas mais três derivações. Contudo, apesar de estas se

localizarem nos membros, são unipolares. As derivações unipolares  medem a diferença de potencial

entre um eléctrodo indiferente e um eléctrodo explorador.

O eléctrodo indiferente é constituído por três fios eléctricos que se encontram ligados entre si a um

terminal central  (que por sua vez está ligado ao pólo negativo do electrocardiógrafo) e cujas

extremidades livres se ligam, simultaneamente, aos eléctrodos do braço esquerdo ( LA), braço direito

(RA) e perna esquerda (LL). Já o eléctrodo explorador  liga-se ao membro em que se quer registar o

potencial. O potencial “verdadeiro” desse membro é obtido através da diferença de potencial entre o

potencial do membro (registado pelo eléctrodo explorador) e o potencial do eléctrodo indiferente. Uma

vez que o potencial do eléctrodo indiferente é zero (porque a soma dos três potenciais é considerada

nula), o potencial obtido pelo eléctrodo explorador corresponde directamente ao valor do potencial

“verdadeiro” do membro em questão.  

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Assim, é possível obter as três derivações adicionais  –  VL, VR e VF. VL  corresponde ao potencial

registado no braço esquerdo; VR  corresponde ao potencial registado no braço direito e, por fim, VF

corresponde ao potencial registado na perna esquerda. As três derivações constituem, no seu conjunto,

as derivações unipolares não-aumentadas dos membros.

Contudo, a amplitude destas três derivações pode ser aumentada através de uma alteração na técnica

do registo, que consiste em desligar do terminal central a extremidade que está a ser explorada. Desta

forma, é possível obter as derivações unipolares aumentadas dos membros  –  aVL, aVR  e aVF; cujo

conceito é o mesmo.

Determinação do plano horizontal

Para determinar o plano horizontal, recorre-se às seis

derivações unipolares pré-cordiais. O eléctrodo

indiferente mantém-se ligado às três extremidades já

referidas, enquanto o eléctrodo explorador varia de

posição ao longo da parede torácica. A posição das

derivações pré-cordiais é a seguinte:

V1  - Quarto espaço intercostal, imediatamente àdireita do esterno

V2  - Quarto espaço intercostal, imediatamente à

esquerda do esterno

V3 - Equidistante entre V2 e V4

V4  – Quinto espaço intercostal, na linha médio-clavicular

V5  – No mesmo plano horizontal que V4, na linha axilar anterior

V6  – No mesmo plano horizontal que V4,na linha médio-axilar

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Propagação de um impulso eléctrico e registo no ECG

O impulso eléctrico propaga-se rapidamente a partir do nó sinusal para as aurículas direita e esquerda.

Aquando da despolarização auricular, as forças eléctricas encontram-se dirigidas inferiormente, para a

esquerda e anteriormente. A despolarização auricular produz uma onda designada por onda P, que em

DI, DII, aVF e V3-V6 corresponde a uma deflexão positiva, enquanto em aVR corresponde a uma deflexãonegativa. Em aVL esta deflexão pode ser positiva, negativa ou bifásica (dependendo da posição

anatómica do coração), enquanto, por fim, em V1, gera-se uma deflexão bifásica, em que a porção inicial

é positiva e a porção final é negativa.

A despolarização auricular progride desde as regiões adjacentes ao nó sinusal até às regiões mais distais

das aurículas. A repolarização auricular progride também nesse mesmo sentido e, como tal, o vector da

repolarização tem um sentido oposto, relativamente ao da despolarização e a deflexão desta onda

gerada (onda Ta) é inversa à deflexão registada pela onda P. Contudo, num ECG, quase nunca vemos a

onda Ta, porque esta surge em simultâneo com o complexo QRS, que “ofusca a sua presença”.  

O complexo QRS  corresponde à despolarização ventricular. A despolarização ventricular ocorre doendocárdio para o epicárdio, sendo que a primeira porção do miocárdio ventricular que é activada é a

porção antero-septal do ventrículo. As forças eléctricas encontram-se, neste momento, dirigidas para a

direita, superiormente e anteriormente, sendo que, como apenas o septo está a ser despolarizado, as

voltagens registadas são baixas. Deste modo, regista-se uma pequena deflexão negativa em DI, DII, DIII,

aVF, aVL e V4-6, enquanto se regista uma deflexão positiva em aVR e V1-2. 

Segue-se a despolarização em força da maior parte da massa dos ventrículos esquerdo e direito. O

vector resultante desta despolarização dirige-se para a esquerda, inferiormente e posteriormente,

sendo marcadamente mais influenciado pela actividade do ventrículo esquerdo (pois este tem maior

massa miocárdica que o direito). Assim sendo, regista-se uma deflexão positiva em DI, DII, DIII, aVF e V4-6 

e uma deflexão negativa em aVL, aVR e V1-2.

A última região do ventrículo despolarizar é a região posterobasal do ventrículo esquerdo. Aqui, o vector

resultante dirige-se para a direita e superiormente, o que implica a presença de uma pequena deflexão

negativa em aVF e V4-6 e uma pequena deflexão positiva em aVR e V 1.

Devido às diferentes fases de despolarização ventricular, o complexo QRS é diferente ao longo das

várias derivações, nomeadamente em termos dos segmentos que estes apresentam  –  por exemplo,

existem complexos QRS constituídos por uma onda Q, uma onda R e uma onda S, mas também existem

complexos QRS constituídos apenas por uma onda Q e uma onda R.

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A onda Q  define-se como a primeira deflexão negativa antes da onda R, que, por sua vez, é definida

como sendo a primeira onda de deflexão positiva registada no complexo QRS. Já, a onda S define-se

como a primeira deflexão negativa depois da onda R.

Por fim, no caso de estar presente uma segunda

deflexão positiva, esta toma a designação de r’. É

importante ressalvar que as pequenas deflexões (< 5

mm) são representadas por letra minúscula, enquanto

as grandes (>5 mm) são representadas por uma

maiúscula.

Assim, a despolarização do septo ventricular em DI

corresponde à onda q (pois origina uma pequena

deflexão negativa), enquanto em aVR corresponde à

onda r (pois origina uma pequena deflexão positiva).

Como tal, só podemos fazer corresponder uma dada

onda (Q, R ou S) a uma determinada fase da

despolarização ventricular, se especificarmos a

derivação que estamos a considerar.

Após a despolarização ventricular, ocorre o processo de repolarização ventricular, que gera a onda T. A

repolarização é um fenómeno que não segue as mesmas vias da despolarização (não sendo um

fenómeno propagado). De facto, enquanto a despolarização ocorre do endocárdio para o epicárdio, a

repolarização inicia-se no epicárdio e transmite-se para o endocárdio – crê-se que o endocárdio contrai-

se em último lugar, porque, aquando da contracção ventricular, gera-se uma pressão elevada que reduz

o fluxo coronário registado ao nível desta camada. O vector médio resultante da repolarização

ventricular está orientado inferiormente, anteriormente e para a esquerda. Assim sendo, verificamos

uma deflexão positiva em aVF e V3-6, negativa em aVL e aVR, enquanto em V 1-2 tanto podemos registar

uma deflexão positiva, como uma deflexão negativa.

Nas derivações pré-cordiais esquerdas é ainda possível distinguir uma pequena onda U, após a onda T.

Esta onda, que se encontra aumentada em situações patológicas, é de origem desconhecida, podendo-

se dever à recuperação do sistema His-Purkinje, ou à recuperação do miocárdio em áreas sem rede de

Purkinje.

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Para além das ondas referidas, num electrocardiograma é importante considerar os seguintes

intervalos:

1.  Intervalo PR: Intervalo de tempo entre o início da onda P e o início do complexo QRS. Apesar

de este intervalo ser normalmente utilizado para estimar o tempo de condução através do nó

AV, na verdade este intervalo corresponde ao tempo de condução através das fibras

internodais, nó AV, feixe de His e respectivos ramos. O seu valor normal varia entre 0,12 e

0,20s, sendo que valores superiores podem indicar, por exemplo, um bloqueio aurículo-

ventricular de primeiro grau (que implica atrasos na condução); enquanto valores inferiores ao

normal, devem-se à presença de uma “ponte” de tecido eléctrico, que não passe pelo nó AV e

que esteja associada a uma condução mais rápida.

2.  Segmento PR: Este segmento encontra-se entre o final da onda P e o início do complexo QRS,

sendo normalmente isoeléctrico (ou seja, idealmente, o segmento sobrepõe-se à linha de

base). O tempo ideal deste segmento será inferior a 0,12s.

3. 

Intervalo QT:  Intervalo de tempo entre o início do complexo QRS e o final da onda T. Este

intervalo mede a duração com a sístole cardíaca, variando de acordo com a frequência

cardíaca.4.  Segmento RS-T (ou ST): Este segmento é medido desde o fim do complexo QRS até ao início da

onda T, devendo ser isoeléctrico (embora possam existir variações não-patológicas). O

segmento ST corresponde ao período em que todo o miocárdio se encontra despolarizado,

pois todos os dipólos em condições normais já desapareceram. Dessa forma, este segmento

torna-se importante para compreender se existe um fenómeno isquémico no coração. De

referir que o ponto onde começa o segmento ST e termina o complexo QRS designa-se por

ponto J.

5. 

Intervalo RR: Distância entre duas ondas R consecutivas, que num ritmo sinusal regular deve

ser igual ao intervalo PP (distância entre duas ondas P consecutivas).

Registo do ECG

Apesar de ser muito simples, a técnica de registo do ECG requer alguns cuidados, nomeadamente:

1.  O paciente deve estar confortavelmente deitado numa plataforma que suporte todo o seu

corpo. Deve estar em repouso e relaxado, pois os movimentos musculares podem alterar o

registo. O paciente deve também estar em jejum, uma vez que as refeições causam alteraçõeselectrolíticas que podem dificultar a interpretação de um ECG.

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2. 

Os eléctrodos devem ser desinfectados com álcool e neles deve ser aplicada pasta electrolítica.

Os eléctrodos deve também estabelecer um bom contacto com a pele.

3. 

A máquina deve estar adequadamente calibrada, de modo a reproduzir os registos no papel à

escala padrão. Caso isso não aconteça, os traçados serão interpretados incorrectamente.

4. 

O paciente e a máquina devem estar convenientemente ligados à terra, sendo essa ligação feita

através da perna direita.

Cálculo da frequência cardíaca

O papel electrocardiográfico

apresenta inúmeras

quadrículas de 1mm de

lado, apresentando linhas

mais carregadas de 5 em

5mm. O tempo (expresso

em segundos) é medido no

eixo das abcissas, enquantoo eixo das ordenadas diz

respeito à voltagem

(expressa em mV). Como a

velocidade standard do

papel é de 25 mm/s, 1 mm

na horizontal corresponde normalmente a 0,04 s. Por outro lado, 1 mm na vertical corresponde em

regra a 0,1 mV.

A partir daqui é possível obter informações quanto à frequência cardíaca  –  na presença de um ritmo

ventricular regular a fórmula aplicada é

  ou,

alternativamente,

. Contudo, caso o ritmo seja

irregular, a fórmula aplicada é:   

Ritmo sinusal

Um ritmo pode ser classificado como sinusal, caso se verifiquem as seguintes condições:

1. 

Presença da onda P antes do complexo QRS

2. 

Onda P com posição espacial normal (positiva em DI, DII e aVF)

3.  Frequência adequada ao nó sinusal (entre 60 a 100 batimentos por minuto).

O facto da terceira condição não se verificar não invalida necessariamente que um ritmo possa serclassificado como sinusal. De facto, a inspiração aumenta ligeiramente a frequência cardíaca (como se

“retirasse inervação parassimpática ao coração”) e uma taxa de batimentos por minuto superio r pode se

dever, precisamente a este fenómeno natural, que é mais evidente nas crianças.

Modificação tri-axial e construção de vectores médios

O triângulo de Einthoven pode ser modificado, de forma a conseguirmos obter informações acerca do

eixo eléctrico médio. O eixo eléctrico médio  é definido por um vector com origem no centro do

triângulo de Einthoven, sendo normalmente aplicado ao complexo QRS (embora também possa ser

aplicado às ondas P e T).

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A modificação tri-axial  do

triângulo de Einthoven

representa as derivações

bipolares e unipolares dos

membros, através dos

ângulos estabelecidos entreas derivações. Por convenção,

define-se que o pólo positivo

de DI se encontra a 0º,

enquanto o seu pólo negativo

está a 180º. Como aVF é

perpendicular a DI, o pólo

positivo de aVF está a 90º,

enquanto o pólo negativo se

encontra a -90º. Como as três

derivações bipolares dos

membros formam um

triângulo equilátero, entre si, não admira que quando projectadas em modificação tri-axial, cada

derivação diste 60º de outra (

).

Como já foi referido, os vectores médios podem ser calculados relativamente à onda P, complexo QRS e

onda T, contudo, como a massa ventricular é maior, calculam-se os vectores médios, normalmente em

função do complexo QRS.

Cálculo do eixo eléctrico médio

O cálculo do eixo eléctrico

médio pode seguir uma

abordagem geométrica, ou

pode ser feito por simples

análise do complexo QRS.

Seguindo essa última via,

começamos por determinar

qual a derivação em que o

complexo QRS é mais próximo

de isoeléctrico (ou seja, em

que as suas ondas estão mais

próximas da linha de base).Depois, achamos derivação

perpendicular, cuja amplitude

é igual à amplitude do vector médio. Já o sinal do vector é igual ao sinal do complexo QRS nessa

derivação perpendicular.

Na imagem de exemplo (na página seguinte, à direita), constatamos que DI é a derivação mais

isoeléctrica. Ora, aVF é a derivação perpendicular a DI, logo será aí que vamos achar o eixo eléctrico

médio. Como o complexo QRS tem sinal positivo em aVF (forma uma deflexão, sobretudo, positiva),

concluímos que o eixo é de +90º e não de -90º. O vector médio é representado com origem no centro,

direcção vertical, sentido positivo (dos +90º) e amplitude igual à amplitude do complexo QRS.

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Um eixo eléctrico médio de 90º é

considerado normal. De facto,

considera-se que um indivíduo

com um eixo entre -30º e 110º

tem um eixo eléctrico normal  (o

que faz todo o sentido, na medidaem que a onda de propagação da

despolarização ventricular, que

num ECG é traduzida pelo

complexo QRS, ocorre num

sentido inferior e para a

esquerda). Já um indivíduo, cujo

eixo se encontre entre -30º e -90º

apresenta um desvio esquerdo do

eixo, algo que se pode dever, por

exemplo, a uma hipertrofia

ventricular esquerda.

Paralelamente, um indivíduo, cujo

eixo se encontre entre 110º e 180º apresenta um desvio direito do eixo, algo que se pode dever, por

exemplo, a uma hipertrofia ventricular direita. Por fim, um indivíduo cujo eixo se encontre entre -90º e -

180º apresenta um desvio extremo do eixo. Dessa forma, conhecer o eixo eléctrico do coração revela-

se muito importante para a detecção de situações patológicas.

Condições patológicas

Arritmia

Uma arritmia  é uma alteração do normal ritmo cardíaco. Existem dois tipos de arritmias - as

taquiarritmias  resultam numa frequência cardíaca mais elevada, enquanto as bradiarritmias  resultam

numa frequência cardíaca mais baixa.

O mecanismo de reentrada é o principal causador de taquiarritmias. Este fenómeno verifica-se quando

existe um bloqueio unidireccional, um circuito fechado de condução, em torno do qual se verifica a

condução de potenciais de acção lentos. O bloqueio unidireccional  é um fenómeno que impede a

transmissão de impulsos num dado sentido, mas permite que estes se propaguem no sentido inverso.

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Gera-se então um movimento de

reentrância que, caso continue, geralmente

ultrapassará a frequência de  pacemaker do

nó sinusal. Como o  pacemaker mais rápido

dita a taxa de batimentos cardíacos, as

reentrâncias são responsáveis por umgrande número de taquiarritmias.

Taquiarritmias supra-ventriculares

As taquiarritmias supra-ventriculares  podem se manifestar de dois modos. Quando se verifica a

presença de múltiplos mecanismos de microreentrada (a uma escala pequeníssima), estamos perante

um fenómeno de fibrilação auricular, caracterizado pela despolarização em círculo das aurículas. Ao

nível de um ECG, aquando de um caso de fibrilação auricular, não se verifica a presença de ondas P,

porque os vários vectores, gerados pelas

inúmeras despolarizações que ocorrem

em múltiplos sentidos, anulam-se(quando muito, podem ser registadas

microflutuações não organizadas). 

Apesar de este fenómeno impossibilitar a

contracção auricular, ele é perfeitamente

compatível com a vida normal, pois o nó

AV, sendo bombardeado com estímulos,

actua analogamente a um filtro, fazendo

com que seja transmitido um ritmo

irregularmente irregular aos ventrículos.

Já num caso de  flutter auricular, verifica-

se um fenómeno de macro-reentrada,

que origina uma despolarização mais

organizada e com menor frequência,

comparativamente à situação de

fibrilação auricular, mas que mesmo

assim ainda não pode ser considerada

uma despolarização normal. No ECG, o

 flutter auricular é evidenciado através de

uma série de ondas serreadas (ondas F)

em substituição das ondas P. Aquandodeste fenómeno o nó AV é, mais uma

vez, bombardeado por estímulos, actuando como um filtro.

Extrassístoles

As extrassístoles  são definidas

como sístoles fora de tempo,

podendo ser classificadas como

supra-ventriculares, ou

ventriculares. As extrassístoles

supra-ventriculares  consistem emdespolarizações automáticas

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anormais, cujos estímulos provêm das aurículas, nó AV e porção supra-ventricular do feixe de His. Neste

tipo de extrassístole verifica-se a presença de alterações na onda P, nomeadamente no que concerne ao

seu tempo de duração (de resto, o trajecto e a despolarização é normal) e verifica-se a presença de

complexos QRS normais.

Por seu turno, as extrassístoles

ventriculares estão associadas a

despolarizações automáticas

anormais com origem nas

células de Purkinje ou porção

ventricular do feixe de His. Num

ECG, este tipo de extrassístoles é

traduzido pela presença de QRS

bizarros.

Bloqueios AV

Os bloqueios AV de

1º grau  caracterizam-

se pela presença de

um atraso na

condução AV. Num

ECG isto traduz-se por

um prolongamento do

intervalo PR, cujo intervalo

de tempo será superior a

0,20s. Nos bloqueios AV de

2º grau  nem todos osestímulos das aurículas

chegam aos ventrículos.

Este é um meio-termo

entre os bloqueios de 1º e

os bloqueios de 3º grau.

Os bloqueios AV de 3º

grau  caracterizam-se pela

ausência de condução

aurículo-ventricular, o que

leva a que os estímulosgerados na região supra-ventricular não sejam transmitidos aos ventrículos. Assim sendo, nos

ventrículos, as células da rede de Purkinje geram um  pacemaker de escape, que não é compatível com a

estabilidade hemodinâmica (note-se que estas células têm uma taxa de 20 batimentos por minuto).

Assim sendo, não é de esperar que num ECG se observem ondas P independentes do complexo QRS,

que por sua vez, decorre a um ritmo mais lento.

Síndrome de Wolff-Parkinson-White

A síndrome de Wolff-Parkinson-White é caracterizado pela presença de uma via de condução acessória,

por entre as aurículas e os ventrículos. Esta via acessória é mais rápida, sendo composta, não por fibras

de Purkinje, mas por células musculares, permitindo a condução de um potencial de acção directamentedas aurículas para o septo ventricular, despolarizando porções de músculo septal mais precocemente do

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que se esta

ocorresse pela via

tradicional. Como

resultado, num

ECG é observada

uma onda delta no início do

complexo QRS

(correspondendo

à despolarização

inicial ou pré-

excitação) e o

complexo QRS

demora mais, não

havendo deflexões tão acentuadas.

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Ciclo cardíaco

O ciclo cardíaco é entendido como sendo a sequência de eventos eléctricos e mecânicos que se repete

em cada batimento cardíaco, sendo a sua duração passível de ser calculada pela fórmula:

 

Por exemplo, uma taxa de batimentos cardíacos de 75 batimentos por segundo corresponde a um ciclo

cardíaco de 0,8s.

Sístole e diástole

O coração funciona como uma bomba, alternando entre uma fase de enchimento e uma fase de

esvaziamento. Sob circunstâncias normais, o nó sinusal determina a duração do ciclo cardíaco e as

propriedades eléctricas do sistema de condução cardíaco, enquanto os miócitos cardíacos determinam a

duração relativa dos períodos de contracção e relaxamento.

Em termos clínicos, é comum separar o ciclo cardíaco em duas grandes fases  – a sístole diz respeito à

etapa de contracção ventricular (período que decorre entre o encerramento da válvula mitral até ao

encerramento da válvula aórtica), enquanto a diástole está relacionada com o relaxamento muscular,

sendo que, num ciclo cardíaco normal a diástole prolonga-se por um intervalo de tempo maior,

comparativamente à sístole. Contudo, à medida que a taxa de batimentos cardíacos aumenta (e, como

tal, a duração do ciclo diminui), o intervalo de tempo ocupado pela diástole diminui mais

comparativamente ao da sístole.

A perspectiva clínica tem essa designação pelo facto de a divisão entre sístole e diástole ter correlação

com a auscultação cardíaca  – os sons cardíacos S1 e S2 encontram-se associados ao encerramento das

válvulas AV e semilunares, respectivamente. Contudo, existe também uma perspectiva fisiológica, queconsidera a diástole como englobando todas as fases em que há diminuição ou menores níveis de cálcio

citosólico. Assim sendo a “diástole fisiológica” é muito mais longa que a “diástole clínica”.  

Etapas do ciclo cardíaco

Existem quatro grandes fases neste ciclo, definidas pelo estado de abertura das válvulas cardíacas (a

saber  –  fecho da válvula AV, abertura da válvula semilunar, fecho da válvula semilunar e abertura da

válvula AV). Contudo, costuma-se considerar um número superior de fases, com base não só nos

estados de abertura das válvulas, mas também nos gradientes de pressão e na velocidade de fluxo

sanguíneo.

Por motivos descritivos, será considerada a perspectiva clínica para assinalar a sístole e a diástole e será

explicado o que se passa no coração esquerdo (apesar de as etapas do ciclo serem similares nos dois

lados do coração).

Contracção isovolumétrica

Quando os ventrículos começam a despolarizar inicia-se a fase da sístole. Os ventrículos contraem-se e,

rapidamente, a pressão do ventrículo esquerdo excede a da aurícula esquerda. Como resultado, a

válvula mitral fecha. Uma vez que a válvula aórtica se encontra fechada, nesta fase, o ventrículo

esquerdo contrai-se com as válvulas aórtica e mitral fechadas. Como o sangue não tem local para se

deslocar, verifica-se a presença de uma contracção isovolumétrica que resulta num aumento rápido de

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pressão no ventrículo esquerdo. A pressão ao nível desta cavidade acaba por exceder a pressão aórtica,

o que causa a abertura da válvula aórtica.

Fase de ejecção

A fase de ejecção inicia-se com a abertura da válvula aórtica. A primeira parte desta etapa é designada

por fase de ejecção rápida  e é caracterizada pela continuação do aumento da pressão ao nível do

ventrículo. Este aumento de pressão é acompanhado de perto por uma rápida elevação da pressão

aórtica. Estes aumentos rápidos de pressão são acompanhados por uma redução do volume ventricular,

à medida que o sangue flui para a aorta. Desta forma, a pressão aórtica continua a subir e,

eventualmente, excede a pressão ventricular (início da fase de ejecção lenta).

Apesar da alteração verificada ao nível do gradiente de pressão entre a aorta e o ventrículo esquerdo, as

valvas da válvula aórtica não fecham de imediato, devido à inércia associada ao fluxo sanguíneo, que

está na base de uma grande quantidade de energia cinética no sangue. Assim sendo, durante a etapa

final da fase de ejecção lenta, o decréscimo do volume ventricular torna-se mais lento e quer a pressãoventricular, quer a pressão aórtica diminuem acentuadamente. De referir que, durante a fase de

ejecção, cerca de 70 mL de sangue flui para a aorta, sendo deixados cerca de 50 mL de sangue no

ventrículo (volume residual).

Relaxamento isovolumétrico

No final da fase de ejecção, o fluxo sanguíneo através da válvula aórtica decresce para valores

extremamente baixos, até que começa a reverter a sua direcção (i.e. gera-se um fluxo retrógrado ou

negativo). Nesta altura, a válvula aórtica fecha, iniciando-se assim a diástole. O fluxo sanguíneo na aorta

torna-se de novo positivo (i.e. passa-se a deslocar de novo em sentido anterógrado), pois ocorre um

aumento de pressão na aorta (em termos gráficos, observamos uma tendência de decréscimo dapressão aórtica, a incisura dícrota, interrompida por uma deflexão positiva, a onda dícrota).

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Uma vez que, quer a válvula aórtica, quer a válvula mitral, se encontram fechadas e o sangue não pode

entrar o ventrículo esquerdo, o período descrito no parágrafo anterior é designado por fase de

relaxamento isovolumétrico. De referir que esta fase é caracterizada por uma rápida queda de pressão

no ventrículo esquerdo.

Período de enchimento ventricular rápido

Quando a pressão ventricular cai para níveis inferiores aos da aurícula esquerda, a válvula mitral abre e,

imediatamente, o volume sanguíneo do ventrículo esquerdo começa a aumentar rapidamente. Inicia-se

então o período de diástole, cuja duração decresce com aumento da frequência cardíaca (algo

conseguido, sobretudo, à custa de uma diminuição do período da diastase).

Durante este período de enchimento ventricular rápido, as pressões na aurícula esquerda e ventrículo

esquerdo evoluem em paralelo, uma vez que a válvula mitral se encontra amplamente aberta.

Simultaneamente, a válvula aórtica mantém-se fechada, contudo, a pressão aórtica desce. Isto deve-se

ao facto do sangue continuar a fluir da aorta proximal à válvula aórtica para regiões mais periféricas, o

que acarreta a retracção da parede elástica da aorta.

Diastase

Durante a diastase, a válvula mitral mantém-se aberta, mas a quantidade de sangue que flui da aurícula

esquerda para o ventrículo esquerdo é reduzida. Consequentemente, o volume de sangue ventricular

aumenta lentamente e aproxima-se de uma fase de  plateau. As pressões em ambas as cavidades

(aurícula e ventrículo esquerdo) aumentam ligeiramente, devido ao facto de a pressão nas veias

pulmonares ser ligeiramente maior, sendo que a pressão auricular continua a superar ligeiramente a

pressão ventricular, devido ao facto de a válvula mitral se encontrar amplamente aberta e de o fluxo

entre as duas cavidades ser mínimo. De referir que onda P do electrocardiograma ocorre no final desta

fase.

Contracção auricular

Imediatamente após a diastase, ocorre uma fase de contracção auricular, que leva a um aumento

variável da quantidade de sangue que entra no ventrículo esquerdo. Num indivíduo em repouso, a

contracção auricular transfere para o ventrículo esquerdo uma quantidade de sangue que representa

menos de 20% do volume sanguíneo que chega ao ventrículo, embora durante o exercício físico intenso

esta percentagem possa atingir os 40%.

A contracção auricular leva a um ligeiro aumento na pressão intra-auricular e a um aumento comparável

na pressão e volume ventriculares. Concomitantemente, a pressão aórtica continua a diminuir, como

resultado do fluxo de sangue para a periferia.

Diferenças entre o lado esquerdo e o lado direito do coração

As alterações de volume ocorridas no ventrículo esquerdo são as mesmas que as ocorridas no ventrículo

direito, uma vez que os outputs cardíacos são teoricamente idênticos nas duas cavidades. Já no que

concerne aos gráficos de pressão, estes são similares no lado esquerdo e no lado direito, excepto no que

diz respeito ao facto de as pressões do lado direito serem proporcionalmente menores às registadas no

lado esquerdo.

Em termos temporais verifica-se a presença de um desfasamento temporal entre o coração esquerdo e

o coração direito – a contracção auricular e a abertura da válvula AV ocorre mais precocemente no ladodireito (pois é lá que se localiza o nó sinusal), mas a primeira válvula AV a encerrar é a válvula mitral. Por

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outro lado, verifica-se que a abertura da válvula pulmonar antecede a abertura da válvula aórtica, na

medida em que é necessária mais pressão para que ocorra a abertura da válvula aórtica. Contudo, uma

vez que o ventrículo esquerdo exerce mais força de contracção, a fase de ejecção ocorre mais

rapidamente no lado esquerdo, de tal modo que a válvula aórtica encerra primeiro que a válvula

pulmonar.

Ansas pressão-volume

Um ciclo cardíaco pode ser representado por um gráfico que represente a pressão em função do volume

(e não a pressão ou o volume em função do tempo), gráfico esse que toma o nome de ansa pressão-

volume. Apesar do tempo não se encontrar explicitamente presente no gráfico, pode ser feita uma

análise sequencial dos eventos ocorridos no ciclo, se analisarmos o gráfico no sentido contrário ao dos

ponteiros do relógio. Todavia, a distância entre dois pontos da ansa não é proporcional ao tempo

decorrido. 

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Análise das ansas pressão-volume

A análise da ansa pressão-volume permite concluir que após se dar a ejecção de sangue a partir do

ventrículo, este não fica totalmente vazio, mas sim com uma determinada quantidade de sangue, a qual

é designada por volume residual. O volume de sangue que é ejectado a partir dos ventrículos é

designado por volume de ejecção, sendo que a fracção de ejecção (ou seja, a proporção de sangue queé ejectada pelo ventrículo) é calculada pela seguinte fórmula:

   

 

O volume de sangue telessistólico  é o volume de sangue presente no final da sístole, enquanto o

volume de sangue telediastólico  é o volume de sangue presente no final da diástole e representa o

“volume de sangue ventricular máximo”. Obviamente que a diferença entre o volume de sangue

telediastólico e o volume de sangue sistólico corresponde ao volume de ejecção. A partir dessa

diferença é igualmente possível calcular o débito cardíaco, que consiste no volume de sangue ejectado

por unidade de tempo.

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O trabalho de ejecção calculado é calculado através da quantidade de sangue deslocada a uma pressão

constante (W=Pressão x Volume de sangue). Em termos práticos, o trabalho de ejecção pode ser

calculado, por via da determinação da área da ansa de pressão.

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Determinantes da função sistólica

A função cardíaca ventricular é determinada por quatro factores principais intimamente relacionados  – 

a pré-carga, a pós-carga, a contractilidade (ou inotropismo) e a frequência de contracção. Contudo, para

fins descritivos, será feita a análise separada de cada determinante (quer para o músculo isolado, quer

para o coração intacto).

Pré-carga

No músculo isolado, a pré-carga 

é passível de ser definida como a

tensão aplicada ao músculo

antes de este iniciar a sua

contracção, o que determina

directamente o seu estiramento

passivo. Ao nível do músculo

cardíaco, a tensão passivaaumenta com o comprimento de

forma exponencial, ou seja, a

partir de um dada altura, a

tensão aumenta

exponencialmente em resposta a

pequenos aumentos de

comprimento, o que impede o

estiramento excessivo do

músculo.

Atendendo à definição de pré-carga, esta deverá ser quantificada antes de ocorrer a contracçãoventricular, ou seja, ao nível da telediástole. A tensão telediastólica exercida na parede ventricular

determina o comprimento das fibras musculares em repouso, mas como essa medição é algo difícil,

assume-se, para simplificar, que a forma do ventrículo esquerdo é, de grosso modo, esférica. Assim,

calculando a pressão ou o volume telediastólico é possível aplicar a lei de Laplace, (segundo a qual a

tensão da parede de uma cavidade é directamente proporcional ao seu diâmetro interno e à pressão no

seu interior, sendo

inversamente proporcional à

espessura da sua parede) e

quantificar a pré-carga.

Os efeitos da pré-carga são

passíveis de ser traduzidos

pela lei de Frank-Starling,

segundo a qual um aumento

do volume ventricular

telediastólico provoca um

aumento do volume de

ejecção ou da pressão

isovolumétrica máxima

desenvolvida. Isto é, no

coração intacto, aquando deum aumento da pré-carga

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(correspondente a um aumento do volume/pressão em telediástole), o ventrículo passa a ejectar uma

quantidade de sangue maior, de tal modo que o volume e a pressão sanguínea em telessístole serão os

mesmos, qualquer que seja a pré-carga aplicada. Isto é análogo ao aumento do encurtamento muscular

cardíaco, que ocorre no músculo cardíaco isolado em condições isotónicas, aquando do aumento da

pré-carga.

Paralelamente, caso o aumento da pré-carga seja registado em ciclos cardíacos isovolumétricos, ocorre

um aumento da pressão isovolumétrica desenvolvida. Isto é passível de ser comparado ao maior

desenvolvimento de tensão, que ocorre no músculo cardíaco isolado, aquando de contracções

isométricas, por via de um aumento de pré-carga.

Mecanismos moleculares subjacentes

Em termos moleculares, aquando de um aumento da pré-carga, verifica-se um aumento da afinidade da

troponina C para o cálcio e uma facilitação do estabelecimento de pontes cruzadas. Por outro lado, um

aumento da pré-carga não resulta numa diminuição da função cardíaca, algo que se deve ao facto de a

rigidez da parede ventricular aumentar exponencialmente a partir de determinados valores do

comprimento dos sarcómeros (mesmo se a pressão intra-ventricular telediastólica for aumentada para

valores da ordem dos 100 mm/Hg, o comprimento do sarcómero dificilmente ultrapassa os 2,2 μm).

Factores determinantes e importância de alterações na pré-carga

Alterações na pré-carga são essenciais para a regulação da função cardíaca, sendo que estes

mecanismos de ajuste ocorrem ciclo a ciclo. São vários os factores que determinam alterações na pré-

carga, nomeadamente o retorno venoso, o volume total de sangue e sua distribuição, a função cardíaca

diastólica e a actividade auricular. Como tal a importância da pré-carga para a regulação cardíaca

manifesta-se aquando de diversas situações:

1. 

Alterações do retorno venoso  – Uma alteração do retorno venoso provoca uma alteração dapré-carga, o que, por sua vez, leva a ajustes na função cardíaca, nesse mesmo ciclo onde ocorre

a alteração venosa. Este mecanismo é importante aquando de alterações posturais, do volume

de sangue, da resistência vascular periférica e aquando dos movimentos respiratórios.

2. 

Desequilíbrio do débito dos dois ventrículos  – A alteração no volume de ejecção de um dos

ventrículos leva a que o retorno venoso ao ventrículo contralateral seja afectado, passados

alguns ciclos cardíacos. O mecanismo de Frank-Starling permite que ocorra um ajuste do débito

cardíaco ventricular, aquando de alterações do débito cardíaco no ventrículo contralateral. Isto

impede que quando o débito cardíaco aumenta num ventrículo, se acumule sangue a montante

do ventrículo contralateral, algo que se revela essencial aquando de várias situações fisiológicas

(por exemplo, para o equilíbrio do débito dos dois ventrículos durante os movimentos

respiratórios) ou patológicas.

3. 

Reforço da função auricular  – A pré-carga é um importante factor determinante para a função

do músculo da parede auricular, na medida em que quanto maior o volume sanguíneo presente

nas aurículas antes da sua contracção, mais potente será a contracção auricular (e daí que

maior retorno venoso resulte também numa contracção auricular mais poderosa), e maior será

a pré-carga ventricular. Isto revela-se fundamental quando o enchimento ventricular é muito

dependente da contracção auricular, algo característico do exercício físico, onde a frequência

cardíaca está aumentada e, consequentemente, o tempo de enchimento ventricular está

diminuído.

4. 

Volume cardíaco inferior ao normal  – Quando o volume cardíaco telediastólico é inferior ao

normal (por exemplo, aquando do exercício físico, quando se verifica um aumento dafrequência cardíaca e consequente diminuição do tempo de enchimento) o mecanismo de

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Frank-Strarling continua activo, sendo que, qualquer variação adicional de volume

telediastólico está associada a uma alteração do volume de ejecção, no mesmo sentido (isto é,

por exemplo, caso o volume telediastólico aumente, o volume de ejecção também aumenta.

5. 

Condições patológicas  – Aquando da presença de uma frequência cardíaca muito baixa, ou de

insuficiência cardíaca, verifica-se um aumento da pré-carga (por via de um enchimento

ventricular superior ao normal), algo que está associado a um aumento do volume de ejecçãopara valores compatíveis com a vida.

Pós-carga

A pós-carga é passível de ser definida, no músculo cardíaco isolado, como sendo a tensão exercida no

músculo depois de este ter iniciado a sua contracção, isto é, como sendo o somatório das cargas que o

músculo terá de “vencer” para se encurtar. Aplicando esta definição ao coração intacto, a pós -carga

pode ser definida como a tensão exercida sobre as fibras da parede ventricular, aquando da ejecção.

A avaliação da tensão da parede ventricular (pós-carga) é mais difícil comparativamente à da pré-carga.

Embora a lei de Laplace se mantenha válida, é necessário ter em atenção que a pós-carga não éconstante, pois ocorre diminuição dos diâmetros ventriculares, variação da pressão interventricular e

aumento da espessura da parede ventricular. De referir que a avaliação da pós-carga pode ser levada a

cabo por avaliação da impedância aórtica, embora na prática clínica, essa quantificação precisa esteja

associada a várias dificuldades de ordem técnica (podendo se proceder à aproximação grosseira da

quantificação da pós-carga através da medição da pressão arterial sistólica).

No coração intacto, um aumento da pós-carga está associado a uma diminuição da velocidade e volume

de ejecção (o que corresponde, no músculo isolado, a uma diminuição da velocidade e grau de

encurtamento, respectivamente). A pós-carga (e, como tal, a resistência à ejecção) pode ser de tal modo

elevada, que a ocorrência de ejecção ventricular se torna impossibilitada  – a velocidade de ejecção é

nula e origina-se um ciclo isovolumétrico  (o que equivale a uma contracção isométrica do músculoisolado). Por outro lado, quando a pós-carga é nula, teoricamente, a velocidade de ejecção é máxima,

sendo que o valor da velocidade máxima de ejecção, apesar de não ser afectado pela pré-carga, é

bastante sensível à contractilidade.

Determinantes da pós-carga ventricular

A pós-carga ventricular esquerda é determinada, no coração intacto, pela resistência vascular periférica,

pela impedância aórtica, pelas características físicas da parede vascular arterial, pelo volume de sangue

na aorta e pela viscosidade sanguínea. Por outro lado, a pós-carga ventricular direita é determinada pelaresistência vascular pulmonar, pela impedância do tronco pulmonar, pelas características físicas da rede

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arterial pulmonar, pelo volume de sangue na artéria pulmonar e pela viscosidade sanguínea. Para além

disso, segundo a lei de Laplace, também o diâmetro e a espessura ventricular são componentes

importantes da pós-carga. Desta forma e, dado que a elevação da pré-carga é determinada pelo

aumento do comprimento pré-contráctil das fibras musculares do ventrículo, o aumento do volume

telediastólico aumenta não só a pré-carga, mas também a pós-carga. De referir que, a elevação da pós-

carga ocorre por via da diminuição da espessura da parede ventricular e aumento dos diâmetrosventriculares.

Importância de alterações na pós-carga

Tal como a pré-carga, também a pós-carga se revela essencial para a regulação da função cardíaca em

várias situações:

1.  Regulação da pressão arterial  – Alterações na pressão arterial estão associadas a alterações da

pós-carga no mesmo sentido e, como tal, a alterações no sentido oposto do volume de ejecção

e débito cardíaco (a título de exemplo, o aumento da pressão arterial leva a um aumento da

pós-carga ventricular, o que está associado a um menor volume de ejecção e a um menor

débito cardíaco).

2.  Resposta ventricular a um aumento súbito da pressão aórtica  –  Um aumento súbito da

pressão aórtica leva a um aumento da pós-carga ventricular, associado a uma diminuição

imediata do volume de ejecção. Contudo, após o registo deste fenómeno, após alguns ciclos

verifica-se a recuperação parcial da função cardíaca (mecanismo de regulação homeométrica).

Este mecanismo de regulação não ocorre à conta de alterações no comprimento muscular,

embora os processos que lhe estão associados também ainda não estejam completamente

esclarecidos – alguns autores defendem que ocorre um aumento da contractilidade, secundário

à elevação da profusão coronária e à recuperação de um isquemia subendocárdica transitória,

enquanto outros defendem que isto ocorre por via de um aumento da pré-carga, em

consequência da diminuição do volume de ejecção (mecanismo de Frank-Starling).3.

 

Equilíbrio do débito dos dois ventrículos  – Tal como a pré-carga, a pós-carga desempenha um

papel fundamental no equilíbrio do débito dos dois ventrículos; quando um ventrículo diminui

o volume de ejecção, isso repercute-se através da acumulação de sangue a montante desse

ventrículo, o que leva a que se verifique um aumento da pós-carga no ventrículo contralateral.

Esse aumento da pós-carga leva a uma diminuição do volume de ejecção por parte do

ventrículo e, como tal, ao equilíbrio do débito dos dois ventrículos.

4. 

Condições patológicas   –  O aumento da pós-carga está associado a um agravamento de

patologias caracterizadas pela diminuição da contractilidade (como a insuficiência cardíaca).

Isto explica porque é que se registam melhorias em doentes tratados com fármacos que

diminuem a pós-carga (tais como os anti-hipertensores).

Contractilidade (inotropismo) 

Alterações do inotropismo, também designado por contractilidade, estão associadas a alterações na

velocidade e grau de encurtamento ou do desenvolvimento de tensão pelo músculo cardíaco intacto,

para um determinado nível fixo de pré-carga e pós-carga. Desta forma, um aumento da contractilidade

está associado a um aumento da velocidade e da capacidade de desenvolvimento de tensão ao nível das

contracções isométricas; e a um aumento do grau e velocidade de encurtamento muscular, aquando de

contracções isotónicas. Paralelamente, no coração intacto, não fazendo variar nem a pré-carga, nem a

pós-carga, um aumento da contractilidade está associado a um aumento da pressão máxima

desenvolvida nos ciclos isovolumétricos; e a um aumento do volume e velocidade de ejecção nos ciclos

cardíacos com fase de ejecção.

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A avaliação da contractilidade requer,

normalmente, a análise da força,

comprimento, velocidade e tempo,

sendo que enquanto no músculo

isolado, a contractilidade é avaliada

por via das relações tensão activa-comprimento  e velocidade de

encurtamento-tensão; ao nível do

coração intacto costumam-se utilizar

relações pressão-volume. Analisando

um gráfico velocidade de

encurtamento-tensão que compare

duas situações em que ocorre

variação de contractilidade mas a

carga se mantém, constata-se que

situações de maior contractilidade

estão associadas a um maior valor da

tensão máxima passível de ser

desenvolvida pelo músculo em

contracção isométrica, bem como a

uma maior velocidade de

encurtamento máxima (velocidade

de encurtamento a carga nula). Este

último parâmetro é útil como

indicador da contractilidade na

medida em que, para além de ser

sensível a alterações decontractilidade, não é influenciado

pela pré-carga. Já ao nível do coração

intacto, o declive da relação pressão-

volume telessistólica, também

designado por elastância máxima, é

um bom indicador da contractilidade,

pois este é independente da carga.

Por análise das ansas pressão-volume

para situações de diferente

contractilidade, mas em que a carga

seja mantida, observa-se queaumentos da contractilidade levam,

não só a um aumento do volume de

ejecção, como também a maiores

declives na relação pressão-volume

telessistólica (como seria de esperar,

a tendência com que se verificam

estes fenómenos é oposta, aquando

de uma diminuição da

contractilidade).

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Factores determinantes do inotropismo

A alteração da contractilidade cardíaca é determinante para a modulação da função cardíaca, sendo

influenciada por diferentes factores tais como:

1. 

Sistema nervoso autónomo  (nomeadamente por via do sistema nervoso simpático)  –  Os

terminais simpáticos do coração libertam catecolaminas, que constituem o mais importante

factor de regulação da contractilidade miocárdica. Assim sendo, as variações no número de

impulsos nos nervos cardíacos adrenérgicos estão sobretudo associadas a variações rápidas do

inotropismo. Por outro lado, a libertação de catecolaminas por parte da medula supra-renal

tem efeitos cardíacos mais lentos, podendo ter alguma relevância em situações patológicas

como a insuficiência cardíaca congestiva, ou a hipovolémia. Por fim, o sistema nervoso

parassimpático induz um efeito inotrópico negativo a nível auricular, desempenhando,

contudo, um papel pouco relevante no que concerne à contractilidade cardíaca em termos

gerais.

2. 

Endotélio cardíaco  – O endotélio cardíaco compreende o endotélio epicárdico e o endotélio

vascular coronário  e é um importante modulador da função cardíaca, desempenhando umefeito inotrópico positivo. Os efeitos do endotélio na função cardíaca fazem-se, provavelmente,

sentir através da libertação de várias substâncias tais como o monóxido de azoto  (NO), a

endotelina 1 (ET1) e a prostaciclina (PGI2). Para além disso, pensa-se que os efeitos cardíacos

de várias substâncias são influenciados pelo endotélio. Entre essas últimas substâncias

destaque para os agonistas α1, peptídeo natriurético auricular, vasopressina, 5-

hidroxitriptamina, angiotensinas I e II, ET1  e dadores de NO, tais como o nitroprussiato de

sódio.

3. 

Hormonas  – A contractilidade miocárdica é passível de ser influenciada por várias hormonas.

De entre as hormonas com efeito inotrópico positivo, destaque para as angiotensinas I e II,

cortisol, vasopressina (ADH), glicagina e hormonas T3 e T4. Já o peptídeo natriurético auricular 

apresenta um efeito inotrópico negativo. Para além da contractilidade, algumas hormonas têm

capacidade de influenciar a pré-carga, a pós-carga e a frequência cardíaca, sendo que as

hormonas que conseguem actuar ao nível da carga, fazem-no através de efeitos que exercem

na vasomotricidade e/ou natriurese.

Importância de alterações no inotropismo

As alterações da contractilidade cardíaca têm uma grande influência na função cardíaca, registando-se

esse tipo de alterações aquando de várias situações fisiológicas e patológicas, nomeadamente:

1.  Alterações hemodinâmicas  - Alterações na pressão arterial estão associadas a alterações na

contractilidade no sentido oposto. A título de exemplo, uma diminuição da pressão arterial levaa um aumento da contractilidade (e vice-versa), o que por sua vez, leva a um aumento do

débito cardíaco e consequente aumento da pressão arterial.

2. 

Extra-sístoles e variações da frequência cardíaca   –  Uma extra-sístole ou um aumento da

frequência cardíaca aumentam a contractilidade do miocárdio (relação força-frequência)

3. 

Alterações metabólicas  –  Aquando de isquemia, hipoxia ou acidose registam-se alterações

metabólicas que diminuem a contractilidade e, como tal, a função cardíaca.

4. 

Patologia endócrina  – Os seus efeitos na contractilidade variam consoante o tipo de hormona

em questão e os seus níveis plasmática. O hipertiroidismo, o hipotiroidismo  e tumores do

córtex da supra-renal  são exemplos de patologias endócrinas que influenciam a

contractilidade.

5. 

Perturbações da estrutura e função cardíaca  –  Existem duas possibilidades no que toca a

perturbações da estrutura e função cardíaca. Numa situação de necrose miocárdica (da qual é

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exemplo a situação de enfarte do miocárdio) verifica-se um aumento compensatório da

contractilidade da porção do miocárdio que não sofreu necrose. Este mecanismo, juntamente

com o aumento da pré-carga, entre outros factores, permite a manutenção da função cardíaca

global. Por outro lado, numa situação de insuficiência cardíaca  ocorre uma diminuição da

contractilidade miocárdica, sendo estimulados outros mecanismos que procurem aumentar a

função cardíaca. Todavia, em situações graves, a acção destes mecanismos nem sempre ésuficiente para manter uma função cardíaca que assegure as necessidades do organismo.

6.  Resposta a fármacos  – No que concerne à acção dos fármacos sobre a contractilidade cardíaca

esta pode ser de dois tipos  –  os fármacos inotrópicos positivos  promovem um aumento da

contractilidade e neles se incluem a cafeína, os glicosídeos, os cardiotónicos e as aminas. Por

outro lado, os fármacos inotrópicos negativos promovem o efeito inverso e deles são exemplo

os bloqueadores β, os bloqueadores de canais de cálcio e a maioria dos anestésicos gerais e

locais.

Frequência de contracção

A frequência de contracção, assim como a sequência com que são gerados os potenciais de acção, têmimportantes implicações ao nível da força desenvolvida ou do grau de encurtamento do músculo

cardíaco isolado. Assim sendo, um aumento da frequência de contracção está inicialmente associado a

uma diminuição da força desenvolvida, à qual se segue um período de recuperação da força

desenvolvida, até que o seu valor consegue ultrapassar o inicial. Deste modo, no cômputo geral, um

aumento da frequência de contracção tem um efeito inotrópico positivo ( relação força-frequência ou

efeito de Bowditch), cuja exuberância é tanto maior, quanto maior for o aumento da frequência de

contracção.

A diminuição inicial da força desenvolvida, que se verifica aquando de um aumento da frequência de

contracção, deve-se à incompleta recuperação das reservas de cálcio por parte do retículo

sarcoplasmático e outros locais de armazenamento  – durante o relaxamento muscular, embora o cálcioseja bombeado activamente para esses locais, é necessário algum tempo (500ms a 800ms) para que o

cálcio reabsorvido possa estar disponível para ser libertado em resposta a uma próxima despolarização.

Deste modo, quando ocorre um aumento da frequência de contracção, diminui o tempo entre duas

contracções sucessivas (que corresponde ao período de recuperação das reservas de cálcio), o que

explica que se verifique

uma diminuição da

quantidade de cálcio

disponível para a

contracção.

Contudo, após severificar este fenómeno,

regista-se um aumento

progressivo da força

desenvolvida, algo que

se deve ao facto da

concentração

intracelular do cálcio

aumentar gradualmente

durante a contracção

muscular. Isto ocorre

devido ao maior número

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de despolarizações por minuto registadas, bem como a um aumento do fluxo de cálcio para o

sarcoplasma em cada despolarização (por via da estimulação da actividade reabsorptiva do retículo

sarcoplasmático).

Contracções prematuras

Por outro lado, contracções prematuras  também alteram a função do músculo isolado, por via de

alterações da cinética do cálcio. Ao estimular prematuramente um músculo, verifica-se uma diminuição

da força de contracção, tanto mais acentuada, quanto menor o intervalo de tempo entre a contracção

normal e a contracção prematura. Este fenómeno é análogo à etapa inicial registada aquando de um

aumento da frequência de contracção, podendo ser igualmente explicado pela incompleta recuperação

das reservas de cálcio ao nível do retículo sarcoplasmático e de outros locais de armazenamento.

Todavia, a contracção prematura é sucedida por uma pausa prolongada e por uma contracção muscular

que desenvolve mais força que

o normal, verificando-se que,

no cômputo geral, a presença

de contracções prematuras está

associada a um efeito

inotrópico positivo. De referir

que esse efeito é tanto mais

acentuado, quanto mais

prematura tiver sido a

contracção extra. Isto é passível

de ser explicado pelo facto de,

aquando do período de

repouso, os locais de

armazenamento reabsorveremuma maior quantidade de

cálcio, que depois estará

disponível para ser libertado

durante a fase de contracção.

Aumento da frequência de contracção no coração intacto

Ao nível do coração intacto, o aumento da frequência de contracção induz também um efeito inotrópico

positivo, através da relação força-frequência, embora de modo menos pronunciado que no músculo

isolado. Apesar disso, a frequência cardíaca é um dos mais importantes factores que contribui para o

débito cardíaco:

 

Apesar do aumento da frequência cardíaca estar associado a um aumento da contractilidade cardíaca,

este fenómeno está também implicado numa diminuição do tempo de enchimento ventricular. O

aumento da contractilidade e a diminuição do tempo de enchimento ventricular induzem efeitos

opostos no volume de ejecção  –  o primeiro efeito está associado a um maior volume de ejecção,

enquanto o segundo está associado a um menor volume. Desta forma, quando se avaliam os efeitos da

frequência no débito cardíaco, convém ter em conta a importância relativa dos vários factores que

influenciam o volume de ejecção. A título de exemplo, se for colocado um  pacemaker que aumente

amplamente a frequência, o débito cardíaco manter-se-á, de grosso modo, constante, pois diminui otempo de enchimento ventricular e o volume de ejecção diminui. Contudo, numa situação de exercício

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físico, verifica-se simultaneamente um aumento da frequência cardíaca e um aumento do débito

cardíaco. Isto porque, embora o volume de ejecção diminua (tal como no exemplo anterior), o retorno

venoso aumenta. Assim, verifica-se que a frequência cardíaca revela-se fundamental na regulação do

débito cardíaco, aquando do exercício físico.

Extrassístoles

Ao nível do coração intacto, podem-se verificar a presença de extrassístole, cujo efeito é similar ao das

contracções prematuras no músculo isolado. Isto significa que ao nível da extrassístole, ocorre uma

diminuição da função cardíaca tanto mais acentuada, quanto mais prematura tiver sido a extrassístole

(devido à incompleta recuperação das reservas de cálcio). Todavia, tal como ocorre com as contracções

prematuras, a extrassístole é sucedida por um período de pausa prolongada e por um ciclo cardíaco cuja

função se encontra aumentada. É importante, contudo, ressalvar que este aumento da função cardíaca

(designado por potenciação pós-extra-sistólica) não se deve apenas a uma maior libertação de cálcio

aquando da contracção, mas também ao facto da pausa prolongada propiciar a um enchimento

ventricular mais eficaz (aumento da pré-carga), que por via do mecanismo de Frank-Starling aumenta a

função cardíaca.

Determinantes da frequência cardíaca

No que concerne aos determinantes da frequência cardíaca, destaque para os dois principais:

1. 

Automatismo intrínseco do nó sinusal  –  Este factor é influenciado por factores tais como a

temperatura e o metabolismo. De facto, a febre e o hipertiroidismo estão associados a um

efeito cronotrópico positivo, enquanto a hipotermia e o hipotiroidismo induzem no efeito

inverso.

2.  Sistema nervoso autónomo   –  O sistema nervoso simpático está implicado num efeito

cronotrópico positivo, enquanto o sistema nervoso parassimpático tem um efeito cronotrópico

negativo.

Interacções entre determinantes da função sistólica 

1. 

Interacção pré-carga/pós-carga: No coração intacto, um aumento da pré-carga leva a um

aumento da pós-carga, através de dois diferentes mecanismos. Em primeiro lugar, a diminuição

da espessura da parede e o aumento dos diâmetros ventriculares associados ao aumento da

pré-carga levam, de acordo com a lei de Laplace, a um aumento da tensão de parede

ventricular, aquando da contracção (aumento de pós-carga). Por outro lado, o aumento do

volume de ejecção induzido pelo aumento da pré-carga está associado a um incremento da

pressão arterial e, como tal, ao aumento da pós-carga. Paralelamente, o aumento da pós-carga

também leva a um aumento na pré-carga, na medida em que a diminuição do volume de

ejecção leva a um aumento do volume telediastólico (pré-carga) nos ciclos cardíacos

subsequentes.

2. 

Interacção pré-carga/inotropismo: Um aumento da pré-carga tem um efeito inotrópico

positivo, na medida em que se verifica um aumento da sensibilidade dos miofilamentos ao

cálcio. Para além disso, uma vez que, aquando de um aumento da pré-carga, se regista um

aumento da libertação de cálcio pelo retículo sarcoplasmático, verifica-se que elevações na

pré-carga correspondem a uma maior contractilidade por um maior período de tempo.

3. 

Interacção pós-carga/inotropismo: Como já foi referido, um aumento súbito da pós-carga está

associado a um aumento da contractilidade (efeito de Anrep) de causas ainda mal conhecidas

(vide supra na página 4 em “resposta ventricular a um aumento súbito da pressão aórtica”). 

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4. 

Interacção frequência cardíaca/inotropismo: O aumento da frequência cardíaca está associada

a maiores concentrações intracelulares de cálcio, o que por sua vez está associado a um

aumento da contractilidade (relação força-frequência). 

5. 

Interacção frequência cardíaca/pré-carga: O aumento da frequência cardíaca está associado a

menor tempo de enchimento ventricular e, como tal, a menor pré-carga e a menor volume de

ejecção. 

Assim sendo, um aumento da pré-carga, da contractilidade ou da frequência cardíaca estão associados a

uma melhoria da função cardíaca, algo que também ocorre aquando da diminuição da pós-carga.

Contudo, é necessário ter em conta que todos estes determinantes interagem entre si e, como tal,

eventuais alterações num destes factores podem ser compensadas por alterações em outros, o que faz

com que a função cardíaca possa nem ser afectada no cômputo geral.

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Determinantes da função diastólica

A função diastólica  é entendida como englobando os mecanismos relacionados com o enchimento e

relaxamento ventricular, contrariamente à função sistólica, associada aos mecanismos relacionados

com a contractilidade (contracção e ejecção ventricular). Deste modo, uma disfunção sistólica  é

definida como sendo uma perturbação da contractilidade (contracção e ejecção), manifestando-seatravés de uma alteração do declive da relação pressão-volume telessistólica (diminui o volume de

ejecção e a ansa pressão-volume desloca-se para a direita). Por outro lado, aquando de uma disfunção

diastólica, verifica-se que a relação pressão-volume e o volume de ejecção estão preservados, mas que

as pressões de enchimento se encontram mais elevadas.

Os determinantes da função diastólica incluem o relaxamento ventricular, as propriedades passivas da

parede ventricular (nas quais se incluem a rigidez miocárdica, a espessura da parede e a gemoetria da

cavidade ventricular) e factores extrínsecos (nomeadamente estruturas que rodeiam o ventrículo, tais

como a aurícula esquerda, as veias pulmonares, a válvula mitral; assim como a frequência cardíaca).

Avaliação da função diastólica

De forma a proceder à avaliação da função diastólica, procura-se avaliar a velocidade de queda de

pressão ocorrida dentro do ventrículo, pois a queda de pressão dentro do ventrículo é a manifestaçãohemodinâmica que traduz o relaxamento miocárdico. Existem várias formas de proceder a esta

avaliação, nomeadamente:

1. 

Determinação do tempo que o ventrículo demora a relaxar isovolumetricamente

(isovolumetric relaxation time) - A vantagem deste método é o facto de ser facilmente

calculado (pode ser detectado, por exemplo, por via de um electrocardiograma). Contudo, esta

forma de avaliação está igualmente associada a uma grande desvantagem  –  o tempo que o

ventrículo demora a relaxar isovolumetricamente não se deve forçosamente e unicamente a

variações na velocidade e, como tal, a partir deste método apenas podemos obter inferências

aproximadas (analogamente, dizer que um indivíduo A demora o dobro do tempo do indivíduo

B a chegar ao mesmo local, não significa necessariamente que A tenha sido mais rápido que B,pois A pode ter percorrido uma distância maior).

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2. 

Determinação da velocidade de queda de pressão  –  A velocidade de queda de pressão é

determinada através do cálculo da derivada da curva em função do tempo (dP/dt). Assim, a

velocidade máxima de elevação de pressão é entendida como o dP/dtmáximo, enquanto a

velocidade máxima de queda de pressão é entendida como o dP/dtmínimo. Este último índice é

amplamente utilizado na avaliação da função diastólica mas implica uma grande desvantagem,

que se prende com o facto de a velocidade máxima não reflectir necessariamente a velocidademédia (analogamente, um indivíduo que se desloque sempre a 60 km/h, mas que acelere

momentaneamente para 100 km/h tem maior velocidade máxima que outro que se desloque

sempre a 90 km/h, mas menor velocidade média).

3. 

Determinação do declive da curva de pressão  –  Este é o índice mais fiável. Aquando da

obtenção de um declive maior, conclui-se que a queda de pressão ocorre mais rapidamente.

Obviamente que, aquando da obtenção de um declive menor, conclui-se que a queda de

pressão ocorre mais lentamente. O declive da curva de pressão pode ser feito de muitas

maneiras – uma vez que a curva de pressão traduz uma função exponencial, é possível aplicar o

logaritmo da função, obtendo-se uma recta, cujo declive é de fácil obtenção. Contudo, como

estamos a avaliar uma queda de pressão, o declive obtido é negativo. Assim sendo, para se

“retirar” a carga negativa, calculam-se, a partir dos declives obtidos, as constantes de tempo 

(Tau), cuja fórmula é:

.

As relações pressão-volume telediastólicas são índices também muito utilizados, mas neste caso, com o

objectivo de avaliar a complacência e rigidez ventriculares (ou seja, as suas propriedades passivas).

Determinantes da função diastólica

Relaxamento

O relaxamento é o processo através do qual o miocárdio regressa a um estado de força e comprimento

não submetidos a stress. Ao nível do coração normal, o relaxamento constitui a maior parte do períodode ejecção ventricular, bem como o período inicial do enchimento rápido. É fácil compreender que se o

ventrículo relaxar mais rapidamente, atinge pressões ventriculares mais baixas e a passagem de sangue

das aurículas fica facilitada. Desta forma, a queda de pressão ao nível do ventrículo esquerdo é a

manifestação hemodinâmica do relaxamento ventricular.

O relaxamento miocárdico é modulado pela carga, inactivação e não-uniformidade. Os efeitos da carga

no relaxamento estão dependentes do seu tipo, da sua magnitude, do intervalo de tempo durante o

qual o ventrículo se encontra submetido à carga.

Influência da carga no relaxamento miocárdico

Quando uma pós-carga ligeira ou moderada é imposta numa fase precoce do ciclo cardíaco ( carga de

contracção), verifica-se um atraso no despoletar da queda de pressão ventricular, que é compensado

pela aceleração com que se regista essa queda (mecanismo de resposta compensatória). Por oposição,

uma grande elevação da pós-carga, ou uma elevação da pós-carga a ocorrer num período tardio da

ejecção ventricular (carga de relaxamento), induz um despoletar prematuro da queda de pressão,

acompanhado por uma maior lentidão registada neste processo, algo que acontece, inclusive, em

corações saudáveis (mecanismo de resposta descompensatória). Esta maior lentidão pode levar a um

relaxamento incompleto e, subsequentemente, ao aumento das pressões de enchimento, um fenómeno

que se torna exacerbado, aquando de um aumento da pré-carga. Ora, isto é o que se verifica ao nível

dos doentes hipertensos  –  uma vez que a hipertensão está associada à submissão de uma maior

quantidade de pós-carga para o ventrículo esquerdo, este mecanismo pode contribuir para aexacerbação da disfunção diastólica.

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Em termos moleculares isto é passível de ser

explicado pelo facto de o cálcio citosólico regressar

para níveis quase basais, ainda antes de se registar o

máximo da força. Ora, a imposição de uma carga mais

precocemente (carga de contracção), faz com que

ainda haja cálcio livre para recrutar pontes cruzadas e,como tal, cada ponte cruzada não precisa de

desenvolver força adicional. Adicionalmente, a este

nível ainda se regista um processo de actividade

cooperativa, ou seja, o recrutamento de um certo

número de pontes cruzadas leva ao recrutamento de

pontes adicionais, o que permite que se verifique a

presença de menos força por ponte cruzada. Assim

sendo, aquando da imposição de uma carga de

contracção, o ventrículo consegue gerar menos

pressão por um maior período de tempo (verifica-se a

presença de uma fase de ejecção prolongada contra

uma maior resistência), mas a velocidade de

relaxamento é acelerada.

Por oposição, aquando da imposição de uma carga de relaxamento, verifica-se que já não há mais cálcio

livre para recrutar mais pontes cruzadas. Assim sendo, cada ponte cruzada “carrega” uma força

adicional e a velocidade de relaxamento é lentificada, o que gera um efeito descompensador sobre o

relaxamento do miocárdio. Podem ainda existir situações de cargas mistas. Caso seja aplicada uma

carga de contracção, mas que seja progressivamente aumentada, esta carga passa a ser designada por

mista  – a velocidade de relaxamento torna-se então muito lenta, sendo que o ventrículo deixa de ter

tempo de relaxar totalmente, caso as pressões diastólicas não atinjam os valores basais.

Influência da inactivação no relaxamento miocárdico

No que concerne à inactivação miocárdica, este processo diz respeito à extrusão de cálcio presente no

citosol e ao desligar das pontes cruzadas. Assim, os determinantes da inactivação miocárdica incluem os

mecanismos relacionados com a homeostasia de cálcio e os reguladores dos miofilamentos

participantes nos ciclos das pontes cruzadas.

A diminuição da concentração ou da actividade da SERCA podem levar a uma maior lentidão na

remoção do cálcio presente ao nível do citosol. Consequentemente, um aumento dos níveis de

fosfolamban, uma proteína inibidora da SERCA, leva a um impedimento do normal relaxamento. Deste

modo, para se dar uma melhoria do relaxamento diastólico, torna-se necessário um aumento do cAMP,que actua na fosforilação do fosfolamban, permitindo que o seu efeito inibidor na SERCA seja removido.

