se lhe deixam falar

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“Se lhe deixam falar” é o 14º. livro de Mano Lima, cearense radicado em Brasília. Jornalista e Mestre em Educação, o autor atua como repórter de TV. Edita a revista “Capoterapia, um novo estilo de vida”. Tem obras publicadas em português, francês, inglês e espanhol. Como escritor, participou das bienais de Salvador e de Brasília, e de intercâmbios literários internacionais na Holanda, Espanha, Portugal, Alemanha, França, Bélgica, Cabo Verde (África) e Paraguai. É autor de diversos livros de capoeira inspirados na lei 10.639/2003, que tornou obrigatório o ensino da cultura afro-brasileira, dentre elas “Dicionário de Capoeira”, “Eu, você e a capoeira”, “Ginga no cerrado: capoeira e mobilização social” (Relevo, 2002), “A ginga dos mais vividos”, e “Seja um craque sem pedra”. Integrou o júri do projeto Capoeira Viva (Ministério da Cultura).

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Seleção de documentos:Aires Costa, Helânia Lima, Mano Lima e Raquel Costa.

Digitalização de imagens:Fábio Weslley Faustino e Rose Couto

Revisão:Aires Costa, Dailer Costa, Hedvane Ferreira, Helânia Lima e Raquel Costa

Diagramação:Claudio de Souza Cruz

Tiragem:10 mil exemplares

Composto e Impresso no BrasilPrinted in Brazil

Brasil;LIMA, Mano. Um líder em luta por liberdade na capital do Brasil. – Brasília, 2014. Editor: Aires Costa.152 p.: p/b.1. Biografia. 2. Documentário. I. Título.

CDU 618.2

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

©2014 Copyright by Mano Lima

Todos os direitos reservados ao autor. É expressamente proibida a reprodução dessa obra, por qualquer meio impresso, audiovisual ou eletrônico, sem a expressa autorização do autor.

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Essa obra é dedicada a

Paulo Ferreira da Costa e Zulmira Pinheiro Costa (in memorian)

Raquel CostaBruna Aires Costa PinheiroBrenda Aires Costa Pinheiro

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Aos amigos e companheiros de muitas lutas

Adiron, Alan Braz, Alexandre Carvalho, Antonio Augusto, Antônio José, Artur Tricitlo, Braiza Tonha, Branco, Brenda Aires Costa Pinheiro, Bruna Aires Costa Pinheiro, Cabo Angélica, Cabo Armando Francisco, Cabo César, Cabo Cícero, Cabo Davino, Cabo José Hilton, Cabo Marques, Cabo Mendes, Cabo Moacir, Cabo Monte, Cabo Nunes, Cabo Paulo Tadeu, Cabo Reis, Cabo Ribamar, Cabo Valdir Carlos, Cabo Vieira, Camilla Rodrigues, Capitão Ademildo, Capitão Chacon, Capitão Ferreira, Cláudia Amaral, Cláudio Marques, Cleudon Batista, Dadato, Dr. Dailer Pinheiro, Dr. Portela, Edileuza Alves, Edvane Ferreira, Elcileide, Élcio Pimenta, Elias, Elídio, Eliel Costa, Elieldo, Ernando Pinheiro Costa, Gilberto Costa, Glaydson Venceslau, Guaciara, Helânia Lima, Hélio Pinheiro Costa, Hermes Costa, Idalmo Castro, Iranete, Irmão Edson, Jesus Galeno, José Beni, José Carlos, José Divino, Josiel Costa, Josué Costa, Jucy Adriano, Júlia, Júlio Couto, Kamal, Keivid Silva, Lena Leite, Maria de Fátima, Maria José Maninha, Marinalva Oliveira, Neilton Passos, Nenê, Neto, Neuza, Ney, Nilson Batista, Nilson Reis, Nonata, Pastor Arnaldino, Pastor Daniel, Pastor Eliezer, Pastor Juarez, Pastor Zé Clóvis, Paula França, Paulinho, Pedro Jorge, Raimunda Nonata, Raquel Costa, Rauveis Costa, Renatão, Rhute Ester, Robson Costa, Rodrigo Jotef, Rose Couto, Rosivaldo Francisco, Ruthe Costa, Sandro, Sargento Galvão, Sargento Marcia Lima, Sargento Martins, Sargento Mendes, Soldado Altair, Soldado Amauri Coelho, Soldado Augusto, Soldado Bernardino, Soldado César, Soldado Fábio Weslley, Soldado Fernando, Soldado Figueiredo, Soldado Henrique, Soldado Jadson, Soldado Joaquim (in memorian), Soldado Orlando Assis, Soldado Paulo Roberto, Soldado Quixabeira, Soldado Sales, Soldado Valquimar, Thais de Souza, Vanderson Amorim, Viviane dos Santos, Wesley Tiago, Zuleide Caldeiron, Zulmira Pinheiro Costa.

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ÍndicePREFÁCIO ..............................................................................................................................9

INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 11

Capítulo 1DE BARRA DO CORDA À SAMAMBAIA ................................................................17A saga de um retirante ruralista sonhador

Capítulo 2SE ME DEIXAM FALAR ................................................................................................27A luta pela desmilitarização e unificação das polícias

Capítulo 3O BATALHÃO QUE CAÇA BICHOS E SOLDADOS ..........................................47Crimes ambientais praticados pelos guardiões da fauna candanga

Capítulo 4POLÍCIA PARA QUEM PRECISA DE POLÍCIA ..................................................53Lutar pela categoria e pelos direitos humanos vira crime na capital federal

Capítulo 5ANISTIA PARCIAL, ESPECÍFICA E RESTRITA .................................................71Duas medidas: a lei para os amigos, o rigor das leis para os inimigos

Capítulo 6MISSÃO RESGATE ..........................................................................................................81A ação voluntária para livrar homens e mulheres da escravidão química

Capítulo 7QUEM SABE FAZ A HORA ..........................................................................................99A criação da Força Policial como foco de resistência

Capítulo 8A CENTRAL ÚNICA DOS POLICIAIS ..................................................................111A luta dos bombeiros e policiais militares ganha âmbito nacional

Capítulo 9SE COBRIR VIRA CIRCO, SE CERCAR É HOSPÍCIO .................................. 127O posicionamento político das praças nas eleições do Distrito Federal

Capítulo 10NÃO ADIANTA TROCAR O PRÍNCIPE SEM MUDAR O PRINCÍPIO .. 135Princípios e ideais para repensar o Distrito Federal

Bibliografia .......................................................................................................................... 149Sobre o autor ....................................................................................................................... 152

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Um homem sem medoFred Gurgel (*)

essa é a história de um honesto cidadãoorgulho de seus pais, esposa, filhas e irmãosum brasileiro de verdade, nascido no Maranhão

um sujeito predestinado, com inteligência sem igualusado pelo destino para vencer a ação do malusando como arma, apenas, sua coragem e sua moral

trabalhou de quase tudo, passou fome, necessidades, foi servente e engraxate, trabalhava de verdadetrata a todos como iguais, com paciência e bondade

nosso Deus o preparava para cumprir uma missãouma batalha colossal contra a tal de presunçãouma guerra desigual no seio de uma corporação

assumiu com muito orgulho a função de policialnuma instituição brasiliense de renome nacionala Polícia Militar do Distrito Federal

como bom policial começou a perceber que não eram só os bandidos que devia combatertambém a maus policiais com patente e com poder

o policial Aires Costa estava completamente chocadonão podia conceber um policial ser maltratadopor bandidos de fora ou por colegas do lado

policiais, pais de família, humilhados como animaisse sujeitando a trotes e a atitudes irracionaispara divertimento de colegas, comandantes e oficiais

Aires Costa chorou, não conseguia entendercomo podia um colega fazer o outro sofrerprincipalmente, policiais, com a missão de protegero povo precisa saber o que já aconteceuacabar com os abusos com quem muito já sofreupois o poder emana do povo e o povo é a voz de Deus

indignado, Aires Costa partiu para a açãodenunciou abuso de autoridade, trotes, maus-tratos e prisãoxingamentos ofensivos, ferimentos e humilhação

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a polícia havia encontrado um cidadão escolhido a dedoum guerreiro talhado na luta, ainda criança, desde cedoo policial Aires Costa era um homem sem medo

a resposta dos poderosos não se fez esperarele foi preso, algemado, afastado do seu larpressão de todas as formas pra fazer ele se calar

Aires Costa, porém, jamais mudou a decisão“enquanto for policial denunciarei essa situação”e quanto mais o perseguiam, mais aumentava sua convicção

o comando desdenhou: quem ele pensa que é? vamos humilhá-lo, jogar fora, invente um motivo qualquere Aires Costa foi expulso por defender a própria polícia

agora, era civil novamente, sem farda, desempregadoas dificuldades batiam à porta, várias vezes havia choradoele lutou pra fazer o bem e o mal havia ganhado

certa noite, foi visitado, pelo Criador desta Terra“preste atenção na verdade que aqui se encerra”às vezes perdemos uma batalha, pra depois vencer a guerra

tu é um guerreiro do bem, jamais deve se desesperarconfie, e eu te prometo, que ninguém vai te derrotarcéus e terra passarão, mas a Minha Palavra não passará

Aires Costa percebeu que não havia lutado em vãopois era muito estimado pelos amigos da corporaçãotinha do respeito da família e do povo a admiraçãoos trotes se acabaram, oficiais trocaram de lugare mesmo tendo sido expulso, não há mais como negarele jamais será esquecido da Polícia Militar

Aires Costa jamais deixou de trilhar o caminho do bemvive tentando ajudar, para ele não importa quemdesde os viciados em drogas ou aos que pouco têm

meu querido Aires Costa, obrigado por me ter como amigosua luta é uma das mais ferozes que eu já tenho assistidomas tenho a certeza de sua vitória pois nosso Deus,em sua glória, certamente estará contigo.

(*) Esse poema foi escrito em 2006. O autor é cordelista cearense, radicado no Entorno do DF.

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PREFÁCIO

Tempo de plantio e tempo de colheita

Arnaldino José de Sousa (*)

Apresentar um livro é, sempre, um motivo de prazer. Ainda mais quando o autor tem vasta e consagrada produção literária, como é o caso do escritor Mano Lima. Apresentar um livro-biografia, então, é uma tarefa que envolve grande responsabilidade. Agora, apresentar a biografia de uma pessoa como Aires Costa, escrita por um jornalista experiente como o Mano Lima, é um grande desafio.

O escritor e o biografado têm laços em comum: deixaram seu torrão natal, no nordeste, para desbravar o Cerrado. Na mala, trouxeram a esperança em dias melhores. Na década de 1990 quis o destino que eles se encontrassem nas plenárias do recém-nascido Movimento pela Desmilitarização e Unificação das Polícias (MUP). Enquanto o militar engrossava as fileiras de um movimento que abalou o status quo da Polícia Militar do DF, o jornalista registrava, com lucidez e criatividade, cada passo da luta das praças. Surgia uma amizade duradoura.

Depois de algum tempo, cada qual seguiu o seu caminho, Aires no MUP e Mano Lima no movimento estudantil, como presidente-fundador do Diretório Central dos Estudantes da Faculdade União Pioneira de Integração Social (Upis).

No início da década de 1990, um perdeu o emprego e outro perdeu a vaga na faculdade. Aires foi expulso da PM, num processo arbitrário, fraudulento, com defesa cerceada. E, em circunstância similares, Mano Lima foi expulso em rito sumário da UPIS, na época dirigida por militares.

Entre as muitas coisas em comum, enfrentaram a truculência e a intolerância e seguiram de cabeça erguida. A militância prosseguiu. Aires fundou a Força Policial e a Central Única dos Policiais do Brasil (CUP). Mano integrou o Conselho Político do Sindicato dos Professores no Distrito Federal e a Comissão Executiva da CUT DF. Anos depois, conviveram na faculdade Facitec (DF), um como acadêmico da área de Direito, o outro como docente dos cursos de Comunicação Social.

No limiar do século XXI, Mano Lima e Aires Costa botaram os pés na Bélgica, Espanha e em outras partes da Europa. Enquanto um divulgava seus livros de capoeira, outro procurava exílio. E se reencontram agora, autor, história e personagem, num esforço comum para reconstruir a epopéia de uma mobilização que fez história na capital do Brasil.

Como bom historiador, Mano Lima foi buscar nas fontes primárias (jornais, revistas, depoimentos, inquéritos, laudos, vídeos, reportagens de TV) as informações que transbordam nas páginas a seguir. Construído

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com uma narrativa bem ancorada em farta documentação jornalística e em depoimentos de protagonistas que foram testemunhas-oculares dos fatos aqui narrados, “Se lhe deixam falar” ajuda a contar uma parte da história das mobilizações políticas e sociais da capital federal.

O dramaturgo inglês William Shakespeare dizia que “volta e meia, a honra cambaleia”. No Brasil, colonizado por piratas, degredados e aventureiros, se consolidou historicamente uma elite que espolia a nação e governa à revelia da ética. Em face disso, a política nacional se gangsterizou. O parlamento se transformou, infelizmente, num deplorável balcão de negócios, a serviços de manobras escusas e em detrimento dos verdadeiros interesses nacionais. A justiça sucumbe, muitas vezes, ao dissabor dos poderosos e ignora o clamor dos fracos.

A sociedade pós-moderna é marcada pela cultura do individualismo exacerbado, que coloca pais e filhos em confronto, joga povos contra povos, prega o ódio ao diferente e espalha a xenofobia. Na contramão dessa lógica, o presidente da Força Policial soube endurecer sem perder a ternura e, desse modo, calejou as mãos, lapidou o coração e moldou o olhar, para aprender a lutar contra a opressão sem usar as mesmas armas vis dos que fazem a apologia da violência e do medo.

Num país onde a classe política é, não sem merecimento, execrada pela opinião pública, Aires Costa é uma espécie de reserva moral, um exemplo raro de coerência que não se abalou com o tempo. Com uma inteligência extraordinária, Aires soube enfrentar o argumento da força com a força do argumento. Sem se deter diante das inúmeras arbitrariedades dos quais ele e seus companheiros foram vítimas, ele construiu um legado moral: bom filho, bom esposo, bom pai. Casado com a pedagoga e psicóloga Raquel Costa, Aires é um bom companheiro, em casa, no trabalho, na família.

Como José no Deserto, Aires foi protagonista de uma verdadeira batalha em prol da dignidade dos seus pares. Pagou um preço alto por sua coerência. Foi privado da liberdade em muitos momentos e execrado publicamente. Mas, como há tempo de plantio, há tempo de colheita. Mesmo sem pertencer, hoje, aos quadros da categoria profissional que tanto defendeu, Aires tem orgulho de ter contribuído para o resgate da função social da mesma e para o respeito daqueles cidadãos e cidadãs fardados que zelam, no cotidiano, pela segurança pública do Brasil.

“Se lhe deixam falar” é mais do que uma biografia. É o manifesto de uma luta que começou, tímida, nos quartéis de Brasília, em gritos muitas vezes sufocados na garganta, mas que foram capazes de erguer uma legião de homens cuja voz foi, durante muito tempo, sufocada por uma doutrina que bestializa e sufoca seus soldados. Guerreiro do bem, como bem sintetizou o jornalista Ian Jansen, Aires recebe, com essa obra, uma justa e merecida homenagem.

(*) Presidente da ONG Resgate Monte Sião

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INTRODUÇÃO

“Ele virá, quem nasceu para sempre, pra sempre virá.É uma eterna semente solta pelo arfecundando de felicidade por onde for.E assim será: ninguém vive feliz se não pude falar”

trecho da música “Peregrino”, de Paulinho da Viola

O advogado Aires Costa não tem apelido. Se tivesse, deveria ser chamado de pardal. Como a ave de canto sonoro, o maranhense pode até morrer de fome, mas não come na gaiola. Do alto da sua inteligência instintiva, quando o dono lhe oferece alimento no cárcere, a bela ave parece refletir: “de que adianta me alimentarem, se não me deixam voar”. Durante os 19 dias em que foi “preso político” nos quartéis da Polícia Militar do Distrito Federal, o soldado Aires ficou em greve de fome por 12 dias. Saiu da cadeia com 15 quilos a menos, debilitado, mas com uma convicção fortalecida: só vale a pena viver se for com dignidade.

O pardal quase sempre faz seu ninho na residência das pessoas, porque gosta do contato com gente, mas não para ser aprisionado. Aires também é assim. Policial por convicção, mesmo vivendo muitos anos sob a égide do Regime Disciplinar do Exército (RDE) e do Regimento da Polícia Militar (RPM), ele enfrentou os arbítrios - por vezes insanos - dos oficiais, mas não se deixou animalizar. Lutando pelos direitos elementares da pessoa humana, Aires se transformou numa das mais autênticas lideranças dos policiais e bombeiros militares. Para ele, a liberdade é tão fundamental como o oxigênio que enche os pulmões e bombeia o sangue para o corpo.

Essa batalha cidadã que começou nos quartéis, com receio das represálias, ganhou as ruas. Quando os cabos e soldados não podiam falar, suas esposas ocuparam as praças para dar voz aos anseios da família militar. E a voz rouca das praças foi, aos poucos, ocupando a pauta política da cidade e sensibilizando a opinião pública. Em 1992, quando foi encarregado de editar o jornal do Movimento pela Desmilitarização e Unificação das Polícias, o jornalista Mano Lima o batizou de “Se me deixam falar”, em homenagem ao livro com o mesmo título, um comovente relato da escritora Moema Viezer sobre a situação dramática e perigosa em que viviam os operários das minas da Bolívia.

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A repressão sistemática ao movimento das praças tentou, pelo argumento da força, sufocar as reivindicações legítimas da categoria. Mas não resistiu à força do argumento. A resistência da categoria “explodiu” na tropa e provocou um despertar. Aires era uma das pessoas que estava à frente dessa verdadeira jornada cívica.

O fundador da Força Policial é evangélico, mas sua abnegação peregrina em prol da justiça parece se inspirar, mesmo que instintivamente, na resistência pacífica do líder indiano Mahatma Gandhi, para quem era possível enfrentar os canhões sem recorrer à violência.

Durante os anos em que bem serviu na PM Aires sempre pedia a Deus, em suas orações, para que nunca precisasse tirar sangue de ninguém e que ninguém tirasse sangue dele. Com extraordinária inteligência emocional, ele soube manter o auto-equilíbrio, mesmo nas situações mais adversas. Aires se recusou a atirar contra os bandidos que interceptava, mesmo que fosse em legítima defesa.

Aires é uma máquina de trabalhar, como ele diz. Caseiro e pai coruja, ele dedica o pouco tempo livre que sobra para estar junto da esposa e das filhas. A coerência com suas ideias deixou sequelas e transformou sua vida num inventário de cicatrizes. Por isso, mesmo com uma legião de amigos, por medida de segurança ele e seus familiares não andam na casa dos outros, não fazem caminhada no calçadão, nem frequentam lugares abertos.

Seu livro preferido é a Bíblia. E José do Egito, o personagem que lhe inspira. “Ele foi humilhado, vendido por seus irmãos como escravo, mas lutou e venceu”, enfatiza. Aires folheia o Novo Testamento e lembra-se do tempo em que não tinha salário nem casa própria, e das dificuldades que enfrentou ao lado da esposa Raquel. “Aprendi a viver no deserto”, confessa, com a voz embargada.

O hábito de Aires orar começou na infância, revela Dailer Pinheiro Costa, seu irmão caçula e hoje parceiro no ramo da advocacia. “Quando a dispensa de casa estava vazia, ele colocava a caixa de engraxate no ombro e pedia a ‘papai do Céu’ que mandasse um freguês naquele dia, para poder ganhar algum dinheiro e levar algum alimento pra sua mãezinha fazer a janta”, recorda Dailer. Lembrando da infância, o caçula da família Costa diz que as comparações entre ele e o irmão são inevitáveis. “Enquanto eu era arisco, ele sempre foi conciliador”, revela. Dailer conta que, como militar de carreira do Exército, atuou no Serviço Secreto e sempre foi ‘linha dura’, adestrado para cumprir as ordens, ao passo em que Aires sempre foi humanista.

A inteligência emocional é outro aspecto marcante de Aires Costa. “Aires trabalha muito, dorme pouco e às vezes, fica acordado, de madrugada, buscando as respostas para as perguntas que não conseguiu responder ao longo do dia,

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procurando soluções para os problemas que terá que resolver amanhã”, revela Dailer. A relação entre os dois é, quase, umbilical, dada a profunda identificação que há entre ambos. Por isso, Dailer considera que em sua vida houve duas figuras paternas: Seu Paulo e Aires, que também “foi seu pai à vida inteira”.

Outro traço da personalidade de Aires é a generosidade, moldada ainda na infância. Aires levava pra casa tudo que conseguia ganhar e, logo cedo, se colocou como uma pessoa provedora do lar. Mesmo quando chegava em casa, à noite, cansado da jornada, se ele visse que o bule estivesse vazio, se oferecia pro serviço. “Mamãe, você quer que eu coe um cafezinho”, perguntava à sua mãe.

A prole de “Seu Paulo” e “Dona Zulmira” cresceu numa casa antiga, no vilarejo Ipiranga, que ficava a uns 300 metros do Rio Mearim. No quintal vistoso havia um vasto pomar. “Aires colhia os frutos e sempre se preocupava em dividir com a gente”, diz Dailer. O primogênito da família, Hélio Pinheiro Costa, lembra que o genitor era um homem conhecido pela honestidade e pelo rigor e “duro que só pau pereira”, como se diz no linguajar maranhense. Seu Paulo era tão honesto que ai do filho que chegasse em casa com algum objeto que não fosse seu. “Com papai não tinha essa história de eu achei isso, achei aquilo...”, lembra Ernando Pinheiro Costa.

Primeiro, a obrigação

Os irmãos adoravam tomar banho no rio, mas quando chegava a hora de voltar pra casa, nem adiantava teimar com Aires, pra ficar mais um pouquinho nadando. Para Aires, até o futebol, mania nacional, ficava em segundo plano. Assim, ele só começou a correr atrás da bola, com mais frequência, depois dos 40 anos, na chácara do irmão Ernando, na Ponte Alta do Gama (DF).

Dailer se recorda de detalhes da sua infância, que mostram o espírito dedicado de Aires. “Certa vez, eu tinha que ir a um piquenique escolar e foi ele quem providenciou o meu lanche, pois temia que eu ficasse com fome ou passasse vergonha diante da classe, por não ter levado meu próprio alimento. Então, do alto dos seus 12 anos, Aires já se comportava como homem, enquanto eu, um ano mais novo, ainda via o mundo com olhos de menino”, conta Dailer. O irmão mais velho de Aires, Hélio Pinheiro Costa, concorda e diz que Aires sempre foi um “irmão com espírito de pai”.

A vida dos “meninos” de dona Zulmira não era nada fácil. Quando não estavam estudando, enfrentavam o trabalho duro na lavoura. Nas férias e recessos escolares os cadernos davam lugar à enxada. Procurando uma vida melhor para sua família, Paulo foi o primeiro a desbravar o Planalto

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Central. Depois, vieram os filhos Aires, Ernando, Dailer e Hélio. O mano Gilberto foi viver no Amazonas e Rauveis seguiu para São Paulo.

Comerciante no Recanto das Emas, Ernando Pinheiro Costa chegou no Distrito Federal junto com Aires, ambos menores de idade. Na época não havia Estatuto da Criança e do Adolescente e a legislação trabalhista era flexível. Por isso, era comum ver adolescentes trabalhando nos canteiros de obra. Como serventes de pedreiro, Aires e Ernando fizeram muita “massa” e desenvolveram a frágil musculatura, empurrando um carrinho de concreto, que era usado nas casas da Shis (Sociedade de Habitações de Interesse Social) construídas no Setor P. Sul.

Porém, no final do mandato do presidente João Figueiredo o governo proibiu o trabalho de menores. E os irmãos foram engraxar nas paradas de ônibus e ganhar a vida em outros empregos de baixa qualificação profissional.

Desde o começo da sua vida profissional, quando engraxava sapatos para ajudar os pais, até o momento em que foi Diretor do Departamento de Economia da Câmara Legislativa do Distrito Federal, Aires nunca perdeu a simplicidade que trouxe, junto com a mala de papelão, quando chegou do Nordeste. Essa característica lhe deu um magnetismo que lhe faz arrebanhar uma legião de amigos. Um deles é o publicitário e advogado Rodrigo João Francisco, que conheceu Aires há 11 anos, numa palestra sobre drogas na EC 304 de Samambaia, onde estudava.

As idéias de Aires marcaram o então adolescente, que interpelou o futuro amigo no segundo encontro que tiveram, num corredor do Congresso Nacional. Órfão de pai aos três anos, hoje Rodrigo é proprietário da agência Total Mídia Digital e toma à benção a Aires, que para ele ocupa o lugar da figura paterna. E isso não é proselitismo apenas. A mãe de Rodrigo, Maria das Virgens, por sua vez, chama Aires de filho. Um vai na casa do outro e são companheiros inseparáveis, desde os tempos de “vaca magra”, quando tinham que juntar as moedas pra comprar um cachorro- quente.

