revolucao americana
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Lus Nuno Rodrigues 1 A Revoluo Americana (1763-1787) Comunicao apresentada ao XII Curso de Vero do Instituto de Histria Contempornea da FCSH da Universidade Nova de Lisboa, As Revolues Contemporneas, Lisboa, Setembro de 2002.
Introduo
A Revoluo norte-americana do final do sculo XVIII tem sido um dos
eventos histricos que mais interpretaes e leituras tem suscitado. Os
acontecimentos que acabaram por conduzir declarao de independncia
dos Estados Unidos da Amrica, em 1776, e elaborao da sua Constituio,
em 1787, tm sido alvo de entendimentos diversos, desde as interpretaes
de cariz econmico e social at s que procuram traar as suas origens
ideolgicas e salientar o carcter "revolucionrio" da "constelao" de ideias
que determinou o rumo dos acontecimentos nas colnias britnicas da costa
leste do continente norte-americano.
Neste texto adopta-se uma perspectiva essencialmente narrativa do
fenmeno, com o objectivo de reconstituir o filme cronolgico dos
acontecimentos e de salientar os momentos fundamentais ao longo do
processo. Simultaneamente, procura-se proceder ao necessrio
enquadramento internacional dos acontecimentos relatados entrando, por
esta via, no campo da histria diplomtica e das relaes internacionais.
Num primeiro momento, a que se chamou "Resistncia e Revolta", dar-se-
conta de uma questo essencial que importa entender para poder apreender a
1 Departamento de Histria e CEHCP do ISCTE
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Revoluo Americana em todo o seu significado: que a Revoluo Americana
foi, na sua origem, um movimento de resistncia e de revolta contra o domnio
britnico, mais concretamente contra a forma como esse mesmo domnio foi
exercido nas colnias norte-americanas no perodo que se seguiu Guerra dos
Sete Anos, terminada em 1763. Num segundo momento, estar em foco a
guerra da independncia das colnias norte-americanas, iniciada em 1775, no
tanto para salientar os seus aspectos militares, mas os seus aspectos
diplomticos e sobretudo o modo como os resultados finais deste conflito
proporcionaram nova nao tornada independente a posse de uma extenso
territorial muito alm da que tinha sido conquistada no terreno. Por fim, ser
abordada outra das facetas mais "revolucionrias" de todo este processo que
ficou conhecido como a Revoluo Americana: a construo da nova nao e
em particular do seu edifcio constitucional.
Ou seja, na impossibilidade de proceder aqui a uma "histria total" da
Revoluo Americana, adopta-se a perspectiva de que esta foi, primeiro que
tudo, um processo de emancipao poltica ou de auto-determinao em
relao ao domnio colonial britnico; foi, depois, um evento militar, uma
guerra, cuja dimenso, quer militar, quer diplomtica, urge no desprezar,
uma vez que, como se ver, veio a assumir uma feio decisiva em momentos
determinantes deste processo; foi, por fim, uma verdadeira revoluo poltica
que implantou um novo tipo de governo e de modelo poltico, consubstanciado
na Constituio de 1787.
1. Resistncia e Revolta
Na sua origem, a Revoluo Americana foi, como se referiu atrs, um
movimento de resistncia e de revolta contra o domnio britnico, mais
concretamente contra a forma como esse mesmo domnio foi exercido nas
colnias norte-americanas no perodo que se seguiu Guerra dos Sete Anos e
ao triunfo da Inglaterra sobre a Frana, cuja presena no continente
americano se tornou ento praticamente inexistente. A Frana foi obrigada,
pelo Tratado de Paris de 1763, a ceder vastas pores dos territrios que
controlava nesse continente Inglaterra nomeadamente o Canad e toda a
3
regio do vale do Rio Ohio que se torna assim a potncia dominante na
Amrica do Norte, adquirindo inclusivamente a Florida, que anteriormente
pertencia Espanha2. Espanha que, em compensao, acabou tambm por
receber vastos territrios outrora na posse dos franceses a chamada
Louisiana. Por conseguinte, a Inglaterra tornara-se a potncia europeia com
domnio incontestvel no continente norte-americano e constituira-se no
"maior e mais rico imprio desde a queda de Roma", estendendo-se desde a
ndia at ao Rio Mississippi3.
Em grande parte como consequncia do resultado da Guerra dos Sete
Anos, ocorreu na faixa oriental do continente norte-americano, onde os
colonos britnicos se iam instalando, um triplo fenmeno que necessrio
salientar: crescimento demogrfico, expanso territorial e desenvolvimento
econmico. Eram realidades que se podiam j verificar no perodo anterior
Guerra dos Sete Anos mas que, a partir de 1763, ganham nova acuidade.
