revista outras farpas [segunda edição]segunda edição

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ANO I - Edição II R G T W B K P F S Ç P F Z A Q Ô I T G H B S A A E D H B N M I P O L K A L E M S X T E E A A Z M I Y E E D J H S A A N W Ç Ç J H Q A O U T R A S M A K B A W G H H P Z Q Q E S T I K U E C B L D O A K G Z T I B W B B U W E D A S K F A R P A S N L O I T E W A S D N A A F F A S D F G Ç L K J H A B N E A T Y U I D W B D K J A A S W Q J K H F R U N H G D I A C U I H J K K Y U I B N M K A S W X B G T I A N E A E W A Z C B D G H J E W Q S K G D R J Z V M E T G J K K O U Y T E E G H N H Y N M J U I K L Ç P A E C S z C y A ç F D H U J I N I I O I K M O L P U H B G R E S A Z R E D C V F Y U I K J M L O P Ç E S Z F R T R F V B H Y U J M K A W R A C T O N Z C R T A V B H Y U N M K I O L P A L R A E D C H C G R A S A A A S U A E I O U O U A M C V D E A S P Ç O T G F R E L E E E A S K B G R Y U U I O E A A D Q W A D A A G W H U I K G G G D F A U R R A K L O I O O P Ç D S W R A A E V F J K L O I O P W Y R W D F G T B H J I I S O P S E Z V B A N D R E A D A S A C L H Y U W S A Q E S C C N H Y U J K I E W S C F G T U Z A E D V G J K O P Ç D X A L W Z Z

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Revista Outras Farpas [segunda edição]

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Page 1: Revista Outras Farpas [segunda edição]segunda edição

ANO I - Edição II

R G T W B K P F S Ç P F Z A Q Ô I T G H B S A A E D H B N M I P O L K A L E M S X T E E A A Z M I Y E E D J H S A A N W Ç Ç J H Q A O U T R A S M A K B A W G H H P Z Q Q E S T I K U E C B L D O A K G Z T I B W B B U W E D A S K F A R P A S N L O I T E W A S D N A A F F A S D F G Ç L K J H A B N E A T Y U I D W B D K J A A S W Q J K H F R U N H G D I A C U I H J K K Y U I B N M K A S W X B G T I A N E A E W A Z C B D G H J E W Q S K G D R J Z V M E T G J K K O U Y T E E G H N H Y N M J U I K L Ç P A E C S z C y A ç F D H U J I N I I O I K M O L P U H B G R E S A Z R E D C V F Y U I K J M L O P Ç E S Z F R T R F V B H Y U J M K A W R A C T O N Z C R T A V B H Y U N M K I O L P A L R A E D C H C G R A S A A A S U A E I O U O U A M C V D E A S P Ç O T G F R E L E E E A S K B G R Y U U I O E A A D Q W A D A A G W H U I K G G G D F A U R R A K L O I O O P Ç D S W R A A E V F J K L O I O P W Y R W D F G T B H J I I S O P S E Z V B A N D R E A D A S A C L H Y U W S A Q E S C C N H Y U J K I E W S C F G T U Z A E D V G J K O P Ç D X A L W Z Z

Page 2: Revista Outras Farpas [segunda edição]segunda edição

Leitor de bom senso, aqui vamos nós. Receba a segunda edição do Outras Farpas, feita com o mesmo carinho da anterior, ao tempo em que agradecemos pela receptividade, elogios e também pelas críticas realizadas.

Acredite que se constituiu num enorme prazer, para todos nós, ter prestado nossa pequena contribuição para o sucesso da noite de 24 de julho de 2008, quando foram dadas as boas vindas aos calouros de 2008.1 do Campus V da UNEB.

Nesta edição, pegaremos carona na Pré-Jornada de Cinema da Bahia na UNEB, que acontecerá dos dias 02 a 04 de setembro no Auditório Milton Santos, Campus V.

