schmitter - reflexões sobre o conceito de política

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Philippe C. Schmitter "Reflexões sobre o conceito de Política" Fonte da Foto: www.eui.eu/ln,ages/SPS/Professors/PhilippeCSchmitter.jpg Em: Curso de Introdução à Ciência Política, Unidade I. 2ª ed. Brasília: Ed.UnB, 1984, p. 31-39. A edição desta obra está esgotada há muitos anos. Para viabilizar o seu uso com fins educacionais é que ele é disponibilizado aqui, em cópia no formato pdf PHILlPPE C. SCHMITIER (Washington DC, 1936). Professor Emérito do Instituto Universitário Europeu, em Florença, Itália. Doutor (1968) pela Universidade da Califórnia, Berkeley (com a tese Development and Interest Politics in Brazil: 1930-1965). Foi também professor das Universidades de Chicago e Stanford. Publicou diversos livros e artigos no campo de política comparada, sobre integração regional, processos de transição democrática, intermediação de interesses e, mais recentemente, sobre "democracia pós-liberal". Recebeu, dentre outros, o Prêmio Johan Skytte de Ciência Política e o Prêmio Mattei Dogan da Associação Internacional de Ciência Política (IPSA). www. eui. eu/DepartmentsAndCentres/PoliticaIAndSociaISciences/People/Professors/Schm itter. aspx

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  • Philippe C. Schmitter

    "Reflexes sobre o conceito de Poltica"

    Fonte da Foto:www.eui.eu/ln,ages/SPS/Professors/PhilippeCSchmitter.jpg

    Em:

    Curso de Introduo Cincia Poltica,Unidade I.

    2 ed. Braslia: Ed.UnB, 1984, p. 31-39.

    A edio desta obra est esgotada h muitos anos.Para viabilizar o seu uso com fins educacionais queele disponibilizado aqui, em cpia no formato pdf

    PHILlPPE C. SCHMITIER (Washington DC, 1936).

    Professor Emrito do Instituto Universitrio Europeu, em Florena, Itlia. Doutor (1968) pela Universidadeda Califrnia, Berkeley (com a tese Development and Interest Politics in Brazil: 1930-1965). Foi tambmprofessor das Universidades de Chicago e Stanford.

    Publicou diversos livros e artigos no campo de poltica comparada, sobre integrao regional, processos detransio democrtica, intermediao de interesses e, mais recentemente, sobre "democracia ps-liberal".Recebeu, dentre outros, o Prmio Johan Skytte de Cincia Poltica e o Prmio Mattei Dogan da AssociaoInternacional de Cincia Poltica (IPSA).

    www.eui. eu/DepartmentsAndCentres/PoliticaIAndSociaISciences/People/Professors/Schm itter. aspx

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    Reflexes sobre o Conceito de Poltica

    Philip pe Schmitter

    Universidade da Califrnia

    Metas da

    Cincia Poltica.

    A Cincia Poltica contempornea se distingue essencialmentepor duas qualidades. A primeira e a mais discutida a suavontade de ser cientfica. Isto implica urna preocupao terica emetodolgica - um escrpulo de respeitar dados (o requisito do-empiricismo) e de no afirmar "verdades" ou "princpios certos"sem uma demonstrao rigorosa (o requisito da verificao de hip-teses) .

    Mas nenhuma cincia se define pelo simples desejo de ser cien-tfica. um erro comum, especialmente entre os praticantes quese proclamam mais cientficos, apl icar-se, metodologia ou a pes-quisa emprica sem considerar a segunda qualidade de uma CinciaPoltica, quer dizer, sem ter uma conscincia clara da "delimitaoda disciplina". Como tendem a operar sem um conceito adequadoda poltica ou aceitar sem reflexo qualquer definio correntedesta, s vezes as suas descobertas tm pouca pertinncia. So des-cobertas cientficas, sutis e inevitavelmente comprovadas, mas fre-qentemente irrelevantes ou triviais por falta de um sentido deprioridade que uma viso do conjunto de processo poltico daria.Como observa Raymond Aron, "ele~ gastam cada vez mais recursos,cada vez mais tempo para demonstrar com uma preciso cada vezmais rigorosa, proposies cada vez menos interessantes" (R. Aron,1981).