No início da juventude Rodrigo tinha vontade de cursar jornalismo mas, inspirado pela luta de Aires, abraçou a carreira advocatícia. Quando venceu a primeira mensalidade na faculdade, Rodrigo estava desempregado. Aires pegou o boleto e pagou.

Uma das coisas que admira em Aires é que ele nunca se entrega, não desiste, não “baixa a guarda” e está sempre de cabeça erguida. “Uma vez estávamos voltando de Goiás e, à altura do trecho sinuoso das ‘Sete Curvas’, o pálio velho dele teve uma pane no câmbio, e tivemos que rodar quase 60 km de primeira marcha. Foi um sufoco, mas nesse dia percebi que ele tem uma paciência rara”, lembra.

Uma das virtudes de Aires que também cativou Rodrigo é o fato de ele nunca deixar um amigo na mão. Em certa ocasião, Rodrigo colidiu sua moto

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na traseira de um ônibus e seu veículo ficou totalmente danificado. Aires foi o primeiro a ser avisado e a chegar no local para socorrê-lo. Há dois anos, quando estava em Natal (RN), Rodrigo passou por uma grave crise pessoal e o amigo, mesmo à distância, lhe estendeu uma vez mais a mão amiga.

O autocontrole é outra virtude do Aires, aponta Rodrigo. “O Aires sabe ser duro, firme, sem ser violento. Mesmo que alguém o provoque, ele enfrenta, faz o embate, mas não parte pra briga”, explica Rodrigo. Para o estudante, Aires não é um político, é um estadista. “O político, mesmo quando pertence a um grupo ou corporação, sempre coloca os seus interesses pessoais em primeiro plano. Aires é diferente, primeiro ele pensa no grupo, na sociedade. Por isso, se algum dia ele exercer um mandato, com certeza será um parlamentar diferente”.

Ele associa o perfil de Aires ao lendário lenhador Abrahão Lincoln, ex-presidente dos Estados Unidos. “Lincoln perdeu os pais aos 14 anos mas era um idealista que planejava cada passo do seu futuro. Estudava Direito nuns livros velhos que ficavam guardados, empoeirados, em prateleiras do armazém onde trabalhava. E sua extraordinária capacidade de sintetizar o sonho de uma nação o levou à Casa Branca. Aires, como ele, também é um visionário”.

Rodrigo acha que o amigo mudou – pra melhor – com o tempo. “O compromisso do Aires com sua categoria e com a luta era tão grande que isso absorvia todo o tempo dele. Então, ele não viajava, não se divertia e não tinha muito tempo pra família. Só falava de política. Hoje ele está mais próximo de sua família, é mais ponderado e realista e, sem deixar de ser uma grande liderança, tem uma vida comum, como qualquer cidadão”, explica Rodrigo.

Com a autoridade de quem enfrentou e venceu um tumor maligno no pulmão, Aires lembra do seu passado, mas não tira os olhos do futuro. “A minha militância acabou por me penalizar financeiramente, mas nunca me queixo do que aconteceu comigo, as minhas capacidades foram forjadas na luta e eu sempre respondi pelos meus atos, e nunca atribuí a ninguém o meu sucesso ou o meu fracasso”, revela. O belo documentário brasileiro “Ilha das flores” termina com uma frase de impacto: “a liberdade é um sentimento difícil de explicar, mas não há quem não o entenda”. Se lhe deixam falar é uma coletânea de histórias de gente que labuta pela liberdade, protagonizada por um homem de fibra que desenvolveu, ao longo de sua vida, verdadeira aversão pela corrupção e pela injustiça. Nas páginas seguintes, você vai conhecer um verdadeiro dossiê da luta pela desmilitarização das polícias no Distrito Federal, levada a cabo por pessoas que, como Aires, pelejam há mais de duas décadas para valorizar e dar dignidade aos militares de baixa patente.

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Aires sofre agressão em frente ao 3º. Batalhão da PM

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CAPÍTULO 1

DE BARRA DO CORDA À SAMAMBAIA

A saga de um retirante ruralista sonhador

“Ser livre não é apenas se livrar das correntes que lhe prendem, mas viver sendo capaz de respeitar e engrandecer a liberdade dos outros.”

Nelson Mandela, ex-presidente daÁfrica do Sul e líder antiapartheid

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Quando Aires Costa chegou de Barra do Corda (MA) ao DF, em 1978, juntamente com seu irmão Ernando Pinheiro Costa, Brasília tinha completado a maioridade, mas ainda não convivia com o crime organizado e com “sequestros-relâmpagos”. Em suas páginas policiais, os jornais da época davam notícia de roubos e assassinatos na periferia de Ceilândia e do Gama.

De ouvido colado no radinho de pilha, Aires ouvia as notícias do saudoso radialista Mário Eugênio, o “Gogó das sete”, na rádio Planalto. Marão, como era conhecido, também era um “calo” para a banda pobre da segurança pública do DF. Assassinado quando saía de sua emissora, o repórter do Correio Brasiliense denunciava grupos de extermínio e sua morte foi encomendada por um coronel do Exército e executada por policiais civis e militares.

Aires ficou chocado e pesaroso com a morte do radialista que tanto admirava. Porém, uma das datas mais tristes da vida de Aires foi o dia 22 novembro de 1998, quando faleceu Paulo Ferreira da Costa, seu genitor. Quando o pai era vivo, Aires fazia questão de visitá-lo praticamente todos os dias, às vezes na companhia de amigos, como o cabo Valdir Carlos do Nascimento. De “Seu Paulo”, seu genitor, Aires herdou o sobrenome, a coragem, o caráter e a disciplina. “Papai me disse, certa vez, que uma injustiça não dura 100 anos e isso marcou muito a minha personalidade”, diz Aires.

Paulo foi dirigente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Barra do Corda (MA). Destemido, enfrentou a elite política de Barra do Corda e também foi alvo de perseguições. Vários inimigos políticos chegaram a contratar pistoleiros para matá-lo. “O ex-presidente do sindicato rural, o prefeito da cidade e um diretor do Incra, denunciados por corrupção, planejaram a morte dele, mas todos morreram antes do meu velho”, disse Aires.

Paulo também foi delegado de polícia em Ipiranga (MA). Falava pouco, mas quando isso acontecia, a palavra tinha força, e por isso ele era muito respeitado. Dailer Pinheiro Costa conta que um dos traços paternos que mais se incorporou à personalidade de Aires foi o senso de fidelidade. “Uma vez papai foi avalista de um amigo, que não honrou o pagamento de certa dívida. Quando o oficial de justiça foi em nossa casa penhorar os poucos bens que a família tinha, ele não se esquivou de seu dever porque, dizia, um homem tinha que ter palavra”, conta.

Para Dailer, Aires age da mesma forma. “Ao longo dos anos ele sempre se mostrou um amigo fiel e dedicado que não abandona o barco de quem está remando com ele”, revela. Certa vez, conta, no auge do Movimento pela Unificação das Polícias (MUP), quando estava desempregado e morando de aluguel, Aires recebeu de um governador do DF uma proposta irrecusável, com vantagens financeiras indiscutíveis. “Aires, você é uma pessoa séria

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e determinada, quero você ao meu lado”, propôs o chefe do executivo. “Governador, nesse momento, se eu ficar do seu lado, vou trair meus companheiros. E quem trai hoje, trai amanhã. E eu prefiro lhe dizer não agora, do que lhe trair no futuro”, respondeu Aires, recusando a oferta tentadora.

Surra de mãe é melhor do que de pai

A cearense Zulmira Pinheiro Costa viveu 83 anos e teve 11 filhos, sendo nove homens e duas mulheres. Três deles já morreram. O penúltimo da prole foi Aires Costa, um menino muito esperto e chorão. Segundo a genitora, vida de caçula não é fácil e com Aires não foi diferente: às vezes ele sofria na mão dos irmãos mais velhos.

Sempre muito sério com seus afazeres, Aires pegou no batente logo cedo e, para ele, o trabalho veio antes do estudo e das brincadeiras de criança. Ele entrou na escola por volta dos oito anos e aprendeu a ler aos nove. Devido ao trabalho, interrompeu muitas vezes seu estudo e, por isso, só conseguiu concluir a quarta série aos 16 anos. Em 1985 terminou a Fase III do Ensino Supletivo na Escola Classe 22 de Ceilândia. Aos 33 anos, depois de muitos anos fora da escola, Aires concluiu o ensino médio na Educação de Jovens e Adultos do colégio Isaac Newton. Em 2009, recebeu o tão sonhado diploma de advogado na faculdade Facitec, em Taguatinga.

Porém, ainda aos seis anos fabricou sua primeira caixa de engraxate e saiu nas ruas de Barra do Corda, para ganhar uns trocados e ajudar a família. “Aires nunca foi criança. Ainda pequeno, mesmo que ninguém o mandasse ele se oferecia pra lavar a louça e eu era ‘escalado’ para o serviço de enxugar”, lembra Dailer. E lembra que, ainda pequeno, se queixava com a mãe do tratamento diferenciado que uma senhora - amiga da família - dava a Aires. “Quando ela ia pro engenho de cana só levava o Aires, pois sabia que ao chegar lá ele ia ajudar no serviço, ao contrário dos outros meninos, que se preocupariam apenas em provar do melado e da rapadura”, revela.

E não parava por aí. Ele queria que todos dividissem as tarefas de casa. No início da década de 1970, quando o ônibus da antiga viação Salete – que fazia o trajeto entre as cidades de Teresina (PI) e Barra do Corda (MA) chegava ao seu ponto final, o menino franzinho já estava esperando, com balde e vassoura na mão. A água vinha do rio Mearim, carregada num balde velho, nas costas daquele menino franzino. Aires era o “lavador oficial” do veículo.

Quem não gostava nada da ideia era o irmão mais novo, Dailer, recrutado à força para aquele serviço. “E quando Aires chamava, não tinha conversa, a brincadeira ficava pra depois”, relembra o irmão, para quem

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Aires sempre foi um empreendedor. “Meu marido saía pra trabalhar em outra cidade e, durante a infância do Aires, era desse menino que vinha praticamente o sustento da casa”, contava dona Zulmira, orgulhosa. O assessor parlamentar Hélio Pinheiro Costa, o filho mais velho de Zulmira, diz que numa certa época Aires botava mais dinheiro dentro de casa do que todos os irmãos juntos.

A renda da família mal dava para o “de comer”. Assim, quando dona Zulmira botava na mesa o “capitão” - bolinho feito de feijão e farinha – os moleques já corriam pra pegar a iguaria. Então, brinquedos para a garotada, nem pensar. Nos poucos momentos de folga Aires jogava futebol com uma bola de mangaba, muito comum na época. Quando não havia a bola, os meninos aproveitavam a bexiga do porco, enchiam e saíam correndo atrás da redondinha. Eles também se divertiam com a lancha - um pedaço de tábua que eles arrastavam pelas ruas, preso a um cordão – e com o “boizinho” feito com uma bucha comprida, vegetal típico do nordeste, usado para lavar louça e tirar a sujeira do corpo, durante o banho. Ernando Pinheiro Costa lembra, também, dos carrinhos de lata que seus irmãos mais velhos faziam pra ele brincar.

Aires nunca foi de arrumar confusão e de brigar, até nisso ele sempre foi muito disciplinado. Porém, como toda criança, tinha seus momentos de travessura. “Ele não arrumava confusão com ninguém, mas se alguém partisse pra briga, ele respondia à altura”, lembra Hélio Pinheiro Costa. O castigo vinha em seguida. Quando se reúnem em sua casa, os filhos de Zulmira costumam dizer que apanhavam mais da mãe do que do pai, mas aquela atitude materna era, de fato, para poupá-los. “Quando ele e os outros irmãos faziam algo de errado, eu já disciplinava logo e depois dava ciência ao pai deles. Era melhor eu bater do que o pai, pois Paulo tinha a mão pesada e era bem mais rígido”, relembra Zulmira.

A mãe contava que, mesmo assim, Aires foi um dos que menos apanhou na infância, pois não “merecia tanto”. Com muita responsabilidade desde cedo, aquela criança-adulta não tirava notas altas nos primeiros anos da escola primária. Depois, o seu desempenho nos estudos foi melhorando.

Menino saudável, ele sempre foi muito obediente. Quando o filho a comunicou que seria militar, um misto de orgulho e de temor invadiu seu coração de mãe. “A gente sabe que é uma carreira perigosa, mas quando ele saía pro quartel, eu ficava orando, pedindo a Deus que o protegesse”, afirmava a genitora, evangélica da Igreja Evangélica da Aliança. “O Aires é uma pessoa maravilhosa e sempre sonhou com uma vida melhor, para ter condições de ajudar a família dele”, diz.

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Se a coragem e o destemor de Aires é herança paterna, da mãe - mulher virtuosa e guerreira - ele herdou uma fé inquebrantável, que o projeta em busca de seus sonhos e na defesa de seus valores.

A esperança na Capital

Os primeiros anos na “Capital da Esperança” não foram nada fáceis para a família de Aires. Ele e seus irmãos pegaram no batente logo cedo, para ajudar nas despesas de casa. Aires engraxou sapatos, trabalhou como servente de pedreiro, repositor de mercadorias em supermercado, vendedor e comerciante.

Depois que aprendeu a “lição” da sobrevivência, Aires teve que aprender a lutar pela dignidade no lugar onde menos esperava que atentassem contra esse direito elementar do ser humano: no interior da Polícia Militar, carreira que abraçou logo no início da juventude, quando concluiu o serviço militar obrigatório, no Exército.

O seu engajamento na luta pela Desmilitarização e Unificação das Polícias lhe custou a privação da liberdade em vários momentos e lhe tirou o emprego. Aires foi expulso da corporação, num processo administrativo maculado pelo cerceamento de sua defesa e encomendado para atender a sanha autoritária de certos oficiais que se acostumaram a tripudiar sobre a tropa.

Sair da Polícia Militar foi um golpe profundo para Aires, primeiro porque a privação de renda impôs sacrifícios a sua família, segundo porque ele era policial “por vocação” e sempre amou a profissão. Mas os que apostaram que excluindo-o da tropa o tirariam da luta deram meia-volta-volver. Aires seguiu fazendo seus protestos, inicialmente solidários, que foram crescendo e aglutinando cada vez mais gente.

Antes de abraçar a carreira advocatícia e de se dedicar ao ramo de seguros, Aires foi assessor parlamentar e Diretor da Comissão de Economia, Orçamento e Finanças da Câmara Legislativa do Distrito Federal. Hoje, preside a Força Policial. A piauiense Maria de Fátima Gomes trabalha nesta entidade desde 2005. “O Aires não é um patrão, é como um pai, uma mãe, sabe respeitar, ele não cobra da gente, nos dá total liberdade no trabalho e, assim, seu jeito de nos tratar faz com que a gente tenha gosto em trabalhar com ele e dar sempre o melhor de nós”, conta.

Natural de Altos (PI), moradora de Samambaia, ela conta que conheceu Aires num momento muito difícil da sua vida e encontrou nele uma mão amiga. “O Aires é uma pessoa tão boa, que é difícil encontrar um defeito nele. Ele me resgatou, num período bem atribulado. Pra mim, abaixo

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de Deus, está ele”, revela Fatinha, com os olhos marejados de lágrimas e a voz embargada.

O subtenente Valdir Carlos do Nascimento conheceu Aires antes de entrar na Polícia Militar, quando ambos trabalhavam como vendedores na antiga loja de móveis Madema, que funcionava na avenida Comercial Norte, em Taguatinga (DF). Já naquela época, Valdir notou o jeito idealista de Aires, que nunca se calava diante do que considerava injusto. “Certa vez o nosso patrão queria que a gente trabalhasse além do horário e Aires bateu o pé, que não aceitava, que aquilo não era justo. Eu e os demais vendedores, incluindo o gerente, ‘aderimos ao movimento’ e o dono da loja foi obrigado a voltar atrás.”, recorda Valdir.

A amizade perdurou e hoje eles são amigos e parceiros na direção da Força Policial. Para Valdir, uma das características principais de Aires é a determinação. “Quando ele abraça um ideal, um objetivo, vai em frente para alcançá-lo e jamais desiste. Para chegar ao seu objetivo, se precisar, ele enfrenta tudo e todos. Aires é um visionário, um empreendedor. Onde a maioria das pessoas vê crise, ele enxerga oportunidades”, destaca.

Outros aspectos da personalidade de Aires, assinala Valdir, são a honestidade e a lealdade com os amigos. “Aires é daqueles homens para quem a palavra tem muito valor e ele honra cada compromisso que faz. Além disso, é um companheiro no sentido exato da palavra e jamais aceitou alguma vantagem pessoal que não fosse estendida para seus pares”, revela.

Convivendo com Aires há quase três décadas, ele destaca um episódio que revelou a coragem e a determinação do amigo que tanto admira. Numa certa ocasião, Aires denunciou que alguns policiais estavam sendo desviados de função e fazendo, a contragosto, a segurança pessoal de uma propriedade de um ex-presidente do Banco de Brasília.

Segundo Valdir, Aires tem uma legião de amigos, porque é mestre na arte de cultivar a amizade e sempre solidário, principalmente nos momentos de dificuldade e aflição. “No período de 2004 a 2012 eu enfrentei uma longa e complexa depressão e cheguei a ficar internado por duas vezes. Nesse momento Aires sempre esteve ao meu lado”, relembra. Outro aspecto que aproxima os dois amigos é a forma como valorizam a família. “Lembro de uma vez, quando estávamos no quartel, e a esposa do Aires se sentiu mal. Ele pediu o meu carro emprestado e saiu em disparada para socorrê-la”, conta o subtenente.

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Um por todos, todos por um

Aires conta sempre com a solidariedade da família Costa, que segue o lema: mexeu com um, mexeu com todos. Para a filha Brenda Aires Costa Pinheiro, o apoio da família é uma forma de reconhecer a firmeza de Aires. “Além de ser um paizão, ele é muito esforçado, quando quer uma coisa ele corre atrás”, destaca.

E, para quem conhece o jeito sério do pai lidar com tudo, ela revela um segredo: na intimidade, ele é carinhoso e até brincalhão. “Nos raros momentos de folga, corre atrás de uma bola na casa do tio Ernando, no Gama”, afirma Bruna. E é capaz de ficar horas no sofá assistindo programas jornalísticos, filmes ou documentários como o Discovery Chanel.

Pai cuidadoso, Aires fazia comida, dava banho nas meninas e servia a mamadeira, quando a esposa se ausentava de casa, para ir estudar na Escola 304 da Samambaia.

Aires praticamente não teve infância, mas fez questão de garantir esse direito à sua prole. Sua filha mais velha, Bruna Aires Costa Pinheiro, lembra do dia em que ele comprou um caminhão de areia saibrosa e jogou no quintal só para a filha brincar. “Uma vez ele transformou uma caixa d’água de amianto numa piscina improvisada para a gente tomar banho, porque aquelas feitas de plástico furavam e logo se estragavam”, lembra Bruna.

Uma das coisas que Bruna admira no pai é a lealdade que ele tem com seus pares e a sensibilidade com o sofrimento humano. “Talvez pelo fato dele ter sido criado numa família pobre, ele sempre procurou ajudar as pessoas menos favorecidas”.

Recebedor da “Ordem do Mérito Cultural Maranhense” em 2010, Aires é inquieto, um pouco teimoso e ansioso. A teimosia estava no DNA paterno, contava Zulmira. “O pai vai à frente e o filho vai pisando na sombra”, dizia, sorrindo.

Segundo Bruna, Aires está sempre com várias ideias na cabeça e, às vezes, quer desenvolver tudo ao mesmo tempo. E quando o seu senso criativo e empreendedor se aliam à sua sensibilidade pode esperar que vai surgir uma ação de cunho social. Às vezes ele estava de folga da PM e, ao invés de ir pra casa descansar, perambulava nos prédios residenciais da Asa Sul, pedindo roupas usadas, brinquedos, agasalhos e doces com a finalidade de ajudar o próximo.

Bruna lembra com nostalgia das noites em que via Aires e Raquel, em casa, cortando isopor, fazendo letreiros com mensagens e preparando a decoração para as festas de fim de ano. “Aqueles donativos e o pudim de pão que eles faziam lá em casa eram distribuídos às crianças carentes da Samambaia durante a Cantata de Natal que meus pais ajudavam a organizar na igreja,”, recorda Bruna.

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Aires e Zulmira

Carteirinha de Paulo (Sind. dos Trab. Rurais de Barra do Corda-MA)

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Os irmãos Aires e Dailer

Carteirinha de Aires (Sind. dos Trab. Rurais de Barra do Corda-MA)

Aires no Exército

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Pelotão do LIV Curso de Soldados da PMDF (Gama-DF, 1987)

Aires no Pelotão de Saúde do Exército (1983)

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CAPÍTULO 2

SE ME DEIXAM FALAR

A luta pela desmilitarização e unificação das polícias

Não basta que seja justa e pura a nossa luta.É preciso que a pureza e a justiça estejam em nós.

Agostinho Neto (ex-presidente de Angola)

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Anseio antigo das praças, em todo o país, a campanha pela desmilitarização da PMs ganhou notável impulso em 1991, quando o deputado federal Hélio Bicudo (PT-SP) apresentou uma proposta de Emenda Constitucional que tornava sem efeito o Decreto Lei 667/67, herança da Ditadura Militar de 1964, que colocava os policiais militares sob a regência do Regime Disciplinar do Exército (RDE) e sob a tutela do Exército. A Proposta de Emenda Constitucional previa a unificação orgânica das polícias civil e militar, mas nunca foi aprovada no Congresso Nacional. No ano 2000 o deputado federal Alberto Fraga, então relator da Comissão Especial de Segurança Pública da Câmara dos Deputados, defendeu a ideia da unificação:

“O que nós temos, hoje, são duas meias-polícias, uma interferindo no trabalho da outra, e isso gera conflitos... além de ganhar menos, o policial militar não é reconhecido pela Polícia Civil como uma autoridade, não encontra respaldo para sua atividade nas delegacias... por outro lado, o policial militar não admite ser preso, pelo fato de usar uma farda”.

A saída para o impasse, apontou Fraga, seria o estabelecimento de um processo gradativo de integração das polícias, cuja culminância seria a definitiva integração das duas corporações. Segundo o ex-parlamentar, o primeiro passo seria estabelecer um comando único das duas corporações, nas mãos do Secretário de Segurança Pública. “Hoje, o comandante-geral da Polícia Militar e o diretor da Polícia Civil têm autonomia para tomar qualquer decisão sobre as corporações, enquanto ao secretário cabe, apenas, a função de coordenar o trabalho”, comparou Fraga.

Na estrutura atual de organização das polícias civil e militar há justaposição e sobreposição de funções. Isso faz com que muitas vezes as posições políticas interfiram ou influenciem as decisões dos responsáveis pelas duas corporações. Estabelecido um comando central, o passo seguinte seria unificar o ingresso de novos policiais na carreira. Em tese, o ideal seria que, antes de ser especializado, o policial passasse pelo policiamento ostensivo, por exemplo. E, por fim, a unificação pressupõe a união, numa única estrutura, dos centros de operação e inteligência das atuais polícias. Esse é um processo gradual, complexo, que não pode ser feito de supetão, pois envolve uma mudança profunda no modus operandi dos órgãos de segurança pública. Em Portugal, por exemplo, o processo de unificação durou mais de 15 anos.

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Na avaliação de Aires, outro trunfo da desmilitarização seria dar unidade de ação às polícias e garantir a isonomia salarial dos seus integrantes. “A unificação das polícias, além de todos os benefícios que proporcionaria ao Estado e aos aparatos de segurança pública, contribuiria, sobremodo, para evitar a justaposição de atribuições, que deu origem, a seu ver, a uma rivalidade histórica entre policiais civis e militares”, alerta Aires.

Ele se refere a diversos episódios envolvendo contendas das duas categorias profissionais, disputas largamente repercutidas pelo Correio Braziliense, nas reportagens “Policiais rivais trocam ameaças na Ceilândia” (1994), “Prisão de PM gera conflito na delegacia” (1994) e “Sindicato culpa SSP pela guerra entre policiais” (1994).

No mês de setembro de 2000, por exemplo, 80 PMs invadiram, literalmente, a 26ª. Delegacia de Polícia, em Samambaia, para resgatar o cabo Herbert Santos Rodrigues, preso em flagrante por suposto desacato a um policial civil. O episódio, que evidenciava uma guerra - ainda que velada - entre as polícias militar e civil, resultou na abertura de dois inquéritos, cada qual em uma corporação, para apurar o fato.