Esta noção é importante em termos clínicos, na medida em que uma hipertrofia ventricular esquerda

patológica, que surja na sequência de hipertensão, ou uma estenose aórtica, têm como resultado uma

diminuição da actividade da SERCA e um aumento do fosfolamban, o que se traduz em maiores

dificuldades de relaxamento. De referir que alterações similares são passíveis de ser observadas no

miocárdio de pacientes com cardiomiopatia hipertrófica ou dilatada.

Por outro lado, é necessário ter em consideração os efeitos associados ao desligar das pontes cruzadas

para o relaxamento miocárdico. De facto, a alteração dos miofilamentos que formam as pontes

cruzadas, ou da ATPase que possibilita a ocorrência deste ciclo, pode alterar a função diastólica. Desta

forma, uma vez que aquando de uma situação de isquemia cardíaca, ocorre menor aporte de ATP e

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oxigénio, a inactivação e relaxamento miocárdico ficam comprometidos, o que leva a maiores

dificuldades no relaxamento cardíaco.

Influência da não-uniformidade no relaxamento miocárdico

O tecido especializado na condução actua de modo a que o coração actue quase em sincronia, ou seja,

que os dois ventrículos não se encontrem em fases completamente diferentes (por exemplo, um

ventrículo em contracção e outro em relaxamento). Deste modo, verifica-se somente a presença de uma

assincronia fisiológica limitada que cria pequenos gradientes para favorecer o enchimento ventricular e

o encaminhamento do sangue para a câmara de saída do ventrículo.

Contudo, numa situação patológica, esta assincronia pode ser exacerbada até um nível patológico

(presença da não-uniformidade). Por exemplo, aquando de um enfarte do miocárdio é possível que se

verifique a contracção de uma zona ventricular, enquanto, simultaneamente, outra zona ventricular não

se encontra em contracção, ou encontra-se em distensão. Assim sendo, uma re-extensão precoce e

assíncrona de um segmento ventricular e uma não-uniformidade regional induzem um despoletar

precoce da queda de pressão ventricular, que passa a decorrer com maior lentidão, comparativamente

ao que seria esperado.

As assincronias patológicas são também passíveis de ser observadas, aquando de bloqueios de ramo. A

título de exemplo, se ocorrer o bloqueio do ramo esquerdo do feixe de His, o ventrículo esquerdo terá

que ser estimulado fibra-a-fibra, contrariamente ao direito; o que gera uma grande assincronia.

Propriedades passivas ventriculares

As propriedades passivas da parede ventricular são influenciadas pela rigidez ventricular, espessura da

parede e geometria das cavidades ventriculares. Estas propriedades, apesar de serem denominadas de

passivas, podem sofrer alterações lentas a longo prazo, inclusive, por acção de hormonas ou estímulos.

Influência da espessura da parede e geometria das cavidades ventriculares

A espessura das paredes  está intimamente associada ao enchimento ventricular. Assim, quando a

parede dos ventrículos é mais espessa, verifica-se que o enchimento se processa de modo mais rígido.

Por outro lado, a quantidade de tecido fibroso ao nível da parede ventricular também condiciona a sua

rigidez, sendo que ventrículos com mais tecido fibroso (por exemplo, aquando de uma situação de

fibrose), tornam-se mais rígidos.

No que concerne à geometria da câmara, aquando da presença de cavidades mais pequenas verifica-se

a presença de uma menor tensão de parede e, consequentemente, a força gerada pelo ventrículo para a

distensão também é menor, registando-se assim uma disfunção diastólica.

Influência da rigidez ventricular

Os determinantes da rigidez ventricular  incluem factores intrínsecos aos próprios cardiomiócitos

(nomeadamente relacionados com o seu citosqueleto) e à matriz extracelular. O citosqueleto  dos

cardiomiócitos é constituído por microtúbulos, filamentos intermediários (constituídos por desmina) e

microfilamentos (constituídos por actina), bem como por proteínas endosarcoméricas (nomeadamente

a titina, α-actinina, miomesina e proteína M), sendo que alterações em algumas destas proteínas

citosqueléticas têm sido correlacionadas com alterações na função diastólica.

Pensa-se que a maior parte da força elástica dos cardiomiócitos esteja associada à titina. Quando o

sarcómero apresenta o seu comprimento muito diminuído, devido à contracção, a titina fica sob tensão,verificando-se um fenómeno de recuo elástico, que constitui a base do mecanismo de sucção

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ventricular, aquando da fase de

enchimento rápido. Por outro lado,

aquando da distensão do

sarcómero, verifica-se a distensão

da titina, o que impede o sobre-

estiramento do sarcómero.

A titina encontra-se expressa sob

várias isoformas que estão

associadas a diferentes

propriedades mecânicas e a

diferentes níveis de rigidez

ventricular. Quando a isoforma

predominante é a forma N2B 

verifica-se maior rigidez ventricular.

Por seu turno, caso a isoforma

predominante seja a N2BA, entãoverifica-se que o músculo cardíaco é

mais complacente. Todavia, a titina

pode sofrer modificação pós-traducional, por via do cálcio e por fosforilação/desfosforilação. Assim, a

fosforilação da titina, especialmente da isoforma N2B, permite diminuir a sua rigidez (e, como tal, a

fosforilação de proteínas sarcoméricas pela pKA ocorre num sentido de normalizar a maior rigidez dos

cardiomiócitos, aquando de uma situação de insuficiência cardíaca). 

Alterações na estrutura da matriz extracelular miocárdica também podem afectar a função diastólica. A

matriz extracelular miocárdica é composta por proteínas fibrilares (tais como o colagénio dos tipos I e III

e a elastina), proteoglicanos e proteínas da membrana basal (nomeadamente colagénio do tipo IV,

laminina e fibronectina). Dos componentes supracitados o colagénio é aquele que aparenta

desempenhar o papel mais importante ao nível da matriz extracelular, no que concerne ao

desenvolvimento de insuficiência cardíaca. De facto, o colagénio fibrilar presente ao nível da matriz

encontra-se frequentemente alterado em processos patológicos associados a disfunção diastólica,nomeadamente no que concerne à sua quantidade, geometria, distribuição, grau de cross-linkings e

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proporção entre colagénio do tipo I e colagénio do tipo III. O mecanismo de regulação da biossíntese de

degradação de colagénio é feito de várias formas, nomeadamente através de:

1.  Mecanismos de regulação transcricional  por via de factores físicos (nomeadamente a pré-

carga e a pós-carga), neurohumorais (tais como o sistema renina-angiotensina-aldosterona e o

sistema nervoso simpático) e de crescimento.

2.  Regulação pós-traducional, incluindo ao nível da formação de cross-links de colagénio.

3. 

Degradação enzimática  (a degradação de colagénio é da responsabilidade das

metaloproteinases presentes ao nível da matriz).

Assim sendo, para além do facto de alterações na síntese, degradação de colagénio, e respectivos

processos de regulação levarem a alterações da função diastólica e propiciarem o desenvolvimento de

insuficiência cardíaca; também a qualidade do colagénio (nomeadamente no que concerne aos cross-

links e à glicação) é essencial para determinar a rigidez miocárdica.

Para além da ocorrência de modificações pós-traducionais da titina, existem outras evidências que

sugerem que a rigidez diastólica é activamente modulada. Uma dessas evidências prende-se com o facto

da interacção entre as pontes cruzadas ocorrer (ao nível da diástole), mesmo a um tónus muscular

reduzido, quando ocorre baixa produção de cálcio. A rigidez ventricular é também modulada pela carga,

pela endotelina-1 e pelo óxido nítrico (NO). Aumentos de carga aumentam de forma aguda a rigidez

ventricular, enquanto a endotelina-1 promove uma diminuição aguda da rigidez miocárdica.

Factores extrínsecos

Os factores extrínsecos não são considerados propriamente causas da disfunção diastólica, no sentido

de não serem intrínsecos ao coração. A título de exemplo, a presença de muito líquido no pericárdio, ou

de um tumor no mediastino, leva à compressão extrínseca do coração e dificulta o seu enchimento.

Situações patológicas ao nível dos vasos com ligação ao coração ou ao nível das válvulas (tal como uma

estenose da válvula mitral) também geram problemas no enchimento ventricular, mas cuja origem é

extrínseca ao próprio músculo ventricular.

Frequência cardíaca

A frequência cardíaca  influencia as necessidades miocárdicas de oxigénio e o tempo de profusão

coronária. Aumentos rápidos da frequência cardíaca aumentam as necessidades de oxigénio por parte

do miocárdio, mas diminuem o tempo de profusão coronária. Isto permite que uma disfunção diastólica

isquémica possa ocorrer na ausência de doença coronária, especialmente em corações hipertróficos.

Para além disso, uma maior frequência cardíaca pode levar a um encurtamento tal da diástole que

impeça um relaxamento completo por entre batimentos cardíacos, o que resulta numa maior pressãode enchimento e consequente disfunção diastólica (o ventrículo não tem assim tempo de encher e,

como tal, não se regista o seu enchimento completo, apesar de o ventrículo em si poder estar a

funcionar em pleno). Este fenómeno é passível de ser observado em situações de insuficiência cardíaca

que, contrariamente a situações normais, podem estar associadas a aumentos na frequência cardíaca

não co-relacionados com um aumento da frequência cardíaca, ou mesmo co-relacionados com um

decréscimo. 

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Débito cardíaco e retorno venoso

O retorno venoso é definido como o fluxo de sangue que regressa ao coração. Na maioria dos casos,

este conceito é utilizado para nos referirmos ao retorno venoso sistémico (ou seja, para o lado direito

do coração). Uma vez que, em condições fisiológicas, a quantidade de sangue que é enviada para o lado

direito do coração deve equivaler à fracção de sangue ejectada, e uma vez que os débitos cardíacos docoração esquerdo e do coração direito são exactamente os mesmos, o input sanguíneo para o coração

direito deve equivaler ao output do coração esquerdo. Isto significa que o retorno venoso sistémico

deve equivaler ao débito cardíaco sistémico.

O débito cardíaco  é

influenciado por factores

cardíacos (ou seja, que dizem

respeito apenas ao coração) e

nos quais se incluem a

frequência cardíaca e a

contractilidade, bem comopor factores acopladores (que

dizem respeito que à função

cardíaca, quer à função

vascular), nos quais se

incluem a pré-carga e a pós-

carga.

Curvas de função vascular

A pressão auricular direita determina a magnitude

do enchimento ventricular registado. Por sua vez, apressão arterial direita depende do retorno venoso

do sangue para o coração. A relação entre o retorno

venoso sistémico e a pressão auricular direita, bem

como os diferentes factores que influenciam o

retorno venoso sistémico, é passível de ser estudada

através de uma curva de função vascular. Esta curva

descreve a variação da pré-carga em função do

débito cardíaco  –  normalmente a pré-carga é

avaliada em mm/Hg evidenciando a pressão

auricular direita, enquanto o débito cardíaco

equivale ao retorno venoso sistémico (como já foi

referido, estes dois parâmetros devem ser iguais) e é

expresso em unidades de volume/unidades de

tempo.

Quando, o retorno venoso é nulo, verifica-se a presença de pressões uniformes ao nível das artérias,

capilares, veias e aurícula direita. Esta pressão é designada por pressão de enchimento sistémica média

(ponto Pmc do gráfico em cima), rondando os cerca de 7 mm/Hg. De referir que este valor depende do

volume sanguíneo total e da complacência total.

Ora, ao aumentar o débito cardíaco, a pré-carga diminui, na medida em que se regista um menor

volume de sangue ao nível ventricular (ou seja, regista-se um decréscimo da pressão auricular direita),

sendo que a níveis mais elevados de débito cardíaco, podem se registar inclusive, valores negativos de

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pressão vascular, devido à presença de mecanismos de sucção ventricular. Não é difícil compreender

que, em termos práticos, quando se regista um aumento da pressão venosa central, de tal modo que

esta excede a pressão auricular direita, o sangue flui das grandes veias para a aurícula direita. De modo

similar, a diminuição do débito cardíaco está associada a uma maior pré-carga, na medida em que a

quantidade de sangue presente ao nível dos ventrículos é superior.

Alterações da curva de função vascular

As alterações do volume circulante (ou seja, da volémia) podem fazer deslocar as curvas de função

vascular. Desta forma, aquando de um aumento do volume circulante (situação designada por

hipervolémia  e que ocorre, por exemplo, aquando de uma transfusão sanguínea), verifica-se um

aumento da pressão venosa e, como tal, a curva de função vascular fica deslocada para a direita, mas

paralela à curva original. Paralelamente, situações de diminuição do volume circulante (episódios de

hipovolémia, característicos, por exemplo, de situações de hemorragia) deslocam a curva para a

esquerda, devido à diminuição geral da pressão venosa que se regista. De referir que, as alterações de

volémia não levam a alterações no declive

das curvas, na medida em que não sãoinduzidas alterações na resistância ou

complacência dos vasos.

Alterações no tónus venomotor, ou seja,

situações de venoconstrição e venodilatação,

são equivalentes a alterações no volume

sanguíneo. Assim uma maior complacência

venosa (venodilatação) reduz a tensão na

parede venosa, o que acarreta um menor

retorno venoso, enquanto uma menor

complacência venosa (venoconstrição) induzo efeito oposto. Deste modo, no que

concerne às curvas de função vascular,

verificamos em situações de venodilatação

um deslocamento para a esquerda,

enquanto, situações de venoconstrição estão

associadas a um deslocamento da curva para

a direita. 

A alteração do tónus das arteríolas (ou seja,

da resistência vascular periférica) apresenta

um efeito totalmente diferente na curva defunção vascular. Uma vez que as arteríolas

contêm apenas uma pequena fracção do

volume sanguíneo, alterações na resistência

vascular periférica apresentam um efeito

muito pouco significativo ao nível da pressão

média sistémica de enchimento. Deste modo,

alterações na resistência vascular periférica

não originam curvas de função vascular

paralelas à original, mas sim um

deslocamento divergente a partir do ponto

em que o débito cardíaco é nulo, isto é, o

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efeito da resistência vascular periférica é tanto mais sentido, quanto maior for o débito cardíaco. Assim,

a vasoconstrição  (ou seja, uma maior resistência vascular periférica) aproxima a curva de função

vascular do eixo das ordenadas, enquanto a vasodilatação afasta a curva de função vascular deste eixo.

Isto deve-se ao facto da vasoconstrição reduzir a pressão venosa central, o que diminui a driving

 pressure que favorece o retorno venoso para o coração. Já a vasodilatação favorece o efeito inverso.

As situações apresentadas são situações experimentais, onde são assumidas alterações puras no volume

sanguíneo ou no tónus vascular. Todavia, em cenários reais as situações são mais complicadas  – a título

de exemplo, a uma hemorragia segue-se, normalmente, uma situação de vasoconstrição, como forma

de manter a pressão arterial sistémica. Assim, em situações reais pode ocorrer a alteração simultânea

do ponto de intersecção com o eixo das abcissas e do declive da curva de função vascular.

Curvas de função cardíaca

Tal como existe uma curva de função vascular,

também se verifica a presença de uma curva de

função cardíaca  que também descreve a variaçãodo débito cardíaco em função da pré-carga. Esta

curva, uma vez que traduz aquilo que se passa em

termos cardíacos, não é mais que uma aplicação da

Lei de Starling, todavia, em vez de exprimirmos o

volume de ejecção em função da pressão auricular,

passamos a exprimir o débito cardíaco em função

da pressão auricular. Posto isto, não admira que

um aumento da pré-carga leve a um aumento do

débito cardíaco até um determinado limite.

Alterações das curvas de função cardíaca

Tal como ocorre nas curvas de função vascular, também ao nível das curvas de função cardíaca se

verifica que outros determinantes podem influenciar estas curvas, nomeadamente a contractilidade e a

pós-carga. Assim, uma redução da contractilidade ou um aumento da pós-carga estão associados a uma

diminuição do débito cardíaco, para um mesmo valor de pré-carga. Por outro lado, um aumento da

contractilidade ou uma diminuição da pós-carga induzem o efeito oposto. Não admira, portanto, que

uma diminuição da contractilidade/aumento da pós-carga desloquem a curva de função cardíaca para

baixo, enquanto um aumento da contractilidade/diminuição da pós-carga deslocam esta curva para

cima.

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Combinação das curvas de função cardíaca e função vascular

As unidades das variáveis da curva de

função cardíaca são as mesmas das variáveis

da curva de função vascular. Deste modo,

estas duas curvas podem ser expressas nomesmo gráfico. Contudo, enquanto na curva

de função cardíaca, o eixo dos y

corresponde ao débito cardíaco, na curva de

função vascular, o eixo dos y corresponde ao

retorno venoso. Assim, para representar

ambas as funções, o que se faz

normalmente é inverter os eixos da curva de função vascular. Isto é possível, na medida em que, o

débito cardíaco e o retorno venoso dependem da pressão auricular direita, enquanto a pressão auricular

direita também depende do retorno venoso e do débito cardíaco. Esta interdependência permite então

que as variáveis não possam então ser classificadas estritamente como sendo dependentes ou

independentes.

A curva de função vascular apenas se intersecta com a curva de função cardíaca num ponto, que

corresponde ao ponto de equilíbrio  para essa circunstância. Isto é importante na medida em que

pequenas alterações numa das variáveis levam a que a outra se ajuste de modo a que seja de novo

atingido o equilíbrio.

Deste modo, um aumento

transitório na pressão

auricular direita (tal como

se verifica no gráfico que

acompanha esteparágrafo) pela Lei de

Starling leva a um

aumento compensatório

do débito ventricular

(ponto B da figura).

Contudo,

simultaneamente, o

aumento na pressão

auricular direita leva a

uma diminuição da driving

 pressure para o retorno

venoso (ou seja, a uma

menor diferença entre a

pressão venosa central e a

pressão auricular direita). Desta forma, o retorno venoso diminui aquando de uma situação como esta

(ponto B’ do gráfico). Todavia, estes efeitos não duram muito – por um lado, o maior débito cardíaco

resultante diminui a pressão auricular direita, porque deixa a aurícula direita mais vazia (percurso B-C-A

da figura), enquanto, por outro, aumenta a pressão venosa central, aumentando a driving pressure para

o retorno venoso (percurso B’-C’-A do gráfico). Estes mecanismos compensatórios resultantes permitem

que o ponto de equilíbrio possa ser de novo atingido. Em suma, o sistema cardiovascular apresenta um

mecanismo intrínseco para contrariar pequenos desequilíbrios entre o input e o débito cardíaco.

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A única forma de produzir uma alteração

sustentada no débito cardíaco, retorno

venoso e pressão auricular direita, requer,

pelo menos, a alteração de uma das duas

curvas de função. Um aumento da

resistência vascular periférica (aumento dapós-carga), por exemplo, influencia o

posicionamento das duas curvas (deslocando

a curva de função cardíaca para a direita e

fazendo divergir a curva de função vascular),

sendo atingido novo ponto de intersecção.

Já a contractilidade apenas afecta as curvas

de função cardíaca, na medida em que é um

factor cardíaco (e não um factor acoplador

como a pós-carga). Assim, um aumento da

contractilidade (que pode advir, porexemplo, da estimulação simpática) está

associado a maior volume de ejecção, o que

se traduz numa situação de maior débito

cardíaco. Ora este maior débito cardíaco

acaba por implicar uma diminuição da pré-

carga, uma vez que passa a ser removida

uma maior quantidade de sangue. Esta

diminuição da pré-carga faz com que se

atinja um novo ponto de equilíbrio (ou seja,

um novo ponto de intersecção entre as duas

curvas), em que ocorre maior débito

cardíaco para menores pressões de

enchimento. 

O débito cardíaco é calculado através do

produto entre a frequência cardíaca  e o volume de ejecção. Todavia, uma vez que uma maior

frequência cardíaca está associada a uma menor tempo (e volume) de enchimento e,

consequentemente, a um menor volume de ejecção, o efeito final despoletado pelo aumento da

frequência cardíaca depende da compensação ocorrida pelo volume de ejecção. Assim, um aumento da

frequência cardíaca nem sempre se traduz num aumento do débito cardíaco  –  até dado valor, o

aumento da frequência cardíaca está associado a um maior débito cardíaco, todavia, aumentos

progressivos da frequência levam a que seja sucessivamente atingida uma fase de plateau e uma fase de

diminuição do débito cardíaco (isto já aquando de valores muito elevados de frequência cardíaca).

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Factores que condicionam o retorno venoso

O retorno venoso é condicionado por vários factores, nomeadamente:

1.  Gravidade  - Quando um

indivíduo se encontra deitado

as pressões venosas são

aproximadamente as mesmas.

Contudo, quando este se

encontra de pé, verificamos a

presença de diferenças

descaradas nas pressões

venosas sentidas ao nível das

várias partes corpo (nos

membros inferiores, a pressão

venosa é de 90 mm/Hg,

enquanto ao nível da cabeça são obtidas pressões de -35 mm/Hg). Esta variação de pressõesexplica porque é que um indivíduo quando se levanta rapidamente pode se sentir tonto  – de

facto, ocorre uma diminuição da pressão venosa na cabeça de cerca de 40 mm/Hg, algo que é

sentido ao nível de barorreceptores. Por outro lado, quando um indivíduo se coloca de cabeça

para baixo (por exemplo, quando está a fazer o pino), verifica-se um aumento das pressões

cerebrais que pode, inclusive, ser perigoso.

2. 

Contracção muscular esquelética  - A

contracção muscular é um factor

determinante para o retorno venoso, uma

vez que a contracção do músculo

esquelético promove a propulsão do

sangue em direcção ao coração. Todavia,

como o músculo não se encontra

permanentemente contraído, no caso das

veias infra-cardíacas, aquando do

relaxamento muscular, torna-se

necessário um mecanismo que previna o

sangue de fluir no sentido oposto ao do

coração (ou seja no sentido favorecido pela gravidade). Tal mecanismo é assegurado pela

presença de válvulas, que abrem aquando da contracção muscular e fecham aquando do

relaxamento, permitindo um fluxo unidireccional do sangue venoso.

Maiores pressões venosas ao nível dos membros inferiores propiciam a um extravasamento dosangue para o fluido extracelular e, como tal, quando os indivíduos se mantêm de pé por muito

tempo, passam a sentir as “pernas pesadas”. Isto deve-se ao facto de se perderem os

mecanismos que procuram contrariar esse “peso

aplicado”, algo que em termos práticos se traduz

pelo facto de a propulsão muscular não se fazer

sentir e pelo facto das válvulas venosas, por estarem

submetidas a uma sobrecarga constante, acabarem

por ficar ineficientes.

3.  Competência valvular  - Aquando de uma

insuficiência venoso-valvular (por exemplo, em

situações de veias varicosas), as válvulas não têmcapacidade de fechar completamente, permitindo

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assim que o sangue venoso flua no sentido favorecido pela gravidade, aquando do relaxamento

muscular. 

4. 

Respiração -  A inspiração está

associada a uma diminuição da

pressão intra-torácica por

expansão da parede torácica.Isto favorece, não só a uma

entrada de ar proveniente do

meio exterior, mas também o

retorno venoso

(consequentemente, na

sequência de uma inspiração

verifica-se um aumento da pré-carga no coração direito). Por outro lado, a expiração está

associada ao fenómeno inverso.

5.  Tónus vascular  - Variações do tónus vascular são também determinantes para variações do

retorno venoso. De facto, aquando de um menor retorno venoso (algo que ocorre, por

exemplo, ao nível dos membros inferiores, quando um indivíduo sentado se levanta), ocorre

uma consequente diminuição do débito cardíaco, o que se traduz num decréscimo da pressão

arterial. A menor pressão arterial é detectada pelos barorreceptores do organismo, sendo

despoletado o reflexo barorreceptor  – este reflexo tem por consequência não só um aumento

da vasoconstrição arteriolar em

todos os órgãos excepto o cérebro e

o coração (o que aumenta a

resistência vascular periférica ao

nível destes órgãos), mas também

um aumento da venoconstrição.

Ora, o aumento da venoconstriçãofavorece o retorno venoso, actuando

como mecanismo compensatório da

situação inicial.

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Circulação direita. Papel fisiopatológico do ventrículo direito

Apesar de ter sido negligenciado durante muito tempo, o estudo do ventrículo direito tem sido alvo de

um interesse crescente, na medida em que a análise do ventrículo direito revela-se fundamental no

prognóstico de algumas doenças cardíacas esquerdas. Por outro lado, conhecer o ventrículo direito

revela-se essencial para que seja possível um aprofundamento do conhecimento fisiológico da doençavascular pulmonar. Todavia, é importante ressalvar que o estudo da função cardíaca é apenas possível,

devido ao recente desenvolvimento de técnicas imagiológicas.

A acção do ventrículo direito depende, sobretudo, das condições em que opera, nomeadamente do

facto da circulação pulmonar funcionar a baixas pressões (a resistência vascular periférica ao nível

pulmonar é cerca de um décimo da resistência vascular periférica sistémica). Dessa forma, as

características do miocárdio, tão determinantes para o papel desempenhado pelo ventrículo esquerdo,

desempenham um papel de menor importância ao nível do ventrículo direito.

Anatomia do ventrículo direito

Em termos anatómicos, o ventrículo direito é passível de ser

dividido em três porções - câmara de entrada, miocárdio

apical e infundíbulo. Todavia, este ventrículo apresenta uma

conformação muito complexa, podendo apresentar uma

forma crescêntica, trapezóide, ou triangular, dependendo da

secção em que for observado. Esta complexidade anatómica

deve-se à relação que o ventrículo direito desenvolve com o

ventrículo esquerdo (a primeira cavidade quase “abraça” a

segunda), que se mostra crucial para que os dois ventrículos

se influenciem mutuamente. 

Comparativamente ao ventrículo esquerdo, o ventrículo

direito apresenta uma reduzida espessura de parede (a sua parede livre apresenta uma espessura que

varia entre 1 e 3 mm), a válvula AV mais apicalmente localizada, e um miocárdio mais trabeculado. O

ventrículo direito é menos espesso que o esquerdo, uma vez que o miocárdio do ventrículo direito

contém apenas duas camadas musculares (uma externa, circunferencial, e uma interna, longitudinal),

enquanto o ventrículo esquerdo apresenta três (a camada adicional do ventrículo esquerdo é oblíqua, o

que faz com que os movimentos

gerados ao nível desta cavidade sejam

mais complexos, ocorrendo também

movimentos de torção).

Por fim, a irrigação principal do

ventrículo direito provém sobretudo da

artéria coronária direita  e, como tal,

problemas nesta artéria estão

associados a complicações no ventrículo

direito. De referir que a perfusão no

ventrículo direito ocorre durante todo o

ciclo cardíaco em condições fisiológicas 

(perfusão sitodiastólica), devido às

baixas pressões registadas ao nível da

circunvolução pulmonar.

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Fisiologia do ventrículo direito

O ventrículo direito recebe o sangue venoso proveniente da circulação sistémica, bombeando-o para os

pulmões. Tanto o retorno venoso para o ventrículo direito, como o fluxo de sangue para os pulmões,

ocorrem a baixas pressões. Apesar destas particularidades, o débito cardíaco registado ao nível do

ventrículo direito tem de ser exactamente igual ao que se verifica no ventrículo esquerdo (só assim sepode registar uma circulação em série).

Contracção ventricular direita

A contracção ventricular direita ocorre de modo sequencial (alguns autores entendem, inclusive, que

esta circulação ocorre de modo peristáltico), iniciando-se na câmara de entrada, progredindo para

região apical e, por fim, para o infundíbulo. Já a ejecção de sangue é conseguida através do

encurtamento longitudinal do maior eixo ventricular (que é passível de ser traçado desde o ápice até à

artéria pulmonar) e da aproximação da parede anterior ao septo interventricular.

Ao nível do ventrículo direito a pós-carga registada é menor, comparativamente ao ventrículo esquerdo

(isto é óbvio, se pensarmos que a resistência vascular pulmonar é também menor). Isto significa que

aquando da contracção do ventrículo direito, o período de contracção isovolumétrica é muito curto.

Dito isto por outras palavras, uma vez que a pressão da artéria pulmonar é muito baixa, a pressão

ventricular rapidamente a ultrapassa, o que faz com que este período seja tão curto.

Quando a pressão sentida ao nível do tronco pulmonar ultrapassa a sentida ao nível do ventrículo

direito, verifica-se uma manutenção do fluxo anterógrado do sangue, algo que ocorre devido à cinética

do sangue (período de hang-out ). Este mecanismo, apesar de se registar em todos os circuitos de baixa

pressão, também se verifica ao nível do ciclo cardíaco do ventrículo esquerdo.

Estas características levam a que as ansas pressão-volume

obtidas para o ventrículo direito sejam, não de natureza

quadrilateral (como ocorre ao nível do ventrículo esquerdo),

mas de tipo triangular. Como foi referido, quase não se verifica

a presença de períodos isovolumétricos e, como tal, nestas

ansas torna-se difícil obter as verticais linhas isovolumétricas.

Esta morfologia das ansas permite deduzir que o trabalho

realizado pelo ventrículo direito seja muito inferior ao registado

pelo ventrículo esquerdo (isto verifica-se pelo facto de a área das ansas pressão-volume ser menor),

algo passível de ser explicado pelo facto da pós-carga também ser menor. Com estes dados não é de

admirar que recém-nascidos cujo ventrículo direito bombeie para a circulação sistémica apresentem

ansas pressão-volume para o ventrículo direito de morfologia quadrilateral.

Avaliação da contractilidade

Para avaliar a contractilidade do ventrículo direito, torna-se difícil achar a o ponto de pressão-volume

telessistólica. Deste modo, utiliza-se preferencialmente a elastância como parâmetro de avaliação. Em

termos comparativos, a contractilidade influencia a acção do ventrículo direito, de forma similar ao que

se verifica no ventrículo esquerdo.

Resposta à pré-carga

O ventrículo direito e o ventrículo esquerdo respondem de forma similar a variações da pré-carga,

aplicando-se a lei de Frank-Starling  a ambas as estruturas. Todavia, é necessário ter em conta dois

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aspectos, quando se considera o efeito da pré-carga no ventrículo direito  – a variabilidade respiratória 

e a interdependência ventricular.

O facto de o ventrículo direito actuar a menor pressões, faz com que este seja muito mais influenciado

pelas pressões que o circundam (nomeadamente pelos movimentos respiratórios). De facto, aquando

de uma inspiração profunda gera-se uma menor pressão intra-torácica, o que origina um maior retorno

venoso e, consequentemente, um aumento da pré-carga. Paralelamente, uma expiração profunda está

associada a um aumento da pressão intra-torácica, o que gera um menor retorno venoso e,

consequentemente, uma diminuição da pré-carga. Todavia, se os pulmões forem insuflados a pressões

muito elevadas, regista-se também um aumento da pós-carga, devido ao aumento da resistência

vascular pulmonar.

Resposta à pós-carga

Um aumento de pressão na artéria pulmonar surte mais efeitos ao nível do ventrículo direito,

comparativamente a um aumento de pressão aórtico ao nível do ventrículo esquerdo, uma vez que o

ventrículo direito apresenta uma menor quantidade de músculo. Esta característica impede o ventrículo

direito de gerar pressões superiores a 40 mm/Hg de forma aguda. Contudo, quando esta cavidade se

encontra cronicamente submetida a pós-cargas elevadas, ocorre hipertrofia ventricular, e o ventrículo

direito passa a ser capaz de gerar pressões superiores a 40 mm/Hg.

De referir que a resistência vascular pulmonar depende da função respiratória, na medida em que esta

função está associada a alterações da PaO2 e da PaCO2.

Interdependência ventricular

A função do ventrículo esquerdo afecta significativamente a função sistólica ventricular direita, sendo

que a contracção ventricular esquerda contribui para entre 20% a 40% da pressão sistólica ventricular

direita e débito cardíaco direito. Esta dependência é possível, sobretudo, através da presença do septointerventricular, embora também se deva presença do pericárdio.

Contudo, a interacção entre os dois ventrículos não é unidireccional (não é por acaso que este

fenómeno é designado por interdependência ventricular). De facto, verifica-se que o ventrículo direito

também influencia a actividade do ventrículo esquerdo, embora de forma mais discreta. A título de

exemplo, aquando da dilatação do ventrículo direito (algo que ocorre numa situação de enfarte desta

cavidade), a geometria do ventrículo esquerdo sofre alterações, o que leva a que a sua contractilidade

seja afectada.

Apesar de o ventrículo esquerdo influenciar amplamente a função ventricular direita, não se pode

menosprezar o papel da contracção da parede livre do ventrículo direito. De facto, apesar de não serdecisiva, a acção da parede livre do ventrículo desempenha um importante papel na determinação do

volume de sangue a ser ejectado.

Função diastólica no ventrículo direito

A função diastólica encontra-se ainda muito pouco estudada ao nível do ventrículo direito, todavia,

alguns dados já são conhecidos:

1.  O enchimento ventricular direito inicia-se primeiro que o enchimento ventricular esquerdo,

mas termina depois.

2. 

A complacência ventricular registada ao nível do ventrículo direito é maior, comparativamenteà registada no ventrículo esquerdo.

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3. 

Ao nível da diástole ventricular direita, as propriedades activas auriculares adquirem maior

importância. De facto, aquando de situações de maior pós-carga, torna-se imperativa a

ocorrência de contracção auricular, de modo a assegurar um correcto enchimento ventricular.

4. 

Maior susceptibilidade ao aumento da pressão intra-pericárdica.

Fisiopatologia do ventrículo direitoAquando de uma situação de insuficiência ventricular direita, o coração não tem capacidade de

assegurar um débito cardíaco suficiente para assegurar as necessidades do organismo (nomeadamente

ao nível dos pulmões). Esta é uma condição que põe em risco a vida e que é avaliada por um aumento

da pressão venosa jugular, embora também se manifeste por via da formação de edema periférico.

Muitas vezes associada a esta condição, verifica-se uma situação de hipertensão pulmonar,

caracterizada por um aumento de pressão ao nível dos vasos da circulação pulmonar. Os sintomas mais

comuns incluem fadiga, edema periférico, falta de ar e tosse seca.

Outro factor de risco para a insuficiência ventricular direita é a presença de disfunção ventricular

direita, uma vez que pacientes cujo ventrículo direito ejecte uma menor fracção sanguínea apresentam

menor tolerância ao exercício.

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Fisiopatologia da isquemia do miocárdio

A doença coronária é responsável por cerca

de 20% da mortalidade global, enquanto a

doença cérebro-vascular apresenta uma

prevalência menor comparativamente àdoença coronária, mas uma maior

mortalidade. Em termos gerais, a

mortalidade associada às doenças

cardiovasculares está a diminuir, contudo,

num futuro próximo é expectável uma

inversão desta tendência, devido ao

aumento da prevalência da obesidade, entre

outros factores. Assim, torna-se

fundamental conhecer os mecanismos

fisiopatológicos associados à doença

coronária.

Definição de isquemia do miocárdio e conceitos básicos

Entre 4 a 5% do débito cardíaco

destina-se para a circulação coronária,

apesar da massa do coração

corresponder apenas a cerca de 0,5%

da massa corporal. O fluxo sanguíneo

coronário é regulado por via de

mecanismos locais (que envolvem, por

exemplo, a adenosina). Estes

mecanismos de regulação permitem

que, quando necessário, o coração

aumente a sua capacidade de fluxo 4 a

5 vezes. De referir que essa capacidade

é designada por reserva coronária e é

útil tanto em condições fisiológicas

(por exemplo, aquando do exercício

físico), como em situações patológicas

(a existência de reserva coronária justifica que, aquando de uma estenose, o coração continue a ser

irrigado). De referir que a compressão extra-vascular que ocorre durante a sístole leva a que o fluxocoronário ocorra, maioritariamente, ao nível da diástole.

Apesar de uma fracção significativa do débito cardíaco ser direccionada para irrigação cardíaca, o

coração tem uma elevada taxa de extracção de oxigénio e, como tal, aquando de um aumento das

necessidades de oxigénio, o coração aumenta preferencialmente a captação de sangue, em detrimento

de um aumento da quantidade de oxigénio que extrai do sangue.

Deste modo, o fornecimento de oxigénio ao miocárdio depende quer do fluxo sanguíneo coronário, que

do conteúdo do sangue em oxigénio. Como é facilmente compreensível, o fornecimento de oxigénio

ajusta-se às necessidades do miocárdio e, caso esta correspondência não seja assegurada, gera-se uma

situação de isquemia do miocárdio. A isquemia do miocárdio é então passível de definida como sendo

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um deficit do fornecimento de oxigénio ou um aumento não correspondido da necessidade do

miocárdio de oxigénio.

A ocorrência destes desequilíbrios, está dependente de vários factores, nomeadamente:

O desenvolvimento de um processo isquémico está frequentemente associado ao desenvolvimento

subsequente de enfarte agudo do miocárdio. A ocorrência de um enfarte agudo do miocárdio requer,

não só, a presença de isquemia, mas também a ocorrência de necrose, algo que se verifica na sequência

de um episódio de isquemia aguda do miocárdio. Assim, enquanto numa situação de isquemia, as lesões

induzidas nos primeiros vinte minutos são reversíveis, aquelas ocorridas no período de tempo

subsequente são totalmente irreversíveis, devido à morte celular ocorrida. De referir que, a necrose se

inicia na região subendocárdica e progride para as restantes regiões miocárdicas e, por isso, quanto

maior for o período de tempo decorrido, maior será a área que sofre necrose.

Isquemia de necessidade e isquemia de fornecimento. Correlação com aterosclerose

A aterosclerose é uma condição que propicia o desenvolvimento, quer de isquemia de fornecimento,

quer de isquemia de necessidade. Situações nas quais se verifica o impedimento do fluxo de sangue (por

exemplo, devido à formação de um trombo), estão associadas a isquemia de fornecimento. Já situações

de obstrução coronária crónica, em que o aporte de oxigénio é suficiente em repouso, mas insuficiente

aquando de necessidades energéticas aumentadas, estão

associadas a isquemia de necessidade.

A presença de placas ateroscleróticas ao nível das artérias

coronárias leva ao desenvolvimento de fenómenos de estenose 

(ou seja, de estreitamento do vaso), que podem estar associados aisquemia de necessidade. Todavia, devido à presença do

mecanismo de reserva coronária, mesmo aquando de estenoses

de 60-70%, o fornecimento de sangue para o fluxo coronário

mantém-se adequado em situações de repouso. De facto, em

repouso, só quando o fluxo se encontra comprometido em 80-90%

é que o paciente desenvolve isquemia de necessidade (em

situações de esforço, esse valor baixa para os 50%).

Contudo, as placas ateroscleróticas são susceptíveis de ruptura,

algo que propicia o desenvolvimento de fenómenos de isquemia

de fornecimento  –  quando uma placa de uma artéria coronária

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rompe são activados mecanismos de coagulação, formando-se subsequentemente um coágulo que

obstrui a artéria e perturba o fluxo sanguíneo.

É importante referir que as

placas de aterosclerose são

distintas no que concerne à

sua vulnerabilidade à ruptura.

Placas com uma cápsula

fibrosa mais fina, com menor

grau de estenose, com um

núcleo rico em lipídeos e com

mais macrófagos são mais

propensas para a ocorrência

de fenómenos de ruptura. Já

as restantes placas, sobretudo

devido à presença uma maior

quantidade de tecido fibroso,são mais susceptíveis de

sofrer calcificação e, embora contribuam para um maior grau de estenose (que, muitas vezes, é

compensada pelo mecanismo de reserva coronária), não levam a um evento “dramático” como a

ruptura. 

Aspectos clínicos da doença coronária

Aquando de um fenómeno de isquemia, verifica-se a presença de um deficit de ATP, uma vez que a

ocorrência da fosforilação oxidativa fica impedida, devido a um menor aporte de oxigénio. Este

impedimento da obtenção da energia por via aeróbia leva a que o ATP seja obtido em condições

anaeróbias, com consequente formação de lactato. Este fenómeno traz duas consequênciasimportantes – por um lado, o défice de ATP leva ao desenvolvimento de disfunção sistólica e diastólica,

enquanto a acumulação de lactato está associada a uma acidose intracelular e, subsequentemente, ao

desenvolvimento de dor.

O deficit  de ATP que advém de um processo isquémico está associado ao desenvolvimento de disfunção

sistólica - verifica-se o desenvolvimento de mecanismos de hipocinésia, acinésia e discinésia, bem como

de hipertensão arterial, de cansaço e de hipoperfusão periférica. Apesar disso, verifica-se que as áreas

miocárdicas adjacentes àquelas que sofreram necrose desenvolvem hipercinésia, numa tentativa de

desenvolver um mecanismo de compensação. Por outro lado, o deficit de ATP está associado a uma

maior propensão para o desenvolvimento de arritmias, assim como ao desenvolvimento de disfunção

diastólica (uma vez que o ATP é essencial para o funcionamento da SERCA, que promove a entrada decálcio para o retículo sarcoplasmático).

Devido a um menor aporte de oxigénio, verifica-se que fenómenos de isquemia são sucedidos por morte

celular. Em termos clínicos, quando um doente se apresenta numa situação isquémica torna-se muito

importante detectar se já ocorreu necrose (de facto, um enfarte é caracterizada pela presença de

fenómenos de isquemia e necrose). Essa detecção é conseguida através do doseamento de troponina no

sangue periférico  –  uma vez que quando os cardiomiócitos sofrem lise vertem alguns dos seus

componentes para a circulação sanguínea, proteínas como a troponina ou a mioglobina (presentes ao

nível destas células) constituem importantes marcadores da ocorrência de necrose.

De referir que, após um enfarte verifica-se a presença de mecanismos de remodelagem  na regiãoafectada, nomeadamente num sentido de dilatação ventricular.

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Obstrução total e parcial

A obstrução de uma artéria coronária (considerando, por exemplo, a ruptura de uma placa

aterosclerótica) pode ser total ou parcial. Esta distinção é importante, na medida em que o tratamento

administrado difere nas duas situações. Ao nível do electrocardiograma, fenómenos de obstrução

coronária total são traduzidos por um supra-desnivelamento do segmento ST, enquanto fenómenos deobstrução parcial  manifestam-se através de um infra-desnivelamento deste segmento, ou através da

inversão da onda T.

Apesar disso, a dor sentida na sequência de um processo isquémico é de natureza similar, sendo

caracterizada por uma elevada intensidade, por um ardor com origem retro-esternal, e pelo facto de

irradiar para o pescoço e membro superior.

O electrocardiograma como meio auxiliar de diagnóstico em fenómenos isquémicos

A ocorrência de fenómenos isquémicos está associada a alterações passíveis de ser observadas no

electrocardiograma, nomeadamente ao nível do segmento ST (que deixa de ser isoeléctrico passando a

sofrer um desnivelamento) e da onda T. O electrocardiograma é um meio auxiliar de diagnóstico muito

útil, na medida em que permite deduzir qual a parede do coração que está a sofrer isquemia  – 

alterações ao nível das derivações pré-cordiais indicam a ocorrência de um enfarte agudo do miocárdio

na parede anterior, devido a oclusão da artéria descendente anterior. Por outro lado, caso as alterações

se registem em DI e aVL, verifica-se a presença de um enfarte agudo da parede lateral do miocárdio,

algo que se deve a oclusão da artéria circunflexa. Por fim, alterações em D II, DIII e aVF estão associadas

à oclusão da artéria coronária direita e, consequentemente, a um enfarte da região posteroinferior do

miocárdio.

Terapêutica associada

Terapêutica faramcológica

A ruptura das placas ateroscleróticas despoleta a activação de mecanismos de hemóstase primária e

secundária e, como tal, em situações deste tipo, administram-se fármacos anti-plaquetários e

hipocoagulantes. Também as estatinas  são amplamente utilizadas na terapêutica, na medida em que

estas estabilizam as placas de aterosclerose, diminuindo o risco de estas sofrerem ruptura.

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Numa fase aguda de um enfarte é comum administrarem-se bloqueadores β, cujo efeito se prende com

a inibição da actividade do sistema nervoso simpático sobre os receptores β1. De facto, um aumento do

tónus simpático produz efeitos cronotrópicos e inotrópicos positivos, que aumentam as necessidades de

oxigénio do coração. Por outro lado, a diminuição da actividade simpática leva a uma redução da

frequência cardíaca, o que está associado a um maior tempo de diástole, ou seja, a um maior tempo de

perfusão coronária.

Um raciocínio similar justifica a administração de inibidores do eixo renina-angiotensina em indivíduos

nessa situação. De facto, a angiotensina tem um efeito inotrópico positivo e promove um aumento da

pressão arterial. Pelo contrário, o óxido nítrico desempenha uma acção vasodilatadora, assim como (de

forma menos significativa) uma acção anti-plaquetária e anti-trombótica, o que justifica a administração

de nitratos a indivíduos que se encontrem com um enfarte em fase aguda.

Terapêutica invasiva

Aquando da oclusão completa da artéria coronária, esta deve ser de novo aberta (reperfusão da

artéria). Como tal, procede-se à administração de fármacos activadores do sistema fibrolítico (que

promovem a dilatação do coágulo) assim como à introdução de um cateter, que é insuflado na artéria

em questão, com o objectivo de promover a sua dilatação. Alternativamente, também pode ser feito um

bypass de um outro vaso para a artéria ocluída, ou, em último caso, pode-se introduzir um balão intra-

aórtico, que insufla em diástole e desinsufla em sístole, o que permite aumentar a pressão diastólica de

perfusão e reduzir a pós-carga, através de um efeito tipo sucção.

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Fisiopatologia da insuficiência cardíaca

Apesar de não existir uma definição

consensual para a insuficiência cardíaca,

esta é frequentemente entendida como

um estado fisiopatológico caracterizadopor uma anomalia da função cardíaca,

que causa uma incapacidade de bombear

sangue de acordo com as necessidades

metabólicas do organismo (insuficiência

cardíaca sistólica), ou em que se verifica a

presença dessa capacidade, mas o

enchimento ventricular apenas ocorre à

custa de pressões elevadas (insuficiência

cardíaca diastólica). Os dois tipos de insuficiência cardíaca também são passíveis de ser distinguidos

através da morfologia ventricular  –  situações de insuficiência cardíaca sistólica caracterizam-se pela

presença de ventrículos dilatados e globosos, enquanto situações de insuficiência cardíaca diastólica

estão associadas a um aumento da espessura do ventrículo (isto é compreensível, na medida em que

um ventrículo muito espesso é, consequentemente, menos dilatável).  

A insuficiência cardíaca é frequentemente

desenvolvida na sequência de doenças valvulares,

hipertensão arterial, cardiopatias, ou doença

coronária. Todavia, o “perfil típico de paciente” é

diferente nos dois tipos de insuficiência cardíaca  – 

indivíduos do sexo masculino e/ou com antecedentes

de enfartes são mais propensos a desenvolver

insuficiência cardíaca sistólica, enquanto indivíduos

do sexo feminino, com idade avançada, com

hipertensão e/ou com diabetes mellitus têm mais

tendência a desenvolver insuficiência cardíaca

diastólica. Apesar disso, os sintomas e sinais

associados à insuficiência cardíaca sistólica são

similares àqueles associados à insuficiência cardíaca

diastólica.

São vários os sintomas apresentados pelos doentes

que apresentam insuficiência cardíaca,nomeadamente:

1. 

Cansaço

2. 

Dispneia de esforço  – A dispneia é definida como sendo um sentido subjectivo de “falta de ar”,

sendo que, em situações de insuficiência cardíaca, este fenómeno verifica-se devido a uma

maior acumulação de fluido no espaço intersticial pulmonar.

3.  Ortopneia  – A ortopneia é definida como sendo dispneia sentida quando o doente se encontra

em decúbito. Isto deve-se ao facto de, quando os pacientes se encontram deitados, a força

gravítica deixar de fazer efeito e mais fluido regressar ao coração. Ora, como o coração se

encontra pouco capaz de bombear sangue, acumula-se mais fluido no espaço intersticial

pulmonar. Isto explica porque é que muitos doentes com insuficiência cardíaca muitas vezesnão conseguem dormir deitados.

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Já no que concerne aos sinais da insuficiência cardíaca, verifica-se a presença de turgescência venosa

 jugular, de edemas nos membros inferiores, de ascite (acumulação de fluido na região abdominal) e de

derrames pleurais  (acumulação excessiva de fluido na cavidade pleural). Os edemas, a ascite e os

derrames pleurais resultam da acumulação de fluido intersticial nas respectivas regiões, por diminuição

da função cardíaca. Para além disso, aquando de situações de insuficiência cardíaca, registam-se

alterações na auscultação cardíaca (presença do som S3) e pulmonar.

Avaliação dos determinantes da função cardíaca

No que concerne à avaliação dos determinantes da função cardíaca, uma vez que em situações de

insuficiência cardíaca o coração se vê incapaz de bombear sangue que assegure todas as necessidades

do organismo, um doente com disfunção sistólica apresenta uma menor contractilidade, assim como um

aumento da pré-carga. Contudo, apesar desse aumento da pré-carga, o volume de ejecção é menor,

porque o ventrículo tem menor capacidade de ejectar sangue. Assim, os indivíduos com disfunção

sistólica apresentam ansas pressão-volume com largura menor.

Já um doente com disfunção diastólica mantém a sua contractilidade, contudo, uma vez que oventrículo se encontra mais rígido, para um mesmo volume, a pressão sentida dentro do ventrículo é

superior.

Disfunção diastólica

Papel da SERCA

A disfunção diastólica pode se dever a um atraso na recaptação de cálcio para o retículo

sarcoplasmático, por via da inactivação da SERCA. Ora, uma vez que a actividade da SERCA depende da

presença de ATP, a disfunção diastólica pode estar associada a um processo de isquemia (em situações

de isquemia, verifica-se uma diminuição do aporte de ATP).

Uma vez que o fosfolamban actua por inibição/desinibição da SERCA, e dado que o próprio fosfolamban

se pode encontrar activo ou inactivo (algo que ocorre por via de mecanismos de

fosforilação/desfosforilação), actualmente estão a ser estudadas terapias para a insuficiência cardíacaque envolvam a alteração do estado de fosforilação do fosfolamban, como forma de promover a

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activação da SERCA. De referir que estão ainda a decorrer investigações no sentido de promover a

entrada de SERCA para o interior dos cardiomiócitos.

Aumento da rigidez ventricular: Determinantes e consequências

O aumento da rigidez ventricular é determinado por

factores intrínsecos aos cardiomiócitos (que incluem a

alteração das isoformas da titina, bem como alterações na

fosforilação desta proteína), mas também por alterações da

matriz extracelular, nomeadamente por um aumento da

fibrose  da matriz extracelular (a fibrose impede a

distensibilidade ventricular).

O aumento da rigidez ventricular acarreta um aumento da

pressão de enchimento ventricular, o que origina uma maior

pressão auricular, e o que, por sua vez, leva a um

incremento da pressão nos capilares pulmonares. Isto

 justifica o extravasamento de fluido para o espaço

intersticial pulmonar e consequente dispneia nos indivíduos com insuficiência cardíaca.

Num indivíduo normal, o ventrículo enche, sobretudo, aquando da fase de enchimento rápido, no início

da diástole (onda E  do ecocardiograma). Esse enchimento decresce na fase da diastase, mas volta a

aumentar na fase de contracção auricular (onda A do ecocardiograma), de tal modo que a razão entre a

amplitude da onda E e a amplitude da onda A é superior a 1 (

). 

Todavia, num indivíduo cujo relaxamento ventricular esteja atrasado (disfunção diastólica de grau I), o

enchimento regista-se, sobretudo, ao nível da contracção auricular, na medida em que no início da

diástole, o ventrículo ainda não se encontra preparado para receber a quantidade de sangue quedeveria. Deste modo, em situações de disfunção diastólica de grau I,

.

Em fases mais avançadas da insuficiência cardíaca diastólica, o enchimento ventricular torna-se muito

dificultado, na medida em que, devido à rigidez ventricular, basta um pequeno influxo de sangue para o

ventrículo, para que se registe um aumento desproporcionalmente grande da pressão, ao nível desta

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cavidade. Em termos de classificação, caso o doente apresente disfunção diastólica e

, então esta é

classificada como sendo uma disfunção diastólica de grau II. Uma vez que num indivíduo normal a razão

entre a amplitude de E e a amplitude de A também é superior a 1, este padrão de disfunção diastólica é

designado por pseudo-normalizado e é muito difícil de distinguir do padrão normal. Por outro lado, caso

, o paciente apresenta um padrão restritivo, ou seja, uma disfunção diastólica de grau III. De

referir que disfunções diastólicas deste tipo são mais características de indivíduos com disfunção

diastólica em fase avançada.

Insuficiência cardíaca sistólica

A insuficiência cardíaca sistólica resulta da falência da capacidade contráctil do coração e está

frequentemente associada à ocorrência prévia de um enfarte do miocárdio, na medida em que a

necrose que advém do enfarte leva a uma diminuição da quantidade de células contrácteis ao nível do

miocárdio.

Aquando de situações de insuficiência cardíaca sistólica, o organismo activa uma série de mecanismos

de compensação que, inicialmente, apresentam um efeito benéfico, mas cuja acção crónica leva a

efeitos nefastos. Estes mecanismos incluem:

1. 

Dilatação ventricular  - Numa fase inicial, permite um aumento da pré-carga e,

consequentemente, um aumento da quantidade de sangue ejectada.

2. 

Aumento da vasoconstrição periférica  – Uma vez que em situações de insuficiência cardíaca

sistólica verifica-se uma diminuição do débito cardíaco, de modo a manter a pressão arterial

constante, o organismo promove o aumento da vasoconstrição periférica, pois este fenómeno

leva a um aumento da resistência vascular periférica (note-se que:

 

3.  Aumento da retenção renal de sódio e água e activação do sistema nervoso simpático:  Estes

mecanismos promovem a manutenção do débito cardíaco (por aumento do volume

plasmático), sendo que a activação do sistema nervoso simpático gera ainda um efeito

inotrópico e cronotrópico positivo.

O despoletar destes processos deve-se à activação de mecanismos neuro-hormonais que envolvem,

entre outros, o sistema nervoso simpático, o sistema renina-angiotensina, o sistema da endotelina e o

sistema dos peptídeos natriuréticos.

Sistema nervoso simpático

O sistema nervoso simpático  actua promovendo o inotropismo, o cronotropismo, o relaxamento, a

vasoconstrição periférica, a activação do eixo renina-angiotensina e a reabsorção de água. Todavia, asua acção exacerbada crónica leva ao desenvolvimento de efeitos nefastos, nomeadamente:

1. 

Aumento do consumo energético

2. 

Aumento da pós-carga

3. 

Aumento de um maior risco de arritmias

4. 

Promoção da remodelagem ventricular

Estes efeitos justificam a administração de bloqueadores dos receptores β1 aquando do tratamento de

indivíduos com insuficiência cardíaca.

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Sistema renina-angiotensina

A activação do sistema renina-

angiotensina despoleta efeitos similares

 –  verifica-se um aumento do

inotropismo, maior vasoconstriçãoperiférica e um aumento da retenção de

sódio e água. Contudo, em termos

crónicos, a activação deste sistema leva a

situações de hipertrofia e fibrose, a

remodelagem ventricular e vascular, a

maior síntese de aldosterona e a uma

maior propensão para o

desenvolvimento de edema.

Estes efeitos justificam a administração

de IECAs  (inibidores da enzima deconversão da angiotensina), de

bloqueadores dos receptores AT1  (aos

quais a angiotensina II se liga,

promovendo os efeitos descritos) e de

inibidores da renina, aquando da

terapêutica da insuficiência sistólica. Por

outro lado, o facto de o sistema renina-

angiotensina e o sistema nervoso

simpático promoverem a retenção de

água e sódio motiva o uso de diuréticos

no tratamento de indivíduos com insuficiência sistólica.

Sistema da endotelina

A síntese de endotelina também se encontra promovida, aquando de situações de insuficiência cardíaca.

Esta hormona, ao actuar sobre os receptores ETA, promove a hipertrofia e fibrose ventriculares, assim

como um aumento da vasoconstrição, do inotropismo, e dos níveis de aldosterona. Todavia, na

terapêutica da insuficiência sistólica não são utilizados os antagonistas da endotelina, na medida em que

estes apresentam vários efeitos colaterais.

Sistema da vasopressina

Também o sistema da vasopressina se encontra activo em indivíduos com insuficiência sistólica. A

ligação da vasopressina aos receptores V1 promove a vasoconstrição, enquanto a ligação desta hormona

aos receptores V2  promove a retenção de água. De referir que, o bloqueio dos receptores V 2  já foi

estudado como prática terapêutica, contudo, este processo não é utilizado, na medida em que

despoleta vários efeitos colaterais.

Sistema dos peptídeos natriuréticos

Por fim, o sistema dos peptídeos natriuréticos também se encontra activo aquando de situações de

insuficiência sistólica. De entre estes peptídeos, destaque para o peptídeo natriurético B (BNP), que é

produzido pelas células ventriculares em resposta ao estiramento dos cardiomiócitos. O BNP actuacomo um mecanismo de contra-regulação aos restantes mecanismos, já referidos  –  de facto, este

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peptídeo inibe a acção do sistema

nervoso simpático e o sistema

renina-angiotensina, ao mesmo

tempo que promove a diurese, a

natriurese e a vasodilatação

arterial. Deste modo, actualmente,procura-se desenvolver uma

terapêutica para a insuficiência

sistólica que passe pela promoção

dos efeitos do BNP.

Actualmente, também se está a

investigar as possibilidades da

administração de anti-

inflamatórios nos doentes com

insuficiência cardíaca, na medida

em que esta perturbação acarretauma grande activação do sistema

inflamatório.

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Hemodinâmica e hemorreologia

O fluxo sanguíneo  (Q ) é passível de ser definido como a quantidade de sangue que atravessa um

determinado local por unidade de tempo (exprime-se por isso em mL/minuto ou L/minuto) e pode ser

calculado através do quociente entre a variação de pressões (ΔP) e a resistência (R), ou seja:

 

A pressão  corresponde à força exercida pelo sangue por unidade de área da parede de um vaso,

podendo ser expressa em mm Hg ou cm H2O. Quando se afirma que a pressão de um vaso é de  x mm Hg

ou de y cm H2O significa que a força exercida permite elevar uma coluna de mercúrio  x mm, ou uma

coluna de água y cm, respectivamente. Já a resistência é passível de ser definida como a oposição ao

fluxo num vaso. As arteríolas  são os vasos mais importantes na génese da resistência à ejecção

ventricular esquerda, devido à elevada quantidade de músculo liso presente nas suas paredes (deste

modo, as arteríolas são o principal componente da

resistência vascular periférica). A constrição arteriolar leva

a um aumento da pressão a montante e a uma diminuição

da pressão a jusante, enquanto a dilatação arteriolar leva

ao efeito oposto. Assim, a constrição arteriolar leva a um

aumento da pressão arterial, mas a uma diminuição da

pressão dos capilares e veias.

A velocidade do fluxo (expressa em unidades de distância

por unidades de tempo) varia ao longo dos diferentes

tipos de vasos que constituem o sistema cardiovascular,

mesmo que o fluxo sanguíneo se mantenha. A velocidade

de fluxo varia inversamente com a área de secçãotransversal agregada. À medida que caminhamos desde a

aorta até aos capilares, apesar da área de secção

transversal individual (de cada vaso) diminuir, a área de

secção transversal agregada (correspondente ao

somatório das áreas de secção transversal de todos os

vasos do mesmo tipo) aumenta. Isto explica porque é que

a velocidade de fluxo é máxima na aorta e mínima nos

capilares (que apresentam a maior área de secção

transversal agregada). A lentidão do fluxo capilar constitui

uma vantagem, na medida em que maximiza o tempo

disponível para as trocas transcapilares, permitindo quetodas as trocas entre o eritrócito e o tecido ocorram ao

longo do primeiro terço do capilar.

Caracterização do fluxo

O sangue flui normalmente nos vasos de forma ordenada, descrevendo um fluxo laminar. Este fluxo é

caracterizado por uma trajectória do sangue paralela à parede do vaso e pelo facto da velocidade do

sangue ser maior no centro do vaso, comparativamente à periferia. O fluxo é avaliado com base no

número de Reynolds associado – caso o número de Reynolds seja inferior a 2000, o fluxo diz-se laminar,

enquanto um número de Reynolds entre 2000 e 3000 diz respeito a um fluxo de transição. Já um

número de Reynolds superior a 3000 corresponde a um fluxo turbulento, característico do fluxo desangue a altas velocidades, ou por vasos estreitos ou estenosados. O fluxo laminar é o mais eficiente sob

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o ponto de vista energético, na medida em que toda a

energia é gasta na produção de movimento (no fluxo

turbulento, por seu turno, parte da energia é gasta na

génese de correntes espirais). De referir que o número

de Reynolds é passível de ser calculado pela fórmula: 

 

 

Sendo que, nesta fórmula,  corresponde à densidade

do fluido, D corresponde ao diâmetro do vaso, v

corresponde à velocidade média do fluxo, e   

corresponde à viscosidade do fluido.

Viscosidade e shear stress

O sangue é um fluido viscoso, sendo que a viscosidade depende de vários factores, nomeadamente:

1.  Hematócrito  (razão entre o volume de eritrócitos e o volume de sangue)  – Uma situação de

anemia, na qual o hematócrito se encontra diminuído, cursa com menor viscosidade. Por

outro lado, uma situação de policitemia (em que se verifica um aumento do hematócrito) está

associada ao fenómeno inverso.

2. 

Composição do plasma  – A título de exemplo, a viscosidade é proporcional à concentração de

fibrinogénio.

3. 

Diâmetro do vaso  – A viscosidade é inversamente proporcional ao diâmetro do vaso.

4.  Temperatura – O aumento da temperatura promove a diminuição da viscosidade, enquanto a

diminuição da temperatura está associada à precipitação de várias proteínas, o que promove

um aumento da viscosidade.

5. 

Resistência oferecida pelas células   –  Indivíduos com anemia falciforme  apresentameritrócitos com forma de foice, que oferecem mais resistência, comparativamente aos

eritrócitos normais.

A viscosidade do sangue leva a que a sua

passagem através de um vaso gere shear

stress. O shear stress, também designado

por força de cisalhamento, corresponde

ao atrito que o sangue provoca na parede

dos vasos, ou seja, à força que tenta

“arrastar” a parede endotelial, à medida

que o sangue flui.

O shear stress (τ)  é passível de ser

calculado através da seguinte fórmula:

 

Isto significa que o shear stress é proporcional à viscosidade do sangue ( ) e ao fluxo sanguíneo (Q), e

inversamente proporcional à densidade do sangue () e ao cubo do raio do vaso (r). É importante referir

que o shear stress promove a libertação de factores vasodilatadores e de factores angiogénicos tais

como o PDGF  e o TGF-β, assim como a libertação de endotelina 1 e enzima de conversão da

angiotensina.

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Propriedades elásticas dos vasos

O padrão de pressão da circulação atinge valores máximos nas artérias e mínimos nas veias, sendo que a

maior queda de pressão ocorre ao nível das arteríolas. Já a aorta, é responsável por transformar a

variação abrupta da pressão ventricular esquerda num padrão mais suave e de pressão diastólica mais

elevada.

A compliance  (complacência ou capacitância) de um vaso descreve a forma como as variações de

volume se repercutem em alterações na pressão transmural (diferença entre a pressão no lúmen e a

pressão externa ao vaso), sendo calculada através da fórmula:

 

Deste modo, vasos com elevada compliance toleram grandes alterações de volume sem que daí

resultem aumentos muito elevados de pressão, enquanto em vasos com baixa compliance acontece o

oposto. Desta forma, não é de estranhar que as veias tenham maior compliance que as artérias  –  os

aumentos de volume ao nível das veias repercutem-se, sobretudo, sob a forma de alterações nageometria destes vasos (e não tanto através do aumento de pressão). A compliance é entendida como o

inverso da rigidez e, visto que a rigidez aumenta nas artérias mais periféricas, a compliance é menor nas

artérias mais periféricas. Isto explica porque é que para um mesmo fluxo, as artérias mais periféricas

apresentam um maior pico de pressão máxima (ou seja, uma maior pressão arterial sistólica) e um

menor valor de pressão mínima (ou seja um valor menor da pressão diastólica)  – as mesmas alterações

de volume produzem alterações de pressão mais pronunciadas.

Por outro lado, as

artérias menos rígidas

(como a artéria aorta)

são caracterizadaspelo seu elastic recoil .

O elastic recoil   diz

respeito à capacidade

de armazenar energia

potencial na sua

parede durante a

sístole, e de a

converter em energia

cinética durante a diástole (ou seja, o elastic recoil pode ser entendido como a propriedade que induz os

vasos a regressarem à sua morfologia inicial). Deste modo, o elastic recoil é responsável pela incisura e

pela onda dícrota presentes na curva de pressão das artérias mais proximais. Uma vez que as artérias

mais rígidas apresentam menos elastic recoil , as suas curvas de pressão não apresentam incisura nem

onda dícrota.