    Por exemplo, estudavam o comportamento eleitoral com gran-de exatido e imaginao, durante algum tempo, sem considerar asignificao ou a funo deste dentro do 'sistema poltico global.Presumivelmente inspirados pela teoria "tradicionalista" que re-jeitavam, eles asseguravam que a atividade eleitoral era de grandeimportncia poltica (o que est longe de ser verdade em muitospases) , e concentravam os seus esforos neste setor quase exclusiva-

    REFLEXES SOBliL o CO.NCLfTO DE POLTlC,1 31

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  • mente. : interessante observar que foi unicamente quando perce-beram que as suas descobertas no se acomodavam com esta teoriatradicional (teoria que, apesar das suas deficincias, apresenta umaviso glob'al do fenmeno poltico) que estes estudiosos comearama se perguntar sobre as conseqncias possveis deste divrcio entreteoria e realidade. Por errnea que fosse, a teoria tradicional for-neceu aos behavioristas esse sentido fundamental de prioridade erelevncia. Por esse motivo, uma cincia da Poltica exige uma se-gunda qualidade: uma delimitao da disciplina. A Cincia Pol-tica pretende tratar da interpretao de um setor particular do com-portamento humano. Os politistas (cientistas polticos) pretendem- e esta pretenso ainda uma hiptese - que a poltica ou o con-junto de atividades polticas se diferencie de outros fenmenos so-ciais com caractersticas, relaes e padres distintos.

    Acho que cada politista tem por dever considerar consciente-mente essa pretenso e definir explicitamente o seu conceito dePoltrica. Essa definio uma espcie de "hiptese inicial" que,como observa Duverger, formar e deformar o seu trabalho pro-fissional quer ele queira quer no.

    No restante deste ensaio apresentarei as que me parecem seras principais abordagens delimitao de campo de investigaoda Cincia Poltica. A Poltica pode ser definida por:

    I Suas "instituies", pelo quadro social concreto e estabele-cido dentro do qual participam os atores. _

    II Seus "recursos", pelos meios utilizados pelos atores.III Seus "processos", pela atividade principal qual se consagram

    os atores.IV - Sua "funo", pelas conseqncias da sua atividade para a

    sociedade global de que faz parte.

    Conforme esta tipologia geral, corresponderiam quatro defini-es especficas de campo de investigao da poltica:

    I Instituio: "Estado ou Governo."II Recursos: "Poder, Influncia ou Autoridade."lU Processo: "Decision-making ou "Policy-tormation" (formu-

    lao de decises sobre linhas de conduta coletiva).IV - "Resoluo no-violenta dos conflitos".

    1 . Estado ou Governo L A definio que predominava no sc. XIX e que ainda predo-

    mina nos dicionrios e em muitas faculdades da Poltica como"a arte e a cincia do Estado ou do governo". Em livro recente,Marcel Prlot a define como o "conhecimento sistemtico e orde-nado dos fenmenos concernerues ao Estado" :(M. Prlot, 1964).Com a descoberta da importncia poltica de instituies no-constitucionais, esta delimitao parecia estrita demais. Ento ospolticos ampliaram-na para incluir algumas organizaes anexasque intervm regularmente ou mesmo ocasionalmente na atividadeestatal; rgos como partidos. faces, grupos de presso, ligas cons-piratrias, sociedades de economia mista, cliques militares e gruposinformais. Por exemplo, mais tarde no livro citado, o prprio Prlotafirma que: "A politologia que considera, como se acaba de ver,a instituio estatal em sua totalidade, no se limita entretanto a

    32 CURSO DE INTRODUO CINCIA POLTICA

    Quatro fatores ded"li"i;,o da Poltica.

    Quatro delimitaes docampo de investigao daCincia Poltica.

    Poltica como arte e cinciado Estado ou do go\'erno.

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    Polticacomo coao.

    Poltica como arte deinfluenciar.

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    ela. Toma-se como ponto de partida e como referncia' para oestudo dos fenmenos que se ligam ao Estado na qualidade de pr-estatais e supra-estatais" (M. Prlot, ob. cit).

    Muitos politistas contemporneos, dentre os quais o suo JeanMeynaud O. Meynaud, 1960), relutam em abandonar este foco tra-dicional, concreto e aparentemente bem delimitado, por outras de-finies mais abstratas e difusas.