Agradecemos também a todas as pessoas que, mesmo de longe, nos incentivaram na realização deste trabalho, aos nossos colaboradores, sejam os que sempre estiveram conosco, sejam os que estão chegando agora, como o Lucas Borges Santos, cidadão soteropolitano, formado em História pela Universidade Federal da Bahia e que atualmente batalha o pão de cada dia láááá em Correntina. Muito obrigado pelo poema, este que segue transcrito aqui ao lado.

E é agradecendo que fechamos esta edição, ansiosos, felizes e inspirados por estas maravilhosas musiquinhas que fazem das campanhas eleitorais este espetáculo tão............típico.

Continuemos dialogando, todos temos a ganhar com isso.

De Valença para Santo Antonio de Jesus, 30 de agosto de 2008.

Manoel “Durrel” das Neves.

Equipe Outras Farpas:

Acton Lôbo,Jean Michel,

Leandro Bulhões (Leo Pó);Manoel “Durrel” das Neves;

E-mail: [email protected]

MODÉSTIA

Por Lucas Borges Santos

Não importa onde eu forSempre terei:Um pé no borralhoA coragem suburbanaA força sertanejaA pecha soteropolitanaE o chão...Pra pisar ou cairCravar os pés ou sair...Á francesaEstrear à Bahia,E como vovó já dizia:...Esqueci. Até volto atrásMas não me arrependoÀs vezes nem entendo...A mim,Quem dera os outros tivessemO privilegio de verComo eu vejo o mundoSem ângulos retos,Gostosamente obtuso,Indigestamente denso,Ridiculamente simples,Complicados são os eus que o povoamE os tús que o comentamEm meias verdadesPra fones de ouvido e tvsSem tecla sapE enquanto ouvidos moucos dormem,Brados ecoam dos sonâmbulos,Eu sigo fielmente minha rota...Acordado.

Colaboraram com esta edição:

Rosana “Zana” Mercês;Rosangela “Rô” dos Reis Mercês Santos;

Kelma Costa;Franco Oliveira;

Hilda Vasconcelos;Cristiane Puridade;

Lucas Santos;Diacui Pataxo;

Fabiane Andrade;Andrea Barreto.

Page 3: Revista Outras Farpas [segunda edição]segunda edição

“Vota Brasil, o futuro de sua cidade é o seu futuro.”

Por Acton Lobo

Olá ilustres leitores! Aproveitando o momento de efervescência que vive o nosso país por conta das eleições municipais, nada mais justo do que se fazer um comentário sobre o nosso “democrático” e “evoluído” processo eleitoral. Este que a cada quatro anos, nos obriga a exercer o direito de votar. (Parece incoerente, não é? Mas, essa é a “democracia” brasileira e agradeça aos Céus por ela).

A lista de candidatos é quase interminável e têm opções para todos os gostos e preferências: de ladrão à pastor evangélico, de dançarina de grupo de pagode à garota de programa. Se você procurar cuidadosamente pode ter certeza que irá encontrar um que te agrade.

Hoje já não interessa mais se o candidato tem uma proposta ou no mínimo uma idéia coerente. Sabiamente, alguém encontrou o “mapa da mina” e espalhou para todos que esse é o melhor caminho para faturar uma grana em cima do nosso miserável povo brasileiro.

Para que os planos desses pseudo-representantes se concretizem, eles não poupam esforços nem recursos, fazendo qualquer coisa para conquistar a simpatia e o sorriso “banguela” do pobre eleitor brasileiro. O bombardeio vem de todos os lados. Desde os insuportáveis carros de som com aquelas musiquinhas plagiadas, extremamente toscas, irritantes e insuportáveis que entram pelos nossos ouvidos, corroendo lentamente nossos cérebros, até os insuportáveis e desnecessários programas eleitorais. Afinal, quem hoje em dia tem paciência para assisti-los?

Na contínua busca pelo voto, as agências de publicidade exercem uma

importante missão. Utilizando-se de toda a sua engenhosa e espetacular máquina midiática; elas, como num passe de mágica, transformam qualquer “Zé Ninguém” em um grande político. Ou seja, em um grande Zé Ninguém. Utilizando-se de fantásticos efeitos especiais oriundos de programas como Photoshop ou do Corel Draw, elas editam as imagens; escondendo as rugas, as olheiras, a arrogância, a corrupção, a sede pelo poder, o sorriso sem graça e tudo mais que possa comprometer a possível vitória de seu candidato-cliente.