Na época, a Corregedoria da Polícia Civil enviou um ofício ao Comando Geral da PM solicitando informações a respeito da invasão, entre elas a nominata dos policiais militares já identificados na fita de vídeo, as armas utilizadas na invasão e as escalas de serviço. Porém, embora o Comandante da PM tivesse se comprometido a enviar as informações, 30 dias após o fato, as mesmas ainda não haviam chegado ao delegado Francisco Araújo, Corregedor da Polícia Civil, que se queixou da PM não está colaborando com as investigações.

Uma luta com muitos capítulos

Lutando, sem cessar, para melhorar as condições de trabalho e o soldo dos seus colegas de tropa, Aires nunca se acovardou diante das injustiças. Em 1992, entrou na redação do Correio Braziliense com duas marmitex para exibir o cardápio servido aos homens que tinham por missão combater o crime e garantir a segurança da população: arroz e ovo. Hoje, o auxílio alimentação está no contracheque das praças e oficiais.

No mesmo ano, Aires entregou um Dossiê ao Ministério da Justiça denunciando diversas irregularidades na corporação, de desvio de funções a serviços forçados e prisões irregulares. Atualmente, os policiais e bombeiros militares são mais respeitados por seus superiores e pela sociedade.

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O ano de 1992 começou sombrio para Aires. Depois de denunciar matança de capivaras dentro de reservas ambientais, ele sofreu um atentado e foi baleado.

Nesse período, os jornais estampavam notícias que provocariam mais um escândalo na Polícia Militar: vídeo e fotos divulgadas por Aires, Marco Lima e outros ativistas do Movimento pela Unificação das Polícias (MUP) traziam a nu o que muita gente já dizia: os maus tratos nos treinamentos militares e as truculentas prisões disciplinares nos quartéis.

O vídeo tinha cenas chocantes: soldados vítimas de tortura física e psicológica durante os treinamentos militares. Pitorescamente, os vídeos eram gravados pelos próprios oficiais que comandavam o treinamento e eram vendidos aos soldados como recordação daquele período da sua formação. As imagens chocantes foram parar nos noticiários dos telejornais. Em entrevista à extinta TV Manchete, a senhora Cecília, esposa de um sargento da PM, fez um relato comovente sobre a opressão que as praças sofriam nas unidades militares:

“Os quartéis se tornaram um campo de concentração. Antigamente, nossos maridos podiam ligar pra família, para dar notícia. Agora, nem isso podem mais”.

Após a sua expulsão da PM, Aires se trancou numa cela improvisada em frente ao Congresso Nacional para protestar contra aquela arbitrariedade. Sem emprego e sem dinheiro, Aires construiu o artefato com dinheiro dado pelo projetista Nilson Reis, um dos apoiadores do Movimento pela Unificação das Polícias. Embora estivesse tentando a vida como corretor de imóveis, naquela época a grana era mesmo muito curta e, sem o patrocínio do amigo, a manifestação não teria ocorrido. O fato foi noticiado pelo Jornal de Brasília: “soldado protesta e é detido”, afirmou o matutino.

Em conjunto com outros companheiros de luta, Aires espalhou 117 cruzes na Esplanada dos Ministérios, para simbolizar as vítimas nas chacinas de Vigário Geral e do Presídio do Carandiru, quando a feroz e desastrada repressão policial fez dezenas de vítimas e escandalizou a opinião pública nacional e internacional.

No ano seguinte, os ativistas do movimento pela desmilitarização carregam uma cruz de ferro e, simbolicamente, “crucificaram” Aires no gramado em frente ao Congresso Nacional. No braço esquerdo da cruz, estava a sigla PM (Polícia Militar); no braço direito foi escrito

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BM (Bombeiro Militar); e na vertical a inscrição “Desmilitarização”. A repetição do calvário representava o sofrimento enfrentado pelas praças, que além de terem que sobreviver com baixos salários, eram submetidos a truculência de seus superiores hierárquicos.

Em 1995, outra cela foi instalada, desta feita na Praça do Buriti, sede do Governo do Distrito Federal, para protestar, uma vez mais, contra as más condições dos policiais: falta de moradia e salário de fome. A resposta dos poderosos chefões veio com mão de ferro. Durante a votação da emenda constitucional que previa a desmilitarização e a unificação das polícias, muitos manifestantes foram agredidos pelos seguranças do Congresso Nacional, fato registrado pelo Jornal de Brasília, na edição de 7 de dezembro de 1995:

“Aires Costa e Cláudio Tavares disseram que os seguranças, a mando dos deputados e oficiais que acompanhavam a sessão, foram cercados e espancados. Num dos puxões que Cláudio levou a camisa foi rasgada. Já Aires Costa recebeu diversas pancadas no abdômen e nas costas”.

No mesmo ano, Aires foi intimado a depor sobre o Movimento de Unificação das Polícias no Departamento de Polícia Federal e na Polícia Civil do DF. Novo protesto teve palco, em 1996, em frente ao Palácio do Planalto. Aires se algemou no mastro da Bandeira Nacional. Na comemoração do 7 de setembro, a liderança das praças invadiu o desfile, em frente ao palanque das autoridades, para exibir uma faixa de protesto, que dizia: “Ditadura Econômica: salário digno já para os militares”.

No entanto, a luta não era apenas por conquistas salariais. Em 1997, os manifestantes levaram para a rua duas carcaças de viaturas que simbolizavam o sucateamento da frota usada pela PMDF. No ano 2000, Aires interrompeu a solenidade de transmissão do cargo de Comandante-Geral da PM, do Coronel Ribeiro para o Coronel Rui Sampaio, ao exibir uma faixa que qualificava o sucessor de “sem condições éticas e morais para comandar” a corporação.

Nesse ano, Aires comandou a histórica assembleia que reuniu 10.000 integrantes do Corpo de Bombeiros e da Polícia Militar do DF. Dias depois, um grupo de policiais monta acampamento em frente ao Palácio do Buriti para cobrar o cumprimento de promessas de campanha feitas pelo governador.

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O quartel pegou fogo, a polícia deu sinal!

No dia 21 de agosto de 1998, quando disputava um mandato de deputado distrital pelo Partido da Mobilização Nacional (PMN), Aires e alguns correligionários se dirigiram às proximidades do 3º. Batalhão da Polícia Militar para distribuir um panfleto eleitoral aos colegas de corporação. O documento de campanha trazia um resumo das denúncias de irregularidades na PM que Aires vinha apresentando nos últimos anos.

No local já estavam cabos eleitorais dos também candidatos João de Deus e Fernando Naves. No entanto, quando Aires chegou um oficial determinou que ele se retirasse, pois não era “permitido fazer campanha política no local”. Aires argumentou que havia outros políticos ali, que a manifestação estava dentro dos marcos da legislação eleitoral e se negou a ir embora. Contrariado, o oficial deu uma banda em Aires, o algemou e levou para o interior do quartel.

A arbitrariedade foi registrada pelo Jornal de Brasília: “Alguns oficiais não gostaram e pediram que ficássemos a uns 100 metros do local, porque não poderíamos fazer propaganda ali. Tentamos mostrar a Lei Eleitoral, para eles verem que estávamos certos, mas o tenente Antunes – oficial do dia – disse que ali eram eles que faziam as leis e, sem nenhuma razão, começaram a nos agredir fisicamente”, afirmou Aires, à época.

Uma viatura o conduziu à 12ª. Delegacia de Polícia. No entanto, como a prisão era arbitrária, o delegado de plantão se negou a registrar ocorrência. Aires foi conduzido, então, à Polícia Federal que, em seguida, o devolveu para a unidade da polícia civil, que registrou uma “ocorrência em apuração”, que jamais teve andamento.

Nesses anos de truculência, quem não marchava direito, obedecendo às ordens do Comando, era preso no quartel. Foi o que aconteceu com Aires e mais três companheiros, que foram literalmente sequestrados por homens à paisana, integrantes do Centro de Inteligência da PM, quando protestavam pacificamente contra o famigerado “Plano Segurança em Ação”, do Governo do Distrito Federal.

No dia 7 de setembro de 2000, o tradicional desfile militar da Independência teve baixas. Segundo levantamento da Polícia Militar do DF e do Ministério Público, de 15 a 20 % da tropa aderiram à greve de um dia, convocada pelas lideranças do movimento. A reação do

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comando foi enérgica. Foram instalados quatro inquéritos policiais militares (IPM) contra os PMs que participaram das greves. Um grupo de 68 policiais respondeu por “crime de revolta”. O Ministério Público ofereceu denúncia contra 62 soldados, quatro cabos e três sargentos do 1º. Batalhão (Asa Sul)

A repressão ia, aos poucos, aumentando em forma e volume. Em março de 2001, tiros são disparados contra a residência de Aires, em Samambaia. Um aparato foi deslocado para abortar a tentativa de seqüestro do líder e de sua família. No mesmo mês, sua casa foi arrombada e invadida por policiais, que apontaram uma arma contra a cabeça de sua filha Bruna Aires Cosa Pinheiro, de 13 anos. “Lembro que eram umas seis horas da manhã e a nossa casa foi invadida, o barulho era tão grande que parecia um terremoto, eram muitas pessoas pulando o portão, batendo nas portas e fazendo muito barulho. Todo mundo ficou apavorado e hoje vejo que aquilo foi uma violação criminosa da nossa privacidade”, afirma Bruna.

Segundo Raquel Costa, esposa de Aires, a ação foi truculenta. “Os policiais encapuzados pularam o portão e entraram atirando. Eles invadiram o quarto, arrastaram meu marido ainda de cuecas e me ameaçaram”, lembra Raquel.

No mesmo dia, Aires foi preso, a pedido da Promotoria Militar do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT). No cárcere recebeu, emocionado, a carta “A você, companheiro”, que lhe foi remetida pelos seus companheiros da Força Policial:

“A você, companheiro que, com sua simplicidade e determinação, tem nos ensinado a batalhar por aquilo que achamos justos... que seguramente faria o mesmo que estamos fazendo por você... que não se curva para aqueles que dizem que estão do lado da verdade, da justiça e dos companheiros, mas acabam se rendendo a ofertas mirabolantes. A você, que mesmo privado de liberdade, tem mostrado fibra, raça, coragem e dinamismo para, mesmo preso, conduzir aqueles que acreditam em você. A você, que do seu ideal fez uma bandeira de luta. Luta essa que terá um final feliz quando tudo terminar.. a você que tanto tem incomodado pessoas que te achavam um louco e, que ao passar do tempo descobriram que estavam subestimando este louco. A você que nos últimos dias se viu obrigado a viver numa situação

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que muitos de nós jamais conseguiríamos viver, que teve o lar violado e a família vítima de uma violência psicológica irreparável e, mesmo assim, continua de pé. É por você que estamos fazendo essa corrente de força, seguindo aquilo que acreditamos ser certo e não dando ouvidos aqueles que querem transformar você em um fora da lei. Mas do que isso, companheiro, é aguardar com paciência de Jó o seu retorno ao nosso meio de onde jamais deveria ter saído. Um grande abraço dos companheiros da Força Policial, que têm um Gigante”

Aires e a deputada federal Erika Jucá Kokay, então presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT DF) foram réus civis em processo militar instalado pela 1ª. Promotoria de Justiça Militar do Distrito Federal, para apuração de supostos “crimes militares” de incitação a motim. A ordem de prisão foi assinada pelo juiz da 2ª. Vara Criminal, Max Abrahão Alves de Souza, com base na acusação que o MPDFT imputou a Aires: incitação aos crimes de desobediência, indisciplina, quebra de hierarquia e interferência nas comunicações da PM.

Temendo pela integridade do seu marido e das suas filhas, sua esposa Raquel escreveu uma carta-denúncia e enviou ao apresentador Ratinho, expressando a sua indignação e pedindo que o jornalista intercedesse junto às autoridades para que se fizesse justiça com o que estava acontecendo com sua família.

De fato, desde setembro de 2000 os PMs adotaram a estratégia da “operação-padrão”, atendendo somente os casos mais graves. Essa mobilização comandada pela Associação dos Policiais e Bombeiros Militares (Asapol), Força Policial, Associação Única de Oficiais e Praças do Corpo de Bombeiros (Asbom) e Associação Brasiliense de Cabos e Soldados (ABCS) construiu uma histórica unidade na categoria. Em determinados momentos, houve uma tentativa do Governo do Distrito Federal de isolar os diretores da Força Policial no âmbito desse movimento unificado. Em 3 de outubro de 2000, por exemplo, a Força foi excluída da mesa de negociações com o governador Joaquim Roriz, que se reuniu com outras seis entidades de praças e oficiais.

O objetivo daquela jornada de lutas era pressionar o GDF e o governo federal a conceder reajuste salarial de 28,23 % aos integrantes da PM e dos Bombeiros, no mesmo patamar concedido às Forças Armadas, em janeiro de 2001. Outras reivindicações constantes na pauta eram o

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pagamento de R$ 250,00 referente a um resíduo da gratificação de risco de vida (GAM) e um complemento no auxílio-alimentação.

Diante do impasse com o governo, as lideranças do movimento adotaram medidas radicais, como o congestionamento dos sistemas de emergência policial (190) e do Corpo de Bombeiros (193), pedindo a familiares que acessassem esses serviços pelos telefones públicos.

No dia 24 de setembro de 2000, soldados do Batalhão de Samambaia resolveram deixar claro o seu descontentamento: cruzaram os braços no pátio interno do Batalhão, pousando para foto da equipe de reportagem do Correio Braziliense. Enquanto isso, o comando da greve prometia abandonar a tática de “greve branca” e radicalizar o movimento, deixando sem policiamento o Complexo Penitenciário da Papuda – o principal presídio do Distrito Federal – as escolas e o Setor de Embaixadas.

Para fortalecer a operação-padrão as praças resolveram utilizar uma ação inusitada: a tática da farda molhada, por meio da qual os soldados chegam aos quartéis com a roupa ensopada e, dessa forma, não podem vesti-la e, assim, saírem às ruas. Ao mesmo tempo, tentaram desarticular a ligação entre as viaturas policiais e os centros de comunicação das duas corporações, por meio de interferência nos rádios, na frequência UHT.

Nessa época, o promotor de justiça Nísio Tostes Ribeiro Filho se posicionou contra o movimento. “Sei que os PMs precisam de aumento, mas não da maneira como vêm fazendo”, afirmou Tostes. Na época, o promotor descartou qualquer possibilidade de relaxar a prisão de alguns dos líderes da greve, enquanto perdurasse o “movimento ilegal e a radicalização dos militares”. Durante determinado momento, os promotores militares ameaçaram responsabilizar também os “líderes civis”, movendo ações judiciais contra as associações que representam policiais e bombeiros e que apoiavam a luta deles, como a Central Única dos Trabalhadores.

Por outro lado, o Procurador Geral de Justiça do Distrito Federal, Eduardo Albuquerque, procurou atuar como mediador entre os governos local e federal e as lideranças dos policiais e bombeiros militares. No entanto, Albuquerque condicionou essa mediação ao fim da greve, à desobstrução do sistema de comunicação da PM e ao desbloqueio dos telefones 190 e 193, conforme consta na matéria “Movimento de PMs perde força”, publicada pelo Jornal de Brasília em 21 de março de 2001:

“O movimento grevista é ilegal e traz sérios prejuízos à sociedade, por isso, não podemos intermediá-lo”.

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Nesse momento, segundo a reportagem “Tática contra a operação-padrão”, publicada pelo Correio Braziliense em 24 de fevereiro de 2001, o Comando da PM chegou a mobilizar oficiais de baixa patente para substituir as praças no policiamento ostensivo nas ruas:

“A determinação do Comando Geral da PM era para que oficiais de patentes menores saíssem às ruas à frente das viaturas policiais. Para isso, todos os oficiais foram convocados para trabalhar ontem. Tradicionalmente, os responsáveis pelas equipes de patrulhamento são os cabos e sargentos. Com aspirantes e tenentes nos carros, ficou mais difícil para os praças ‘sumirem’ durante o expediente – uma das determinações do movimento”.

Essa estratégia já havia sido utilizada, no ano anterior, quando o Comandante da PM, Ruy Sampaio, determinou que oficiais fossem às ruas, para garantir a tranquilidade da população, principalmente na região do 2º. Comando de Policiamento Regional (CPR), que compreende cidades como Ceilândia, Samambaia e Taguatinga, dentre outras. A medida era, de fato, necessária. Percorrendo as delegacias de polícias do DF no dia 20 de março de 2001, a reportagem do Jornal de Brasília constatou que diminuíra consideravelmente “o número de ocorrências encaminhadas por policiais militares”:

“No Plano Piloto, o número de policiais que fazem rondas nas quadras foi reduzido. Em vez de quatro, agora são vistos apenas dois em cada viatura, assim como as rondas, antes feitas de hora em hora, passaram a ocorrer em intervalos de duas horas. Em Planaltina, nenhuma viatura policial foi vista na cidade. Muitos carros estavam na garagem do batalhão local. A alegação era de que estavam passando por revisão. A delegada local informou que houve redução das ocorrências encaminhadas pelas polícias militares. Em Taguatinga, os efeitos da greve ficaram mais evidentes. Um comerciante foi assaltado e levou um tiro no peito. Parentes ligaram para o 190, mas, depois de minutos, a linha caiu e ninguém atendeu. Eles mesmos tiveram que levar o paciente ferido para o hospital”.

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Para conquistar o apoio da opinião pública, a direção do movimento decidiu desencadear uma campanha de solidariedade. Assim, no início de março de 2001, policiais e bombeiros foram aos hospitais regionais do Distrito Federal e ao Hemocentro de Brasília pra doar sangue. Era uma forma indireta de reforçar a operação-padrão, uma vez que todo trabalhador ganha dispensa de um dia de trabalho, ao praticar esse gesto humanitário.

Tá dominado, tá tudo dominado!

No dia 9 de março de 2001 a tensão ficou evidente. Após realizarem uma assembleia em Taguatinga, policiais e bombeiros se dirigiram à residência do governador, em Águas Claras, e bloquearam a via Estrada Parque Taguatinga (EPTG), nos dois sentidos, por quase uma hora. Conforme registrou a edição do dia seguinte do Correio Braziliense, na confusão alguns policiais trocaram tiros com a guarda oficial:

“Acostumados a receber servidores munidos de faixas e cartazes, os seguranças que fazem a guarda da residência oficial de Águas Claras enfrentaram, na noite de quinta-feira, manifestantes armados de revólveres e pistolas... Vários tiros foram disparados em frente a casa onde o governador Joaquim Roriz despacha com auxiliares – o governador não estava porque mora em sua casa particular, no Park Way”.

Os líderes do movimento atribuíram a confusão à suposta ação de policiais do serviço reservado da PM, a P2, que teria se infiltrado na manifestação. Depois dos primeiros disparos, houve correria e muitas pessoas se jogaram no chão, para se proteger dos projéteis. No “calor” do momento, alguns manifestantes cantaram o hit funk “tá dominado, tá tudo dominado!”. O protesto provocou um engarrafamento de mais de um Km. Curiosamente, não houve registro da ocorrência na 12ª. Delegacia de Polícia, responsável pela área.

O tiroteio foi tema do editorial do Correio Braziliense, em 12 de março de 2001. Na coluna “Visão do Correio: Chamem o Bandido”, o jornal lamentava que Águas Claras houvesse se transformado, por 40 minutos, “em cenário de filme de faroeste, em que vigorava a lei do mais forte”. Sem questionar a legitimidade das reivindicações de PMs e BMs, o jornal afirmou que a manifestação tinha “moldes fascistas” e condenou o método adotado:

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“É inaceitável que membros de uma corporação armada paga com dinheiro público para manter a ordem protagonize cenas de anarquia e desrespeito às leis que lhes cabe defender... Mais: a polícia se confundiu com bandido. A arruaça de quinta-feira constituiu mau exemplo para a sociedade, que espera comportamento ético e civilizado dos que têm por função respeitar a lei e manter a ordem. Com o bangue-bangue, comprometeu-se a disciplina, coluna vertebral das organizações militares. E se manchou a tradição de décadas de bons serviços prestados à população. Brasília não é a Baixada Fluminense”.

Jogo duro e corpo mole

Na reportagem “PM faz corpo mole” (2000), o Correio Braziliense afirmava que os militares ignoravam ocorrências, embora negassem que estivessem em greve. Segundo o jornal, a polícia estava “deixando de atender a chamados de ocorrências graves, apesar das lideranças do movimento terem garantido que isso não aconteceria”:

“Uma tentativa de estupro na Ceilândia, ontem, não mereceu a atenção da PM, que foi chamada. De acordo com delegados da Polícia Civil, é cada vez mais rara a presença de policiais militares nas delegacias, sobretudo nas cidades.”

Na mesma edição, o jornal publicou carta de Mauro Alves Pinheiro, morador da Candagolândia, em que o leitor manifestava apoio à “greve” da categoria, que, a seu ver, era fruto da “arrogância” e da “intransigência” do governo Roriz. Para Mauro o governador usava dois pesos e duas medidas, ao se recusar a abrir um “um canal de negociação com a PM e o Corpo de Bombeiros, podendo levar Brasília a uma situação incontrolável”:

“Tudo teve origem na maneira diferenciada de tratamento que o governo vem dando à Polícia Civil, atendendo todos os seus pleitos por causa da relação política que nasceu do apoio dado à campanha de

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Roriz. Quanto à PM, nem recebida é pelo governo. O resultado é um movimento com assembléias cada vez maiores, paralisações, greves, tiros e insegurança da população. A irresponsabilidade do governo pode trazer conseqüências trágicas para Brasília.”

Em entrevista ao Jornal de Brasília, o coronel Ruy Sampaio declarou que aquelas prisões iriam “esfriar o movimento”, o que de fato não aconteceu.

Dias depois, Aires foi conduzido, algemado, por agentes do Grupo de Operações Especiais (GOE) da Delegacia de Vigilância e Capturas e do Bope. Jogado num cubículo, teve por companhia assaltantes de bancos, sequestradores e traficantes. Em entrevista ao Correio Braziliense, em 27 de maio de 2001, os advogados de Aires, Paulo Suzano e Raimundo Nonato Portela, consideram ilegal a prisão. “O mandado de prisão não foi apresentado e a casa foi invadida”, argumentou Portela. O diretor da Polícia Civil, delegado Laerte Bessa, considerou que a operação foi normal, pois não tinha havido “um tiro sequer”.

Na peça de defesa, apresentada nos autos do processo 6702/2001, os advogados de Aires pediram a revogação da prisão preventiva, alegando “bons antecedentes e residência fixa”, que o réu estava sendo “vítima de uma conspiração política” e seria esta a razão das imputações criminais contidas contra ele. O pedido inicial foi indeferido, pois, nos termos da sentença, a prisão de Aires havia sido decretada “unicamente para garantir a ordem pública, já que em liberdade poderia novamente insuflar o movimento grevista, com a consequente prática de outros crimes militares”.

Durante um dos interrogatórios, feito em 7 de maio de 2001, o acusado negou que tivesse incitado os colegas da PM a promoverem baderna ou quebra-quebra e colocou em xeque a coerência dos tribunais do DF, que segundo ele, usavam dois pesos e duas medidas nos julgamentos:

“Disse o réu que está na Papuda, onde se encontra em uma ala de segurança máxima, numa cela com outro policial, sendo obrigado a conviver com latrocidas, assaltantes, etc, que acredita que há contra si um complô, isto porque faz críticas ao governo do DF e não entende por que o governador do DF, que responde a 25 processos está solto, enquanto o interrogado é execrado”

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Após uma longa batalha judicial, no dia 13 de junho Aires foi posto em liberdade, com o compromisso de “não se ausentar de sua residência por mais de oito dias sem comunicar ao juízo e de comparecer a todos os atos do processo”.

Preso político em plena “Nova República” – período que marcou a redemocratização do Brasil – ele chegou a se exilar na Bélgica e na Inglaterra, para proteger a sua própria vida. Na Europa, mesmo munido de passaporte, foi preso e deportado de forma arbitrária. Quando regressou, à força, ao Brasil, foi convocado para depor na Comissão Parlamentar de Inquérito instalada na Câmara Legislativa do DF.

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Assembleia da PM

Greve da PM em Planaltina (DF)

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Aires é baleado no braço, em atentado (foto: Correio do Brasil, 1993)

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Invasão à casa de Aires

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Aires em cela-protesto no Eixo Monumental

Manifesto de Aires em frente ao Buriti

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CAPÍTULO 3

O BATALHÃO QUE CAÇA

BICHOS E SOLDADOS

Crimes ambientais praticados pelosguardiões da fauna candanga

“Nos quartéis lhe ensinam antigas lições:de morrer pela Pátria e viver sem razão”

Trecho da música “Pra não dizer quefalei das flores”, de Geraldo Vandré

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No final da década de 1980, o Brasil vivia um momento de grande turbulência política, decorrente das medidas adotadas durante o Plano Cruzado, posto em prática pelo presidente José Sarney. O arrocho salarial que caracterizou aquele plano econômico diminuiu violentamente o poder de compra dos trabalhadores assalariados e provocou, em reação, uma onda de greves por todo o país.