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Regulação da pressão arterial

A pressão arterial é passível de ser definida como a força exercida pelo fluxo sanguíneo por unidade de

área. A avaliação deste parâmetro pode-se fazer por avaliação directa intravascular, sendo necessária a

introdução de um transdutor de pressão, ao nível dos vasos. Com isto se depreende que este método é

altamente invasivo, apesar de permitir a obtenção dos valores de tensão arterial sistólica e tensãoarterial diastólica com elevada precisão. A tensão arterial sistólica  é o valor máximo registado de

pressão arterial, enquanto a tensão arterial diastólica  é o valor mínimo. Assim, na prática clínica

quotidiana, como forma de registar a tensão arterial sistólica e a tensão arterial diastólica, recorre-se

frequentemente a métodos menos invasivos, mas também menos precisos, tais como a medição da

pressão ao nível do pulso.

Os dois valores obtidos permitem calcular a tensão arterial média. Esta é passível de ser definida como

sendo a média da pressão efectiva que conduz o sangue aos órgãos sistémicos e é estimada através da

fórmula:

  sendo que a pressão de pulso  é calculada através da

diferença entre a tensão arterial sistólica e a tensão arterial diastólica (ou seja,

.

A magnitude de um aumento de pressão causada por um aumento de volume arterial depende, não só

do valor de aumento do volume, mas também da complacência do espaço arterial. A complacência 

(compliance) é passível de ser definida como sendo o inverso da rigidez e, como tal, diminui, à medida

que os vasos se encontram mais perifericamente. Assim, numa estrutura com complacência nula,

aquando de uma pequena alteração de volume, regista-se um aumento infinito de pressão; enquanto

numa estrutura com complacência infinita, o volume pode variar indeterminadamente, sem que haja

variação na pressão. Ao nível venoso, encontramos uma complacência superior àquela registada ao

nível arterial, algo que se deve ao facto de variações de volume ao nível venoso se repercutirem mais

numa alteração de morfologia, que propriamente em alterações de pressão. De referir que acomplacência diminui progressivamente para os indivíduos mais idosos, uma vez que estes têm,

normalmente, maior pressão arterial e devido ao facto de a aterosclerose estar associada a maior

rigidez.

Mecanismos de regulação a curto prazo

Cada órgão, quer se encontre mais próximo ou mais distante do coração, encontra-se sujeito à mesma

pressão arterial média, mas controla o fluxo de sangue local, através do aumento ou decréscimo da

resistência arteriolar local. Assim, enquanto o coração conseguir manter a pressão arterial média, o

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fluxo sanguíneo num leito capilar não afecta o fluxo sanguíneo noutros capilares. Contudo, a questão

não é assim tão simples  – não basta ao coração manter a pressão arterial constante, a pressão arterial

também se deve encontrar de tal modo elevada, que se torne possível a ocorrência de filtração

glomerular nos rins, ou que as pressões elevadas ao nível de tecidos de órgãos como o olho possam ser

ultrapassadas.

Existem, como tal, dois tipos de vias para regulação da pressão arterial  –  o mecanismo de regulação

arterial a curto prazo  ocorre numa escala de segundos ou minutos e é feito através de vias neurais,

tendo como alvos o coração, vasos e medula da glândula supra-renal. Já a regulação da pressão arterial

a longo prazo  ocorre numa escala de horas ou dias, através de vias que têm como alvo os vasos

sanguíneos e, sobretudo, os rins, no seu controlo do volume do fluido extracelular (desta forma, na

regulação a longo prazo são activados sistemas neuro-humorais, que envolvem a acção do sistema

nervoso simpático e do sistema renina-angiotensina).

Os sistemas de reflexo neural que regulam a pressão arterial média através de mecanismos de curto

prazo operam através de uma série de mecanismos de feedback negativo, que envolvem sempre:

1. 

Um detector  –  Um sensor ou receptor quantifica a variável a ser controlada e transduz a

mensagem num sinal eléctrico.  Os receptores primários envolvidos nos mecanismos de

regulação a curto prazo são barorreceptores  (receptores de pressão), mais concretamente,

receptores de estiramento  (ou mecanorreceptores), que detectam a distensão das paredes

vasculares. Já os sensores secundários são designados por quimiorreceptores, detectando

variações nas pressões sanguíneas de oxigénio e dióxido de carbono, assim como alterações de

pH.

2. 

Vias neurais aferentes  – Enviam a mensagem para o sistema nervoso central.

3. 

Centro coordenador  –  Um centro de controlo no sistema nervoso central compara o sinal

detectado na periferia a um ponto-padrão, gerando um sinal de erro, processando a

informação e originando uma mensagem que codifica a resposta adequada.   Os centros decontrolo envolvidos nos mecanismos de regulação a curto prazo encontram-se localizados,

sobretudo, ao nível do bulbo raquidiano, embora haja locais no hipotálamo e córtex cerebral,

que também exerçam controlo em mecanismos deste tipo.

4. 

Vias neurais eferentes  –  Enviam a mensagem proveniente do centro coordenador para a

periferia.

5.  Efectores   –  Elementos que executam a resposta apropriada e alteram a variável a ser

controlada. Neste caso, os efectores incluem as células musculares cardíacas e de  pacemaker ,

as células musculares lisas vasculares das artérias e veias, e a medula da glândula supra-renal.

Reflexo barorreceptor

Os barorreceptores desta via reflexa encontram-se presentes ao nível das artérias aorta e carótida

interna, em locais estratégicos de elevada pressão, sendo por isso designados por barorreceptores de

alta pressão. Os dois locais mais importantes onde estes receptores se encontram presentes são o seio

carotídeo e o arco aórtico. Deste modo, um aumento da pressão arterial média leva ao estiramento das

paredes vasculares nestes locais, o que causa vasodilatação e bradicardia, enquanto uma diminuição da

pressão arterial média leva a vasoconstrição e taquicardia.

O seio carotídeo e o arco aórtico são estruturas muito complacentes, sendo que a parede arterial do

seio carotídeo contém muitas fibras elásticas, mas pouco colagénio e músculo liso (o seio carotídeo é,

contudo, mais rígido em indivíduos hipertensos). Os barorreceptores em ambas as estruturas

encontram-se em terminais de fibras nervosas sensitivas mielinizadas e não-mielinizadas, que seencontram por entre as camadas elásticas. Esses terminais exprimem uma série de canais de catiões

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não-selectivos (canais

TRP), que actuam

como transdutores

electromecânicos e

moduladores da

transdução. Destaforma, um aumento da

diferença de pressão

transmural alarga o

vaso e,

consequentemente,

deforma os

barorreceptores. Ora,

o estiramento destes

receptores produz uma

corrente que

despolariza o receptor,

gerando um potencial

de receptor  (verifica-

se a génese de uma

resposta bifásica em resposta ao aumento de pressão, que inclui a presença de um componente

dinâmico, ou seja, uma grande despolarização inicial; e a presença de um componente estático, em que

a despolarização ocorre de modo mais discreto). Contudo, é necessário ressalvar que o potencial

receptor é proporcional ao grau de estiramento, ocorrendo um progressivo recrutamento de

receptores, com o aumento da pressão. Também é importante referir que os reflexos barorreceptores

são altamente sensíveis a variações de pressão que ocorram quando a pressão arterial se encontra entre

os 100 e os 200 mm/Hg. Quando a pressão é superior a 200 mm/Hg é atingido um nível de saturação,enquanto para valores de pressão arterial inferiores a 50 mm/Hg, os barorreceptores apresentam

actividade quase inexistente (todavia, o seio carotídeo, embora seja activado mais precocemente,

também satura mais precocemente, comparativamente ao arco aórtico).

Após uma alteração na pressão arterial ter provocado uma alteração na actividade de um nervo

sensitivo, os sinais são enviados para o bolbo raquidiano. A via aferente para o reflexo do seio carotídeo

encontra-se ao nível do nervo sinusal, que se junta ao nervo glossofaríngeo  (os corpos celulares dos

aferentes dos barorreceptores carotídeos encontram-se localizados no gânglio petroso deste nervo). Já

as vias aferentes do reflexo do arco aórtico consistem nas fibras sensitivas do ramo depressor do nervo

vago, cujos corpos celulares se encontram no gânglio nodoso do vago.

A maior parte das fibras aferentes provenientes dos dois barorreceptores de alta-pressão projectam

para o núcleo do tracto solitário (o neurotransmissor associado é o glutamato). Subsequentemente, os

interneurónios inibitórios que se projectam a partir do núcleo do tracto solitário fazem-no para a área

vasomotora  no bolbo ventrolateral. Os neurónios da área vasomotora promovem tonicamente a

vasoconstrição e, como tal, aquando de aumentos de pressão, os neurónios inibitórios do núcleo do

tracto solitário inibem os neurónios da área vasomotora, o que resulta em vasodilatação. Esta via

contribui então para a componente vascular do reflexo barorreceptor.

Já os interneurónios excitatórios projectam-se a partir do núcleo do tracto solitário para uma área

cardio-inibitória, que inclui o núcleo ambíguo e o núcleo motor dorsal do vago (estes últimos

contribuem para a componente cardíaca do reflexo). Assim, quando a pressão arterial aumenta, osneurónios excitatórios do núcleo do tracto solitário estimulam a acção dos neurónios da área cardio-

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inibitória. Por fim, existe

ainda uma área cardio-

aceleratória, para a qual se

projectam alguns

interneurónios inibitórios.

Como o seu nome indica, aestimulação dos neurónios da

carga cardio-aceleratória leva

a um aumento da frequência

e contractilidade cardíaca.

As fibras simpáticas eferentes

apresentam os seus corpos

localizados na coluna

intermediolateral da espinal

medula. Os seus neurónios

pós-ganglionares simpáticosassociados controlam uma

grande diversidade de

funções, sendo que os que

controlam a pressão sanguínea deslocam-se com os grandes vasos e inervam artérias musculares,

arteríolas e veias. Um incremento na actividade simpática produz vasoconstrição, enquanto um

aumento na actividade parassimpática leva a vasodilatação. Todavia, quando o reflexo barorreceptor é

despoletado, o efeito da vasodilatação é conseguido, sobretudo através de uma inibição da actividade

do sistema nervoso simpático (e não tanto por activação do sistema nervoso parassimpático).

Para além dos vasos, estes neurónios pós-ganglionares autónomos actuam ao nível do coração. No que

concerne ao sistema nervoso simpático, os outputs provenientes dos gânglios cervical médio, estreladoe torácicos superiores ramificam-se e formam os nervos cardíacos. Estes exercem um efeito

cronotrópico positivo (sobretudo

os nervos cardíacos do lado direito,

devido à maior proximidade ao nó

sinusal), dromotrópico positivo e

inotrópico positivo

(nomeadamente, por acção dos

nervos do lado esquerdo). Já no

que concerne ao sistema nervoso

parassimpático, a sua acção

cardíaca é, novamente, secundária

- as suas fibras deslocam-se por via

do nervo vago e, ao nível do

coração, exercem um efeito

cronotrópico negativo (sobretudo,

por acção do nervo vago direito,

pela proximidade com o nó sinusal)

e um efeito inibidor da condução

ao nível do nó AV (por acção,

sobretudo, do nervo vago

esquerdo). 

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Reflexos cardio-pulmonares

Os barorreceptores localizados em sítios de alta pressão não são os únicos receptores de estiramento

envolvidos na regulação da circulação por  feedback . Os barorreceptores de baixa pressão, que

consistem em terminais simples de fibras nervosas mielinizadas, encontram-se localizados em sítios

estratégicos de baixa pressão, incluindo a artéria pulmonar, o local de junção das aurículas com as veiascorrespondentes, as aurículas e os ventrículos.

A distensão desses receptores depende, sobretudo, do retorno venoso para o coração. Dessa forma,

estes mecanorreceptores detectam a “completude” da circulação, pertencendo a um conjunto maior de

sensores de volume que controlam o volume circulante efectivo do sangue. Assim, estes receptores

também ajudam no controlo do débito cardíaco e, como tal, indirectamente, da pressão arterial média.

Receptores auriculares de baixa pressão do tipo B

As vias aferentes para os receptores de baixa pressão auriculares do tipo B são similares às vias para os

barorreceptores de alta pressão, sendo que as fibras associadas se deslocam para o vago e se

projectam, sobretudo, para o núcleo do tracto solitário (embora também para outros centros

cardiovasculares do bolbo). As vias eferentes são também similares. Contudo, enquanto um aumento do

estiramento sentido pelos receptores de alta pressão leva a uma diminuição da frequência cardíaca; o

aumento do estiramento sentido pelos receptores de baixa pressão eleva a frequência cardíaca (reflexo

de Bainbridge). Para além disso, o aumento do estiramento dos receptores de baixa pressão leva a um

decréscimo do output simpático vasoconstritor apenas ao nível do rim. Assim, no cômputo geral, um

maior estiramento auricular leva a taquicardia e a vasodilatação renal e, consequentemente, regista-se

um aumento do fluxo sanguíneo renal e um aumento da produção de urina.  

O aumento de produção de urina deve-se também a

mecanismos não-neurais  –  as fibras aferentes dos

receptores auriculares que se projectam para o

núcleo do tracto solitário também sinaptizam aí com

neurónios que se projectam para o hipotálamo.

Consequentemente, verifica-se a inibição da síntese

de hormona anti-diurética (ADH) por parte do

hipotálamo (ou seja, a diurese fica promovida).

Paralelamente, verifica-se um aumento da produção

do peptídeo natriurético auricular, um vasodilatadorrenal, que actua num sentido de aumentar a

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excreção renal de sódio (que está associada a uma subsequente excreção de água). Assim, aquando da

estimulação dos barorreceptores auriculares também a diurese e a natiurese ficam estimuladas.

Reflexo de Bainbridge

O reflexo de Bainbridge é o nome dado à taquicardia causada por um aumento do retorno venoso. O

aumento do volume sanguíneo, por sua vez, leva a um aumento da actividade das fibras B de baixa

pressão, durante o enchimento auricular. A via eferente deste reflexo é conduzida pelo sistema nervoso

autónomo (simpático e parassimpático) para o nó sinusal, que determina a frequência cardíaca. Assim o

despoletar deste reflexo está associado a um aumento na frequência cardíaca e a efeitos insignificantes

na contractilidade cardíaca e volume de ejecção. Uma vez que o reflexo de Bainbridge atinge saturação,

o aumento da frequência cardíaca é maior, aquando de baixas frequências cardíacas basais (ou seja,

quando o mecanismo é activado num contexto de baixas frequências cardíacas).

O reflexo de Bainbridge actua como um contrabalanço do reflexo barorreceptor no controlo da

frequência cardíaca, num sentido em que o aumento do volume circulante (isto é, o aumento do

retorno venoso e a estimulação dos receptores de baixas pressões) aumenta o débito cardíaco. Por

outro lado, um menor estiramento auricular tem um efeito muito reduzido na frequência cardíaca, na

medida em que não está associado ao despoletar do reflexo de Bainbridge.

Receptores de baixa pressão ventriculares

Existem também receptores de baixa pressão ao nível ventricular. O estiramento sentido por esses

receptores leva a bradicardia e vasodilatação, ou seja, verificam-se respostas similares àquelas

associadas ao estiramento dos receptores arteriais de alta pressão. Todavia, os receptores ventriculares

não contribuem, de modo significativo, para a homeostasia do output cardíaco.

Reflexo quimiorreceptor

Apesar de os barorreceptores constituírem os sensores primários para o controlo da pressão sanguínea,

também os quimorreceptores periféricos participam neste processo. Contudo, enquanto os inputs

provenientes dos barorreceptores exercem um efeito negativo no centro vasomotor do bolbo, causando

vasodilatação; os inputs provenientes dos quimiorreceptores periféricos exercem um efeito positivo no

centro vasomotor, levando a vasoconstrição, mas também a bradicardia.

Quimiorreceptores periféricos

Os quimiorreceptores periféricos localizam-se ao nível do corpo aórtico e corpo carotídeo. Uma queda

do oxigénio arterial, um aumento de dióxido de carbono, ou um decréscimo do pH estimulam a

actividade dos neurónios aferentes associados aos quimiorreceptores periféricos. As fibras aferentes são

transportadas pelos nervos vago e glossofaríngeo até aos centros de controlo, ao nível do bolbo.

Subsequentemente, a esse nível é induzida uma resposta de vasoconstrição e bradicardia. Apesar disso,pacientes com hipoxia  (patologia caracterizada por uma menor concentração de oxigénio no sangue),

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não apresentam bradicardia, mas sim taquicardia. Este aparente paradoxo deve-se ao facto de, numa

situação de hipoxia, a elevada pressão de dióxido de carbono estimular os quimiorreceptores centrais

que, independentemente dos periféricos, estimulam a ventilação pulmonar. A ventilação pulmonar,

para além de levar a uma estimulação dos receptores de estiramento pulmonares, leva à diminuição da

pressão de dióxido de carbono sistémica. Isto inibe o centro cardio-inibitório e, como tal, leva a que a

resposta fisiológica para a hipoxia seja a taquicardia.

Quimiorreceptores centrais

Os quimiorreceptores centrais  encontram-se presentes ao nível do bulbo raquidiano, registando,

sobretudo, baixos níveis de pH ao nível do encéfalo, sendo normalmente estimulados por um aumento

do dióxido de carbono arterial. Subsequentemente, a área vasomotora é desinibida, o que se traduz

num aumento do output simpático e em vasoconstrição.

Mecanismos de regulação local e mecanismos de regulação central

A regulação da pressão arterial pode compreender mecanismos locais ou centrais. Os fenómenos de

regulação local  envolvem uma regulação metabólica local, enquanto um fenómeno de regulação da

resistência vascular periférica central se caracteriza por um predomínio da acção simpática (estando

associada, por exemplo, à presença de barorreceptores de alta pressão). A predominância de um dado

tipo de regulação de um dado território vascular depende do órgão em si - enquanto ao nível do

encéfalo e coração predominam os fenómenos locais, ao nível da pele e territórios esplâncnicos ocorre

predominância dos fenómenos centrais. Já o tipo de regulação predominante no músculo é mais

variável.

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103

Regulação da função vascular

Noções de regulação local

Os vasos são capazes de manter o seu fluxo

constante, através da regulação da resistênciaque oferecem à passagem de sangue (resistência

vascular periférica), nomeadamente através de

alterações no seu diâmetro (a vasoconstrição,

associada à diminuição do diâmetro, acarreta

maior resistência vascular periférica, enquanto a

vasodilatação, pelo contrário, leva à diminuição).

Este mecanismo de auto-regulação  encontra-se

presente ao nível do rim, encéfalo, coração,

músculo esquelético, fígado e mesentério,

variando consoante o tipo de tecido, o tipo de

vasos envolvidos e com o tempo.

Existem vários mecanismos de auto-regulação.

Os mecanismos miogénicos prevalecem em artérias musculares e arteríolas, sendo que aquando de um

aumento brusco da pressão arterial, ocorre a contracção de muitos vasos, como forma de impedir que

esse aumento súbito seja transmitido aos outros órgãos. Esta contracção ocorre, na sequência do

estiramento ao qual são submetidas as células musculares lisas dos vasos, devido à activação subjacente

de canais sensíveis ao estiramento. Já um decréscimo na pressão arterial leva ao desenvolvimento de

vasodilatação.

Por outro lado, existem mecanismos metabólicos de auto-regulação, relacionados com o modo como

alterações do ambiente metabólico em que as células se encontram influenciam o relaxamento ou acontracção das células musculares lisas vasculares. A título de exemplo, o decréscimo na concentração

de oxigénio, o aumento da concentração de dióxido de carbono, e a diminuição do pH promovem o

relaxamento das células vasculares musculares lisas causando, deste modo, vasodilatação. Por outro

lado, em resposta à actividade, as células excitáveis expulsam potássio para o meio extracelular, o que

também causa vasodilatação.

Por último, os mecanismos endoteliais  estão relacionados com as substâncias vasoactivas libertadas

pelas células endoteliais, tais como o óxido nítrico (cuja libertação pode ser promovida por um aumento

do shear stress), um potente vasodilatador.

Convém ter a noção de que a regulação local tem capacidade de influenciar, não só o fluxo sanguíneoque chega a determinado órgão, mas também a pressão arterial sistémica, na medida em que a acção

conjunta e concertada de vasos de menores dimensões repercute-se num mesmo sentido na pressão

arterial sistémica (a título de exemplo, se grande parte dos vasos de menores dimensões dilatarem, a

pressão arterial sistémica diminui).

Mecanismo de remodelagem

O mecanismo de remodelagem consiste na capacidade que os vasos apresentam de responder de forma

dinâmica a estímulos crónicos (por exemplo, a angiotensina está associada a uma maior síntese de

factores tróficos).

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104

Existem vários tipos de

remodelagem, sendo que

cada patologia está

associada a um tipo

específico de

remodelagem. Contudo,para classificar

genericamente a

remodelagem verificada,

usam-se duas pedidas  – o

diâmetro do lúmen do

vaso e a espessura do

vaso (ou seja, a massa da

parede do vaso). Desta

forma, quando se verifica

um aumento do diâmetro

luminal, presencia-se uma

remodelagem para fora,

enquanto uma diminuição do diâmetro luminal está associada a uma remodelagem para dentro. Por

outro lado, quando se verifica um aumento da espessura do vaso, a remodelagem diz-se hipertrófica,

enquanto uma diminuição da espessura corresponde a uma remodelagem hipotrófica.

Os mecanismos subjacentes à remodelagem são os mesmos que presidem aos mecanismos de curto

prazo (por exemplo, mecanismos de vasoconstrição e vasodilatação) e, de facto, a remodelagem é

inicialmente reversível (tornando-se irreversível com o passar do tempo). O facto de haver uma

coincidência de factores e fenómenos leva a pensar que a remodelagem apenas difere dos mecanismos

a curto prazo, pelo facto de a exposição aos factores ser mais prolongada.

Vasoconstrição

Acção do sistema nervoso simpático

O sistema nervoso simpático desempenha uma acção vasoconstritora, através da libertação de duas

catecolaminas - a adrenalina e a noradrenalina (apesar de a dopamina também ser uma catecolamina,

esta tem pouca relação directa com a vasoconstrição). A adrenalina é produzida ao nível da medula da

glândula supra-renal, nomeadamente ao nível das suas células cromafins, sendo também o

neurotransmissor utilizado, aquando da sinapse entre os neurónios pré-sináptico e pós-sináptico do

sistema nervoso simpático. Já a noradrenalina  é usada como neurotransmissor libertado a partir dos

terminais dos neurónios pós-sinápticos e, como tal, os seus efeitos no sistema cardiovascular são

maiores. De referir que a síntese destas duas catecolaminas requer a presença da enzima hidroxilase da

tirosina.

Existem duas grandes classes de receptores adrenérgicos  – os receptores α (divisíveis em duas classes  – 

α1 e α2, sendo que cada uma destas classes apresenta várias subclasses) e os receptores β (que também

apresentam vários subtipos). Os receptores α1  existem em grande quantidade ao nível das células

musculares lisas dos vasos, encontrando-se ligados à proteína G q  e sendo alvos de ligação de

catecolaminas. A ligação de catecolaminas aos receptores α1 leva à activação da fosfolipase C, algo que

está associado a um aumento dos níveis de IP3 e, como tal, à abertura dos canais de cálcio do retículo

sarcoplasmático dessas células (o que está associado a contracção muscular).

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Por seu turno, os

receptores α2 estão ligados

à proteína Gi e a ligação das

catecolaminas a estes

receptores está associada a

uma inibição daadenilciclase e subsequente

diminuição da síntese de

cAMP, algo que está

associado quer a

mecanismos

vasodilatadores, quer a

mecanismos

vasoconstritores.

Por fim, os receptores β 

encontram-se ligados àproteína Gs, existindo duas

grandes classes deste tipo

de receptores envolvidas

em mecanismos de

vasodilatação/vasoconstriç

ão. A ligação de adrenalina

aos receptores β1 está associada a um efeito inotrópico positivo, cronotrópico positivo, dromotrópico

positivo e batmotrópico positivo, ao nível cardíaco, ou seja, a um aumento da contractilidade e da taxa

de batimentos cardíacos. Isto deve-se ao facto da activação da proteína Gs  levar a um aumento dos

níveis de cAMP, que por sua vez, fosforila a PKA. Esta última intervém na fosforilação (e consequente

activação) de canais de cálcio de membrana, o que está associado a uma maior entrada de cálcio para o

meio intracelular e, consequentes efeitos, já referidos.

Por fim, a adrenalina também se liga aos receptores β2, que se encontram confinados aos vasos

sanguíneos do músculo esquelético, coração, fígado e medula da supra renal, promovendo a

vasodilatação (daí que a adrenalina não possa ser considerada um vasodilatador sistémico), bem como a

broncodilatação (isto faz com que, no tratamento da asma, possam ser utilizados agonistas dos

receptores β2).

Dessensibilização e down-regulation

A acção das catecolaminas ao nível da vasoconstrição é passível de ser regulada por dessensibilização epor down-regulation. De facto, a exposição muito prolongada dos receptores β  a um determinado

agonista, está associada a uma dessensibilização a esse sinal (verifica-se que, após um momento inicial

de ampla resposta, esta diminui para valores quase basais, com a exposição continuada ao agonista).

Este efeito é passível de se obtido através da fosforilação dos receptores β  (por via da cínase de

receptores dos agonistas β), o que promove a ligação da β-arrestina  aos resíduos fosforilados e

consequente desligamento da proteína Gs do seu receptor. 

O mecanismo de down-regulation  (diminuição da quantidade de receptores presentes ao nível da

membrana, aquando de um excesso de sinalização) é igualmente importante para este mecanismo e a

sua compreensão (bem como do mecanismo inverso) é fundamental em termos clínicos  –  quando se

administram β-bloqueadores, fármacos que bloqueiam os receptores β (com o objectivo, por exemplo,de reduzir a pressão arterial), a membrana das células musculares vasculares passa a exprimir uma

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maior quantidade

destes receptores.

Ora, quando se

suprime a

administração de β-

bloqueadores, amaior presença de

receptores β, leva a

que menores

variações da acção do

sistema nervoso

simpático levem a

aumentos mais

marcados da tensão

arterial, que podem

resultar, inclusive, no

coma e morte.

Sistema renina-angiotensina

A angiotensina é um dos vasoconstritores mais poderosos que existe, sendo que a renina é a enzima

que participa no passo limitante da síntese deste composto. De facto, o angiotensinogénio  é um

composto que no fígado é convertido em angiotensina I, por via da renina, uma enzima segregada pelas

células granulares justaglomerulares. A angiotensina I é um peptídeo inactivo com 10 aminoácidos e, só

quando a enzima de conversão da angiotensina  actua, clivando os dois aminoácidos de uma das

extremidades, se forma angiotensina II, um peptídeo de oito aminoácidos que constitui a forma activa

da angiotensina.

A angiotensina II induz a

produção de aldosterona  ao

nível do córtex da glândula

supra-renal, que por sua vez,

aumenta a retenção de sódioao nível renal. A retenção de

sódio está associada a uma

reabsorção de água e, como

tal, a um aumento do volume

sanguíneo, o que leva a um

aumento da pressão arterial.

A regulação da disponibilidade

da renina é operada por via do

sistema nervoso simpático

(através dos receptores β1), daprópria angiotensina (através

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de mecanismos de feedback negativo) e do sistema de profusão. Assim sendo, por exemplo, aquando de

uma hemorragia, verifica-se um aumento da pressão arterial, por aumento da disponibilidade de renina.

Para além de catabolisar a síntese de angiotensina II, a enzima de conversão da angiotensina também

degrada a bradicinina, um importante vasodilatador e daí que esta enzima seja um bom alvo para a

acção de fármacos com o objectivo de reduzir a pressão arterial (nomeadamente as IECA’s).

Existem dois receptores para a angiotensina, o AT1 e o AT2. O receptor AT1  encontra-se, sobretudo,

ligado à proteína GQ , mas também às proteínas G I e GS, actuando de modo análogo aos receptores do

sistema nervoso simpático. Já o receptor AT2  actua de modo quase oposto ao do AT1 (estimulando

todas as vias antagónicas às activadas pelo AT1) e poderá ser um bom alvo terapêutico no futuro, no

combate à hipertensão.

A angiotensina, através da sua ligação ao AT1, pode desenvolver um efeito a longo prazo e muito

profuso. Quando o receptor AT1 se liga à fosfolipase D, ocorre um prolongamento da acção do

diacilglicerol e são activadas vias mitogénicas (por exemplo, é activada a síntese de factores de

crescimento e de proteínas da matriz extracelular). Por outro lado, a ligação do receptor AT1 à

fosfolipase A2 promove a produção de eicosanóides, que estão associados aos efeitos inflamatórios da

angiotensina II. Contudo, é necessário referir que o receptor AT1 do sistema renina-angiotensina é

regulado por down-regulation, analogamente ao que ocorre no sistema nervoso simpático, todavia, o

mesmo não se verifica para o

receptor AT2.

Em termos clínicos é importante

referir que o sistema renina-

angiotensina se encontra

relacionado com a aterosclerose,

pois a ligação da angiotensina ao

receptor AT1 promove um amento

da permeabilidade vascular, uma

maior proliferação celular e maior

actividade oxidativa por parte dos

ROS. Por oposição, a bradicinina

desempenha um papel anti-

aterogénico.

Endotelina

A endotelina  é o vasoconstritor endógeno mais poderoso, actuando, contudo, a nível local,

contrariamente ao que ocorre com os dois sistemas descritos anteriormente. Como o seu nome indica, a

endotelina é sintetizada no endotélio, actuando nos receptores ETA e ETB, por difusão parácrina, sendo

rapidamente eliminada por via pulmonar e renal (o seu período de semi-vida é muito curto, sendo de

apenas cinco minutos).

Existem três tipos de endotelina  – ET-1, ET-2 e ET-3, tendo todas elas funções similares e sendo todas

constituídas por 21 aminoácidos. Paralelamente, todos os tipos de endotelina são sintetizados da

mesma forma  –  a pré-pró-endotelina  (um precursor inactivo) sofre clivagem por acção de uma

endopeptidase específica e origina a pró-endotelina  (tal como ocorre nas endotelinas, existem três

classes de pró-endotelinas  –  pró-endotelina-1, pró-endotelina-2  e pró-endotelina-3) e, como

expectável, cada classe de pró-endotelina origina a respectiva endotelina, por via da enzima de

conversão da endotelina.

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A produção das diferentes isoformas de endotelinas ocorre em locais diferentes do organismo  – a ET-1 é

sintetizada ao nível das células endoteliais, do rim e SNC, a ET-2 é produzida ao nível do rim e intestino,

enquanto a ET-3 é produzida ao nível dos neurónios, intestino e glândula supra-renal. De referir que a

produção deste vasoconstritor pode ser

induzida por várias hormonas,

nomeadamente, a vasopressina, a

noradrenalina e a angiotensina II, bem

como por vários factores físico-químicos,

nomeadamente a hipoxia, o shear stress e

a osmolaridade.

É importante referir que, quando

administrada por via endovenosa, a

endotelina tem um duplo efeito  –  a sua

acção directa no músculo induz a

vasoconstrição, enquanto a sua acção no

endotélio está associada à vasodilatação.

Vasopressina

A vasopressina (ou ADH, hormona anti-diurética)

é um potente vasoconstritor sintetizado no

hipotálamo e libertado na hipófise. Esta hormona

desempenha um papel pouco importante ao

nível do organismo humano, na medida em que

os receptores aos quais se liga, de modo a

promover a vasoconstrição (receptores V1),

existem no organismo em pequena quantidade.

Já os receptores V2  existem em maior

abundância, sendo os receptores aos quais a

vasopressina se liga, para actuar como anti-

diurética, ou seja, para promover a retenção de

sódio e água (o que lhe permite responder a uma

situação de perda de volume sanguíneo, tal como uma hemorragia).

Outros vasoconstritores

Existem outros vasoconstritores no nosso organismo, nomeadamente o tromboxano A2, as

prostaglandinas D2  e E2, os aniões superóxido e a urotensina. Este último elemento encontra-se

presente ao nível do coração, artérias e rim e apresenta um papel de vasoconstritor e vasodilatador

(algo que depende do epitélio), variando em função da espécie e do leito vascular.

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Vasodilatação

Acetilcolina

A acetilcolina é libertada

pelos neurónios pós-

ganglionares

parassimpáticos e, como

tal, tem normalmente

um efeito vasodilatador.

A ligação da acetilcolina

aos receptores

muscarínicos M2 

presentes no endotélio

(que se encontram

acoplados à proteína Gi)

promove a libertação deóxido nítrico por parte

das células endoteliais. O óxido nítrico libertado actua nas células musculares lisas vasculares,

despoletando o relaxamento destas e, como tal, uma resposta vasodilatadora. De referir que a

acetilcolina também se pode ligar a receptores M2 presentes no coração, onde apresenta um efeito

inotrópico negativo e cronotrópico negativo.

Contudo, a actuação directa da acetilcolina nas células musculares lisas, promove uma resposta

vasoconstritora, através dos receptores muscarínicos M1  e M3. Esses receptores encontram-se

acoplados a proteína Gq e a sua activação leva à génese de IP3 e diacilglicerol, o que, por sua vez, cursa

com um maior influxo de cálcio para o sarcoplasma e, subsequentemente, com uma resposta

vasoconstritora. Em vasos ateroscleróticos, uma vez que o endotélio se encontra lesado, a acetilcolinadespoleta frequentemente um efeito vasoconstritor, precisamente devido ao facto de se ligar

directamente a receptores das células musculares lisas vasculares.

Bradicinina

A bradicinina  actua de modo análogo à

acetilcolina, na medida em que o seu efeito

vasodilatador é potenciado pela sua ligação

aos receptores B2  do endotélio.

Subsequentemente, as células endoteliais

produzem óxido nítrico e prostaglandinas que,por sua vez, actuam nas células musculares

lisas vasculares, promovendo o seu

relaxamento e, como tal, uma resposta

vasodilatadora.

A bradicinina é produzida a partir do cininogénio, sendo essa reacção catalisada pela calicreína  (uma

protease que também participa na via intrínseca da coagulação). Como já foi referido, a bradicinina está

sujeita a degradação por parte da enzima de conversão da angiotensina.

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Óxido nítrico

O óxido nítrico  (NO) é um

vasodilatador que é

sintetizado ao nível do

endotélio, mas que actuade forma parácrina ao

nível das células

musculares lisas

vasculares, promovendo o

seu relaxamento. A ligação

de um agente

vasodilatador (como

sendo a acetilcolina, ou a

bradicinina) a um receptor

endotelial promove a

activação da fosfolipase C,cuja actividade leva à

formação de IP3  e

diacilglicerol. O IP3 

promove a saída de cálcio do retículo endoplasmático, sendo o cálcio necessário para activar a síntase

do óxido nítrico. Esta enzima, como o seu nome indica, promove a síntese de óxido nítrico que, uma vez

formado, difunde-se de modo parácrino para as células musculares lisas vasculares próximas, onde

activa a guanil cíclase. A activação desta enzima promove a formação de cGMP a partir de GTP, sendo

que o cGMP promove o relaxamento do músculo liso. De referir que existem três classes de síntase do

óxido nítrico:

1. 

Síntase do óxido nítrico do tipo I  (neuronal)  –  A sua activação é promovida pela ligação do

glutamato às estruturas pós-sinápticas nas células piramidais do hipocampo

2.  Síntase do óxido nítrico do tipo II  (indutiva)  –  Esta isoforma é activada por excreções de

resposta inflamatória e é a única que não necessita de cálcio para a sua activação.

3.  Síntase do óxido nítrico do tipo III (endotelial) – Única isoforma presente no endotélio

De entre os vasodilatadores que promovem a síntese de óxido nítrico ao nível do endotélio, destaque

para a bradicinina, histamina, acetilcolina, substância P, ADP, ATP, serotonina e trombina. Para além

disso, a produção de óxido nítrico encontra-se favorecida em situações de elevado fluxo sanguíneo ou

shear stress.

O óxido nítrico pode ser inactivado pela presença de radicais livres, que o convertem em peroxinitrito,uma espécie reactiva. Por outro lado, a dimetilarginina  é um inibidor endógeno da síntase de óxido

nítrico, enquanto a L-arginina pode ser administrada exogenamente, com o intuito de inibir a síntese de

óxido nítrico.

Para além da vasodilatação, o óxido nítrico promove um efeito inotrópico negativo, impede a adesão e a

agregação plaquetária, inibe a secreção de renina e endotelina-1, inibe a proliferação de células

musculares lisas e de células miocárdicas e promove uma diminuição da permeabilidade vascular, da

expressão de proteínas aterogénicas, e da oxidação das LDL.

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Prostaciclina 

A activação da fosfolipase C 

endotelial por parte de um

agente vasodilatador (como a

bradicinina, o shear stress, atrombina, a serotonina, o PDGF, e

a IL-1), para além de levar à

génese de IP3, leva à síntese de

diacilglicerol. Por sua vez, o

diacilglicerol activa a PKC, uma

enzima que promove a activação

da fosfolipase A2. Esta última

enzima está envolvida na síntese

de ácido araquidónico a partir de

fosfolipídeos, podendo o ácido

araquidónico gerado seguir umade duas vias alternativas:

1.  Via da lipoxigénase: Promove a formação de leucotrienos, compostos que promovem a

contracção do músculo liso, nomeadamente ao nível dos brônquios (motivo pelo qual os

leucotrienos se encontram envolvidos na fisiopatologia da asma).

2.  Via da ciclo-oxigénase: Ao seguir esta via, o ácido araquidónico pode originar prostaciclina 

(também designada por prostaglandina I2, ou PGI2) ou tromboxano A2, sintetizados,

respectivamente, pela síntase da prostaciclina  e pela síntase do tromboxano. A síntese de

prostaciclina prevalece a nível endotelial, enquanto a génese de tromboxano A 2  (um

vasoconstritor e pró-agregante plaquetário) predomina nas plaquetas.

Apesar de ser produzida nas células endoteliais, a

prostaciclina actua de modo parácrino nas células

musculares lisas vasculares, através da activação da adenil

cíclase. Ora, a adenil cíclase, por sua vez, promove um

aumento dos níveis de cAMP, estando o cAMP envolvido no

relaxamento das células musculares lisas. Deste modo,

contrariamente ao tromboxano A2, a prostaciclina

apresenta um efeito vasodilatador e anti-agregante. Para

além disso, a prostaciclina inibe a proliferação das células

musculares lisas e promove a fibrinólise (destruição da rede

de fibrina, formada durante a coagulação).

A síntese de prostaciclina é inibida pelos radicais livres de

oxigénio e por anti-inflamatórios não-esteróides  (AINEs).

Os AINEs inibem a ciclo-oxigénase  (enzima que converte o

ácido araquidónico no precursor comum da prostaciclina e

tromboxano A2), podendo fazê-lo de forma reversível ou

irreversível. A título de exemplo, a aspirina  é um inibidor

irreversível das duas isoformas da ciclo-oxigénase.

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Factor hiperpolarizante derivado do endotélio

O factor hiperpolarizante derivado do endotélio  é um agente vasodilatador cuja identidade ainda

permanece desconhecida. Este factor promove uma resposta vasodilatadora através de mecanismos

independentes do óxido nítrico e prostaciclina, nomeadamente, nos territórios mesentérico, carotídeo,

coronário, e renal. A síntese deste factor ocorre ao nível do endotélio, sendo promovida pelaacetilcolina e pela bradicinina (por activação de uma enzima da superfamília do citocromo P450).

Subsequentemente, o factor derivado do endotélio produzido actua de modo parácrino nas células

musculares lisas vasculares, onde promove a abertura dos canais de potássio e, consequentemente, a

hiperpolarização celular.

Shear stress

O shear stress (força de cisalhamento)

corresponde à força de fricção gerada

quando uma coluna de sangue passa ao

longo de uma superfície endotelial(podendo ser avaliado através da

tendência para o fluxo sanguíneo

“arrastar consigo” as células

endoteliais). A magnitude do shear

stress é directamente proporcional à

viscosidade do sangue e à velocidade

do sangue, mas inversamente

proporcional ao raio do vaso.

No que concerne aos efeitos do shear

stress, estes envolvem alterações citosqueléticas, a estimulação de canais iónicos sensíveis aoestiramento (nomeadamente canais de cálcio e canais de potássio) e a activação da fosfolipase C (o que

promove a síntese de prostaciclina e óxido nítrico). Assim, aquando de uma situação de shear stress,

ocorre vasodilatação e, subsequentemente, verifica-se um aumento do raio do vaso sanguíneo em

causa. Ora, uma vez que o shear stress é inversamente proporcional ao raio do vaso, este aumento do

raio permite diminuir o shear stress registado.

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113

Circulações especiais

Circulação cerebral

Embora a massa do encéfalo corresponda a apenas 2% da massa corporal total, o encéfalo recebe cerca

de 15% do débito cardíaco no indivíduo em repouso. Mesmo assim, o encéfalo é o órgão menostolerante à isquemia, de tal modo que a interrupção do fluxo sanguíneo para o encéfalo (mesmo que

num período de segundos) provoca a perda de consciência, sendo que uma situação de isquemia que se

prolongue por alguns minutos acarreta, muito provavelmente, danos celulares irreversíveis.

O sangue chega ao encéfalo através das

artérias carótidas internas  e das artérias

vertebrais  (que confluem para formar a

artéria basilar  que, por sua vez, se divide

para formar as duas artérias cerebrais

posteriores). As artérias cerebrais

posteriores, juntamente com as artériascarótidas internas, participam numa grande

anastomose, a qual é designada por círculo

de Willis. Contudo, existem ainda várias

anastomoses na superfície do encéfalo,

sendo estas alimentadas por pequenos

ramos de distribuição. Essas anastomoses

permitem a existência de mecanismos de circulação colateral, algo que se revela fundamental caso se

verifique a oclusão de uma artéria de distribuição (ou de um dos seus ramos). Todavia, caso se verifique

um grande impedimento do fluxo através de uma artéria carótida interna torna-se quase inevitável a

ocorrência subsequente de um fenómeno isquémico no hemisfério ipsilateral.

Barreira hemato-encefálica

A barreira hemato-encefálica é característica dos capilares encefálicos, prevenindo os solutos presentes

ao nível do lúmen dos capilares de ter acesso directo ao fluido extracelular do encéfalo. Os solutos

polares e hidrofílicos difundem-se muito lentamente, enquanto a capacidade das proteínas

atravessarem a barreira hemato-encefálica é muito limitada (estas restrições explicam porque é que

muitos fármacos que actuam noutros órgãos ou leitos vasculares não surtem efeito no encéfalo). Já os

gases e a água difundem-se rapidamente ao longo da barreira hemato-encefálica, enquanto a glicose,

único substrato energético dos neurónios, atravessa a barreira hemato-encefálica por difusão facilitada.

De referir que os órgãos circunventriculares correspondem a regiões encefálicas especializadas onde os

capilares da barreira hemato-encefálica são fenestrados, apresentando muita permeabilidade.

Regulação do fluxo sanguíneo para o encéfalo

O crânio é rígido e o seu volume total é fixo, de tal modo que situações de vasodilatação, ou de

aumentos no volume vascular numa determinada região, deverão ser compensadas por um decréscimo

do volume do fluido cefalo-raquidiano ou do volume vascular noutras regiões encefálicas. Caso

contrário, um aumento do volume intra-craniano levaria a um aumento de pressão intra-craniana, o que

poderia despoletar um quadro de disfunção neurológica. Deste modo, o volume vascular deverá ser

estritamente regulado, algo que é possível, através de mecanismos de controlo neural, metabólico e

miogénico.

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114

O mecanismo de controlo neural  não é muito importante, embora o sistema nervoso simpático

promova a vasoconstrição, enquanto o sistema nervoso parassimpático promova (de forma modesta)

uma resposta vasodilatadora. De referir que perturbações locais da pressão ou do ambiente químico

podem estimular a libertação de vasodilatadores, por parte dos terminais nervosos sensitivos ( reflexo

axonal).

Os mecanismos metabólicos são os mais importantes no controlo da função vascular do encéfalo. De

facto, aquando de aumentos na actividade (e, como tal, do metabolismo) neuronal, verifica-se um

aumento na hidrólise de ATP com produção resultante de adenosina, um potente vasodilatador. Por

outro lado, aumentos da actividade neuronal cursam com hipóxia, hipercápnia e acidose local, o que

despoleta uma resposta vasodilatadora e subsequente aumento do fluxo sanguíneo para o encéfalo.

Por fim, os vasos de resistência do cérebro respondem a alterações na sua pressão transmural, sendo

que aumentos da pressão transmural cursam com vasoconstrição, enquanto a diminuição está

associada a vasodilatação (mecanismo de controlo miogénico).

Num sentido de regular o fluxo vascular, verifica-se ainda uma resposta colaborativa local entre

neurónios, astrócitos e vasos cerebrais, aquando de um aumento da actividade neuronal. De facto,

parte do glutamato e do GABA libertados durante uma sinapse difundem-se para fora da fenda

sináptica, actuando em receptores presentes nos pés terminais dos astrócitos. Estes interactuam com

os capilares sanguíneos, gerando ondas de cálcio  que promovem a libertação de vasodilatadores

poderosos, tais como o óxido nítrico.

Circulação coronária

O coração recebe cerca de 5% do débito cardíaco em repouso, apesar constituir menos de 0,5% da

massa total corporal. A irrigação coronária para o miocárdio deriva das artérias coronárias direita e

esquerda (que se divide perto da sua origem na artéria circunflexa esquerda e na artéria descendente

anterior esquerda):

1.  Artéria coronária direita: Irriga o ventrículo direito e a aurícula direita

2. 

Artéria circunflexa esquerda: Irriga o ventrículo esquerdo e a aurícula esquerda

3. 

Artéria descendente anterior esquerda  (artéria interventricular anterior): Irriga o septo

interventricular e porções ventriculares adjacentes

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115

Estas artérias ramificam-se

ao longo do coração,

originando uma densa rede

capilar. Por outro lado, o

pequeno diâmetro das

fibras musculares cardíacasfavorece a difusão de

oxigénio para estas células,

que têm necessidades

metabólicas muito elevadas.

De referir que se verifica a

presença de muitos vasos

colaterais ao nível das redes

coronárias arterial e venosa, com o objectivo de assegurar um correcto fluxo sanguíneo, aquando da

oclusão de um vaso primário.

Perfusão coronária e ciclo cardíaco

Apesar de o coração ser a fonte da sua

própria pressão de perfusão, a

contracção do miocárdio comprime a

sua própria irrigação. Deste modo, o

perfil do fluxo sanguíneo através das

artérias coronárias depende da pressão

de perfusão na aorta e da compressão

extra-vascular que resulta da contracção

ventricular (nomeadamente da

contracção do ventrículo esquerdo).

De facto, o fluxo sanguíneo na artéria

coronária esquerda pode reverter

transitoriamente no início da sístole,

devido à força de compressão gerada

pelo ventrículo esquerdo em contracção

isovolumétrica. Contudo, à medida que

a pressão aórtica aumenta (numa fase

mais tardia da sístole), o fluxo coronário

aumenta, embora apenas atinja os seus

valores máximos durante o início da diástole (quando o ventrículo esquerdo relaxado já não comprime

os vasos coronários e a pressão aórtica se mantém elevada). Deste modo, apesar do fluxo sanguíneo na

artéria coronária esquerda apresentar um perfil sisto-diastólico, cerca de 80% do fluxo coronário total

ocorre em diástole.

Por oposição, o fluxo sanguíneo na artéria coronária direita ocorre, sobretudo, em sístole, não se

verificando reversão do sentido do fluxo sanguíneo em protossístole. Isto acontece devido ao facto do

ventrículo direito desenvolver uma menor tensão de parede e, como tal, não exercer uma força de

compressão tão grande nos vasos coronários.

Uma vez que, um aumento da frequência cardíaca se repercute, sobretudo, através da diminuição do

tempo de diástole, a perfusão coronária esquerda encontra-se diminuída numa situação de taquicardia.Num coração saudável, isto não constitui grande problema, na medida em que os vasos coronários têm

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capacidade de dilatar adequadamente. Todavia, aquando de um quadro de doença coronária que

restrinja o fluxo sanguíneo, um aumento da frequência cardíaca pode pôr em causa a irrigação cardíaca.

Regulação do fluxo sanguíneo para o coração

O coração extrai entre 70% e 80% do oxigénio presente no sangue arterial e, deste modo, aquando de

um aumento das necessidades de oxigénio, o coração aumenta preferencialmente a captação de

sangue, em detrimento de um aumento da quantidade de oxigénio que extrai do sangue. Uma vez que a

pressão sanguínea varia normalmente entre limites estritos, a vasodilatação é a única forma de

aumentar substancialmente o fluxo coronário. A vasodilatação é conseguida, sobretudo, através de

mecanismos metabólicos locais, envolvendo, nomeadamente, a libertação de adenosina.

O sistema nervoso autónomo tem também a capacidade de regular o fluxo coronário, embora de forma

menos decisiva. O sistema nervoso simpático promove directamente a ocorrência de vasoconstrição,

embora essa resposta seja, por vezes, “mascarada”. De f acto, os neurónios pós-ganglionares simpáticos

também actuam nos receptores adrenérgicos β1 do coração, promovendo um efeito cronotrópico

positivo e inotrópico positivo. Ora, esse aumento da actividade cardíaca promove um aumento das

necessidades metabólicas do coração e, como tal, através de mecanismos metabólicos, é despoletada

uma resposta vasodilatadora compensatória.

Por outro lado, a activação do sistema nervoso parassimpático promove uma resposta vasodilatadora

moderada, sobretudo nas vizinhanças do nó sinusal. Deste modo, o efeito do sistema parassimpático é

preferencialmente sentido ao nível da frequência cardíaca.

Fenómeno de “roubo coronário” 

Conhecer o modo como a irrigação coronária

se processa apresenta importância capital em

termos clínicos. A título de exemplo, osfármacos vasodilatadores, embora

administrados no sentido de aumentar o fluxo

sanguíneo para o miocárdio, podem acabar por

comprometer o fluxo coronário. De facto,

numa situação de isquemia por estenose dos

vasos coronários, a administração de um

vasodilatador apenas aumenta o diâmetro dos

vasos sanguíneos não-estenosados (ou seja,

dos vasos que irrigam regiões não-isquémicas).

Isto deve-se ao facto dos vasos a jusante da

região estenosada já se encontrarem

maximamente dilatados, não conseguindo

dilatar mais. Assim, ao promover a dilatação dos vasos não-estenosados, os vasodilatadores levam a que

esses vasos sejam ainda mais perfundidos e a que os vasos estenosados (e respectivos territórios de

irrigação) se tornem ainda menos perfundidos (fenómeno de “roubo coronário”).

Circulação do músculo esquelético

O fluxo sanguíneo para o músculo esquelético é caracterizado por amplas variações, de acordo com o

estado de actividade do indivíduo. De facto, o fluxo sanguíneo pode aumentar até 50 vezes, quando se

passa de uma situação de repouso para uma situação de exercício aeróbio máximo.

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117

As artérias nutritivas 

para o músculo

esquelético encontram-

se externamente ao

músculo, gerando entre

30 a 50% da resistênciatotal ao fluxo

sanguíneo. Quando as

artérias nutritivas

entram no músculo

esquelético, originam

arteríolas, que se

ramificam várias vezes

até originarem

arteríolas terminais,

que são os últimos

ramos que contêm

músculo liso e, como

tal, os últimos ramos

nos quais ainda existe

capacidade de controlar

o fluxo sanguíneo. O conjunto dos capilares alimentados por uma mesma arteríola terminal designa-se

por unidade microvascular, correspondendo à unidade funcional mais pequena de controlo do fluxo

sanguíneo.

Quando o músculo esquelético se encontra em repouso, a sua resistência vascular é elevada, o fluxo

sanguíneo é reduzido, e a taxa de extracção de oxigénio é reduzida. Todavia, numa fase inicial do

exercício, verifica-se uma dilatação das arteríolas terminais, algo que permite um aumento do fluxo

sanguíneo através dos capilares já perfundidos e a abertura de capilares quiescentes. Deste modo, à

medida que o nível de exercício aumenta, verifica-se um aumento da taxa de extracção de oxigénio e

uma dilatação de vasos progressivamente mais proximais. De referir que a libertação de substâncias

vasodilatadoras (tais como a adenosina, o dióxido de carbono, e o potássio) por parte das fibras

musculares activas é o principal estímulo para uma resposta vasodilatadora.

Acção do sistema nervoso simpático

Apesar do sistema nervoso simpático promover a vasoconstrição dos vasos que irrigam o músculo

esquelético, o elevado shear stress gerado subsequentemente leva a que sejam libertadas substâncias

vasodilatadoras, estabelecendo-se assim um equilíbrio que permite a manutenção do tónus basal das

células musculares lisas vasculares. Assim sendo, parece paradoxal que situações de elevada actividade

muscular (onde ocorre dilatação dos vasos que irrigam o músculo esquelético e, por conseguinte, um

aumento do fluxo sanguíneo para o músculo) cursem com um aumento da actividade simpática. Este

aparente paradoxo é passível de ser explicado por três fenómenos:

1.  O aumento da actividade simpática promove vasoconstrição em todos os órgãos excepto o

coração e o cérebro.

2. 

Os efeitos vasodilatadores dos metabolitos libertados pelo músculo esquelético activo superam

os efeitos vasoconstritores do sistema nervoso simpático.

3.  As substâncias libertadas durante a contracção das fibras musculares (nomeadamente o óxido

nítrico e a adenosina) podem inibir localmente a libertação de noradrenalina por parte dos

neurónios simpáticos.

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Assim, quando vários grupos musculares se encontram em actividade, o sistema nervoso simpático

actua como árbitro, promovendo vasoconstrição das artérias nutritivas (que se encontram

externamente ao músculo esquelético e, por isso, não estão sujeitas à influência das substâncias

vasodilatadoras produzidas pelas fibras musculares esqueléticas), o que estabelece um limite ao fluxo

sanguíneo disponibilizado para o músculo esquelético e impede que fibras de um só grupo de músculos

esqueléticos “monopolizem” todo o fluxo sanguíneo. 

“Bomba muscular” 

Durante o exercício, o músculo

esquelético sofre alterações rítmicas no

seu comprimento e na sua tensão, de

modo análogo ao que ocorre no coração

activo. A contracção do músculo

esquelético promove o efluxo de sangue

venoso e impede o influxo de sangue

arterial. Assim, a contracção muscularpermite esvaziar as veias, enquanto o

relaxamento potencia a perfusão capilar

(devido à redução da pressão venosa) e

promove o influxo de sangue arterial.

Este fenómeno de “bomba muscular”, ao

induzir energia cinética considerável ao

sangue, consegue gerar até metade da

energia necessária para a circulação do

sangue. 

Circulação cutânea

A pele, que é o maior órgão do corpo humano, encontra-se sobre-perfundida relativamente às suas

necessidades nutricionais. Desta forma, o controlo metabólico local do fluxo sanguíneo para a pele tem

uma importância funcional muito reduzida e o fluxo sanguíneo para a pele encontra-se, sobretudo,

dependente da acção do sistema nervoso simpático  – aumentos na temperatura corporal aumentam o

fluxo sanguíneo para a pele, levando a perdas de calor, enquanto uma diminuição da temperatura

corporal leva ao efeito oposto.

A pele apical (que se encontra nas extremidades, nomeadamente no nariz, lábios, orelhas, mãos e pés)

apresenta uma grande relação superfície-volume que favorece a perda de calor. Nessas regiões é

possível encontrar uma grande quantidade de anastomoses arterio-venosas, as quais constituem oscorpos de glomus. Os vasos que intervêm nessas anastomoses encontram-se em paralelo com os

capilares da pele envolvidos na troca de nutrientes e estão sob intenso controlo neural. De facto, a

acção do sistema nervoso simpático promove a constrição das arteríolas, vasos anastomósicos e

vénulas, o que diminui as perdas de calor (deste modo, a acção simpática verifica-se aquando de um

decréscimo da temperatura corporal). Paralelamente, aquando de um aumento da actividade corporal,

o tónus simpático diminui e verifica-se uma resposta vasodilatadora (deste modo, não existe

vasodilatação activa - a vasodilatação é sempre passiva, ocorrendo por inibição da actividade simpática).

Já ao nível da pele não-apical, quase não se verificam anastomoses arterio-venosas, de tal modo que as

variações na actividade simpática apresentam um efeito muito reduzido na regulação térmica do

organismo.

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Microcirculação e vasos linfáticos

Os capilares  constituem os locais de excelência onde ocorre a troca de gases, água, nutrientes e

produtos do metabolismo. Na maior parte dos tecidos, os capilares estão associados, exclusivamente, a

essas necessidades nutricionais. Contudo, noutros, uma grande porção do fluxo capilar é não-

nutricional. A título de exemplo, ao nível dos glomérulos renais, o fluxo capilar forma o filtradoglomerular. Por outro lado, ao nível da pele a microcirculação ao nível das anastomoses arterio-venosas

está associada à regulação térmica. Os capilares também desempenham outras funções, tais como a

sinalização (transporte de hormonas) e defesa do indivíduo (através do transporte de plaquetas).

Vasos constituintes da microcirculação

A microcirculação é definida como sendo

o conjunto de vasos sanguíneos que se

encontram entre a arteríola de primeira

ordem e a vénula de primeira ordem.

Embora ocorram variações entre órgãos,normalmente, os componentes principais

da microcirculação incluem uma única

arteríola e uma única vénula, por entre as

quais se encontra uma rede de capilares.

Tanto as arteríolas como as vénulas

apresentam células musculares lisas

vasculares, sendo que, por vezes, é

possível encontrar esfíncteres pré-

capilares  na transição entre um capilar e

uma arteríola ou meta-arteríola. Estes

esfíncteres controlam o acesso do sangue

até segmentos particulares da rede

capilar, sendo que a abertura ou o fecho

de um esfíncter criam pequenas

diferenças locais de pressão, que podem

alterar a magnitude do fluxo sanguíneo ou reverter a direcção do fluxo sanguíneo em alguns locais da

rede. Contudo, é importante ressalvar que o músculo liso associado aos esfíncteres pré-capilares não é,

normalmente inervado  –  a acção destes esfíncteres varia, sobretudo, de acordo com alterações das

condições locais.

As arteríolas diferem das artérias, uma vez que as primeiras apresentam um raio interno situado entre 5

e 25 µm, enquanto as segundas apresentam um raio interno superior a 25 µm. Por outro lado, as

arteríolas apenas apresentam uma única camada contínua de células musculares lisas vasculares. Já as

metarteríolas são similares às arteríolas, mas o seu comprimento é menor. Para além disso, as células

musculares lisas vasculares das metarteríolas não são contínuas nem, normalmente, inervadas. As

metarteríolas funcionam como “vias rápidas” da microcirculação que permitem que o sangue flua, sem

passar pela rede capilar.

Os verdadeiros capilares, por sua vez, apresentam um raio interno situado entre 2 e 5 µm, consistindo

numa única camada de células endoteliais muito finas rodeadas por uma membrana basal, fibras de

colagénio e, por vezes, pericitos. Algumas células endoteliais apresentam em ambas as superfícies

inúmeras cavéolas, envolvidas na ligação a ligandos. Por outro lado, o facto das células endoteliais seencontrarem altamente envolvidas na endocitose faz com que sejam encontradas a esse nível inúmeras

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vesículas revestidas por caveolina. Para além disso, o citoplasma das células endoteliais dos capilares é

rico em vesículas pinocíticas, que contribuem para a transcitose de água e de compostos solúveis em

água, ao longo da membrana endotelial. De referir que, em alguns casos, as vesículas endocíticas

encontram-se alinhadas de tal modo que aparentam estar juntas para formar um canal transendotelial.

Entre as células endoteliais

encontram-se  junções

inter-endoteliais, que

permitem que duas

membranas celulares

estejam separadas apenas

por cerca de 10 nm. Apesar

disso, existem regiões,

onde o espaço entre as

células é menor (é de cerca

de 4nm), pois estas estão

unidas por  junções deaderência. É igualmente

possível encontrar  junções

apertadas  entre as células endoteliais, sendo que estas junções são extremamente importantes para

formar a barreira hemato-encefálica (pois impedem a presença de espaço interendotelial no encéfalo).

Existem três tipos de capilares, sendo esta classificação baseada na permeabilidade existente ao nível

destes:

1. 

Capilares contínuos: Tipo de capilar mais comum.

2.  Capilares fenestrados: Nestes capilares as células encontram-se perfuradas com fenestrações,

passagens que atravessam completamente as células, desde o lúmen capilar até ao espaçointersticial. Os capilares fenestrados delimitam sobretudo os epitélios, pois são locais onde

ocorrem grandes fluxos de fluidos e solutos ao longo das paredes capilares. De referir que, por

vezes, um pequeno diafragma fecha as perfurações das fenestrações.

3. 

Capilares descontínuos: Estes capilares apresentam gaps  (grandes espaços maiores que as

fenestrações), sendo passíveis de ser encontrados ao nível dos sinusóides hepáticos, na medula

óssea e no baço.

Ao nível das suas extremidades distais, os capilares convergem em vénulas (cujo raio interno varia entre

5 e 25 µm), que transportam sangue para veias de baixa pressão que, por sua vez, fazem o retorno

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venoso para o coração. As vénulas apresentam uma camada descontínua de células musculares lisas

vasculares e, como tal, têm capacidade de controlar o fluxo sanguíneo e de estabelecer trocas de

solutos ao longo das suas paredes.

Difusão

Os gases difundem-se de forma transcelular entre as duas membranas e o citosol das células endoteliais

de um capilar. Embora, por motivos descritivos, a troca de oxigénio seja destacada, convém referir que

os mecanismos são similares para a troca de dióxido de carbono, apesar de estes últimos ocorrerem

numa direcção inversa. Em termos gerais, à medida que o sangue arterial (muito rico em oxigénio)

atravessa um capilar sistémico, o oxigénio difunde-se ao longo da parede capilar, para o espaço

tecidular, que inclui o fluido intersticial e as células vizinhas.

Cilindro tecidular de Krogh

O cilindro tecidular de Krogh é o modelo para as trocas gasosas mais frequentemente aceite. O cilindro

tecidular corresponde ao volume tecidular ao qual um único capilar fornece oxigénio e, como tal, cada

cilindro de tecido rodeia um único capilar. De acordo com este modelo, o raio de um cilindro tecidular

num órgão corresponde, normalmente, a metade do espaço médio intercapilar. Uma vez que a

densidade capilar é altamente variável entre os tecidos, também a distância intercapilar média

apresenta grandes variações. Assim sendo, a densidade capilar é maior em tecidos com maior consumo

de oxigénio (tais como o miocárdio e pulmões) e menor em tecidos com baixo consumo de oxigénio (tais

como a cartilagem articular).

O modelo de Krogh é útil porque ajuda a prever como é que a concentração de oxigénio (ou pressão

parcial de oxigénio  – PO2) cai ao nível do lúmen ao longo do comprimento do capilar, à medida que o

oxigénio é expulso para os tecidos adjacentes. De referir que P O2 em qualquer local de um capilar

depende de vários factores, que combinados, contribuem para a forma e perfis de concentração dentro

do vaso e do tecido:

1. 

Concentração de oxigénio livre no sangue arteriolar que “alimenta” os capilares . Esta

concentração é proporcional a PO2 nas arteríolas.

2. 

Conteúdo de oxigénio de sangue. A quantidade de oxigénio livre no sangue é muito reduzida  – 

a maior parte encontra-se ligada à hemoglobina, dentro dos eritrócitos.

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3. 

Fluxo sanguíneo capilar (F ).

4. 

Coeficiente de difusão radial  (Dr) - factor

que preside à difusão de oxigénio para fora

do lúmen capilar, sendo o mesmo no

sangue, parede dos capilares (em todo o

seu comprimento) e tecidos adjacentes.5.

 

Raio capilar (r c ).

6.  Raio do cilindro tecidular  (r t) ao qual o

capilar está a fornecer oxigénio.

7. 

Consumo de oxigénio pelos tecidos

adjacentes (Q O2)

8. 

Distância axial ( x ) ao longo do capilar.

A diferença entre a concentração de uma

substância no influxo arterial e no efluxo venoso é

determinada pela diferença arterio-venosa. A título

de exemplo, se a concentração de oxigénio arterialque entra num tecido for de 20 mL O2/dL de sangue

e se a concentração de oxigénio venoso que

abandona o tecido for de 15 mL O2/dL de sangue, a

diferença arterio-venosa para aquele tecido é de 5

mL O2/dL de sangue.