Maquiam-se sem pudor os defeitos, as burrices e as falcatruas, transformando o mais vil e torpe candidato na criatura mais singela, pueril e bondosa que possa existir na face da Terra. Ao povo, sobra-lhe a difícil e arriscada incumbência: Votar naquele candidato bonitinho, sorridente e que dá tudo em troca de um voto. Se você pedir com “jeitinho”, eles te darão até o orifício anal pelo seu voto.

Generalizações e sarcasmos à parte caro leitor, creio veemen-temente que ainda existam candidatos sérios, comprometidas e com um projeto político consistente. A pergunta que faço para você é a seguinte: Onde devemos procurá-los em meio ao mercado a céu aberto em que se tornou a política partidária no Brasil? Como identificá-los entre vermes

“Na contínua busca pelo voto, as agências de publicidade exercem uma importante missão.[...]transformam

qualquer “Zé Ninguém” em um grande político. Ou seja, em

um grande Zé Ninguém.”

oportunistas e sanguessugas ávidos pelo poder? É essa a grande questão que me faz queimar os neurônios.

Mas não se desespere querido leitor-eleitor com esta minha reflexão, exerça o seu direito: Vote! vote em quem quiser! No momento do voto, cara a cara com a urna, talvez você se lembre das cômicas propagandas do TSE que diz: “O futuro de sua cidade está

em suas mãos”. Se a escolha que fizer será boa ou ruim, somente depois de quatro anos você saberá. Uma única coisa é certeza: não importa o seu sexo,

a sua cor, a sua religião, se-xualidade, a quantidade de filhos que você possui, no final, todos nós pagaremos essa onerosa e dispendiosa conta.

Por fim, independentemente de todas as incoerências existentes em nosso regime, jamais devemos deixar de agradecer e homenagear àqueles que lutaram e morreram pela nossa tão almejada e às duras penas conquistada, Democracia Brasileira. A grande decepção,

porém, foi no que ela se resumiu ao longo do tempo e a forma nas quais podemos exercê-la: Pelo voto obrigatório e atualmente através do Código de Defesa do Consumidor.

____________________*Acton Lobo é licenciado em geografia pela Universidade do Estado da Bahia UNEB Campus V. Atualmente reside em Salvador.E-mail: [email protected]

Page 4: Revista Outras Farpas [segunda edição]segunda edição

Cultura Popular?Por Fabiane Andrade

Há alguns anos, quando da minha graduação em história, discutíamos muito, sobre uma chamada cultura

popular que se desenvolve, muitas vezes, sem que os poderes públicos estabelecidos tenham interesse em sua manutenção ou mesmo em sua existência. Desabrocha nos becos e nas entranhas de vivências coletivas, através do partilhar de um cotidiano que conduz a experiências que só têm sentido dentro da localidade. Nessa teia de significados e relações emergem manifestações, modos de vida, visões de mundo que constituem essa tal cultura popular.

Ao mesmo tempo em que me encantava com as discussões de grandes pesquisadores que analisavam a cultura popular européia, emergiam questões: e a nossa cultura, quem a estuda? Quem a conhece? Quem a vive?

Estas inquietações me atormentaram por algum tempo, até que a angústia cedeu espaço para o prazer da prática da pesquisa. Sair às ruas, olhar a cidade, buscar a cultura

popular... e foi no contato com o Humildes em Alegrias, um Terno de Reis do bairro Andaiá em Santo Antonio de Jesus, que muitas das minhas inquietações teóricas ganharam contornos práticos.

Nas idas ao bairro tive contato não com a festa de Reis, que não mais existe, mas com as lembranças acerca desta. E nas conversas com os sujeitos humildes, mas tão sabedores, que ora fizeram parte deste grupo, tenho construído minhas impressões sobre a cultura popular, agora sob outros olhares.