No Distrito Federal, a Central Única dos Trabalhadores (CUT), a Central Geral dos Trabalhadores (CGT) e seus sindicatos filiados deflagraram a campanha “Vamos devolver o cruzado”. Nos momentos de maior radicalização, o confronto entre manifestantes e a polícia, em locais como a antiga Estação Rodoviária, transformou o centro da cidade em verdadeira praça de guerra.

Em consequência do clima tenso na capital a tropa da Polícia Militar do DF ficou em regime de prontidão para acompanhar aquelas manifestações. Em entrevista ao Jornal de Brasília, em 30/08/1992, o então presidente da Associação das Praças Policiais (Aspra), João de Deus, afirmou que os policiais militares estavam “trabalhando em regime de escravidão”.

Segundo ele, em função do grande número de eventos e manifestações populares que estavam acontecendo em Brasília, “tenentes, sargentos, cabos e soldados estavam trabalhando de 80 a 100 horas semanais, permanecendo em serviço até 36 horas corridas, sem direito a horas extras ou qualquer tipo de gratificação adicional”. Ouvido na mesma reportagem, o Major Vidigal, chefe da Comunicação Social da PM, considerava normal a jornada de trabalho, uma vez que “os militares são regidos por legislação específica e, por isso, não estão sujeitos a estes preceitos constitucionais”:

“O estatuto sobre o qual está alicerçado o serviço militar prevê dedicação exclusiva e integral, e até que ele seja modificado, nada poderá ser feito.”

Em sua edição 5 (2000) a revista “Polícia e Justiça” publicou a matéria “Polícia: o estresse da profissão”. Na reportagem assinada pela jornalista Irene Oliveira, do jornal Correio do Brasil, o delegado João Monteiro, então Secretário de Segurança Pública do DF, afirmou que a atividade policial é estressante e submete o servidor a grandes pressões psicológicas:

“Em torno de 20% dos policiais civis são afastados do trabalho por problemas de saúde dos mais diversos tipos. O índice de policiais separados é altíssimo. Tudo isso é decorrente do estresse da atividade profissional

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que, por conseqüência, proporciona uma qualidade de vida ‘lá embaixo’, sobretudo para os que estão na ponta, que raramente vão ao teatro ou cinema, e acabam freqüentando bares para aliviar o estresse.”

Segundo o delegado, além de muitos policiais viverem a adrenalina própria da profissão, muitas vezes encontram uma situação desfavorável em seu lar, devido à dedicação excessiva ao trabalho e a consequente ausência, notadamente aqueles servidores que atuam nos plantões, nos setores de investigação de crimes violentos e no policiamento ostensivo, caso dos policiais militares. Porém, assinalou, embora o estresse esteja presente na maioria das carreiras profissionais, no caso dos policiais há um agravante: o porte de arma:

“Uma pessoa que decide se matar tem que pensar numa forma de fazer isso. Muitas vezes, leva dias pensando e se dá uma segunda chance. Já o policial tem a arma na mão. Não há chances no momento do desespero.”

Outro agravante é que nem sempre o próprio policial percebe que está doente e que precisa de tratamento. Por isso, seus familiares e colegas de trabalho devem ajudá-lo na superação desse problema.

Máquina de fazer doido

No caso da PM e dos Bombeiros os militares são regidos por um procedimento rigoroso, sob a égide do Regime Disciplinar do Exército. O resultado da formação retaliadora e autoritária é uma polícia ostensiva que nem sempre está capacitada para lidar com os anseios da sociedade civil que, por sua vez, cobra do governo uma segurança eficaz.

A sociedade precisa de uma polícia treinada para atuar como amiga da população, não como um soldado que vai à guerra. Mas, como é possível, se o policial recebe fardamento militar, treinamento militar e é regido por um regulamento militar que o humilha e escraviza, sem nunca dignificá-lo?

O policiamento ostensivo prestado pela Polícia Militar não tem alcançado o seu objetivo e não podia ser diferente, pois a tropa trabalha com armamento sucateado, técnicas militares ultrapassadas, incapazes de proteger o cidadão. Enquanto isso, a criminalidade se moderniza, porta armas de última geração, tem ao seu dispor um serviço de inteligência

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coordenado e um verdadeiro arsenal de guerra. Sem uma polícia eficaz, a população vê o quadro da segurança pública se deteriorar.

Um dos gargalos na segurança pública é que, muitas vezes, a jornada de trabalho dos policiais militares é extenuante. Além disso, para compensar a baixa remuneração muitos militares têm dupla ou tripla jornada de trabalho e atuam como vigias ou seguranças particulares, o que agrava o seu esgotamento físico e mental.

Em função do estado de alerta geral que ocorreu após o Plano Cruzado a tensão na tropa atingia níveis crônicos. “Ficamos 91 dias em estado de prontidão, eu saia meia noite e às cinco e meia da manhã tinha que estar de volta no quartel. Certa noite, saímos tão tarde que já não havia mais transporte coletivo circulando e, arma em punho, paramos os carros particulares e pedíamos carona para poder chegar em casa”, lembra Aires.

Em função do estresse físico e emocional, no começo de 1990 Aires teve problemas psicológicos, passou a frequentar o atendimento psiquiátrico na Policlínica da PMDF e ficou afastado por 30 dias da atividade. Naquela época o serviço de atendimento, o CASO, só funcionava no papel. “O médico dizia que eu não tinha nada, mas me receitava medicamentos como Simeco plus, Benzodiazepínico, Antak e antidepressivos, que eu nunca ingeri”, recorda Aires. Anos depois, o “preso político” da Nova República, apresentou todas as receitas e atestados numa Comissão Parlamentar de Inquérito.

No “Termo de Declaração” de 16 de junho de 1993, o doutor Nelson José Bezerra Pereira, médico psiquiátrico da Polícia Militar do Distrito Federal, afirmou que Aires apresentava um quadro “ancioso” (grafia original do laudo), com “fortes componentes histriônicos (manipulativo, simulador), labiridade de humor, baixo limiar as frustrações, com perda de controle emocional, não acatando as ordens dos superiores, se insubordinando e se tornando agressivo e destrutivo”.

O laudo, recheado de adjetivações e com poucos substantivos, afrontava, a um só tempo, as normas da Lógica e da Língua Portuguesa. O diagnóstico “encomendado” para prejudicar Aires funcionalmente foi desmentido tecnicamente, posteriormente, por uma série de exames feitos fora da tropa.

Um dia é da caça, o outro é dia é do Ibama

Concluído o tratamento, em novembro de 1992 Aires foi remanejado para a Companhia de Polícia Florestal, comandada pelo então Capitão Ruy Sampaio. Nos primeiros dias de serviço, Aires testemunhou a matança de aproximadamente 40 capivaras na reserva da Candangolândia, que depois

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serviam de matéria prima nas refeições servidas na cozinha da Companhia. Os crimes ambientais, denunciados por Aires ao próprio Ruy Sampaio, não paravam por aí. Peixes fisgados durante a noite no Zoológico eram, também, tratados no refeitório da unidade.

O comandante agia, na época, a partir daquela máxima do “façam o que eu mando, mas não façam o que eu faço”. Assim, os oficiais usufruíam da pesca ilegal, enquanto detinham os civis que pescavam no córrego, apreendendo seus utensílios de pesca.

Outros abusos engrossavam a lista de arbitrariedades praticadas naquela unidade militar. Segundo Aires, o comandante recolhia dinheiro dos seus subordinados para produzir fardamento, que não entregava. “Numa certa ocasião, durante a formatura do curso, dois soldados receberam a ordem para abater um boi que pastava na Fundação Zoobotânica. Para amenizar os ânimos da direção da fundação, que descobrira a irregularidade, Sampaio determinou que policiais militares passassem a colaborar com a faxina no Zoológico”.

Durante a gestão do capitão à frente daquela unidade, os soldados eram sujeitos a serviços forçados: retirada de pedras no antigo posto Shell, em Sobradinho, durante a madrugada, pra serem usadas no calçamento do pátio do Batalhão; humilhações nos horários de folga, nas formaturas semanais, com o uso de palavrões e termos de baixo escalão; ameaça de transferência para outros batalhões, como forma de punir os “insubordinados” que questionassem suas atitudes.

Aires resolveu denunciar o comandante do Batalhão Florestal por crimes ambientais que eram praticados por membros daquela unidade. O capitão passou, então, a persegui-lo sistematicamente, principalmente durante o período posterior em que, como coronel, foi o Comandante Geral da PM. Em 1991, Aires foi transferido para o 3º. Batalhão. Devido à grande pressão e humilhação as quais foi submetido, o então soldado teve uma piora em seu estado psiquiátrico, sendo internado várias vezes.

Naquela ocasião, o praça procurou ajuda na Associação de Cabos e Soldados (ACS) e foi aconselhado pelo cabo Roberto e pelo soldado Eurofrim, a denunciar os fatos ao coronel Maia, Comandante Geral da PMDF que, tomando conhecimento dos fatos, prometeu tomar as providências cabíveis.

No entanto, as represálias a Aires viriam em seguida. No dia 11 de março de 1991, quando retornava de reunião na sede da ACS, pegou um ônibus na rodoviária do Plano Piloto com destino a Santo Antonio Descoberto. O seu ponto de parada era em Samambaia, onde residia. No entanto, quando desembarcou, na BR 060, nas proximidades da quadra 502,

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houve um grito, seguido por disparos de arma de fogo em sua direção. “Fardado e desarmado, corri por dentro das valas e do matagal ao longo da rodovia BR 060. Quando olhei para trás, vi um veículo parado, acendendo os faróis e se deslocando em seguida. Liguei para o 190 relatando o fato e pedi apoio policial, que chegou 30 minutos depois e me levou pra casa”, relembra Aires.

Ao chegar à sua residência, no entanto, encontrou o subtenente Luna, da Companhia Florestal, que trazia uma ordem do comandante Sampaio: Aires deveria comparecer no Batalhão Florestal para prestar esclarecimentos sobre denúncias que havia feito sobre irregularidades presenciadas na sua anterior unidade de trabalho. “Respondi que não iria, pois pertencia a outro batalhão e porque acabara de sofrer um atentado e que iria me dirigir, ao amanhecer, para uma delegacia e registrar o fato”, afirmou Aires.

Na manhã seguinte, Aires fez uma ocorrência na 12ª. Delegacia de Polícia. No mesmo dia esteve na sede da ACS, onde redigiu, com a ajuda de seus companheiros, um dossiê, remetido ao coronel Maia.

Dias depois, Aires foi novamente lotado no Batalhão Florestal, sendo recebido pelo capitão Sampaio que o inquiriu, na presença de uma testemunha. Durante a conversa, Sampaio perguntou se tinham partido de Aires aquelas denúncias, fato confirmado pelo subordinado. “Tudo isso é verdade, aconteceu com o meu consentimento, mas perante meus superiores eu nego tudo”, afirmou Sampaio. Meses depois, Aires foi transferido novamente, desta vez para Samambaia.

Sampaio era conhecido na tropa por seu destempero verbal. Certa vez, durante uma embriaguez, tomou a arma de um cabo e posicionou-a na cabeça do mesmo. Em seguida, algemou-o e deu voz de prisão. O cabo foi conduzido ao 3º. Batalhão, mas o recolhimento ao xadrez foi recusado, pois a prisão era arbitrária. Ao retornar a Companhia Florestal, Sampaio pediu ao cabo que esquecesse o episódio.

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CAPÍTULO 4

POLÍCIA PARA QUEM PRECISA DE POLÍCIA

Lutar pela categoria e pelos direitoshumanos vira crime de detenção

“Dizem que ela existe pra te salvar, eu sei que ela pode te pegar, eu sei que ela pode te prender.”

Trecho da música “Polícia” da banda Titãs

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Policial por vocação, Aires começou sua carreira como auxiliar de enfermagem no Exército, antes de ingressar na Polícia Militar. Em 1983 concluiu o curso de formação de cabos. No Exército, se admirava da seriedade dos oficiais. Na PM, no entanto, se decepcionava a cada vez que tomava conhecimento de que maus policiais se aliavam ao crime, ao invés de combatê-lo.

Assim que chegou à Polícia Militar, em 1987, Aires começou a notar que havia “algo de podre” na corporação. Em 1989, durante um policiamento ostensivo de rotina, ele e outro soldado prenderam um traficante. No momento em que a equipe aguardava a viatura policial para remover o preso até a 1ª. Delegacia de Polícia, esse evadiu do local. Aires então acionou viaturas para recapturá-lo e chamou o Detran pra remover a moto do delinquente que havia ficado no local.

No entanto, por motivo que Aires ignora até hoje, o marginal retornou ao lugar, acompanhado de sua irmã e de um coronel da PM. Diante do coronel, o preso foi mais arrogante ainda e cuspiu na cara de um dos soldados. O oficial tentou interceder para evitar a prisão. A ordem vinha de cima, mas era absurda, e Aires cometeu a sua primeira “insubordinação”, dando sequência à prisão do indivíduo.

Como “promoção” por sua atuação exemplar, Aires recebeu o primeiro castigo: foi transferido para a Companhia Florestal, onde, acreditem, recebeu a visita do traficante, que seria julgado naqueles dias e temia que Aires ratificasse a denúncia. “Ele me disse para tomar cuidado por onde eu andasse”, recorda Aires.

Uma década depois, um curioso fato também deixou Aires com uma “pulga atrás da orelha”. Um relatório interno do Grupo de Combate à Prostituição Infantil (GCOPI) do Batalhão de Operações Especiais (Bope) revelou a existência de tráfico de maconha e cocaína nas imediações da Quadra CLN 314/315 Norte. O registro da atuação da “Equipe C”, designada pelo Bope, seria rotineiro, não fosse o relato a seguir, feito pela mesma:

“Foi ainda detectado que um PM, lotado no 3º. BPM, valendo-se da função policial, faz apreensão de entorpecentes e repassa material para as garotas de programa, sem fins lucrativos, e em troca recebe favores sexuais, o que acontece sempre durante o seu serviço motorizado” .

Quando patrulhava a cidade de Ceilândia, a equipe do Bope aprendeu um menor com panfletos e mapas tipo croqui da boate Garagem, localizada no Setor de Oficinas Sul. No local, havia apresentação de shows eróticos, sexo explícito, consumo generalizado de drogas e álcool e circulação de menores. Segundo o relato, o tráfico era comandado pelos travestis que frequentavam o local. No relatório, os policiais designados para a missão, lamentavam não poder

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fazer uma abordagem policial, “apesar da alta probabilidade de crime”, pelas razões a seguir descritas:

“A empresa prestadora de serviços de segurança, segundo funcionário da mesma, que se apresentou como sendo sargento da PM, esclareceu aos integrantes desta equipe que os seguranças que ali estavam eram policiais militares contratados pela empresa Griffo, a qual pertence a um oficial superior da PMDF”.

Segundo o relato da “Equipe C”, um garoto de programa de 14 anos, conhecido como “Richard”, declarou que os menores podiam entrar e sair livremente da casa noturna, uma vez que “os seguranças do citado estabelecimento não solicitam qualquer documentação dos frequentadores”. Esse fato foi denunciado na presença da genitora do menor e de representantes da organização não governamental SOS Crianças e foi objeto da Ocorrência Policial 185.399, lavrada no Livro de Ocorrências do Bope. Sentindo-se impotentes para atuar, sozinhos, num caso delicado como aquele, os integrantes da equipe se limitaram a relatar o fato ao comando da GCOPI e, posteriormente, a 2ª. Seção, recomendando providências.

Eu, Aires Costa, brasileiro, casado...

Em 1992, após participar de uma manifestação na rampa do Congresso, em trajes civis, Aires teve que ser ouvido três vezes pelo mesmo fato, em menos de 24 horas, no âmbito da 2ª. Companhia de Polícia Militar Independente. Em seus depoimentos destacou que agiu desarmado e de forma pacífica. Aqueles “termos de declaração” - expediente usado nas repartições militares - viraram prática rotineira na corporação, como forma nada sutil de tentar intimidar as lideranças da categoria.

As represálias não cessavam. No dia 25 de agosto de 2000, Aires Costa e seus companheiros de luta Jesus Marcelo de Sousa Galheno, Hermes Sousa Costa e Izaías Sander - da Força Policial - organizavam uma manifestação durante o ato de lançamento do plano “Segurança em Ação”, quando foram interceptados por 15 homens em trajes civis - camisas brancas - que portavam HTs, rádios-portáteis utilizados em operações policiais. Por ordem de um deles, depois identificados como integrantes do serviço secreto da PM, foram algemados sem que uma palavra fosse proferida, tampouco foi apresentado mandado de prisão. O veículo de Aires foi deixado no local, a ermo, com as portas abertas. O fato foi denunciado pela Força Policial a José Gregori, Ministro da Justiça.

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Segundo Aires, a abordagem foi áspera e abrupta. “Retiraram 16 placas de madeira do porta-malas do meu veículo, tomaram a máquina fotográfica das mãos de um companheiro e a danificaram, na tentativa de retirar, à força, o fotograma”, relembra. As placas seriam usadas numa manifestação e continham os seguintes dizeres: “TUDO para a Polícia Civil?”; “Risco de Vida”; “Pagar horas extras”; “Cadê a folga?”; “Moradia para PM e BM”; “Fim do Arrocho”; “Não ao retrocesso”; “Barril de Pólvora”; “Não às transferências arbitrárias!”; “Não suporto mais!”; “Salário Digno já!”, “Escala justa!”; e “Exijo respeito!”.

Em seguida, o grupo foi conduzido, com a cabeça abaixada, para o interior de uma van Sprinter. Temendo que ele e seus companheiros pudessem estar sendo vítimas de uma emboscada e que poderiam estar a caminho de uma “desova”, Aires começou a gritar que o percurso deles estava sendo filmado por colegas que estavam em outro veículo. A tática deu certo e Aires percebeu o temor dos agentes responsáveis por aquela operação, que mudaram subitamente de direção, conduzindo-os à Corregedoria da Polícia Militar, onde foram recebidos pelo tenente Naime e pelo coronel Dalmolin. Retiradas as algemas, foi feito o registro de ocorrência e, como houve lesões aparentes, Aires foi encaminhado ao IML para exame de corpo e delito. Toda a operação, arquitetada pelo Centro de Inteligência da PM, foi filmada, configurando o ato arbitrário, ou seja, o crime civil de sequestro.

Os fatos foram narrados na ocorrência policial 7530/2000, lavrada na 2ª. Delegacia de Polícia. No laudo do IML, os médicos legistas Roberto Moreira da Silva e Chu en Lay Paes Leme atestaram “lesões contusas” e “múltiplas escoriações na face anterior do tórax e abdôme e edema traumático na orelha direita”.

Diante da repercussão negativa, a Corregedoria da PM instalou a Sindicância 012/2001, para apurar o ocorrido. O Núcleo de Investigação Criminal e Controle Externo da Atividade Policial do Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios também se debruçou sobre as denúncias.

A gravidade do fato levou o coronel da PM e deputado federal Alberto Fraga a se manifestar no Plenário da Câmara Federal na sessão de 28 de agosto de 2000, atribuindo o arbítrio a ordem do Coronel Rui Sampaio, então Comandante Geral da PM:

“No dia do lançamento do Plano de Segurança em Ação, o Coronel Rui Sampaio mandou o serviço secreto da Polícia Militar agredir, de forma ilegal, o ex-policial militar que queria apenas se manifestar contrariamente a alguns atos do governo. A manifestação tem de ser livre, Senhor Presidente. É o caso do soldado Aires Costa, excluído da corporação. Ele tem direito, sim de manifestar-se... o serviço

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secreto prendeu esse rapaz que foi espancado e levado para Corregedoria. Por que o levou a este local se nem é militar? Teria de ser levado a Delegacia de Polícia”.

O pronunciamento do parlamentar foi inserido na edição do programa de rádio “A Voz do Brasil” e ganhou repercussão nacional.

No entanto, após sete anos de investigação, a sindicância foi encerrada, concluindo que não era possível “afirmar com certeza” se as lesões sofridas por Aires “foram ou não causadas pelos policiais militares que o abordaram e transportaram”. A sindicância concluiu que “não houve cometimento de transgressão disciplinar praticada pelos membros da Corporação”. A câmera fotográfica danificada durante o sequestro foi devolvida ao dono oito anos depois, obsoleta, em se tratando de aparato tecnológico. O caso foi arquivado sem a identificação dos membros da corporação que haviam sequestrado Aires Costa.

No volumoso inquérito havia prova evidente de que a rotina de Aires havia sido patrulhada pela P2 entre os anos de 1991 e 2003. Em relatório enviado ao Comandante da 19ª Companhia de PMDF em 17/12/2001, o Centro de Inteligência da PM apresentou um resumo que continha o relato detalhado de nove antecedentes disciplinares do ex-cabo e nada menos que 31 reuniões, encontros e manifestações militares e civis onde ele esteve presente:

“Senhor comandante,

Com base no documento da referência informo a Vossa Senhoria que o ex- soldado Aires Pinheiro Costa participou dos movimentos reivindicatórios abaixo relacionados:

1- Manifesto realizado no dia 09nov93 em frente ao Congresso Nacional, onde protestou com sua expulsão da PM, trancaram-se por 03 (três) horas dentro de uma gaiola de dois metros quadrados;

2- Manifestação realizada no dia 25nov93 em frente ao Congresso Nacional, onde mais de 100 (cem) cruzes foram fincadas no gramado em protesto pela crescente militarização do policial. E segundo declarações do ex- soldado Aires Costa simbolizavam os mortos das chacinas de Vigário Geral (SP), Candelária (RJ) e Carandiru (SP).

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3- Manifesto realizado no dia 21mar95 em frente ao Palácio do Buriti, onde o ex-soldado Aires Pinheiro Costa trancou-se num cubículo de madeira. Ao lado, colocou um caixão negro, representando os 07 (sete) PMs mortos naquele ano no DF, protestando ainda a favor da desmilitarização e unificação das polícias;

4- Manifesto realizado no dia 18jan96 em frente ao Palácio do Planalto, onde o ex- soldado Aires Pinheiro Costa, protestando contra melhores condições de vida para os policiais militares e pedindo ao governo do DF anistia para sua expulsão, se algemou ao mastro da bandeira com a fechadura da algema soldada, que foi libertado pelos seguranças do Palácio do Planalto sendo conduzido ao Hospital de Base e encaminhado ao setor de psiquiatria;

5- Manifesto realizado no dia 07set96 durante o Desfile em comemoração ao 07set, onde o ex- soldado Aires Costa protestou contra os baixos salários, dizendo que repetiria o gesto do estudante chinês na Praça da Paz Celestial que pararam um tanque. O mesmo conseguiu invadir a pista carregando uma Bandeira do Brasil e uma faixa com os dizeres: ´Ditadura Econômica - Militares: Salário Digno Já!´;

6- Manifesto realizado no dia 10abr97 em frente ao Congresso Nacional, em uma cela improvisada, em cujas paredes foram escritos os pedidos de desmilitarização e unificação das policias, tecendo comentários sobre as punições aplicadas a policias militares;

7- Manifestação realizada no dia 22jul97 em frente ao Congresso Nacional, com duas carcaças de carros PMDF, protestando contra os baixos salários, melhores condições de trabalho e pelo pagamento de gratificações atrasadas (GAM), que o ex- soldado Aires Costa esclareceu que os carros representavam a situação da corporação em Brasília;

8- Foi realizada no 28jul00, na Central Única dos Trabalhadores do Distrito Federal (CUT/DF), uma

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reunião entre representantes da Força Policial, entidade criada pelo ex- soldado Aires Costa com a finalidade de desmobilizar o novo Comandante-Geral da PMDF, e a CUT/DF com o objetivo de deliberar sobre a criação de um sindicato de policiais militares, sendo que a CUT decidiu não mais apoiar a criação do sindicato, alegando baseado na Constituição Federal que tal criação seria ilegal. Diante de tais argumentos, o ex- soldado Aires Costa decidiu criar a referida associação com pretensão de derrubar o comandante-geral até o mês de setembro do ano de 2000;

9- Manifestação realizada no dia 02ago00 às 09hs em frente ao Palácio do Buriti com a finalidade de reunir policiais militares e familiares para exigir o cumprimento das promessas do Governador Joaquim Roriz;

10- Manifestação realizada no dia 30ago00 às 19:30hs na QNM 02 conjunto A lote 4, terceiro andar, Ceilândia, no Núcleo de Práticas Jurídicas do Decanato de Extensão da Universidade de Brasília, com a proposta de uma paralisação geral de policiais e bombeiros militares em virtude dos baixos salários, precárias condições de trabalho e tratamento diferenciado por parte do GDF em relação à polícia civil do DF.