    2. Poder, Influncia ou Autoridade

    Sob essa rubrica, segundo Duverger, abriga-se a grande maioriados politistas contemporneos, inclusive ele prprio. Infelizmente,essa maioria est longe de ser unnime na utilizao desses termos:"poder" para alguns significa "influncia"; para outros, "autori-dade". No obstante, achamos possvel distinguir entre trs "esco-las" e "subescolas" - todas tomando meios e recursos utilizadoscomo foco principal da Cincia Poltica.

    a) PODER. Aqui podemos incluir todos os politistas que,lembrando a afirmao de Max Weber de ql!e "o meio decisivo napoltica a violncia", do nfase ao fenmeno da coero icon-trainte) , a dominao ou a monopolizao da violncia ou de forafsica. Friedrich Engels, por exemplo, afirmou: "A sociedade, atagora, baseada nos antagonismos de classe, teve a necessidade doEstado. Quer dizer, da organizao de uma classe particular queera a classe exploradora... especialmente com a inteno de con-servar com a fora as classes exploradas na condio de opressocorrespondente a um modo dado de produo" . (F. Engels, 1959).Um antroplogo se expressou de maneira semelhante (sem a supo-sio de dominncia de classe): "A organizao poltica de umasociedade o aspecto de sua organizao total que interessa ao con-trole e regulamentao da fora fsica" (Radcliffe-Brown, citopor M_ Duverger, 1962). Finalmente, um politista ingls, baseando-se em um inqurito internacional sobre a natureza da Cincia Pol-tica, chegou seguinte concluso: "O foco de interesse do politista claro e no ambguo: ele se concentra sobre a luta para obter oureter o poder, para exercer poder ou influncia sobre os outrosou para resistir a esse exerccio" (N. Robson, 1954). Com esta lti-ma definio nos aproximamos segunda "escola", a da influncia.

    b) INFLUENCIA. Muitos estudiosos da poltica norte-ame-ricana rejeitam esta nfase na fora e pem-na na variedade e nasutileza dos meios e recursos utilzados pelos atores polticos. Paraeles no se poderia reduzir a Poltica a um s tipo de relao dedominncia. Esta o produto da inter ao de uma plural idadede tipos de dominncia, dentro dos quais esto a fora ou a coao.Eles preferem o termo influncia por ser o mais abrangente.

    Segundo a clebre frmula do livro de Harold LasswelI, Polti-ca: Quem Ganha o Que, Quando, Como, o estudo da poltica oestucIo da influncia e cios que tm influncia (H. Lasswell, 1984).Outro norte-americano, Quincy Wrigh, cIefine a Poltica de modosemelhante como "a arte de influenciar, manipular ou- controlargrupos com a inteno de avanar os propsitos de alguns contra aposio de outros" (apud, B. U. Dyke, 1960) _ Provavelmente o maisdestacado representante desta esola nos Estados Unidos Robert

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    Poltica como processode formulao de decises

    imperativas.

    3. Decision-Making (formulao de deciU;{ &SA~hasde conduta coletivas)

    Surgiu nos ltimos anos uma nova tentativa de situar o campode investigao da Poltica, desta vez em termos de um processosocial .: processo que evidentemente utilizaria os meios de aosocial acima mencionados. Esta tentativa destaca a formulao dedecises ou de policies como foco de anlise. A tarefa de umacincia da Poltica seria, ento, a de explicar e presumivelmentepredizer, por que uma determinada linha de conduta foi, ou seradotada. Como foi formulada? Quem participou? Quais foramos determinantes desta atividade? Qual foi o resultado e seu im-pacto sobre decises posteriores? Essas so algumas das perguntasimplcitas nesta definio. O intrprete mais conhecido desta linha o cientista poltico da Universidade de Chicago, David Easton.Numa definio que deve ser a mais citada e comentada da CinciaPoltica contempornea, ele afirma que esta deve se aplicar ao"estudo da alocao autoritria ou imperiosa (authoritative alloca-ton) dos valores, de maneira que essa alocao seja influenciadapela distribuio e utilizao do poder". A nfase sobre o fen-meno da repartio - da administrao de decises sobre bensescassos na sociedade; mas Easton chega a incluir na definio todosos meios acima citados: autoridade, influncia e poder. Numa ou-tra definio, menos conhecida, embora a nosso ver mais clara,ele fixa os limites do sistema poltico como todas as aes mais oumenos relacionadas com a formulao de decises autoritrias ouimperiosas para uma sociedade: the making of binding decisionsfor a society. (T. Macridis e B. Brown, eds. 1964)