A festa, a qual me refiro, se desenvolveu a partir de um sonho, acreditem, de uma senhora chamada D. Bernarda (conhecida pelos íntimos de minha pesquisa como “Dona B.”). Ela sonhou com uma determinada representação religiosa e, crendo nesta, passou a sentir-se na obrigação de realizar uma festa de Reis na localidade. O que era pra ser um desfile de senhoras tornou-se uma das vivências centrais da Rua da Alegria, integrando os moradores através do partilhar de lazer, diversão e fé. A manutenção do Terno, durante 24 anos,

só foi possível pela labuta e coragem de pessoas como D. Bernarda e Eliseu, que dedicavam tempo, seus recursos e, por que não dizer, suas vidas, a fim de colocar o Terno na rua.

Perdoem-me, mas não posso deixar passar em branco esta oportunidade, embora muito se fale em cultura, na nossa cidade, há muito tempo, esta anda esquecida. Meus narradores sempre me chamavam atenção para o fato de que durante quase toda a sua existência, o Terno de Reis era “recursos próprios”, sabe o que isso significa? Que em Santo Antonio de Jesus a cultura popular precisa se manter economicamente sozinha, pois não há estimulo, auxílio, interesse. As manifestações culturais, que ora são desenvolvidas por populares que precisam gastar parte de seus míseros salários para comprar adereços e compor fantasias, não são lembradas pela política local. Entristece-nos saber que muitas festas, celebrações, rituais estão “sumindo” por falta de apoio público, ou mesmo de espectadores interessados.

Os desfiles do Humildes em Alegrias terminaram em 1992 quando D. Bernarda veio a falecer. Os moradores da localidade lamentam a falta de um divertimento saudável e educativo, propiciador da construção de uma juventude que desenvolva maiores vínculos com identidades locais. E fico eu a pensar o que nos cabe fazer? Enquanto historiadora tenho me dedicado a tentar manter “viva” as memórias da festa. Aos poderes públicos, seria interessante se tivessem interesse em dar incentivos para a cultura do povo. A você caro leitor, espero que, na medida de suas possibilidades, algo também seja feito para que a cultura popular de Santo Antonio de Jesus não se reduza a uma memória saudosista._____________________Fabiane da Silva Andrade Graduada em História, especialização em História Regional e Local pela Universidade do Estado da Bahia UNEB, e Mestranda em Cultura, Memória e Desenlvovimento Regional pela UNEB.E-mail: [email protected]

Eu nunca sento num banco pra descansar. Sento pra ver a vida que anda, a que pára e a que só vive. Sento pra ficar cansado e só por isso ter coragem de levantar. Há coisas mara-vilhosas aos meus sentidos que só percebo quando estou num banco, sentado com minha estúpida e inútil solidão, mas que por pura teimosia e vaidade insisto em carregar. Mas também há certos dias, em certos bancos, que parece que só há espaço pro vazio. Meus olhos, sempre muito

altivos, tornam-se então cansados e se fecham a fim de se protegerem da cruel superficialidade que corre solta ao redor dos bancos onde sento pra ficar cansado. Toda esta dinâmica vital deve-se ao meu elo com os bancos, lugares onde me sinto mais homem e menos gente, onde escuto palavras soltas e construo um poema universal, lugares onde vejo arco-íris no sol sertanejo. É um exercício de rasgar, cortar, remendar e costurar as percepções como numa colcha de retalhos, que

tem como inocente utopia cobrir toda a humanidade que sente frio, mesmo sob um sol sertanejo...

Tudo isso num banco, onde vidas estão registradas, seja por terem tocado sua madeira, sejam por simplesmente passar por elas. O banco é, enfim, um mundo de almas presas, ao qual me junto todas as manhãs ao sentar-me, só pra ficar cansado...

Palavras soltas. Por Hilda Vasconcelos

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A ROTINA Ocorreu hoje de manhã, num dia que começou

comum, dentro da mais angustiante normalidade. Acordei, me espreguicei, reprogramei o despertador e voltei a dormir um pouco mais. Acordei novamente, me espreguicei, praguejei contra o mundo e a necessidade de trabalhar e então me levantei. Banho, roupas, perfumes, etc. Saí de casa pontualmente as 6:45, como de costume, caminhando apressado, com expressão séria, em direção ao terminal rodoviário, a fim de pegar meu ônibus para Nazaré, onde trabalho.