Outra forma de exprimir a quantidade de substância (por exemplo, de oxigénio) que é removida pelos

tecidos é pela proporção de extracção. Este parâmetro não é mais que a normalização da diferença

arterio-venosa para o conteúdo arterial da substância e, como tal, a proporção de extracção para o

oxigénio (EO2) é de:

 

Fazendo as contas para o exemplo que estava a ser dado, seria obtida uma proporção de extracção de

0,25 (25%). O que significa, em termos práticos, que o órgão do exemplo remove (e consome) 25% do

oxigénio que lhe está disponível no sangue arterial.

Coloca-se então a questão de quais os factores que determinam a extracção de oxigénio. Ora, os oito

factores que influenciam os perfis de PO2 são precisamente os mesmos que determinam a extracção de

oxigénio do órgão. De entre esses factores, os mais importantes são o fluxo capilar e o consumo de

oxigénio pelos tecidos (o que corresponde à exigências metabólicas). De referir que a proporção de

extracção de oxigénio diminui com o aumento de fluxo sanguíneo (uma vez que ocorre maior

fornecimento de sangue, os tecidos necessitam de extrair uma menor percentagem de oxigénio para

satisfazer as suas necessidades) e aumenta com as exigências metabólicas.

Estas conclusões não são mais que um reajuste da lei de Fick que poderá ser reescrita como:

 

Lei de Fick

Apesar da célula endotelial ser altamente permeável a oxigénio e a dióxido de carbono, esta funcionacomo uma importante barreira para a troca de substâncias insolúveis em lipídeos. Os solutos hidrofílicos

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que são mais pequenos que a albumina apresentam a capacidade de atravessar a parede capilar por via

de difusão paracelular (entre as junções inter-endoteliais, os pequenos espaços, as fenestrações e as

gaps, caso estas últimas estejam presentes).

A quantidade de soluto que atravessa uma área particular de um capilar por unidade de tempo é

designada por fluxo. O fluxo é proporcional à magnitude da diferença de concentrações que existe ao

longo da parede capilar e é maior em capilares mais permeáveis. Ora, estes conceitos básicos são

expressos pela lei de Fick:

Jx=Px×(Xc-Xif) 

Na fórmula, Jx representa o fluxo do soluto X em moles/(cm2/s), sendo que esse fluxo é positivo quando

ocorre fluxo dos capilares para o fluido intersticial.

  

   por seu turno, correspondem às

concentrações de soluto dissolvido no capilar e fluido intersticial, respectivamente. Uma vez que a

espessura da parede capilar (a) é difícil

de determinar, utiliza-se um coeficiente

de permeabilidade  (Px) para exprimir a

razão entre o coeficiente de difusão (Dx)

e a espessura. Deste modo, o

coeficiente de permeabilidade exprime

a facilidade, com a qual um soluto

atravessa um capilar por difusão. 

Uma vez que, na prática, a área da

superfície do capilar  (S) é por vezes

desconhecida, torna-se impossível

calcular um fluxo de um soluto, expresso

por unidade de área. Assim, é mais

comum calcular o fluxo de massa  (Q),

que é simplesmente a quantidade de

soluto transferido por unidade de tempo

(unidades: mol/s).

Small pore effect

A permeabilidade de uma célula endotelial é maior para solutos lipossolúveis (tais como o oxigénio e o

dióxido de carbono), pois estes têm maior capacidade de se difundir através de toda a célula endotelial,

comparativamente a solutos hidrossolúveis, tais como o cloreto de sódio, a ureia e a glicose.

Deste modo, as pequenas moléculas hidrofílicas polares apresentam uma permeabilidade relativamentebaixa, uma vez que só têm capacidade de se difundirem por via paracelular, através de fendas inter-

endoteliais ou vias aquosas, que constituem apenas uma pequena fracção de toda a área capilar (de

lembrar que a área é um dos factores que para a permeabilidade celular). Assim, a difusão destas

pequenas moléculas hidrofílicas por descontinuidades, ou espaços nas junções apertadas (que

constituem os small pore, cujo raio é de cerca de 10 nm) é designada por small pore effect . Contudo, é

necessário ter em conta que o efeito do glicocálice na superfície das células endoteliais, ajuda a explicar

o small pore effect .

Uma vez que as fendas inter-endoteliais são mais largas nas extremidades venosas dos capilares e que

as fenestrações são também mais comuns a esse nível, Px  aumenta ao longo do capilar. Isto explica

porque é que numa situação em que a diferença de concentrações transcapilares -  fosse a

mesma, o fluxo de soluto seria, mesmo assim, maior ao nível da extremidade venosa da microcirculação.

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Pequenas proteínas

também

apresentam a

capacidade de se

difundirem ao

longo de fendasinter-endoteliais ou

por via de

fenestrações.

Contudo, para além

do tamanho

molecular, também

a carga eléctrica das

proteínas e de

outras

macromoléculas

constitui um importante determinante do seu coeficiente de permeabilidade aparente. Sob o ponto de

vista geral, o fluxo de proteínas negativamente carregadas é muito menor, comparativamente àquele de

macromoléculas neutrais de tamanho equivalente, enquanto as macromoléculas carregadas

positivamente apresentam um maior coeficiente de permeabilidade aparente. De facto, a presença de

cargas negativas fixas nas proteínas do glicocálice endotelial impede a passagem de macromoléculas

com carga negativa e favorece o transporte de macromoléculas com carga positiva.

O movimento difusivo de solutos é o modo dominante de trocas transcapilares. Todavia, o movimento

convectivo da água também pode transportar solutos. Este efeito, de menor importância, é designado

por solvent drag e corresponde ao fluxo de um soluto dissolvido que é feito passar, devido à imensidão

do movimento do solvente.

Large pore effect

As macromoléculas cujo raio excede 1 nm (tais

como proteínas plasmáticas) têm a capacidade

de cruzar os capilares, através de fendas

intercelulares, fenestrações e gaps  (quando

estes se encontram presentes). Contudo, este

mecanismo de transporte para este tipo de

moléculas apresenta muito pouca importância.

As cavéolas são as principais responsáveis pelo

large pore effect   que permite a translocação

celular de macromoléculas. Assim sendo, a

transcitose  de macromoléculas muito grandes

por transporte vesicular envolve:

1.  O equilíbrio das macromoléculas dissolvidas no lúmen capilar com as macromoléculas

presentes na fase fluida, ao nível da vesícula aberta.

2. 

A formação da vesícula e a passagem desta para o citosol, onde ocorre fusão com outras

vesículas

3. 

A fusão das vesículas com a membrana endotelial do lado oposto.

4.  O equilíbrio com a fase do fluido extracelular oposto.

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Apesar de o movimento transcitólico de macromoléculas poder ser designado por fluxo, as leis da

difusão não presidem à transcitose. É ainda importante referir que a transcitose raramente se verifica ao

nível do encéfalo – a presença de junções apertadas contínuas contribuem para uma barreira encefálica

cuja permeabilidade aparente para as macromoléculas é muito inferior.

Limites à difusão

Ao nível dos capilares, a difusão de moléculas insolúveis em lipídeos encontra-se restrita a canais

aquosos ou a poros. Para pequenas moléculas, tais como a água, o cloreto de sódio, a ureia e a glicose,

os poros dos capilares apresentam baixa restrição à difusão, de tal modo que a difusão dessas

substâncias se torna tão rápida, que o gradiente de concentração médio ao longo do endotélio capilar

se torna extremamente pequeno. Assim, quanto maiores são as moléculas insolúveis em lipídeos, mais

restrita é a sua difusão através dos capilares. A difusão torna-se eventualmente mínima, quando a

massa molecular das moléculas excede os 60000. Já no que concerne às pequenas moléculas, a única

limitação ao movimento ao longo da parede capilar é a taxa através da qual o fluxo sanguíneo

transporta as moléculas para os capilares. Diz-se então que o transporte dessas moléculas é limitado

pelo fluxo.

Enquanto, aquando de um grande fluxo sanguíneo, uma pequena molécula ainda consegue estar

presente num local distal do capilar, uma molécula maior mover-se-ia apenas até um dado ponto, em

que a sua concentração no sangue se tornaria insignificante. Para além disso, o número de moléculas

grandes que entram na extremidade arterial de um capilar mas não conseguem passar através dos

poros capilares iguala o número de moléculas que abandonam a extremidade venosa do capilar. Em

grandes moléculas, a difusão ao longo dos capilares torna-se o factor limitante ( transporte limitado

pela difusão). Isto significa que a permeabilidade de um capilar a grandes moléculas de soluto limita o

seu transporte ao longo da parede capilar.

O movimento de moléculas lipossolúveis ao longo da parede capilar não se encontra limitado aos poroscapilares, ocorrendo também directamente através das membranas lipídicas de todo o endotélio

capilar. Consequentemente, as moléculas lipossolúveis movem-se rapidamente por entre o sangue e os

tecidos. Desta forma, o grau de lipossolubilidade é um bom indicador da facilidade de transferência de

moléculas lipídicas através do endotélio capilar.

Transporte por convecção

Equação de Starling

A via para o movimento de fluidos ao longo da parede dos capilares é uma combinação das vias

transcelular e paracelular. As membranas celulares endoteliais exprimem canais activos de aquaporina

1  (AQP1), que constituem a principal via transcelular para o movimento de água. Já as fendas inter-

endoteliais, as fenestrações ou as gaps, actuam como substrato anatómico para a via paracelular.

Enquanto o principal mecanismo para a transferência de gases e outros solutos é a difusão, o principal

mecanismo para a transferência de fluido ao longo da membrana capilar é a convecção. Existem duas

grandes driving forces para a convecção, nomeadamente a diferença transcapilar de pressões

hidrostáticas e a diferença de pressão osmótica efectiva (também designada por pressão osmótica

colóide, ou por diferença de pressão oncótica).

A diferença de pressões hidrostáticas (ΔP) ao longo da parede dos capilares consiste na diferença entre

a pressão intravascular (ou seja, a pressão hidrostática capilar, Pc) e a pressão extra-vascular (ou seja, a

pressão hidrostática do fluido intersticial, Pif ). De referir que o termo “hidrostático” inclui todas as

fontes de pressão intravascular, sendo utilizado como antónimo de “osmótico”. 

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Já a diferença de pressão osmótica

colóide  (Δπ) ao longo da parede capilar

consiste na diferença entre a pressão

osmótica colóide intravascular  causada

pelas proteínas plasmáticas (πc) e a

pressão osmótica colóide extra-vascular causada pelas proteínas do fluido

intersticial e proteoglicanos (πif ). Assim,

enquanto um ΔP positivo tende a repelir a

água para fora do lúmen capilar, um Δπ

positivo tende a atrair a água para o lúmen capilar.

A hipótese de Starling  permite descrever o fluxo de volume de fluido  (Jv) através da parede de um

capilar e encontra-se descrita pela seguinte equação:

Esta equação encontra-se concebida de tal modo que o fluxo de água que abandona o capilar é positivo

e que o fluxo de água que entra no capilar é negativo.

A condutividade hidráulica (Lp) é a constante de proporcionalidade que relaciona a driving force com o

Jv, exprimindo a permeabilidade total fornecida pelo conjunto dos canais AQP1 e pela via paracelular.

Embora de acordo com a lei de van’t Hoff  possamos ainda referir que a diferença teórica de pressões

osmóticas colóides (Δπteoria) é proporcional à diferença de concentrações proteicas (Δ[X]), sabe-se que

as paredes capilares fazem a extrusão de proteínas de modo imperfeito, de tal modo que a diferença de

pressões osmóticas colóides observadas (Δπobservado) é, de facto, menor que a diferença teórica. Assim,

torna-se importante incluir na fórmula o coeficiente de reflexão  (σ), que não é mais que o rácio

Δπobservado/Δπteoria, e que uma forma de descrever como é que uma barreira semi-permeável exclui ou

“reflecte” um dado soluto X, à medida que a água se movimenta ao longo da barreira, por via de

gradientes de pressão hidrostática ou osmótica.

Uma vez que σ é uma proporção, pode adquirir qualquer valor entre 0 e 1. Quando o σ é zero, o

deslocamento da água leva consigo a totalidade do soluto, que não exerce pressão osmótica ao longo da

barreira. Contudo, quando σ é 1, a barreira exclui por completo o soluto, à medida que a água a

atravessa, sendo que o soluto exerce pressão osmótica total. De referir que o σ para as proteínas

plasmáticas é próximo de 1. Já pequenos solutos que atravessam livremente o endotélio, como os iões

sódio e cloreto, apresentam um σ igual a zero. Deste modo, a alteração da concentração intrav ascular

ou intersticial destas últimas entidades não cria uma driving force osmótica efectiva, ao longo da parede

capilar.

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Forças de Starling

Filtração e absorção

A expressão para a driving force na equação de Starling [(Pc - P if ) - σ(πc - πif )] é designada por pressão de

filtração líquida. A filtração de um fluido a partir de um capilar para o espaço tecidular ocorre quando

esta pressão de filtração é positiva. No caso especial em que o σ para as proteínas é 1, o fluido que

abandona o capilar encontra-se livre de proteínas e este processo designa-se por ultra-filtração.

Por contraste, a absorção de fluido a partir do espaço tecidular para o espaço vascular ocorre quando a

pressão de filtração líquida é negativa. Ao nível da extremidade arterial dos capilares, a pressão de

filtração é geralmente positiva, de tal modo que ocorre filtração. Já ao nível da extremidade venosa, a

pressão de filtração é geralmente negativa, de tal modo que se verifica a presença de absorção.

Contudo, existem órgãos que não seguem esta regra.

Pressão hidrostática capilar

A pressão sanguínea capilar (Pc), também designada por pressão hidrostática capilar, varia ao nível dasextremidades arteriolar e venular dos capilares. A título de exemplo, na pele P c apresenta um valor de

cerca de 35 mm/Hg ao nível da extremidade arteriolar, e de cerca de 15 mm/Hg ao nível da extremidade

venular.

Quando a pressão arteriolar é da ordem dos 60 mm/Hg e a pressão venular é de 15 mm/Hg, a pressão

médio-capilar não corresponde ao valor médio entre as duas (que neste caso seria de 37,5 mm/Hg), mas

sim a um valor de apenas 25 mm/Hg. Isto deve-se ao facto de a resistência pré-capilar (a resistência que

se encontra a montante do capilar, ao nível da terminação das arteríolas) exceder normalmente a

resistência pós-capilar  (a resistência que se encontra a jusante do capilar, ao nível da terminação das

vénulas). O valor de Pc  não é uniforme e varia em função de quatro parâmetros, nomeadamente as

resistências pré e pós capilar, a localização, o tempo e a gravidade.

No que concerne às resistências pós e

pré capilares, quando a resistência pós-

capilar é inferior á pré-capilar, como

ocorre normalmente, a pressão

hidrostática dos capilares torna-se mais

próxima da pressão hidrostática venular,

do que da pressão hidrostática arteriolar.

Deste modo, alterações idênticas ao

nível das pressões hidrostáticas arteriolar

e venular obtêm efeitos diferentes napressão hidrostática capilar, sendo que a

alteração na pressão hidrostática venular

surte mais efeito, que a variação da

pressão arteriolar (a título de exemplo,

considerando um Rpos/Rpre de 0.3, um

aumento de 10 mm/Hg na pressão

arteriolar apenas aumentaria a pressão

capilar em 2 mm/Hg, mas o mesmo

aumento para a pressão venular,

aumentaria a pressão capilar em 8

mm/Hg).

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Já a localização prende-se com os tecidos onde está a ocorrer passagem de fluido. Ao nível dos capilares

renais são necessárias pressões hidrostáticas capilares elevadas para que ocorra ultrafiltração, enquanto

os capilares pulmonares apresentam valores baixos de pressão hidrostática capilar, minimizando assim a

ultra-filtração, que poderia levar à acumulação de fluido de edema ao nível dos espaços alveolares.

Pressão hidrostática intersticial

Ao nível do fluido intersticial, a pressão hidrostática (Pif ) apresenta um valor ligeiramente negativo (na

ordem dos -2 mm/Hg). O facto de P if ser ligeiramente negativo deve-se à remoção de fluido pelos

linfáticos. Existem, contudo, excepções ao nível dos compartimentos fechados rígidos (como a medula

óssea ou o encéfalo) e ao nível dos órgãos encapsulados, tais como o rim. Nestas situações P if é positivo,

pois, no caso dos órgãos encapsulados, a expansão dos vasos de alta pressão empurra o fluido

intersticial contra a cápsula fibrosa/fáscia, aumentando P if . Como é de esperar, Pif não varia ao longo das

extremidades arteriolar e venular dos capilares, todavia, Pif é altamente sensível à adição de fluido para

o compartimento intersticial (de facto, o aumento de Pif em função do aumento de fluido para o

compartimento intersticial traduz-se numa relação quase logarítmica).

Pressão osmótica colóide capilar

A diferença de pressões osmóticas colóides ao longo do endotélio dos capilares deve-se apenas às

proteínas plasmáticas, tais como a albumina. A concentração de proteínas total no plasma é de cerca de

7,0 g/L, ou seja 1,5 mM. De acordo com a lei de van’t H off, essas proteínas exerceriam uma pressão

osmótica de cerca de 28 mm/Hg caso fossem totalmente reflectidas pela parede do capilar ( σ=1). Uma

vez que σ não é 1, mas sim próximo de 1, o valor real da pressão osmótica colóide nos capilares ( πc) é de

cerca de 25 mm/Hg.

πc  não varia consideravelmente ao longo do

comprimento do capilar. De facto, a maior

parte dos leitos capilares filtram menos que 1%

do fluido que entra na extremidade arteriolar,

de tal modo, que a perda de fluido livre de

proteínas não leva a uma concentração

mensurável de proteínas plasmáticas ao longo

do capilar e não eleva consideravelmente o πc.

Contudo, πc varia de forma marcada com a

composição e concentração proteica.

Também o coeficiente de reflexão para os

colóides varia amplamente entre os órgãos.

Deste modo, os valores mais baixos de σ 

encontram-se ao nível dos locais onde existe

descontinuidade dos capilares (por exemplo,

ao nível do fígado), valores intermédios

encontram-se ao nível do músculo e, por fim,

os valores mais elevados (σ=1) encontram-se

ao nível dos leitos capilares contínuos e

apertados do encéfalo.

As proteínas plasmáticas não actuam somente

como agentes osmóticos. Uma vez que estas

proteínas também transportam cargas

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negativas, pelo efeito de Donnan, ocorre um aumento na concentração de catiões e na pressão

osmótica colóide, ao nível do lúmen capilar.

Pressão osmótica colóide do fluido intersticial

Assumindo que a pressão osmótica colóide do fluido intersticial (πif ) será a mesma que a pressão

osmótica da linfa, conseguimos perceber que, devido ao facto do conteúdo proteico linfático ser

altamente variável, πif também o é. De facto, πif varia no organismo entre cerca de 3 e 15 mm/Hg.

Por outro lado, πif  aumenta ao longo do eixo do capilar  – os valores mais baixos encontram-se ao nível

da extremidade arteriolar, onde o fluido intersticial recebe fluido livre de proteínas proveniente dos

capilares, como resultado da filtração ocorrida. Já os valores mais elevados registam-se ao nível da

extremidade venular, onde o fluido intersticial perde fluido livre de proteínas para os capilares, como

resultado da absorção capilar.

Aplicação da equação de Starling

Através da equação de Starling é então possível calcular a transferência líquida de fluido (Jv) em ambasas extremidades de um capilar típico:

A pressão de filtração líquida é então positiva (favorecendo a filtração) ao nível da extremidade

arteriolar e negativa ao nível da extremidade venular (favorecendo a absorção). No ponto em que se

atinge um equilíbrio entre as forças de filtração e reabsorção, não se verifica a presença de movimento

líquido de água ao longo da parede capilar.

A pressão de filtração líquida varia consideravelmente entre alguns tecidos. Por exemplo, ao nível damucosa intestinal, Pc é muito inferior a πc, de tal modo que a absorção ocorre continuamente ao longo

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de todo o comprimento do capilar. Por outro lado, ao nível dos capilares glomerulares, P c excede πc ao

nível da maior parte da rede, de tal modo que a filtração pode ocorrer ao longo de todo o capilar.

Também a condutividade hidráulica (Lp) pode afectar o perfil de filtração/absorção ao longo dos

capilares  –  uma vez que as fendas inter-endoteliais se tornam maiores em direcção à extremidade

venular dos capilares, Lp aumenta ao longo dos capilares, deste a extremidade arteriolar até à

extremidade venular. Por fim, a filtração líquida de fluido num órgão depende da área da superfície doscapilares que estão a sofrer profusão (por exemplo, o exercício físico recruta capilares abertos adicionais

no músculo, aumentando a área e, como tal, aumentando a filtração).

Modelo clássico e modelo actual

As trocas de fluido ao nível da barreira endotelial de capilares contínuos é mais complexa que o

considerado pelo modelo clássico  (que tem vindo a ser descrito neste texto). De facto, estudos

experimentais evidenciam que as estimativas de filtração e absorção são consideravelmente superiores

aos dados obtidos experimentalmente. O motivo pelo qual isto acontece deve-se ao facto de o modelo

clássico considerar a barreira capilar como uma única barreira separando dois compartimentos

uniformes bem definidos (modelo altamente simplista).

Foi então concebido um novo modelo (modelo actual) para colmatar as discrepâncias entre as previsões

do modelo clássico e os dados experimentais. O modelo actual considera duas características adicionais

 –  em primeiro lugar, a barreira primária para a pressão osmótica colóide, ou seja a “membrana

semipermeável” que reflecte proteínas, mas permite a passagem de água e pequenos solutos, não

corresponde à membrana de todo o capilar, mas apenas ao glicocálice luminal  (nomeadamente a

porção particular de glicocálice que se sobrepões às fendas paracelulares). Em segundo lugar, a

superfície do glicocálice que não está voltada para o lúmen não se encontra em contacto directo com o

fluido intersticial – verifica-se que esta superfície se encontra banhada pelo fluido subglicocalical, de tal

modo que o fluxo ao longo da barreira glicocalical depende não de P if  e de πif   (valores associados ao

fluido intersticial), mas dos parâmetros comparáveis para o fluido subglicocalical (Psg e πsg):

Durante a ultra-filtração, quando Jv  é positivo, Psg  é

superior a Pif , o que permite o movimento do fluido

desde o espaço subglicocalical para o fluido intersticial,

ao longo da fenda paracelular. Para além disso, À

medida que o ultra-filtrado livre de proteínas entra no

espaço subglicocalical, a pressão osmótica colóide torna-se baixa (πsg<πi). Todavia, o aumento que se

regista em Psg e a diminuição que se verifica em πsg tendem a opor-se progressivamente à filtração, o

que explica que no modelo actual esta não seja tão grande, como se pensava.

Por outro lado, quando Jv é próximo de zero, os parâmetros do fluido subglicocalical (i.e., P sg  e πsg)

encontram-se muito próximos dos seus correspondentes ao nível do fluido intersticial (i.e., P if  e πif ) e o

modelo actual pode ser simplificado para o modelo clássico.

Por fim, aquando da absorção, quando o Jv  é negativo, a água e os pequenos solutos movem-se do

espaço subglicocalical para o lúmen dos capilares, aumentando a concentração proteica ao nível do

espaço subglicocalical. O aumento resultante do πsg opõe-se a mais absorção e, de facto, até pode travar

o progresso da absorção.

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Sistema linfático

Os linfáticos iniciam-se ao nível do interstício como pequenos canais de paredes finas constituídas por

células endoteliais. Estes vasos linfáticos juntam-se depois para formar vasos linfáticos cada vez

maiores. Os linfáticos iniciais  são similares aos capilares, embora apresentem várias junções inter-

endoteliais que se comportam como microválvulas de um único sentido (válvulas linfáticas primárias).

Existem ainda filamentos de ancoragem que ancoram os linfáticos iniciais ao tecido conjuntivo nas

redondezas. Já os vasos linfáticos de maiores dimensões, tal como as veias, também apresentamválvulas – as válvulas linfáticas secundárias, que restringem o movimento retrógrado da linfa.

Ao nível dos linfáticos iniciais, as junções inter-endoteliais apresentam poucas junções apertadas ou

moléculas de adesão a unir células endoteliais vizinhas. Como resultado, as células endoteliais podem se

sobrepor umas às outras e actuar como microválvulas de único sentido. Apesar de os linfáticos iniciais

apresentarem uma aparência colapsada e de não evidenciarem actividade contráctil, o gradiente de

pressão que se estabelece entre o fluido intersticial e o lúmen do linfático deforma as células endoteliais

de tal modo que as microválvulas abrem e o fluido entra no linfático inicial durante a chamada fase de

expansão. De referir que, durante este período de tempo, as válvulas linfáticas secundárias encontram-

se fechadas.

A pressão externa

(registada, por exemplo, ao

nível do músculo

esquelético), por seu turno,

leva ao fecho das

microválvulas, e permite a

abertura de válvulas

linfáticas secundárias, o faz

com que o fluido entre em

vasos linfáticos de maiores

dimensões. Esta fase édesignada por fase de

compressão.

Pensa-se que a filtração na

extremidade arteriolar dos

capilares exceda a absorção

que ocorre ao nível da

extremidade venosa em

dois a quatro litros por dia.

Contudo, o fluido não se

acumula normalmente no

interstício, porque este

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fluido em excesso e as proteínas se movimentam para os linfáticos. Deste modo, cada dia, os linfáticos

fazem o retorno para a circulação de entre dois a quatro litros de fluido intersticial. Aquando da

acumulação de fluido no interstício, verifica-se a presença de um edema.

Fluxo linfático

A pressão hidrostática ao nível dos linfáticos iniciais (Plinfa) varia entre -1 e 1 mm/Hg e, sendo a pressão

média do fluido intersticial mais negativa que estes valores, a driving force para o fluido intersticial se

deslocar para os linfáticos iniciais prende-se com aumentos transitórios em P if  que a tornam maior que

Plinfa.

Deste modo, a adição de fluido ao interstício aumenta a sua Pif , o que aumenta a driving force para a

entrada do fluido ao nível dos linfáticos. Assim, o fluxo linfático torna-se extremamente sensível a

aumentos no Pif . O facto do efluxo linfático

corresponder ao excesso de filtração

capilar permite, então, que o volume do

fluido intersticial varie muito pouco.

Todavia, em situações em que a

complacência do fluido intersticial é muito

grande, o aumento de fluido ao nível do

interstício aumenta pouco a (já elevada) P if  

e, como tal, o retorno linfático não

compensa adequadamente o excesso de

filtração capilar. Isto faz com que o volume

do fluido intersticial aumente e se forme

um edema.

A compressão e relaxamento intermitentes dos linfáticos ocorrem devido à respiração, caminhar emovimentos peristálticos intestinais. Quando a P linfa num segmento a jusante cai para níveis inferiores

aos que ocorrem num segmento a montante, a aspiração de um fluido produz um fluxo unidireccional.

Esta sucção é altamente responsável pelos valores subatmosféricos de P if , que são passíveis de ser

observados em vários tecidos.

As pressões nos vasos linfáticos colectores vão aumentando progressivamente ao longo do vaso. Um

mecanismo miogénico de contracção activa do músculo liso das paredes linfáticas permite dirigir a linfa

em direcção às veias. Para além deste processo activo, também alguns processos passivos presidem à

condução da linfa para as veias, nomeadamente a contracção das células musculares esqueléticas, os

movimentos respiratórios e a contracção intestinal.

Já as proteínas que entraram no fluido intersticial provenientes dos capilares não têm a capacidade de

regressar à circulação sanguínea devido ao gradiente químico adverso que se verifica ao longo da

parede endotelial capilar. A acumulação dessas macromoléculas no interstício permite a criação de um

gradiente de difusão desde o interstício até à linfa, que complementa o movimento convectivo dessas

macromoléculas para o sistema linfático. Assim, o retorno proteico de um indivíduo em condições

normais é de cerca de 100 a 200g de proteínas. A linfa contém também leucócitos (que também se

deslocaram do sangue para o interstício), mas não contém eritrócitos nem plaquetas. Deste modo, os

ciclos de compressão e relaxamento linfático não apenas promovem o movimento de fluido, como

também aumentam a quantidade de linfócitos ao nível da linfa.

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Circuitos do fluido extracelular

O fluido extracelular desloca-se por via de três

ansas convectivas. A primeira é a ansa

cardiovascular. Assumindo um débito

cardíaco de 5 litros/minuto, o fluxo convectivode sangue por via da ansa cardiovascular é de

7200 litros/dia, num indivíduo em repouso. A

segunda é a ansa transvascular, onde o fluido

se move para fora dos capilares ao nível da

sua extremidade arteriolar e o fluido entra

para os capilares ao nível da sua extremidade

venular. Não contando com os glomérulos

renais, que filtram uma grande quantidade de

fluido, ocorre uma filtração de cerca de 20

litros de sangue por dia (ao nível da

extremidade arteriolar) e uma reabsorção deentre 16 e 18 L (ao nível da extremidade

venular). Apesar de estes valores se

encontrarem sobre-estimados (por

considerarem o modelo clássico, e não o

actual), a diferença de 2-4 litros por dia, entre

o fluido filtrado e o fluido absorvido, é uma

estimativa razoável do volume da terceira

ansa de fluido – a ansa linfática.

Para além das trocas convectivas, as trocas de

água e solutos por difusão também ocorrem

ao longo dos capilares. A troca de água por

difusão ocorre a uma taxa muito superior (80

000 litros/dia), comparativamente à que

ocorre por movimento convectivo. Contudo, a

difusão de água é um processo de troca que

não contribui consideravelmente para o

movimento líquido de água, ou seja, todos os dias, 80 000 litros de água difundem-se para fora dos

capilares e 80 000 litros difundem-se para dentro.

No que concerne aos pequenos solutos que se difundem ao longo do endotélio capilar, o seu transporte

é deveras diferente do transporte por ansas convectivas para a água. Relativamente à passagem desses

solutos para o interstício, a quantidade de soluto que é transportada por filtração, dissolvidos em água,

é muito menos expressiva, comparativamente à quantidade de soluto que entra por difusão (mesmo

que parte dos solutos que entrem para o interstício por difusão, se difundam de novo para os capilares).

O transporte de proteínas ilustra outro padrão de ansas circulatórios. O plasma apresenta cerca de 210

g de proteínas e o coração bombeia por dia 277 000 g de proteínas por dia, através da circulação. Dessa

quantidade de proteínas, entre 100 e 200 g de proteínas por dia (correspondentes quase à quantidade

total de proteínas plasmáticas) atravessam as paredes dos capilares através do large pore system. Uma

vez que apenas muito pequenas quantidades de proteínas filtradas regressam à circulação, pela

extremidade venosa dos capilares (cerca de 5 g/dia), quase todas as proteínas filtradas (entre 95 e 195

g/dia) dependem da ansa linfática convectiva para voltarem à circulação sanguínea.  

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134

Hematopoiese

A hematopoiese  é o

processo que permite a

génese de todos os tipos

de células presentes aonível do sangue. Devido à

diversidade de células

geradas, a hematopoiese

é um processo essencial

para a ocorrência de

muitas funções, que vão

desde o transporte de

gases, até à resposta

imunitária, passando pela

hemóstase.

Em termos embriológicos,

identificam-se já células hematopoiéticas, às três semanas, ao nível do saco vitelino. Já no feto, os

órgãos preferenciais para a ocorrência de hematopoiese são o fígado e o baço, sendo que aquando do

nascimento, estes órgãos ainda estão envolvidos na produção de células sanguíneas (embora a esta

altura, já se verifique a ocorrência de hematopoiese ao nível da medula óssea).

Na vida adulta, a hematopoiese ocorre ao nível da medula óssea vermelha (que se encontra apenas ao

nível do osso esponjoso), salvo se houver patologia. Todavia, com o aumento progressivo da idade, a

medula vermelha, vai sendo substituída por medula amarela, contendo gordura. Para além das células

hematopoiéticas e sanguíneas, a medula óssea vermelha apresenta ainda células de suporte, tais como

células endoteliais, células do estroma,

osteoclastos e osteoblastos.

As células hematopoiéticas não se encontram

dispostas de forma desorganizada ao longo

da medula óssea  –  à medida que vão sendo

atingidos sucessivos graus de diferenciação,

as células vão se aproximando dos vasos,

onde a disponibilidade de oxigénio é maior. Aí

essas células vão ocupando nichos centrais.

Já as stem cells e outras células com um grau

relativamente baixo de diferenciação

mantêm-se próximas das trabéculas,

ocupando nichos medulares. De referir que

os nichos são ambientes altamente regulados,

onde ocorre o desenvolvimento de células da

medula óssea.

Stem cells

As stem cells são células totipotentes, histologicamente iguais a linfócitos, que apresentam a capacidade

de originar famílias de células completamente distintas. Estas células são auto-renováveis e são

passíveis de diferenciação, sendo que à medida que uma stem cell se diferencia, vai perdendo a sua

totipotência e as suas capacidades de auto-renovação. Particularizando para a hematopoiese, as stem

. Sangue e hemóstase

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cells têm a capacidade de originar todas as linhas celulares hematopoiéticas, ao mesmo tempo que têm

capacidade de se auto-renovarem.

Ainda não se sabe muito bem o que faz com que as stem cells se diferenciem ou mantenham a sua

totipotência. Todavia, existem já duas hipóteses colocadas que procuram responder a essa questão. A

primeira hipótese propõe que são as propriedades das células envolventes (tais como as células do

estroma), que fazem com que as stem cells permaneçam totipotentes ou se diferenciem. Contudo, caso

essa hipótese se verificasse, aquando de um estímulo extracelular demasiado forte, todas as stem cells

entrariam em diferenciação e, consequentemente, deixaria de haver renovação das células sanguíneas

(o que estaria associado a uma condição patológica). Assim, a segunda hipótese propõe que o destino

das stem cells se deve simplesmente ao acaso.

Em termos estruturais, as stem cells são ancoradas às células de suporte por via do complexo CXCR4 e

SDF1  (que interagem entre si). Este ancoramento é reversível e, de facto, quando as stem cells se

diferenciam, o complexo em causa desfaz-se e estas deixam de estar ancoradas. Um dos factores que

pode promover o desfazer do complexo de ancoramento é o stem cell factor.  Este factor é expresso

pelas células do estroma, e liga-se a um receptor das stem cells. Isto despoleta uma cascata detransdução de sinal, cujo segundo mensageiro pode actuar, não só no sentido de desfazer o complexo

de ancoramento, mas também de induzir a multiplicação das células, de impedir a sua apoptose e de

promover a produção de hemoglobina a nível celular.

As stem cells multipotentes, contrariamente às totipotentes, podem ser transportadas até ao sangue,

mediante certos estímulos, num fenómeno que se designa por mobilização. Todavia, verifica-se um

equilíbrio entre as células viajantes e as células que estão nas trabéculas, na medida em que a acção de

certos factores de crescimento promove o regresso das células do sangue para a medula óssea, onde

passam a ocupar nichos vazios (fenómeno de homing).

Eritropoiese

Os eritrócitos, na espécie humana, são células anucleadas (embora espécies mais primitivas, como as

rãs, apresentem eritrócitos nucleados) produzidas através de um processo designado por eritropoiese.

A eritropoiese é altamente regulada através da eritropoietina, uma citocina produzida, sobretudo no

rim, mas também no fígado (no período de vida fetal verifica-se uma situação inversa). Assim, quando o

teor de oxigénio se encontra reduzido (tal como ocorre numa situação de anemia), ocorre uma maior

produção de eritropoietina, o que está associado a um aumento da eritropoiese. Por oposição, quando

o teor de oxigénio se encontra aumentado, parte da eritropoietina sofre hidroxilação, sendo destruídanos proteossomas, o que inibe o processo de eritropoiese. 

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A eritropoietina não é totalmente requerida para a determinação das células progenitoras da linhagem

eritróide. Todavia, esta citocina revela-se essencial para a para a formação dos proeritroblastos, células

que ainda não apresentam hemoglobina, sendo, por isso, altamente basófilas. Essa basofilia deve-se à

ocorrência de uma taxa de síntese proteica muito elevada (o RNA e os ribossomas são estruturas

ácidas). A elevada síntese proteica é essencial para que as células filhas sejam dotadas de todas as

proteínas que necessitam.

As células a jusante dos proeritroblastos não requerem a presença de eritropoietina. De entre estas, as

primeiras células da linhagem eritropoiética a apresentar hemoglobina são os eritroblastos 

policromáticos. Estas células originam, subsequentemente, eritroblastos ortocromáticos que, por sua

vez, geram reticulócitos, aquando da exocitose do seu núcleo. Por fim, a perda de ribossomas e de

mitocôndrias leva à formação de eritrócitos maduros que são lançados para a circulação sanguínea.

É importante referir que as células mais diferenciadas da linha eritropoiética, assim como os próprios

eritrócitos, são estruturas acidófilas. Isto deve-se ao facto de estas células apresentarem uma

quantidade progressivamente maior de hemoglobina (uma proteína acidófila), que se concentra,

maioritariamente, à periferia das células.

Os eritrócitos apresentam um período de vida médio de 120 dias, sendo que a sua destruição ocorre de

modo muito curioso. De modo a conseguir passar pelos apertados sinusóides do baço, os eritrócitos têm

de sofrer deformação. Todavia, à medida

que os eritrócitos vão envelhecendo, a sua

membrana vai perdendo flexibilidade e,

como tal, estas células vão perdendo a

capacidade de se deformarem, até

chegarem a um ponto em que já nem

conseguem atravessar os sinusóides do

baço. Isto actua como um sinal para estas

células serem destruídas, sendo que as

substâncias libertadas na sequência dessa

destruição são todas reaproveitadas.

Ao nível da eritropoiese são, por vezes,

produzidas células com defeito (fracção

eritropoiética ineficaz), sendo que a génese

dessas células é normal, ocorrendo em

todos os indivíduos.

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Leucopoiese

A leucopoiese é o processo associado à produção dos leucócitos, sendo estimulada por factores como o

IL-3, o IL-5, o GM-CSF, o G-CSF  e o M-CSF. A maturação celular associada à leucopoiese envolve o

desenvolvimento de grânulos citoplasmáticos que conferem diferentes funções aos vários leucócitos. De

referir que, apesar de os leucócitos serem células nucleadas, estes apresentam cromatina densa, que seencontra maioritariamente sob a forma inactiva.

De grosso modo, pode-se dizer que ascélulas leucopoiéticas podem

apresentar dois comportamentos

distintos. Enquanto as células mais

primitivas assumem um

comportamento mitótico, as células

mais diferenciadas estão associadas a

um comportamento maturativo. É

importante referir que mais do dobro

das células leucopoiéticas apresenta um

comportamento maturativo.

Os leucócitos maduros gerados por

leucopoiese são libertados para a

corrente sanguínea, sendo que cerca de

metade destas células se encontra

encostada à parede das células

endoteliais, deslocando-se por

movimentos do tipo amebóide. Assim,

apenas a restante metade dos

leucócitos flui livremente no sangue e,

por isso, os resultados de contagem de

leucócitos presentes ao nível dos

hemogramas dizem respeito apenas a

cerca de metade dos valores totais dos

leucócitos existentes. 

Neutrófilos 

O facto de uma quantidade substancial de leucócitos (nomeadamente neutrófilos) se encontrar

adjacente às paredes das células endoteliais não se deve ao acaso. De facto, essa localização permite

que estas células entrem de imediato em acção, aquando de uma infecção

A acção dos neutrófilos ocorre quando estas células libertam os seus grânulos. Os grânulos do tipo A (também designados de grânulos primários) apresentam proteases, peroxidases, fosfátases, esterases e

Cytokine Function

GM-CSFStimulates proliferation of a common myeloid progenitor and promotes the production of

neutrophils, eosinophils, and monocytes-macrophages

G-CSF Guides the ultimate development of granulocytes

M-CSF Guides the ultimate development of monocytes-macrophages/dendritic cells

IL-3 Broad effect on multiple lineages

IL-5 Sustains the terminal differentiation of eosinophilic precursors

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lisozimas. Já os grânulos do tipo B  (também

designados por grânulos secundários) contêm

isozima, lactoferrina  (uma enzima que também

está presente no leite materno e que actua

“roubando” o ferro às bactérias, impedindo assim

que estas se dividam), e fixadores da vitaminaB12 (estes “roubam” a vitamina B12 às bactérias,

impedindo a sua proliferação).

Quando o período de vida dos neutrófilos chega

ao fim, estes têm obrigatoriamente de sofrer

apoptose. Aquando da apoptose, os grânulos são

incorporados em vesículas que, por sua vez, são

fagocitadas por

macrófagos. De referir

que os neutrófilos não

podem sofrer necrose,pois a ocorrência deste

processo levaria a que o

conteúdo dos grânulos

fosse libertado para o

sangue, o que seria

altamente perigoso, dada

a quantidade de enzimas

“destrutivas” presentes

ao nível desses grânulos.

Restantes leucócitos 

Os eosinófilos participam no ataque a

parasitas, intervindo também em reacções

inflamatórias e alérgicas. A produção desta

linhagem de células é estimulada pelo factor

IL-5. Por seu turno, os basófilos partilham

de algumas funções dos neutrófilos,

nomeadamente no que concerne a

intervenção em reacções alérgicas.

Já os monócitos são células cuja actividadedepende da sua transformação noutras

células, nomeadamente, em macrófagos,

osteoclastos, células mesoteliais e células reticulares dendríticas.

No que concerne aos linfócitos, existem duas classes, de acordo com o local onde sofrem maturação. Os

linfócitos T  sofrem maturação ao nível do timo, participando na destruição de células estranhas ou

infectadas por vírus, activando células fagocitárias e regulando a resposta imune. Já os linfócitos B 

sofrem maturação ao nível da medula óssea, tendo por função a produção de anticorpos. 

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Trombopoiese

A trombopoiese  é o processo associado à formação das plaquetas. As células precursoras da

trombopoiese designam-se por megacariócitos. Nestas células verificam-se divisões nucleares

sucessivas, sem concomitante formação de células-filhas. Deste modo, os megacariócitos apresentam

um citoplasma muito grande e quantidade de DNA múltipla da normal. A fragmentação do citoplasmados megacariócitos origina múltiplas plaquetas, enquanto o núcleo destas células gigantes sofre

fagocitose.

A regulação da trombopoiese deve-se a uma

proteína designada por trombopoietina

(TPO), que é produzida no fígado e rim,

sempre na mesma quantidade.

Subsequentemente a trombopoietina é

lançada para o sangue, ligando-se às

plaquetas. Ora, como a quantidade de

trombopoietina produzida é constante,

aquando de uma quantidade elevada de

plaquetas, estas retêm muita trombopoietina

e a trombopoiese é inibida. Por outro lado,

aquando de um reduzido número de

plaquetas, estas retêm uma pequena

quantidade de trombopoietina e,

subsequentemente, a trombopoiese é

estimulada. De referir que a acção da

trombopoietina é levada a cabo através da

regulação do número e tamanho dos

megacariócitos.

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Cinética do ferro

O ferro é captado nos enterócitos sob a forma de ião ferroso (Fe2+), de tal modo que o ião férrico (Fe3+)

presente no lúmen do intestino tem de ser convertido em ião ferroso para ser absorvido. Essa

conversão é catalisada pela redútase do ferro  (Dcytb), que se encontra ancorada ao pólo apical dos

enterócitos. Subsequentemente, o ião ferroso é transportado para o interior dos enterócitos, através dotransportador DMT1, sendo que, uma vez presente no lúmen dos enterócitos, o ferro é transportado

até ao pólo basal, ligado à apoferritina.

Uma vez chegado ao pólo basal, o ião ferroso é expulso através da ferroportina, sendo convertido (no

meio extracelular) em ião férrico por via da oxídase do ferro (hepfastina). Esta conversão permite que o

ião férrico seja transportado na corrente sanguínea ligado à transferrina. Ao nível dos tecidos

periféricos, o complexo ferro-transferrina liga-se ao TfR (receptor da transferrina), sendo endocitado. O

ferro captado pode ser armazenado nesses tecidos, ligando-se para isso à ferritina e à hemosiderina (as

reservas de ferro são particularmente proeminentes no fígado).

Metabolismo do ferro e hematopoiese

Particularizando para o caso dos eritroblastos, o ferro captado é utilizado na biossíntese do heme, sob a

forma de ião ferroso. De referir que a produção de heme é essencial para que se dê a síntese de

hemoglobina, uma proteína essencial para o transporte de oxigénio e que se encontra presente nos

eritrócitos.

Por outro lado, quando os eritrócitos são fagocitados pelos macrófagos do baço, estes reciclam o ferro

que se encontrava presente no eritrócitos  – parte do ferro é usado e armazenado (ligado à ferritina) nos

macrófagos, enquanto o restante é enviado para a corrente sanguínea, onde se liga à transferrina (neste

caso, a oxídase que converte o ião ferroso em ião férrico designa-se por ceruloplasmina).

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Regulação dos níveis de ferro

Uma vez que níveis excessivos de ferro

não são desejáveis, torna-se necessário a

presença de um mecanismo regulador do

metabolismo do ferro. A hepcidina é uma

proteína que actua aquando de níveis

muito elevados de ferro, inibindo a

ferroportina e, como tal, impedindo que o

ferro seja lançado para o meio extracelular

(assim uma menor quantidade de ferro

chega aos tecidos periféricos para

constituir reservas).

Por outro lado, baixos níveis séricos de

ferro promovem a divisão celular dos

enterócitos que contêm apoferritina. Isto

permite que os enterócitos que contêm

apoferritina migrem para a superfície

luminal do intestino e,

consequentemente, que se verifique um

aumento na capacidade de

armazenamento de ferro por parte das

células da mucosa intestinal. Ora, isso

traduz-se num aumento do transporte de

ferro para a corrente sanguínea (e,

consequentemente, uma maior

quantidade de ferro chega aos tecidos

periféricos para constituir reservas).

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Hemóstase primária

As maquinarias hemostática e fibrinolítica têm por objectivo assegurar a fluidez do sangue, mas

simultaneamente que este não se extravasa a partir das paredes dos vasos sanguíneos. De facto, o

sangue encontra-se normalmente no estado líquido, visto que não contacta com superfícies com cargas

negativas (tais como o colagénio sob as células endoteliais), que activam uma via de coagulaçãointrínseca; nem com os factores tecidulares que activam uma via extrínseca da coagulação. Para além

disso, as vias trombolíticas mantêm as vias de coagulação reguladas. De facto, o plasma contém

proteínas que podem ser convertidas em proteases que destroem a fibrina e, como tal, promovem a lise

dos coágulos sanguíneos.

A hemóstase  é entendida como a prevenção da hemorragia, sendo conseguida através de quatro

métodos:

1.  Vasoconstrição

2. 

Aumento da pressão tecidular

3. 

Formação de um trombo plaquetário (aquando de um sangramento capilar)4.

 

Coagulação do trombo formado.

A vasoconstrição contribui para a hemóstase, na medida em que reduz o fluxo sanguíneo ao nível da

região lesada. A vasoconstrição é promovida, entre outros, pelos subprodutos químicos do agregado

plaquetário e da coagulação. Por exemplo, a activação plaquetária promove a libertação dos

vasoconstritores tromboxano A2 e serotonina. Para além disso, a trombina, um dos principais produtos

da maquinaria de coagulação, promove a libertação de endotelina-1 por parte do endotélio, sendo a

endotelina-1 o vasoconstritor fisiológico mais poderoso.

O aumento da pressão tecidular contribui para a hemóstase, na medida em que diminui a pressão

transmural (ou seja, a diferença entre a pressão intra-vascular e a pressão tecidular), que é a principaldeterminante do raio dos vasos sanguíneos. Uma vez que existe uma relação entre o fluxo e o raio do

vaso sanguíneo, um incremento na pressão tecidular de  x  vezes leva a que o fluxo sanguíneo diminua  x 4 

vezes!

Plaquetas

As plaquetas  são corpúsculos celulares

anucleados de forma discóide (devido à

presença de microtúbulos) e com uma

duração que varia entre os sete e os dez

dias. Estes corpúsculos formam trombosao nível do endotélio vascular, de forma

altamente controlada, através de um

processo que inclui as etapas de adesão,

activação e agregação. 

As plaquetas dispõem de um sistema

canalicular aberto e de um sistema

tubular denso. O sistema canalicular

aberto  é análogo às cavéolas do

músculo liso, permitindo a comunicação

entre o exterior e o interior das plaquetas. Assim, o sistema canalicular é o local a partir de onde asplaquetas libertam os seus grânulos, quando são activadas.

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Já o sistema tubular denso das plaquetas tem por função o armazenamento de cálcio, sendo homólogo

ao retículo sarcoplasmático do músculo liso. O armazenamento de cálcio ao nível do sistema tubular

denso ocorre por via de uma SERCA, sendo essencial, na medida em que toda a activação da coagulação

depende da presença deste ião.

AdesãoO fenómeno de adesão consiste na ligação das plaquetas ao subendotélio. As plaquetas normalmente

não aderem entre si, a outras células sanguíneas, ou às membranas endoteliais. Um dos factores

preventivos para essa adesão envolve, provavelmente, a presença de cargas negativas na superfície,

quer das plaquetas, quer das células endoteliais (no caso destas últimas, essas cargas negativas devem-

se à presença de proteoglicanos, nomeadamente do sulfato de heparano). Por outro lado, as células

endoteliais intactas segregam vários factores que impedem a hemóstase, nomeadamente o óxido

nítrico e prostaciclinas.

Deste modo, uma lesão endotelial promove a hemóstase, na medida em que a acção inibitória sobre

este processo deixa de se fazer sentir. Paralelamente, uma ruptura do endotélio permite que passem aser expostos vários factores que se encontram ao nível do subendotélio. Os receptores plaquetários

podem se ligar a esses factores, o que permite a adesão de plaquetas entre si ou a outros componentes.

As membranas das plaquetas apresentam várias glicoproteínas, nomeadamente as integrinas, as

selectinas e as glicoproteínas ricas em leucina. Todavia, os receptores plaquetários em questão são

glicoproteínas membranares integrais pertencentes à família das integrinas com duas subunidades (α e

β) e cujo ligando é do tipo RGD.

Um dos ligandos para esses receptores designa-se por factor de von Willebrand  (vWF) e é produzido

pelas células endoteliais e pelos megacariócitos (encontramos estes factores ao nível dos corpos de

Weibel-Palade  das células endoteliais, assim como nos grânulos α das plaquetas). Lesões endoteliais

promovem a libertação e exposição do vWF, ao qual se ligam várias glicoproteínas. Outros factores

subendoteilais que são expostos, aquando de uma brecha no endotélio, incluem o colagénio, que se liga

ao receptor Ia/IIa, a fibronectina e laminina, que se ligam ao receptor Ic/IIa, e a vitronectina, que se liga

ao receptor da vitronectina.

A primeira glicoproteína a ligar-se ao vWF é a

glicoproteína VI (que também se liga ao

colagénio), sendo seguida da glicoproteína Ib

IX/Ib V. Esta última actua associada ao factor VIII

(que é transportado pelo wWF, que inibe a sua

degradação) e permite uma adesão forte das

plaquetas ao subendotélio, algo particularmente

importante aquando de uma grande tensão de

parede (por exemplo, aquando da passagem de

uma grande quantidade de sangue). Apesar da

ligação estabelecida ser forte, esta não é de

natureza covalente, sendo do tipo electrostático e

requerendo pontes de hidrogénio.

Activação

A ligação desses ligandos (ou de outros agentes em particular, tais como a trombina) despoleta umaalteração conformacional nos receptores plaquetários, de tal modo que é iniciada uma cascata de

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sinalização

intracelular, algo que

leva a um evento

exocítico, o qual é

designado por reacção

de libertação, ou poractivação plaquetária.

O modo de activação

do sistema tubular

denso é similar ao do

retículo

sarcoplasmático ao

nível do músculo liso – 

a acção da fosfolipase

C, promove a

formação de IP3, quese liga ao seu

respectivo receptor, o

que promove a saída

de cálcio para o citosol (já o DAG  formado promove a exposição de glicoproteína IIb/IIIa na superfície

plaquetária, bem como a activação da secreção de grânulos, por fosforilação da cínase de cadeia leve da

miosina). De referir que, tanto a fosfolipase C, como a fosfolipase A2, são activadas aquando da ligação

do colagénio, do vWF, da adrenalina, da vasopressina e da trombina a receptores específicos. Estes

factores também inibem a produção de cAMP, um factor anti-hemostático.

O cálcio é essencial para a activação plaquetária, ao activar a cínase das cadeias leves da miosina (via

calmodulina) e ao activar algumas proteases que se encontram dependentes da sua acção(nomeadamente a calpaína I e a calpaína II), sendo assim essencial para que se dê a reorganização do

citosqueleto plaquetário. Assim, quanto maiores os níveis intracelulares de cálcio, maior a activação

plaquetária.

De facto, a activação plaquetária está associada a descaradas alterações citosqueléticas e morfológicas,

sendo emitido inicialmente um largo lamelipódio, e ulteriormente, vários pseudópodes. Essa formação

de pseudópodes é conseguida através de uma despolimerização e repolimerização reorganizada dos

microtúbulos.

Após ocorrer a emissão de pseudópodes, regista-se uma contracção plaquetária, algo que permite que

se dê a libertação de grânulos. Essa contracção está dependente da presença de alteraçõesconformacionais na actina. De facto, quando a plaqueta se encontra em repouso, esta apresenta actina,

sobretudo, na forma G (nesse estado, a polimerização da actina encontra-se inibida pela profilina e pela

gelsotina). Ora, à medida que se dá a activação plaquetária, uma quantidade progressivamente maior

de actina polimeriza, passando a constituir F-actina, sendo esta última fundamental para que ocorra a

contracção plaquetária. De referir que, aquando da contracção, verifica-se que os pseudópodes

emitidos se mantêm ligados ao citosqueleto, algo que se deve ao facto de a actin binding protein  se

ligar à F-actina e à Ib IX/Ib V.

Aquando da activação plaquetária é também

importante de referir que, uma série de

fosfolipídeos com carga negativa passam da faceinterna da membrana (onde estão por norma)

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para a face externa, por movimentos de  flip-flop. Este movimento é essencial para a conversão da pró-

trombina em trombina.

Grânulos plaquetários

Como já foi referido, quando as

plaquetas são activas, estas expulsam os

conteúdos dos seus grânulos. Existem

vários tipos de grânulos plaquetários

que podem apresentar conteúdos

específicos e/ou não-específicos. Os

grânulos plaquetários podem ser de

várias categorias, nomeadamente: 

1. 

Grânulos α  –  Estes grânulos contêm três factores hemostáticos (que são moléculas não-

específicas), nomeadamente o vWF, o factor V de coagulação e o fibrinogénio (que constitui a

forma inactiva da fibrina). Para além disso, os grânulos α também contêm moléculas

específicas, nas quais se destacam o factor de crescimento das plaquetas, a β-trombiglobulina,

e o factor plaquetário IV (estes dois últimos factores neutralizam a heparina, que é produzida

ao nível das células endoteliais e tem efeitos anti-coagulantes).

2. 

Grânulos densos  – Estes grânulos contêm cálcio, ATP, ADP, serotonina e anti-plasmina. O ADP 

é essencial para promover a adesão e a agregação, enquanto a serotonina  se revela

fundamental para a promoção da vasoconstrição e da agregação plaquetária.

3. 

Lisossomas

4.  Inclusões lipídicas

5.  Glicogénio  - A presença de glicogénio ao nível das plaquetas é essencial, na medida em que

estas têm capacidade de catabolisar este polímero, de modo a obter glicose. A glicose obtida

sofre então um processo de glicólise anaeróbia, a partir do qual é possível obter ATP.

Amplificação

Moléculas de sinalização libertadas pelas plaquetas activadas, tais como o ADP, prostaglandinas e o

tromboxano A2, activam plaquetas adicionais, o que amplifica a activação plaquetária. A ocorrência de

amplificação  está muito associada à acção de duas enzimas  –  a fosfolipase A2 e a ciclo-oxigénase. A

fosfolipase A2 hidrolisa a fosfatidilcolina e a fosfatidilserina, levando à formação de ácido araquidónico.

A ciclo-oxigénase promove a subsequente quebra do ácido araquidónico, formando-se tromboxano A2,

que é libertado e activa, subsequentemente, a fosfolipase C noutras plaquetas.

Em termos clínicos, a aspirina  é um inibidor da ciclo-oxigénase, inibindo assim a coagulação, por

redução da libertação de tromboxano A2. Outro agente anti-plaquetário, o clopidogrel, actua porinibição dos receptores para o ADP presentes ao nível da superfície plaquetária.

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Agregação

A agregação é o fenómeno que permite a

formação de um coágulo plaquetário,

sendo que a sua ocorrência depende do

fenómeno de amplificação.

Tal como referido anteriormente, o vWF

libertado por parte das plaquetas activas

liga-se ao receptor Ib IX/Ib V e à medida

que são activadas mais plaquetas são

formadas pontes moleculares por entre

estas. A activação plaquetária também

induz alterações conformacionais do

receptor plaquetário IIb/IIIa, ancorando-o

ao citosqueleto (por via de vinculina e

talina) e dotando-o da capacidade de seligar ao fibrinogénio. Deste modo, como resultado da alteração conformacional no IIb/IIIa, o

fibrinogénio que se encontra sempre presente no sangue forma pontes de ligações covalentes por entre

as plaquetas, participando assim na formação do coágulo plaquetário. De referir que o vWF e a

fibronectina também são capazes de se ligar a este receptor.

Regulação da resposta hemostática

A resposta hemostática é localizada e confinada ao local onde ocorreu a lesão, na medida em que nas

regiões adjacentes, alguns inibidores impedem a propagação da resposta hemostática. Assim, nas

vizinhanças da lesão, verifica-se um aumento dos níveis de cAMP, sendo que o cAMP inibe a fosfolipase

C, a ciclo-oxigénase, a PKC, a formação de ácido araquidónico e a fosforilação da cínase das cadeiasleves de miosina, e activa a ATPase Mg2+  e Ca2+. Também a presença de heparina, produzida pelas

células endoteliais das vizinhanças, é essencial para o impedimento do alastramento da activação

plaquetária.

Por outro lado, a guanil

cíclase desempenha um

papel essencial na

contenção da hemóstase ao

local de lesão endotelial. De

facto, esta enzima promove

um aumento da síntese deóxido nítrico, o que está

associado a uma maior

produção de cGMP. Ora, o

cGMP inibe a degradação

do cAMP, ao mesmo tempo

que impede a mobilização

de cálcio e, como tal, a

agregação plaquetária. 

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147

Hemóstase secundária

Um coágulo sanguíneo é uma massa semi-sólida constituída por plaquetas e fibrina. Por seu turno, um

trombo  também é um coágulo sanguíneo, apesar de este termo ser normalmente reservado para os

coágulos intravasculares (e, como tal, um coágulo formado no local de uma lesão da pele não é

designado por trombo). A composição relativa dos trombos varia consoante o local de trombose. Aonível dos trombos da circulação arterial encontramos uma proporção maior de plaquetas, enquanto os

trombos da circulação venosa apresentam uma maior proporção de fibrina.

A activação plaquetária e a formação de coágulos são eventos relacionados, mas distintos, que podem

ocorrer em paralelo, ou na ausência um do outro. De facto, as plaquetas activadas podem libertar

pequenas quantidades de alguns factores (tais como o cálcio, o factor V, o factor VIII ou a trombina) que

participam na coagulação sanguínea. Paralelamente, alguns factores de coagulação (nomeadamente a

trombina e o fibrinogénio) desempenham um papel muito importante na activação plaquetária. Deste

modo, as interacções moleculares ao nível da maquinaria envolvida na activação plaquetária e formação

de coágulos plaquetários ajudam à ocorrência de hemóstase coordenada.

O sistema cardiovascular normalmente mantém um frágil balanço, evitando dois estados extremos e

patológicos  –  por um lado, uma coagulação inadequada levaria ao extravasamento de sangue e,

consequentemente, a hipovolémia. Por outro lado, uma coagulação hiperactiva resultaria em trombose

e, em última análise, no término do fluxo sanguíneo. O sistema cardiovascular consegue atingir este

equilíbrio entre um estado anti-trombótico e pró-trombótico a partir de uma série de componentes da

parede vascular e do sangue. A promoção de um estado anti-trombótico ocorre naturalmente, ao nível

das células endoteliais normais. Já a promoção de um estado pró-trombótico está associado a danos

vasculares, nomeadamente à incapacidade das células endoteliais produzirem factores anti-

trombóticos, e à remoção física ou lesão das células endoteliais, o que permite que o sangue passe a

contactar com factores trombogénicos que se encontram sob o endotélio. Por outro lado, a activação

das plaquetas por qualquer um dos ligandos que se liga às plaquetas promove também um estado pró-

trombótico.

De acordo com a visão clássica, podem ocorrer duas sequências distintas ao nível da coagulação  – a via

intrínseca e a via extrínseca. A via intrínseca é aquela que fica activada, quando o sangue entra em

contacto com uma superfície carregada negativamente, ao nível de um laboratório (esta via é observada

quando se coloca sangue num tubo de ensaio de vidro). Já a via extrínseca torna-se activa quando o

sangue entra em contacto com o material das membranas celulares danificadas. Contudo, em ambos os

casos, o evento precipitante despoleta uma reacção em cadeia que converte os precursores em factores

activos que, por sua vez, catalisam a conversão de outros precursores em outros factores activos, e

assim sucessivamente.

A maior parte desses “precursores” são zimogénios, que originam proteases de serina designadas por

“factores activos”. Desta forma, a proteólise controlada participa na amplificação de sinais de

coagulação. Todavia, estas cascatas não ocorrem ao nível da fase fluida do sangue, onde a concentração

desses factores é baixa. No caso da via intrínseca, a cadeia de reacções ocorre, sobretudo, ao nível das

membranas das plaquetas, enquanto no que refere à via extrínseca, as reacções ocorrem, sobretudo, ao

nível de um “factor tecidular” que se encontra ligado às membranas. Ambas as vias convergem numa via

comum, que culmina na génese de trombina e, em última análise, na sua “estabilização” em fibrina.  

As proteínas da cascata de coagulação apresentam uma estrutura de domínio distinta, o que inclui

diferenças a vários níveis, nomeadamente:

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1. 

Domínio do peptídeo de sinal  - necessário para a translocação do peptídeo para o retículo

endoplasmático, onde o peptídeo sinal é clivado.

2. 

Domínio do pró-peptídeo  (domínio rico em ácido γ-carboxigultâmico) - Necessário para a

ligação do cálcio

3. 

Domínio do factor de crescimento do tipo epidermal   - Essencial para a formação de

complexos proteicos4.

 

Domínios kringle  – Estrutura em ansa que é criada a partir de várias pontas dissulfureto, sendo

essencial para a formação de complexos proteicos e para a ligação da protease ao seu alvo.

5. 

Domínio catalítico  – Confere a função de protease de serina às proteínas de coagulação.

Via intrínseca

A via intrínseca  consiste

numa cascata de reacções

iniciadas por factores que se

encontram, todos eles,

presentes ao nível do sangue.Quando contacta com uma

superfície carregada

negativamente, tal como o

vidro, ou a membrana de

uma plaqueta activa, uma

proteína plasmática

designada por factor XII 

torna-se activa, originando o

factor XIIa  (o sufixo “-a”

indica que esta é a forma

activa do factor respectivo).

Uma molécula designada por cininogénio de alto peso molecular (HMWK) é produzida pelas plaquetas

e pode se encontrar ligada à membrana plaquetária, ajudando a ancorar o factor XII à superfície

carregada negativamente das plaquetas (como tal, o HMWK actua como co-factor do factor XII).

Todavia, a conversão do factor XII em factor XIIa operada pelo HMWK é limitada em velocidade. Deste

modo, quando se regista a acumulação de uma pequena quantidade de XIIa (por acção do HMWK), o

XIIa formado converte a pré-calicreína em calicreína (contudo, a prolilcarboxipeptidase é a enzima mais

importante para converter a pré-calicreína em calicreína). Por sua vez, a calicreína acelera a conversão

do factor XII em factor XIIa (mecanismo de  feedback positivo), sendo que este é o único processo da

coagulação para o qual não é necessária a presença de cálcio (embora seja essencial a presença de

zinco). Por outro lado, a actividade proteolítica das calicreínas nos cininogénios leva à libertação de

pequenos peptídeos vasodilatadores, designados por cininas. De referir que a conversão de pré-

calicreína em calicreína também pode ocorrer por auto-activação, aquando do contacto desta com o

colagénio subendotelial ou por via da acção de uma carboxipeptidase endotelial.

Subsequentemente, o factor XIIa cliva proteoliticamente o factor XI, convertendo-o em factor XIa. Por

seu turno, o factor XIa activa o factor IX numa protease - o factor IXa. O factor IXa e os dois produtos a

 jusante da cascata (os factores Xa e, mais importante, a trombina) clivam proteoliticamente o factor VIII

(que, por ser muito instável, circula ligado ao vWF), desligando-o do vWF e activando-o em factor VIIIa,

que é um co-factor da reacção subsequente. Assim, os factores IXa e VIIIa, juntamente com o cálcio

(que, tal como o factor Va e a trombina pode ser originado a partir de plaquetas activas) e com

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fosfolipídeos carregados negativamente, formam um complexo trimolecular, o qual é designado por

tenase intrínseca. A tenase converte subsequentemente o factor X numa protease – o factor Xa.