11- Manifestação realizada no dia 31ago00 às 19:30 hs no Centro de Ensino n. 09 da QD. 15 do Setor Sul do gama, com a proposta de uma paralisação geral de policiais e bombeiros militares em virtude dos baixos salários, precárias condições de trabalho, tratamento diferenciado por parte do GDF em relação à policia civil do GDF, em especial da falta de equipamento e escala de serviço;

12- Manifestação realizada no dia 01set00 às 19:30 hs no Centro Educacional da Escola Industrial de Taguatinga (EIT), com o objetivo de preparar um ato público para o dia 06set00 e uma possível paralisação a contar da Parada Militar de 07set00;

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13- Manifestação realizada no dia 06set00 às 19:30 hs na cidade satélite de Taguatinga, com a finalidade de pleitear melhorias e vantagens para policiais militares;

14-Manifestação realizada no dia 13set00 às 19:30 hs na cidade satélite de Taguatinga, onde o ex- soldado Aires Costa defendeu as radicalizações e o endurecimento do movimento;

15- Manifestação realizada no dia 23set00 às 19:40 hs no centro de Taguatinga, com a finalidade de esclarecer sobre os últimos acontecimentos firmados com o Governo Federal, com relação às reivindicações apresentadas pela comissão negociadora, tecendo comentários de que o único mecanismo que o governador entende é a paralisação;

16- Manifestação realizada no dia 27set00 às 19:30 hs na cidade satélite de Taguatinga, em que o ex- soldado Aires Costa expôs que até que o momento o movimento tem sido pacífico, mas que se o governo não mantiver sua palavra, o movimento radicalizará;

17- Manifestação realizada no dia 04outt00 às 19:30 hs na Praça do Relógio em Taguatinga, com a finalidade de protestar contra o GDF, a respeito do valor de R$ 350.000 referente ao pagamento ao risco de vida, em que o ex- soldado Aires Costa anunciou para o dia 06out00 uma vigília em frente à residência do Governador do DF e uma assembléia para o dia 11out00;

18- Manifestação realizada no dia 11out00 às 19:40 hs no Centro de Taguatinga, em que o ex- soldado Aires Costa falou da situação dos pensionista;

19- Manifestação realizada no dia 23jan01 às 20:00 hs, no Centro de Ensino 9 do Gama (DF), onde se discutiu sobre o assunto de 28,23 %, risco de vida e plano de carreira, na qual ficou definido que haveria reuniões em todas as cidades satélites, onde se marcou uma assembléia no Centro de Taguatinga para o dia 08fev01às 19:00 hs;

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20- Reunião realizada no dia 24jan01 às 19:50 hs no Restaurante OPUS II, situado à quadra 406 de Samambaia, com a presença de alguns bombeiros e policiais militares, tendo como líderes o ex- soldado Aires Costa, o sargento Godinho, o cabo Patrício e a presidente da CUT/DF Érica Kokai;

21- Manifestação realizada no dia 25jan01 às 19:00 hs, no colégio EIT com a finalidade de discutir o aumento de 28,23%, plano de carreira e assembléia do dia 08fevo1, onde foi comentado pelo ex-soldado Aires Costa que as praças não seriam promovidas caso tivessem apenas uma detenção. Porém, disse que os oficiais podem até matar que mesmo assim teriam garantida suas promoções;

22- Manifestação realizada no dia 26jan01 às 19:50 hs na Prefeitura Comunitária de Ceilândia/DF, situada na QNM 19, onde se comentou sobre a assinatura do documento de incorporação da GOPM, plano de carreira e assembléia do dia 08fev01;

23- Manifestação realizada no dia 31jan01 às 20:00 hs na IPEC, sala 05, no Clube do Pato, situado à vila nova na cidade satélite de São Sebastião/DF, para tratar sobre os rumos do movimento reivindicatório dos policiais e bombeiros militares;

24. Manifestação realizada no dia 08fev01 às 20:00 hs na Praça do Relógio de Taguatinga, onde o ex- soldado Aires Costa anunciou que organizaria uma passeata pela cidade de Ceilândia, para fazer pressão no sentido de exonerar o Comandante do oitavo BPM, comentando que é a favor da desmilitarização e da unificação da policias, bem com da extinção do regulamento disciplinar;

25- Reunião realizada no dia 14fev01 às 9:40hs, café da manhã na Câmara Legislativa, com a finalidade de pedir apoio aos parlamentares locais, com o intuito de pressionar o Governo Federal a conceder um reajusto salarial à categoria até 22fev01, e caso o parecer fosse desfavorável daria inicio a uma paralisação Unidade por Unidade, em ́ movimento dominó’;

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26- Manifestação realizada no dia 22fev01 às 19:40hs na Praça do Relógio de Taguatinga, foi proposto pelo ex-soldado Aires Costa a realização de uma ´operação padrão´, onde surgiu uma carreata ou uma passeata na área de Taguatinga, fazendo críticas aos deputados João de Deus e Fraga, colocando em votação o nome de ambos para representar a categoria;

27- Manifestação realizada no dia 08mar01 às 20:30 hs na Praça do relógio de Taguatinga, onde colocou em votação a proposta das atividades ou a radicalização da ´operação padrão´ até o dia 15mar01;

28- Manifestação realizada no dia 15mar01 às 20:30hs na Praça do Relógio de Taguatinga, com indicativo de greve, visando pressionar o Governo Distrital e Federal a estender o reajuste salarial de 28,23 % concedido às Forças Armadas, bem como o pagamento da complementação da Etapa de Alimentação e da Gratificação de Risco de Vida;

29- Manifestação realizada no dia 16mar01 às 15 :05 hs no Gran Circo Lar, com a finalidade de deliberar pela comunidade da paralisação até às 20:00 hs do dia 20mar01, bem como pressionar o Governo Federal e Distrital a abrir os canais de negociação com a associação com a comissão;

30. Manifestação realizada no dia 19mar01 às 20h45min hs na Praça do Relógio de Taguatinga, onde o ex- soldado Aires Costa convidou as esposas dos policiais militares a acompanhá-lo no trio elétrico pelas unidades, apresentando pauta de votação para uma próxima assembléia marcada para as 20:00horas de 20mar01, colando à disposição os telefones da Força Policial;

31- Manifestação realizada no dia 22mar01 às 20:40 hs na Praça do Relógio de Taguatinga.

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Farinha pouca, meu pirão primeiro

Em 1992, quando servia na Companhia de Samambaia, Aires denunciou o major responsável pela unidade. O comandante, que possuía uma chácara, estava negociando gêneros alimentícios que deveriam ser usados na alimentação da tropa. Segundo Aires, o oficial estava saindo “do quartel com o carro cheio de carne, enquanto eles comiam ovos e pães de dois dias”.

Apesar de o mau exemplo vir de cima, só os militares de baixa patente eram punidos. Em novembro de 1992, o soldado Chagas, com 15 anos de serviço, foi preso por um major porque tinha levado para casa um litro de banha de galinha e meio pacote de sal. Enquanto isso, segundo Aires, o major levava diariamente frango e leite para seu caseiro.

No mesmo mês, os soldados Carlos, Aires, Chagas, Ernani, Marques e Chagas II foram retirados do policiamento ostensivo, de rua, para fazer serviços forçados: carregar um caminhão de madeira na plantação do frigorífico Só frango, localizado depois de Brazlândia. Como se tratava de serviço particular, estranho à sua função, os soldados, em princípio, se recusaram a cumprir a tarefa. Mas veio uma ordem superior e eles tiveram que se sujeitar. “Tínhamos que carregar o caminhão e levá-lo para a chácara do comandante da Companhia. Ao nos deslocarmos foi feito uma ‘feira’ de mantimentos no próprio quartel de Samambaia, alimentos esses deixados com um cabo em Brazlândia, que colocou a mesma em seu veiculo particular”, recorda Aires.

Enquanto enchiam o caminhão, os soldados reclamavam a falta de justiça, sendo assim interpelados pelo cabo, que ali estava a mando do major: “se estiverem insatisfeitos, peçam a baixa da Polícia”. Em seguida, como pagamento pelas toras de madeira, o cabo retirou 30 litros de óleo diesel do caminhão. Depois do almoço, quando chegaram à Companhia de Polícia, foram recebidos pelo oficial, que se queixou de haver recebido um “telefonema desagradável” de Brazlândia.

E para amenizar a situação, o major determinou que os sete policiais que participaram do carregamento fossem dispensados de dois serviços consecutivos. Além disso, o oficial determinou que as madeiras fossem descarregadas atrás da estande de tiro, pois “não seria mais necessário levá-las para sua chácara”.

Os fatos acima foram narrados em depoimento, em Termo de Declaração feito em 11 de novembro de 1992. Como represália à contestação que fizera daquele serviço ilegal, os soldados Chagas, Carlos e Aires foram transferidos para outros quartéis.

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A versão moderna do “prendo e arrebento”

No período final da chamada distensão militar, o ex-presidente da República João Baptista Figueiredo convocou a imprensa e disse que iria democratizar o país. Um jornalista presente à coletiva disparou a pergunta: “E se alguém for contra, General?”. A resposta foi seca: “eu prendo e arrebento”, disse Figueiredo.

Na década de 1990 o estilo linha dura do ex-presidente parecia inspirar os comandantes da Polícia Militar do DF. Os soldados punidos com a disciplina da cadeia eram submetidos a condições degradantes. “O preso fica em condições subumanas, dormindo em metade de colchões, onde até doenças, policiais presos já pegaram. E passa fome enquanto o comandante faz churrasco com líderes comunitários”, afirmou Aires, em documento protocolado na Câmara Legislativa do Distrito Federal.

Em 1992, em ofício aos seus superiores hierárquicos, Aires pediu proteção à sua vida. “Quero ser tratado, pois já tenho problemas psicológicos, sinto problemas nos nervos, devido a perseguições e prisões. Tenho úlcera nervosa, bronquite, sinusite alérgica e hérnia, que foi agravada após o carregamento de toras de eucalipto... não quero ser injustiçado, meu desejo é continuar trabalhando próximo à minha residência, ou seja, na Companhia de Samambaia.”

Tal era o volume de arbitrariedades praticadas pelo Comando Geral da PM, que os dirigentes da Força Policial resolveram agrupá-las em um Dossiê, remetido em 24 de fevereiro de 2002 ao Ministério da Justiça, ao próprio Comando e a lideranças partidárias no Congresso Nacional.

No documento constavam referências ao sequestro de Aires Costa e outros dirigentes da Força Policial, em 25 de outubro de 2000, em frente ao Estádio Mané Garrincha, com a utilização de veículo pertencente ao Quartel do Comando Geral da Polícia Militar do Distrito Federal; a tentativa de sequestro sofrida por ele e sua filha, no qual foi utilizado veículo pertencente à P2; os sete disparos de arma de fogo que atingiram a sua residência na noite de 31 de março de 2001; a operação realizada em sua residência em 1 de abril de 2001, quando foram detidos dois agentes da P2; os abusos cometidos no domicílio de Aires Costa por ocasião de sua prisão, quando sua casa foi arrombada e um dos policiais apontou uma arma para a cabeça da sua filha; a perseguição que seu veículo sofreu no dia 4 de maio de 2001 quando se deslocava no sentido Samambaia/Taguatinga.

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O dia já vem raiando

No referido dossiê ficava claro que a perseguição política a Aires e aos diretores da Força Policial, não respeitava, sequer, seus familiares. Bruna Aires Costa Pinheiro, a filha primogênita, atendeu vários telefonemas com trotes e ameaças. “Uma vez jogaram pedras em nossa casa e, quando saímos na rua pra ver o que era, havia frases de intimidação escritas com pedra, na calçada. Uma das frases dizia que meu pai não ia voltar para casa naquele dia. “Muitas vezes, meu pai dormia no sofá, com arma na mão, para nos defender em caso de alguém entrar lá dentro”, lembra Bruna.

Em julho de 2001, período em que Aires se hospedava, por segurança, na casa do seu sogro, seus familiares foram acordados de madrugada, com pancadas na janela do imóvel. “O barulho era tão grande que achávamos que fosse uma granada, mas a pancada, em verdade, foi feita com uma pedra de mármore que estilhaçou o vidro. O terror estava implantado. Passamos o resto da noite acordados. Às cinco e meia da manhã olhei pela janela da cozinha no segundo andar da residência, onde pude observar um Fiat Uno, com dois integrantes, encostado no muro da Igreja Cristã Evangélica da Aliança, há uns 70 metros do local, diga-se de passagem, a mesma viatura da P2 utilizada em 31 de março de 2001”, afirmou Aires, no dossiê.

Durante muitos anos Aires teve a sua privacidade familiar invadida, numa investigação ilegal. “Se eu fosse vagabundo e desonesto, com certeza teriam me exposto à execração pública, mas em toda a minha vida jamais conseguiram algo que me desabonasse”, afirma. Ele lembra que passou muitas noites em claro, com a arma na mão, para fazer a guarda da família.

Numa certa ocasião, pensou que tinha chegado o seu fim. “Eram seis e meia da manhã, pulei da cama com um barulho provocado por gritos e pancadas simultâneas nas portas e janelas. A filha mais velha e uma prima correram, em pânico, e entraram embaixo da cama. Aires saiu em direção à sala, descalço e ainda com a roupa de dormir. Naquele momento, a porta foi arrombada. E, enquanto um policial posicionava a metralhadora na cabeça de Aires, o outro dizia: “mata, mata”. A filha caçula, Brenda, dormia na cama com a mãe. Bruna, a filha mais velha, gritou, pedindo socorro. Aires achou que iria morrer naquela hora.

Em frente à sua casa havia 14 viaturas da Divisão de Operações Especiais e do Bope e um caminhão de onde saíram 30 policiais. Aires foi conduzido para o Instituto Médico Legal e, em seguida, para a 3ª. Companhia de Polícia Militar Independente (CPMInd), que cuida da guarda da Papuda e de militares envolvidos em crimes. E recorda do fantástico aparato policial que foi mobilizado para fazer a sua escolta. Eram 14 viaturas das polícias Militar e Civil, que fizeram o trajeto até o Instituto Médico Legal, no Setor Policial Sul, para

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exame de corpo e delito. Esses veículos se deslocavam em alta velocidade, como se estivessem a caminho de uma ocorrência de extrema urgência.

Aires lembra que o trânsito foi interrompido nas vias transversais para que aquele “comboio” chegasse mais rápido ao seu destino. “Devido ao excesso de velocidade, duas viaturas da PM chocaram-se e outra colidiu com uma caminhonete D 20. O estrago foi grande, pois um dos veículos trafegava à velocidade de 160 km por hora”, lembra Aires.

Quando os outros militares que estavam detidos – muitos deles por crimes comuns – souberam que Aires estava preso, ameaçaram fazer um motim. Para evitar perder o controle da situação, a cúpula da Segurança Pública decidiu retirar Aires rapidamente da 3ª CPMIND. Naquele momento, ao algemá-lo novamente, um policial retirou o capuz da cabeça e, visivelmente constrangido, disse: “Aires, me perdoa, recebemos uma ordem de cima pra fazer uma prisão com urgência, mas não sabíamos que era você”.

No dia seguinte, acirraram-se os ânimos nos órgãos de segurança pública, pois a estrutura da Polícia Civil tinha sido usada pra prender o líder dos policiais militares. Os dirigentes do Sindicato dos Policiais (Sinpol), Fábio Barcelos e Wellington levaram Raquel, esposa do Aires, para uma audiência urgente com o General Athos, então Secretário de Segurança Pública. “Como não tínhamos dinheiro para contratar um advogado, fomos ao gabinete do deputado distrital Wasny de Roure, que colocou o seu assessor jurídico à nossa disposição”, lembra Raquel.

Enquanto isso, Aires era transferido para o Batalhão de Operações Especiais (Bope), onde dividiu cela com um integrante do grupo do traficante Fernandinho Beira-Mar, que ficou impressionado com aquela repressão violenta a um mero policial. “Aquilo pra mim foi uma coisa tenebrosa e entrei em greve de fome por doze dias. O meu colega de cela disse que, mesmo sendo bandido perigoso, nunca tinha passado por tamanha pressão”, recorda.

Antevendo que seria preso, Aires havia estimulado a formação de um Comitê de Mulheres, integrado por cinco esposas de PMs, que seriam responsáveis pela condução do Movimento. Solidárias ao líder da categoria, as mulheres dos policiais militares fizeram uma manifestação em frente ao Bope, onde acamparam.

As primeiras reuniões do grupo aconteciam na casa da amiga Iranete, onde a família se abrigou, pois a casa de Raquel havia sido interditada pela Polícia, para a perícia da invasão.

Aires permaneceu preso por 19 dias, 12 dos quais em greve de fome. Durante esse período a família passou por muitas privações. “A gente não chegou a passar fome, mas era muito ruim ter que viver numa casa que não era a sua”, lembra Bruna.

No cárcere, redigiu uma carta aos seus colegas de corporação, que foi lida pela esposa Raquel, ao microfone, em uma das assembleias da categoria:

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Quando foi solto, Aires estava visivelmente desidratado e debilitado. “Minha aparência era tão abatida que chegaram a dizer que eu tinha me auto-lesionado para chamar a atenção”, lembra Aires. Emocionados, a esposa e o irmão Dailer o esperavam no Fórum de Taguatinga para receber o recém-liberto, que chegou de ambulância e com as roupas numa sacola de plástico da loja C&A. “Esse foi o dia mais alegre da minha vida”, conta Raquel.

Falando na assembleia da categoria, dias depois, Aires comemorou a sua liberdade, que, no seu dizer, “era uma vitória contra tudo e contra todos”. Os colegas cantaram o hino nacional, com um fervor jamais visto na tropa. “Deus seja louvado”, agradeceu Aires.

As constantes hostilidades sofridas por Aires e seus familiares provocou fortes sequelas físicas e psicológicas. Suas filhas passaram a ter crises de bronquite emocional. Brenda Aires Costa Pinheiro, a caçula, tinha apenas seis anos na época e não se lembra de muitos detalhes. “Quando eu perguntava onde estava papai, mamãe dizia que ele tinha viajado, mas na verdade eles me escondiam as coisas, porque eu era muito pequena pra entender o que se passava”, lembra Brenda.

Em muitas ocasiões, a esposa Raquel chegou a pensar em pedir ao marido para deixar o movimento dos PMs, mas nunca disse a ele. Num dia, vendo o sofrimento do seu irmão e a ingratidão dos amigos, que se afastavam de Aires na hora que ele mais precisava, Ernando falou pra ele: “eu no seu lugar caía fora”.

Aires ouvia os conselhos, ponderava, mas seguia em frente. E aonde ele ia, a família dava suporte. “Mesmo nos dias mais duros que enfrentamos, eu nunca me queixei, nunca disse ‘hoje tá difícil’, nem joguei nada na cara dele, nem o culpei pelas privações que sofremos”, afirma Raquel.

Para ela, a maior virtude do Aires é o temor a Deus. “A única coisa que Aires tem medo é de morrer sem alcançar a salvação”, revela a esposa. “Ele jamais aceitaria abandonar a luta, sabendo que seus companheiros estavam sendo desrespeitados. sempre se compadece com a situação das pessoas e continua sendo assim, mesmo com aqueles que, ingratos, lhe viraram as costas nos momentos mais difíceis que enfrentou”, afirma Raquel.

Após a saída de Aires da prisão, ele e sua família passaram a viver a ermo, em casas alheias. “No período de 1990 a 2004, nós tivemos que mudar de residência 10 vezes e eu, particularmente, cheguei a ser deslocado, escondido, no porta-malas, devido à covarde, diuturna e intensa perseguição que sofri dos agentes da P2, que tentavam me intimidar, pelo pânico”, desabafa o fundador da Força Policial.

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Não raras vezes, andava encapuzado, dentro de uma van, com portas automáticas. A filha Brenda, lembra que alguns parentes de Aires tentaram convencê-lo a sair do movimento, porque ele corria perigo, mas o pai seguiu firme no seu propósito. Além disso, a sua situação financeira ficou tão difícil que, em 2001, o amigo Miquilino, do Sindicato dos Frentistas, se ofereceu para pagar o seu aluguel e as contas de água e luz.

Aires recorda que, numa determinada data, chegou a ser interrogado nove vezes no mesmo dia, por pessoas diferentes. “Eles queriam me vencer pelo cansaço e forjar alguma contradição entre o que eu dizia e o que tinha acontecido de fato”, afirma.

No original do dossiê que Aires entregou ao Comando Geral da PM, a ação da polícia era caracterizada como crime político, transformando o DF numa “terra sem lei”, com práticas nefastas de perseguição típicas do período da ditadura militar, uma vez que a vítima era cidadão de bem, conhecido na sociedade brasiliense e com idoneidade comprovada.

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Assembleia da PM na Praça do Relógio, em Taguatinga (2000)

Protesto pró-desmilitarização das PMs e BMsfeito por Aires na rampa do Congresso Nacional (1994)

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Aires fala à Assembleia da PM (2001)

Campanha eleitoral de Aires (2002)

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CAPÍTULO 5

ANISTIA PARCIAL, ESPECÍFICA E RESTRITA

Duas medidas: a lei para os amigos,o rigor das leis para os inimigos

“Nenhuma ferramenta que selevantar contra o justo prosperará”

Profeta Isaías (Sagradas Escrituras)

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No auge da mobilização dos bombeiros e PMs houve, nitidamente, uma estratégia do Comando Geral da PM estruturada em duas ações simultâneas. Ao mesmo tempo em que uma campanha bem orquestrada procurava reprimir, isolar e desmoralizar as lideranças autênticas do movimento, outros líderes eram “inflados” com o aval do Comando Geral para ludibriar a categoria. “Durante muitos anos levamos uma luta histórica das praças, que serviu de referência para companheiros de outros estados. Mas um plano maquiavélico do Comando e do seu Centro de Inteligência buscava dizimar as lideranças do movimento pra enfraquecê-lo”, relembra Aires. Para isso, conta, criaram comunidades e fakers – perfis falsos - na internet, mobilizando um arsenal de calúnias, difamações e injúrias, destilando veneno contra Aires e outras lideranças. “Anos depois, todos provam do retrocesso forjado por canalhas e subservientes que usaram do anonimato e de blogs que defendiam interesses escusos e visavam, tão somente, debilitar o movimento dos policiais e bombeiros militares”, destaca.

Algumas lideranças foram expulsas da PMDF, mas logo foram anistiadas, ao contrário do que aconteceu com Aires, o único dos militares que não recebeu a anistia. Para Aires, embora algumas pessoas não entendessem o fato da anistia do GDF não ter sido “ampla, geral e irrestrita”, quem conhecia os bastidores da luta da categoria sabia bem a razão da benevolência do Comando da PM com alguns “líderes”.

Segundo Aires Costa, havia algumas pseudo-lideranças que eram, em verdade, “lobos em pele de cordeiro” e tinham conluio com os oficiais. Enquanto isso, as prisões de lideranças seguiam. Era uma manobra para afugentar os participantes do movimento, espalhando o medo e dispersando a categoria. Tanto que algumas detenções eram feitas horas antes das assembleias da categoria. “Tudo combinado. Chamaram a imprensa e a prisão foi efetuada no QG. O objetivo era a divulgação no programa jornalístico DFTV, da Rede Globo, e, assim, intimidar os PMs e BMs e esvaziar a assembléia”, denunciava Aires.

Aires destaca, ainda, o tratamento generoso que certos “líderes” recebiam dos comandantes. Segundo o documento citado, alguns, após a soltura, eram lotados no QG, procedimento mais uma vez diferenciado dos demais PMs ativistas, que eram transferidos para UPMs distantes das suas casas. Talvez esse trato mais complacente, alerta Aires, resida no fato de que alguns “companheiros” fossem, a bem dizer, mais agentes do comando infiltrados na justa e legítima jornada de lutas das praças do que propriamente líderes ideológicos com gestos de bravura.

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A anistia que não veio para todos

Aires Costa foi licenciado ex-officio das fileiras da Polícia Militar do Distrito Federal em 11 de março de 1992, sob o pretexto de não haver mais conveniência para a corporação e por ter sido “julgado incapaz definitivamente para o serviço policial militar”. Ocorre que tal exclusão ocorreu, conforme seus advogados, “ao arrepio da lei, com claro cerceamento da defesa e sob o manto do abuso de autoridade”. Por isso, o processo foi marcado por notória fraude.

Um desses fatos foi a transferência compulsória de Aires para o 3º. Batalhão, ocorrida em 9 de dezembro de 1992. Nessa data, Aires recebeu sua ficha onomástica – sem registro de nenhuma punição - e um documento de “permuta” (para caracterizar que a transferência fosse a pedido do requerente), já preenchida com o nome de Aires e com espaço em branco para acrescentar o nome de outro “permutante”.

Dois dias depois, o comandante da unidade chamou o requerente em sua sala e interrogou se o mesmo o havia denunciado no Ministério da Justiça. Ante a confirmação de Aires, o comandante disse que ele “seria punido com cadeia” e “expulso da PM”. Portanto, essa era uma prova de que a exclusão de Aires havia sido premeditada por oficiais. No dia 28 de dezembro, foi publicado um parecer que considerava Aires “apto para fins de licenciamento”, ou seja, com saúde perfeita, da forma como ingressou na Polícia Militar, o que tornava possível o seu licenciamento “a bem da disciplina”.