    O emprego do qualificativo "autoritrio:' ou "imperativo"implica que o autor limitaria a Cincia Poltica ao estudo do rgoque toma e implementa as decises que so authoritative ou bindingpara toda a sociedade, o que chega a voltar a definir a poltica emtermos de Estado - Estado sendo desta vez definido como processoe no como instituio Oean Meynaud, ob. cit.). Outros politistasque utilizam o decision-making approach esto convencidos de que,ao contrrio, a sua eficincia repousa na flexibilidade, na possibi-lidade de aplic-Ia a vrios nveis da sociedade onde decises par-ciais ou parcialmente imperiosas so tomadas. Um importante focode anlise seria precisamente o de fazer comparaes entre esseprocesso social nos diferentes nveis. Somente assim podemos veri-ficar a macro-hiptese da nossa disciplina - hiptese que data dePlato e Aristteles -: a de que decises aplicveis sociedade in-teira, decises pblicas tm caractersticas e padres diversos dasdecises tomadas em sociedades menos globais, i.. decises pri-vadas. .

    Se a definio da Poltica pelo Estado foi formulada especial-mente pelos politistas que utilizaram mtodos jurdico-formais, sea definio em termos de poder parece mais utilizada pelos mar-xistas e behavioristas, se a definio, em termos de influncia pareceespecialmente compatvel com a "teoria poltica dos grupos", emtermos de autoridade com a sociologia histrica, a definio de pol-tica pelo decision-making vai de acordo com a teoria dos sistemaspolticos. A ltima que vamos abordar neste Bloco acompanhaessencialmente uma abordagem funcionalista do estudo da Poltica.

    REFLEXES SOBRE O CONCEITO DE POLfTICA 35

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    Definio funcionalista:resoluo no-violenta dosconflitos.

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    Condies para que um atosocial seja pol tico.

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    ,A ltima novidade em termos de definio o funcionalismo.No seu sentido mais amplo, definir algo pela sua funo quer dizerconsider-lo sob o aspecto da sua conseqncia ou conseqncia no

    . sistema global do qual faz parte. O algo pode ser concebido como"requisito", isto , atividade necessria ao bom funcionamento dosistema global, ou como "tarefa", isto , padro de atividade geral-mente encontrado em qualquer sociedade. Utilizando o primeiro emais rigoroso conceito de funo como "requisito", Talcott Parsonssugeriu que o subsistema poltico se aplica principalmente "reali-zao de objetivos coletivos" (goal attainment). (T. Parsons e N.Smelser, 1956). O poli tis ta David Apter define a funo da pol-tica como a "manuteno do sistema do qual faz parte". (D. Aptere H. Eckstein, 1963).

    Nossa tentativa de delimitar o campo da investigao polticase inspira na segunda tradio.

    No afirmamos que a seguinte funo um requisito para amanuteno do sistema existente; afirmamos simplesmente que o pa-dro de atividade que chamamos poltica se encontra em muitassociedades com vrios graus de complexidade.

    Para ns} a funo da Poltica a de. resolver conflitos entreindivduos e grupos} sem que este conflito destrua um dos partidosem conflito. Talvez resoluo no seja a melhor expresso porqueimplica (falsamente) que a atividade poltica pe fim ao conflito.Ao contrrio, existem conflitos permanentes dentro de qualquersociedade que a Poltica no pode extinguir, embora a sociedadesem conflito seja um antigo sonho de muitos filsofos polticos. APoltica pode simplesmente "desarmar" o conflito, canaliz-lo, trans-forrn-lo em formas no-destrutivas para os partidos e a coletividadeem geral.

    Dentro dessa perspectiva, para que um ato social seja poltico,precisa satisfazer duas condies:

    I. A condio necessria que o ato deva ser controverso, indiqueum conflito, um antagonismo entre interesses ou atitudes expressaspor diferentes indivduos ou grupos. Isto implica que muitos atosgovernamentais no sejam polticos por no serem controversos, talcomo a publicao de documentos, a vacinao de ces, ete. Mas de-vemos insistir em que qualquer acontecimento social potencial-mente poltico.