Enquanto o ônibus não chegava, sentei na mesma cadeira de todos os dias, aquela que não fica exatamente de frente para a TV, permitindo uma visão mais ampla do terminal. Como também é de costume, o meu ônibus é o mais atrasado dentre todos do horário e as pessoas que haviam sentado próximo a mim já estavam se dirigindo às suas respectivas plataformas a fim de procederem seus embarques. O ônibus da linha Bom Despacho- Camamú foi o primeiro a partir. Em seguida o da linha Camamú- Feira de Santana ligou seus motores em sinal de partida, momento em que os passageiros engrossaram a fila para entrar no veículo e foi quando meu ônibus finalmente se apresentou.

Levantei e fui caminhando devagar em direção à plataforma, não esquecendo de desejar bom dia para o moço que recolhe os comprovantes da tarifas de embarque. A rotina fez crescer em nós um sentimento de amizade, nos cumprimentamos com sorrisos bastante espontâneos.

Desci a plataforma e enquanto procurava meu lugar na fila para entrar no carro, uma cena bastante romântica atraiu minha atenção: Um jovem, dentro do ônibus para Feira de Santana sinalizava (a janela estava fechada) em direção a uma mulher que estava parada do lado de fora com ares de perdida. Não resisti ao meu instinto de ajudar o mundo e toquei nos ombros dela, apontando em seguida para a janela onde o rapaz gesticulava por um pouco de atenção.

A jovem sorriu desconcertada quando o rapaz assoprou o vidro da janela, criando um círculo embaçado, e dentro desse círculo, com os dois dedos indicadores, desenhou um coração. Seu sorriso, cada vez menos discreto, quase enrubescido, despertou no rapaz (e transmitiu a mim) uma sensação de correspondência sentimental. Constatei que eram namorados e aquela despedida, tão romântica, conseguia estabelecer um parêntese na rotina da minha vida, despertando em mim calores invejosos.

Minha fila finalmente começou a andar (o motorista queria tirar o atraso) e a jovem se moveu em direção ao mesmo ônibus que eu, e foi aí que algumas coisas começaram a encontrar novos sentidos e aquele momento se tornou uma situação ao menos curiosa. O rapaz, em estado um tanto quanto excitado, ao perceber que a moça ameaçava se retirar, arriscou o seu amor em gestos instáveis, e talvez sem pensar, não sei ao certo, colocou a língua para fora e começou a lamber o vidro de forma lasciva. A moça parou e durante aquele tempo manteve seus olhos fixos na janela. Já não sorria e sua expressão era assustada.

O espetáculo continuou e era como se ele estivesse sugando a própria vagina da mulher, a ponto de, se minha razão não tivesse me reiterado a certeza de que se tratava apenas de um vidro sujo, poder se deduzir que ele conseguia mesmo sentir o gosto daquele outro ser. A esta altura eu não tinha mais discrição e, talvez sendo

o único espectador além dela, olhava descaradamente para os dois, fixando um pouco de minha atenção nas reações da moça. Me perdi um pouco naqueles cabelos, passando a vista nos seios e quadris. Quando voltei novamente à visão de seu rosto, a repentina expressão de pavor que ali se fez também me apavorou.

Olhei imediatamente para a janela do ônibus, e naquele quadrado mágico, onde há pouco tinha visto uma demonstração profundamente meiga do

sentimento amor, agora, como se alguém de posse do controle remoto tivesse mudado o canal, vi um homem com gestos desesperados, insanos, de pé sobre a poltrona, abaixar as calças e exibir um membro rijo e abjeto, sacudindo-o de forma alucinada, esfregando-o no vidro, fazendo insinuações. Dentro do veículo deu-se início a uma comoção generalizada. Pessoas descendo desesperadas, tropeçando umas nas outras e sendo brutalmente pisoteadas pelas que vinham atrás, outras pulando a janela e se estatelando, outros, mais valentes, buscando conter a fúria do amante insano. A platéia aumentava, as mulheres gritavam, as crianças choravam, dois policiais chegaram e depois de muito rebuliço, de mais gente caindo desesperada, finalmente o maluco foi retirado do ônibus aos gritos.