Nesse período, segundo Aires, alguns registros funcionais foram alterados acintosamente, para dar “legitimidade” à sua expulsão. Em sua Ficha de Assentamentos constava o termo “bom comportamento” até o dia 14 de dezembro de 1992. Entretanto, no dia seguinte foi inserida na mesma a expressão “30, 20 e 10 dias de prisão”, perfazendo um total de 60 dias de prisão.

A primeira expulsão de Aires aconteceu em 28 de dezembro de 1992, a “bem da disciplina”. No entanto, considerando a ilegalidade do ato que o excluiu, o juiz da 1ª. Vara da Fazenda Pública do Distrito Federal concedeu um mandato de segurança em 27 de janeiro de 1993, que o reincorporou à PM. Em 11 de março de 1993, uma portaria do Comandante-Geral da Polícia Militar do Distrito Federal tornou sem efeito o ato anterior, que o excluíra, até o julgamento do mérito.

No entanto, quando se apresentou ao Departamento de Pessoal, foi determinado que aguardasse instruções em casa. Em 11 de março do

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mesmo ano, Aires foi licenciado novamente, dessa vez por parecer da junta médica, que o considerou “definitivamente incapaz para o serviço policial militar”. No diagnóstico clínico havia sido inserido o CID 301.5/5 e o seguinte parecer:

“A moléstia é incurável e não foi adquirida em serviço, nem em decorrência do ato de serviço. Pode prover os meios de subsistência. Não é alienado mental”.

Contestando os termos da portaria, a defesa de Aires alegou que se tratava, em verdade, de “apressada armação”, que ficou evidente numa grosseira fraude processual: no processo os procedimentos para a inspeção de saúde e sua conclusão - que atestava a “incapacidade” - ocorreram em ordem cronológica inversa, ou seja, na sindicância constava que o laudo de incapacidade havia sido lavrado 28 dias antes do requerimento que solicitava o “histórico médico”.

Em 1999 seus advogados ajuizaram uma Ação de Conhecimento pelo Rito Ordinário, impugnando a legalidade do ato que o licenciou das fileiras da corporação, obtendo decisão judicial desfavorável.

Em 22 de outubro de 2003 a defesa de Aires encaminhou ao Governador do Distrito Federal, Joaquim Domingos Roriz, um pedido formal de “Anulação de Ato Administrativo e Anistia”. No requerimento, a defesa se amparou na Súmula 473 do Supremo Tribunal Federal que considera nulos de pleno direito os atos eivados de vícios:

“A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos, ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial”.

No entanto, o processo foi indeferido. A negação do pedido se deu com base em parecer da Procuradoria-Geral do Distrito Federal, de 21 de novembro de 2005, que considerou que “a concessão da anistia a servidores militares só é possível quando os mesmos tenham sido atingidos em decorrência de motivação exclusivamente política, por atos de exceção, institucionais ou complementares, não nas hipóteses em que a punição decorre de aplicação da legislação comum”.

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Além de considerar que no caso de Aires Costa não havia sido comprovada a perseguição política, a Procuradoria considerou, ainda, “impossível à Administração rever o ato de licenciamento, em face da incidência de prescrição”.

No entanto, segundo a defesa não foram observados os preceitos legais que o caso exige e o pedido foi reapresentado em 15 de abril de 2008 ao governador José Roberto Arruda. Desta feita, os advogados de Aires fizeram um resumo minucioso dos episódios funcionais que resultaram em “problemas disciplinares” e que foram o estopim para a sua exclusão da PM.

Em 15 de novembro de 2012 novo pedido de “Anulação de Ato Administrativo e Anistia” foi formulado ao governador Agnelo Queiroz e encontra-se em tramitação.

Muitos laudos contra uma farsa

Em todos os pedidos de anistia foram usados como prova técnica laudos médicos que atestam a saúde mental de Aires Costa. Num deles, emitido pela psicóloga Sandra M. Hueb, do Centro de Orientação Psicológica e Pedagógica (CENOPP), o laudo atesta que Aires possui potencial intelectual dentro da normalidade, com “as funções cognitivas preservadas e adequadas em relação ao seu grupo de faixa etária”. Segundo a psicóloga, “em relação à personalidade, destacam-se o pragmatismo, o senso de responsabilidade social, de comprometimento com as próprias postulações, a noção de que deve fazer o que se propuser fazer, respeitando as normas comunitárias, sociais, legais e o direitos dos outros”.

Definindo Aires como pessoa comunicativa, relacionada e que exerce liderança, o laudo evidenciou “indicadores de normalidade psicológica, atinentes a dinâmica da personalidade, em todas as fases do desenvolvimento neurobiopsiquico do avaliado”, no qual não foram detectados “indícios de traços psicopatológicos”.

Em outro laudo, elaborado pelo psicólogo Gizélio Gonçalves Calixto, está explicito que Aires não possui nenhum distúrbio de personalidade que possa interferir em seu desempenho laboral. Ironicamente, embora não tenha sido anistiado pelo GDF, em 2009 Aires recebeu das mãos do então governador José Roberto Arruda a Medalha Comemorativa ao Bicentenário da Polícia Militar do Distrito Federal em “honra ao mérito pela notável contribuição para o engrandecimento da corporação”.

Em 27 de abril de 2012, atendendo a solicitação de parecer psicológico do médico psiquiatra Neilor Rolim, da Clínica Psicossomática, os psicólogos

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Gizélio Gonçalves Calixto e Maria José Carneiro diagnosticaram que o paciente não apresentava “anomalia de comportamento, distúrbio e outras características incompatíveis com o seu desenvolvimento da personalidade, que o incapacite para o exercício de atividades laborais, conforme o perfil às mesmas exigidas”.

Aires também foi examinado pelo conceituado psiquiatra forense Ulysses Rodrigues de Castro, ex-diretor do Instituto de Saúde Mental do DF. Em seu diagnóstico, Castro afirmou que Aires apresentou quadro psicopatológico à época compatível com o Código Internacional de Doença CID 10, que corresponde à “reação aguda ao estresse, decorrente do período de perseguição laboral”, ao qual havia se submetido.

Segundo o psiquiatra, Aires revelava uma “normalidade psicológica com uma congruência à sua dinâmica de personalidade, destacando-se o pragmatismo, o senso de responsabilidade social, o comprometimento com suas postulações, a noção que se propuser fazê-lo, respeitando as normas comunitárias sociais legais e o direito dos outros. Com amplo embasamento técnico e científico, o laudo considerou que Aires estava em um momento pleno de sua sanidade mental e, assim, derrubou a tese de “transtorno de personalidade histriônica” (CID 10), que havia “embasado” a sua exclusão laboral da Polícia Militar do Distrito Federal.

PMDF concede a Aires Diploma de Honra ao Mérito no Bicentenário da corporação (2009)

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Em frente ao Palácio do Buriti, Aires denunciamás condições de trabalho e de vida dos PMs e BMs

Aires denuncia “ditadura econômica” no desfile militar da Independência

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Aires posto em liberdade

Repressão aos líderes pró-desmilitarização: presos em disciplina (1992)

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Aires em Bruxelas (Bélgica)

Liberdade, abre as asa sobre nós: Aires é solto.

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Carta que Aires recebeu de amigos e familiares, durante a sua prisão

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CAPÍTULO 6

MISSÃO RESGATE

A ação voluntária para livrar homense mulheres da escravidão química

“O meu passado é meu algoz, não me permite retorno. Porém, o presente levanta generosamente o meu semblante descaído e me faz enxergar que não posso mudar o que fui, mas posso construir o que serei”

Trecho do livro “O vendedor de sonhos”,de Augusto Cury

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Com sensibilidade aguçada para os dramas sociais, em 2002 Aires ajudou na recuperação de um dependente químico envolvido com o tráfico de drogas. O sofrimento enfrentado por aquele indivíduo levou-o a pensar na criação de uma instituição que pudesse ser o ponto de apoio para viciados e seus familiares, na luta contra o vício.

Aires fundaria, então, com o apoio da Força Policial, a organização não governamental Resgate que, nos anos seguintes, realizou notável trabalho de aconselhamento e tratamento de dependentes químicos, por meio de palestras, encaminhamentos clínicos e sessões terapêuticas. A entidade funcionou inicialmente na cidade de Samambaia (DF) e depois teve sua sede transferida para São Sebastião (DF).

Para Aires, as polícias não podem dar trégua na repressão ao crime, mas precisam entender que não basta o aparato de Estado reprimir o tráfico. “É preciso que governo e sociedade criem oportunidades de tratamento para viabilizar a reinclusão social dos dependentes, nos mercados de trabalho e de consumo, por meio de ações sociais, esportivas e culturais”, defende Aires. Para ele, se o ex-dependente não encontrar apoio da família e da sociedade para trabalhar e viver dignamente, há grande possibilidade dele retornar ao vício.

Fundada com o apoio de ex-dependentes químicos, a ONG já prestou atendimento para mais de 20 mil pessoas. Nas palestras que realiza em escolas e outras organizações, Aires faz esclarecimentos sobre os danos que as drogas provocam no corpo e na mente dos usuários e distribui cartilhas de prevenção. A sua abordagem é inspirada no Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência (Proed), que surgiu em Los Angeles (EUA), está presente em todas as unidades da federação e foi implantado no Distrito Federal em 1998:

“O modelo norte-americano Drugs Abuse Resistance Education (Dare) foi criado em 1953 e é aplicado atualmente em mais de 50 países, formando cerca de 30 milhões de crianças em todo o mundo. Em 1992 o programa foi desenvolvido no Rio de Janeiro e atualmente é trabalhado em todos os estados brasileiros.” (Revista Polícia e Justiça, ano II, edição 5, 2010)

O Proerd tem foco na prevenção ao uso de drogas e à violência entre crianças e adolescentes e se converteu, nos últimos anos, numa poderosa ferramenta a serviço de policiais e educadores para conter a proliferação do chamado fenômeno bullyng, que espalha violência física

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e simbólica, notadamente nas escolas de periferia. Os instrutores do programa são policiais militares que, em parceria com gestores escolares, buscam auxiliar crianças e adolescentes a resistirem às pressões diretas e indiretas que os influenciam a experimentar drogas.

Usando jaleco branco em suas palestras, Aires fala dos males que as drogas provocam na saúde do usuário. A indumentária e a temática que aborda lhe valeram o apelido de Dr. Anti-Drogas.

“O uso indevido de drogas se tornou um grave problema de saúde não só no Brasil, mas praticamente em todo o mundo. As conseqüências e os prejuízos aos usuários podem destruí-lo de forma física, psicológica e espiritual, inclusive o levar à morte” (Manual anti-drogas, ano I, edição 1, 2013)

A atuação da ONG marcou a vida de muitas famílias de dependentes químicos. Na reportagem “Anjo da guarda dos destinos”, publicada pelo Correio Brasiliense em maio de 2003, a brasiliense Maria Eugênia Almeida dos Santos, exibia a carteirinha de sócio que seu filho tirou na ONG Resgate. Depois de lutar muitos anos contra o vício, o rapaz morreu de forma trágica, ao levar um choque elétrico na região da Ponte Alta, no Gama. O documento era a única imagem que sobrara do filho, pois a sua mãe rasgara as outras fotos que tinha dele, pois queria ficar apenas com “as lembranças boas”.

A preocupação com a formação cultural da população também está no planejamento estratégico da ONG Resgate. Durante os seus 11 anos de atuação, a instituição arrecadou e distribuiu 20 mil livros didáticos e paradidáticos para estudantes carentes.

Em 2012 Aires passou o comando da instituição para José Arnaldino de Sousa. Atualmente, a ONG atende 58 homens, mas pretende ampliar o atendimento nos próximos anos. “Não tem como a gente ver um viciado em drogas abandonado, comendo lixo na rua e lhe negar socorro”, afirma Arnaldino, presidente da ONG Resgate.

Por uma imposição legal, a instituição ainda não recebe menores, pois o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) só permite a internação com autorização judicial. Segundo Arnaldino, a lei é contraditória. “Um menor infrator pode ficar perambulando nas ruas, aprendendo a praticar crimes com traficantes e delinquentes, mas não pode ser internado para fazer um tratamento e aprender uma profissão”, compara.

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Eles usam um terreno cedido por concessão de uso por 50 anos. Idealistas, os dirigentes da casa têm um projeto de ampliação da sua estrutura física, de modo a conseguirem atender, nos próximos anos, até 1.000 dependentes químicos e seus familiares. Os internos e os cinco funcionários da entidade residem na sede da Resgate.

Mão na massa

Enquanto no sistema prisional geralmente os detentos ficam afastados de suas famílias, na Resgate se preconiza a convivência com seus entes mais próximos, que, em alguns casos, residem lá também. Na casa de recuperação todo mundo trabalha e contribui para manter a casa.

Os dependentes químicos ficam internados por 270 dias e, nesse período, recebem um tratamento chamado “Nova Vida”, baseado em diversas terapias e em atividades de profissionalização. Lá, eles fazem um curso prático de agricultura orgânica, cuja produção é destinada ao serviço de alimentação da instituição e às famílias dos internos. “O Aires sempre vem ministrar palestras nessa casa que ele fundou e dirigiu com muita dedicação por nove anos. Sempre vestido com seu jaleco branco, o ‘Dr. Antidrogas’ tem muito orgulho do trabalho desenvolvido pela instituição”, destaca Arnaldino.

Nas atividades agropecuárias, os internos aprendem o manejo do pasto e de rebanhos bovino, suíno, avícola e de peixes. Algumas dessas qualificações profissionais são certificadas pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), a exemplo do que ocorre com os cursos de Administração Rural e Qualidade dos Alimentos. Dentre os oito cursos de capacitação para o trabalho oferecidos pela Resgate, estão o de apicultura, onde os alunos aprendem a cultivar abelhas com ou sem ferrão.

Os que têm aptidão em construção civil são qualificados como pedreiros e mestres de obra. Nessa condição, fazem trabalhos internos na casa e são encaminhados para serviços empreitados. Numa parceria com a ONG Legião Cerrado, os jovens e adultos atendidos pela Resgate participam de atividades de preservação ambiental.

As atividades de lazer – futebol e caminhada – ajudam a tornar o lugar agradável e, assim, são raras as fugas. Para estimular o convívio familiar, depois dos primeiros seis meses, os internos são dispensados na sexta à noite e podem ficar com seus parentes até o domingo. Antes desse período eles visitam suas famílias, acompanhados pelos membros da ONG Resgate.

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Língua de formiga

Com serviço voluntário, perseverança e muita criatividade, a ONG resgate tem um custo médio mensal de R$ 1000 por residente. A maior dificuldade da casa, revela Arnaldino, é o orçamento pequeno. “A nossa receita fixa mensal não passa dos R$ 4.000, o restante vem de doações de parceiros, voluntários e das próprias famílias”, explica. No início da internação, os familiares são estimulados a contribuir com um salário mínimo, mas nem todos podem repassar esse valor e alguns sequer contribuem, devido à sua baixa renda per capita.

A ONG Resgate não tem convênio com o governo. “Verba pública para ajudar as casas de recuperação é que nem língua de formiga, a gente sabe que existe mas ninguém vê”, desabafa Arnaldino. Ele reclama da burocracia e das inúmeras exigências que há para uma associação receber subsídio do governo, mesmo que seja para atender clientelas que o Estado tem por obrigação assistir, mas que nem sempre o faz.

Para conseguir manter o custo operacional da instituição, os internos realizam atividades produtivas. “Desenvolvemos um tanque de água, com capacidade para 12 mil litros, que foi exposto e comercializado na Agro-Brasília, exposição agropecuária que acontece anualmente na região do PDEF, no Distrito Federal”, conta Arnaldino. O utensílio, feito de ferro, sal e cimento, custa, em média, R$ 5 mil, entre material e mão de obra.

Hoje conhecida como Missão Resgate a entidade funciona com a ajuda de voluntários e já atendeu mais de 300 pessoas. As atividades são gratuitas. “Algumas famílias ajudam financeiramente, mas há alguns pacientes tão carentes que não podemos contar com esse tipo de ajuda deles”, afirma Aluísio Ferreira. Ele lembra que Aires Costa tirou dinheiro do bolso para transformar a entidade em realidade. “Às vezes a gente mesmo tinha que encher o tanque de gasolina da instituição”, lembra.

Um apoio extra veio em 2014: a doação de 10 salários mínimos por parte do Fórum da cidade de Porangatu. “O juiz da vara criminal, entendendo que é mais barato tratar e prevenir o uso de drogas do que manter o sistema prisional, decidiu nos ajudar com esse recurso, que será bem-vindo e bem empregado”, comemora o presidente.

No fundo do poço tinha uma mola

Não é à toa que o lema da ONG Resgate é “resgatando vidas em nome de Jesus”. Um dos suportes do trabalho que visa ajudar os dependentes

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a se livrarem do vício é a evangelização. Diariamente, os internos participam do momento intitulado “Culto emocional”, onde estudam a Bíblia, cantam e fazem orações.

Os dependentes químicos que moram no DF são transferidos para a ONG Resgate Monte Sião, que funciona na Bahia. Essa estratégia visa afastá-los das más companhias que, anteriormente, lhe influenciaram a entrar no submundo do consumo e do tráfico de drogas. Foi o que aconteceu com o jovem Ricardo Andrade da Silva. Ex-usuário de merla, maconha e cocaína, ele foi condenado por tentativa de homicídio e tráfico de drogas e cumpriu 10 anos de prisão. “Minha mãe me visitava de dois em dois meses, pois, apesar da visita ser semanal, ela não tinha condições financeiras de ir sempre”, recorda Ricardo.

Na cela da penitenciária da Papuda(DF) lia muito. Um dos livros que mais lhe marcou foi “Vendedor de Sonhos”, do escritor Augusto Cury. Há um trecho da obra que ele sabe de cor e recita: “O meu passado é meu algoz, não me permite retorno. Porém, o presente levanta generosamente o meu semblante descaído. E me faz enxergar que não posso mudar o que fui, mas posso construir o que serei”.

De tanto ler, começou a escrever e sonha, um dia, publicar um livro com os poemas escritos no cárcere. Num dia de profunda tristeza, recordando sua infância perdida nas drogas, ele se inspirou nos palhaços, os artistas de circo que levam a alegria às pessoas. E escreveu o poema “O circo”, que obteve o terceiro lugar num concurso interno de poesias, do qual participaram 50 detentos:

“Os linhas de frente são Pipoca, Risadinha e Macarrão. Tenho todos na mente. Conheço todos como a palma da minha mão.Primo Hit, Vila Boa e Cramunhão.As crianças deitam e rola, principalmente com o palhaço Bola.Termino por aqui, com humildade me apresento:Sou o gigante palhaço Kaki”

Para Ricardo, a sociedade geralmente vira as costas para o dependente. No entanto, a Resgate salvou sua vida. “Eu cheguei ao fundo do poço, estava na rua, exausto, e eles foram os únicos a me estender a mão. Depois da triagem, eu passei nove meses na casa de recuperação Monte Sião, no estado da Bahia”, afirma.

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Beneficiado pelo regime da liberdade domiciliar – no qual o condenado pode realizar outras atividades de dia, retornando à noite ao lar - hoje ele é um dos voluntários da Resgate. De segunda a sexta ele ajuda no serviço administrativo e está feliz por isso. “A droga é uma espécie de prisão, mas graças a Deus, consegui me curar do vício e estou tendo o privilégio de voltar a conviver em sociedade”, afirma.

Resgate e primeiros socorros

Nos seus primeiros anos de atuação a ONG manteve um serviço de resgate civil. Um dos responsáveis pelo treinamento do grupo de resgate foi o paulista Aluísio Ferreira da Silva, que chegou a Brasília em 1958. No curso que ministrava na Missão Resgate ele dava noções de primeiros socorros, sobrevivência na selva e na água, escalada em rapel e preservação ambiental ao “batalhão da farda preta”, como era conhecido a equipe de voluntários da ONG. “A comunidade chamava a gente de ‘anjos do asfalto’ e temos muito orgulho disso”, afirma Aluísio.

Ele se lembra de um episódio que ficou em sua memória, quando a viatura da Missão Resgate foi chamada para socorrer uma mulher em trabalho de parto. “Em 2010 uma criança nasceu dentro da viatura, e fomos nós quem prestamos apoio à gestante, depois a conduzimos a um hospital para retirar o cordão umbilical”, relembra emocionado.

Segundo Juci Adriano, líder comunitário em Samambaia, o serviço de resgate da ONG sempre foi muito eficiente. “Às vezes havia um acidente e eu ligava pros Bombeiros e quando eles não tinham carro disponível, era a viatura da Resgate quem nos socorria”, afirma. Porém, no início, a direção do Corpo de Bombeiros (CBMDF) se opôs a atuação da ONG Resgate, por considerar que ela fazia um serviço “ilegal”.

Segundo Aires Costa o comando do CBMDF tentou barrar o trabalho da Resgate, argumentando que estávamos interferindo numa área que era da competência deles, o que seria uma afronta. “Em 2008, a nossa viatura de resgate foi interceptada no Parque da Cidade por uma capitã do Corpo de Bombeiros, que deu voz de prisão à equipe. Na delegacia, questionando até a cor da nossa indumentária, por ser parecida com a utilizada pelos bombeiros, o delegado apreendeu um uniforme do CBM e outro da Resgate, para averiguação”, lembra Aires.

Outra crítica feita pelo CBMDF era a de que a equipe de socorristas da Resgate não tinha preparo técnico adequado. No entanto, toda a equipe havia sido treinada em cursos ministrados por empresas credenciadas,

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que tinham em seu corpo de instrutores os próprios oficiais do Corpo de Bombeiros. “Tivemos que demonstrar, numa certa ocasião, que, se havia irregularidades, não eram praticadas por nós, mas pelo próprio Corpo de Bombeiros”, relembra Aires. Ele se referia ao fato dos oficiais-instrutores assinarem os certificados dos cursos usando a patente militar.

Por esse e outros motivos, o caso foi parar na justiça. Em 2009 a Promotoria de Justiça de Fundações e Entidades de Interesse Social do Ministério Público do DF e Territórios intimou o presidente da Força Policial para prestar esclarecimentos em procedimento de investigação preliminar em curso naquele órgão.

Diante do promotor de justiça, os dirigentes da ONG demonstraram por farta prova documental que a atuação da instituição, além de ser extremamente útil à sociedade, era plenamente legal. No final do processo, o promotor não só arquivou as denúncias que haviam sido feitas contra a ONG Resgate, mas elogiou o trabalho pioneiro da instituição e recomendou que aquele serviço não cessasse, pois era notoriamente de “utilidade pública”.

No entanto, por falta de recursos financeiros, o serviço de resgate está desativado e a ONG Resgate concentra a sua atuação na prevenção e tratamento da dependência química.

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Palestra anti-drogas (2004)

Aires em reunião com integrantes do Sindicato dos Frentistas

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Revista Polícia e Justiça (Edição 5, 2010, página 5)

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Equipe de socorro da ONG Resgate

Treino campal da ONG Resgate

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Simulação de resgate a acidentado

Treinamento de primeiros socorros no cerrado

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ONG Resgate

Regenerando vidas: dependente químico atendido na Resgate

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Prevenir é melhor do que remediar: Aires alerta jovens sobre o perigo das drogas

Estudante recebe certificado após palestra anti-drogas

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Abraço solidário: o calor humano que promove a superação

Aires e Pastor Arnaldino, no culto de evangelização

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Na ONG resgate, voluntários vestem a camisa da reinclusão social

Educação, amor e aconselhamento: as armas contra a dependência química

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Mobilização de voluntários e terapeutas reconstrói famílias que a droga um dia destruiu

ONG Resgate

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Aires entre amigos e colaboradores

De jaleco, Dr. anti-drogas prega cartilha contra entorpecentes

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CAPÍTULO 7

QUEM SABE FAZ A HORA

A criação da Força Policial como foco de resistência

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Em 2003 a dona de casa Sílvia, esposa de um policial militar, bateu na porta de Aires Costa, mal raiara o dia. Naquela semana, numa ação inusitada, policiais militares que viviam de aluguel ocuparam becos em Ceilândia Norte (DF) e Taguatinga (DF) e começaram a construir suas casas.

Dias antes, as câmeras das emissoras locais de TV registraram um dos dias mais dramáticos da história da Polícia Militar do Distrito Federal: de um lado do confronto, policiais militares que tinham invadido os becos, na esperança de conseguir um terreno para fazer sua casa própria; do outro lado, a tropa de choque da PM, encarregada de desocupar, à força, os becos.