    2, A condio suficiente para que os conflitos sejam polticos ade que os atores reconheam reciprocamente suas limitaes nasreivindicaes das suas exigncias. Isto quer dizer que os conflitospolticos acontecem dentro de um quadro (framework) de restriesmtuas, o que implica que o conflito poltico exige um certo graude integrao, de cooperao entre os combatentes; "integrao" ou"cooperao" entre indivduos e grupos, , ento, o segundo ele-mento da equao poltica. Essa qualidade de autolimitao ourestrio mtua pode ser baseada em uma crena comum nos atoresem conflito (ento haveria uma estrutura de autoridade entre eles)ou pode ser simplesmente prudncia baseada no medo e na ante-cipao do poder de retaliao do oponente. Mas a partir do mo-

    36 CURSO DE INTRODUO CINCIA POLfTlCA

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    Os atores polticos soheterogneos: mantmrelaes de conflito e

    interdependncia.

    Politica como conflitoentre atores para a

    determinao de linhas deconduta num quadro decooperao e integrao.

    ,-.'.:.- .; - ,mento em que os combatentes decidem limitar' reciprocamente osseus esforos competitivos em vez de se destrurem, esto a nossover numa situao poltica.

    A primeira expresso dessa qualidade "dualista" da atividadepoltica encontramos na Polftica de Aristteles, Divergindo dePlato, Aristteles nega que a sociedade poltica (a cidade-estado)possa ser governada por uma famlia.

    "A sociedade poltica, medida que se forma e se torna maisuna, deixa de ser sociedade poltica; porque, naturalmente, a socie-dade poltica a multido. Se for levada unidade, tornar-se-famlia; de famlia, indivduo, porque a palavra "um" deve seraplicada mais famlia que sociedade poltica, e ao indivduo, depreferncia famlia... A sociedade poltica no se compe ape-nas de indivduos reunidos em maior ou menor nmero; ela se formade homens especificamente diferentes; os elementos que a consti-tuem no so absolutamente semelhantes" (cit. em B. Crick, 1981).

    o importante a reter a ltima frase. Os elementos compo-nentes de uma sociedade poltica so heterogneos, isto , esto aomesmo tempo em conflito e em interdependncia. A natureza dadominao poltica, contrariamente a outras formas de dominao, a de recnhecer os conflitos e a variedade de interesse e atitudes quedo base a esses conflitos e a de tratar de cont-los dentro de umquadro social comum. A dominao do tipo poltico no destriessa heterogeneidade natural para fazer uma sociedade mais unifi-cada - o que implicaria um tipo de dominao mais repressivo.

    Segundo essa concepo, o estudo da Poltica compreender doisfocos distintos mas altamente relacionados. De, um lado, o estudodo "conflito": tipos, fontes, padres e intensidades; e de outro lado,o estudo da "integrao": autoridade, estruturas, formulao dedecises e crenas comuns. Como afirma Duverger, "quando os ho-mens pensam na Poltica, eles oscilam entre duas interpretaescompletamente opostas. Para alguns, a Poltica essencialmenteuma luta, um combate em que o poder permite a alguns, que o tm,assegurar a sua dominao sobre a sociedade e desta tirar partido.Para outros, a Poltica um esforo para fazer governar a ordem e ajustia em que o poder permite a proteo do interesse geral e dobem comum contra a presso das reivindicaes particulares. .. OEstado , mais geralmente, o poder institucionalizado de uma socie-dade: sempre, em toda parte, tanto o instrumento da dominaode certas classes sobre outras como o meio de assegurar uma certaordem social. uma certa integrao de todos na coletividade para obem comum" (M. Durveger, 1964). Deste "janos" que a Poltica, interessante observar que alguns, especialmente os marxistas e osrevolucionrios nacionalistas, tendem a ver unicamente a face "con-flito", enquanto outros, especialmente muitos politistas norte-ame-ricanos e marxistas situacionistas, tendem a ver somente a face "in-tegrao". Uma disciplina completa de Cincia Poltica deve incluirambas. Ela deve tambm distinguir cuidadosamente entre processose acontecimentos que so propriamente polticos e os que no o so.De um lado, atos puramente de controle administrativo cometidosnum ambiente de abundncia, sem qualquer manifestao antago-nista, no podem ser qualificados de poltica. De outro lado, atosde dominao violenta ou repressiva, que sejam cometidos por

    REFLEXES SOBRE O CONCEITO DE POLTICA. 37

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    No queremos afirmar que estes atos no tenham interesse parao politista. Ao contrrio, ele deve estar altamente interessado nascondies que permitem por um lado a "despollrizao" de ativi-dades sociais ou que indicam, de outro lado, os limites de uma so-luo poltica dos conflitos. Ambos os tipos de atividades sorelevantes para o politista porque fixam a fronteira da sua disci-plina - e essa fronteira flutua muito entre sociedade e entre osperodos histricos da mesma sociedade. O que implica nossadelimitao da poltica que atos de dominao administrativa ede dominao violenta ou repressiva merecem anlises distintas base de conceitos e hipteses distintos.