Paralisado de êxtase, fui trazido de volta à realidade pelo buzinar do meu ônibus que já se preparava pra sair. O motorista estava mal humorado e não achou muita graça no espetáculo. Olhei ao meu redor e não vi mais a moça.

Entrei no carro e lancei um olhar na poltrona 22, corredor, a que mais gosto de me sentar. Ao me aproximar, para minha surpresa, encontrei a pobre donzela sentada na 21, com a cabeça baixa. Supus que os gritos do maluco estavam ecoando em sua mente e me deixei sensibilizar com a trágica forma pela qual havia terminado a breve história de amor vivida por aquela jovem logo de manhã cedo.

Sentei ao seu lado e tive medo até de respirar. O ônibus já estava em movimento quando ela finalmente se ergueu, e ao me reconhecer, acho que não se sentiu muito à vontade. Olhou para mim com a expressão fria, de quem não ia esperar mais nada de ninguém durante um bom tempo. Aquele olhar me fuzilou e tímido que sou, passei o resto da viagem tentando montar a frase ideal com a qual quebraria aquele gelo e iniciaria uma maldita conversa. Pena que Nazaré chegou para mim antes que eu pudesse exercer a

minha capacidade de sedução, e ao alcançar meu destino tristemente constatei que o maluco era muito melhor conquistador do que eu. Mas isso não era novidade, eu já me conhecia, e a ciência desse meu jeito foi o primeiro indício de que aquela quebra de protocolo já havia se dissipado e a (agora) boa e velha rotina se fazia presente.

Levantei e não tive sequer coragem de olhar para ela. Desci do ônibus e cumprimentei o vendedor ambulante, que também havia se tornado meu amigo. Durante o resto do dia, tudo aconteceu na mais perfeita normalidade, como há de ocorrer amanhã e sempre.

____________________* Manoel das Neves - Durrel.Graduando do Curso de Direito da Universidade do Estado da Bahia - UNEB Campus XV Valença-BA.E-mail: [email protected]

Por Manoel das Neves

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Herdamos dos gregos o gosto por tragédias. Foi para satisfazer este tipo de necessidade do público que, em 1959, Truman Capote deixou a movimentada Nova York e partiu para Holcomb, pequena cidade no interior do Kansas. Lá, toda uma família havia sido brutalmente assassinada. A idéia primeira era fazer uma matéria sobre o acontecido, contudo, a aproximação de Capote com os fatos o fez perceber que era oportuno escrever um livro. É assim que surge “A sangue frio”, sua obra de maior sucesso.

O filme Capote revela como Truman produziu o que ele próprio denominou de primeiro romance de não-ficção, o que é contestável, pois obras anteriores já faziam uso de um novo gênero jornalístico denominado de Jornalismo Literário. Este tinha como uma das principais características a abolição de alguns pressupostos positivistas, sobretudo o que defendia a objetividade. Truman, na verdade, foi mais um difusor desta tradição.

No Kansas e já interessado na composição da obra, Truman, acompanhado da amiga e escritora Nelle Harper Lee (Catherine Keener), realiza uma rigorosa apuração dos fatos referentes ao crime da família Clutter. Teve contatos com relatos orais e também com documentos oficiais, inserindo-se no cotidiano das investigações. Quando os assassinos são aprisionados, Truman também tem acesso a eles. O livro demorou cinco anos para ser lançado. Ele é concluído apenas quando os assassinos Perry Smith (Clifton Collins Jr) e Dick Hickock (Marx Pellegrino) sofrem a pena capital na forca.