Via extrínseca

A via extrínseca  é uma cascata

de reacções de proteases, que é

iniciada por factores que se

situam fora do sistema vascular.

As células não-vasculares

exprimem uma proteína

integral membranar designada

por factor tecidular 

(tromboplastina tecidular ou

factor III), que é um receptor de

uma proteína plasmática,

designada por factor VII.

Quando ocorre uma lesão no

endotélio, o factor VII entra em contacto com o factor tecidular que, por via não-proteolítica, activa o

factor VII em factor VIIa  (de facto, todos os factores de coagulação são produzidos no fígado sob a

forma inactiva, excepto uma pequena quantidade de factor VII, que é produzida na forma activa. Essa

pequena quantidade de factor VIIa é essencial para que mais factor VII seja convertido em factor VIIa).

Subsequentemente, o factor VIIa, o factor tecidular e o cálcio formam um complexo trimolecular,

análogo à tenase. Este complexo cliva proteoliticamente os factores X e IX, o que leva à formação de

factor Xa e IXa, respectivamente. 

É importante salientar que todo o factor Xa livre é inibido pelo TFPI (inibidor do factor tecidular), algo

que é potenciado pela heparina. Isto faz com que este factor dificilmente consiga actuar junto às

plaquetas, onde ocorrerá a via comum. Todavia, esta inibição se verifica para o factor IXa e, por isso, o

factor IXa proveniente da via extrínseca migra para junto das plaquetas, onde activa o factor X, que

inicia a via comum. Já o factor Xa formado ao nível do endotélio permanece aí, sendo essencial para a

activação precoce de uma pequena quantidade de plaquetas que se encontram próximas do endotélio.

Via comum

Quer o factor Xa provenha da

via intrínseca, quer este factor

provenha da via extrínseca, a

cascata procede ao longo da via

comum, que tem como primeira

protease, precisamente, o

factor Xa. A trombina, um

produto a jusante destas

reacções, converte o factor V 

em factor Va  (um factor

altamente homólogo ao factor

VIIIa). Os factores Xa, Va,

 juntamente com o cálcio e comfosfolipídeos, formam outro

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complexo trimolecular, o qual é designado por pró-trombinase. A pró-trombinase, como o seu nome

indica, actua numa proteína plasmática designada por pró-trombina, para formar trombina (factor IIa) e

fragmentos de pró-trombina 1 e 2. Os fragmentos de pró-trombina são muito estáveis e, como tal,

muito úteis na avaliação da coagulação, enquanto a trombina é a protease central da cascata de

coagulação, sendo responsável por três tipos principais de acções:

1.  Activação de componentes a jusante da cascata de coagulação : A acção principal da trombina

prende-se com a catalisação da proteólise do fibrinogénio, por via da clivagem da cadeia Aα (o

que permite a libertação de fibrinopeptídeo A) e da clivagem da cadeia Bβ  (o que permite a

libertação de fibrinopeptídeo B). A libertação de fibrinopeptídeos (que, devido ao facto de

serem muito mais estáveis que a fibrina são úteis para avaliar a coagulação) resulta na

formação de monómeros de  fibrina, que são ainda solúveis. Os monómeros de fibrina,

compostos por cadeias α, β e γ,  polimerizam espontaneamente para formar polímeros de

fibrina (que aprisionam algumas células sanguíneas). Por outro lado, a trombina também activa

o factor XIII em factor XIIIa que, por sua vez, medeia a interacção covalente entre as cadeias α

e γ dos polímeros de fibrina, para formar uma rede de fibrina estável, ainda menos solúvel que

os polímeros de fibrina (esse incremento da estabilidade prende-se com o facto de se passarema estabelecer ligações covalentes, em substituição das pontes de hidrogénio).

2.  Mecanismo de  feedback  positivo em vários níveis da cascata a montante: A trombina pode

catalisar a formação de nova trombina (a partir da pró-trombina), podendo também catalisar a

formação dos co-factores Va e VIIIa e do factor XIa, entre outros.

3. 

Acções parácrinas que influenciam a hemóstase:  Em primeiro lugar, a trombina promove a

libertação, por parte de células endoteliais, de PGI2, ADP, vWF e activador do plasminogénio

tecidular. Para além disso, a trombina tem a capacidade de activar as plaquetas a partir do

PAR-1, um receptor acoplado à proteína G activado por uma protease (sendo que as plaquetas

activadas promovem a via intrínseca, e estão associadas à génese de mais trombina). Desta

forma, a trombina é um elemento chave da interacção molecular entre a activação plaquetária

e a coagulação sanguínea, sendo que ambos os processos são necessários para uma óptima

coagulação. 

Comparação entre via intrínseca e via extrínseca

A divisão entre “via intrínseca” e “via extrínseca” está a ficar deveras ultrapassada, sendo apenas

utilizada por motivos pedagógicos. De facto, a coagulação opera através de várias interligações entre as

vias, quer numa direcção a montante, quer numa direcção a jusante. As várias acções desempenhadas

pela trombina ilustram perfeitamente a afirmação anterior. Porém este não é o único exemplo - o

complexo trimolecular [factor tecidular + factor VIIa + cálcio] da via extrínseca também activa os

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factores IX e XI da via intrínseca. Por outro lado, os factores IXa e Xa da via intrínseca têm a capacidade

de activar o factor VII da via extrínseca.

Contudo, as evidências clínicas mostram que as reacções da via extrínseca são mais importantes,

comparativamente às da via intrínseca, para a coagulação. Apesar do factor tecidular se encontrar

normalmente ausente das células intravasculares, a inflamação pode despoletar a expressão de factor

tecidular, ao nível dos monócitos periféricos e das células endoteliais. Como tal, num quadro de sepsis, o

factor tecidular produzido pelos monócitos em circulação inicia uma trombose intravascular.

Defeitos nos factores de coagulação

A ocorrência de defeitos em factores de

coagulação está associada a três tipos de

situações distintas:

1. 

Certos defeitos em determinados

factores são de tal magnitude que

são incompatíveis com a vida.

2. 

Existem defeitos em factores que são

compatíveis com a vida, mas que

estão associados a doenças

hemorrágicas. Defeitos dos factores

VII, X, V, VIII, IX e trombina levam a

este tipo de situação (o defeito do

factor VIII corresponde a um quadro

de hemofilia A, enquanto o défice de factor IX está associado a hemofilia B).

3. 

Defeitos nos factores da via intrínseca não condicionam doença hemorrágica. 

Por outro lado, défices de vitamina K  estão associados a defeitos na coagulação (inicialmente de

natureza trombótica e, depois, de natureza hemorrágica). Isto ocorre porque, após serem sintetizados

no fígado, alguns factores de coagulação (trombina, VII, IX e X, proteína C e proteína S) sofrem uma γ-

carboxilação em resíduos essenciais para ligação à membrana plaquetária. Essa carboxilação é

efectuada por uma carboxílase dependente da vitamina K, que se oxida na reacção, sendo convertida à

sua forma epóxido (e para ser re-utilizada, a vitamina K tem de ser de novo reduzida). Assim, a ausência

de vitamina K condiciona a ocorrência de coagulação. 

Acção de anti-coagulantes

As células endoteliais são as principais fontes dos agentes que ajudam a manter a normal fluidez do

sangue, permitindo a localização da hemóstase à região lesada. Estes agentes são de dois tipos gerais,

podendo ser factores parácrinos e factores anti-coagulantes.

Factores parácrinos

As células endoteliais geram prostaciclina  (PGI2), que promove a vasodilatação e, como tal, o fluxo

sanguíneo. Paralelamente, a prostaciclina também inibe a activação plaquetária e, como tal, a

coagulação. Para além disso, as células endoteliais também produzem óxido nítrico  (devido à

estimulação pela trombina). De referir que, através do cGMP, o óxido nítrico inibe a adesão e agregação

plaquetária.

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Factores anti-coagulantes

As células endoteliais também geram factores anti-coagulantes, que interferem com a cascata da

coagulação. Estes factores inibem os factores de coagulação que se encontram fora do endotélio lesado

ou fora da região das plaquetas activas. Em termos sumários, estes factores incluem: 

1. 

Inibidor da via do factor

tecidular  (TFPI): O TFPI é

uma proteína plasmática

dependente de cálcio e da

presença de factor Xa, que

se liga ao complexo

trimolecular [factor tecidular

+ factor VIIa + cálcio] da via

extrínseca, bloqueando a

actividade de protease do

factor VIIa. Por outro lado, oTFPI inibe o factor Xa que

flui livremente no plasma.

2.  Anti-trombina III  (AT III): A anti-trombina III liga-se ao factor Xa e à trombina, inibindo-os. A

heparina e o sulfato de heparano são co-factores da ATIII, sendo que a heparina de baixo peso

molecular expõe o centro activo da trombina à ATIII, potenciando a sua ligação; enquanto a

heparina de alto peso molecular, também promove esta ligação, ao ligar-se à anti-trombina e

trombina. O heparano encontra-se presente ao nível da superfície externa da maior parte das

células, incluindo das células endoteliais. Por outro lado, os mastócitos e os basófilos

participam na libertação de heparina. É importante referir que a AT III inibe ainda o factor XI e o

complexo factor VII-tecidular.

3. 

Co-factor II da heparina: A sua acção é similar à da ATIII, mas o seu efeito é menos potente.

4.  Trombomodulina: Este glicosaminoglicano produzido nas células endoteliais apresenta a

capacidade de formar um complexo com a trombina, removendo-a da circulação e inibindo a

coagulação. Para além disso, a trombomodulina também se liga à proteína C.

5.  C1-inibidor: Principal inibidor da via intrínseca.

6.  Proteína C: Após a proteína C se ligar ao complexo trombina-trombomodulina (nomeadamente

ao componente da trombomodulina), esta torna-se activa pela trombina. A proteína C activa

(Ca) é uma protease que, juntamente com a proteína S, inactiva os co-factores Va e VIIIa,

inibindo, deste modo, a coagulação. Assim, considera-se a proteína Ca como sendo a principal

inibidora da trombose na microcirculação.

7. 

Proteína S: Co-factor da proteína C.

Por fim, a fagocitose dos factores de coagulação activos, por parte das células de Kuppfer do fígado,

também mantém a hemóstase sob controlo.

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Fibrinólise

A fibrinólise  é o processo que permite a quebra da fibrina estável. Este processo inicia-se com a

conversão do plasminogénio em plasmina (que corta os fragmentos de fibrina), algo que é catalisado

por um de dois activadores  –  o activador de plasminogénio tecidular (t-PA) ou o activador do

plasminogénio do tipo urocínase (u-PA).

Via intrínseca da fibrinólise

A via intrínseca da coagulação promove simultaneamente a fibrinólise (constituindo a via intrínseca da

fibrinólise), nomeadamente devido à acção dos factores XIIa, XIa e calicreína. Apesar da via intrínseca

da coagulação ter uma ocorrência muito residual, esta adquire particular importância ao nível da

fibrinólise (mais até que ao nível da coagulação), nomeadamente para gerar uma resposta precoce.

A calicreína, o factor XIIa e XIa, activam a conversão do plasminogénio em plasmina, enquanto a

bradicinina promove a libertação pelo endotélio de um activador do sistema extrínseco da fibrinólise, o

t-PA. Para além disso, a calicreína converte o u-PA de cadeia simples em u-PA de cadeia dupla, sendoesta última a única forma activa do u-PA. 

Via extrínseca da fibrinólise

A libertação do t-PA e do u-PA, que promovem a

conversão do plasminogénio em plasmina ao nível da

via extrínseca da fibrinólise, é promovida pela

bradicinina, pelo stress, pela pressão, pela trombina,

pela adrenalina, ou por uma diminuição do fluxo

sanguíneo.

O t-PA  é uma protease de serina produzida pelas

células endoteliais. Cada cadeia de t-PA contém duas

kringles ao nível do seu N-terminal e um motivo

protease no C-terminal. A t-PA é activa quer em

cadeia simples, quer em cadeia dupla, embora seja mais activa em cadeia dupla. A sua acção prende-se

com a conversão do plasminogénio em plasmina, sendo que a presença de fibrina acelera amplamente a

conversão do plasminogénio em plasmina.

A acção do t-PA envolve um importante fenómeno de amplificação. O t-PA de cadeia simples promove a

conversão limitada de plasminogénio em plasmina. A pequena quantidade de plasmina formada, por

sua vez, promove a formação de t-PA de cadeia dupla, que actua promovendo uma maior génese de

plasmina.

Já o u-PA  é produzido pelas células endoteliais ou pelas células epiteliais renais, tendo apenas acção

quando se encontra em cadeia dupla. Para isso, o u-PA de cadeia simples tem de sofrer uma clivagem

proteolítica, por parte do t-PA (algo que é potenciado pela calicreína e plasmina). Tal como o t-PA, o u-

PA converte o plasminogénio em plasmina, contudo, esta acção requer a ancoragem do u-PA a um

receptor presente na superfície celular, o qual é designado por receptor activador do u-PA (u-PAR).

Plasminogénio e plasmina

O plasminogénio é produzido, sobretudo, ao nível do fígado, sendo uma grande glicoproteína de cadeia

simples, constituída por uma cadeia pesada com um N-terminal (cadeia A) e por uma cadeia leve com

um C-terminal (cadeia B). A cadeia A contém cinco kringles, enquanto a cadeia B contém o domínio da

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protease, sendo que a acção do t-PA é feita

sentir ao nível da junção entre as cadeias

leves e pesadas (todavia, as duas cadeias

pesadas da plasmina mantêm-se ligadas por

pontes dissulfureto). 

O plasminogénio apresenta duas isoformas.

A primeira apresenta glutamato no N-

terminal (glu-plasminogénio) e é mais longa.

Alternativamente, o primeiro aminoácido pode ser a lisina (lis-plasminogénio), sendo que esta isoforma

de plasminogénio é mais curta e liga melhor à rede de fibrina.  Assim, através de um mecanismo de

 feedback positivo, a plasmina tem a capacidade de converter o glu-plasminogénio em lis-plasminogénio.

Por seu turno, a plasmina é uma protease de serina que tem a capacidade de clivar quer a fibrina, quer

o fibrinogénio. A plasmina continua a apresentar cinco kringles, que a mantêm ancorada a resíduos de

lisina na fibrina, o que coloca a porção de protease em posição para a promoção da hidrólise. Todavia, é

importante referir que a plasmina, contrariamente ao plasminogénio que apresenta cadeia simples, éuma proteína de cadeia dupla.

A plasmina cliva proteoliticamente a fibrina estável ao nível dos seus resíduos de arginina e lisina (sendo

que para que a sua capacidade de lise seja máxima, esta tem de estar ligada à fibrina), originando vários

produtos. Esses produtos incluem os D-dímeros  e os E-dímeros, sendo que os D-dímeros são um

conjunto de aminoácidos que se mantêm estável no plasma por um grande período de tempo, mas que

são incapazes de proliferar. Por outro lado, a plasmina também apresenta a capacidade de degradar os

factores V e VIII e de clivar a t-PA por entre os motivos kringle e protease.

Regulação da fibrinólise

O sistema cardiovascular regula a fibrinólise a vários níveis, utilizando mecanismos promotores e

inibidores. As catecolaminas e a bradicinina aumentam os níveis de t-PA em circulação. Por outro lado,

as serpinas são inibidoras das proteases de serina, reduzindo a actividade dos activadores de

plasminogénio. Estes inibidores dos activadores do plasminogénio (PAI) são de quatro classes:

1.  Inibidor 1 do activador do plasminogénio  (PAI-1): Forma complexos e inibe a t-PA (de cadeia

simples e de cadeia dupla), bem como a u-PA. O PAI-1 é produzido, sobretudo, ao nível das

células endoteliais (embora também se verifique uma grande quantidade de PAI-1 ao nível dos

grânulos α das plaquetas, células musculares lisas vasculares, placenta e fígado). 

2. 

Inibidor 2 do activador de plasminogénio   (PAI-2): Apenas é importante na gravidez, sendo

produzido pela placenta e inibindo o u-PA (isto explica porque é que elevados níveis de PAI-2

contribuem para um risco aumentado da trombose na gravidez).

3. 

Inibidor 3 do activador de plasminogénio  (PAI-3 ou inibidor da proteína C): Apresenta uma

importância menor, inibindo a proteína C activa, bem como a calicreína, o factor Xa e a

trombina.

4. 

Nexina: Protease pouco específica produzida por fibroblastos, cardiomiócitos e células

epiteliais renais, que inibe o t-PA (na cadeia simples e dupla), a plasmina, a tripsina, o factor Xa

e a trombina (algo potenciado pela heparina).

A proteína C, que inibe a coagulação, também inibe o PAI-1 e o PAI-2, facilitando assim a fibrinólise. Para

além dos inibidores dos activadores do plasminogénio, verifica-se a presença de duas serpinas, que têm

por alvo a plasmina (impedindo-a de ter actividade de lise fora da zona da rede de fibrina, o que poderiaser danoso para outras proteínas), nomeadamente:

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155

1. 

Anti-plasmina α2 (AP-α2): Serpina que é produzida pelo fígado, rim e outros tecidos. Quando a

plasmina não se encontra ligada à fibrina (ou seja, quando a plasmina se encontra em solução

livre), o AP-α2  forma complexos com a plasmina, inactivando-a e impedindo-a de se ligar à

fibrina. Contudo, quando a plasmina se encontra ligada aos resíduos de lisina da fibrina, a

inibição da plasmina pela AP-α2  encontra-se amplamente reduzida. Por outras palavras, a

presença de um coágulo (ou seja, de fibrina), promove a sua própria degeneração (ou seja, afibrinólise).

2.  Anti-macroglobina α2 (MG-α2): Esta serpina apenas actua, na ausência de AP-α2, sendo que a

MG-α2 tem apenas 10% da capacidade funcional da AP-α2.

A inibição da fibrinólise também ocorre por via de transportadores de plasminogénio  (que incluem o

HGR, a trombospondina e a tetranectina), cuja quantidade é inversamente proporcional à quantidade

de plasminogénio disponível. De referir que este mecanismo de inibição não apresenta uma grande

importância.

A α1‐antitripsina, a anti-trombina  e o

TAFI  também inibem a fibrinólise, porvia da inibição da plasmina. O TAFI (ou 

carboxipeptidase B) é activado pela

trombina, promovendo a lise dos

resíduos de lisina das redes de fibrina.

Isto impede que a plasmina se ligue à

fibrina, na medida em que a plasmina

liga-se à fibrina por via dos seus

resíduos de lisina. Isto mantém a rede

de fibrina mais estável, de modo a que

decorra o tempo necessário para que

ocorra a reparação do leito vascular.De referir que esta acção inibidora da

fibrinólise da trombina é potenciada

pela sua ligação à trombomodulina.

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Transdução de sinal ao nível celular

Existem várias formas de transmissão de um sinal ao nível celular. A comunicação a curtas distâncias

pode ser operada por processos de sinalização parácrina  (através dos quais, uma célula difunde uma

molécula sinalizadora para o meio extracelular), de sinalização dependente de contacto  ou de

sinalização autócrina (em que a própria célula transmite um sinal a si própria).

Por outro lado, a comunicação celular a grandes distâncias é feita por sinalização endócrina, que

envolve mecanismos de sinalização endócrina directa e de sinalização neurócrina. A sinalização

endócrina directa  implica a segregação de moléculas sinalizadoras (hormonas) na corrente sanguínea,

possibilitando que estas sejam distribuídas por todo o organismo. Por outro lado, a sinalização

neurócrina envolve a segregação de neurotransmissores para a fenda sináptica.

Mensageiros primários e tipos de receptores

Os mensageiros primários  (moléculas

sinalizadoras primárias) apresentam entre si uma

grande variabilidade (podem ser iões, hormonas,

neurotransmissores, factores de crescimento…),

tendo capacidade de interagir com receptores

membranares específicos e de desencadear uma

cascata intracelular de resposta ao sinal (por

alterações nas proteínas sinalizadoras e

efectoras). Contudo, alguns mensageiros

hidrofóbicos, como as hormonas lipossolúveis(das quais são exemplo as hormonas esteróides)

e as vitaminas lipossolúveis são capazes de se

difundir pela membrana citoplasmática, ligando-

se a receptores presentes no citosol ou no

núcleo.

Desta forma, um receptor  é uma proteína (ou,

em alguns casos, uma lipoproteína) que se pode encontrar, quer ao nível da membrana citoplasmática,

quer no meio intracelular, e que se pode ligar especificamente a um ligando. Em alguns casos, o

receptor é, ele próprio, um canal iónico e a ligação de um ligando produz uma alteração na voltagem,

sendo que, nesses casos, a transdução de sinal depende apenas do receptor. Contudo, na maior partedos casos, a interacção do ligando com o seu receptor resulta na associação deste último a uma

. Fisiologia celular e neurofisiologia

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proteína efectora (que pode ser uma enzima, uma proteína de transporte, um factor de transcrição…),

que inicia uma dada resposta. Os receptores podem ser classificados da seguinte forma, de acordo com

os seus mecanismos associados de transdução de sinal:

1.  Canais iónicos dependentes do ligando  –  Consistem em proteínas membranares integrais,

envolvidas na sinalização entre células electricamente excitáveis. Exemplo: Os receptores de

neurotransmissores como a acetilcolina são canais iónicos dependentes do ligando, que abrem,

permitindo o fluxo iónico, aquando da ligação desses neurotransmissores.

2.  Receptores acoplados à proteína G  –  Proteínas membranares integrais (com sete domínios

transmembranares) que actuam indirectamente, através da proteína G, um complexo

heterotrimético, ao qual tem capacidade de se ligar o GTP. Estes receptores podem despoletar

uma resposta que influencie, inclusive, a síntese proteica

3.  Receptores catalíticos  –  Proteínas membranares integrais que são elas próprias enzimas, ou

parte de um complexo enzimático (dos quais são exemplo os receptores com actividade de

cínase).

4.  Receptores nucleares  –  Proteínas localizadas no citosol ou núcleo, que funcionam como

factores de transcrição, aquando da sua ligação ao ligando. Assim sendo, estes receptoresinfluenciam a transcrição de genes.

5.  Receptores não clássicos  –  Encontram-se ao nível da membrana citoplasmática e a sua

descrição não corresponde a nenhuma das previamente apresentadas.

A presença de receptores membranares é passível de ser regulada. Quando os receptores obtêm pouco

sinal (ou seja, quando se uma menor quantidade de ligando se liga a estes), a sua quantidade aumenta

ao nível da membrana citoplasmática (mecanismo de up-regulation). Paralelamente, quando se regista

um excesso de sinalização, a quantidade de receptores presentes ao nível da membrana diminui

(mecanismo de down-regulation), podendo, para isso, ser hidrolisados em lisossomas, ou armazenados

em vesículas.

Os indivíduos toxicodependentes vão aumentando progressivamente a dose de estupefacientes

consumida, de modo a obterem o mesmo efeito, uma vez que a quantidade de receptores

membranares para estas moléculas vai diminuindo (mecanismo de down-regulation). Por outro lado,

quando estão em período de abstinência prolongada, a quantidade de receptores membranares volta a

aumentar (mecanismo de up-regulation). Dessa forma, se após um período de abstinência prolongada,

um indivíduo toxicodependente voltar a consumir uma dose de estupefaciente similar à consumida

antes de iniciar esse período de abstinência, o efeito gerado será muito maior, podendo mesmo ser letal

(morte por overdose).

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Sinalização envolvendo receptores acoplados à proteína G

Proteínas G

As proteínas G pertencem à superfamília

das proteínas de ligação ao GTP e têm

capacidade de hidrolisar esta molécula,

ficando activas quando ligadas ao GTP, e

inactivas, quando ligadas ao GDP. As

proteínas G podem ser heterotriméricas

ou monoméricas, sendo que as

heterotriméricas  são constituídas por

três subunidades (α, β  e γ). Existem

várias subunidades α, várias

subunidades β e várias subunidades γ, o

que permite uma grande diversidade de

combinações entre subunidades e, comotal, a existência de um grande número

de proteínas G.

Aquando da ligação de um ligando ao

receptor acoplado à proteína G, o

receptor activo interage com a proteína

G heterotrimérica, promovendo uma

mudança conformacional que favorece a

saída do GDP que se encontrava ligado à

subunidade α  e a ligação de GTP a esta

última subunidade. Esta troca estimula aseparação da subunidade α das restantes (algo que é potenciado pelas RGS), que passa a interagir com

proteínas que potenciam a libertação/síntese de mensageiros secundários.

O término dos efeitos sinalizadores dá-se com a hidrólise de GTP, por parte da subunidade α. O

complexo subunidade α-GDP, uma vez que se passa a encontrar inactivo, volta-se a associar com o

complexo formado pelas subunidade β  e γ, ficando estabilizado. Outro processo de término do sinal

prende-se com a fosforilação do receptor acoplado a proteínas G, por parte das GRK. Isto induz a ligação

da arrestina ao receptor fosforilado, o que faz com que este deixe de activar as proteínas G.

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Proteínas efectoras do sistema de proteína G

As subunidades α activas podem estar associadas a uma grande variedade de enzimas efectoras. Uma

das mais importantes é a adenil cíclase, responsável pela produção de cAMP  (que actua como

mensageiro secundário). A adenil cíclase pode ser activada ou inibida pela proteína G, dependendo se

esta se encontra associada ao GTP sob a forma de Gαs  ou de Gαi, respectivamente. Paralelamente, aproteína G também é capaz de activar a guanil cíclase (responsável pela síntese de cGMP). Por oposição,

as proteínas G também são capazes de activar enzimas capazes de quebrar nucleotídeos cíclicos, tais

como as fosfodiesterases, que convertem o cGMP em GMP.

As proteínas G também podem activar

fosfolipases, enzimas que catabolisam

fosfolipídeos. Existem três grandes

classes de fosfolipases  –  A2, C e D. A

fosfolipase C quebra o fosfatidilinositol

difosfato (PIP2), permitindo a génese de

dois mensageiros intracelulares  –  o

diacilglicerol e o inositol trifosfato (IP3).

Por seu turno, a acção da fosfolipase A2 

prende-se com a remoção do ácido

araquidónico dos lipídeos membranares,

algo que leva à estimulação da síntese de prostaglandinas  (por via da activação da ciclo-oxigénase) e

leucotrienos (moléculas que participam na sinalização, aquando de uma lesão). Por fim, a fosfolipase D

está envolvida na génese de diacilglicerol.

Por fim, algumas proteínas G interagem com os canais iónicos, como se verifica nos canais de cálcio do

tipo L do músculo cardíaco e esquelético (canais de cálcio dependentes do ligando). De facto, quando o

ligando se liga ao canal (os canais iónicos dependentes de ligando são, também eles, receptores), ocorre

a activação da proteína Gs, cuja subunidade α se liga ao canal, p ossibilitando a sua abertura.

Proteínas G monoméricas

O grupo das proteínas G monoméricas inclui a Ras, Rho, Rab, Ran e Arf . Estas proteínas são similares à

subunidade α da proteína G heterotrimérica, encontrando-se activas, quando ligadas ao GTP.

Raramente estas proteínas activam mensageiros secundários, condicionando a activação interna, quase

directamente.

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A actividade das proteínas G monoméricas é modulada pela GEF e pela GAPS. A GEF potencia a ligação

do GTP à subunidade α, através da conversão do GDP em GTP, enquanto a GAPS favorece a hidrólise de

GTP (e sua consequente conversão em GDP).

Cálcio como mensageiro secundário

O cálcio  é um mensageiro secundário,

cujo aumento de concentração leva ao

condicionamento de uma resposta

celular. A calmodulina  apresenta uma

grande afinidade para o cálcio e a sua

ligação a este ião induz uma alteração

conformacional nesta proteína, o que

lhe permite ligar-se a outras proteínas,

activando, ou inactivando-as. A ligação

do complexo cálcio-calmodulina a

cínases dependentes de cálcio,permite activá-las, sendo um processo particularmente importante na contracção do músculo liso (para

activação da cínase das cadeias leves de miosina) e na degradação de glicogénio.

Algumas das cínases dependentes de cálcio fosforilam proteínas nucleares e alteram a transdução de

sinal ao nível do núcleo. Dessa forma, não são só os receptores nucleares (presentes ao nível do citosol

ou do núcleo), que permitem que se despolete um mecanismo de actuação ao nível do núcleo - a

transdução de sinal que ocorre ao nível da membrana é um processo rápido e eficaz, pois é baseado em

mecanismos de fosforilação e desfosforilação, não “obrigando” à ocorrência de síntese proteica, como

forma de resposta ao sinal.

Receptores catalíticos

Os receptores catalíticos, como já foi referido, têm actividade enzimática (que pode ser própria ou

associada). Estes receptores podem ser de vários tipos, nomeadamente:

1. 

Receptores guanil cíclases (que permitem a síntese directa de cGMP a partir de GTP)

2. 

Receptores cínases de serina/treonina  (são fosforilados e fosforilam em resíduos de serina e

treonina)

3.  Receptores cínases de tirosina (são fosforilados e fosforilam em resíduos de tirosina)

4.  Receptores associados a cínases de tirosina  (não têm capacidade enzimática própria e, por

isso, interagem com cínases de tirosina. Os receptores da via das Jak/STAT correspondem ao

exemplo paradigmático deste tipo de receptores).5.

 

Receptores fosfátases de tirosina

Receptores nucleares

Moléculas lipofílicas como a vitamina D, as hormonas tiroideias e as hormonas esteróides, têm

capacidade de atravessar a bicamada fosfolipídica da membrana, ligando-se a receptores nucleares

presentes ao nível do núcleo ou do citosol. Quando os receptores se ligam aos seus ligandos, tornam-se

factores de transcrição activos, que regulam a expressão de genes alvos, por ligação a sequências

específicas do DNA.

De referir que, todos os receptores nucleares são constituídos por seis domínios funcionalmente

distintos. Em termos estruturais, quando um receptor nuclear se liga ao DNA (mais particularmente a

regiões específicas denominadas “elementos de resposta hormonal”) ocorre uma mudança

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conformacional no DNA (processo de

transactivação) e o receptor dimeriza,

formando duas estruturas em zinc-

 finger . Assim sendo, a série de genes

afectados por um ligando particular

depende dos receptores intracelularespresentes, da capacidade desses

receptores formarem homodímeros ou

heterodímeros e da afinidade desses

complexos receptor-ligando para um

elemento de resposta hormonal, no

DNA. 

A resposta gerada pela ligação de uma

molécula sinalizadora a um receptor nuclear é muito mais lenta que a resposta gerada pela ligação de

uma molécula sinal a um receptor membranar. Isto explica porque é que as hormonas esteróides

demoram mais tempo a actuar, comparativamente às catecolaminas.

Transdução visual 

Existem dois grandes tipos de fotorreceptores  – os bastonetes e os cones, sendo que na retina humana

apenas existe um tipo de bastonete, responsável pela visão monocrómatica adaptada ao escuro, e três

subtipos de cones, responsáveis pela visão sensível à cor, ideal para ambientes mais brilhantes.

Contudo, estima-se que existam pelo menos 16 bastonetes para cada cone. Devido à importância

apresentada pelos fotorreceptores para a visão, a sua destruição, que ocorre em determinadas

condições patológicas, condiciona a cegueira.

Os fotorreceptores contêm um segmento interno  (onde está presente o núcleo e maquinariametabólica) e um segmento externo, que corresponde ao local de transdução, apesar de ser a última

parte da célula a contactar com a luz. Nesse segmento externo, ao nível dos bastonetes, encontra-se um

fotopigmento, o qual é designado por rodopsina. 

Os fotorreceptores encontram-se num

potencial de repouso, quando

submetidos à escuridão. Essa

“corrente escura” é mantida, por um

lado, através da passagem de sódio

(para o interior das células) por um

canal de catiões não-específico,presente ao nível do segmento

externo. Por outro lado, o potássio

movimenta-se para fora dos

fotorreceptores, através de canais de

potássio, presentes no segmento

interno. Estes canais de potássio não

são regulados pela luz, contrariamente aos canais de catiões não-específicos. As concentrações de sódio

e potássio adequadas para o meio intracelular são mantidas pela bomba de sódio e potássio, enquanto

o trocador sódio/cálcio se encarrega da remoção de cálcio do segmento externo.

A absorção de fotões leva ao fecho dos canais de catiões não específicos no segmento externo, o queleva a um decréscimo da condutância total da membrana celular. Como os canais de potássio continuam

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abertos, o segmento interno torna-

se aberto e o potássio continua a sair

da célula, o que leva a uma

hiperpolarização da célula. De referir

que, o número de canais de catiões

que fecham depende do número defotões absorvidos (de facto um único

fotão tem a capacidade de travar o

fluxo de cerca de um milhão de iões

de sódio num bastonete).

A rodopsina apresenta dois

componentes principais  – o retinal e

a opsina. O retinal  é o aldeído da

vitamina A, enquanto a opsina  é um polipeptídeo. Ora, como forma de ocorrer a sua transdução, os

fotões são absorvidos pelo retinal, que passa de uma forma instável ( 11-cis retinal), a uma configuração

mais estável (all-trans retinal). Esta isomerização despoleta uma série de alterações conformacionais naopsina, que se converte em metarodopsina II. Esta última consegue activar uma molécula designada

transducina, que permite a transmissão de sinal, por via da redução da condutância para o sódio.

A reconversão do all-trans retinal formado, de novo em 11-cis retinal, implica a sua separação prévia da

opsina e a formação intermédia de retinol (vitamina A). O 11-cis retinal formado migra de novo para o

segmento externo, onde se combina com a opsina.

A transducina é uma proteína G, cujo nome advém do facto de transduzir o sinal activado pela luz numa

resposta membranar. Quando é activada pela metarodopsina, a subunidade α da transducina liga-se a

GTP, difundindo-se depois ao nível da membrana, para estimular uma fosfodiesterase que converte o

cGMP em GMP. Os menoresníveis de GMP levam a um

encerramento dos canais de

catiões não-específicos, o que

leva à interrupção do fluxo de

sódio, à hiperpolarização do

fotorreceptor e consequente

transmissão do sinal visual

para os neurónios retinais.

De referir que, na escuridão,

os níveis elevados de cGMP,necessários para manter os

canais de catiões não-

específicos abertos, são

mantidos à conta de uma

guanil cíclase activa.

Ao longo desta via ocorre

forte amplificação  –  a

absorção de um fotão activa

uma molécula de

metarodopsina, que por suavez, consegue activar cerca

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de 700 moléculas de transducina e, no total, um fotão permite a hidrólise de cerca de 1400 moléculas

de cGMP por pico de resposta. Para se dar o término do estímulo, a cínase da rodopsina  fosforila a

rodopsina activada pela luz, que é reconhecida pela arrestina à qual se liga.

Contudo, é importante referir

que esta via também apresenta

um mecanismo de auto-inibição

 –  o fecho dos canais de catiões

não específicos, aquando de uma

diminuição dos níveis de cGMP

leva a uma menor concentração

de cálcio intracelular (o cálcio, na

situação de repouso, tem

tendência a entrar para o meio

intracelular por estes canais).

Essa menor concentração de

cálcio desencadeia ummecanismo de  feedback

negativo, ao permitir um

aumento da actividade da guanil

cíclase e inibir a fosfodiesterase.

Isto traduz-se num aumento dos

níveis de cGMP com consequente abertura dos canais de catiões e entrada de cálcio para o meio

intracelular. O papel do cálcio é muito importante para ver na escuridão. De facto, são os níveis mais

elevados de cálcio ao nível dos fotorreceptores, que permitem que ocorra uma diminuição progressiva

do limiar de luz, à medida que avança o intervalo de tempo no qual os indivíduos estão submetidos à

escuridão.

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Sistema nervoso autónomo

O Sistema Nervoso Autónomo é uma divisão do sistema nervoso periférico, sendo entendido como

aquele que inerva glândulas, músculo liso e músculo cardíaco, sendo por vezes designado por

“involuntário”, na medida em que as estruturas abrangidas não parecem estar sob controlo voluntário.

Contudo, existem músculos lisos, que sendo inervados pelo sistema nervoso autónomo, participam emactos voluntários (a bexiga, por exemplo, aquando do acto de urinar, ou o músculo ciliar, aquando da

focagem do cristalino). Por outro lado, vários músculos, classificados histologicamente como

“voluntários”, podem não se contrair por vontade própria, nomeadamente os constritores da faringe.

Contudo, apesar do sistema nervoso autónomo apresentar tal designação, este depende do sistema

nervoso central, não tendo actividade completamente independente.

No sistema nervoso autónomo temos a presença de dois conjuntos de neurónios  – os neurónios pré-

ganglionares, cujo corpo celular se localiza no sistema nervoso central e que vão sinaptizar, ao nível dos

gânglios dorsais raquidianos com neurónios pós-ganglionares, que se vão assegurar da inervação das

vísceras. Ou seja, contrariamente ao sistema nervoso somático em que bastava a presença de um

neurónio efector, ao nível do sistema nervoso autónomo são necessários dois.

O sistema nervoso autónomo encontra-se distribuído pelo corpo, sendo que a maior parte das suas

células encontra-se disposta em gânglios, embora noutras situações, particularmente associadas ao

tracto digestivo e vasos sanguíneos, as células nervosas formam plexos autónomos, um arranjo de

fibras nervosas pré-ganglionares, pós-ganglionares e sensitivas.

O sistema nervoso autónomo é divisível em componentes simpático, parassimpático e entérico

(associado à mobilidade e secreção do tubo digestivo), diferentes na resposta que produzem, do modo

como estão distribuídas as fibras neuronais e dos neurotransmissores envolvidos.

Anatomia do sistema nervoso parassimpático

Relativamente ao sistema parassimpático, temos neurónios pré-ganglionares muito longos, que

sinaptizam muito próximos das vísceras com os respectivos neurónios pós-ganglionares, que são curtos.

As fibras pré-ganglionares para a componente parassimpática, emergem das regiões craniana e sagrada

(entre S2 e S3)  – outflow cranio-sagrado. Dessa forma, ao nível craniano as fibras pré-ganglionares do

sistema parassimpático apanham boleia de vários pares de nervos cranianos, nomeadamente o III

(nervo óculo-motor), o VII (nervo facial), o IX (nervo glossofaríngeo) e o X (nervo vago). As fibras que

acompanham o nervo óculo-motor originam-se do núcleo de Edinger-Westphal e são responsáveis pelo

músculo ciliar da pupila, enquanto as fibras que acompanham o nervo facial provêm do núcleo salivar

superior e fazem a inervação das glândulas submandibular, sublingual e lacrimal, sinaptizando ao níveldos gânglios submandibular e pterigopalatino. Já as fibras que acompanham o nervo glossofaríngeo

têm origem no núcleo salivar inferior e no núcleo ambíguo e sinaptizam ao nível do gânglio ótico,

sendo que os respectivos neurónios pós ganglionares, inervam a glândula parótida. Por fim, dado o

percurso do nervo vago, as fibras do sistema nervoso parassimpático que lhe estão associadas, vão

inervar todas as vísceras associadas às regiões cervical, torácica e abdominal, até aos dois terços direitos

do cólon transverso (algo que se prende com motivos embriológicos). De referir que as fibras vagais têm

origem no núcleo ambíguo e no núcleo dorsal do vago. Por outro lado, as fibras pré-ganglionares sacro-

pélvicas emergem ao nível de S2/S3 (por vezes, S4), associadas aos nervos sacro-pélvicos.

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Anatomia do sistema nervoso simpático

No que concerne ao sistema nervoso simpático, regista-se uma presença de neurónios pré-ganglionares

curtos, que geralmente sinaptizam ao nível dos gânglios presentes na cadeia do simpático com

neurónios pós ganglionares, que vão inervar as respectivas vísceras. Contudo, as fibras pré-ganglionares

podem também formar plexos, não sinaptizando ao nível dos gânglios.

A observação da espinal medula seccionada transversalmente permite concluir que esta não é sempre

igual. Ao nível torácico e lombar (de T1 a L3), esta apresenta uma proeminência lateral, designada por

coluna lateral, onde se encontram os corpos celulares do sistema nervoso simpático. A partir daqui,

partem as fibras pré-ganglionares do sistema nervoso simpático, “à boleia” das fibras motoras que

partem do corno anterior (ou seja, as fibras do sistema nervoso autónomo acompanham as raízes

ventrais dos nervos espinhais). Compreende-se por isso, que se registe um outflow toraco-lombar no

sistema nervoso autónomo.

As fibras simpáticas pré-ganglionares chegam então à cadeia do simpático, como ramos comunicantes

brancos (pois são mielinizados), sendo estes laterais à cadeia (existem 14 ramos comunicantes brancos

de T1 a L3). Ao nível da cadeia do simpático, os neurónios pré-ganglionares podem sinaptizar com osneurónios pós-ganglionares, que depois abandonam o gânglio simpático, através dos ramos

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comunicantes cinzentos (assim designados, devido ao facto de não serem mielinizados), que são

superiores aos ramos comunicantes brancos. Por outro lado, as fibras pré-ganglionares podem não

sinaptizar ao nível da cadeia do simpático, abandonando-a e deslocando-se em direcção medial (como

nervos esplâncnicos), para sinaptizar em plexos autonómicos, dos quais é exemplo o plexo celíaco. Por

último, as fibras pré-ganglionares podem ascender ou descer ao nível da cadeia do simpático,

sinaptizando num gânglio mais distante. Isto explica como é que se regista inervação simpática, porexemplo, ao nível cervical (onde não emergem fibras pré-ganglionares simpáticas)  – os neurónios pré-

ganglionares torácicos superiores ascendem no tronco simpático e sinaptizam ao nível dos gânglios

cervicais.

No que concerne aos gânglios simpáticos, estes podem ser classificados como pré-vertebrais, dos quais

é exemplo o gânglio celíaco (os gânglios simpáticos adquirem o nome do ramo aórtico mais próximo),

ou como para-vertebrais (dos quais é exemplo o gânglio estrelado, que se assegura da inervação

simpática dos brônquios e pulmões.

Fisiologia do sistema nervoso autónomo

Acção exercida 

As duas componentes do sistema nervoso autónomo também podem ser distinguidas, na medida em

que o sistema nervoso simpático se encontra distribuído a todas as partes do corpo, mais

particularmente para os vasos sanguíneos; enquanto o sistema nervoso parassimpático tem uma

distribuição limitada ao tracto digestivo e estruturas que se desenvolvam nas suas paredes ou a partir

destas, aos sistemas respiratório, urogenital e ao olho (dessa forma, estas estruturas têm inervação,

quer pelo sistema nervoso simpático, quer pelo sistema parassimpático).

Quando os sistemas nervoso simpático e parassimpático inervam a mesma estrutura, os seus efeitos são

frequentemente opostos  –  o coração é acelerado pelo simpático e atrasado pelo parassimpático, a

pupila é dilatada pelo simpático e constrita pelo parassimpático, os movimentos peristálticos do sistema

digestivo são favorecidos pelo sistema parassimpático, enquanto o simpático reduz esses movimentos e

induz a contracção dos esfíncteres. Contudo, estes não apresentam sempre um totalmente antagónico – as duas partes cooperam produzindo um equilíbrio, necessário para o normal funcionamento em

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diversas circunstâncias  –  por exemplo, ao nível genital, o sistema nervoso simpático promove a

ejaculação, enquanto o sistema parassimpático promove a erecção. Diz-se, por isso, que o componente

simpático como que prepara o corpo para uma reacção a uma crise ( fight-or-flight response) , enquanto

o parassimpático está mais envolvido na conservação e “aquisição” de energia (rest and digest

response).

Neurotransmissores associados 

No que concerne aos neurotransmissores associados aos neurónios de cada sistema nervoso, a

acetilcolina é o neurotransmissor libertado, quer pelos neurónios pré-ganglionares, quer pelos

neurónios pós-ganglionares do sistema nervoso parassimpático. Contudo, a acetilcolina que se liberta

dos neurónios pré-ganglionares liga-se a receptores nicotínicos, enquanto a que se liberta dos neurónios

pós-ganglionares se liga a receptores muscarínicos.

Já ao nível do sistema nervoso simpático, ocorre libertação de acetilcolina, por parte dos neurónios pré-

ganglionares e de noradrenalina ou adrenalina (que se ligam a receptores α e β adrenérgicos), por parte

dos neurónios pós-ganglionares. A inervação simpática da glândula salivar é aqui uma excepção, namedida em que ocorre libertação de acetilcolina por parte dos neurónios pós-ganglionares.

As sinapses adrenérgicas ocorridas ao nível do sistema nervoso simpático podem ter diversos efeitos,

consoante os receptores aos quais se ligam a adrenalina e a noradrenalina. A ligação destas

catecolaminas aos receptores β1  é essencial para despoletar um efeito positivo (inotrópico positivo,

cronotrópico positivo…) ao nível do coração (de facto, o coração apresenta todos os receptores, mas

predominam os receptores β1. Por outro lado, os receptores β2 existem ao nível dos brônquios, estando

associados à broncodilatação; enquanto os receptores β3  estão associados ao tecido adiposo. No que

concerne aos receptores α, a ligação de catecolaminas aos receptores α1  está associada a

vasoconstrição (esses receptores existem ao nível dos vasos), enquanto a activação de receptores α2 

está associada a uma resposta mista, na qual se regista um decréscimo de cAMP.

Já as sinapses colinérgicas requerem a presença de receptores muscarínicos, receptores metabotrópicos

que se encontram ao nível da mucosa gástrica (receptor m1), do coração (receptor m2  localizado na

região do nó sinusal) e do músculo liso e glândulas (receptores m3).

O caso das células da glândula supra-renal é bastante peculiar. Estas células derivam embriologicamente

das células da crista neural, tal como os gânglios do sistema nervoso simpático. Dessa forma, as células

da glândula supra-renal recebem directamente fibras pré-ganglionares, actuando depois de modo

análogo a neurónios, ao libertar adrenalina e noradrenalina, que serão lançadas na corrente sanguínea

(o que permite às células da glândula supra-renal ter uma actividade rápida). Também os vasos

sanguíneos apresentam uma particularidade  –  a sua inervação autónoma é totalmente da

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responsabilidade do sistema nervoso simpático. Deste modo, a modulação do sistema nervoso

parassimpático não promove uma alteração da resistência vascular periférica (sendo que o efeito

hemodinâmico que se pode registar deve-se a alterações no débito cardíaco). Também as glândulas

sudoríparas apresentam uma inervação exclusivamente simpática, embora os receptores presentes

sejam de natureza muscarínica.

Divergência 

Uma característica típica do sistema nervoso autónomo, sobretudo do sistema nervoso simpático, é a

presença de fenómenos de divergência. Ou seja, aquando de um estímulo específico (por exemplo, uma

situação de hipoglicemia), verifica-se a presença de uma resposta muito difusa e exuberante que se

manifesta, não apenas por uma resposta ao estímulo em questão, mas pela manifestação de quase

todos os efeitos associados àquela divisão do sistema nervoso autónomo. Isto deve-se ao facto de um

neurónio pré-ganglionar comunicar com vários neurónios pós-ganglionares (cerca de dez) e ao facto de,

aquando de uma resposta simpática, a glândula supra-renal ser activada, libertando assim quantidades

adicionais de adrenalina e noradrenalina.

Via sensitiva do sistema nervoso autónomo 

O sistema nervoso autónomo actua por vias reflexas e, como tal, apresenta também uma importante

componente aferente (tão importante como a componente eferente, de facto). Alguns dos receptores

aferentes autónomos são sensíveis à dor, enquanto outros são sensíveis a estímulos mecânicos (tais

como o estiramento do coração e vísceras) e químicos (tais como o pH, a glicose sanguínea, a

temperatura da pele e órgãos internos, PCO2 e PO2). De referir que a maior parte das fibras nociceptivas

se deslocam em nervos simpáticos, enquanto a maior parte dos axónios associados a receptores

fisiológicos se deslocam em fibras parassimpáticos.

A maior concentração de fibras aferentes encontra-se ao nível do nervo vago que, aliás, apresenta umamaior quantidade de fibras aferentes que de fibras eferentes. Uma vez que o vago é um nervo do

sistema nervoso parassimpático, os seus aferentes transportam informação acerca da distensão das

vísceras, dos gases e pH sanguíneo e da concentração química de algumas substâncias como a glicose.

Os órgãos internos

também apresentam

receptores nociceptivos,

sendo que a dor visceral

é uma dor referida  ao

dermátomo e não

localizada a um órgão

específico. Isto deve-se

à falta de precisão na

organização das vias da

dor visceral. A título de

exemplo, aquando de

um enfarte agudo no

miocárdio, a dor

referida faz-se sentir

nos dermátomos de T1

a T5, enquanto umainformação nociceptiva

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proveniente do diafragma origina uma dor referida de C3 a C5, sendo sentida pelo doente como uma

dor no ombro.

Interacção com o sistema nervoso central 

Como já foi referido, o sistema nervoso autónomo não é completamente independente do sistemanervoso central, existindo uma relação de interdependência entre o sistema nervoso autónomo e o

hipotálamo, o neocórtex e o sistema límbico. O hipotálamo, especialmente através do núcleo para-

ventricular, constitui a região encefálica mais importante para coordenação das aferências autónomas  – 

de facto, as projecções do hipotálamo com a formação reticular, coluna intemediolateral e corpos

celulares dos neurónios parassimpáticos, fazem como que esta porção do diencéfalo esteja envolvida na

iniciação e coordenação de respostas autónomas para as necessidades corporais (algo que é feito por

modulação dos outputs autónomos e por via neuroendócrina, através da hipófise). Já o sistema límbico 

actua através do controlo inconsciente do sistema nervoso autónomo  –  de facto, as emoções, a

ansiedade, o stress e o medo alteram amplamente o output autónomo. Por fim, o neocórtex 

desempenha uma função menor no controlo da actividade autónoma, estando associado à regulação

consciente do output autónomo.

Embora, o prosencéfalo influencie o sistema nervoso autónomo, a actividade visceral também influencia

a função prosencefálica  – os aferentes viscerais que chegam ao córtex têm a capacidade de modular a

excitabilidade de neurónios corticais, podendo inclusive aumentar o efeito dos estímulos sensitivos,

levando a que a actividade cortical se foque, sobretudo, nesses estímulos. A título de exemplo, a

estimulação do nervo vago poderá ser utilizada no tratamento da epilepsia.

Correlações clínicas 

Em termos farmacológicos, a administração de fármacos anti-adrenérgicos apresenta efeitos colaterais,

na medida em que actuam nos receptores adrenérgicos, levando a alterações da actividade do sistema

nervoso simpático.

A hipertensão postural  (condição médica na qual se verifica uma rápida quebra de pressão após

alterações na mudança de posição do corpo, por exemplo, quando um indivíduo se levanta) constitui a

disautonomia mais frequente. Esta condição, mais típica de indivíduos idosos ou com diabetes mellitus,

caracteriza-se por uma diminuição da função dos neurónios efectores simpáticos.

Por outro lado, as disfunções autónomas podem estar associadas a disfunção eréctil, diminuição ou

abolição da transpiração e a incontinência ou retenção urinária. Para além disso, um aumento do tónus

simpático está correlacionado positivamente com a presença de doenças cardiovasculares. Uma vez

que, aquando do envelhecimento, se regista um aumento do tónus simpático, actualmente esta relação

está a ser alvo de muitos estudos com importância clínica.

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Regulação da temperatura corporal

A capacidade de regular a temperatura corporal interna é um mecanismo de independência

apresentado pelos organismos superiores, relativamente ao meio. Uma vez que a maior parte das

reacções químicas e físicas dependem da temperatura, a maior parte das funções fisiológicas são

sensíveis a alterações térmicas. Assim, o nível de actividade das espécies poiquilotérmicas (ou seja, dasespécies que não regulam a temperatura corporal interna) geralmente depende da temperatura do

meio, enquanto a actividade das espécies homeotérmicas  (ou seja, das espécies que, tal como o ser

humano, têm capacidade de regular a temperatura corporal interna) é relativamente estável num

grande intervalo de condições.

O sistema termorregulador dos seres humanos é constituído por:

1.  Sensores térmicos

2.  Vias aferentes

3. 

Um sistema de integração no sistema nervoso central.

4. 

Vias eferentes5.

 

Órgãos alvo que controlam a génese e transferência de calor. Estes órgãos incluem o músculo

esquelético (através das tremuras), a pele (através da qual é ajustada a dissipação de calor) e as

glândulas sudoríparas (que, através da libertação do suor, permitem a dissipação de calor).

O facto de os seres humanos apresentarem um sistema termorregulador permite que seja criado um

ambiente interno no qual as taxas das reacções sejam próximas dos níveis óptimos. Para além disso, um

sistema termorregulador eficaz evita as consequências patológicas de desvios amplos da temperatura

corporal.

A temperatura corporal diz respeito à temperatura interna do corpo que, embora apresente um valor

normal de cerca de 37ºC, pode variar entre 36,1ºC e 37,2ºC, em pessoas saudáveis e activas. Em termosclínicos o local mais fiável para medição da temperatura corporal é o recto, uma vez que é o menos

influenciável pela temperatura ambiente. Contudo, este é o local menos prático e mais desconfortável

para medição. Já a medição axilar é um método pouco fiável e, normalmente, deve-se acrescentar 1ºC à

temperatura medida ao nível axilar. Por estes motivos, na prática clínica, o mais comum é medir a

temperatura timpânica  (embora isto seja impossível de levar a cabo em alguns indivíduos, sobretudo

crianças, que não apresentem uma correcta permeabilidade ao nível do canal auditivo externo).

Sistema termorregulador e determinantes fisiológicos da temperatura corporal

O sistema termorregulador permite que os valores

referidos sejam mantidos, mesmo que astemperaturas externas variem entre 15ºC e os 55ºC.

Contudo, existem indivíduos que apresentam

intolerância ao calor (algo que está particularmente

associado ao hipertiroidismo), em que o sistema

termorregulador tem menor capacidade de regular a

temperatura corporal, aquando de temperaturas

externas mais elevadas. Paralelamente, também

existem indivíduos que apresentam intolerância ao

frio  (algo que está particularmente associado ao

hipotiroidismo), em que o sistema termorregulador

tem menor capacidade de regular a temperaturacorporal, aquando de temperaturas externas mais

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baixas. Paralelamente, já foram encontradas condições patológicas em que os indivíduos não têm

capacidade homeotérmica, não apresentando reflexo termorregulador. Estes indivíduos dizem-se

poiquilotérmicos.

A temperatura corporal depende da

altura do dia (ou seja, tem variação

circadiana), da fase menstrual (nos

indivíduos do sexo feminino), do nível

de actividade do indivíduo e da idade.

A variação circadiana de temperatura

leva a que ao dia sejam registadas

variações térmicas de cerca de 1ºC de

amplitude. Assim, a temperaturacorporal atinge normalmente os seus

valores mínimos entre as três e as seis

horas da manhã, e atinge os seus

valores máximos entre as quinze e as

dezoito horas. De referir que esta

variação circadiana depende da

actividade do sistema nervoso autónomo e é independente dos ciclos de sono.

Por outro lado, em várias mulheres, a temperatura corporal aumenta cerca de 0,5 ºC durante o período

pós-ovulatório do seu ciclo menstrual. De referir que a ovulação é acompanhada por um aumento

abrupto da temperatura (entre 0,3 a 0,5ºC de diferença), algo que pode ser útil como indicador dafertilidade.

A actividade física gera um excesso de calor, como produto da elevada taxa metabólica inerente (a pele

e músculo, que produzem uma fracção menor do calor em repouso, passam a produzir cerca de 90% do

calor, aquando do exercício físico). Uma quantidade deste excesso de calor permanece no corpo,

gerando um aumento da temperatura corporal interna e despoletando subsequentes respostas de

perda de calor. De referir que o valor do nível térmico basal se mantém elevado, não só durante a

actividade física, mas também por um período de tempo suplementar após o término do exercício.

Por fim, as crianças e os idosos perdem progressivamente a capacidade de manter uma normal

temperatura corporal, comparativamente à restante população, algo que é particularmente evidente,aquando de alterações externas. De facto, os recém-nascidos não têm tremuras nem transpiram, e por

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isso são mais susceptíveis a variações da temperatura corporal, quando expostos a um ambiente quente

ou frio. Já os idosos também estão mais sujeitos a essas flutuações, na medida em que o

envelhecimento está associado a uma deficiência progressiva da capacidade de sentir o calor e o frio,

assim como a uma menor capacidade de gerar calor (a taxa metabólica e o potencial metabólico dos

idosos é menor, devido à menor massa muscular) e de dissipar calor (algo que se deve a uma menor

reserva cardiovascular e a uma atrofia das glândulas sudoríparas).

Modos de transferência de calor

Vários processos fisiológicos

contribuem para a homeostasia

térmica, nomeadamente a

modulação da produção

metabólica térmica (na verdade,

a ineficiência inerente à oxidação

celular de nutrientes leva a que

as transformações metabólicasgerem calor), a transferência

física de calor e a eliminação de

calor.

Em termos gerais, toda a

produção de calor ocorre ao

nível dos tecidos corporais,

enquanto toda a eliminação de

calor ocorre ao nível da

superfície corporal, sendo que o

principal órgão responsável poressa dissipação é a pele. O abandono do calor ocorre por via de três mecanismos principais  – radiação,

convecção e evaporação, sendo que, caso a produção de calor supere a dissipação de energia, verifica-

se um aumento da temperatura central, e vice-versa.

No que concerne à transferência de calor para a pele, apenas uma pequena fracção do calor gerado ao

nível dos tecidos activos flui directamente para a pele, por condução ao longo dos tecidos corporais. De

facto, a maior parte do calor gerado flui para a pele por convecção, por via do sangue. Assim, aquando

de um aumento da temperatura corporal central, verifica-se um aumento do fluxo de sangue para a

pele. É importante referir que tanto a condução como a convecção requerem a presença de um

gradiente térmico favorável à sua ocorrência.

A partir da pele, o calor é então dissipado para o meio externo

(os mecanismos que serão referidos neste parágrafo, com

excepção da evaporação, embora sejam descritos para as

perdas de calor, também são os mesmos que ocorrem,

aquando dos ganhos de calor). A maior parte da dissipação do

calor ocorre por radiação, através de energia libertada no

espectro dos infra-vermelhos. Já a transferência de calor por

condução ocorre por contacto do corpo com outra estrutura de

diferente temperatura (por exemplo, quando um indivíduo toca

num cubo de gelo ocorre transferência de calor por condução).

Por seu turno, a convecção requer a presença de um fluido (tal

como o ar ou a água) que transfira o calor entre o corpo e o

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meio (mecanismo de correntes convectivas). Por fim, a evaporação é um mecanismo de perda de calor

que acompanha a vaporização de um líquido (tal como o suor), algo que depende do gradiente de

pressões do vapor de água por entre a pele e o meio externo. 

Reflexo termorregulador

O corpo regula activamente a sua temperatura, através de um sistema de  feedback , que inclui a

presença de sensores de temperatura, de fibras nervosas aferentes que transportam informação

sensitiva para o encéfalo, de um centro de controlo presente ao nível do hipotálamo, de fibras nervosas

eferentes (que pertencem, sobretudo, ao sistema nervoso autónomo) e de efectores térmicos que

controlam a transferência de calor por entre o corpo e o ambiente, ou regulam a taxa corporal de

produção de calor.

Termorreceptores

O corpo apresenta neurónios sensitivos especializados que enviam informação ao sistema nervoso

central acerca das condições térmicas do corpo. Esses elementos termo-sensíveis  consistem em

terminais nervosos livres que se encontram distribuídos por toda a superfície da pele. Esses elementos

encontram-se ainda distribuídos ao longo do centro regulador da temperatura, nomeadamente ao nível

da área pré-óptica e hipotálamo anterior.

Os receptores cutâneos, apesar de serem ideais para sentir alterações da temperatura ambiental, não

são os mais adequados aquando do exercício físico, na medida em que, caso estes fossem os únicos

receptores existentes, quando fosse praticado exercício, as temperaturas internas atingiriam valores

intoleravelmente elevados, antes de a temperatura da pele aumentar de tal maneira que essas

variações fossem passíveis de ser detectadas pelos receptores cutâneos. Deste modo, os

termorreceptores do centro de controlo da temperatura  são ideais para a detecção de alterações na

temperatura corporal central e inadequados para o registo de alterações na temperatura ambiental.

Assim, no corpo co-existem estes dois tipos de receptores, que se encontram integrados por via do

sistema nervoso central, o que permite um equilíbrio rápido e eficaz das perdas e produção de calor.

Termorreceptores cutâneos

No que concerne aos receptores cutâneos, estes encontram-se distribuídos por toda a superfície

corporal, podendo ser sensíveis ao calor, ou sensíveis ao frio. Contudo, a discriminação térmica é

diferente ao nível da superfície do corpo, sendo mais grossa ao nível do tronco e membros, e mais fina

ao nível da cara, lábios e dedos.

Os receptores sensíveis ao calor  aumentam a sua taxa de disparo, aquando de um aumento da

temperatura externa local (até aos 44ºC/46ºC); enquanto os receptores sensíveis ao frio aumentam asua taxa de disparo, aquando de diminuições da

temperatura externa local. De referir que essas

alterações da taxa de disparo podem ser estáveis

(resposta tónica) ou temporárias (resposta fásica).

A partir dos termorreceptores, esta informação relativa

à temperatura ambiente é projectada para o centro

regulador hipotalâmico, e este gera uma resposta

termorreguladora por via do sistema nervoso

autónomo. Todavia, a informação proveniente dos

termorreceptores cutâneos também se desloca por vias

talâmicas para o córtex cerebral, o que permite a

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percepção consciente do ambiente térmico (isto é importante, por exemplo, para nos deslocarmos para

a sombra, quando sentimos que está muito calor).

Termorreceptores do centro de controlo da temperatura

Encontram-se receptores ao nível do encéfalo, espinal medula e, possivelmente, nos músculos e

principais vasos sanguíneos. Todavia, o hipotálamo desempenha o papel principal na detecção de

alterações na temperatura corporal, nomeadamente ao nível da região pré-óptica e do hipotálamo

anterior. De referir que, os termorreceptores do centro de controlo da temperatura são particularmente

importantes aquando do exercício físico.

Acção do centro integrador (hipotálamo)

O hipotálamo integra a informação térmica proveniente de outras porções do corpo (incluindo o próprio

hipotálamo), comparando as condições térmicas registadas com um conjunto ideal de condições

térmicas (este valor ideal é designado por valor de set point ). Subsequentemente, o hipotálamo envia

informação eferente para alterar a taxa de génese de calor e para modificar as taxas de transferências

de calor para e desde o corpo.

Efectores térmicos 

O ajuste do tónus do músculo liso das arteríolas cutâneas controla o fluxo sanguíneo e, como tal, a

transferência de calor, desde o centro térmico corporal até à superfície da pele. Ao longo da maior parte

da superfície cutânea, o sistema nervoso autónomo controla o fluxo sanguíneo cutâneo. Assim, quando

se torna necessário aumentar a dissipação de calor, a vasodilatação activa consegue aumentar o fluxo

sanguíneo cutâneo até cerca de dez vezes o valor basal. Por oposição, quando passa a ser necessário

conservar o calor (ou seja, quando os indivíduos estão inseridos num ambiente frio), a vasoconstrição 

cutânea (que é mediada pelo sistema nervoso simpático) leva a uma redução do fluxo sanguíneo

cutâneo, até metade do estado inicial. Deste modo, mesmo com níveis máximos de vasoconstrição, asperdas de calor nunca chegam a ser nulas.

Aquando de níveis

moderados de calor, a

resposta autónoma

gerada prende-se

sobretudo com um

aumento da

vasodilatação.

Contudo, quando o

calor sentido é

suficientemente

grande, o sistema

nervoso autónomo

também activa as

glândulas sudoríparas

écrinas, que segregam

suor para a superfície

da pele. Isto permite

elevar a pressão parcial

do vapor de água aonível da pele, o que

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promove um incremento na evaporação. De referir que, a inervação do segmento secretor de cada

glândula sudorípara é da responsabilidade do sistema nervoso simpático, mas o neurotransmissor usado

é a acetilcolina.

Numa situação oposta, quando o stress associado ao frio é suficientemente grande, a resposta

fisiológica inclui um aumento da produção de calor, por via de tremuras (activação rítmica das principais

massas musculares que rodeiam a cabeça, tronco e membros superiores). Através das tremuras, é

possível duplicar a taxa metabólica por um período de horas (ou seja, antes da ocorrência da fadiga). Os

recém-nascidos não apresentam esta capacidade, mas têm mecanismos de termogénese, por via do

tecido adiposo castanho, algo que requer a acção da termogenina. Apesar das elevadas capacidades de

produção de calor associadas ao mecanismo das tremuras, estas conseguem gerar menos calor que o

exercício físico.