Num momento de desespero, vendo que a desocupação seria consumada e que muitos policiais perderiam o seu “lugar ao sol”, a mãe de um dos soldados que cumpriam a ordem de desocupação abraça o filho e, em seguida, se ajoelha aos seus pés, implorando para que a ordem judicial não fosse cumprida. O policial sabia que estava reprimindo, a contragosto, os colegas de farda. Comovido com o clamor da mãe, ele sentiu como nunca o peso da farda. Entre “a cruz e a espada” ele nada pôde fazer, exceto chorar. E chorou, imóvel, diante do clamor de sua genitora.

Sílvia relatou a Aires que, temendo serem presos, os líderes da ocupação procuraram, em vão, o apoio das associações de praças e de alguns parlamentares ligados à tropa. No entanto, ninguém queria se meter naquela confusão armada, cujos desdobramentos eram imprevisíveis.

Aires tinha entendido o drama dos colegas. As “lideranças” da categoria haviam “lavado as mãos”. Aires lavou o rosto. E saiu de casa naquela na mesma hora, para buscar uma saída pro impasse. No caminho, disse pra Sílvia: “agora não tem volta, já que começaram, agora vocês tem que invadir o resto dos lotes vazios”.

Então, Sílvia pediu que Aires intermediasse a negociação com o governo, para encontrar uma solução pacífica para o problema. Aires aceitou o convite, mas impôs uma condição: para que ele pudesse falar em nome dos invasores, o grupo deveria fazer uma assembléia e lhe nomear como líder. A proposta foi aceita.

Enquanto atuou como porta-voz do grupo, Aires foi chamado a depor na Polícia Militar do DF por nove vezes num curto intervalo de tempo e se queixou do fato ao comandante geral, Coronel Tabosa.

Pega o beco, PM!

Na mesma semana, tocou o telefone celular de Aires. Do outro lado da linha, o governador do DF, Joaquim Roriz, o chamava para uma conversa. Quando Aires chegou ao gabinete do governador, estavam presentes a

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Secretária de Habitação, Ivelise Longhi, e outros membros do primeiro escalão. O assunto era a ocupação dos becos pelos PMs, episódio que estava causando dissabores ao governo, tanto pelo posicionamento da imprensa, quanto pela repercussão negativa que o envolvimento de praças naquele movimento causava no Comando da PM. Na verdade, haviam fracassado as primeiras tentativas de desobstrução pacífica dos becos, que servem de passagem entre um conjunto habitacional e outro.

Roriz começou a reunião elogiando Aires. “Você é um líder nato, rapaz! Com você a gente só tem dois caminhos, ou senta pra conversar contigo ou manda te matar”. A frase não era uma ameaça, era uma revelação surpreendente do chefe do executivo local. Segundo Roriz, nas épocas de radicalização das lutas do movimento das praças, não faltou quem se oferecesse para eliminar fisicamente Aires, considerado como uma das mais incômodas lideranças dos policiais e bombeiros militares, sugestão nefasta prontamente repelida pelo ex-governador. Retomando o assunto da reunião, Roriz disse que precisava da ajuda de Aires para abrir um canal de negociação com aquelas famílias e tirá-las dos becos. “Você é meio durão, mas é um cara inteligente e aberto, estou aqui reconhecendo você como líder, e líder não se faz, nem se indica”, disse o governador.

Em seguida, Roriz perguntou o que era preciso para que os becos fossem desocupados. Aires começou sua fala lembrando uma passagem do Antigo Testamento. “Quando Moisés teve que retirar seu povo do Egito, ele perguntou a Deus o que fazer, e Deus determinou que ele levasse sua nação para a Terra Prometida”, disse Aires. E era justamente aquilo que precisava ser feito para remover os invasores: garantir moradia para eles, compromisso que havia sido assumido pelo então candidato Roriz na campanha para o Palácio do Buriti. Entendendo o recado, Roriz determinou a Secretária de Habitação que providenciasse a destinação de 700 lotes nas cidades de Ceilândia, Samambaia e Riacho Fundo, para abrigar as famílias militares. Ficou acertado, no entanto, que apenas esses contemplados desocupariam os becos. Os demais ocupantes, que já haviam ajuizado ações para garantir a posse, teriam o direito de permanecer nos becos, até o aguardo de sentença judicial. Aires solicitou ao governador um tempo para submeter aos colegas PMs aquela proposta construída na mesa de negociação.

Na semana seguinte, os policiais e bombeiros militares que tinham ocupado os becos, bem como seus familiares, fizeram uma assembleia no Ginásio da PM. Num gesto inédito, o comando havia autorizado a utilização do espaço, como sinal de credibilidade que o governo conferia a liderança de Aires. O público que lotou o ginásio ficou aflito pois, na hora prevista

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para o início da reunião, Aires, sempre pontual em seus compromissos, ainda não havia chegado.

A reunião começou quase uma hora depois e, ao microfone, Aires explicou o motivo do atraso: não havia combustível no tanque do seu carro e ele teve que pedir uma carona aos pastores Juarez e Elieser, que o levaram ao local. Depois de se desculpar pela demora, Aires percebeu o clima de tensão e desconfiança que havia entre os presentes. “Abaixem a cabeça e vamos orar. Nós vamos vencer essa guerra”, disse Aires.

Com o aval da assembléia, Aires concluiu a negociação com o governo e, o que era um bicho-de-sete-cabeças, foi resolvido em tempo recorde. Em 15 de julho de 2013 a Força Policial enviou a Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação a lista das pessoas aptas a ocupar os lotes. A entrega de terrenos - pactuada com o governador - aconteceu 15 dias depois, em cerimônia comandada pela vice-governadora e governadora em exercício, Maria de Lourdes Abadia Bastos. Roriz estava fora de Brasília, em viagem oficial.

Nasce um gigante

A liderança nata de Aires o levou a romper com as associações de classes que já haviam, uma vez que elas, no seu entender, não tinham o caráter combativo e independente que a luta dos PMs e Bombeiros requeria. Assim, desiludidos com a atuação limitada de algumas entidades representativas das praças, que haviam se transformado em meras estruturas de interesse político-partidário, desvinculando-se dos interesses históricos da categoria, ativistas da categoria criaram a Associação dos Policiais Militares, Bombeiros Militares e Familiares do DF. Com o lema “Nasceu um gigante”, a Força Policial, como é chamada, surgiu pequena, ocupando uma modesta sala num prédio comercial, em Ceilândia Centro. Em seu estatuto foram consignadas, dentre outras finalidades, o “aperfeiçoamento político, social, cultural, intelectual e profissional dos seus integrantes, através de meios lícitos” e a colaboração com os poderes públicos e a sociedade para “a construção de uma sociedade democrática e organizada”.

Um dos seus parceiros nessa empreitada foi o amigo Valdir Carlos do Nascimento. Hoje, a Força Policial tem uma ampla sede em Taguatinga e dezenas de funcionários que, sob a supervisão de uma diretoria atuante, presta relevantes serviços aos praças e a outros segmentos da sociedade civil, nas áreas de saúde, seguros, comércio e assistência jurídica.

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Os sócios da entidade têm à sua disposição uma ampla rede de convênios com estabelecimentos comerciais, clínicas e laboratórios, além de atendimento no Hospital das Fraturas, em Ceilândia. Além disso, na sede da entidade funciona um serviço de atendimento jurídico à disposição dos filiados.

O atual vice-presidente da Força é o 3º. Sargento Antonio Augusto Ferreira da Silva. Com 22 anos de corporação, ele conheceu Aires em 2000, numa parada de ônibus, quando foi abordado pelo presidente da Força Policial, que fazia campanha de filiação de novos sócios. Augusto, que já era filiado a Aspra, gostou das propostas que Aires defendia e aceitou o convite. Um ano depois, Aires o convidou para assumir a Diretoria de Comunicação Social da Força Policial.

Augusto avalia como positiva a atuação da instituição. “As pessoas que não acreditavam que a Força Policial fosse se concretizar e se consolidar, se enganaram e perderam muito. Aires sempre diz que nem ele, nem ninguém é dono da verdade, mas que a gente precisa de um mandato para ser reconhecido. E foi isso que aconteceu com nossa instituição, ela nos conferiu legitimidade para atuar em defesa dos interesses das pessoas que representamos”, afirma Augusto. Para ele, um dos fatores que explica o sucesso da atuação da instituição é a capacidade que ela teve de se modernizar administrativamente e se adequar às constantes transformações que estão em curso na sociedade. “Nós temos um modelo de gestão que garante a eficiência de nossas ações e deixa satisfeitos os nossos mais de 2.500 sócios”.

O vice-presidente da Força Policial tem Aires como uma grande referência. “Muitas das minhas ações atuais e a minha própria caminhada na última década estão ligadas à liderança do Aires, porque compartilho de seu idealismo, afirma Augusto.

O pagador de promessas: 31 anos de uma injustiça

Sem descuidar do necessário trabalho assistencial, desde a sua fundação a instituição se converteu numa verdadeira trincheira da luta pela valorização e pela dignidade da família militar. Com essa missão, a Força foi protagonista de importantes capítulos da luta da categoria.

Em dezembro de 2000, a entidade se solidarizou com Jeferson Lino de Oliveira, ex-policial do 1º. Batalhão de Polícia Militar do DF, expulso da corporação por haver aplicado com rigor a sua autoridade policial. Segundo a reportagem “Próximo de ser capitão”, publicada pelo Correio Braziliense,

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Jeferson foi vítima de um complô, por ter, em ato de serviço, multado e aprendido o veículo de um alto oficial da Marinha Mercante.

A história de injustiça começou na noite de 20 de julho de 1973, quando o policial dava plantão numa blitz na avenida L2 Sul, nas proximidades do Colégio Marista. Na época, Jeferson sinalizou para que um Dodge Dart – carro de luxo – parasse numa barreira. No entanto, o condutor, que não portava documentos pessoais e do veículo, reagiu com agressividade à ordem do policial, desacatando-o:

“Algum tempo se seguiu de uma discussão no nível ‘você não sabe com quem está falando’. Na mesma noite, o oficial, de quem Jeferson nunca soube o nome, mas se lembra com clareza da fisionomia, prometeu que lhe infernizaria a vida. ‘Você vai para o olho da rua’, disse ele para Jeferson” (Correio Braziliense, 15/12/2000)

A ameaça do “poderoso chefão” se concretizou e de forma sórdida. Dias depois do incidente no trânsito, o ex-policial foi obrigado a tirar férias compulsórias. Um mês depois, ao retornar ao trabalho, foi recebido com um laudo médico, que atestava que ele tinha uma “lesão psiquiátrica irreversível”. Sem emprego, o policial teve que sobreviver como autônomo, enquanto travou uma batalha jurídica de 30 anos para revogar aquele ato arbitrário que lhe trouxe grave prejuízo financeiro e emocional.

Vários laudos judiciais atestaram, posteriormente, a sanidade do ex-policial, mas a Polícia Militar sempre recorria das sentenças que determinavam a reintegração dele aos quadros da segurança pública.

Talvez esse tenha sido o único caso de uma briga de trânsito cujos desdobramentos foram até a corte suprema do Brasil. O caso de Jeferson foi parar no plenário do Supremo Tribunal Federal. A injustiça só foi revista três décadas depois: no dia 10 de março de 2006 o Diário Oficial do DF publicava portaria da PMDF que reintegrava Lino no merecido posto de Capitão.

No entanto, por razões desconhecidas e “forças ocultas”, no dia 27 de abril de 2006 o Comandante-Geral da Polícia Militar do DF, Flávio Lúcio de Camargo, assinou a Portaria 44/2006, que confirmou no posto de Major Policial Militar o capitão Jeferson Lino de Oliveira. Uma justiça meia-boca, digamos assim, pois causou visível prejuízo financeiro ao reclamante. Mesmo assim, o militar, católico por formação, compareceu com seu traje militar à Festa do Divino Pai Eterno em Goiás, em 2006, para pagar

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uma promessa e agradecer aos santos aquela dádiva concedida. Depois de cumprir 18 km em sua peregrinação de agradecimento, Lino depositou a antiga farda, surrada por anos de dedicação à tropa, aos pés da imagem de Nossa Senhora Aparecida, a padroeira do Brasil. A imprensa do DF o batizou de o “Pagador de Promessas”.

O argumento da força e a força do argumento

Em abril de 2002 a Força protocolou denúncia no gabinete do Ministro da Justiça, Miguel Reale Júnior, segundo a qual oficiais da 3ª. Companhia de Polícia Militar Independente estavam cometendo abusos e praticando assédio moral contra seus subordinados. Entre as queixas constantes no ofício, a Força relatava casos de flagrante hostilização dos policiais subalternos, treinamentos físicos extenuantes, episódios de tortura psicológica e arrecadação forçada de dinheiro para custear serviços nas unidades policiais.

O 1º. Sargento Armando Francisco da Paixão Brasiliense, integrante do 11º. Batalhão de Samambaia, entrou na PM em 1991 e conheceu Aires três anos depois, no Movimento pela Desmilitarização e Unificação das Polícias.

Brasiliense, diretor da Força Policial, ele acredita que a associação contribuiu para melhorar a situação financeira e social da tropa. “Quando entrei na corporação a nossa situação era bem pior do que a de hoje, a gente tinha medo até de dirigir a palavra a um oficial”, recorda. Ele lembra que Aires, no entanto, sempre foi corajoso e destemido. “No início ele foi um dos poucos a enfrentar os superiores, até diziam que ele era doido”, conta, sorrindo. Armando sempre admirou a lucidez e o senso de equilíbrio do fundador da Força Policial.

Hoje, a relação da tropa com os comandantes é bem mais civilizada. Em 2010, por exemplo, a revista “Polícia e Justiça” abriu seu espaço para divulgar a posse do novo comandante, o coronel Luiz Renato Fernandes Rodrigues que, em seu discurso, destacou que, dentre outras metas, iria trabalhar para “completar o quadro da corporação, continuar com o projeto Policial do Futuro e, principalmente, pensar no bem-estar do policial militar”.

Um episódio especial salta à memória de Armando. Em 2002, a categoria fez assembléia na Praça do Relógio, em Taguatinga (DF). De lá, cabos e soldados seguiriam em carreata pelas ruas da cidade. De repente, recorda Armando, um grupo de baderneiros se infiltrou no grupo, tentando desvirtuar o rumo da manifestação, que era pacífica. Os vândalos chegaram a danificar um caixa eletrônico que ficava dentro do 2º. Batalhão.

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Segundo Armando, Aires soube manter a calma nesse momento e orientou os colegas a não caírem na provocação daqueles baderneiros. “Aqui é uma manifestação de família”, gritou Aires, do alto do carro de som.

Armando considera que, embora as praças ainda sejam sujeitos ao Regime Disciplinar do Exército, a mentalidade dos oficiais já não é a mesma daquela da década de 1990. “O fim do rancho, extinto no governo Cristovam Buarque, e o consequente pagamento em pecúnia do auxílio-alimentação melhorou a nossa situação financeira”, destaca. Ele lembra que um fator foi decisivo para acabar com o rancho. “Aires entrou com duas marmitas na redação do Correio Braziliense, para denunciar a péssima qualidade da comida que nos serviam nos quartéis e aquilo causou rebuliço na imprensa, forçando o governo a tomar uma providência”, destaca.

Ciente de que a categoria teve outras vitórias parciais, como a garantia da G7, a Gratificação de Função Especial Militar - que representou um ganho real de salário – ele sonha com o dia em que policial seja policial, e militar seja militar. “A desmilitarização continua sendo o nosso maior sonho”, declara.

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Aires fala a colegas da tropa

Arroz com ovo no Correio: Aires exibe marmitex servida aos soldados

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Aires protesta em frente ao Palácio do Planalto

No Congresso Nacional Aires denuncia maus tratos nos treinamentos militares (1993)

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Fórum promovido pela Força Policial e gabinete da deputada distrital Maninha (PT)

Outdoor da campanha das praças (foto: Correio Web, 2014)

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Soldado cabisbaixo: baixos salários e desvalorização desmotivam a tropa

Aires questiona baixos salários da tropa, no Palácio do Buriti

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CAPÍTULO 8

A CENTRAL ÚNICA DOS POLICIAIS

A luta dos bombeiros e policiais militaresganha âmbito nacional

“Diga aos fracos: eu sou forte”Joel, 3:10 (trecho bíblico)

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Uma década depois do início do Movimento pela Desmilitarização e Unificação das Polícias, campanhas de reivindicação das praças se multiplicavam pelo país e exigiam um comando nacional. Em 2009, a repercussão dessa luta histórica chegou às páginas da revista “Isto é”. A reportagem “Sindicalismo Armado”, assinada pelo jornalista Leonel Rocha, destacava que no país haviam cerca de “600 mil homens e mulheres armados e insatisfeitos com os baixos salários”:

“Como se não bastassem, vivem o estresse provocado pelo risco da função que exercem e estão em pé de guerra. Trata-se de um grupo duas vezes maior que todo efetivo das forças armadas: são os policiais civis e militares, que cultivam o sentimento de revolta nos quartéis e delegacias do País”.

Segundo o semanário, à frente dessa tropa estava uma “nova espécie de sindicalista, guiada pela ideologia do aumento salarial e da unificação dos polícias”, formada por líderes de uma categoria treinada para enfrentar conflitos e dispostos a levar o movimento às ultimas consequências, representando “um barril de pólvora onde não falta quem queira acender o pavio”.

A revista circulava num período de efervescência, quando soldados, cabos, sargentos e até oficiais cruzaram os braços e ocuparam quartéis em Tocantins, Bahia e Alagoas contra os baixos salários. O recém criado Fórum Nacional Permanente dos Policiais, formado por representante de todas as polícias, inclusive a federal, buscava unificar a luta por aumento salarial, estendendo-a a todo o País, e propor um novo modelo de polícia. Na foto principal da matéria, Aires Costa e dois companheiros encapuzados ilustravam a situação tensa que viviam os militares:

“Há um ano, os soldados e cabos da PM de Brasília driblaram a lei e criaram a Força Policial, um sindicato disfarçado de associação, presidido pelo cabo Aires Costa. Ele está acampado em frente ao Congresso exigindo o cumprimento da promessa de reajuste salarial feita pelo governador Joaquim Roriz (DF).”

A reportagem da “Isto é” mostrava a desvantagem dos policiais militares em relação aos civis, no que se refere ao direito de mobilização. Assim, enquanto a Constituição proíbe a greve e a sindicalização de militares os policiais civis podem associar-se em sindicatos como qualquer serviço público. Somente uma lei específica, afirmou o semanário, poderia definir

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se os bombeiros e policiais militares poderiam ou não suspender suas atividades durante uma negociação salarial. E, por falta desse dispositivo legal, a justiça estava considerando ilegais as paralisações nos quartéis.

Mesmo assim, o movimento grevista acontecia e proliferava entre as polícias desde 1997, em todo o País. Para conter esta onda que assustava o Palácio do Planalto, o governo federal reagiu:

“De um lado, uma medida social: criou uma linha de crédito de R$ 75 milhões com juros subsidiados para financiar moradia para os policiais em 2002. De outro, aproximou o fogo do barril de pólvora. O Ministro da Defesa, com apoio do general Alberto Cardoso, do Gabinete de Segurança Institucional, sugeriu a edição de uma polêmica medida provisória dando poder de polícia às Forças Armadas. A idéia dividiu o governo e assustou a sociedade, uma vez que o Exército, por exemplo, não está preparado para a segurança pública, e sim para a guerra.”

Como reflexo dessas mobilizações nacionais, no ano 2000 a Força Policial encaminhou uma pauta de reivindicações ao governador do DF, onde cobrava, além do reajuste salarial e moradia, a revisão do regulamento disciplinar, “extinguindo as prisões e detenções disciplinares, respeitando os direitos humanos”. No mesmo período, em carta ao Ministro da Justiça, a Força denunciou o assédio moral sofrido pelos militares de baixa patente:

“A síndrome do descrédito nas autoridades da corporação é tamanha que os subordinados preferem renunciar aos seus depoimentos. Vencidos assim pelos ‘fora da lei’, não obstante, é costumeiro na caserna aqueles que se propõem a testemunhar atos criminosos de seus superiores serem vítimas da perseguição, o que os leva a exclusão da corporação”

Em 2001, a entidade encaminhou ofício ao presidente Fernando Henrique Cardoso, solicitando o pagamento de complemento salarial de GOPM e da etapa alimentação, além do reajuste salarial de 28,23 %, com isonomia ao percentual concedido às forças armadas. No documento, a instituição reivindicou a assinatura da Lei de Vencimentos dos Policiais e Bombeiros Militares.

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Neste mesmo ano, houve um encontro na capital gaúcha que reuniu lideranças das praças para discutir os graves problemas da segurança pública no Brasil. No manifesto do encontro, intitulado “Carta de Porto Alegre”, os signatários defenderam a criação de um Fundo Constitucional de Segurança Pública; a carreira única para as polícias; o direito de livre manifestação dos policiais e a desmilitarização das polícias militares.

A reação dos oficiais veio em seguida. Em fevereiro de 2002, o Conselho Nacional dos Comandantes Gerais das Polícias Militares e Bombeiros Militares divulgou a “Carta de Brasília”, manifestando-se contra a unificação das instituições policiais, o que seria uma “anomalia”, que só existiria “em países totalitários e unitários, forma de estado diferente da brasileira, e nosso modelo de Estado Democrático de Direito”. No entanto, os oficiais defenderam, no documento, a integração das polícias, com registro único de ocorrências, banco de dados único e sistema integrado de operação e de inteligência policiais.

Com o objetivo de unificar a luta nacionalmente, em 2002 surgia a Central Única dos Policiais do Brasil (CUP), cujo Estatuto da Fundação foi subscrito por ativistas de 20 estados. A central, que teve Aires Costa como presidente-fundador, buscou dar unidade orgânica aos movimentos isolados realizados por várias entidades, para fortalecer a luta em prol das melhores condições de trabalho das praças e para acabar com as discrepâncias como as apontadas pela Força Policial.

Em 2002, a central realizou o I Fórum de Segurança Pública, que discutiu o tema “Integrar ou Unificar”. Em 2003, em carta ao presidente da República, Luis Inácio Lula da Silva, a central fez um relato sobre a dramática situação financeira vivida pelos policiais e bombeiros militares do Brasil, em função do arrocho salarial ao qual eram submetidos:

“0s policiais militares e bombeiros militares, servidores da área de segurança pública, estão todos nas mãos de agiotas que, diante da situação, cobram juros exorbitantes, fazendo com que muitos policais e bombeiros de Brasília vendam seus bens paras honrar seus compromissos”.

Atenta a tudo, em 2002 a CUP encaminhou uma minuta de medida provisória e pediu o empenho do governo federal pela criação do Fundo Constitucional do DF, que ampliaria os recursos, permitindo que o governo local reajustasse os vencimentos da tropa. O Palácio do Planalto encaminhou o documento para análise do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.

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Com caráter federativo, o objetivo da CUP é unificar as várias entidades que existiam no DF e em todo o país. “A ideia de criar a central surgiu durante um acampamento de militares que fizemos em frente à rampa do Congresso Nacional”, conta Aires. A central publicou durante alguns anos o impresso “Polícia e Justiça: a revista da segurança pública”, veículo destinado a divulgar as ações do movimento em nível nacional.

Aires recorda que a idéia de unificação das entidades de policiais militares encontrou resistência. “Até hoje nós policiais somos um segmento desunido, dividido em grupos ou facções”, destaca. Nas eleições de 2002, por exemplo, se apresentaram vários candidatos oriundos da tropa para disputar mandatos na Câmara Legislativa do DF e no Congresso Nacional. Concorrendo a deputado distrital, Aires teve a expressiva votação de 11.004 votos.

Para o vice-presidente da Força Policial, Antônio Augusto Ferreira da Silva, a sociedade brasiliense perdeu muito com a não eleição do Aires, que é uma liderança autêntica. “Hoje temos uma Câmara Legislativa desacreditada, que não dialoga com a sociedade e que gasta muitos recursos com publicidade enganosa, além de estar mergulhada numa crise ética, uma vez que vários deputados distritais são alvo de investigação por corrupção e quebra de decoro parlamentar”, afirma Augusto.

A linha editorial da revista também se inspirava no desejo de humanizar o relacionamento dos policiais com a sociedade. Em sua edição 6 (2010), a revista publicou a matéria “Será que estou estressado e violento”, que trouxe uma importante reflexão sobre a necessidade do auto-equilíbrio no policial diante de situações de impasse e necessidade de controlar determinada tensão.

Jornadas contra o estresse

Orientando os policiais a evitarem ao máximo o uso desmedido da força, a matéria parte de uma situação hipotética - no caso a contenção de um adolescente que deseja causar danos materiais a um estabelecimento comercial – para dar algumas dicas e garantir a eficácia da atuação policial, evitando excessos que poderiam caracterizar uma atuação violenta: “1- Se você lançasse o spray naquele jovem depois de ele estar algemado e contido: o uso da força física contra outra pessoa, de forma ilegal, não relacionada ao cumprimento do dever legal ou de forma proibida pela lei; 2- Se você desferisse diversos golpes de

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tonfa no adolescente caso ele simplesmemte parasse na sua frente e lhe encarasse firmemente: uso desnecessário ou excessivo para resolver pequenos conflitos ou para prender um criminoso de forma legítima; 3- Se golpeasse com a tonfa o jovem depois de ele estar algemado e contido: usos irregulares, anormais, escandalosos ou chocantes da força física contra outras pessoas; 4- Se, por descontrole, arrastasse o agressor contra uma parede chapiscada, após sua contenção e algemamento: o uso de mais força física do que um profissional de segurança altamente competente consideraria necessário em uma determinada situação.”