Em termos demogrficos, note-se que os colonos norte-americanos se
multiplicavam nesta altura muito mais rapidamente do que qualquer outro povo
no hemisfrio ocidental. Entre 1750 e 1770 os habitantes das colnias
britnicas duplicaram, de um para dois milhes, tornando-se uma componente
do imprio britnico cada vez mais importante. Para as colnias britnicas na
Amrica emigravam cada vez mais sbditos de Sua Magestade. A emigrao
de protestantes irlandeses e escoceses, que tinha comeado no incio do
sculo, aumentou muito significativamente aps a guerra dos sete anos. S
entre 1764 e 1776 calcula-se que 125 mil pessoas tero partido das ilhas
britnicas para as colnias americanas. Assim, no incio do sculo XVIII, a
populao americana representava apenas um vigsimo da populao britnica
e irlandesa tomadas em conjunto, enquanto que, em 1770, representava j um
quinto. Colonos britnicos como Benjamin Franklin previam j que, mais tarde
ou mais cedo, a Amrica acabaria por tornar-se no prprio centro do imprio
britnico4.
2 "The definitive Treaty of Peace and Friendship between his Britannick Majesty, the Most Christian King, and the King of Spain. Concluded at Paris the 10th day of February, 1763. To which the King of Portugal acceded on the same day", em http://www.yale.edu/lawweb/avalon/paris763.htm. 3 Gordon Wood, The American Revolution. A History, Modern Library Edition, New York, 2002, p. 4. 4 Gordon Wood, The American Revolution. A History, p. 6.
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Por outro lado, a vitria sobre os franceses na Guerra dos Sete Anos
permitia agora uma movimentao muito mais acentuada desta populao
crescente, alargando as possibilidades de expanso territorial em direco a
Oeste. Durante mais de um sculo, os colonos britnicos tinham estado
confinados a uma estreita faixa de terreno ao longo da costa atlntica do
continente americano. Agora, pela primeira vez, os territrios a Oeste das
Montanhas Alleghenies at ao Rio Mississipi, pertena da coroa britnica,
abriam-se explorao e ocupao por parte de colonos, j sem a presena
francesa e tambm com uma atitude mais cautelosa por parte das tribos
ndias. A ttulo de exemplo: no Estado da Pennsylvania foram criadas 29
novas localidades entre 1756 e 1765, mais nestes anos do que em toda a
histria da colnia. Um pouco por toda a parte, novas fronteiras pareciam
abrir-se aos colonos norte-americanos. Caadores e exploradores ganharam
fama nesta poca, como Daniel Boone que comeou a abrir caminhos e trilhos
atravs dos montes apalaches em direco ao Oeste, rapidamente seguidos
por colonos que se foram instalando em zonas anteriormente no ocupadas5.
Tudo isto encontrou correspondncia numa notvel expanso da economia
anglo-americana registada na segunda metade do sculo XVIII. Em meados
deste sculo, na Gr-Bretanha, as origens daquilo que se tornaria em breve a
revoluo industrial britnica eram j visveis. As exportaes, importaes e
a produo industrial estavam em rpido crescimento e os americanos
estavam profundamente envolvidos neste processo, prosperando tambm, na
dcada de 1760, como nunca antes se tinha registado. Desde 1745, alis, que
o comrcio colonial com a Amrica tinha conhecido grande crescimento,
tornando-se uma parte importante das economias inglesa e escocesa. Quase
metade dos navios mercantes ingleses estavam envolvidos no comrcio
americano que absorvia j 25% de todas as exportaes inglesas. De acordo
com dados citados pelo historiador Gordon Wood, entre 1747 a 1765, o valor
das exportaes coloniais para a Gr-Bretanha tambm duplicou de cerca de
700 mil libras para 1 milho e meio, enquanto que as importaes aumentaram
de 900 mil para mais de dois milhes de libras6. Os americanos exportavam
para a Gr-Bretanha quantidades crescentes de cereais, cuja procura no
5 Gordon Wood, The American Revolution. A History, pp. 7-8. 6 Gordon Wood, The American Revolution. A History, p. 13.
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velho continente significava um aumento de preos para os exportadores
americanos. Constatando o crescimento da procura e dos preos das
exportaes americanas, mais e mais proprietrios americanos comearam a
apostar nos produtos agrcolas para os mercados europeus. Na dcada de
1760, cidades comerciais relativamente distantes da costa, tais como
Staunton, na Vrginia e Salisbury, na Carolina do Norte, enviavam j grandes
quantidades de tabaco e de cereais em direco a Leste para portos como os
de Baltimore, Norfolk e de Alexandria cuja dimenso se multiplicava quase
diariamente. Este aumento do