    Esta definio de poltica tambm nos ajuda a compreenderpor que dois focos de estudo da Cincia Poltica tm um estatutoum tanto especial. O estudo da administrao pblica parece, primeira vista, no preencher a condio necessria existncia doconflito. O estudo das relaes internacionais parece, ao contrrio,implicar conflito sem a condio suficiente de integrao. Estudosmais detalhados revelaram que h mais conflitos dentro da adminis-trao pblica e mais integrao dentro das relaes internacionaisdo que se supunha. Esta definio, tambm, ajuda a explicar porque os poli tis tas no tm contribudo muito para o estudo da revo-luo. O nosso conceito implica que a Cincia Poltica pode e devecontribuir para a compreenso das precondies para um rompi-mente violento com as estruturas e valores polticos antigos e dascondies depois da revoluo que permitem o restabelecimento dadominao poltica. O estudo da revoluo nos parece mereceroutros conceitos e tcnicas de anlise. No devemos esquecer quealgumas revolues - como a "Revoluo Brasileira" de 1930 - soaltamente "Polticas": isto , implicam uma rejeio definitiva eabrupta das formas e frmulas antigas de resoluo de conflitos.

    Concluso

    Recapitulando brevemente, a Poltica o conflito entre atorespara a determinao de linhas de conduta (policies) coletivas dentrode um quadro de cooperao-integrao reciprocamente reconhe-cido (Van Dyke, ob. cit.). Tradicionalmente, os politistas focali-zaram a determinao de linhas de conduta pblica - quer dizer,comuns a toda sociedade - formuladas dentro do quadro socialessencialmente autoritrio que o Estado. A nossa definio nolimitaria o estudo da poltica atividade desta instituio de cpula.Procuraria o desempenho de uma funo - a de resolver Conflitossem distinguir um dos partidos - a qualquer nvel da sociedade.. ,

    O fundamento intelectual da nossa concepo de poltica dis-perso, como se deduz da variedade de obras citadas nas refernciasbibliogrficas. Ele ainda no tem uma formulao definida. aomesmo tempo uma concepo tradicional e contempornea do quedeve ser o foco da nossa disciplina. Preparando este texto, encon-tramos para a nossa grande surpresa uma formulao muito seme-lhante - no de um outro politista, mas de um economista brasi-leiro: "A partir do momento em que uma sociedade cresce o sufi-ciente para que seus membros necessitem pautar seu comportamento

    38 CURSO DE INTRODUO A CINCIA POLTICA

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    por normas gerais, cuja aplicao deve ser impos{l7oSJl2a8ori-dade que no deriva a sua legitimidade de vnculos de parentesco,est-se em face de um embrio de organizao poltica, sendo irre-levante que o chamemos de sociedade civil ou de Estado. O queimporta reconhecer que qualquer estrutura social que haja alcan-ado um certo grau de diferenciao necessitar organizar-se politi-camente a fim de que os seus conflitos internos no a tornem inviveI.Um ponto importante a ter em conta o carter sui generis daorganizao poltica, instrumento que a prpria sociedade utilizapara autodisciplinar-se, cabendo-lhe o monoplio de uso de foraem nome de coletividade como um todo" (Furtado, C., 1964). Anosso ver, nenhum outro cientista social definiu a essncia da ativi-dade poltica to concisa e claramente como essa citao de CelsoFurtado.

    Q. A. 5

    Faa uma distino entre os trs recursos que podem ser utili-zados pelos atores pollticos.

    Q. A. 6

    Numa abordagem funcionalista, como pode ser definida apollticar

    REFERt:.NCIAS BIBLIOGRAFICAS

    Aron, Raymond, Dezoito Lies sobre a Sociedade Industrial, trad, de Srgio Bath,Martins Fontes/Editora Universidade de Braslia, 1981.