Aires em seu 1º protestopela desmilitarização

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Manifestação pelo pagamento da gratificação aos PMs e BMs

Grevistas da Saúde visitam cela-protesto de Aires

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Revista ISTO É (agosto de 2001, página 38)

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Revista ISTO É (agosto de 2001, página 39)

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Ofício ao Ministério da Justiça

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Ofício ao Ministério da Justiça

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Aires fala como convidado especial no Fórum de debates sobre Segurança Pública (Unip)

Comissão de Segurança Pública, em audiência pública no Congresso Nacional

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Aires dirige mesa do Fórum de Segurança Pública (2005)

Cruzes na Esplanada: na rampa do Congresso Nacional Aires faz protesto Pró-Desmilitarização

Charge: Correio Braziliense

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1º Fórum de debates sobre desmilitarização, realizado na Universidade Paulista (Unip)

Assembléia da PM na Praça do Relógio em Taguatinga (2000)

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Revista Polícia e Justiça (Edição 5, 2010, página 4)

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Revista Polícia e Justiça (edição 5, 2010)

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CAPÍTULO 9

SE COBRIR VIRA CIRCO,

SE CERCAR É HOSPÍCIO

O posicionamento político das praçasnas eleições do Distrito Federal

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Filiado ao PT em 2001, por acreditar que o partido defendesse, intransigentemente, a classe trabalhadora, Aires acabou por se desvincular do partido, meses depois, quando foi alertado pelo amigo Nilson Reis, na época militante do PT, de que o partido tinha acolhido a sua filiação, mas não lhe daria legenda para a sua candidatura a deputado distrital, pois iria priorizar outras candidaturas oriundas da tropa. Decidido a disputar um mandato na Câmara Legislativa do DF, Aires deixou o partido, mesmo diante da insistência da então presidente da agremiação, Arlete Sampaio, para que permanecesse na legenda.

A decepção, de fato, vinha de longa data. Em 1994 Aires e seus companheiros apoiaram a campanha do professor Cristovam Buarque (PT), que venceu a eleição pra governador. No entanto, o ex-reitor da UnB descumpriu dois compromissos que fez: o de apoiar a proposta da desmilitarização da PM e o de anistiar Aires, garantindo a sua volta à tropa.

Nas eleições de 2006, novamente a bi-polarização azul-vermelho se repetiu na corrida ao Palácio do Buriti. Rorizistas e petistas iam repetir mais um capítulo da histórica rivalidade. Fundador do PT no estado de Goiás, ao lado de Henrique Santillo, Roriz deixou o partido de Lula, enfrentou e derrotou o PT em todas as eleições em que foi cabeça de chapa. Na eleição de 2010, impedido de participar, ele lançou sua esposa Weslian Roriz, que foi vencida pelo petista Agnelo Queiroz.

Em 2002 a categoria militar já estava dividida. Tendo à frente Aires Costa, candidato a deputado distrital pelo PDT, lideranças dos policiais se dirigiram ao então candidato petista, Geraldo Magela, solicitando que ele assinasse um “Manifesto de Compromisso” com as bandeiras de luta da categoria, pedido recusado pelo então deputado federal.

Diante desse fato, o grupo de Aires deliberou por apoiar Roriz no segundo turno, a despeito do enfrentamento que os praças tiveram com o governador em gestões anteriores. O apoio a Roriz não foi uma decisão oportunista ou pragmática, como criticaram alguns adversários de Aires. Ao contrário, tendo por norte os interesses da categoria militar, ela foi baseada numa questão programática, materializada numa “Carta-Compromisso” que Roriz assinou, se comprometendo com reivindicações históricas do movimento.

Na ocasião, Roriz classificou como “sórdidas intrigas” a divulgação de boatos dando conta de que ele, reeleito, suspenderia os direitos e conquistas dos policiais militares. Assim, na carta, ele garantiu que em seu governo não seria “retirado nem diminuído qualquer pagamento em dinheiro da indenização para compra de uniformes e das etapas de alimentação”. Além disso, o documento assegurava a continuidade do pagamento da Gratificação de Atividade Militar (GAM), o aumento das etapas de alimentação e a

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implantação de um programa habitacional para os integrantes da PM, com “destinação de áreas para moradia em todas as cidades do DF”.

Outras reivindicações históricas do movimento também foram consignadas no referido documento público: o pagamento do risco de vida; o reaparelhamento do Serviço de Saúde da PMDF, para acabar com as “filas na madrugada”; e a criação do Colégio Tiradentes, destinado aos dependentes dos policiais militares em idade escolar.

Na Carta-Compromisso, Roriz também assegurava o apoio à destinação de área para a criação do Clube Recreativo de Cabos e Soldados; a melhoria das condições de trabalho; a renovação da frota; a compra de armamento e de equipamentos de proteção individual, dentre outros investimentos. Questões fundamentais para a categoria, como a revisão do Regulamento Disciplinar, do Estatuto da PM e da Lei de Promoções, bem como a garantia de assistência advocatícia aos policiais militares envolvidos em questões jurídicas decorrentes de atos de serviço foram incluídas na carta, levando uma parcela expressiva das praças a declarar apoio a Roriz.

Embora muito criticado na época por seu apoio a Roriz, Aires considera que foi uma atitude coerente. “Não foi uma decisão movida por interesses pessoais, nem por vaidade própria. Optamos pelo candidato que, naquele pleito, mais se comprometia com nossos anseios”, recorda.

Para Aires, o tempo provou que, naquele momento delicado, “a escolha por Roriz foi notadamente a mais acertada”, uma vez que durante o governo seguinte ele pôde manter uma locução com o Palácio do Buriti, estabelecendo uma pauta de prioridades para a categoria e articulando uma movimentação nos bastidores para o cumprimento da Carta assinada no segundo turno das eleições de 2006.

Aires destaca que 75% dos itens constantes na Carta-Compromisso fo-ram cumpridos em função da mobilização da categoria, que realizou uma estraté-gica movimentação política. Dentre as conquistas mais importantes da categoria no quadriênio 2002/2006 estão o reajuste salarial da categoria, que oscilou de 18% (oficiais) a 30 % (soldados); a gratificação de certificação profissional; o reajuste de 50% na etapa de alimentação; e a expansão do quadro de promoções.

No artigo “Aires Costa e a fumaça da política”, o jornalista Ian Jansen compartilhou a visão de que a opção por Roriz foi taticamente correta. “Quem tem o dom de conviver com o fogo cerrado da luta é capaz de enxergar a saída no meio do incêndio. Na vida alguns se antecipam aos fatos, enquanto a maioria assiste para aplaudir ou criticar comodamente. Aires Costa faz parte do primeiro time. Sempre se antecipou aos acontecimentos e corre o risco, no meio das chamas, mesmo que a maioria só perceba quando o fogo já virou fumaça”, comparou Jansen.

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Para o jornalista, no calor intenso da luta política – em que interesses maiores estão em jogo – assistir para aplaudir ou criticar é o mesmo que oferecer comentário no lugar de ajuda durante um incêndio. “Aires Costa é diferente. Enxerga no meio da fumaça. Faz meia-volta. Sacode a poeira e dá a volta por cima. Quem entende de Segurança Pública no Distrito Federal e sabe das dificuldades profissionais, está com ele no duro enfrentamento da violência social”, completa Jansen.

Luta por moradia

Em 2004, o jornal Força Policial assinalou que havia sinais claros para a viabilização da Vila Militar, um mega-projeto habitacional para contemplar os militares sem casa própria. Porém, a publicação se enganou. Por determinação do governador Roriz a Secretaria de Habitação abriu um processo seletivo com vistas a contemplar com moradia 12 mil policiais e bombeiros. O projeto urbanístico da Vila Militar, a ser erguida no Setor Habitacional Mangueiral, abrangia uma área de 232 hectares, às margens da rodovia DF-001 (Avenida do Contorno) e da rodovia DF-463, na entrada pra São Sebastião, próximo a Escola de Administração Fazendária (Esaf) e do Setor Habitacional Jardim Botânico, área nobre da cidade do Lago Sul (DF).

Pelo projeto, o setor abrigaria 40 mil habitantes em casas e blocos de apartamentos. Na Vila, estava prevista a destinação de espaços para equipamentos urbanos, como escolas, posto policial, centro de saúde, unidades da Caesb, Ceb e Corpo de Bombeiros, bem como uma área para a construção de um centro comercial.

Em entrevista ao jornal Força Policial, em julho de 2005 a arquiteta Ana Lúcia, Coordenadora do Projeto, destacou que a Vila Militar era uma experiência inovadora em termos de concepção urbanística, pois estava “sendo planejada para receber um público específico, que sãos os militares e membros da classe média”.

Como gesto simbólico do início da construção, a convite de Roriz, Aires Costa subiu no trator para abrir as ruas. Porém, a concepção de “Vila Militar” ficou só no papel. O sucessor de Roriz, José Roberto Arruda, mudou a destinação da área, tornando-o de uso misto, a exemplo dos projetos habitacionais tradicionais, sem garantir exclusividade para os militares. Este procedimento foi mantido pelo governador Agnelo Queiroz.

Em 25 de setembro de 2009 a Central Única dos Políciais do Brasil encaminhou ofício ao governador Arruda, pedindo a entrega dos 8.600 unidades residenciais (lotes de becos e lotes na Vila Militar). A carta não teve resposta.

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A bandeira ainda está no mastro

Embora sejam inegáveis as conquistas e os avanços que as praças tiveram com o movimento pró-desmilitarização, há uma bandeira de luta que continua no imaginário da tropa: a desmilitarização da PM. No artigo “Não acabou, tem que acabar, queremos o fim da polícia militar”, publicado no jornal “Quadro Negro” (Sindicato dos Professores no Distrito Federal), o professor Gabriel Magno alertava para a necessidade de uma “resposta urgente”: a superação do modelo policial construído na ditadura militar e a “afirmação de um projeto de segurança pública cidadão, com respeito aos direitos humanos, defesa da cidadania e valorização da vida. Para o articulista os métodos repressivos de controle social usados no período da ditadura militar (1964-1985) ainda persistem:

“Podemos constatar seu legado ao longo dessas últimas três décadas no país. Seja nos casos de grande repressão e criminalização do movimento social na década de 1990 e na forma despreparada e autoritária das PMs nas greves dos professores do estados de São Paulo e Rio de Janeiro, por exemplo. No desaparecimento e assassinatos de milhares de jovens nas periferias de nossas cidades pela PM, como no caso Amarildo, e que não são justificados pelos autos de resistência.”

Referindo-se, ainda, a episódios como os massacres da Candelária e do Carandiru, Gabriel conclui que a desmilitarização é uma tarefa que continua na ordem do dia, porque é necessário mudar a lógica da organização e do funcionamento da polícia, afinal o policial não pode “achar que o cidadão que está andando na rua, manifestando” seja sempre um inimigo a combater.

Segundo Aires Costa, as forças policiais devem atuar no sentido de garantir e fortalecer a democracia e os direitos civis e humanos. Por isso, o côro pela desmilitarização continua mais atual do que nunca. Afinal, como advertiu Magno, “enquanto as formas de se relacionar com os jovens e a população forem bombas e a repressão truculenta, continuaremos a construir uma sociedade marcada pela violência, intolerância e preconceito”.

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Aires (direita) e outros PMs exibem sucatas de viaturas policiais, em frente ao Congresso

Aires em manifestação na posse do governador Cristovam Buarque (2005)

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Praça do Relógio em Taguatinga (DF): greve da PM (2000)

Aires em comício da campanha presidencial de Ciro Gomes

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Aires Costa

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CAPÍTULO 10

NÃO ADIANTA TROCAR O PRÍNCIPE

SEM MUDAR O PRINCÍPIO

Princípios e ideais para repensar o Distrito Federal

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Aires, pra onde vai, sempre anda munido de duas armas. Uma é a palavra, a outra é o microfone. Com lucidez invejável e paciência suficiente para ouvir seu interlocutor, sem interrompê-lo, ele ocupou o estúdio de várias emissoras do DF para apresentar suas idéias e dialogar com seus companheiros de tropa e com a população.

Ao microfone das rádios Redentor, JK FM e Sarah FM, Aires comenta notícias policiais enviadas pela Assessoria de Comunicação Social da Polícia Civil, que leu, minutos antes, no início da manhã, no escritório de advocacia que mantém, ao lado do sócio e irmão Dailer Pinheiro. No programa noturno “Sétimo Distrito”, Aires trata com propriedade das questões policiais, das políticas de segurança pública, do combate à dependência química e da prevenção do uso de drogas.

No comando de outro programa de rádio, o “Gogó das seis”, Aires também realiza campanhas de solidariedade. E não mede esforços quando se trata de ajudar a quem precisa. Certa vez, recebeu a carta de uma ouvinte que pedia ajuda para uma irmã, Maria de Lourdes, que tinha câncer no útero e precisava se submeter com urgência a uma cirurgia.

Residente na pequena Arco Verde (Pernambuco) a senhora foi auxiliada pelo programa e conseguiu uma internação pré-operatória no Hospital de Base de Brasília. Quando aqui chegou, no entanto, a greve de médicos e enfermeiros impediu que o tratamento tivesse início de imediato e ela voltou ao seu estado natal. Quando a cirurgia foi remarcada, veio outro problema: muito pobre, a paciente não tinha condições financeiras de viajar até Brasília. Aires não teve dúvida: pegou o telefone da emissora e, humildemente, pediu uma passagem a Viação Itapemirim, gesto simples que garantiu o tratamento da sua conterrânea nordestina.

Nas ondas do rádio, conversando com seus ouvintes e convidados, Aires aprendeu a refletir sobre a cidade que as novas gerações herdaram pra viver. Para seu irmão, Dailer Pinheiro, Aires é uma liderança que foi lapidada pelo tempo. “Antes ele era ainda muito dogmático e, quando não concordava com uma coisa, Aires já ia organizando um protestozinho. Hoje, ele é mais comedido, prudente e dado ao diálogo”, compara.

Essa maturidade fez Aires constatar, preocupado, que apesar da alternância político-ideológica no comando do Governo do Distrito Federal, a capital da República ainda não conheceu as mudanças estruturais que o povo que vive aqui almeja e precisa. Ele destaca, sobretudo, o caos urbano, resultante dos abomináveis congestionamentos de trânsito, do crescimento da violência e do consumo e tráfico de drogas.

Para Aires, a exploração dos recursos da camada de libra do Pré-Sal, anunciada pelo governo brasileiro, pode ser a tábua da salvação para

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resolver problemas crônicos do país, como a degeneração dos sistemas públicos de educação, saúde e segurança. “Essas três áreas formam um tripé sobre o qual se assenta a estabilidade de uma nação e o bem-estar social do seu povo. Por isso, defendo que as receitas geradas a partir destas novas jazidas energéticas sejam empregadas não só na educação, mas também nos setores de saúde e segurança”, propõe Aires.

“V” de verdadeiro

O álbum de memórias da família Costa guarda uma foto marcante. Bruna e Aires, filha e pai, receberam no mesmo dia o sonhado diploma de Bacharel em Direito. A escolha pela carreira advocatícia unia duas gerações da família. E mais do que isso: o desejo comum de fazer justiça com as próprias leis.

Bruna, desde a infância, dizia que queria ser juíza. Mais tarde, chegou até a se matricular no curso de pedagogia, mas a ideia de se dedicar ao magistério não a seduziu e, logo, ela trancou a matrícula. Brenda, a filha mais nova de Aires, iniciou o curso de direito, mas descobriu que sua verdadeira vocação era a fisioterapia. O pai entendeu a escolha e respeitou a decisão da filha.

Carne e unha, Aires e Bruna sempre deram passos em comum. No período em que Aires se dedicou ao ramo imobiliário, ambos fizeram o curso do Creci (Conselho Regional de Corretores e Imóveis), mas Bruna não seguiu nessa carreira. Depois da graduação em Direito, cursou duas especializações na área: as pós-graduações em Direito Civil e Direito Público. Em 2008, Aires foi nomeado Juiz Arbitral pelo Tribunal de Justiça Arbitral e Mediação dos Estados Brasileiros (TJAEM).

Há outro jurista na família. O advogado Dailer Pinheiro Costa se formou antes de Aires mas revela que foi este que lhe motivou a abraçar a carreira jurídica. “Ele é uma pessoa que sempre tem uma saída para um problema, sempre tem uma resposta pra tudo. Essa verdadeira obsessão dele pelo que é certo e justo me motivou a estudar Direito”, conta. Dailer lembra, sorrindo, de um detalhe engraçado. “Aires era muito magrinho e era possível ver nas costas dele um “V”, motivo de chacota dos colegas de classe. Quando ele se aborrecia com isso, mamãe procurava consolá-lo, dizendo que aquele era um “V de verdadeiro”.

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Emancipação penal: a voz rouca das ruas

Com conhecimento de causa, forjado na sua experiência como policial, educador social e advogado, Aires defende uma mudança na legislação penal. Para ele, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), por exemplo, representou um importante marco jurídico para resguardar os direitos de crianças e adolescentes. No entanto, essa norma jurídica tem contradições, entre as quais a proibição de internação por mais de três anos de menores que cometem crimes, independente da gravidade do delito.

Assim, explica, se um menor sequestra, rouba e mata, ele permanece pouco tempo enquadrado na chamada “medida sócio-educativa” e, devido a esse privilégio, é frequentemente recrutado por outros criminosos, para atuar a serviço do crime.

Para Aires, o ECA foi concebido para garantir direitos e punir a violência e os abusos contra a infância e adolescência, mas não pode servir para favorecer a impunidade. Atualmente, há uma proposta de reestruturação do ECA que reduz a maioridade penal para 16 anos. Os defensores dessa mudança partem do princípio de que o estatuto, nos termos atuais, serve para proteger aqueles jovens que praticam crimes e reincidem nos mesmos, sob o lastro da impunidade.

Embora concorde com a idéia da proposta, Aires acha que a medida é insuficiente e defende uma mudança mais radical na legislação. “Sou a favor da emancipação penal, que consiste na aplicabilidade da pena, mesmo antes dos 16 anos, para aqueles jovens que cometerem crimes”, defende. No entendimento de Aires, salvo em raras exceções, na maioria dos casos em que um jovem pratica atos criminosos, ele tem plena consciência dos seus atos e tem que responder por eles.

Por isso, ele defende que quando o delito acontecer antes da maioridade, o juiz da Infância deve decretar a emancipação penal. E o infrator deve cumprir parte da pena, até os 18 anos, em unidade de integração e, após esse período, ser transferido para um presídio, a exemplo do que acontece em outros países, como Inglaterra e os Estados Unidos.

Novos princípios para uma nova civilização

Aires pensa que a verdadeira política deve ser feita, sempre, menos com discursos estéreis e mais com atos concretos que frutifiquem, que tragam benefícios ao coletivo e não, apenas, às pessoas individualmente. Por isso, considera de extrema importância o legado político e ético deixado

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por Nelson Mandela, ex-presidente sul-africano. “Entre as muitas lições que ele nos deixou está a idéia de que a educação é a arma mais poderosa que você pode usar para mudar o mundo. Mandela dizia que o bravo não é quem não sente medo, mas quem o vence. E foi muito feliz quando afirmou que a gente não pode se conformar com uma vida que é inferior àquela que somos capazes de viver”, afirma Aires.

Para Aires, Mandela personificou um tipo de liderança autêntica, exercida pela capacidade de forjar consensos, o que é raro hoje na política internacional, marcada pela disputas de hegemonias entre as potências econômicas e industriais. “Quando o herói da resistência contra o apartheid dizia que é preciso liderar as pessoas posicionando-se atrás delas, para que elas acreditem que estão a frente do processo, ele nos ensinou que ser livre não é apenas ter a capacidade de se livrar das correntes que nos prendem, mas viver sendo capaz de respeitar e engrandecer a liberdade dos outros”, diz.

Voto secreto: o lixo que sobrou da ditadura

Aires considera que hoje, mais do que nunca, a coerência não está vinculada a esse ou aquele partido político. Depois que o partido guardião da ética – leia-se PT- sucumbiu ante a lógica do marketing político e eleitoral e embrenhou-se no uso da máquina pública para atender suas demandas internas – e não ao do povo – só no resta admitir que a única base para acertar na política é conhecer o homem e a coerência com a qual ele defende suas bandeiras”, propõe Aires.

Defensor ardoroso do fim do voto secreto em todas as instâncias do parlamento brasileiro, Aires é enfático. “Eu penso que a transparência é fundamental no poder legislativo. Sempre digo que o que eu falo entre quatro paredes, eu também falo em público”, explica. Para Aires, se um parlamentar não se sente à vontade para manifestar, de forma clara e inequívoca, as suas idéias e o seu pensamento, ele não é digno de ser mandatário do povo. “Quem votou tem o direito de saber o que pensa e como age o seu representante. Por isso, considero que o voto secreto é uma excrescência da política brasileira, que deve ser banida, a fim de que maus políticos não se escondam atrás do sigilo”.

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Novos rumos na política

O advogado considera que as eleições de 2014 têm uma peculiaridade que a torna sui generis. Os grandes partidos políticos e seus respectivos líderes naufragaram. “Em 2014 teremos o duelo das novas gerações, será uma campanha mais pesada. Arruda governou e deu no que deu. Roriz perdeu boa parte do seu prestígio eleitoral. E o PT já não é mais a novidade, nem faz a diferença, no cenário político local”, analisa. Aires avalia que muitos herdeiros políticos desses grupos que já comandaram o Distrito Federal vão se apresentar para a disputa, colocando-se como alternativa.

Aires é defensor intransigente das eleições diretas nas cidades do DF, a fim de que o eleitor escolha, pelo voto, os administradores. Baseada no dispositivo previsto na Lei Orgânica do Distrito Federal que prevê a consulta popular na escolha dos administradores, esta eleição teria o mérito de devolver ao povo o poder que emana dele e que, desde a inauguração de Brasília, lhe foi retirado, sob o frágil argumento de que as cidades-satélites não poderiam ter autonomia política e financeira.

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Formatura no curso de Arbitragem

Aires acompanha deputada federal Zulaê na campanha pró-desmilitarização

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Aires em audiência com coronel Azevedo, comandante da PMDF

Aires com Fábio Barcelos e Wellington, em reunião no Sinpol

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Aires com governador de SP, Geraldo Alckmin

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Aires comemora vitória de Cristovam Buarque nas eleições de 1994

Aires discursa em assembleia da categoria

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Aires com o ex-governador José Roberto Arruda

Aires prestigia a despedida de Maurício Correa do Supremo Tribunal Federal

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Lauro Campos, Aires e Carlos Alberto na campanha de Ciro Gomes ao Planalto

Comissão de policiais encabeçada por Aires se reúne com senador Paulo Octávio

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Aires com o ex-deputado federal Fraga

Deputada Zulaê Cobra recebe de Aires a cartilha da desmilitarização

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Bastidores do programa 7º Distrito, na Rádio Redentor

Aires no comando do programa “Gogó das seis”, na rádio Sara Brasil FM

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SOBRE O AUTOR

“Se lhe deixam falar” é o 14º. livro de Mano Lima, cearense radicado em Brasília. Jornalista e Mestre em Educação, o autor atua como repórter de TV. Edita a revista “Capoterapia, um novo estilo de vida”. Tem obras publicadas em português, francês, inglês e espanhol.

Como escritor, participou das bienais de Salvador e de Brasília, e de intercâmbios literários internacionais na Holanda, Espanha, Portugal, Alemanha, França, Bélgica, Cabo Verde (África) e Paraguai.

É autor de diversos livros de capoeira inspirados na lei 10.639/2003, que tornou obrigatório o ensino da cultura afro-brasileira, dentre elas “Dicionário de Capoeira”, “Eu, você e a capoeira”, “Ginga no cerrado: capoeira e mobilização social” (Relevo, 2002), “A ginga dos mais vividos”, e “Seja um craque sem pedra”. Integrou o júri do projeto Capoeira Viva (Ministério da Cultura).

Publicou, ainda, “Terceirização na educação: a face moderna do retrocesso” (Relevo, 2001), “Inversos” (Relevo, 1996), “Vôo Suicida” (Lustosa, 1992) e “Deuses de Acrílico” (Thesaurus, 1990).

Editou os livros “Interpretando a capoeira” (Mestrando Cinzento), “Histórias que vi, li e até que vivi” (Geraldo Navarro) e “Canoão tem memória” (Orlando Alencar).

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