Hipertermia e hipotermia

As capacidades do sistema corporal de regulação térmica não são ilimitadas  – qualquer factor que cause

grandes alterações na taxa de armazenamento de calor pode originar uma hipertermia ou umahipotermia progressiva. Uma vez que os seres humanos devem operar ao nível de um pequeno intervalo

de temperaturas, tais alterações térmicas podem pôr em risco a vida.

Hipertermia

A hipertermia consiste numa elevação da temperatura corporal, mas em que o set point da temperatura

do centro regulador se mantém. Este aumento de temperatura pode se dever a uma dissipação

insuficiente do calor (o que acontece, por exemplo, aquando do golpe de calor) ou a uma produção

excessiva de calor (esta situação, apesar de menos comum, era verificada antigamente, aquando do uso

de alguns anestésicos). Como é facilmente compreensível, a resposta fisiológica a condições de

hipertermia inclui a vasodilatação e a sudorese.

A exposição a uma ambiente quente e muito húmido favorece o desenvolvimento de uma hipertermia

excessiva, nomeadamente quando esta exposição é acompanhada por maior actividade física. Isto

ocorre devido à combinação de vários factores:

1.  A capacidade de dissipar calor por radiação diminui, quando a temperatura irradiante dos

objectos nas proximidades aumenta.

2. 

A capacidade de dissipar calor por convecção diminui, à medida que a temperatura ambiental

aumenta.

3. 

Quando a temperatura ambiental passa de cerca de 35ºC, a evaporação torna-se o único meio

efectivo para a dissipação de calor. Ora, aquando de um aumento da humidade, a evaporação

fica reduzida, devido à diminuição do gradiente de pressão de vapor de água entre o meio e a

pele.

É pouco comum registar-se uma condição de hipertermia, aquando de situações de baixa humidade, em

que há ganhos de calor por convecção ou radiação. Isto ocorre na medida em que o corpo tem uma

elevada capacidade de dissipar o calor absorvido por evaporação. De referir que ganhos de calor por

radiação podem ocorrer aquando da exposição a fontes de calor (como grandes fornalhas ou o sol

tórrido).

É importante referir que caso os indivíduos se encontrem persistentemente submetidos a um meio

externo húmido e caracterizado por temperaturas elevadas, estes adaptam-se a estas condições,

através de um mecanismo designado por aclimatização, que depende da alteração da capacidade de

secreção sudorípara, da capacidade de reabsorção tónico-ductal e da sede.

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Hipotermia

A hipotermia consiste na diminuição da temperatura corporal para valores inferiores a 35ºC. A condição

ambiental que mais comummente está associada à hipotermia excessiva prende-se com a imersão

prolongada em água fria. A água apresenta um coeficiente de transferência de calor por via convectiva

muito superior ao do ar e, devido à elevada condutividade térmica da água, a vasoconstrição periférica eas tremuras não previnem a hipotermia associada à exposição prolongada à água fria. Relativamente à

reposta fisiológica à hipotermia, esta inclui a vasoconstrição, a ocorrência de tremuras e a piloerecção

(que na espécie humana é um mecanismo com menor relevância) e é promovida pelas hormonas

tiroideias T3 e T4.

A hipotermia tem, actualmente, importância terapêutica, nomeadamente ao nível da neuroprotecção.

De facto, aquando de uma paragem cardio-respiratória, o fluxo sanguíneo é nulo, o que causa lesões

em vários órgãos, inclusive o cérebro. Dessa forma, a indução de hipotermia moderada em indivíduos

que sofreram uma paragem respiratória permite a diminuição das sequelas neurológicas decorrentes da

paragem, enquanto o fluxo sanguíneo não é restabelecido.

Aplicações práticas no vestuário

A roupa reduz as perdas de calor, aquando da exposição ao calor, pois actua reduzindo a área da

superfície a partir da qual ocorrem perdas directas de calor, desde a pele para o ambiente, por via da

convecção e radiação. Assim, a adição de camadas de roupa aumenta a resistência à transferência de

calor. Contudo, aquando a exposição ao calor a quantidade de roupa deve ser minimizada, na medida

em que a principal forma de perda de calor é por via da evaporação (algo que também depende da área

corporal). Uma estratégia passível de ser adoptada inclui humedecer a roupa, uma vez que a água é

melhor condutora térmica que o ar. Por outro lado, esta estratégia também permite aumentar a taxa de

evaporação a partir da roupa, aumentando o gradiente térmico entre a pele e a roupa, o que facilita as

perdas de calor.

Febre

A febre  é uma elevação regulada da temperatura corporal interna, sendo despoletada por efeitos

associados a uma infecção ou a uma doença. A febre é provocada pela acção de citocinas em circulação,

as quais são designadas por pirogénios  (os pirogénios são polipeptídeos de baixo peso molecular

produzidos por células do sistema imunitário ou por organismos patogénicos). Apesar de colocar

pressão sobre os órgãos, de aumentar o risco de desidratação e de provocar desconforto, a febre é

importante e benéfica no combate a uma infecção, uma vez que a temperaturas mais elevadas:

1. 

A proliferação e a virulência dos micoroorganismos diminuem;

2. 

A proliferação e os efeitos citotóxicos dos linfócitos aumentam;

3. 

A capacidade fagocítica e bactericida dos granulócitos aumenta.

Tal como numa situação de hipertermia ou de exercício, a febre inicia-se quando a produção de calor

excede temporariamente a dissipação de calor. Todavia, a febre difere de outras hipertermias, no

sentido em que o hipotálamo redefine activamente um novo set point , cujo valor é superior ao normal

(ou seja, o valor basal passa a ser maior que o normal, analogamente ao que aconteceria se a nota

mínima para passar subisse de 10 para 12).

Assim, enquanto durante a génese de hipertermia associada ao exercício físico, a taxa de produção de

calor aumenta a um nível superior ao da taxa de dissipação, causando ganhos de calor, mas mantendo o

set point térmico inalterado; durante a génese da febre, o set point térmico aumenta repentinamente

para um valor superior ao normal, de tal modo que o centro integrador passa a interpretar valores de

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temperatura corporal normal como

sendo inferiores ao novo valor de set

 point (continuando com o exemplo

anterior, alunos com notas de 10 e 11

seriam interpretados como estando

chumbados). Assim, a génese da febreé acompanhada pela diminuição de

perdas de calor e/ou pelo aumento da

produção de calor, até a temperatura

corporal interna atingir o novo set

 point definido pelo centro integrador.

Neste novo estado, a temperatura

corporal interna mantém-se elevada

até se verificar o desaparecimento dos

sinais responsáveis pela febre (ou seja, dos pirogénios), e o regresso ao set point normal. 

Isto é passível de ser comprovado pela diferença do que é sentido ao nível das duas situações: Duranteo exercício, os indivíduos sentem um aumento na sua temperatura interna, à medida que o corpo ganha

calor, e têm tendência a remover a roupa para promover o arrefecimento do corpo. Todavia, aquando

da génese da febre, o indivíduo sente o frio e tem tendência a vestir mais roupa e a aquecer o corpo.

Assim, se a febre despoletar quando o paciente se encontrar num ambiente quente, ocorrerá um

fenómeno de vasoconstrição. Pelo contrário, se o paciente se encontrar num ambiente frio (no qual os

seus vasos já se encontram em vasoconstrição), este evidenciará tremuras.

Analogamente, quando o set point regressa ao seu valor normal, e a temperatura do doente começa a

diminuir, o doente começa a sentir calor, ocorrendo vasodilatação e sudorese (ou seja, a diminuição da

temperatura está também associada ao desconforto do indivíduo).

Tratamento da febre

O tratamento da febre pode envolver a administração de antibióticos, que destroem os

microorganismos que produzem os pirogénios exógenos. Por outro lado, também podem ser

administrados corticóides, que inibem a produção de pirogénios endógenos. Por fim, o paracetamol e

os AINEs inibem a produção de prostaglandinas, ao nível do hipotálamo.

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Ventilação pulmonar

O volume máximo passível de ser comportado por todas as vias aéreas ronda os 5 a 6 litros no adulto. A

quantidade de ar que entra e abandona os pulmões é designada por volume corrente (VC), sendo que,

durante uma respiração sem esforço, VC equivale a cerca de 500 mL. Já o produto entre o volume

corrente e a frequência respiratória corresponde à ventilação total, um parâmetro avaliado em litrospor minutos.

 

No metabolismo de um indivíduo com uma dieta tipicamente ocidental, verifica-se que o consumo de

oxigénio ultrapassa a produção de dióxido de carbono (c. 250 mL/minuto contra c. 200 mL/minuto,

respectivamente). Assim, o volume de ar que entra no corpo em cada ciclo respiratório é ligeiramente

superior (1%) ao volume de ar que sai (volume pulmonar expirado  – VE).

No final de uma inspiração sem esforço, o volume adicional de ar que um indivíduo consegue inalar com

esforço máximo é designado por volume de reserva inspiratória  (VRI), sendo que a sua magnitude

depende de vários factores, nomeadamente:

1. 

Volume pulmonar corrente  – Quanto maior o volume pulmonar após uma inspiração, menor o

VRI.

2.  Compliance pulmonar  – Um decréscimo da compliance (que avalia a facilidade de insuflar os

pulmões) está associada a um menor VRI.

3. 

Força muscular –  A presença de músculos respiratórios fracos, ou cuja inervação se encontre

comprometida, leva a um decréscimo do VRI.

4. 

Conforto  – A dor associada a uma lesão ou a uma doença limita a capacidade ou vontade de

realizar um esforço inspiratório máximo.

5. 

Flexibilidade do esqueleto   –  A rigidez articular, associada, por exemplo, a artrite e acifoscoliose, reduz o volume máximo para o qual um indivíduo consegue insuflar os pulmões.

6. 

Postura  – Verifica-se uma diminuição do VRI, quando um indivíduo se encontra em decúbito

lateral, na medida em que o diafragma passa apresentar maior dificuldade em movimentar o

conteúdo abdominal.

Paralelamente, após uma expiração sem esforço, o volume adicional de ar que um indivíduo ainda

consegue expirar com um esforço máximo é designado por volume de reserva expiratória (VRE). O VRE

depende dos mesmos factores enunciados anteriormente, bem como da força dos músculos abdominais

(entre outros), que é necessária para produzir um esforço expiratório máximo. Contudo, mesmo após

ser levado a cabo um esforço expiratório máximo, uma quantidade considerável de ar permanece nos

pulmões, sendo esta designada por volume residual (VR).

O espirómetro  é um instrumento de medição que apresenta apenas a capacidade de medir a

quantidade de ar que entra ou sai dos pulmões e, como tal, não tem utilidade para avaliar o VR. Existem,

contudo, outros métodos que possibilitam a medição do VR.

À primeira vista, a existência de VR nos pulmões parece algo desnecessário. Todavia, caso os pulmões

expulsassem todo o ar que neles está contido (ou seja, caso colapsassem), dar-se-iam consequências

nefastas, nomeadamente:

1.  Após o colapso de uma via aérea torna-se necessária uma pressão descaradamente superior,

para re-insuflar essa via.

2. 

O fluxo sanguíneo para os pulmões e para outras partes do corpo é contínuo, mesmo que a

ventilação seja episódica. Assim, mesmo após um esforço expiratório máximo, o VR permite

. Fisiologia respiratória

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que se registe uma troca contínua de gases por entre o sangue venoso-misto e o ar alveolar.

Assim, se o VR fosse extremamente baixo, a composição do sangue que abandona os pulmões

sofreria amplas oscilações entre uma elevada PO2 (no pico da inspiração) e uma baixa PCO2 (no

auge da expiração).

Os quatro volumes descritos (VC, VRI, VRE, e VR) não se sobrepõem e, como tal, a partir das várias

combinações matemáticas destes quatro volumes primários, é possível descrever as quatro capacidades

pulmonares:

1. 

Capacidade pulmonar total (CPT) – Corresponde à soma de todos os quatro volumes

2. 

Capacidade residual funcional  (CRF)  –  Corresponde à soma do VRE e do VR, ou seja, à

quantidade de ar que permanece no sistema respiratório após uma expiração sem esforço.

3. 

Capacidade inspiratória  (CI)  –  Corresponde à soma de VRI e VC. Após uma expiração sem

esforço, a CI corresponde à quantidade máxima de ar que um indivíduo ainda consegue

inspirar.

4. 

Capacidade vital (CV) – Corresponde à soma de VRI, VC, e VRE. Isto é, CV equivale ao máximo

volume corrente passível de ser atingido, e depende dos factores já descritos para o VRE e VRI.Em pacientes com doença pulmonar, torna-se importante monitorizar a CV de forma a

monitorizar o progresso da doença.

Outro parâmetro a ter em causa é o volume de expiração forçada num segundo  (VEF1), que

corresponde à quantidade de ar rapidamente expirada, após ter sido realizado um esforço inspiratório

máximo. O VEF1 depende de todos os factores que afectam a CV, bem como da resistência das vias

aéreas. Deste modo, o VEF1 torna-se uma importante medida de monitorização de uma série de doenças

pulmonares, bem como da eficácia de um tratamento.

Propriedades estáticas do pulmão

As propriedades mecânicas que se verificam, na ausência de fluxo de ar, designam-se por propriedades

estáticas. Já as propriedades dinâmicas  dizem respeito a alterações do volume pulmonar, em

consequência das quais se regista um fluxo de ar.

A interacção entre os pulmões e a parede torácica determina o volume pulmonar. Os pulmões

apresentam tendência a colapsar, devido a uma propriedade estática designada por elastic recoil .

Contudo, a parede torácica também apresenta um elastic recoil , mas que actua num sentido de puxar a

cavidade torácica externamente. Assim, num estado de equilíbrio, o elastic recoil dos pulmões (que

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tende a “puxar os pulmões internamente”) compensa, de modo rigoroso, o elastic recoil   da parede

torácica.

Esta interacção entre os pulmões e a parede torácica não ocorre por ligação directa, mas por via do

espaço intra-pleural, sito entre as pleuras parietal e visceral. Este espaço é extremamente fino eencontra-se preenchido por uma pequena quantidade de fluido pleural. Uma vez que os pulmões e a

parede torácica se movimentam em sentidos opostos do espaço intra-pleural, a pressão intra-pleural 

(PIP) tende a ser menor que a pressão atmosférica, o que significa que o espaço intra-pleural cria um

vácuo relativo. Apesar de a designação “pressão intra-pleural” fazer crer que o conceito apenas se aplica

ao espaço intra-pleural, o que se verifica é que este é um pouco mais abrangente, de tal modo que P IP é

similar em várias outras regiões da cavidade torácica, nomeadamente:

1.  O espaço virtual por entre a parede torácica/diafragma e a pleura parietal

2. 

O espaço virtual por entre o pulmão e a pleura visceral

3. 

O espaço intersticial que rodeia todas as vias aéreas pulmonares

4. 

O espaço em torno do coração e vasos5.

 

O espaço em torno do esófago

Assim, PIP pode ser entendida como correspondendo à pressão intra-torácica, ou seja, à pressão

registada em todos os locais do tórax, com excepção do lúmen de vasos sanguíneos, linfáticos ou de vias

aéreas.

Este vácuo relativo não é uniforme ao longo do espaço

intra-pleural. Quando o indivíduo se encontra de pé, o

vácuo atinge o seu máximo (ou seja, P IP atinge o seu

mínimo) próximo do ápice dos pulmões, decrescendo

progressivamente à medida que nos deslocamos maisinferiormente nos pulmões, até atingir o seu valor

mínimo perto das bases dos pulmões. Os factores que

explicam este gradiente prendem-se com a gravidade e

com a postura -quando um indivíduo se encontra de pé,

a gravidade puxa os pulmões inferiormente e num

sentido oposto ao do ápice da cavidade torácica  –  esta

força cria um vácuo maior (ou seja, uma menor PIP) ao

nível do ápice. Por outro lado, a gravidade também

empurra as bases dos pulmões para a cavidade torácica, reduzindo assim o vácuo aí registado.

Obviamente, que a alteração de posições altera estes gradientes  – fazer o pino inverte o gradiente de

PIP, e o decúbito lateral cria um gradiente que é registado, não verticalmente, mas num eixo

esquerdo/direito.

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Qualquer alteração no equilíbrio entre esses elastic recoils acarreta uma alteração do volume pulmonar.

A título de exemplo, um indivíduo que desenvolva fibrose pulmonar  regista um aumento do elastic

recoil dos seus pulmões, o que leva a um decréscimo da sua capacidade residual funcional (uma vez que

uma pressão intra-pleural normal já não seria adequada para manter um mesmo volume pulmonar em

repouso). Por outro lado, nestes indivíduos, à medida que os pulmões encolhem, a pressão intra-pleural

torna-se mais negativa, o que levaria a que o volume da cavidade torácica também diminua.

Músculos da inspiração

Sob circunstâncias normais, o elastic recoil mais importante é aquele que é passível de ser controlado

por cada indivíduo, ou seja, o elastic recoil da parede torácica, que é alterado momentaneamente, por

via da modulação da tensão dos músculos da respiração.

Os músculos da inspiração  expandem a cavidade torácica, aumentando o elastic recoil   da parede

torácica e tornando a pressão intra-pleural mais negativa. Embora quando não se verifique a passagem

de ar, se registe um gradiente de P IP (entre o ápice e a base dos pulmões), o intervalo de pressões intra-

torácicas durante a inspiração é similar ao longo da parede torácica. Assim, em resposta ao maior vácuo

intra-torácico gerado na inspiração, os pulmões expandem passivamente, de tal modo que o aumento

do volume pulmonar é praticamente igual ao aumento do volume torácico. Os músculos que produzem

uma inspiração designam-se por músculos primários da inspiração  e incluem o diafragma e vários

músculos intercostais.

A contribuição mais importante para o aumento do volume torácico ocorre por via do aumento do

diâmetro rostro-caudal da cavidade torácica, algo que resulta da acção do diafragma. Assim, quando

estimulado pelos nervos frénicos, o diafragma contrai e desloca-se inferiormente para o abdómen.

Já os músculos intercostais internos e externos são inervados por nervos espinhais segmentares, sendo

que os neurónios “inspiratórios” estimulam preferencialmente os músculos intercostais externos dorsais

e mais rostrais, assim como os intercostais internos para-esternais. A contracção desses músculos leva a

que a cavidade torácica e os tecidos entre as costelas se tornem mais rígidos, o que permite que estes

consigam lidar com uma pressão intra-pleural cada vez mais negativa. Por outro lado, ao contraírem-se,

estes músculos permitem que as costelas se desloquem superiormente e externamente, algo que está

associado a um aumento do diâmetro transverso da cavidade torácica (efeito “asa de balde”). Por fim, a

contracção destes músculos permite que as costelas que se encontram mais superiormente desloquem

o esterno superiormente e externamente, o que permite aumentar o diâmetro antero-posterior (efeito

de “bomba de poço”). De referir que, o aumento dos diâmetros transverso e antero-posterior permite

aumentar o volume torácico.

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Para além destes músculos é importante referir que, durante uma inspiração forçada, verifica-se ainda a

acção de músculos acessórios da inspiração (ou secundários):

1.  Escalenos  – Estes músculos elevam as primeiras duas costelas.

2.  Esternocleidomastoideu  –  Este músculo eleva o esterno superiormente, contribuindo para o

efeito “bomba de poço”. 

3.  Músculos do pescoço e das costas  – Elevam a grade peitoral (aumentando a área transversa do

tórax) e estendem as costas (aumentando o comprimento rostro-caudal).

4.  Músculos superiores do tracto respiratório  – Diminuem a resistência à passagem de ar.

Músculos da expiração

Durante uma inspiração sem esforço, os pulmões, no seu elastic recoil , armazenam uma quantidade de

energia suficiente para despoletar um processo de expiração sem esforço (isto é análogo ao que

acontece quando se estica um elástico, que depois de ser largado volta à sua posição inicial). Deste

modo, uma expiração sem esforço é normalmente passiva, sendo conseguida, unicamente, através do

relaxamento dos músculos da inspiração (não existindo, como tal, músculos primários da expiração).

Todavia, a expiração nem

sempre é totalmente passiva,

como passível de ser constatado

em situações de expiração

forçada (mesmo com normal

resistência à passagem aérea).

Por outro lado, indivíduos que

apresentam maior resistência à

passagem de ar (por exemplo,

indivíduos que apresentemasma, bronquite crónica ou

enfisema) não têm capacidade

de fazer uma expiração

totalmente passiva (mesmo

numa expiração em repouso). Em qualquer um dos casos, os músculos acessórios da expiração tornam

a pressão intra-pleural mais positiva, ajudando no processo expiratório:

1. 

Músculos abdominais  –  A contracção destes músculos aumenta a pressão intra-abdominal e

leva a que o diafragma se desloque superiormente, até à cavidade torácica. Isto permite

diminuir o diâmetro rostro-caudal do tórax e, consequentemente, aumentar a P IP.

2. 

Músculos intercostais – Os músculos intercostais externos mais ventro-caudais, os intercostaisinternos mais caudais, e os transversos do tórax são estimulados por neurónios expiratórios. A

sua contracção permite, então, a redução do diâmetro transverso do tórax.

3. 

Músculos das costas e do pescoço  – O abaixamento da grade peitoral reduz a área transversa

do tórax, enquanto a flexão do tronco reduz o diâmetro rostro-caudal.

Aquando de uma inspiração forçada, os músculos acessórios da inspiração utilizam a sua energia,

sobretudo, para aumentar o volume pulmonar (mais até que para vencer a resistência à passagem

aérea), sendo que os pulmões armazenam essa energia extra no seu elastic recoil . Já durante uma

expiração forçada, os músculos acessórios da expiração usam a sua energia, sobretudo, para aumentar a

resistência à passagem aérea.

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Insuflação e desinsuflação pulmonar

O pneumotórax  é uma condição caracterizada pela entrada de ar (proveniente directamente da

atmosfera) para a cavidade torácica (devido a uma lesão na cavidade torácica). Esta condição está

associada a um aumento da P IP,  que se passa a igualar à pressão atmosférica. Uma vez que no

pneumotórax não se regista a presença de vácuo para conter o elastic recoil dos alvéolos, estes acabampor colapsar (atelectasia). Todavia, mesmo aquando do colapso pulmonar, o volume pulmonar não é

nulo, na medida em que as vias respiratórias mais proximais colapsam antes das vias mais distais, o que

permite aprisionar algum ar ao nível dos pulmões. Esse ar que fica lá aprisionado é designado por

volume de ar mínimo, correspondendo a cerca de 10% da capacidade pulmonar total.

Imaginando que iríamos re-expandir pulmões colapsados até ao seu volume original, passaríamos a

encontrar três forças a actuar durante o processo de expansão, e manutenção da via aérea expandida:

1. 

Pressão transmural (PTM) – Força responsável pela distensão de uma via aérea, sendo passível

de ser definida como sendo a pressão radial ao longo da parede de uma via aérea, em qualquer

ponto da árvore traqueo-brônquica. Assim, a pressão transmural é calculada através da

diferença entre a pressão no lúmen da via respiratória e a pressão intra-pleural.

2.  Pressão transpulmonar  (PTP)  –  Caso particular de pressão transmural, aplicado à parede

alveolar. A PTP é passível de ser calculada através da diferença entre a pressão alveolar e a

pressão intra-pleural. De referir que, quando a glote se encontra aberta e não se verifica fluxo

de ar, os pulmões encontram-se sob condições estáticas e a pressão alveolar é nula.

Desta forma, com a glote aberta e em

condições estáticas, a pressão que insufla os

alvéolos (i.e.: PTP) corresponde a -PIP. Os

pulmões podem ser re-expandidos através de

qualquer combinação de aumentos da pressãoalveolar e decréscimos da pressão intra-

pleural, desde que PTP termine no seu valor

normal (5 cm de água). Desta forma, não

importa se aumentamos a pressão alveolar de

0 para 5 cm de água com a PIP fixa a zero, ou se

diminuímos a PIP de 0 para -5 cm de água, com

a pressão alveolar fixa a zero (tal como ocorre

na ventilação fisiológica) – em ambos os casos,

o volume pulmonar aumenta uma mesma

quantidade.

Por entre os ciclos inspiratórios, os pulmões

encontram-se sob condições estáticas, sendo

que o volume pulmonar apenas depende da

PTP, ou seja, da diferença entre a pressão

alveolar e a PIP. À medida que o ar é removido

do tórax, a PIP torna-se mais negativa e os alvéolos voltam se a expandir.

As propriedades de elastic recoil são passíveis de ser representadas num gráfico volume pulmonar-PTP,

sendo que aquando da insuflação pulmonar medida sob condições estáticas, o efeito da insuflação no

volume pulmonar é passível de ser dividido em quatro etapas, assinaláveis no gráfico:

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1. 

Volume pulmonar estável  – Para valores muito reduzidos de P IP, tornar a PIP mais negativa leva

a um efeito reduzido ou nulo no volume pulmonar. Por exemplo, a diminuição da P IP de 0 para -

1 cm de água (ou seja, o aumento da P TP de 0 para +1 cm de água) não despoletaria qualquer

efeito no volume pulmonar, algo que ocorre na medida em que se revela muito difícil abrir uma

via área completamente colapsada, devido à elevada tensão de superfície criada pela interface

ar-água. Em suma, até a PTP ser suficientemente grande para superar os efeitos colapsantes datensão de superfície, um decréscimo na P IP (o que corresponde a um aumento da PTP) não

produz efeitos no volume pulmonar.

2. 

Abertura das vias  –  O decréscimo da PIP  para além dos -8 cm de água leva a aumentos no

volume pulmonar que são inicialmente pequenos, traduzindo a abertura das vias aéreas

proximais com maior compliance. Decréscimos ulteriores da PIP levam a aumentos mais

marcados do volume pulmonar, algo que traduz a expansão das vias aéreas já abertas, bem

como o recrutamento de outras.

3.  Expansão linear das vias aéreas abertas  –  Após já todas as vias aéreas terem sido abertas,

tornar a PIP ainda mais negativa leva a uma insuflação adicional de todas as vias aéreas, o que

leva a que o volume pulmonar aumente, de grosso modo, linearmente.

4. 

Limite da insuflação aérea  –  À medida que o volume pulmonar se aproxima da capacidade

total pulmonar, decréscimos na PIP levam a aumentos cada vez menores do volume pulmonar,

algo que se deve a uma menor compliance das vias aéreas e da parede da cavidade torácica,

bem como aos limites da força muscular.

Imaginemos agora que os pulmões se encontram insuflados até à capacidade total pulmonar e que os

iríamos desinsuflar, levando a um aumento da P IP até aos 0 centímetros de água. Obviamente que nessa

situação registar-se-ia um decréscimo do volume pulmonar. Todavia, a curva descrita pelos pulmões

aquando da desinsuflação, é diferente comparativamente à insuflação. A diferença entre a insuflação e

a desinsuflação (histerese) verifica-se, devido ao facto de ser necessária uma maior P TP para abrir uma

via aérea previamente fechada, do que para a manter aberta.

Um parâmetro de importante medição é a

compliance estática, uma propriedade sobretudo

dos alvéolos que é passível de ser calculada

através da razão entre o intervalo de volumes

pulmonares e o intervalo de PTP. A elastância, por

seu turno, corresponde ao inverso da compliance,

permitindo avaliar o elastic recoil . Assim, pulmões

com uma elevada compliance apresentam um

baixo elastic recoil  e vice-versa. Por outro lado, a

compliance diminui à medida que o volume

pulmonar aumenta.

A curva PTP-volume pulmonar é um conjunto das

relações pressão-volume de todos os alvéolos.

Contudo, diferentes alvéolos apresentam

diferentes curvas PTP-volume pulmonar, podendo

até sentir diferentes pressões intra-pleurais

(dependendo da sua posição no campo gravitacional). Isto leva a que se verifiquem diferenças regionais

ao nível da ventilação.

Indivíduos com fibrose pulmonar apresentam um pulmão rígido e cuja insuflação é difícil. Assim estes

pacientes apresentam uma baixa compliance estática, para um mesmo volume pulmonar. Assim, uma

variação da PTP que produza um aumento (normal) no volume pulmonar produz um aumento de volume

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pulmonar substancialmente mais pequeno ao

nível de doentes fibróticos (o que traduz uma

situação de elevado elastic recoil ).

Já pacientes com enfisema  (uma

consequência comum do tabagismo, onde

ocorre destruição da matriz extracelular)

apresentam uma situação inversa  –  um

aumento na PTP  que produza um aumento

(normal) no volume pulmonar, leva à génese

de um aumento muito maior do volume

pulmonar de pulmões com enfisema. Por

outras palavras, nestes pacientes a

compliance estática é muito maior e o  elastic

recoil é muito menor. Apesar de os pacientes com enfisema desenvolverem menos esforço para insuflar

os seus pulmões, as suas vias aéreas são mais susceptíveis a colapsar aquando da expiração (devido ao

facto da arquitectura pulmonar se encontrar destruída).

Tensão de superfície

A elasticidade das células pulmonares e da matriz extracelular apresenta uma importância menor entre

os factores que determinam o elastic recoil (que, por sua vez, determina a compliance estática dos

pulmões). De facto, o elastic recoil é, sobretudo, determinado pela tensão de superfície registada.

A tensão de superfície é uma medida da força que

actua para puxar um conjunto de moléculas da

superfície de um líquido, numa interface ar-líquido.

Nas profundezas da fase líquida, as moléculas deágua são atraídas de igual forma para as moléculas

de água que as rodeiam, em todas as direcções, de

tal modo que a força total que actua nessas

moléculas de água “profundas” é nula. Contudo,

com as moléculas de água que se encontram à

superfície isso não se regista na totalidade, na

medida em que na direcção do ar, não se

encontram moléculas de água disponíveis para

atrair as moléculas de água da superfície. Dessa forma, a força total puxa as moléculas de água da

superfície para longe da interface ar-água, em direcção às regiões mais profundas da fase aquosa.

A força que puxa uma molécula de água em direcção às “profundezas” cria uma tensão por entre as

moléculas de água que permanecem à superfície, sendo essa tensão paralela à superfície. Um aumento

da área faz com que a tensão de superfície tenha obrigatoriamente de ser superior para que as

moléculas de água se conservem à superfície. Isto explica porque é que uma gota de água a cair tende a

formar uma esfera  –  esta forma apresenta a menor área de superfície e, como tal, a menor energia

(sendo impossível que quaisquer moléculas de água adicionais abandonem a superfície).

Considerando a situação oposta (uma bolha de ar esférica rodeada por água), as forças desequilibradas

que actuam nas moléculas de água da superfície levam a que estas sejam conduzidas para longe do ar, o

que permite diminuir a área de superfície e criar tensão no plano da interface ar-água. Este tensão de

superfície tende a diminuir o volume de gás compressível dentro da bolha de ar, aumentando a suapressão. Todavia, num estado de equilíbrio, a tendência induzida pelo aumento de pressão para

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expandir a bolha de ar encontra-se equilibrada com a tendência da

tensão de superfície para colapsar a bolha de ar. De referir que,

quanto menor o raio da bolha, maior a pressão necessária para

manter a bolha insuflada.

O exemplo de uma bolha de ar em água é importante para os

pulmões, na medida em que uma fina camada de água cobre a

superfície interna do alvéolo (que estará preenchido com ar). Assim

como a tensão de superfície da interface ar-água da bolha de ar leva a

uma constrição da bolha, essa tensão também leva a uma constrição dos alvéolos e de outras vias

aéreas, o que contribui, em grande parte, para o elastic recoil .

Contudo, é necessário fazer uma aproximação cuidadosa a esta analogia, por três motivos:

1. 

Os alvéolos não apresentam uma forma totalmente esférica (aproximam-se apenas de uma

forma parcialmente esférica)

2. 

Nem todos os alvéolos apresentam o mesmo tamanho

3. 

Os alvéolos encontram-se interconectados

O facto de nem todos

os alvéolos

apresentarem o mesmo

tamanho e de se

encontrarem

interconectados faz

com que, teoricamente,

os alvéolos mais

pequenos tenham

tendência a implodir  – 

teoricamente, como os

alvéolos menores

necessitam de pressões maiores para se manterem insuflados, comparativamente aos alvéolos maiores,

o ar tenderia a fluir dos alvéolos menores para os alvéolos maiores (o ar flui das altas para as baixas

pressões). Ora, isso faria com que os alvéolos menores se tornassem ainda menores, o que promoveria

uma saída ainda maior de ar a partir destes (até à ocorrência de implosão). Todavia, na prática isto não

acontece, devido à presença de surfactante, que minimiza esta tendência de colapso, ao promover a

diminuição da tensão de superfície. De referir que é importante que vários alvéolos pequenos não

colapsem numa quantidade menor de alvéolos maiores, na medida em que um colapso dessa natureza

reduziria a área de superfície alveolar totaldisponível para a difusão de gases.

Surfactante

Como referido anteriormente, a maior

parte do elastic recoil é gerado por via da

tensão de superfície. Todavia, caso não

existisse surfactante, o elastic recoil seria

ainda maior, e os pulmões seriam mais

dificilmente insufláveis. Os surfactantes

apresentam uma região hidrofílica e umaregião hidrofóbica, motivo pelo qual estes

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localizam-se na superfície de uma interface ar-água. As cabeças hidrofílicas dos surfactantes puxam, de

forma vincada, as moléculas de água mais superficiais na direcção do ar, reduzindo amplamente a

tensão de superfície e minimizando a tendência de estas moléculas se deslocarem para as

“profundezas” da água. Assim, quanto maior a densidade da superfície das moléculas de surfactante na

interface ar-água (ou seja, quanto menor a superfície ocupada pelas moléculas de água), menor a

tensão de superfície.

O surfactante pulmonar é uma mistura complexa de lipídeos (cerca de 90%) e proteínas, sendo

sintetizado pelas células alveolares do tipo II e, em parte, pelas células de Clara. De referir que os

lipídeos são responsáveis pelas propriedades activas do surfactante, sendo que o lipídeo predominante

no surfactante é a dipalmitoilfosfatidilcolina. Já as proteínas do surfactante promovem a protecção

contra bactérias e vírus e exercem mecanismos de controlo da secreção de surfactante.

O surfactante pulmonar presente na interface ar alveolar-água apresenta três efeitos principais:

1.  Ao reduzir a tensão de superfície, o surfactante leva a um aumento da compliance, o que

facilita a insuflação respiratória. Em síndromes congénitos de ausência de surfactante, o elastic

recoil aumenta (por decréscimo da compliance) e, consequentemente, algumas vias aéreas

pequenas colapsam parcialmente. Assim, recém-nascidos com esta condição têm que produzir

maiores alterações na PTP (ou PIP), de forma a conseguir o mesmo aumento do volume

pulmonar (e, como tal, esses recém-nascidos empreendem um esforço enorme na contracção

dos seus músculos da inspiração).

2. 

Ao reduzir a tensão de superfície, o surfactante minimiza a acumulação de fluido ao nível do

alvéolo. Na ausência de surfactante, a grande tensão de superfície da camada líquida por entre

o ar e as células alveolares do tipo I levaria a um colapso da “bolha de ar”, o que levava a que o

fluido entrasse no espaço alveolar, a partir do interstício. Consequentemente, a camada líquida

ficaria mais espessa, o que impediria a difusão de gases. Assim, níveis normais de surfactante

levam a que a tendência para que o fluido intersticial se extravase para o espaço alveolar sejacontrabalançada pela pressão hidrostática intersticial negativa (PIP), que favorece o movimento

de fluidos desde o espaço alveolar até ao interstício.

3. 

O surfactante ajuda o manter o tamanho

alveolar relativamente uniforme durante o

ciclo respiratório. Caso isso não se

verificasse, ocorreriam desequilíbrios de

ventilação que impediriam uma difusão

gasosa eficiente. Assim, o surfactante

ajuda a manter as taxas de insuflação e

desinsuflação dinamicamente ajustadas, o

que permite tornar a ventilação mais

uniforme entre os alvéolos  –  os alvéolos

que insuflam mais rapidamente

desenvolvem mais rapidamente uma

maior tensão de superfície (porque o seu

tempo de expansão é inferior ao tempo de

mais surfactante chegar do seu  pool até à

superfície), comparativamente àqueles

que insuflam mais lentamente. Isto

permite que a expansão dos alvéolos que

insuflam mais rapidamente fiquelentificada, de modo a ser mantido um

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equilíbrio entre estes e os alvéolos que tendem a insuflar mais lentamente (isto é análogo ao

que ocorre com os professores que “nivelam por baixo” turmas muito desiguais).

O efeito oposto parece ocorrer ao nível da expiração  – quanto mais rapidamente encolher um

alvéolo, mais rapidamente a sua superfície de tensão diminui (porque o tempo de contracção

alveolar é inferior ao tempo do surfactante regressar ao seu  pool ). Isto leva a que o seu elastic

recoil seja menor e a que a sua tendência para re-expandir seja maior. Esta acção coloca umtravão nos alvéolos que têm tendência a contrair mais rapidamente, diminuindo a sua

contracção, de modo a que esta se possa aproximar à dos alvéolos que encolhem mais

lentamente.

Propriedades dinâmicas do pulmão

Quando se verifica a presença de fluxo de ar, isto é, em condições dinâmicas, torna-se necessário, não

só exercer a força necessária para manter o pulmão e a parede torácica num certo volume (componente

estática da força), mas também exercer uma força extra que permita superar a inércia e a resistência

dos tecidos e moléculas de ar (componente dinâmica da força).

Determinantes do fluxo aéreo

O fluxo de ar através das vias aéreas é governado pelos mesmos princípios que governam o fluxo do

sangue através dos vasos sanguíneos. Assim o fluxo de ar  (V) é proporcional à driving pressure  (ΔP),

mas inversamente proporcional à resistência à passagem aérea (RAW).

A driving pressure, no pulmão, corresponde à diferença entre a pressão alveolar (PA) e a pressão

atmosférica (PB). Desta forma, para uma resistência fixa, um maior fluxo aéreo requer uma maior driving

 pressure, isto é, um maior esforço. Por outras palavras, para obter um fluxo aéreo ideal, situações de

maior resistência requerem uma maior driving pressure.

Quando o fluxo aéreo é laminar (ou seja, quando as moléculas de ar se movem na mesma direcção),

pode se aplicar a lei de Poiseuille, segundo a qual a resistência é inversamente proporcional ao raio

elevado à quarta.

Isto significa que o fluxo aéreo é altamente sensível a alterações no raio das vias aéreas. Assim, um

decréscimo de 10% no raio, por exemplo, leva a um aumento de 52% na resistência, o que

corresponderia a um decréscimo de 34% no fluxo aéreo. Convém considerar que, apesar de a lei de

Poiseuille apenas se aplicar a condições de fluxo laminar, o fluxo do ar é ainda mais sensível a alterações

no raio em situações de fluxo não-laminar.

Em indivíduos normais, a RAW  apresenta valores entre os 0,6 e os 2,3 cm de água. Os valores de

resistência são, obviamente, maiores em pacientes com doença respiratória, podendo exceder os 10 cm

de água em casos extremos. Contudo, é importante referir que a RAW representa apenas 80% da

resistência pulmonar total. Os restantes 20% prendem-se com a resistência tecidular, ou seja, com a

fricção registada entre os tecidos pulmonar e torácico, quando estes deslizam um sobre o outro, à

medida que os pulmões expandem e contraem.

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Tipos de fluxo aéreo

O fluxo de um fluido é considerado laminar, quando as

partículas que se deslocam por um ponto particular

apresentam sempre a mesma velocidade e direcção.

Devido à sua viscosidade, os fluidos reais movem-se mais

rapidamente na região da linha média de um tubo,

enquanto a sua velocidade se aproxima de zero, à medida

que nos aproximamos da parede do tubo. Caso a

velocidade média de um fluido que se desloque num tubo

ultrapasse o seu valor crítico, o fluxo torna-se turbulento,

verificando-se a presença de correntes irregulares locais e

aleatórias (vórtices), que aumentam grandemente a

resistência ao fluxo.

As vias aéreas pulmonares são curtas, curvas, e bifurcadas,

de tal modo que o fluxo aéreo predominante na árvoretraqueo-brônquica é classificado como sendo de transição 

(nem laminar, nem turbulento). De facto, apenas se regista

fluxo laminar em pequenas regiões distais aos bronquíolos

terminais. Por outro lado, ao nível da traqueia, onde o raio

da via aérea é grande e as velocidades de passagem de ar

podem ser extremamente elevadas (tal como ocorre, por

exemplo, ao nível do exercício físico, ou quando tossimos), verifica-se um fluxo aéreo verdadeiramente

turbulento.

A distinção entre fluxo aéreo laminar, transicional, e turbulento é importante na medida em que esses

padrões influenciam a quantidade energia investida para produzir fluxo aéreo. Quando o fluxo aéreo élaminar, o fluxo é proporcional à driving pressure e requer relativamente pouca energia. Por outro lado,

quando o fluxo é transicional, terá que ocorrer uma driving pressure maior, para que seja produzido o

mesmo fluxo aéreo (visto que a produção de vórtices requer energia extra), o que aumenta a

“resistência efectiva”. Por fim, quando o fluxo é turbulento, o fluxo aéreo não é proporcional à driving

 pressure, mas sim à    , o que significa que a driving pressure registada ainda terá de

ser maior para ser atingido um mesmo fluxo (ou seja, a resistência efectiva ainda será maior).

Resistência à passagem aérea

A laringe, a faringe, e as vias aéreas de grandes dimensões constituem os locais onde a resistência à

passagem de ar é maior. Assim, aquando de uma resistência média normal à passagem de ar de 1,5 cmde água, 0,6 cm de água geram-se ao nível da laringe e faringe, 0,6 geram-se ao nível das grandes vias

aéreas e apenas 0,3 geram-se ao nível das pequenas vias aéreas.

Uma vez que a resistência aumenta com o inverso do raio da via aérea elevado à quarta, parece contra-

intuitivo que as pequenas vias aéreas apresentem a menor resistência agregada. Todavia, embora cada

via aérea pequena apresente uma elevada resistência individual, a presença de muitas vias aéreas

alinhadas em paralelo permite que a sua resistência agregada seja muito baixa (analogamente, num

túnel muito estreito, a passagem dos indivíduos encontra-se comprometida; todavia, se tivermos vários

desses túneis estreitos em paralelo, a passagem de indivíduos encontra-se facilitada). De referir que

este padrão de resistência é o mesmo no sistema vascular, onde os capilares contribuem menos que as

arteríolas para a resistência agregada.

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Indivíduos com doença pulmonar obstrutiva crónica apresentam maior resistência à passagem de ar.

Todavia, este aumento de resistência ocorre, sobretudo, ao nível das vias mais pequenas, podendo,

inclusive, equivaler ao decréscimo do raio dessas vias para metade. Um aumento da resistência à

passagem aérea leva a aumentos descarados na energia necessária para insuflar e desinsuflar os

pulmões, sendo que este efeito pode ser de tal modo severo que pode limitar amplamente o exercício.

Pressão intra-pleural e seus componentes

A pressão transpulmonar é definida como sendo a diferença entre a pressão alveolar e a pressão intra-

pleural (PTP = PA  – PIP), sendo que a pressão intra-pleural é um parâmetro controlado directamente pelo

sistema nervoso central, por via da acção dos músculos da respiração. A fórmula [P TP = PA  – PIP] pode ser

expressa em função da pressão intra-pleural, de tal modo que: [P IP = PA  – PTP]. Assim, PIP apresenta dois

componentes: PA e –PTP.

Pressão transpulmonar

A pressão transpulmonar é classificada como sendo um parâmetro estático, que não causa fluxo aéreo.

Em vez disso, a PTP, juntamente com a compliance estática, determina o volume pulmonar. Contudo, é

importante referir que a PTP não determina apenas o volume pulmonar em condições estáticas (quando

não se regista fluxo aéreo), mas também em condições dinâmicas (ou seja, durante a inspiração e a

expiração). Apesar disso, o sistema nervoso central não controla directamente a PTP.

Pressão alveolar

A pressão alveolar é um parâmetro dinâmico, que não determina o volume pulmonar directamente. Em

vez disso, a PA, juntamente com a resistência à passagem aérea, determina o fluxo aéreo. O declive da

curva de PA  necessária para superar a inércia e as forças dinâmicas que se opõem ao fluxo aéreo

permite-nos obter a condutância  da via aérea. A condutância é recíproca da resistência à passagem

aérea, sendo esta última, sobretudo, uma propriedade das vias condutoras, cuja diminuição pode levara doença obstrutiva crónica.

Quando a pressão alveolar é nula, o fluxo é nulo, não obstante o volume pulmonar ser residual, total, ou

intermédio. Por outro lado, caso a pressão alveolar seja positiva e a glote se encontre aberta, o ar flui

desde os alvéolos até à atmosfera, qualquer que seja o volume pulmonar. Por fim, caso a pressão

alveolar seja negativa, o ar flui na direcção oposta. Tal como ocorre com a pressão transpulmonar, a

pressão alveolar não é controlada directamente pelo sistema nervoso central.

Variação da pressão intra-pleural e seus componentes no ciclo respiratório

Aquando de um ciclo respiratório sem esforço, o corpo gera, inicialmente, valores negativos de PA.Contudo, posteriormente, a PA passa assumir valores positivos. Por outro lado, o volume pulmonar

aumenta mais ou menos exponencialmente durante a inspiração, caindo durante a expiração. À medida

que o volume pulmonar aumenta durante a inspiração, a PTP aumenta (ou seja, a -PTP  torna-se mais

negativa), registando-se o oposto durante a expiração.

Por outro lado, a PIP é a mesma que a  –PTP, quando os pulmões se encontram sob condições estáticas.

Durante a inspiração, a PIP torna-se rapidamente mais negativa que a - PTP, embora depois o seu valor

volte a coincidir com o da -PTP, no final da inspiração. Como já foi referido, a diferença entre a P IP e a -

PTP é a PA, que deverá ser negativa de forma a se produzido fluxo aéreo para os pulmões. Paralelamente,

durante a expiração a P IP é mais positiva que a PTP.

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Em suma, durante a inspiração, o

corpo investe alguma da sua

energia para tornar a pressão

alveolar mais negativa (componente

dinâmica), algo representado pela

variação da pressão intra-pleural.Como resultado, o ar flui para os

pulmões e o volume pulmonar

aumenta. Todavia, este

investimento é transitório – durante

a inspiração, o corpo investe uma

fracção cada vez maior da sua

energia para tornar a PTP mais

positiva (componente estática), o

que permite ao corpo manter o

novo e maior volume pulmonar. No

final da inspiração, o corpo investe

toda a sua energia (representada

pela variação da PIP) na manutenção do volume pulmonar, não sendo dispendida qualquer energia em

expansão ulterior.

Constante de tempo e compliance dinâmica

A constante de tempo é o intervalo de

tempo necessário para que a variação

de volume pulmonar se encontra cerca

de 63% completa. Em pulmões

saudáveis, a constante de tempo é de

cerca de 0,2 segundos. Isto permite que

nos 2,5 segundos nos quais decorre a

inspiração, os indivíduos disponham de

tempo de sobra para insuflar os

pulmões com uma quantidade normal

de ar. Caso a frequência respiratória

seja aumentada, o tempo de inspiração

torna-se diminuído. Todavia, a variação

de volume pulmonar mantém-se, de

grosso modo, inalterada, sendo queapenas quando a frequência

respiratória atinge valores

extremamente elevados é que o

intervalo de volume pulmonar começa

a diminuir.

Esta situação é totalmente diferente

daquela que se verifica para um

indivíduo com uma resistência à

passagem aérea substancialmente

aumentada. Caso a resistência àpassagem aérea aumentasse cinco

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vezes, a constante de tempo também aumentaria cinco vezes. Como resultado, o tempo necessário para

que a variação de volume pulmonar atingisse um valor normal seria substancialmente maior. Todavia,

uma vez que os indivíduos apenas dispõem de 2,5 segundos para a inspiração, a variação de volume

pulmonar seria menor (ou seja, o tempo é o factor limitante que impede que indivíduos com maior

resistência à passagem aérea façam variar o volume pulmonar como seria esperado).

Por outro lado, quando a frequência respiratória aumenta num indivíduo que apresente maior

resistência à passagem de ar, a variação de volume pulmonar diminui rapidamente, à medida que a

frequência aumenta.

A alteração do volume pulmonar durante a respiração cíclica é representada por via de um parâmetro,

designado por compliance dinâmica. Este parâmetro é proporcional à variação do volume pulmonar,

sendo que sob condições estáticas, o valor da compliance dinâmica é igual ao da compliance estática. O

grau de divergência entre estes dois parâmetros aumenta com o aumento de resistência. Num pulmão

normal, a variação do volume pulmonar e, consequentemente, a compliance dinâmica diminui apenas

cerca de 5% à medida que a frequência aumenta de 0 para 48 ciclos por minuto. Contudo, num pulmão

com uma resistência à passagem aérea aumentada em cinco vezes, a compliance dinâmica diminui maisde 50%, à medida que a frequência aumenta de 0 para 48 ciclos por minuto. Este padrão patológico é

típico da asma, onde a resistência à passagem aérea é elevada, mas a compliance estática é

relativamente normal. Já num paciente com enfisema, quer a resistência à passagem aérea, quer a

compliance estática encontram-se aumentadas.

Apesar disso, este modelo sobre-simplifica o que ocorre na realidade  –  algumas unidades alveolares

apresentam maiores constantes de tempo que outras (na medida em que cada via condutora apresenta

a sua própria resistência à passagem aérea e que cada unidade alveolar apresenta a sua própria

compliance estática). A doença nessas passagens aéreas pode levar a que algumas dessas constantes de

tempo se tornem substancialmente maiores. Com o aumento da frequência respiratória, os alvéolos

com constantes de tempo maiores terão menos tempo para sofrerem alterações de volume. Comoresultado, estas vias “lentas”, quando comparadas com as vias mais “rápidas”, contribuem

progressivamente menos para a ventilação total dos pulmões.

Pressão transmural

O ar que flui ao nível da própria via condutora é um factor que contribui para a modulação da

resistência à passagem de ar. O fluxo aéreo altera a diferença de pressões ao longo das paredes de uma

via (verificando-se, portanto, uma alteração na pressão transmural), sendo que esta mudança pode

levar a que a via aérea dilate ou colapse.

Pressão transmural sob condições estáticas

Na ausência de fluxo aéreo, as pressões dentro de todas as vias aéreas será nula - ao nível dos alvéolos,

a PTP apresenta um valor de 5 cm de água, a pressão alveolar apresenta um valor nulo, e a pressão intra-

pleural é de -5 cm de água. Assumindo que a pressão intra-pleural é uniforme ao longo da cavidade

torácica, esta actua em todas as vias condutoras ao longo da cavidade torácica. Ao longo dessas vias, a

pressão transmural em qualquer ponto corresponde à diferença entre a pressão dentro da via e a

pressão intra-pleural. Por outras palavras, uma pressão transmural de +5 cm de água actua em todas as

vias torácicas, promovendo a sua expansão, até ao nível que a sua compliance permite.

Pressão transmural na inspiração

Durante uma inspiração vigorosa, verifica-se um aumento na pressão transmural, algo que promove adilatação da via. Essa tendência para a dilatação aumenta à medida que as vias aumentam as suas

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dimensões, devido ao concomitante aumento da pressão transmural (à medida que o calibre das vias

respiratórias vai aumentando, vai aumentando a pressão dentro destas, o que leva a um aumento da

pressão transmural). De referir que os valores muito positivos de pressão transmural que se verificam

em vias aéreas maiores determinam apenas a tendência para dilatar e não o grau de dilatação. O grau

de dilatação (ou seja, o “quanto dilata uma via”) também depende da compliance da via – a quantidade

de cartilagem vai progressivamente aumentando, à medida que as vias respiratórias se tornam cada vezmais superiores. Esse aumento de cartilagem nas vias maiores diminui a sua compliance, o que leva a

que estas apresentem uma maior capacidade para resistir a alterações de calibre produzidas por

alterações na pressão transmural.

Pressão transmural na expiração

Como será esperado, as vias condutoras tendem a colapsar durante a expiração. Assim, durante uma

expiração vigorosa, a pressão transmural, que se opõe ao elastic recoil, cai abruptamente, passando de

um valor positivo a um valor negativo (que, de facto, tende a “espremer” a via aérea). À medida que

caminhamos desde os alvéolos até às vias aéreas maiores, a pressão dentro da via aérea começa a

diminuir gradualmente. Isto é, a pressão transmural gradualmente passa de uma força (cada vez maisfraca) que promove a insuflação (quando apresenta valores positivos), para uma força (cada vez mais

forte) que promove a compressão das vias (quando passa a apresentar valores negativos). Felizmente,

como as vias de maiores dimensões apresentam uma maior tendência para colapsarem, estas

apresentam mais cartilagem, que actua aumentando a resistência à tendência natural de colapso que se

desenvolve durante a expiração.

O problema da compressão das vias aéreas durante a expiração encontra-se exagerado em pacientes

com enfisema, uma condição em que as paredes alveolares quebram. Este processo leva a que os

espaços aéreos existentes sejam de maiores dimensões, mas se encontrem em menor número. Assim,

embora os alvéolos afectados apresentem uma maior compliance, estes exercem menor controlo

mecânico nas vias condutoras que rodeiam. Desta forma, os pacientes com enfisema apresentam maiordificuldade na expiração, uma vez que as vias condutoras apresentam menor capacidade de resistirem à

tendência para colapsarem.

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Fluxo dependente do esforço e independente do esforço

A um volume pulmonar muito

elevado, o fluxo aéreo torna-se

aumentado, à medida que

aumentamos progressivamente oesforço. Uma vez que o aumento do

esforço corresponde a valores

progressivamente maiores da

pressão alveolar, o fluxo aéreo

aumenta continuamente com a

pressão alveolar e,

consequentemente, o fluxo pode

ser designado por dependente do

esforço, para este volume

pulmonar muito elevado.

Para um volume menor, o fluxo

expiratório é constante, não

importando a magnitude do esforço

expiratório. Isto ocorre devido ao

facto de o fluxo expiratório não

poder exceder um certo valor.

Assim para volumes pulmonares

baixos, o fluxo torna-se

independente do esforço.

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Ventilação

Para além da difusão, existem dois outros parâmetros extremamente importantes, a ventilação e a

perfusão, sendo que ambas requerem energia. A sua importância reside no facto de definirem os

gradientes de pressão parcial que permitem a difusão de oxigénio e dióxido de carbono. A ventilação é

o movimento convectivo do ar envolvido na troca dos gases entre a atmosfera e os alvéolos. Já aperfusão é o movimento convectivo do sangue, através do qual os gases são dissolvidos de e para os

pulmões.

A ventilação total (VT) é o volume de ar transportado para fora dos pulmões por unidade de tempo:

Na fórmula, V corresponde ao volume de ar existente nos pulmões durante um conjunto de ciclos

respiratórios. Paralelamente, o VT pode ser entendido como o produto do volume pulmonar corrente

(TV) pela frequência respiratória (f). Assim, para um indivíduo com um volume corrente de 0,5 L, e a

respirar a 12 ciclos por minuto:

Uma vez que a ventilação total se exprime normalmente em litros por minuto, esta é por vezes

designada por ventilação por minuto.

Antes de uma inspiração, as vias de condução aérea encontram-se preenchidas por ar “antigo”, que

apresenta a mesma composição do ar alveolar. Durante uma inspiração, cerca de 500 mL de ar

atmosférico “fresco” (com elevada PO2 e baixa PCO2) entram no corpo. Todavia, apenas os primeiros 350mL chegam aos alvéolos, sendo que os restantes 150 mL mantêm-se nas vias aéreas condutoras (nariz,

faringe, laringe, traqueia e outras vias aéreas sem alvéolos), ou seja no espaço morto anatomicamente.

Estes números são típicos para um indivíduo normal de 70 kg, sendo que esses volumes são, de grosso

modo, proporcionais ao tamanho do corpo. Apesar disso, durante uma inspiração, cerca de 500 mL de

ar entram nos alvéolos – 350 mL dizem respeito àquele ar atmosférico “fresco” já referido, enquanto os

restantes 150 mL de ar provêm daquele ar “antigo” que tinha previamente ficado nas vias de condução

aéreas. No final da inspiração, os 500 mL de ar que entraram nos alvéolos já se misturaram, por difusão,

com o ar alveolar pré-existente.

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Aquando de uma expiração, os primeiros 150 mL de ar que emergem do corpo correspondem ao “ar

fresco” que tinha sido deixado nas vias aéreas condutoras, aquando da inspiração anterior. À medida

que a expiração continua, 350 mL de ar alveolar “velho” movimentam-se subsequentemente para as

vias aéreas condutoras, para depois abandonarem o corpo. Deste modo, são expirados um total de 500

mL de ar, sendo que os primeiros 350 mL de ar que abandonam os alvéolos correspondem aos mesmos

350 mL que abandonam o corpo. Os últimos 150 mL de “ar velho” que saem dos alvéolos ficamaprisionados nas vias aéreas condutoras, à medida que nos preparamos para próxima inspiração.

Assim, a partir de cada inspiração de 500 mL, apenas os 350 mL iniciais d e ar “fresco” chegam aos

alvéolos. Já em cada expiração de 500 mL, apenas os últimos 350 mL de ar que abandonam o corpo

provêm dos alvéolos. Uma quantidade de 150 mL de ar “fresco” desloca -se para um lado e para o outro,

por entre a atmosfera e as vias condutoras. Por outro lado, outros 150 mL de ar “velho” deslocam-se

para um lado e para o outro, por entre as vias de passagem aérea e os alvéolos. A ventilação de espaço

morto (VD) corresponde, então, ao volume do ar “velho” inútil, por minuto. Já a ventilação alveolar (VA)

corresponde ao volume de ar “fresco” que, de facto, chega aos alvéolos por minuto (ou ao volume de ar

“velho” que chega à atmosfera por minuto). Deste modo, a ventilação total corresponde à soma da

ventilação do espaço morto (que é inútil) com a ventilação alveolar, útil:

As equações de cima recorrem aos valores que têm sido usados neste texto. Pode-se constar que, neste

exemplo, a ventilação de espaço morto corresponde a 30% da ventilação total.

Ao longo do ciclo respiratório, o sangue que flui através dos capilares pulmonares capta oxigénio a partir

do ar alveolar e enriquece o ar alveolar com dióxido de carbono. Imediatamente antes de uma

inspiração, a PO2 alveolar já diminuiu para o seu valor mais baixo, enquanto a P CO2 alveolar já atingiu o

seu valor máximo. Aquando da inspiração, uma nova quantidade de ar fresco inspirado mistura-se com

o ar alveolar pré-existente, o que leva a um aumento da PO2  alveolar, e a uma diminuição da PCO2 

alveolar. Durante a expiração e até à inspiração seguinte, a P O2 alveolar e a PCO2 alveolar deslocam-se

gradualmente para os valores registados no início do ciclo respiratório. Assumindo que a capacidade

residual funcional (FRC) é de 3L e que em cada respiração são adicionados 350 mL de ar fresco, sabemos

que, durante o ciclo respiratório, a PO2  alveolar oscila com uma amplitude de cerca de 5 mm Hg,

enquanto a PCO2

 alveolar oscila com uma amplitude de cerca de 4 mm Hg.

Espaço morto anatomicamente e espaço morto fisiologicamente

A avaliação da [CO2] expirada poderá ser útil para calcular a quantidade de espaço fisiologicamente

morto. De acordo com o princípio de Bohr, a quantidade de dióxido de carbono presente no volume de

ar expirado misto  (VE) corresponde à soma do dióxido de carbono do volume de ar proveniente do

espaço morto (VD) com o dióxido de carbono proveniente dos alvéolos (VE – VD). Analisando cada um dos

seus determinantes temos que:

1.  A quantidade de dióxido de carbono proveniente do espaço morto corresponde ao produto do

VD  com a [CO2] no espaço morto fisiologicamente. Este valor deverá ser nulo, na medida em

que a [CO2] no espaço fisiologicamente morto é nula.

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2. 

A quantidade de dióxido de carbono proveniente do ar alveolar corresponde ao produto de (VE 

 – VD) pelo [CO2] alveolar.

3. 

A quantidade total de dióxido de carbono no ar expirado misto corresponde ao produto de V E 

com a [CO2] média neste ar.

Uma vez que a quantidade de dióxido de carbono proveniente do ar alveolar deverá igualar aquela

proveniente do ar expirado misto, e dado os valores da [CO2] expirado e alveolar serem proporcionais

aos seus respectivos valores de PCO2, podemos demonstrar a seguinte equação (equação de Bohr):

Normalmente, a razão VD/VE  apresenta valores entre os 0,20 e os 0,35. Por exemplo, caso a pressão

alveolar de dióxido de carbono seja de 40 mm Hg e a PCO2 expirada mista seja de 28 mm Hg então:

Obtemos assim, uma percentagem de 30% de espaço fisiologicamente morto, tal como tínhamos

anteriormente visto. A equação de Bohr faz sentido, na medida em que, numa situação imaginária em

que o VD fosse reduzido a zero, o ar expirado seria inteiramente proveniente dos alvéolos de tal modo

que nenhum ar expirado teria proveniência do ar fisiologicamente morto:

Por outro lado, caso reduzíssemos o volume corrente para um valor igual ou inferior ao do volume do

espaço morto, então a totalidade do ar expirado corresponderia a ar do espaço morto. Neste caso, a

PECO2 seria zero e:

Estes exemplos apresentam importância prática  – quando ofegamos, a frequência respiratória é muito

elevada, mas o volume corrente é apenas ligeiramente maior que o volume do espaço morto

anatomicamente. Deste modo, a maior parte da ventilação total é desperdiçada como ventilação dos

espaços mortos e, caso reduzíssemos o volume corrente para valores inferiores a VD, em princípio, não

haveria ventilação alveolar! Já durante o mergulho, o nadador respira através de um tubo que aumentaa VD. Caso o tubo de mergulho apresentasse um volume de 350 mL e o espaço morto no corpo do

nadador contivesse 150 mL, então um volume corrente de 500 mL não produziria ventilação alveolar.

Consequentemente, o nadador sufocaria, mesmo que a ventilação total estivesse normal! Deste modo,

o espaço morto fraccional (VD/VE) depende estritamente do volume corrente.

É necessário distinguir o conceito de espaço morto anatomicamente  do conceito de espaço morto

fisiologicamente. O espaço morto anatomicamente é passível de ser calculado pelo método de Fowler,

correspondendo ao volume das vias aéreas condutoras desde a boca e nariz até ao local de diluição total

de azoto molecular inspirado. Já o espaço morto fisiologicamente é calculado pela aproximação de

Bohr, correspondendo ao volume das vias aéreas que não recebem dióxido de carbono a partir da

circulação pulmonar e que, como tal, não se encontram envolvidas nas trocas gasosas. Num indivíduosaudável, os espaços mortos fisiologicamente e anatomicamente são idênticos, correspondendo ao

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volume das vias aéreas condutoras. Contudo, caso alguns alvéolos sejam ventilados mas não

perfundidos pelo sangue capilar pulmonar, esses alvéolos não-perfundidos (tal como as vias aéreas

condutoras) não contêm dióxido de carbono. O ar nesses alvéolos não-perfundidos é designado por

espaço morto alveolar, contribuindo para o espaço morto fisiologicamente:

Aquando de uma situação de embolismo

pulmonar, seriam obtidos valores muito

diferentes para o espaço morto

anatomicamente e para o espaço morto

fisiologicamente. O embolismo pulmonar

é uma condição na qual um determinado

corpo (tal como um coágulo sanguíneo)

obstrui parte (ou a totalidade) da

circulação pulmonar. Os alvéolos a jusante

do êmbolo são ventilados, mas não

perfundidos, correspondendo a espaço

morto alveolar. Deste modo, o método de

Bohr (mas não o método de Fowler)

conseguiria detectar um aumento do

espaço morto fisiologicamente causado

por um embolismo pulmonar.

Determinação da ventilação alveolarUma forma de calcular a ventilação alveolar requer a subtracção do espaço morto ao volume corrente,

sendo que essa diferença seria multiplicada pela frequência respiratória. Por outro lado, também é

possível calcular a VA  a partir da PCO2  alveolar. O corpo produz dióxido de carbono, por via do

metabolismo oxidativo, a uma taxa de cerca de 200 mL por minuto. Num estado estacionário, esta taxa

de produção de dióxido de carbono (VCO2) deverá igualar a taxa de entrada do dióxido de carbono nos

alvéolos e a taxa de expiração de dióxido de carbono. Sabemos que por minuto são expirados cerca de

4200 mL de ar e, como tal, os 200 mL expirados de dióxido de carbono correspondem a cerca de 5% do

ar alveolar expirado a cada minuto:

O rearranjo da equação prévia em função da ventilação (VA) permite-nos obter que:

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Na equação anterior, k  é uma constante que contribui para as diferentes condições nas quais ocorre a

medição dos restantes parâmetros. O seu valor é de 0,863, de tal modo que:

Esta equação designa-se por equação de ventilação alveolar e pode ser usada para calcular o volume de

ar expirado em um minuto (VA), ou seja, para determinar a ventilação pulmonar. Assumindo que a PCO2 

alveolar corrente no final do capilar é de 40 mm Hg (na prática clínica assume-se a pressão arterial de

dióxido de carbono como sendo equivalente a esse valor), obtemos um V A de:

Para simplificar, este valor é então arredondado para os 4,2 L/minuto, valor esse que já tínhamos usado

numa das equações anteriores (apenas não sabíamos como se fazia o seu cálculo).

Apesar de normalmente entender-se o VCO2  como sendo constante para um indivíduo em repouso, oVCO2  pode aumentar descaradamente num indivíduo com hipertermia maligna, uma condição que se

encontra associada a um aumento do metabolismo oxidativo. Uma característica desta catástrofe clínica

prende-se com o facto de um aumento no VCO2 levar a um aumento da PACO2.

Hiperventilação e hipoventilação

Posto isto numa perspectiva diferente, a pressão alveolar de dióxido de carbono é inversamente

proporcional à ventilação alveolar. Esta conclusão é intuitiva, na medida em que quanto maior a V A,

maior a quantidade de ar fresco inspirado que, por sua vez, dilui o dióxido de carbono alveolar. De facto,

se alterarmos a disposição da equação prévia, obtemos que:

Por outras palavras, caso a produção de dióxido de carbono seja fixa, a duplicação da V A  leva a uma

diminuição para metade da PACO2. Paralelamente, a redução para metade da VA  leva a uma duplicação

da PACO2. Uma vez que a PCO2 arterial é virtualmente igual à PCO2 alveolar, alterações na VA afectam a PCO2 

arterial e a PCO2 alveolar.

Numa situação de hiperventilação, poderia ocorrer duplicação da VA  quer devido à duplicação da

frequência respiratória, que devido à duplicação da diferença entre o volume corrente e o espaço

morto, quer devido a uma combinação deste dois factores. Caso a V A fosse duplicada, a taxa com que o

ar seria expirado ficaria duplicada, não só para a expiração de ar alveolar (que, usando valores clássicos,

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passaria de 4200 mL/minuto para

8400 mL/minuto), mas também

para a expiração de dióxido de

carbono (que passaria de 200

mL/minuto para 400 mL/minuto).

Uma vez que o corpo continuaria aproduzir apenas 200 mL/minuto de

dióxido de carbono, assumindo que

a duplicação da VA  não aumenta o

VCO2, a taxa de expiração de dióxido

de carbono seria superior à taxa de

produção, o que levaria a que os

níveis de dióxido de carbono no

corpo diminuíssem. Contudo, a

diminuição da PCO2  do sangue

venoso misto levaria a que a PCO2 

alveolar também diminuísse, de tal

modo que a taxa de expiração de

dióxido de carbono também iria, gradualmente, diminuir. Assim, seria atingido um novo estado

estacionário, no qual a taxa à qual se expira dióxido de carbono iria corresponder, de modo exacto, à

taxa de produção de dióxido de carbono (200 mL/minuto). 

Ao ser atingido um novo estado estacionário, os valores da P CO2 do sangue venoso misto, sangue arterial

e ar alveolar manter-se-iam estáveis. Contudo, uma vez que a cada minuto o indivíduo continuaria a

expirar 8400 mL de ar alveolar (o dobro do que é normal), mas expiraria apenas 200 mL de dióxido de

carbono, a pressão alveolar de dióxido de carbono diminuiria para metade do valor normal (cerca de 20

mm Hg). Consequentemente, ocorreria ainda a um decréscimo (para metade) da pressão arterial de

dióxido de carbono. Deste modo, a hiperventilação leva a uma situação de alcalose respiratória. Este

tipo de situação está associado à constrição das arteríolas do encéfalo, algo que reduz o fluxo sanguíneo

para o encéfalo, o que consequentemente leva a tonturas.

Caso reduzíssemos a ventilação alveolar normal para metade (hipoventilação), o volume de dióxido de

carbono expirado por unidade de tempo cairia para metade (até aos 100 mL/minuto), apesar de a

produção de dióxido de carbono pelos tecidos se manter a 200 mL/minuto. Deste modo, os níveis de

dióxido de carbono no organismo aumentariam, o que levaria a uma duplicação da pressão alveolar de

dióxido de carbono (que atingiria um valor de 80 mm Hg). Esta duplicação da pressão de dióxido de

carbono alveolar é acompanhada por uma duplicação da pressão de dióxido de carbono arterial, o que

conduz a uma acidose respiratória.

Deste modo, a pressão de dióxido de carbono alveolar no estado estacionário é inversamente

proporcional à ventilação alveolar. Quanto maior a VA, menor a pressão de dióxido de carbono alveolar,

sendo que caso a VA fosse infinitamente elevada, a pressão de dióxido de carbono alveolar cairia

(teoricamente) para zero, o que corresponde à pressão de dióxido de carbono do ar inspirado.

Quociente respiratório. Determinação de pressões alveolares

Aumentos na ventilação alveolar levam a um aumento da pressão de oxigénio e, para uma V A infinita, à

aproximação da PO2 alveolar ao valor da PO2 inspirada (que é de cerca de 149 mm Hg).

Apesar de a PO2  alveolar depender estritamente da VA, este parâmetro também é influenciado (emmenor escala) por outros gases que não o oxigénio, nomeadamente, o vapor de água, o azoto, e o

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dióxido de carbono. A pressão parcial da água a 37ºC é de 47 mm Hg, sendo que a PH2O não se alterará, a

menos que a temperatura corporal se altere. As pressões parciais de todos os outros gases enquadram-

se no que resta da pressão atmosférica depois de a água ter “tomado conta” dos seus 47 mm Hg

obrigatórios. Assim, o ar alveolar seco tem uma pressão total de 713 mm Hg (760 mm Hg

correspondentes à pressão alveolar total do ar – 47 mm Hg correspondentes à pressão parcial da água).

Já o azoto molecular é uma “molécula espectadora”, na medida em que não é metabolizado. Destemodo, a PN2 apresenta o valor que for necessário para que a pressão total do ar alveolar seco perfaça

713 mm Hg.

Já relativamente ao dióxido de carbono, uma vez que o ar praticamente não contém este gás, pode-se

pensar no dióxido de carbono alveolar como sendo exclusivamente proveniente do metabolismo.

Todavia, o VCO2 depende, não apenas, de quão rápido os tecidos queimam oxigénio, mas também do

tipo de combustível que estes queimam. Caso o combustível seja de natureza glicídica, os tecidos

produzem uma molécula de dióxido de carbono por molécula de oxigénio consumida. Este rácio é

designado por quociente respiratório  (para os glicídeos, este quociente respiratório é, então, igual a

um):

Considerando a porção seca do ar inspirado que entra nos alvéolos, a pressão inspirada de azoto

molecular é de 557 mm Hg (713 mm Hg x 0,78; sendo que 0,78 corresponde à fracção atmosférica de

azoto), a pressão inspirada de oxigénio é de 149 mm Hg (713 mm Hg x 0,21; sendo que 0,21

corresponde à fracção atmosférica de oxigénio) e a pressão inspirada de dióxido de carbono é nula (713

mm Hg x 0).

Ora, no estado estacionário, à medida que o sangue capilar pulmonar capta oxigénio, o oxigénio

retirado dos alvéolos vai sendo substituído (nos alvéolos) por um igual número de moléculas de dióxido

de carbono (visto que o quociente respiratório é igual a um). Uma vez que a troca de oxigénio por

dióxido de carbono é feita a uma proporção de um para um, a pressão alveolar de oxigénio corresponde

ao que resta da PO2  inspirada (PIO2) após o metabolismo ter substituído algum oxigénio alveolar por

dióxido de carbono (pressão alveolar de dióxido de carbono = 40 mm Hg):

Uma típica dieta ocidental, contendo lipídeos, produz um quociente respiratório de cerca de 0,8. Isto

significa que 8 moléculas de dióxido de carbono substituem 10 moléculas de oxigénio no ar alveolar.

Esta nova proporção apresenta duas consequências  –  em primeiro lugar, o volume de ar alveolar cai

ligeiramente durante as trocas gasosas (uma vez que a pressão de ar seco se mantém a 713 mm Hg, esta

contracção do volume concentra o azoto e dilui o oxigénio). Para além disso, o volume do ar alveolar

expirado torna-se ligeiramente menor que o volume de ar inspirado.

Assim, a equação para o gás alveolar descreve como é que a P O2  alveolar depende do quociente

respiratório:

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Nestas equações, a FIO2 corresponde à fracção de oxigénio do ar seco inspirado que, como foi referido, é

de cerca de 0,21. De referir que, quando o quociente respiratório é um, o termo da equação que se

encontra entre parêntesis passa a corresponder à unidade, sendo que a equação de baixo passa a

corresponder à de cima. Por outro lado, caso o indivíduo respire oxigénio puro, a FIO2 passa a equivaler a

1, o que faz com que o termo em parêntesis também se torne igual a um (independentemente do

quociente respiratório).

Podemos simplificar a última equação, para obtermos uma equação quase tão rigorosa como essa:

A partir dos conceitos referidos neste texto, podemos então calcular a pressão alveolar de dióxido de

carbono e a pressão alveolar de oxigénio. Assim, calculamos inicialmente a pressão alveolar de dióxido

de carbono, a partir do VCO2 e da VA, e, subsequentemente, usamos a penúltima equação para calcular a

pressão alveolar de oxigénio e o quociente respiratório. Supondo que achamos um valor de 40 mm Hg

para a pressão alveolar de dióxido de carbono e que sabemos que o quociente respiratório é de 0,8,podemos calcular a pressão alveolar de oxigénio:

Diferenças regionais na ventilação 

Até agora, assumiu-se que todos os alvéolos são ventilados de forma igual. Contudo, de facto, a

ventilação alveolar num indivíduo de pé cai gradualmente, desde a base até ao ápice do pulmão, devido

à postura e à gravidade. Devido ao peso do pulmão, a pressão intra-pleural (P IP) é mais negativa ao nível

do ápice que ao nível da base, quando o indivíduo se encontra de pé. Ao nível da base, onde a P IP podeser de apenas -2,5 cm H2O em capacidade funcional residual, os alvéolos encontram-se relativamente

desinsuflados. Já no ápice, a P IP  pode ser de -10 cm H2O e os alvéolos a esse nível encontram-se

relativamente sobre-insuflados. Contudo, uma vez que a base do pulmão se encontra sob-insuflada em

capacidade residual funcional, esta apresenta uma maior compliance estática que o ápice. Assim,

durante uma inspiração, a mesma ΔPIP (por exemplo, 2,5 cm H2O) produz um maior ΔVL perto da base,

que perto do ápice. De relembrar que é esta alteração do volume por unidade de tempo, e não o

volume inicial, que define a ventilação.

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Claro que esta relação na ventilação entre o ápice e a base seria inversa se o indivíduo estivesse a fazer

o pino. Por outro lado, um indivíduo em decúbito lateral direito iria ventilar melhor o tecido pulmonar

do seu lado direito (pese embora o facto de o gradiente direita-esquerda de P IP  num indivíduo em

decúbito seja menor comparativamente ao gradiente ápice-base desse indivíduo de pé, devido à

distância ser menor).

As diferenças regionais na ventilação não se resumem apenas àquelas devidas à acção da gravidade. De

facto, a um nível microscópico (ou local) verificam-se diferenças algo arbitrárias na compliance estática

local (C) e na resistência à passagem aérea (R). Essas diferenças são, provavelmente, mais importantes

que as diferenças devidas à acção da gravidade, de tal modo que várias condições patológicas na

compliance e resistência estão associadas a um aumento substancial nessas diferenças locais,

contribuindo, assim, para a não-uniformidade da ventilação.

Doença pulmonar restritiva

As doenças pulmonares restritivas  incluem perturbações que diminuem a compliance estática dos

alvéolos (por exemplo, a fibrose), bem como perturbações que limitam a expansão dos pulmões (por

exemplo, um derrame pleural). Caso a compliance de um pulmão seja reduzida para metade, também a

ventilação é reduzida para metade.

Doença pulmonar obstrutiva

As doenças pulmonares obstrutivas (tais como a asma ou as doenças pulmonares obstrutivas crónicas)

estão associadas a um aumento da resistência das vias condutoras de passagem aérea. A presença de

uma cicatriz, ou de uma massa local, tal como uma neoplasia, também poderiam ocluir uma via de

passagem aérea, ou comprimi-la. Mesmo que este efeito não seja suficientemente grave para aumentar

a resistência à passagem aérea total, um aumento local na resistência leva a um aumento na constante

de tempo τ  necessária para encher ou esvaziar os alvéolos afectados. Um aumento isolado na

resistência não afectaria o ΔV caso fosse disponibilizado tempo suficiente para uma inspiração. Contudo,

caso esse tempo não fosse disponibilizado, então os alvéolos com uma τ mais elevada não conseguiriam

encher ou esvaziar completamente, e a sua ventilação diminuiria. Obviamente que este mismatching da

ventilação entre as duas unidades piora à medida que a frequência respiratória aumenta.  

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204

Perfusão

A circulação pulmonar  lida com o mesmo débito cardíaco que a circulação sistémica, mas de forma

diferente. A circulação sistémica é um sistema de altas pressões, sendo as elevadas pressões necessárias

para bombear o sangue até ao topo do encéfalo (quando o indivíduo se encontra de pé). A circulação

sistémica também necessita de ser um sistema de elevada pressão, devido ao facto de ser um sistemade elevada resistência, sendo essa resistência utilizada para controlar a distribuição do fluxo sanguíneo.

Deste modo, num indivíduo em descanso, muitos capilares sistémicos encontram-se fechados, o que

confere flexibilidade a este sistema, para que este redistribua grandes quantidades de sangue (algo

necessário, por exemplo, para assegurar as necessidades dos músculos, durante o exercício).

Na circulação sistémica, a pressão média da aorta é de cerca 95 mm Hg, enquanto a pressão média

mínima se regista na aurícula direita, sendo de cerca de 2 mm Hg. Deste modo, a driving pressure para o

fluxo sanguíneo é de cerca de 93 mm Hg (95  – 2 mm Hg). Assim, a um débito cardíaco (Q) de 5 L/minuto

(ou seja, de 83 mL/s), é possível calcular a resistência da circulação sistémica:

De referir que, nesta fórmula, PRU  é uma unidade de resistência periférica, que apresenta as

dimensões mm Hg/(mL/s).

Por oposição, a circulação pulmonar é um sistema de baixas pressões, algo possível na medida em que o

sangue apenas precisa de ser bombeado para o topo do pulmão. Para além disso, a circulação pulmonar

tem de ser um sistema de baixas pressões, de modo a evitar as consequências das forças de Starling

(que levariam à formação de edema nos pulmões). A pressão média da artéria pulmonar é de apenas

cerca de 15 mm Hg. Uma vez que a pressão média mínima se encontra na aurícula esquerda (sendo de

cerca de 8 mm Hg), obtemos uma driving pressure de 7 mm Hg. Assim, e dado o débito cardíaco do lado

direito do coração ser o mesmo do lado esquerdo, podemos calcular a resistência da circulação

pulmonar:

Deste modo, a resistência total da circulação pulmonar é menos que um décimo da resistência da

circulação sistémica, o que explica como é que a circulação pulmonar consegue desempenhar o seu

papel a pressões tão baixas. Contrariamente ao que ocorre na circulação sistémica, onde a maior parte

da quebra de pressão ocorre nas arteríolas; na circulação pulmonar quase toda a queda de pressãoocorre de forma, mais ou menos, uniforme, por entre a artéria pulmonar e o fim dos capilares.

Particularizando, as arteríolas contribuem muito menos para a resistência na circulação pulmonar,

comparativamente ao que ocorre na circulação sistémica.

Circulação pulmonar

A artéria pulmonar  parte do ventrículo direito, bifurcando-se, e transportando sangue relativamente

desoxigenado para cada pulmão. Os dois ramos principais da artéria pulmonar seguem os dois

brônquios principais até aos pulmões, sendo que o seu padrão de bifurcação subsequente acompanha o

dos brônquios e bronquíolos. Uma única arteríola pulmonar origina todos os capilares de uma unidade

respiratória terminal. Em conjunto, os dois pulmões apresentam cerca de 300 milhões de alvéolos.Contudo, estes podem ter até 280 biliões de segmentos capilares anastomosantes (o que corresponde a

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205

quase 1000 segmentos

capilares por alvéolo), algo

que cria uma superfície de

100 metros quadrados para

trocas gasosas. Ao nível

desta rede capilar estãocontidos cerca de 75 mL de

sangue, sendo que este

volume pode aumentar para

os cerca de 200 mL, durante

o exercício físico.

As vénulas pulmonares recolhem o sangue oxigenado a partir da rede capilar, convergem, deslocam-se

por entre os lóbulos pulmonares, convergem ainda mais, e entram, eventualmente na aurícula

esquerda, através das veias pulmonares. Assim, o tempo total de circulação no sistema pulmonar anda

entre os quatro e os cinco segundos.

Os vasos pulmonares são, normalmente, mais pequenos e largos que os seus homólogos sistémicos,

sendo que as arteríolas se encontram presentes em maior número ao nível da circulação pulmonar.

Apesar de as arteríolas pulmonares conterem músculo liso e se poderem contrair, esses vasos

apresentam muito menos músculo que os seus homólogos sistémicos, apresentando um baixo tónus em

descanso. Assim, a combinação destas propriedades permite que o sistema pulmonar apresente uma

baixa resistência.

As paredes dos vasos pulmonares são também muito finas, tal como as paredes das veias sistémicas. As

finas paredes e a falta de músculo liso fazem com que os vasos pulmonares tenham uma alta

compliance, algo que acarreta três consequências:

1. 

Os vasos pulmonares podem aceitar grandes quantidades de sangue, que se deslocam desde as

pernas até aos pulmões, quando um indivíduo passa a estar em decúbito.

2.  Os vasos pulmonares podem dilatar em resposta a aumentos modestos da pressão arterial

pulmonar.

3. 

A pressão de pulso no sistema pulmonar é algo baixa  –  as pressões sistólica e diastólica na

artéria pulmonar são, respectivamente e em média, de 25 e de 8 mm Hg, o que gera uma

pressão de pulso de cerca 17 mm Hg.

Uma vez que os vasos sanguíneos pulmonares apresentam uma compliance tão elevada, estes são

especialmente susceptíveis à deformação por parte de forças externas. Essas forças são muito

diferentes para os vasos alveolares (que se encontram rodeados pelos alvéolos), comparativamente aosrestantes vasos (vasos extra-alveolares). Em ambos os tipos de vasos, é importante considerar se essas

forças externas esmagam os vasos ou puxam os vasos no sentido da sua abertura.

Vasos alveolares

Os vasos alveolares incluem os capilares, assim como vasos ligeiramente maiores que também se

encontram rodeados em todos os lados por alvéolos. A resistência desses vasos alveolares depende,

quer do gradiente de pressão transmural, quer do volume pulmonar.

O gradiente de pressão transmural  (PTM) para os vasos alveolares corresponde à diferença entre as

pressões registadas no lúmen do vaso e nos alvéolos em redor (PA). Para simplificar, considerar-se-ão os

factores que afectam a PTM para um volume pulmonar fixo.

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206

A pressão dentro dos vasos alveolares varia com o ciclo cardíaco  – de facto, o leito capilar pulmonar é

um dos poucos cujo fluxo é pulsátil. A pressão dentro dos vasos alveolares também depende muito da

sua posição vertical relativamente à aurícula esquerda – quanto maior o vaso, menor a pressão.

A pressão nos alvéolos varia com o ciclo respiratório. Quando não se regista fluxo de ar e a glote se

encontra aberta, a PA equivale à pressão atmosférica (0 cm H

2O). Por outro lado, a pressão alveolar é

negativa durante a inspiração e positiva durante a expiração. Uma combinação de uma pressão intra-

vascular elevada e de uma PA negativa tende a dilatar os vasos alveolares, diminuindo a sua resistência.

Contudo, uma combinação de uma baixa pressão intra-vascular e de uma P A  positiva esmaga esses

vasos, elevando a sua resistência.

Alterações no volume pulmonar (VL) geram efeitos característicos nos vasos alveolares. À medida que o

volume pulmonar, por si só, aumenta, as paredes alveolares sofrem um maior estiramento.

Consequentemente, os vasos alveolares tornam-se estirados ao longo do seu eixo longitudinal, mas

esmagados, quando observados em secção transversa. Ambos os efeitos tendem a aumentar a

resistência do vaso. Em suma, à medida que o VL aumenta, a resistência dos vasos alveolares também

aumenta.

Vasos extra-alveolares

Uma vez que não se encontram rodeados por alvéolos, os vasos extra-alveolares são sensíveis à pressão

intra-pleural. Os valores cada vez mais negativos da pressão intra-pleural, necessários para obter

volumes pulmonares cada vez maiores, por si só, também aumentam a PTM dos vasos extra-alveolares, o

que promove a sua dilatação. Assim, à medida que o volume pulmonar aumenta, a resistência dos vasos

extra-alveolares diminui.

Em suma, aumentos no VL  tendem a esmagar os vasos alveolares e, deste modo, a aumentar a sua

resistência. Contudo, esses mesmos aumentos do VL promovem a expansão dos vasos extra-alveolares,

contribuindo para a diminuição da sua resistência. Ao aumentar o V L  desde o volume residual até à

capacidade total, obtemos um efeito bifásico na resistência vascular pulmonar geral. Assim, um

aumento inicial do VL leva a uma queda na resistência vascular, na medida em que a dilatação dos vasos

extra-alveolares é o efeito dominante. A resistência vascular pulmonar atinge o seu valor mínimo, por

volta da capacidade de capacidade residual funcional. Aumentos ulteriores do V L  aumentam a

resistência total, na medida em que o efeito dominante se prende com o esmagamento dos vasos

alveolares.

Modulação da resistência vascular pulmonar

Apesar de a circulação pulmonar corresponder, normalmente, a um sistema de baixa resistência em

repouso, esta apresenta uma grande capacidade de diminuir ainda mais a sua resistência. Durante o

exercício, o débito cardíaco aumenta entre duas a três vezes, o que pode levar a um pequeno aumento

na pressão arterial pulmonar média. Por outras palavras, um ligeiro aumento na pressão arterial

pulmonar consegue diminuir a resistência de forma vincada e, dessa forma, aumentar descaradamente

o fluxo. Este compartimento caracteriza uma propriedade geral de um leito vascular elástico/passivo.

Dois mecanismos “passivos” (ou seja, não relacionados com alterações “activas” no tónus do músculo

liso vascular) actuam, então, a este nível – o recrutamento e a distensão dos capilares pulmonares.

Em repouso (ou seja, a valores relativamente baixos de pressão arterial pulmonar), alguns capilares

pulmonares encontram-se abertos e transportam sangue; outros encontram-se abertos, mas não

transportam quantidades substanciais de sangue; enquanto outros se encontram fechados. O facto de

existirem capilares abertos mas que estão associados a um fluxo nulo de sangue prende-se com dois

factos característicos:

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207

1. 

Numa rede capilar com muitas anastomoses, tal como esta, existem pequenas diferenças na

driving pressure.

2. 

As diferenças aparentemente aleatórias nas dimensões dos capilares paralelos podem levar a

diferenças na resistência.

Essas diferenças ténues na resistência absoluta, em sistemas de baixa pressão, permitem que vias com

resistências relativamente baixas possam “roubar” o fluxo sanguíneo das vizinhas que, por sua vez,

apresentam resistências ligeiramente maiores, o que leva a que algumas vias “abertas” sejam pouco

usadas.

Para além disso, o facto de alguns vasos se encontrarem fechados, prende-se com o facto de a abertura

de um vaso previamente fechado requerer que a pressão de perfusão ultrapasse o tónus do músculo

liso vascular, superando a pressão de fecho crítica de um vaso (que varia de vaso para vaso). Por outro

lado, os vasos alveolares também se podem encontrar fechados, devido ao facto da pressão alveolar

superar a pressão intra-vascular, esmagando, assim, o vaso.

Recrutamento

Considerando uma pressão inicial relativamente baixa dentro das arteríolas pulmonares, sabemos que à

medida que formos aumentando a pressão, alguns vasos que se encontravam completamente fechados

começam a abrir. De modo similar, os capilares que previamente estavam abertos, mas não tinham

fluxo associado, começam a transportar sangue. Assim, o recrutamento diz respeito ao facto de quanto

maior for o aumento na pressão de perfusão, maior será o número de vasos abertos e a transportar

sangue. O recrutamento de vias capilares paralelas adicionais contribui, assim, para a redução da

resistência vascular total.

Distensão 

Estando um vaso aberto e a transportar fluxo, aumentos ulteriores de pressão levam a um aumento da

PTM, o que leva à dilatação desse vaso. O efeito total da distensão  prende-se com uma redução da

resistência pulmonar total. Apesar de um aumento de pressão poder, simultaneamente, levar ao

recrutamento e distensão de vários vasos, a distensão tende a ocorrer mais tarde, ou seja, a distensão é

o mecanismo primário para a diminuição da resistência sob condições nas quais a pressão inicial já é

relativamente elevada.

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208

Para além do volume pulmonar e da pressão de perfusão, vários outros factores podem modular a

resistência vascular pulmonar:

Oxigénio

Os efeitos das alterações da PO2, PCO2, e do pH na resistência vascular pulmonar são opostos aos

registados na circulação sistémica. Assim, a hipoxia está associada à vasoconstrição pulmonar. Todavia,

a PO2  aparenta ser importante para este efeito, não tanto no lúmen das arteríolas e vénulas, mas

sobretudo no ar alveolar adjacente ao vaso. De facto, a perfusão da vasculatura pulmonar numa solução

hipóxica é, de longe, menos eficaz que a ventilação de vias aéreas com uma mistura de ar de PO2.

A vasoconstrição hipóxica ocorre no tecido pulmonar isolado e, desta forma, não depende do sistema

nervoso central, nem da acção de hormonas sistémicas. Em vez disso, pensa-se que a baixa P O2 actue

directamente nas células musculares lisas pulmonares. O mecanismo de ocorrência deste processo é

ainda desconhecido, mas está associado a um influxo de cálcio para as células musculares lisas e sua

subsequente contracção.

Dióxido de carbono e baixo pH

Uma elevada PCO2  e um baixo pH intersticial promovem a vasoconstrição, embora de forma menos

potente que a hipoxia. Uma elevada PCO2 pode produzir os seus efeitos através do decréscimo no pH

quer do fluido extracelular, quer do fluido intracelular. De referir que a hipoxia torna as células

musculares lisas vasculares mais sensíveis à acidose respiratória.

Sistema nervoso autónomo

A inervação simpática e parassimpática da vasculatura pulmonar é muito pouco importante para a

circulação pulmonar, comparativamente à circulação sistémica. Um aumento no tónus simpático

aparenta reduzir a compliance das paredes da artéria pulmonar, sem aumentar a resistência  per se. Já

um aumento do tónus parassimpático leva a uma vasodilatação moderada, de relevância desconhecida.

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Hormonas e outros agentes humorais

Os vasos sanguíneos pulmonares respondem relativamente mal a hormonas e outras moléculas

sinalizadoras.

Diferenças regionais na perfusão

Tal como ocorre na ventilação, a perfusão não ocorre de

igual forma para todos os alvéolos. Em primeiro lugar, as

diferenças microscópicas (ou locais) da resistência

vascular pulmonar levam a diferenças locais na perfusão

(obviamente que certos estados patológicos podem

exacerbar essas diferenças). Para além disso, a gravidade

cria diferenças regionais macroscópicas na perfusão.

Assim, quando um indivíduo se encontra de pé, a

perfusão (Q ) é maior perto da base dos pulmões, caindo

para níveis menores, perto do ápice (contudo, énecessário ter em consideração que, apesar de o Q ser maior perto da base, ao nível da região “mais

basal da base”, o valor de Q diminui um bocadinho comparativamente ao valor máximo). Com o

exercício, verifica-se um aumento da perfusão em todas as regiões do pulmão, com particular destaque

para as regiões próximas do ápice, de tal modo que a não-uniformidade da perfusão se atenua. A

perfusão apresenta esta variação regional devido à postura e à gravidade, de tal modo que fazer o pino

reverte a relação fluxo-altura. 

O pulmão erecto pode ser dividido em quatro zonas de

acordo com as relações entre várias pressões. As primeiras

três zonas são definidas com base em como os vasos

alveolares são afectados pelos valores relativos de trêspressões diferentes  –  a pressão alveolar (PA), a pressão

dentro das arteríolas pulmonares (PPA), e a pressão dentro

das vénulas pulmonares (PPV). Contudo, na quarta zona, é

focado como os vasos extra-alveolares são afectados pela

pressão intra-pleural.

Zona 1: PA > PPA > PPV

Estas condições prevalecem no ápice do pulmão sob determinadas condições. A característica que

permite identificar um vaso como pertencendo à zona 1 prende-se com o facto da PPA e PPV serem de tal

modo baixas, que o seu valor se torna inferior à PA.

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Ao nível da aurícula esquerda, a PPA média é de cerca de

20 cm H2O. De modo similar, a PPV média é de cerca de

10 cm H2O. À medida que nos aproximamos do ápice do

pulmão erecto, as pressões nos lúmenes das arteríolas e

vénulas pulmonares diminuem 1 cm H2O por cada cm

vertical que subamos. No caso hipotético de os alvéolosdo ápice esquerdo se encontrarem 20 cm

superiormente ao nível da aurícula esquerda, a PPA 

média desses alvéolos tornar-se-ia zero, enquanto a PPV correspondente seria de cerca de -10 cm H2O.

Por sua vez, a pressão dentro dos capilares pulmonares (P C) seria intermédia. Assim, uma vez que a P A é

muito superior à PC, a PTM negativa iria esmagar o capilar e reduzir amplamente o fluxo sanguíneo.

Felizmente, as condições de zona 1 não existem para indivíduos normais em repouso. Todavia, estas

podem se registar, caso se verifique um grande decréscimo da P PA (por exemplo, numa hemorragia) ou

um aumento suficiente na PA (por exemplo, numa situação de ventilação a pressões positivas).

Zona 2: PPA > PA > PPV

Estas condições normalmente prevalecem desde o ápice até à região

média do pulmão. A principal característica da zona 2 é que a PPA e a PPV 

médias são de tal modo elevadas, que o valor de PA  se encontra entre

estas. Deste modo, ao nível da extremidade arteriolar, a P TM positiva leva

a uma dilatação do vaso alveolar. Contudo, mais distalmente no capilar, a

pressão luminal cai gradualmente para um valor inferior à P A, de tal modo

que a PTM  esmaga o vaso, aumentando a resistência e,

consequentemente, diminuindo o fluxo. À medida que caminhamos

inferiormente na zona 2, a “força de esmagamento” diminui, uma vez que

as pressões hidrostáticas nas arteríolas, capilares, e vénulas aumentamtodas em paralelo (aumentam 1 cm H2O por cm descido).

Simultaneamente, verifica-se um decréscimo da resistência. De referir

que ao nível da zona 2 predominam fenómenos de recrutamento.

Zona 3: PPA > PPV > PA 

Estas condições prevalecem entre as regiões média e inferior do pulmão.

A característica que define a zona 3 prende-se com o facto de a P PA e a

PPV serem de tal modo elevadas, que conseguem exceder a P A. Assim, a

PTM  é positiva ao longo de todo o comprimento do vaso alveolar,

promovendo a sua dilatação. À medida que nos deslocamosinferiormente na zona 3, as pressões hidrostáticas nas arteríolas,

capilares, e vénulas continuam a aumentar 1 cm de água por cm descido.

Uma vez que a PA  entre ciclos respiratórios não varia com a altura do

pulmão, a pressão do vaso alveolar (que aumenta gradualmente) produz

uma PTM cada vez maior, o que faz com que o vaso dilate cada vez mais

(fenómeno de distensão). Esta distensão causa um decréscimo gradual na

resistência dos capilares à medida que nos deslocamos inferiormente na

zona 3. Deste modo, apesar da driving pressure se manter constante (PPA - PPV), a perfusão aumenta em

direcção à base do pulmão. De facto, é importante referir que a driving pressure (PPA - PPV) é constante

em todas as zonas.

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Zona 4: PPA > PPV > PA 

Estas condições prevalecem na região extrema da

base dos pulmões. Na zona 4, os vasos alveolares

comportam-se como os da zona 3, dilatando-se mais à

medida que descemos em direcção do pulmão.Todavia, os vasos extra-alveolares comportam-se de

modo diferente. Ao nível da base do pulmão, a P IP é

menos negativa. Deste modo, à medida que nos

aproximamos da região extrema da base do pulmão, as forças distensivas que actuam nos vasos

sanguíneos extra-alveolares dissipam-se, enquanto a resistência desses vasos extra-alveolares aumenta.

Uma vez que esses vasos extra-alveolares alimentam ou drenam os vasos alveolares, a perfusão começa

a diminuir à medida que nos aproximamos da região extrema da base dos pulmões.

Considerações fisiológicas relativas à distribuição zonal

As quatro zonas pulmonares descritas são fisiológicas, e não anatómicas. Os limites entre as zonas nãosão fixos nem bem-definidos. A título de exemplo, os limites zonais podem se deslocar inferiormente,

em situações de ventilação a pressões positivas (onde se regista um aumento da PA), ou superiormente,

em situações de exercício (que aumenta a PA). Apesar de nesta descrição, termos assumido que a PA é

sempre zero e que os valores da PPA e da PPV são estáveis, dependendo apenas da altura do pulmão, na

vida real as coisas são mais complicadas. Durante o ciclo respiratório, a P A torna-se negativa durante a

inspiração (promovendo a dilatação dos vasos alveolares), mas positiva durante a expiração. Por outro

lado, durante o ciclo cardíaco, a pressão dentro das arteríolas e capilares pulmonares é maior durante a

sístole (o que promove a dilatação do vaso) e menor durante a diástole. Deste modo, esperamos que o

fluxo sanguíneo através de um vaso alveolar seja maior quando a inspiração coincide com a sístole.

Matching ventilação e perfusão

Tanto a perfusão como a ventilação variam entre os alvéolos. Em qualquer grupo de alvéolos, quanto

maior a ventilação local, mais a composição do ar alveolar local se aproxima da do ar inspirado. De

modo similar, uma vez que o fluxo sanguíneo remove oxigénio do ar alveolar e adiciona dióxido de

carbono, quanto maior a perfusão, mais a composição do ar alveolar local se aproxima da do sangue

venoso misto. Deste modo, o rácio ventilação-perfusão local (VA/Q ) determina a PAO2 e a PACO2 locais.

Em termos metafóricos, podemos dizer que se verifica uma luta em que estas continuamente se

procuram assegurar da composição do ar alveolar. Sempre que a ventilação ganha, a pressão alveolar de

oxigénio aumenta e a de dióxido de carbono diminui. Já quando a perfusão ganha, esses parâmetros

alteram-se na direcção oposta.

Por outro lado, um aumento da VA leva a um aumento gradual na PAO2, o que leva a que seja atingido

um novo estado estacionário. Já se aumentarmos a perfusão, então o nível de P AO2 decrescerá até ser

estabelecido novo equilíbrio. Deste modo, um elevado rácio VA/Q está associado ao aumento da PO2.

Diferenças regionais no rácio VA/Q

Num indivíduo em pé, a ventilação cai desde a base até ao ápice do pulmão, e a perfusão cai do mesmo

modo (mas mais abruptamente). Desta forma, não é surpreendente que o rácio VA/Q também varie com

a altura do pulmão. O VA/Q é menor próximo da base, onde o Q excede o VA. Este rácio aumenta

gradualmente para 1, a cerca do nível da terceira costela, aumentando ainda mais em direcção ao ápice,

onde o Q cai de forma mais precipitada que VA.

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Ao nível do ápice, onde a VA/Q é maior, a PO2 e a PCO2 alveolares aproximam-se mais dos seus valores no

ar inspirado. Uma vez que, quer o transporte de oxigénio, quer o transporte de dióxido de carbono, ao

longo da membrana respiratória são limitados pela perfusão, o oxigénio e o dióxido de carbono estão

em equilíbrio no final dos capilares pulmonares. Deste modo, o ar que abandona o ápice apresenta a

mesma PO2 elevada e a mesma PCO2 baixa do ar alveolar. Obviamente, a relativamente baixa PCO2 produz

uma alcalose respiratória no sangue que abandona o ápice.

A situação é praticamente oposta perto da base do pulmão. Uma vez que a este nível o rácio VA/Q é

menor, a pressão alveolar de oxigénio e a pressão alveolar de dióxido de carbono tendem a aproximar-

se mais dos seus valores do sangue venoso misto.

Cada região efectua uma contribuição proporcional ao seu fluxo sanguíneo. Uma vez que o ápice é mal

perfundido, esta estrutura contribui pouco para a composição total do sangue arterial. Por outro lado, o

tecido pulmonar da base dos pulmões, que recebe cerca de 26% do débito cardíaco total, está associado

a uma contribuição muito maior. Como resultado, a composição média do sangue que existe no pulmão

assemelha-se mais à composição do sangue que entrou em equilíbrio com o ar, ao nível da base do

pulmão.

O ar inspirado encontra-se saturado com vapor de água e, por definição, o seu rácio V A/Q é de   , na

medida em que não contacta com o leito capilar pulmonar. Por outro lado, o sangue venoso misto (PO2 =

40 mm Hg, PCO2= 46 mm Hg) apresenta um rácio VA/Q de zero, na medida em que não entrou ainda em

contacto com o ar alveolar.

Os efeitos da gravidade na ventilação e perfusão fazem com que o rácio VA/Q regional varie

amplamente, mesmo em pulmões ideais. Todavia, as variações na ventilação de natureza microscópica,

fisiológica local, e patológica, podem originar mismatches ainda maiores do rácio VA/Q. Nos extremosdestes mismatches encontram-se a ventilação do espaço morto e o mecanismo de shunt .

Ventilação de espaço morto alveolar

Num extremo do espectro dos mismatches VA/Q encontra-se a eliminação do fluxo sanguíneo destinado

a um grupo de alvéolos. Por exemplo, caso a artéria pulmonar que alimenta um pulmão deixasse de o

nutrir, os alvéolos afectados não seriam perfundidos, apesar da ventilação continuar a ocorrer

normalmente. A ventilação dos alvéolos não-perfundidos é designada por ventilação de espaço morto

alveolar, na medida em que não contribui para a troca de gases. Dessa forma, esses alvéolos

comportam-se como vias condutoras de passagem aérea.

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213

A presença de um embolismo pulmonar  constitui uma causa

natural de ventilação de espaço-morto alveolar, na medida em

que o embolismo obstrui o fluxo sanguíneo para um grupo de

alvéolos. Uma vez que uma das funções do pulmão prende-se

com a filtração de pequenos êmbolos a partir do sangue, o

pulmão apresenta, de modo recorrente, pequenas regiões deventilação de espaço morto alveolar. No instante em que o fluxo

sanguíneo cessa, os alvéolos nutridos pelos vasos afectados

contêm ar alveolar normal. Todavia, cada ciclo respiratório

substitui algum ar alveolar “velho” por ar inspirado, “fresco”.

Uma vez que não se verifica troca de oxigénio por dióxido de

carbono ao nível desses alvéolos não-perfundidos, o ar alveolar

gradualmente atinge a composição do ar inspirado húmido. Isto

significa que a PO2 aumenta para cerca de 149 mm Hg, enquanto

a PCO2 cai para cerca de 0 mm Hg. Deste modo, por definição, o

espaço morto alveolar apresenta um rácio VA/Q de , tal como o

ar inspirado. 

Redireccionamento do fluxo sanguíneo

O bloqueio do fluxo sanguíneo para um grupo de alvéolos transfere o sangue para alvéolos que se

encontram “normais”, que, por sua vez, passam-se a encontrar algo sobre-perfundidos. Deste modo, o

bloqueio não aumenta apenas o VA/Q nos alvéolos a jusante do bloqueio, como também diminui o V A/Q

noutras regiões. Assim, o redireccionamento do fluxo sanguíneo acelera a não-uniformidade da

ventilação.

Regulação da ventilação local

Uma vez que a ventilação de um espaço morto faz com que a PCO2  caia para cerca de 0 mm Hg nos

alvéolos a jusante, este fenómeno leva a uma alcalose respiratória no fluido intersticial das redondezas.

Essas alterações locais despoletam um mecanismo compensatório de constrição dos bronquíolos, ao

nível dos tecidos adjacentes, de tal modo que num período de segundos, a passagem aérea é

parcialmente transferida desde os alvéolos não-perfundidos até aos alvéolos normais, para os quais o

fluxo sanguíneo também é transferido. Esta compensação faz sentido, em termos teleológicos, na

medida em que tende a corrigir o desvio de VA/Q, quer nos alvéolos não-perfundidos, quer nos alvéolos

normais. O mecanismo preciso de constrição bronquiolar é ainda desconhecido, embora se saiba que o

músculo liso bronquiolar possa contrair, em parte, devido ao elevado pH extracelular.

Para além de uma alcalose respiratória local, a eliminação da perfusão apresenta uma segundaconsequência. A jusante do bloqueio, os pneumócitos alveolares tipo II ficam privados de vários

nutrientes, incluindo dos lipídeos que necessitam para produzir surfactante. Como resultado do

decréscimo do fluxo sanguíneo, a produção de surfactante cai num período de horas.

Consequentemente, verifica-se um decréscimo local da compliance, o que ainda reduz mais a ventilação

local.

A constrição bronquiolar (que está associada a um aumento da resistência) e a redução da produção de

surfactante (que está associada a uma menor compliance) são respostas compensatórias que apenas

trabalham bem se o espaço morto alveolar for relativamente pequeno, de tal modo que seja mantido

um grande volume de tecido saudável, para o qual o fluxo de ar possa ser redireccionado.

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214

Shunt

A ventilação de espaço morto alveolar

encontra-se numa extremidade do espectro

dos mismatches VA/Q, enquanto no extremo

oposto se encontra o efeito de shunt , que

corresponde à passagem de sangue por

alvéolos não-ventilados (rácio VA/Q de zero).

No shunt verifica-se a presença de algo que

impede o ar inspirado de chegar a uma certa

quantidade de alvéolos. Consequentemente, o sangue venoso misto que se assegura da perfusão dos

alvéolos não-ventilados desvia-se do lado direito para o lado esquerdo do coração, sem que ocorra

benefício para a ventilação. Quando o sangue pobre em oxigénio que sofre um shunt se mistura com osangue com alto teor de oxigénio que não sofreu um shunt (e que, portanto, sofreu ventilação),

obtemos um sangue “de mistura” com uma menor PO2 que o que seria normal, o que desencadeia um

fenómeno de hipoxia nas artérias sistémicas. Deste modo, é possível calcular a extensão de um shunt a

partir do grau de hipoxia. 

As causas naturais de obstrução das vias aéreas incluem a aspiração de um corpo estranho ou a

presença de um tumor no lúmen de uma via aérea de condução. O colapso dos alvéolos (atelectasia)

também produz um shunt  direita-esquerda, sendo que esse colapso pode-se dever a um pneumotórax.

A atelectasia também pode ocorrer normalmente (sem patologia subjacente) em regiões dependentes

dos pulmões, onde a P IP não é tão negativa e os níveis de surfactante diminuem gradualmente. Os actos

de bocejar ou suspirar aumentam a libertação de surfactante, podendo reverter a atelectasia fisiológica.

Num caso hipotético de presença de um corpo estranho, inicialmente, o ar aprisionado distalmente à

obstrução apresenta a composição do ar alveolar normal. Todavia, o sangue capilar pulmonar

gradualmente extrai oxigénio a partir do ar aprisionado e adiciona dióxido de carbono. Eventualmente, a

PO2 e a PCO2 do ar aprisionado deslocam-se para os valores do sangue venoso misto. Caso o shunt seja

pequeno, de tal modo que não afecte a PO2 e a PCO2 do sangue arterial sistémico, então os alvéolos terão

uma PO2 de 40 mm Hg e uma PCO2 de 46 mm Hg.

Redireccionamento do fluxo aéreo

O bloqueio do fluxo aéreo para um grupo de alvéolos leva à transferência do ar para porções normais do

pulmão que, subsequentemente, se tornam algo hiperventiladas. Desta forma, um shunt   não diminui

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apenas o VA/Q nos alvéolos não-ventilados, mas também aumenta o VA/Q de outras regiões. Como

resultado total verifica-se uma menor uniformidade nos rácios VA/Q.

Asma

Uma oclusão incompleta de uma via aérea leva um decréscimo do VA/Q, apesar de este ser mais ligeiro

que no caso de uma obstrução completa. A asma corresponde a um exemplo desta oclusão incompleta,

no qual a hiper-reactividade do músculo liso das vias aéreas aumenta a resistência local das vias aéreas,

e diminui a ventilação dos alvéolos que se encontram distalmente ao processo patológico.

Shunts anatómicos locais

As veias cardíacas mínimas drenam algum do sangue venoso

proveniente do músculo cardíaco (sobretudo, do ventrículo

esquerdo), directamente para a cavidade cardíaca

correspondente, de tal modo que a distribuição de sangue

desoxigenado a partir das vias cardíacas mínimas para o ventrículo

esquerdo corresponde a um shunt direita-esquerda.

As artérias brônquicas, ramos da artéria aorta que transportam

cerca de 2% do débito cardíaco, irrigam as vias aéreas condutoras. Após se ter deslocado através dos

capilares, cerca de metade do sangue brônquico drena para uma veia sistémica (a veia ázigos) e,

subsequentemente, para o lado direito do coração. Contudo, a outra metade do sangue venoso

brônquico anastomosa-se com o sangue oxigenado nas vénulas pulmonares, constituindo um shunt

anatómico direita-esquerda.

Shunts patológicos

A síndrome de insuficiência respiratória do recém-nascido pode ser motivo de colapso das vias aéreas.De facto, a hipoxémia generalizada no recém-nascido pode levar à constrição da vasculatura pulmonar,

o que acarreta hipertensão pulmonar e o desvio do sangue através do buraco oval, ou de um ducto

arterioso patente.

Regulação da perfusão local

Os alvéolos que derivam de um único bronquíolo terminal rodeiam a arteríola pulmonar que nutre esses

alvéolos. Deste modo, as células musculares lisas vasculares desta arteríola pulmonar encontram-se

mergulhadas em fluido intersticial, cuja composição reflecte a do gás alveolar local. No caso de um

shunt , as células musculares lisas vasculares sentem uma diminuição na P O2, um aumento na PCO2, e uma

queda do pH. O decréscimo na PO2  alveolar local despoleta uma vasoconstrição pulmonar hipóxica

compensatória, que é aumentada pela acidose respiratória acompanhada (esta resposta é, então,

oposta à verificada nas arteríolas sistémicas, que dilatam em resposta à hipoxia). A vasoconstrição

pulmonar hipóxica faz sentido, sob o ponto de vista teleológico, na medida em que permite transferir o

sangue desde os alvéolos não-ventilados em direcção aos alvéolos normais, para onde o fluxo aéreo

também está a ser transferido. Esta compensação tende a corrigir o desvio V A/Q quer nos alvéolos não-

ventilados, quer nos alvéolos normais.

Caso a quantidade de tecido pulmonar envolvida no shunt seja suficientemente pequena (<20%), então

a vasoconstrição hipóxica causa um efeito mínimo na resistência vascular pulmonar total. A

vasoconstrição causa um ligeiro aumento na pressão arterial pulmonar, que recruta e distende vasos

pulmonares fora da zona de shunt . Pelo contrário, a hipóxia alveolar geral (causada, por exemplo, pela

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ascensão a elevas altitudes) produz uma vasoconstrição hipóxica generalizada, que pode levar a que a

vasculatura pulmonar mais que duplique.

Consequências dos mismatches VA/Q  

Mesmo um indivíduo normal apresenta regiões pulmonares com valores VA/Q que se encontram entre

os 0,6 e os 3,3. Para além disso, mesmo um indivíduo normal apresenta variações locais no V A/Q, devido

à ventilação de espaços mortos, bem como à presença de shunts fisiológicos e anatómicos. Esses

mismatches fisiológicos VA/Q produzem uma PCO2 arterial que é entendida como sendo normal e uma

PO2 arterial também entendida como sendo normal. Todavia, caso se verifique a presença de processos

patológicos que exagerem estes mismatches, passam-se a registar situações de acidose respiratória e

hipoxia. As sofisticadas respostas compensatórias para a ventilação de um espaço morto e para a

presença de um shunt ajudam a minimizar esses mismatches, de tal modo que anomalias

descompensadas no VA/Q levam a acidose respiratória e a hipoxia.

Ventilação de um espaço morto alveolar que afecte um pulmão

Quando a perfusão se torna limitada, o débito cardíaco mantém um valor normal de 5 L/minuto, mas

todo o sangue desloca-se para as regiões não afectadas. Por outro lado, o VA  mantém-se a um valor

normal de 4,2 L/minuto, sendo igualmente distribuído por todas as regiões. Caso toda a perfusão do

pulmão esquerdo fosse eliminada, teríamos um rácio VA/Q de 2,1/0 para o pulmão esquerdo, ou seja,

um rácio de   . Já para o pulmão direito, teríamos um rácio VA/Q de 2,1/5, ou seja, de 0,42.

Obviamente, que o rácio VA/Q total normal é de 0,84.

Continuando com o exemplo anterior, o pulmão direito terá, então, de eliminar todo o dióxido decarbono que o corpo produz, ou seja, o pulmão direito deverá eliminar dióxido de carbono a uma taxa

duas vezes superior à normal. Todavia, o pulmão direito dispõe da sua V A normal de 2,1 L/minuto. Uma

vez que a quantidade normal de ar alveolar deverá transportar duas vezes mais dióxido de carbono no

novo estado estacionário, a PCO2 alveolar do pulmão direito duplica para cerca de 80 mm Hg. Uma vez

que todo o débito cardíaco perfunde o pulmão direito, a P CO2 arterial também é de cerca de 80 mm Hg.

Deste modo, mesmo na presença de uma grave anomalia V A/Q produzida pela ventilação de espaço

morto alveolar, o pulmão mantém-se capaz de expelir uma quantidade normal de dióxido de carbono

(cerca de 200 mL/minuto), mas à conta de uma PCO2 arterial muito elevada, o que leva a uma acidose

respiratória.

O pulmão direito também deverá distribuir oxigénio para o sangue a uma taxa duplicada. Contudo, umavez que o pulmão direito apresenta uma VA normal de apenas 2,1 L/minuto, a sua PO2 cai para cerca de

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51 mm Hg no novo estado estacionário. O sangue que abandona o pulmão direito, que é idêntico ao

sangue arterial sistémico, também apresenta uma PO2 de 51 mm Hg. Desta forma, mesmo aquando de

uma grave anomalia no rácio VA/Q, o pulmão apresenta a capacidade de exportar uma quantidade

normal de oxigénio (cerca de 250 mL/minuto), mas à conta de uma PO2 arterial muito baixa (hipoxia).

Assim, o pulmão “saudável” hiperperfundido não consegue dar conta do défice que resulta do pulmão

hipoperfundido. Deste modo, torna-se importante compensar este défice quer localmente, quer

sistemicamente. A compensação local envolve a constrição bronquiolar e a diminuição da produção de

surfactante no pulmão anormal, o que diminui a ventilação de espaço morto alveolar e aumenta a

ventilação alveolar efectiva para o pulmão “saudável”. Já os mecanismos sistémicos envolvem um

aumento da ventilação (promovido pela presença de acidose respiratória e de hipoxia). Voltando ao

exemplo inicial, caso o corpo conseguisse duplicar a VA para o pulmão direito, esta faria um matching 

com a perfusão (que estaria em duplicado), e todos os parâmetros voltariam ao normal.

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Um embolismo pulmonar maciço que obstrua a artéria pulmonar esquerda é superficialmente similar ao

exemplo já discutido. Todavia, outros problemas associados fazem com que o embolismo pulmonar seja

potencialmente fatal.

Shunt que afecte um pulmão

Consideremos agora um exemplo diferente, em que um objecto ocluiria o brônquio principal esquerdo,

de tal modo que toda a ventilação para a o lado esquerdo seria eliminada. Neste caso, o V A  total

manter-se-ia a 4,2 L/minuto, mas toda a ventilação deslocar-se-ia para o pulmão direito. Deste modo, o

rácio VA/Q para o pulmão esquerdo seria de 0/2,5, ou seja, seria nulo. Já o V A/Q para o pulmão direito

seria de 4,2/2,5, ou seja, de 1,68 (VA/Q superior ao normal).

O pulmão direito deverá, então, eliminar o dióxido de carbono a duas vezes a sua taxa normal. Todavia,

o pulmão direito também apresenta uma VA  duplicada. Uma vez que uma quantidade de ar alveolar

duplicada transporta uma quantidade duplicada de dióxido de carbono, no novo estado estacionário, o

pulmão direito apresenta uma PCO2 alveolar normal. O sangue que abandona o pulmão normal também

apresenta uma PCO2 normal. Contudo, o pulmão não-ventilado apresenta a PCO2 do sangue venoso misto

(de cerca de 51 mm Hg). Uma vez que as duas correntes de sangue se misturam (ocorrendo mistura

entre o sangue venoso e o sangue ventilado proveniente dos alvéolos), o ventrículo esquerdo passa a

apresentar um conteúdo em dióxido de carbono intermédio, correspondendo a uma pressão arterial de

dióxido de carbono de cerca de 46 mm Hg. Deste modo, mesmo com uma grave anomalia no rácio V A/Q,

produzida por um shunt , o pulmão mantém a capacidade de expelir uma quantidade normal de dióxido

de carbono, mas à conta de uma elevada pressão arterial de dióxido de carbono (acidose metabólica).

O pulmão direito normal deverá também distribuir oxigénio para o sangue a uma taxa duplicada.

Todavia, uma vez que a VA  do pulmão direito também se encontra duplicada, no seu novo estado

estacionário, a pressão de oxigénio alveolar é normal. O sangue que abandona o pulmão direito

também apresenta uma PO2

 normal. Todavia, o pulmão não-ventilado, apresenta uma PO2

 equivalente à

do sangue venoso misto (cerca de 29 mm Hg neste exemplo). Deste modo, a saturação da Hb e o

conteúdo de oxigénio encontram-se reduzidos para metade. Após mistura venosa, o sangue apresenta

valores intermédios na PO2, no conteúdo do oxigénio, e na saturação da Hb. Deste modo, mesmo com

uma anomalia VA/Q grave, causada por um shunt , o pulmão mantém a capacidade de importar uma

quantidade normal de oxigénio, mas à conta de uma PO2 arterial extremamente baixa (hipoxia).

Um mismatch VA/Q causado por um shunt leva apenas a uma acidose respiratória moderada, mas a uma

hipoxia grave, algo que tem por base o facto de a curva de dissociação Hb-oxigénio se encontrar quase

saturada a uma PO2  arterial normal. Caso o conteúdo de oxigénio fosse proporcional à P O2, então a

mistura de sangue que não sofreu um shunt   (PO2  = 100 mm Hg) com o sangue que sofreu um shunt

(PO2 = 29 mm Hg) originaria sangue arterial com uma PO2 de 65 mm Hg [(100 + 29)/2 = ∼65 mm Hg], umvalor muito superior ao valor da PO2 arterial normal de cerca de 40 mm Hg.

No exemplo dado, o shunt gerado iria despoletar mecanismos de compensação a nível local e a nível

sistémico. Localmente, a vasoconstrição hipóxica transferiria sangue para os alvéolos bem ventilados.

Sistemicamente, um aumento no VA diminuiria a PCO2 e aumentaria a PO2 no pulmão direito. De facto,

mesmo um aumento modesto na VA seria suficiente para diminuir o PCO2 e aumentar o PO2 no pulmão

normal. Contudo, mesmo que a VA  aumentasse infinitamente, a PO2  arterial manter-se-ia a valores

abaixo dos 100 mm Hg, devido à forma da curva de dissociação Hb-oxigénio.

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Mismatches VA/Q mistos

Os mismatches VA/Q patológicos levam a um aumento do intervalo de valores dos rácios V A/Q, paraalém dos limites fisiológicos. Alguns alvéolos podem constituir espaço morto alveolar verdadeiro,

enquanto outros podem ser apenas sub-perfundidos de forma modesta. Existem ainda alvéolos que se

podem encontrar com um shunt total, enquanto outros podem ser apenas sub-ventilados de forma

modesta. Desta forma, o ventrículo esquerdo recebe uma mistura de sangue proveniente dos alvéolos

com rácios VA/Q que variam entre 0 e . Rácios patologicamente elevados de VA/Q em alguns alvéolos

não poderão cobrir os rácios patologicamente baixos de V A/Q, encontrados em outros alvéolos, e vice-

versa. Deste modo, o resultado de um mismatching VA/Q patológico e não compensado envolve sempre

a presença de acidose respiratória e hipoxia.

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Trocas gasosas

Os movimentos do oxigénio e do dióxido de carbono ao longo da barreira alveolar sangue-gás ocorrem

por difusão simples. O movimento aleatório, por si só, causa um movimento molecular a partir de áreas

de elevada concentração para áreas de baixa concentração. Apesar da difusão  per se não envolver

gastos energéticos, tem de ocorrer ventilação e circulação, de modo a serem criados gradientes deconcentração que possibilitem a difusão de oxigénio e dióxido de carbono. De referir que a difusão é um

processo altamente eficaz para curtas distâncias.

A passagem diz respeito ao número de moléculas de oxigénio que se deslocam ao longo da área total de

uma barreira por unidade de tempo (as suas unidades exprimem-se em moles/segundo). Caso essa

passagem seja normalizada relativamente à área da barreira, obtemos um fluxo (contudo, neste texto o

termo fluxo será usado no sentido de fluxo ou de passagem).

Os fisiologistas respiratórios medem o fluxo de um gás (tal como o oxigénio) através do volume de gás

que se movimenta por unidade de tempo, algo passível de ser descrito através da seguinte fórmula:

Esta equação é uma versão simplificada da lei de Fick e estabelece que o fluxo total é igual ao produto

de DL  (uma constante de proporcionalidade designada por capacidade de difusão) pelo gradiente

parcial de pressões.

A aplicação da lei de Fick  à difusão de um gás ao longo da parede alveolar requer alterações neste

modelo. De facto, nos alvéolos não temos uma barreira simples a separar dois compartimentos

preenchidos com gás seco, mas sim uma barreira húmida coberta por água de um lado e a separar um

volume preenchido por ar húmido de um volume de plasma sanguíneo a 37ºC.

Duas propriedades dos gases contribuem para a DL  – o peso molecular e a solubilidade em água:

1. 

A mobilidade do gás decresce à medida que o seu peso molecular aumenta. De facto, a lei de

Graham  estabelece que a difusão é inversamente proporcional à raiz quadrada do peso

molecular.

2. 

A lei de Fick estabelece que o fluxo de um gás ao longo de uma barreira húmida é proporcional

ao gradiente de concentrações deste gás dissolvido em água. De acordo com a lei de Henry,

essas concentrações são proporcionais às respectivas pressões parciais, sendo a solubilidade

do gás a constante de proporcionalidade nessa lei. Deste modo, os gases pouco solúveis (taiscomo o hélio ou o azoto) difundem-se mal ao longo da parede alveolar.

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Para além disso, duas propriedades da barreira contribuem para a DL  – a área e a espessura:

1. 

O fluxo total de oxigénio é proporcional à área (A) da barreira, pois as probabilidades de uma

molécula de oxigénio colidir com a barreira tornam-se maiores.

2.  O fluxo total é inversamente proporcional à espessura (a) da barreira, o que inclui a camada de

água. Quanto mais espessa for a barreira, menor o gradiente de pressão parcial de oxigénio

através desta.

Por fim, existe ainda uma propriedade comum à barreira e ao gás que também contribui para a D L – a

constante de proporcionalidade k  , que descreve a interacção do gás com a barreira. Assim, substituindo

o DL da equação anterior pelos seus determinantes, já referidos, obtemos a seguinte equação:

Difusão total de oxigénio e seus determinantes

A equação anterior descreve a difusão total entre dois compartimentos cujas propriedades são

uniformes espacialmente e temporalmente. Caso assumamos que o ar alveolar, a barreira sangue-gás, e

o sangue capilar pulmonar, são uniformes no espaço e no tempo, então a  difusão total de oxigénio 

(VO2) desde o ar alveolar até ao sangue capilar pulmonar será de: (aplicação da equação anterior )

DLO2 

O DLO2 corresponde à capacidade de difusão para o oxigénio, sendo determinado por cinco parâmetros,

dois dos quais variam temporalmente (durante o ciclo respiratório) e espacialmente (desde um local da

parede alveolar para outro). Durante a inspiração, a expansão pulmonar leva a um aumento da área de

superfície disponível para difusão (A) e a uma diminuição da espessura da barreira (a). Devido a estas

diferenças temporais, o DLO2 deverá ser máximo no final da inspiração. Todavia, mesmo num instante

temporal, a espessura da barreira difere entre locais da parede alveolar. Essas diferenças espaciais

verificam-se quer em repouso, quer durante o ciclo respiratório.

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Pressão alveolar de oxigénio (PAO2)

Tal como a área e a espessura, a pressão alveolar de oxigénio varia temporalmente e espacialmente.

Em qualquer alvéolo, a PAO2  é maior durante a inspiração e menor antes da iniciação da inspiração

seguinte (após a perfusão ter drenado maximamente o oxigénio a partir dos alvéolos). Já em termos

espaciais, quando um indivíduo se encontra de pé, a pressão alveolar de oxigénio é maior perto do ápicedo pulmão e menor perto da base. Para além disso, as variações mecânicas na resistência das vias

aéreas condutoras e na compliance dos alvéolos levam a que a ventilação (e, como tal, a PO2) varie entre

os alvéolos.

Pressão capilar de oxigénio (PCO2)

À medida que o sangue flui ao longo dos capilares, a P O2 capilar aumenta até corresponder à PAO2. Dessa

forma, a difusão de oxigénio é máxima no início dos capilares pulmonares, caindo gradualmente para

zero nas regiões mais afastadas dos capilares. Para além disso, este perfil varia durante o ciclo

respiratório.

Problemas na aplicação da lei de Fick

As complicações referidas para a difusão de oxigénio também se aplicam à difusão de dióxido de

carbono. De entre essas complicações, a mais séria diz respeito à alteração da pressão capilar de

oxigénio com a distância, ao longo do capilar pulmonar. Assim, a lei de Fick, tal como descrita na

equação anterior, apenas pode ser aplicada a um local da parede alveolar (e respectiva parede capilar

aposta) e a um momento único do ciclo respiratório. Ou seja, para o oxigénio temos que: 

Para um único local da parede alveolar e para um único instante temporal, a área e a espessura (e, deste

modo, a DLO2) apresentam valores bem definidos, tal como acontece com as pressões de oxigénio

(alveolar e capilar). Deste modo, a quantidade total de oxigénio que flui de todos os alvéolos para todos

os capilares pulmonares ao longo de todo o ciclo respiratório corresponde à soma de todos os eventos

de difusão, ou seja, corresponde à adição de todos os locais das paredes alveolares (e suas porções da

parede capilar adjacente) e todos os tempos do ciclo respiratório:

Contudo, como é óbvio, a aplicação desta fórmula não é prática para prever a captação de oxigénio.

Todavia, podemos facilmente calcular a captação de oxigénio já ocorrida por via do princípio de Fick. A

taxa de captação de oxigénio pelos pulmões  corresponde à diferença entre a taxa de abandono do

oxigénio dos pulmões  (por via das veias pulmonares) e a taxa de distribuição de oxigénio para os

pulmões (através das artérias pulmonares).

A taxa de abandono do oxigénio a partir dos pulmões, por sua vez, consiste no produto entre o fluxo

sanguíneo (isto é, o débito cardíaco  – Q ) e o conteúdo de oxigénio do sangue venoso pulmonar, que é

virtualmente o mesmo do sangue arterial sistémico (CaO2). Esse conteúdo corresponde à soma do

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oxigénio dissolvido e do oxigénio ligado à hemoglobina (Hb). De modo similar, a taxa de distribuição de

oxigénio aos pulmões corresponde ao produto do débito cardíaco e do conteúdo do sangue arterial

pulmonar  (que é o mesmo do sangue venoso misto  –  CvO2). Assim, a diferença entre as taxas de

abandono e de distribuição de oxigénio é de:

Para um débito cardíaco de 5L/minuto, um CaO2 de 20 mL de oxigénio/dL de sangue, e um CvO2 de 15 mL

de oxigénio/dL de sangue, a taxa de captação de oxigénio pelo sangue capilar pulmonar é de:

Obviamente, a quantidade de oxigénio que os pulmões captam deverá ser a mesma,

independentemente do que é previsto pela aplicação repetida da aplicação da lei de Fick para a difusão,

ou da sua medição por via do princípio de Fick.

Membrana respiratória e suas implicações no transporte de gases

Até agora, o transporte de oxigénio foi descrito como se ocorresse numa barreira homogénea. Todavia,

a barreira é uma estrutura tripla, contendo uma célula epitelial alveolar, uma célula endotelial de um

capilar, e um espaço intersticial entre estas duas estruturas (que contém matriz extracelular). O

conjunto destas estruturas constitui a membrana respiratória, uma barreira admirável pela sua grandeárea de superfície (entre 50 a 100 m 2), pela sua pequena espessura (cerca de 0,6 µm), e também pela

sua força (que se deve à presença de colagénio IV na lâmina densa da membrana basal presente na

matriz extracelular).

Para o oxigénio se difundir do ar alveolar para a Hb dentro de um eritrócito, o oxigénio deve atravessardoze mini-barreiras discretas. Assim, uma capacidade de mini-difusão (D 1-D12) governa cada um destes

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doze passos, contribuindo para a capacidade de difusão de membrana (DM), que descreve, sobretudo,

como é que o oxigénio se difunde através de várias membranas. Em termos matemáticos, o inverso da

DM corresponde à soma dos inversos de todas as capacidades de mini-difusão:

Como é óbvio, estes parâmetros variam com a localização no pulmão e com a posição no ciclo

respiratório.

Para a maior parte do oxigénio que entra no sangue, o passo final prende-se com a ligação à Hb, algo

que ocorre a uma taxa finita, calculada através da seguinte fórmula:

Nesta fórmula, θ é uma taxa constante que descreve quantos mL de oxigénio gasoso se ligam à Hb em 1

mL de sangue, a cada minuto e para cada mm Hg de pressão parcial. Por seu turno, Vc corresponde aovolume de sangue presente nos capilares pulmonares. O produto θ x Vc apresenta as mesmas unidades

que a DM (mL/ min . mm Hg), sendo que ambos contribuem para a capacidade de difusão total:

Uma vez que o oxigénio se liga à Hb de forma muito rápida, o valor da expressão

 é de apenas cerca

de 5% do valor da expressão

. Já para o CO, que se liga à Hb de forma mais forte comparativamente

ao oxigénio, mas mais lentamente, o produto θ   x Vc  é, de longe, mais importante em termos

quantitativos. A captação total de CO aparenta então depender igualmente de θ x Vc e de DM.

Relativamente ao movimento de dióxido de carbono, poder-se-ia pensar que a DL  para o dióxido de

carbono seria substancialmente maior que para o oxigénio, na medida em que o dióxido de carbono

apresenta uma solubilidade em água cerca de 23 vezes superior à do oxigénio. Todavia, a D L  para o

dióxido de carbono é apenas entre 3 a 5 vezes superior à D L  para o oxigénio. Isto deve-se,

provavelmente, ao facto da interacção entre o dióxido de carbono e os eritrócitos ser mais complexa,

envolvendo interacções com a Hb, anídrase carbónica, e com o trocador Cl-HCO3.

Em suma, o movimento do oxigénio, CO, e dióxido de carbono, entre o alvéolo e o capilar pulmonar

envolve, não apenas a difusão, mas também a presença de interacções com a Hb. Apesar de essas

interacções apresentarem um efeito menor na capacidade de difusão para oxigénio, estas sãoextremamente importantes para o CO e dióxido de carbono. Assim, embora abordemos a “capacidade

difusão” como ocorrendo ao longo de uma barreira homogénea, é preciso tomar em consideração, que

este processo é muito mais complexo.

Transporte de monóxido de carbono

Um indivíduo que tenha respirado ar contendo um nível muito baixo de CO por um breve período de

tempo e que, subsequentemente, respire um ar com níveis elevados de CO por longos períodos de

tempo pode, inclusive, morrer. Isto deve-se ao facto de o CO, que se liga à Hb com uma afinidade cerca

de 200 ou 300 vezes superior à do oxigénio, prevenir a Hb de libertar oxigénio para os tecidos. Caso

assumamos uma pressão atmosférica (PB) de 760 mm Hg e uma PH2O de 47 mm Hg a 37ºC, podemoscalcular a PCO do ar húmido inspirado que entra nos alvéolos:

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Um pequeno gradiente de CO (como o da

equação do exemplo, de 0,7 mm Hg) leva àdifusão de CO desde o ar alveolar até ao

plasma sanguíneo. À medida que o CO

entra no plasma sanguíneo, este difunde-

se para o citoplasma dos eritrócitos, onde

a Hb se liga a este avidamente. O fluxo de

CO do alvéolo para o eritrócito é tão lento,

e a afinidade e capacidade da Hb se ligar

ao CO é tão elevada, que a Hb se liga a

quase todo o CO que entra nos pulmões.

Assim, uma vez que apenas uma pequena

fracção do CO total no sangue capilar

pulmonar se mantém livre em solução, a

fase aquosa do sangue mantém-se como um meio quase perfeito de escoamento para o CO. Isto

significa que a pressão capilar de CO, que é proporcional à [CO] livre no capilar, aumenta apenas

ligeiramente (ou seja, o seu valor é pouco superior a 0 mm Hg) à medida que o sangue se desloca no

capilar. Deste modo, quando o sangue chega ao fim do capilar, a pressão capilar de CO apresenta ainda

um valor muito inferior à pressão alveolar de CO. Pondo isto por outras palavras, o CO não consegue

atingir o equilíbrio de difusão entre o alvéolo e o sangue.

Em suma, existem dois motivos pelos quais a pressão capilar de CO aumenta tão lentamente à medida

que o sangue flui ao longo do capilar pulmonar:

1.  O fluxo do CO (VCO) é baixo. De acordo com a lei de Fick, VCO = DLCO (PACO - PcCO). Ora, a PCO 

alveolar que promove a difusão de CO é extremamente baixa (porque o valor da PCO inspirada

também é extremamente baixo), o que leva a que a pressão capilar de CO  aumente

lentamente. Para além disso, a DLCO fisiológica também é moderada.

2.  A Hb aprisiona continuamente o CO que chega aos pulmões.

No que concerne aos determinantes que influenciam a quantidade de CO captada pelo sangue à medida

que este flui no capilar, estes são os mesmos que se aplicam ao oxigénio. Aplicando o princípio de Fick

podemos quantificar quanto CO entrou no sangue:

Nesta fórmula, Overall V CO corresponde ao fluxo total de CO ao longo do comprimento total de todos os

capilares dos pulmões; Q corresponde ao débito cardíaco; Cc'CO  corresponde ao conteúdo em CO do

sangue no término do capilar pulmonar (quer dissolvido, quer ligado à Hb); e Cv'CO  diz respeito ao

conteúdo em CO do sangue venoso misto no início do capilar. Caso assumamos Cv' CO como sendo zero,

a equação anterior simplifica para:

De modo análogo ao discutido anteriormente, esta expressão deverá ser igual à soma dos eventos dedifusão individuais, como calculados a partir da lei de Fick:

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Variação do transporte de monóxido de carbono por variação da DL e do débito cardíaco.

Transporte limitado pela difusão

A captação de CO é proporcional à DLCO 

para uma série de valores de DLCO.

Contudo, seria possível tornar o DLCO de tal

modo elevado que a PCO aumentaria muito

rapidamente. Isto levaria a que o CO

equilibrasse com a Hb antes do fim do

capilar, o que significaria que a PCO capilar

iria atingir o valor da PCO alveolar. Todavia,para valores fisiológicos de DLCO  (bem

como para níveis baixos de PCO  e para

concentrações normais de Hb) o CO não

consegue atingir o equilíbrio no final do

capilar.

Já no que concerne ao efeito do débito

cardíaco, caso reduzíssemos o Q para

metade, mantendo constantes as

dimensões do capilar, o tempo de

contacto do sangue com o capilar alveolar

duplicaria. Assim, para qualquer distância,

registar-se-ia um tempo duas vezes

superior para a difusão de CO. Contudo, ao

reduzir o Q para metade, iríamos também

aumentar o Cc'CO, de tal modo que o

resultado do produto [Q · Cc'CO = VCO] seria

igual ao verificado no estado basal.

Deste modo, para intervalos

normais de Q, verificamos

que a captação de CO não é

afectada por alterações no

fluxo sanguíneo. Todavia,

caso reduzíssemos o Q para

valores extremamente

baixos, verificar-se-ia que a

PCO capilar iria atingir o valor

da PCO  alveolar no final do

capilar.

Em suma, em termos fisiológicos, a captação de CO é, de grosso modo, proporcional ao DL  e algo

insensível à perfusão (não varia com o débito cardíaco). Deste modo, classificamos a captação de CO

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como sendo limitada pela difusão, na medida em que é a capacidade de difusão que,

predominantemente, limita o transporte de CO.

Uma forma de avaliar se o transporte de um gás é limitado pela difusão, ou limitado pela perfusão,

prende-se com a comparação da pressão parcial do gás no final do capilar pulmonar com a pressão

parcial alveolar. Caso o gás não atinja um equilíbrio de difusão (i.e., caso a pressão parcial no final do

capilar não consiga igualar o valor da pressão parcial alveolar), então o transporte é

predominantemente limitado pela difusão. Por outro lado, caso o gás atinja um equilíbrio de difusão,

então o seu transporte é limitado pela perfusão.

Transporte de óxido nitroso

Contrariamente ao CO, o óxido

nitroso  (N2O) não se liga à Hb.

Deste modo, quando um

indivíduo inala N2O, este gás

entra no plasma sanguíneo e nocitoplasma dos eritrócitos de tal

modo que, à medida que o

sangue flui pelo capilar pulmonar,

a concentração de N2O (e, como

tal, a pressão capilar de N2O)

aumenta muito rapidamente.

Quando o sangue apenas

completou cerca de 10% do seu

percurso ao longo do capilar, a

PcN2O já atingiu o valor da pressão

alveolar de N2O  e,consequentemente, o N2O já se

encontra em equilíbrio de difusão.

O motivo pelo qual o N2O atinge um equilíbrio de difusão, contrariamente ao CO, não se prende tanto

com o facto de o DLN2O  ser particularmente elevado ou da PN2O  ser particularmente elevada. A razão

principal prende-se com o facto de a Hb não se ligar ao N2O.

Considerando que o conteúdo em N2O do sangue venoso misto que entra no capilar pulmonar (CvN2O) é

0, temos que:

O Cc'N2O  corresponde ao conteúdo em N2O do sangue no final do capilar pulmonar, representando a

totalidade do N2O completamente dissolvido fisicamente no sangue, que, de acordo com a lei de Henry,

é proporcional à PcN2O. Mais uma vez, o VN2O total, calculado a partir do princípio de Fick, corresponde à

soma dos eventos de difusão individuais ao longo do capilar:

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Uma vez que o N2O atinge o equilíbrio de difusão a cerca de 10% do comprimento do capilar, os termos

de difusão individuais da equação anterior igualam a zero para os restantes 90% distais do capilar.

Variação do transporte de óxido nitroso por variação da DL e do débito cardíaco. Transporte

limitado pela perfusão

Caso dupliquemos o DLN2O  a partir de

um valor basal, duplicamos o fluxo de

N2O para o sangue para cada evento de

difusão, o que leva a que o N2O fique

em equilíbrio de difusão duas vezes

mais rapidamente que anteriormente.

Todavia, isto não tem efeito no

conteúdo em N2O do sangue do final do

capilar, nem no VN2O. Paralelamente,

reduzir para metade o DLN2O  também

não teria qualquer efeito no VN2O. Destemodo, a captação de N2O é insensível a

alterações na DLN2O  (pelo menos, para

valores normais), não sendo, por isso,

limitada pela difusão.

Por outro lado, caso o Q fosse reduzido

para metade, mantendo o DLN2O 

constante, o tempo de contacto do

sangue com o alvéolo duplicaria.

Embora isto não surtisse qualquer

efeito na Cc'N2O, o VN2O  seria reduzidopara metade. Paralelamente, a

duplicação do Q leva a uma duplicação

do VN2O. Desta forma, a captação de

N2O é, de grosso modo, proporcional ao

fluxo sanguíneo (à perfusão),

motivo pelo qual se diz que o

transporte de N2O é,

predominantemente, limitado

pela perfusão.

Todavia, é necessário ter em

conta que, teoricamente, sob

condições especiais o

transporte de CO poderá passar

a ser limitado pela perfusão,

enquanto o transporte de N2O

poderá passar a ser limitado pela difusão.

Avaliação do DL

Devido ao facto de a capacidade de difusão pulmonar desempenhar um papel tão importante na

determinação do perfil de pressão parcial de um gás ao longo do capilar pulmonar torna-se essencial

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medir o DL. Para além disso, a avaliação deste parâmetro pode ser útil como ferramenta diagnóstica e

para monitorizar a progressão de doenças que afectam o DL.

Já foi referido que é possível usar a lei de Fick para calcular a captação total de um gás, caso somemos

todos os eventos individuais de difusão para todos os locais da parede alveolar e todos os tempos do

ciclo respiratório:

Caso fosse possível ignorar as não-uniformidades espaciais e temporais, então seria possível eliminar os

dois somatórios problemáticos e, como tal, calcular o DLgás a partir do Vgas total. Poderíamos acomodar

variações modestas de natureza espacial e temporal na PAgás  por via do cálculo da pressão parcial

alveolar média  Agás). Para além disso, caso o perfil de pressão parcial do gás ao longo do capilar fosse

linear, poderia ser utilizada uma pressão parcial capilar média ( 

Cgás

). Para qualquer gás que verifique

estas assumpções, a equação anterior poderia ser simplificada para uma expressão similar à da versão

da lei de Fick com a qual este texto começou:

Deste modo, para estimar o DL, não poderia ser usado o N2O, cuja captação é limitada pela perfusão e

em que o VN2O é praticamente insensível a alterações no DL. Ou seja, dito por outras palavras, a driving

 pressure entre o alvéolo e o capilar (PAN2O - PcN2O) é elevada no início do capilar, mas rapidamente cai

para zero. Contudo, o CO seria uma excelente escolha para avaliar o D L, na medida em que a sua

captação é limitada pela difusão, de tal modo que alterações no DL  apresentam um efeito quase

proporcional do VCO. Ou seja, por outras palavras, a driving pressure entre o alvéolo e o capilar (PACO -PcCO) é quase ideal, na medida em que cai, de grosso modo, linearmente à medida que o sangue se

desloca ao longo do capilar pulmonar. Assim, a equação anterior poderia ser resolvida em função do

DLCO, através da seguinte forma:

De referir que a DLCO e o VCO são valores médios que reflectem as propriedades de todos os alvéolos em

ambos os pulmões e em todos os períodos do ciclo respiratório. A ACO  reflecte alterações de pouca

importância durante o ciclo respiratório, assim como variações mais substanciais da P ACO de alvéolo paraalvéolo, devido a diferenças locais na ventilação e perfusão. Por fim, a CCO  não apenas reflecte um

pequeno aumento na PcCO à medida que o sangue flui pelos capilares, como também integra a presença

de qualquer CO que esteja presente no sangue venoso misto que entra nos capilares pulmonares.

Todavia, para indivíduos não-fumadores que vivam num ambiente não poluído, PvCO é quase zero.

Uma vez que o valor de DLCO depende da DM e do θ x Vc, que apresentam um valor de cerca de 50 mL

CO/(min · mL sangue) cada um, o valor normal do D LCO é de cerca de 25 mL de CO extraídos por minuto

para cada milímetro de mercúrio de pressão parcial que conduz à difusão de CO e para cada milímetro

de sangue com um conteúdo normal em Hb:

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Assim, o parâmetro

 é responsável por uma contribuição major para o DLCO final. Uma vez que o VC é

proporcional ao conteúdo em Hb do sangue, e uma vez que o conteúdo em Hb está diminuído numa

situação de anemia, um indivíduo pode apresentar uma situação em que o DLCO se encontre reduzido,

mas as vias de difusão no pulmão (isto é, o D M) se encontrem perfeitamente normais. De relembrar que

o parâmetro

 é responsável por uma contribuição insignificante para o DL do oxigénio.

Transporte de oxigénio

O sangue que entra nos capilares pulmonares

apresenta uma pressão média de 40 mm Hg,

correspondendo à PO2  do sangue venoso misto. A

PO2  capilar iguala a PO2  alveolar (que apresenta

cerca de 100 mm Hg), por volta do terço proximal

do capilar. Este perfil de PO2  ao longo do capilar

pulmonar é intermédio entre o do CO e o do N 2O,

enquanto o transporte de oxigénio é similar ao doCO, na medida em que ambas as moléculas se

ligam à Hb.

A captação de oxigénio difere da de CO em três

aspectos importantes:

1.  A Hb que entra nos capilares pulmonares já se encontra fortemente “pré-carregada” com

oxigénio - Uma vez que a Hb no sangue venoso misto se encontra cerca de 75% saturada com o

oxigénio (conta 0% de saturação para o CO), a capacidade de ligação da Hb ao oxigénio é

relativamente baixa.

2. 

A PO2

 alveolar é relativamente elevada (100 mm Hg para o oxigénio contra <1 mm Hg para o

CO), o que implica que o gradiente para a P O2 seja elevado (cerca de 60 mm Hg) e que a taxa

inicial de difusão de oxigénio desde o alvéolo até ao sangue capilar pulmonar seja altíssima.

3.  O DL para o oxigénio é superior ao do CO, devido à presença de um maior θ x Vc 

Como resultado da combinação destes três factores, a

Hb do sangue capilar pulmonar rapidamente se

aproxima do seu equilíbrio de capacidade de transporte

de oxigénio, ao nível do primeiro terço do capilar. Uma

vez que a PO2  capilar equilibra com a PO2  alveolar, o

transporte de oxigénio diz-se limitado pela perfusão.

Assim, na medida em que o oxigénio normalmenteatinge o equilíbrio de difusão num ponto tão proximal

do capilar, o pulmão apresenta uma grande reserva de

DL  para a captação de oxigénio. Isto permite que, mesmo caso a D LO2  fosse reduzida para metade, o

oxigénio ainda atingiria o equilíbrio de difusão no final dos dois-terços proximais do capilar. Por outro

lado, caso o DLO2  duplicasse, o oxigénio atingiria o equilíbrio de difusão muito mais cedo. Todavia,

nenhuma destas alterações referidas para o DLO2 afectariam a captação de oxigénio, uma vez que esta

não é limitada pela difusão.

A reserva de DL para a captação de oxigénio é importante durante o exercício. No exercício, o débito

cardíaco aumenta até cinco vezes, diminuindo assim substancialmente o tempo de contacto do sangue

com os capilares pulmonares. Este tempo de contacto aparenta não diminuir mais que três vezes, namedida em que uma pressão ligeiramente aumentada recruta e distende os vasos pulmonares. Como

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resultado, mesmo no exercício vigoroso, a PO2 atinge um

equilíbrio virtual com o ar alveolar no final do capilar.

Deste modo, o aumento do débito cardíaco durante o

exercício leva a um aumento correspondente no VO2, o

que acarreta vários benefícios para a sobrevivência.

Em pacientes com doença pulmonar, um espessamento

da barreira alveolar ar-sangue pode reduzir o DLO2 de tal

modo que o equilíbrio da PO2 fique impedido de ocorrer

durante o exercício. Neste caso excepcional, o transporte

de oxigénio torna-se limitado pela difusão.

Tal como o exercício, a altitude elevada altera o perfil da

PO2  ao longo dos capilares. Altitudes elevadas estão

associadas a um decréscimo proporcional da pressão

atmosférica e de PO2 ambiente, o que leva a uma queda da

PO2  alveolar. Devido a uma maior extracção de oxigéniopor parte dos tecidos sistémicos, a PO2  também é menor

no sangue venoso misto que entra nos capilares

pulmonares. Esta menor PVO2 acarreta duas consequências

 – em primeiro lugar, o gradiente de PO2 no início do capilar torna-se baixo, o que reduz a taxa absoluta

de transporte de oxigénio. Por outro lado, uma vez que a elevadas altitudes a PO2 do sangue venoso

misto é inferior, passamos a operar a diferentes valores da curva de dissociação Hb-oxigénio, o que faz

com que um dado aumento no conteúdo em oxigénio do sangue capilar pulmonar leve a um menor

aumento da PO2.

Quando é praticado exercício físico a elevadas altitudes, o transporte de oxigénio pode se tornar

limitado pela difusão, mesmo em indivíduos saudáveis. Obviamente que, se o indivíduo tambémapresentar uma condição patológica que diminua o DLO2, então o transporte ainda se tornará mais

limitado pela difusão, a uma altitude elevada.

Transporte de dióxido de carbono

O sangue venoso misto que entra nos

capilares pulmonares apresenta uma PCO2  de

cerca de 46 mm Hg, enquanto a PCO2 alveolar

é de cerca de 40 mm Hg. Deste modo, o

dióxido de carbono difunde-se na direcção

oposta à do oxigénio (desde o sangue até aosalvéolos) de tal modo que a PCO2  diminui ao

longo dos capilares pulmonares, atingindo um

equilíbrio de difusão. O facto do DL  para o

dióxido de carbono ser entre três a cinco

vezes superior ao do oxigénio, leva a que o

dióxido de carbono atinja o seu equilíbrio

mais rapidamente. Todavia o atingir deste

equilíbrio é lentificado por dois factores:

1. 

O gradiente de PCO2 é de apenas 6 mm Hg no início do capilar (10% do gradiente de PO2)

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2. 

Em intervalos fisiológicos, a curva de dissociação para o dióxido de carbono é, de longe, mais

abrupta que a curva de dissociação Hb-oxigénio. Assim, um decréscimo no conteúdo em

oxigénio do sangue capilar pulmonar leva a uma diminuição relativamente pequena na PCO2.

A presença de um menor

gradiente e de uma curva de

dissociação mais verticalizada

contrapõem-se a uma maior

DL. Pensa-se que a PCO2 capilar

atinja a PCO2  alveolar no

primeiro terço do capilar

pulmonar (tal como acontece

para o oxigénio), embora

existam autores que

defendam que este equilíbrio

só se atinge no final do

capilar. De qualquer modo,uma diminuição de DL, tal

como se verifica em algumas

doenças, ou no exercício

físico, podem levar a que o

transporte de dióxido de carbono passe a ser (excepcionalmente) limitado pela difusão.

Capacidade de difusão pulmonar em estados patológicos

A capacidade de difusão pulmonar diminui em estados patológicos caracterizados por um espessamento

da barreira alveolar sangue-gás, por uma redução na área de superfície (ou seja, dos capilares)

disponível para a difusão, ou por um decréscimo na quantidade de Hb presente nos capilarespulmonares. Exemplos de processos patológicos acompanhados por um decréscimo na D L incluem:

1.  Fibrose pulmonar intersticial difusa   –  Processo fibroso que causa um espessamento do

interstício e das paredes alveolares, e a destruição dos capilares (por vezes com decréscimos

marcados da DL).

2.  Doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC) – A DPOC não aumenta apenas a resistência das

vias aéreas condutoras, mas também pode levar a uma destruição dos capilares pulmonares e,

deste modo, a uma redução da área de superfície disponível para a difusão e do conteúdo de

Hb capilar pulmonar total.

3. 

Perda de tecido pulmonar funcional  – Pode ser causada pela presença de um tumor, ou pela

ocorrência de uma cirurgia. A remoção cirúrgica de tecido pulmonar reduz o D L devido a umdecréscimo na área de superfície e do conteúdo em Hb capilar pulmonar total.

4.  Anemia  – A diminuição do conteúdo de Hb total leva à diminuição do θ x Vc 

Apesar de as doenças pulmonares poderem causar uma diminuição no DL  e hipoxémia (ou seja, um

decréscimo na PO2  arterial), não é necessariamente verdade que o decréscimo no DL  é a única ou a

principal causa de hipoxémia. As mesmas doenças que diminuem o DL também afectam a distribuição da

ventilação e perfusão ao longo do pulmão. Ora, o mismatching  da ventilação e perfusão entre várias

regiões dos pulmões pode levar a hipoxémia. Para além disso, uma vez que os pulmões apresentam uma

importante reserva de DL para o oxigénio, a DL teria que diminuir para cerca de um terço do seu valor,

normal para o transporte de oxigénio se tornar limitado pela difusão. Deste modo, numa doença que

cause, quer um decréscimo na DL, quer perturbações na distribuição da ventilação e perfusão, torna-se

difícil determinar até que ponto a redução do DL é responsável pela hipoxémia resultante. 

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Transporte de gases

Transporte de oxigénio

O sangue transporta oxigénio sob duas formas. Mais de 98% do oxigénio encontra-se ligado à

hemoglobina, ao nível dos eritrócitos, enquanto a restante fracção de oxigénio dissolve-se fisicamentenas fases aquosas do plasma sanguíneo e do citoplasma dos eritrócitos e outras células sanguíneas.

O facto de o oxigénio ser transportado ligado à hemoglobina apresenta importância capital. Caso um

litro de plasma sanguíneo sem oxigénio fosse exposto a um ambiente que contivesse uma PO2 de 100

mm/Hg (a mesma dos alvéolos), o ar deslocar-se-ia desde a atmosfera até ao plasma até ser

estabelecido um equilíbrio, pois de acordo com a lei de Henry:

Assim, a concentração de oxigénio dissolvido [O2]Dis  deverá ser igual ao produto da solubilidade do

oxigénio (k O2) por PO2. Ora, assumido valores médios para a solubilidade e para PO2, iríamos obter (apóstransformação da equação) uma concentração de:

A partir deste valor podemos calcular a distribuição de oxigénio, por via do princípio de Fick:

Todavia, um indivíduo de 70kg em repouso consome oxigénio a uma taxa de cerca de 250 mL/min.

Assim, constatamos que o oxigénio dissolvido é insuficiente para responder às necessidades metabólicas

do organismo (este apenas poderia ser suficiente, caso o débito cardíaco aumentasse dezassete vezes).

Deste modo, a presença de hemoglobina como meio de transporte de oxigénio revela-se essencial para

que as necessidades sistémicas de oxigénio possam ser asseguradas.

Hemoglobina

A hemoglobina  (Hb) é um tetrâmero, em que cada

monómero é constituído por um grupo heme e por uma

globina. O heme é um composto de porfirina associado a

um único átomo de ferro. Já a globina  é um

polipeptídeo, que se pode apresentar na cadeia α  (141

aminoácidos) ou na cadeia β  (146 aminoácidos). A

homologia entre ambas as cadeias é suficiente para

assegurar que estas apresentem uma conformação

similar – uma série de sete hélices envolvendo um único

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heme (e, por isso, cada Hb apresenta duas globinas de

cadeia α  e duas de cadeia β). Assim, a molécula de Hb

consegue-se ligar a quatro moléculas de oxigénio, uma

para cada átomo de ferro. De referir que, os eritroblastos,

que sintetizam Hb, coordenam rigorosamente a produção

de cadeias α, cadeias β e heme.

O heme apresenta um ião ferroso (Fe2+) central e um anel

de porfirina (constituído por quatro anéis pirrol ligados).

Uma vez que o complexo ferro-porfirina é rico em ligações

duplas conjugadas, este absorve fotões de relativamente

baixa energia (por exemplo, a luz do espectro visível). A

interacção entre o oxigénio, o ferro e a porfirina leva,

então, a que este complexo apresente uma cor vermelha

quando se encontra totalmente saturado com oxigénio, e

uma cor arroxeada quando se encontra desprovido de oxigénio.

Estado tenso e estado relaxado da hemoglobina

A Hb apenas se consegue ligar ao oxigénio quando o ferro

se encontra no estado Fe2+. O Fe2+ na Hb pode ser oxidado a

ião férrico (Fe3+), quer espontaneamente, quer sob

influência de compostos tais como os nitritos e os

sulfonamidos. A metemoglobina  (metHb) surge como

resultado dessa oxidação, sendo incapaz de se ligar ao

oxigénio. Todavia, ao nível dos eritrócitos, a enzima

redútase da metemoglobina  reduz a metHb a Hb, com

concomitante oxidação do NADH (isto permite que apenasuma fracção mínima da Hb total se encontre no estado

metHb). Existe uma deficiência genética rara caracterizada

por deficiências nesta enzima, o que está associado, como é

óbvio, a um aumento dos níveis de metHb e,

subsequentemente, a um decréscimo da capacidade de transporte de oxigénio e a hipoxia.

A interacção entre o heme e o oxigénio deve ser totalmente reversível sob condições fisiológicas,

permitindo a captura e a libertação repetida de oxigénio. A interacção do oxigénio com o ião Fe 2+ leva à

formação de Fe3+, de forma irreversível. Contudo, ao nível da Hb tal não se verifica, devido à presença

de cerca de 20 aminoácidos da globina que envolvem o heme (nomeadamente, devido a um resíduo

crucial de histidina que se liga ao Fe2+

 e confere uma carga negativa que estabiliza o complexo Fe2+

-O2).Assim, o oxigénio oxida de forma irreversível o Fe 2+ presente no heme isolado, mas tal não acontece na

hemoglobina, onde o heme interage com as globinas.

O resíduo de histidina já referido é também essencial para transmitir (ao resto do tetrâmero de Hb) a

informação de que uma molécula de oxigénio se encontra ou não ligada ao Fe 2+. Deste modo, quando

todos os hemes se encontram desprovidos de oxigénio, cada uma das quatro histidinas puxa o ferro

superiormente ao plano do seu anel porfirina, distorcendo, assim, este anel. A ligação Fe 2+-histidina na

ausência de oxigénio está, como tal, associada ao estado tenso da Hb, em que os vários componentes

do tetrâmero de Hb se encontram fortemente interligados. A forma do heme no estado tenso da Hb

inibe a aproximação de oxigénio à Hb e, como tal, a Hb “vazia” apresenta uma afinidade muito baixa

para o oxigénio.

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Contudo, quando o oxigénio se liga

a um dos iões Fe2+, o Fe2+  tende a

mover-se para o plano do anel

porfirina, o que leva a uma

libertação da tensão associada à

ligação Fe2+

-histidina. Quando severifica a ligação de moléculas de

oxigénio suficientes, gera-se uma

energia tal que todas as

subunidades de Hb passam para um

estado relaxado  (quer estejam, ou

não, ligadas ao oxigénio). No estado relaxado, a Hb apresenta uma afinidade para o oxigénio que é cerca

de 150 vezes superior, comparativamente ao estado tenso.

Em suma, quando a PO2 é zero, todas as moléculas de Hb encontram-se no estado tenso e apresentam

pouca afinidade para o oxigénio. Por outro lado, quando a PO2 é muito elevada, todas as moléculas de

Hb encontram-se no estado relaxado, apresentando uma elevada afinidade para o oxigénio. Em níveisintermédios de PO2 regista-se um equilíbrio entre as moléculas de Hb nos estados tenso e relaxado.

Mioglobina

A mioglobina (Mb) é outra proteína de ligação ao oxigénio que contém heme. A Mb é específica para as

células musculares, apresentando capacidade de se ligar a apenas uma molécula de oxigénio. Todavia, a

Mb apresenta uma afinidade muito maior para o oxigénio, comparativamente à Hb. Assim, ao nível dos

capilares, a Hb pode participar na entrega de oxigénio para uma Mb, que se encontre dentro de uma

célula muscular. Subsequentemente, a Mb pode transferir o oxigénio para a Mb vizinha, e assim por

diante, acelerando a difusão de oxigénio através da célula muscular. Devido à baixa solubilidade do

oxigénio, esta acção é essencial.

Curva de dissociação Hemoglobina-O2

Analisando uma curva de dissociação Hb-O2  constatamos que o eixo das ordenadas diz respeito à

quantidade de oxigénio ligado à Hb (nas ordenadas do lado esquerdo essa informação é fornecida

através de valores percentuais da saturação de oxigénio, enquanto no eixo das ordenadas do lado

direito essa informação é

expressa em termos de

conteúdo de oxigénio).

De forma a sabermos a

saturação em oxigénio  (SO2),

necessitamos de saber qual a

quantidade máxima de

oxigénio que se consegue ligar

à Hb a valores extremamente

altos de PO2 (capacidade de

oxigénio). Assim, a capacidade

de oxigénio é de cerca de 1,35

mL de oxigénio por grama de

Hb. Assim, uma vez que o

conteúdo de Hb no sangue é de15 g Hb/dL, em 100 mL de

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sangue, obtemos uma quantidade máxima de oxigénio ligada à Hb de:

Isto possibilita o cálculo da percentagem de SO2 da Hb, através da seguinte fórmula:

A curva de dissociação Hb-O2 é sigmóide, devido a cooperação estabelecida entre os quatro locais de

ligação para o oxigénio presentes ao nível da molécula de Hb. Para valores baixos de P O2, aumentos na

PO2  acarretam aumentos relativamente pequenos na ligação de oxigénio, o que reflecte a baixa

afinidade para o oxigénio no estado tenso da Hb. Aquando de valores moderados de PO2, aumentos na

PO2 levam a um aumento mais abrupto da quantidade de oxigénio ligado à Hb (na medida em que mais

moléculas de Hb se convertem para o estado relaxado). Por fim, esta curva atinge uma fase de  plateau 

para valores elevados da PO2. De referir que, o valor da PO2  para o qual metade da Hb se encontra

saturada se designa por P50.

A uma PO2 de 100 mm/Hg (PO2 normal para o sangue arterial), a saturação de Hb é de cerca de 97,5% (o

que corresponde a 19,7 mL O2/dL ligados à Hb). O conteúdo total de oxigénio, por sua vez, resulta da

soma do oxigénio ligado à Hb com o oxigénio dissolvido (0,3 mL O 2/dL), sendo, como tal, de 20 mL

O2/dL.

No sangue venoso misto, onde PO2 equivale a cerca de 40 mm/Hg, a saturação de Hb é de cerca de 75%

(15,2 mL O2/dL ligados a Hb). Já o oxigénio dissolvido corresponde a um acréscimo de 0,1 mL O2/dL, paraum total de 15,3 mL O2/dL. Assim, a diferença do conteúdo total de oxigénio entre o sangue arterial e o

sangue venoso misto (diferença entre os pontos a-v da curva) corresponde à quantidade de oxigénio

que os pulmões acrescentam ao sangue, ao nível dos tecidos pulmonares. De referir que esta

quantidade de oxigénio é igual à quantidade total de oxigénio extraída do sangue pelos vários tecidos,

ao nível da circulação sistémica.

Desta diferença a-v total de 4,7 mL O2/dL, a Hb transporta 4,5 mL O2/dL, ou seja, quase 96% do oxigénio

que os pulmões introduzem/que os tecidos sistémicos extraem a partir do sangue. Através da aplicação

do princípio de Fick, constatamos que, para um débito cardíaco de 5L/minuto e para uma diferença a-v

de 4,7 mL/dL, as necessidades metabólicas do organismo conseguem ser perfeitamente satisfeitas:

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Embora o valor de 235 mL O2/min seja menor que 250 mL O2/min, o corpo facilmente atinge este último

valor, quer aumentando o débito cardíaco em cerca de 6%, quer através da diminuição da P O2 do sangue

venoso misto.

Analisando o gráfico de representação do oxigénio dissociado em função da PO2, constatamos que a

quantidade de oxigénio passível de se dissolver no plasma não apresenta nenhum máximo teórico.

Assim, a inspiração de oxigénio puro levaria a um aumento da PO2 arterial cerca de seis vezes, de tal

modo que se encontrariam dissolvidos cerca de 1,8 mL de oxigénio em cada decilitro de sangue arterial.

Todavia, nessa condição não-fisiológica a Hb continuaria a transportar a maior parte do oxigénio. Isto

significa que um decréscimo na quantidade de Hb (anemia) pode reduzir o transporte de oxigénio de

forma vincada. A resposta do organismo a um decréscimo de Hb pode se fazer por via de um aumento

do débito cardíaco, assim como por via do aumento da extracção de oxigénio (através da redução da P O2

do sangue venoso misto). Todavia, estas respostas produzem efeitos deletérios no organismo.

Se níveis diminuídos de Hb são deletérios, então um aumento do conteúdo de Hb deveria aumentar o

conteúdo máximo de oxigénio, fornecendo uma vantagem competitiva para os atletas. De facto, e

apesar de em indivíduos normais a concentração de Hb no citoplasma dos eritrócitos já serextremamente elevada, a hipoxia (por exemplo, aquando de uma situação de adaptação a elevadas

altitudes) leva a um aumento na produção de eritropoietina, uma hormona que aumenta o número de

eritrócitos, bem como da quantidade de Hb por eritrócitos. Isto explica o porquê de alguns atletas

treinarem em altitude (isto para não mencionar casos de atletas que se injectam com eritropoietina

recombinante). Todavia, um aumento excessivo no hematócrito (policitemia) leva ao aumento da

viscosidade do sangue e, como tal, da resistência vascular (o que acarreta um aumento da pressão

sanguínea sistémica e pulmonar, assim como um mismatch da ventilação-perfusão que poderá levar a

hipoxia).

A cor arroxeada da Hb desnaturada leva a um sinal físico designado por cianose, caracterizado por uma

coloração arroxeada da pele e membranas mucosas. A cianose resulta não da ausência de Hb saturadaou oxigenada, mas sim da presença de Hb desnaturada. Deste modo, um paciente anémico com Hb

pouco saturada pode não apresentar cianose, devido ao facto de apresentar também muito pouca Hb

insaturada.

Distribuição de oxigénio nos tecidos metabolicamente mais activos

Os tecidos metabolicamente mais activos não apresentam apenas elevadas necessidades de oxigénio.

Estes tecidos também produzem calor, bem como grandes quantidades de dióxido de carbono, sendo,

como tal, acídicos. De facto, as temperaturas elevadas, a elevada PCO2, e o baixo pH dos tecidos

metabolicamente activos levam a um decréscimo na afinidade do oxigénio para a Hb. Essa sua acção

permite alterar o equilíbrio entre os estados tenso e relaxado da Hb, promovendo o estado tenso. Destemodo, os tecidos metabolicamente activos “pressionam” a Hb presente nos capilares sistémicos para

que esta liberte mais oxigénio que o normal. Já os tecidos menos activos sinalizam a Hb num sentido de

libertar menos oxigénio. Ao nível dos capilares pulmonares, onde a temperatura é inferior,

comparativamente aos tecidos activos, a PCO2 é relativamente baixa e o pH é elevado  –  estas

propriedades promovem uma captação do oxigénio por parte do Hb.

Efeito da temperatura

O aumento da temperatura leva a que a curva de dissociação Hb-oxigénio se desloque para a direita,

enquanto o decréscimo de temperatura apresenta o efeito oposto. Assim, para a PO2 do sangue venoso

misto (40 mm/Hg), a quantidade de oxigénio ligado à Hb torna-se progressivamente menor para

temperaturas mais elevadas. Por outras palavras, a temperatura diminui a afinidade da Hb para o

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oxigénio, o que permite a libertação

deste último. Um dos mecanismos pelo

qual se regista este efeito térmico pode

envolver pequenas alterações nos

valores de pK de várias cadeias

aminoacídicas, o que causa alterações nacarga total e, desse modo, uma alteração

conformacional. 

Efeito do pH

Também uma acidose respiratória

promove um deslocamento da curva de

dissociação Hb-O2  para a direita (efeito

de Bohr). Quando os eritrócitos entram

nos capilares sistémicos, verifica-se a

ocorrência fisiológica de uma acidoserespiratória moderada. A esse nível, o

aumento da PCO2 extracelular leva a que

o dióxido de carbono entre nos

eritrócitos, o que leva a uma diminuição no pH

intracelular.

Outros metabolitos acídicos podem também

diminuir o pH extracelular (e, como tal,

intracelular). Deste modo, esta acidose respiratória

intracelular apresenta duas componentes  –  um

decréscimo no pH e um aumento na PCO2. 

A elevada sensibilidade da Hb a alterações de pH

prende-se com o facto de a Hb ser um

extraordinário buffer de H+:

Assim, à medida que se acidifica uma solução,

verifica-se um aumento do rácio [Hb-H+]/[Hb], o

que altera a conformação da molécula de Hb,

diminuindo, desse modo, a sua afinidade para ooxigénio:

Sob condições fisiológicas verifica-se que a ligação de cerca de 0,7 mol de H +  leva a que a Hb liberte 1

mol de oxigénio. Esta propriedade é importante para tecidos onde a concentração de [H +] é elevada. Por

oposição, a ligação do oxigénio à Hb leva a uma alteração conformacional desta última, o que diminui a

sua afinidade para o H+.

Efeito do dióxido de carbono

O efeito isolado da hipercapnia na curva de dissociação Hb-oxigénio representa uma pequena porção doefeito de Bohr total (a maior parte deve-se à acidose). Para um pH fixo, um aumento da PCO2 

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(acompanhado por um aumento proporcional do HCO3- para manter o pH fixo) leva a que o dióxido de

carbono se combine com grupos amina não protonados da hemoglobina (Hb-NH2) para formar grupos 

carbamina  (Hb-NH-COO-). Apesar da Hb apresentar vários grupos amina, apenas os quatro terminais

amina das cadeias de globina são susceptíveis a uma formação apreciável de carbaminas:

Assim, a formação de carbaminas leva a um aumento das cargas negativas num dos lados da cadeia

aminoacídica, o que leva a uma alteração da conformação da Hb, com consequente redução da sua

afinidade para o oxigénio:

Deste modo, um aumento na PCO2 leva a que a Hb

liberte oxigénio, algo importante para os tecidos

sistémicos. Por oposição, um aumento na PO2  levaa que a Hb se desligue do dióxido de carbono, algo

importante nos pulmões.

Em suma, a curva de dissociação Hb-oxigénio

desloca-se para a direita nas condições dominantes

dos capilares dos tecidos sistémicos

metabolicamente activos (o aumento da

temperatura, o decréscimo do pH, e o aumento da

PCO2). Esses deslocamentos equivalem a um

decréscimo da afinidade para o oxigénio, de tal

modo que taxas metabólicas elevadas promovem alibertação de oxigénio, por parte da Hb. Como é

óbvio, não pode ocorrer libertação de oxigénio sem

que o sangue chegue aos tecidos e, de facto, na

maior parte das arteríolas sistémicas, a hipercapnia

local e acidose são também estímulos

vasodilatadores poderosos, aumentando a

“entrega” de oxigénio para tecidos metabolicamente activos.

Efeito do 2,3-bifosfoglicerato

A afinidade da Hb para o oxigénio é muito sensível à presença do metabolito glicolítico 2,3-bifosfoglicerato (2,3-BFG). A concentração de 2,3-BFG é quase igual à de Hb, na medida em que o 2,3-

BFG se liga à Hb numa estequiometria de 1:1, interagindo com a cavidade central formada pelas duas

cadeias β. A um pH fisiológico, o 2,3-BFG apresenta em média 3,5 cargas negativas, que interagem com

oito resíduos aminoacídicos carregados positivamente ao nível da cavidade central. Todavia, a ligação de

oxigénio altera a conformação da cavidade central, destabilizando a Hb ligada ao 2,3-BFG. Pelo

contrário, a ligação do 2,3-BFG à Hb destabiliza a interacção da Hb com o oxigénio, o que promove a

libertação de oxigénio:

Maiores níveis de 2,3-BFG levam a um desvio para a direita da curva de dissociação Hb-oxigénio, algoextremamente importante em situações de hipoxia ou na fisiologia da Hb fetal. Assim, um decréscimo

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na PO2  dos eritrócitos estimula a

glicólise, o que leva a níveis mais

elevados do 2,3-BFG e, por isso,

situações de hipoxia crónica, anemia,

e aclimação a altitudes elevadas,

encontram-se associadas a umincremento nos níveis de 2,3-BFG (o

que permite diminuir a afinidade da

Hb para o oxigénio). A redução desta

afinidade é um pau de dois bicos  – A

uma PO2  relativamente elevada, este

decréscimo na afinidade para o

oxigénio reduz ligeiramente a

captação de oxigénio. Todavia, a

baixas PO2, ao nível dos tecidos

sistémicos, este decréscimo na

afinidade para o oxigénio aumenta

de forma vincada a libertação de

oxigénio. O efeito total leva, então, a

um aumento da libertação de

oxigénio para os tecidos

metabolizantes, algo mais

importante que a PO2 per se.

A Hb fetal  apresenta uma afinidade

para o oxigénio superior à Hb

presente nos eritrócitos adultos. Esta

diferença é crucial para o feto,

estando relacionada com o facto de

as cadeias γ da Hb fetal se ligarem ao

2,3-BFG mais avidamente,

comparativamente às cadeias β  da

Hb adulta. Com menos 2,3-DPG

ligado, a curva de dissociação da Hb

fetal encontra-se desviada para a

esquerda. Isto permite que o feto

remova mais oxigénio a partir do

sangue materno da placenta.

Intoxicação por monóxido de carbono

O oxigénio não é o único gás que se consegue ligar ao ião Fe2+ da Hb  – o monóxido de carbono (CO), o

óxido nítrico (NO), e o H2S também apresentam a capacidade de se ligar à Hb e de alterá-la para o

estado relaxado. Na intoxicação por monóxido de carbono, o CO liga-se à Hb com uma afinidade que é

cerca de 200 vezes maior que aquela para o oxigénio. Deste modo, a capacidade máxima de oxigénio cai

proporcionalmente à ligação de CO à Hb. Todavia, a principal razão pela qual o CO é tóxico prende-se

com o facto de que, à medida que altera a Hb para o estado relaxado, o CO aumentar a afinidade da Hb

para o oxigénio, desviando a curva de dissociação para a esquerda. Deste modo, aquando de uma

intoxicação por CO, quando a Hb chega aos capilares sistémicos, a sua ligação ao oxigénio é tão forteque esta não consegue libertar suficiente oxigénio para os tecidos.

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Transporte de dióxido de carbono

O sangue transporta dióxido de carbono e compostos relacionados sob cinco formas (a soma da

quantidade de dióxido de carbono transportada em cada uma destas formas constitui o dióxido de

carbono total):

1.  Dióxido de carbono dissolvido: [CO2]Dis segue a lei de Henry, constituindo apenas cerca de 5%

do total de dióxido de carbono do sangue arterial.

2. 

Ácido carbónico (H2CO3): O H2CO3 pode se formar, quer a partir do dióxido de carbono e água,

quer a partir do H+ e HCO3-. Uma vez que a constante de equilíbrio que governa a reacção CO 2 +

H2O ↔ H2CO3 é de 0,0025, a [H2CO3] é de cerca de 400 vezes inferior à [CO2]. Assim, o H2CO3 

não é quantitativamente importante para o transporte de dióxido de carbono.

3.  Bicarbonato  (HCO3-): No sangue arterial, a [HCO3

-] é de cerca de 24 mM, de tal modo que o

HCO3- é a forma de transporte de cerca de 90% do dióxido de carbono total. O HCO 3

- pode ser

formado a partir de três formas:

a. 

Dissociação do H2CO3 em HCO3- e H+ 

b. 

Combinação directa do dióxido de carbono com OH-

 (reacção catalisada pela anídrasecarbónica)

c.  Combinação do carbonato com o H+ 

4. 

Carbonato (CO32-): O CO3

2- forma-se a partir da dissociação do bicarbonato:

Uma vez que o pK desta reacção é deveras elevado (cerca de 10,3), a [CO32-] é mil vezes menor

que a de bicarbonato a um pH fisiológico de 7,4. Desta forma, o CO 32- não é quantitativamente

importante para o transporte de dióxido de carbono.

5. 

Compostos carbamina: O composto carbamina mais importante é a hemoglobina carbamina 

(Hb-NH-COO-), que se forma rapidamente e reversivelmente, à medida que o dióxido de

carbono reage com os grupos amina livre da Hb. No sangue arterial, os compostos carbamina

constituem cerca de 5% do dióxido de carbono total.

Transporte de dióxido de carbono no plasma e nos eritrócitos

A concentração total de dióxido de carbono do

sangue é de cerca de 26 mM (ou 48 mL de

dióxido de carbono por dL). O HCO3-  constitui

cerca de 90% destes 48 mL/dL. À medida que o

sangue se desloca através dos leitos capilares

sistémicos, este recolhe cerca de 4 mL/dL de

dióxido de carbono, de tal modo que o dióxido

de carbono do sangue venoso misto é de cerca

de 52 mL/dL.

10% destes 4 mL/dL de dióxido de carbono

adicionais são transportados como dióxido de

carbono dissolvidos, enquanto 69% são

transportados como HCO3- e 21% como

compostos carbamina. Desta forma, o dióxido

de carbono dissolvido e sob a forma de

compostos carbamina são, de longe, mais

importantes para o transporte do dióxido de

carbono adicional para os pulmões.

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À medida que as oxidações biológicas ocorridas ao nível das mitocôndrias produzem dióxido de

carbono, este gás difunde-se para fora das células, através do espaço extracelular, em direcção ao

plasma sanguíneo. Algum deste dióxido de carbono (cerca de 11%) mantém-se no plasma sanguíneo na

maior parte do seu caminho para os pulmões, mas a maior parte (cerca de 89%) entra nos eritrócitos,

pelo menos, durante o período inicial.

O dióxido de carbono adicional que se mantém no plasma desloca-se por via de três formas:

1. 

Dióxido de carbono dissolvido: Cerca de 6% do dióxido de carbono adicional mantém-se

dissolvido no plasma sanguíneo.

2. 

Compostos carbamina: Uma quantidade insignificante forma compostos carbamina com as

proteínas plasmáticas.

3. 

Bicarbonato: Cerca de 5% do dióxido de carbono adicional forma HCO 3-  no plasma, que se

mantém no plasma (CO2 + H2O → H2CO3 → H+ + HCO3-)

O restante dióxido de carbono adicional entra nos eritrócitos, sobretudo, através de dois “canais de

gases”, o AQP1 e o complexo Rh. Este dióxido de carbono também tem três destinos possíveis:

1. 

Dióxido de carbono dissolvido: Cerca de 4% do dióxido de carbono adicional mantém-se

dissolvido dentro do eritrócito.

2. 

Compostos carbamina: Cerca de 21% do dióxido de carbono incremental forma compostos

carbamina com a Hb. A quantidade de compostos carbamina formada ao nível dos eritrócitos é

muito superior àquela formada ao nível do plasma sanguíneo, devido a:

a. 

A concentração de Hb dentro dos eritrócitos ser muito superior à da albumina e

globulinas no plasma

b. 

A Hb formar compostos carbamina muito mais facilmente, comparativamente às

principais proteínas do plasma

c. 

A Hb formar compostos carbamina ainda mais facilmente à medida que perde

oxigénio, ao nível dos capilares sistémicos

d.  A Hb ser um buffer muito melhor para o H+  que se forma como subproduto da

formação de carbaminas, comparativamente às proteínas plasmáticas; tornando-seum buffer ainda melhor, à medida que perde oxigénio nos capilares sistémicos.

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3. 

Bicarbonato: Cerca de 64% do dióxido de carbono adicional forma HCO3-. De facto, uma maior

quantidade de dióxido de carbono origina HCO3-  no eritrócito, comparativamente ao plasma,

por vários factores, nomeadamente:

a. 

Os eritrócitos contêm níveis elevados de anídrase carbónica, o que acelera a

conversão de dióxido de carbono a HCO3-.

b. 

O trocador Cl-HCO3  AE1  transporta algum do HCO3

-

recém-formado para fora doseritrócitos, o que promove a formação de mais HCO3

- dentro dos eritrócitos.

c.  O efeito tampão do H+  por parte da Hb também puxa a reacção num sentido de

produção de HCO3-.

Quando o sangue venoso misto (com um PCO2 de cerca de 46 mm/Hg) chega aos capilares pulmonares

(rodeado por alvéolos com um PCO2 de apenas cerca de 40 mm/Hg), o dióxido de carbono desloca-se

desde os eritrócitos para o espaço aéreo alveolar. Como tal, todas as descritas mencionadas revertem-

se. Neste processo, o Cl- e a água abandonam os eritrócitos e, consequentemente, as células encolhem.

Determinantes do transporte de dióxido de carbono. Efeito de Haldane

O transporte do dióxido de carbono total no sangue depende dos três parâmetros para um gás

sanguíneo  –  a PCO2, o pH plasmático, e a PO2. Assim, decréscimos do pH levam a aumentos na P CO2,

embora outras ilações sejam passíveis de ser retiradas, aquando da análise de curvas de dissociação

para o dióxido de carbono:

1. 

Relação quase linear para o intervalo fisiológico dos valores de P CO2  e PO2. Pelo contrário, a

curva de dissociação do oxigénio é altamente não-linear no seu intervalo fisiológico (de 40 a

100 mm/Hg).

2.  Deslocamento para cima da curva para valores menores da P O2: Para qualquer PCO2, o conteúdo

total de dióxido de carbono aumenta à medida que a P O2 (ou a saturação da Hb) cai – efeito de

Haldane. Desta forma, à medida que o sangue entra nos capilares sistémicos e liberta oxigénio,

a capacidade de transporte de dióxido de carbono aumenta de tal modo que o sangue captadióxido de carbono extra. Por oposição, à medida que o sangue entra nos capilares pulmonares

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e se liga ao oxigénio, a capacidade de transporte de dióxido de carbono cai de tal modo que o

sangue liberta dióxido de carbono extra.

Assim, pode-se dizer que o efeito de Haldane é o reverso da medalha do efeito de Bohr  –  tal

como a ligação do H+  diminui a afinidade do oxigénio para a Hb, a ligação do oxigénio

destabiliza a Hb protonada, promovendo a libertação de H+, que, por sua vez, reduz a

capacidade de transporte de dióxido de carbono, ao favorecer a formação de dióxido decarbono a partir de carbamina e de HCO3

-. Para além disso, tal como a formação de carbamina

diminui a afinidade do oxigénio para a Hb, a ligação do oxigénio destabiliza os compostos

carbamina da Hb, o que promove a libertação de dióxido de carbono.

3. 

Uma vez que as curvas de dissociação do dióxido de carbono são muito mais acentuadas que as

curvas de dissociação do oxigénio, a PCO2 tem de aumentar desde 40 mm/Hg no sangue arterial

até apenas 46 mm/Hg no sangue venoso misto, de forma a que o conteúdo de dióxido de

carbono sofra um aumento de 4 mL/dL, algo necessário para remover o dióxido de carbono tão

rapidamente quanto este é produzido, ao nível das mitocôndrias. Por oposição, a P O2 terá que

diminuir de 100 para 40 mm/Hg para libertar oxigénio suficiente que assegure as necessidades

metabólicas.

Analisando as curvas de dissociação do dióxido de carbono, constatamos que a diferença v-a, que

corresponde aos 4 mL/dL de dióxido de carbono que o sangue capta à medida que atravessa os capilares

sistémicos, é potenciada por uma diminuição da PO2 (ou seja, pelo efeito de Haldane). Caso o efeito de

Haldane não existisse, a PCO2 aumentaria apenas 2,7 mL/dL. Desta forma, para uma PCO2 de 46 mm/Hg, a

queda da PO2,  que se verifica à medida que o sangue flui através dos capilares sistémicos, permite ao

sangue captar cerca de 50% mais dióxido de carbono. Dito por outras palavras, caso não existisse efeito

de Haldane, a PCO2 do sangue venoso misto teria de aumentar até cerca de 49 mm/Hg para o sangue

captar esses 4 ml/dL de dióxido de carbono.

A PCO2 e o pH influenciam a curva de dissociação Hb-oxigénio (efeito de Bohr), enquanto a PO2 influencia

a curva de dissociação do dióxido de carbono (efeito de Haldane). Os diagramas oxigénio-dióxido decarbono permitem, assim, ilustrar de forma útil esta dependência mútua.

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Regulação da ventilação pulmonar

Vias neuronais associadas

No bulbo raquidiano existe um central

 pattern generator , cuja localização precisaé desconhecida, que gera o ritmo inerente à

actuação dos neurónios relacionados com a

respiração (que podem ser interneurónios,

neurónios pré-motores, ou neurónios

motores). Estes localizam-se ao nível do

bulbo raquidiano, constituindo um grupo

respiratório dorsal e um grupo respiratório

ventral. Os neurónios motores respiratórios

mais importantes encontram-se envolvidos

na inervação do diafragma, deslocando-se

via nervo frénico.

A eupneia  diz respeito ao padrão de

actividade inspiratória e expiratória que

ocorre normalmente (em estado acordado,

ou sono não REM, a actividade

moderada…). Num  estado eupneico

verifica-se a presença de um output

neuronal regular para os músculos da

inspiração, enquanto a expiração ocorre de

forma passiva, devido ao elastic recoil   e

relaxamento dos músculos da inspiração.

Contudo, quando aumentamos a actividade

física aumentamos a taxa de disparo dos

neurónios para os músculos inspiratórios e

começa-se a verificar uma acção dos

músculos expiratórios – a respiração passa a

ocorrer com mais “força” e com maior frequência. 

A apneia  é o conceito associado à ausência de ventilação, ocorrendo na medida em que o central

 pattern generator (CPG) deixa de receber o seu tonic drive, deixando por isso de actuar. Em situações

normais, o tonic drive para o CPG provém dos quimiorreceptores periféricos e centrais, de receptores

das vias aéreas e pulmões, e de núcleos não-respiratórios do tronco cerebral.

O CPG localiza-se no bulbo raquidiano, mas é modulado por outros locais, tais como a ponte cerebral,

onde se verifica a presença do centro apneurótico  (sito na ponte caudal, está associado ao

desenvolvimento de maiores esforços respiratórios) e do centro pneumotáxico  (sito na ponte rostral,

inibe o centro apneurótico e corresponde aos núcleos para-braquial e de Kölliker-Fuse).

Os neurónios relacionados com a respiração, para os quais o CPG projecta, encontram-se divididos num

grupo respiratório dorsal  (DRG) e num grupo respiratório ventral  (VRG). O DRG é constituído por

neurónios aferentes (neurónios do núcleo do tracto solitário e neurónios adjacentes, que recebem

informação proveniente de quimiorreceptores via nervo glossofaríngeo e vago) e por interneurónios e

neurónios pré-motores associados aos músculos inspiratórios. Já o VRG recebe projecções do DRG e

engloba neurónios eferentes para os músculos expiratórios (VRG caudal), neurónios eferentes para as

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vias respiratórias inferiores e músculos inspiratórios (porção intermédia do VRG, que contém o

complexo pré-Bölzinger), bem como neurónios eferentes que regulam a actividade expiratória da região

caudal (porção rostral do VRG).

Os padrões de disparo dos neurónios relacionados com a respiração dependem das propriedades

intrínsecas das suas membranas (ou seja, do seu conteúdo em canais iónicos membranares), assim

como dos inputs sinápticos recebidos. Assim, verifica-se a presença de vários padrões neuronais mais

especializados para diferentes fases do ciclo respiratório.

No que concerne à génese do ritmo destes neurónios existem duas teorias  –  a primeira postula queexistem neurónios com actividade de  pacemaker  que têm actividade automática e geram esse ritmo  – 

estes neurónios encontram-se ao nível do núcleo do tracto solitário e complexo pré-Bölzinger. A outra

teoria refere que não existem neurónios com actividade de  pacemaker e que o ritmo é gerado à conta

de um complexo padrão de interacções sinápticas. Contudo, actualmente acredita-se que um padrão

intrincado de relações sinápticas co-existe com uma série de neurónios de pacemaker e que ambos são

importantes na génese do ritmo para estes neurónios.

De acordo com estas teorias, existe divergência no que concerne à localização e existência do CPG  – há

quem o conceba como consistindo no complexo pré-Bölzinger, há quem defenda que existem vários

CPG ou que este é formado por vários neurónios dispersos, e, por fim, há quem acredite que nenhuma

região do DRG e do VRG seria suficiente para gerar todo o ritmo necessário e que este nasce dainteracção entre essas estruturas neuronais todas.

De referir que a actividade dos centros respiratórios do bulbo raquidiano está sujeita a controlo cortical.

Por outro lado, o córtex cerebral envia neurónios motores que controlam os músculos da respiração

(assim, lesões em áreas específicas do córtex causam apraxia respiratória, caracterizada por uma

incapacidade de suster a respiração voluntariamente). Assim, a actividade cortical modula a actividade

dos neurónios relacionados com a respiração, permitindo-a ajustar de acordo com os estados

emocionais, com actividades que não dizem respeito à respiração (tais como comer ou mascar). Estes

mecanismos de ajuste cortical são mais importantes num estado de vigília, envolvendo o sistema

activador reticular.

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Bernardo Manuel de Sousa Pinto❖Faculdade de Medicina da Universidade do PortoFisiologia I

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Quimiorreceptores periféricos

Os quimiorreceptores periféricos (corpo carotídeo e corpo aórtico) respondem a condições de hipoxia,

hipercápnia e acidose, embora preferencialmente respondam a situações de hipoxia. Contudo, a acidose

e a hipercápnia tornam os quimiorreceptores periféricos mais sensíveis à hipoxia.

O corpo carotídeo recebe o maior fluxo sanguíneo  per área e, apesar da sua taxa metabólica ser muito

grande, o fluxo que recebe é de tal modo grande que a composição do sangue ao nível desta estrutura é

similar à das artérias sistémicas.

Ao nível do corpo carotídeo encontramos uma série de células sustentaculares  (células do tipo II),

capilares fenestrados, e células de glomus (células do tipo I). As células de glomus, apesar de não serem

neurónios, apresentam a capacidade de libertar neurotransmissores, os quais são captados pelos

terminais aferentes dos nervos glossofaríngeo e vago. Subsequentemente, estes nervos sinaptizam no

núcleo do tracto solitário (pertencente ao DRG), o que permite, assim, o envio de informação aferente

proveniente do corpo carotídeo para o sistema nervoso central.

O corpo carotídeo recebe ainda inervação autónoma (simpática e parassimpática). Todavia, o sistema

nervoso simpático também actua nos vasos sanguíneos na proximidade do corpo carotídeo,

promovendo a sua vasoconstrição. Ora, isto leva a que o fluxo para o corpo carotídeo diminua, apesar

de esta estrutura manter um elevado metabolismo  –  esta situação faz com que o corpo carotídeo

interprete uma situação normal de maior actividade simpática como uma situação hipóxica, enviando

essa informação para o bolbo raquidiano (ou seja, a actividade simpática “engana” o corpo carotídeo).

O mecanismo que leva à libertação de neurotransmissores por parte das células de glomus envolve o

fecho de canais de potássio BK, algo que se processa de modo distinto de acordo com situações

diferentes. Aquando de uma hipercapnia ou de uma acidose, o aumento da P CO2 ou uma descida do pH

cursam com um aumento do teor em protões, o que leva a uma diminuição da condutância destes

canais. Por outro lado, aquando de uma situação de hipoxia ainda não se sabe muito bem o que leva ao

fecho dos canais de potássio  – existe quem defenda que este é provocado por um aumento do cAMP,

quem ache que isso se deve a alterações no rácio glutationa reduzida/oxidada, e, por fim, quem acredite

que o mecanismo subjacente é da responsabilidade de uma proteína contendo heme. De qualquer uma

das formas, o fecho dos canais BK leva à despolarização das células glomus, o que culmina com a

abertura de canais de cálcio e subsequente libertação de neurotransmissores.

Quimiorreceptores centrais 

Os quimiorreceptores centrais respondem a situações de hipercápnia ou descida de pH. Todavia, estes

receptores não respondem tanto ao aumento de PCO2 isoladamente, mas sim à acidose subjacente. Por

outro lado, caso se verifique uma situação de hipercápnia é despoletada uma resposta hiperventilatória

rápida, como mecanismo de compensação. Já uma acidose metabólica apenas leva a um aumento da

ventilação pulmonar muito tardiamente. Este aparente paradoxo é passível de ser explicado devido ao

facto da barreira hemato-encefálica ser permeável ao dióxido de carbono, mas não a iões como o HCO -

/H+. Assim, numa situação de hipercápnia, uma maior quantidade de dióxido de carbono vai atravessar a

barreira hemato-encefálica levando a uma diminuição do pH no fluido extracelular do encéfalo (com o

qual, os quimiorreceptores centrais contactam). Subsequentemente, os quimiorreceptores centrais

detectam uma descida de pH e encaminham uma resposta.

Os quimiorreceptores centrais encontram-se, sobretudo, ao nível do bulbo ventrolateral, embora

também se encontrem neurónios com capacidade de detecção de alterações da composição do sangueao nível do núcleo ambíguo, núcleo do tracto solitário, locus coeruleus, hipotálamo e, sobretudo nos

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Bernardo Manuel de Sousa Pinto❖Faculdade de Medicina da Universidade do PortoFisiologia I

núcleos da rafe medular. Nestes

últimos núcleos co-existem

neurónios serotoninérgicos

(estimulados pela acidose) e

neurónios GABAérgicos (inibidos

pela acidose).

O mecanismo de hiperventilação

surge como uma resposta