O longa de 98 minutos, com direção de Bennett Miller e roteiro de Dan Futterman deu a Philip Seymour Hoffman (Perfume de mulher) o Oscar de melhor ator. Hoffman representa Truman atendendo a toda a excentricidade peculiar a um dos maiores jornalistas dos Estados Unidos: o ator adota trejeitos afetados e voz macia que causam estranheza a quem já viu outras interpretações suas.

Com uma dinâmica antagônica ao estereótipo hollywoodiano, já que nele não aparece nenhum carro em chamas, tampouco um avião dominado por terroristas, Capote está mais para o cinema europeu. O clima bucólico é resultado da predominância da fotografia interiorana, na tentativa de revelar a estadia de Truman em Holcomb. A atmosfera de tensão, pertinente para a sua composição, é garantida pela ausência de trilha sonora. O filme explora cenas paradas e assegura a oposição entre grandes centros e pequenas localidades. Truman Capote, no entanto, não é representado como um sacerdote que, abandonando a vida novaiorquina degreda-se no marasmo do Kansas para dar conta dos acontecimentos que desnortearam a vida social e questionaram a condição humana. Ao contrário, na composição de sua obra, ele, por vezes, fez usos de métodos questionáveis.

O filme mostra como aproximação dos fatos e dos assassinos, em especial, Perry Smith, foi o fator diferencial do livro A sangue frio. Trumam, que chegou a assistir, ainda que relutante, a execução dos condenados, buscou humanizar os assassinos, mostrar que Perry, o Minoutauro, o mostro, também tinha uma parte humana. A Sangue Frio foi a última obra desse notável autor, e, especula-se que, este perdera-se no labirinto da obra que ele mesmo criara. Truman Capote findou como Édipo. Não conseguiu conviver com o seu passado.

A dúvida inexiste: Capote daria platéia entre os Helenos.

O Édipo de Dan Futterman

Título Original:CapoteGênero:DramaTempo de Duração: 98 minutos Ano de Lançamento (EUA): 2005Direção:Bennett MillerRoteiro: Dan Futterman

ElencoPhilip Seymour Hoffman (Truman Capote)Catherine Keener (Harper Lee)Clifton Collins Jr. (Perry Smith)Chris Cooper (Alvin Dewey)Bruce Greenwood (Jack Dunphy)

Mais informações: www.adorocinema.com/filmes/capote/capote

Por Kelma Costa

____________________Kelma Costa é formada em História pela Universidade do Estado da Bahia e graduanda do Curso de Comunicação da Universidade Federal do Rocôncavo Baiano - UFRB - Cachoeira.E-mail: [email protected]

Page 7: Revista Outras Farpas [segunda edição]segunda edição

Por Diacui Pataxó

Estou farta desses intelectualóides titulados e tutelados que permitem a privatização estatal de sua vidas e querem exigir o mesmo de mim. Cansada de suas hipocrisias, mediocridades e suas bobagens livrescas e enciclopédicas. Enojada de suas exigências minuciosas que não levam ninguém (a não ser eles mesmos) a lugar nenhum, mas podem tirar muita gente do caminho. Enjoada de suas caras bobas, de onde me fitam olhos de desprezo, desprezíveis. Realmente, assumo, eu não sei filosofar, eu não decorei vossos livros, vossas coleções, vossos sábios de gabinete. Sócrates não leu ninguém nem escreveu nada! Eu não sei vossa filosofia, eu não sei filosofar!

Muitos de vós, a maioria mesmo, sabeis apenas repetir o que houvestes lido e, juntando pedaços e recortes de um e outro forjais o que chamais vosso próprio pensamento, vossa própria filosofia.

“Eu tenho a minha loucura, levanto-a como um facho a arder na noite escura... não me peça definições... não me diga: vem por aqui..só vou por onde me guiam meus próprios passos...” “Olhai os lírios do campo...” e poderia deter-me aqui em muitas poesias - lêde poesia ou só filosofia? a explicar-vos vossa soberba e ignomínia, vossa fraqueza e mediocridade; vossa vida e insanidade, assim, recitando versos...

Deixaste-vos carimbar, rotular, registrar, vendeste-vos! Paciência! No mundo das aparências em que viveis, pensando estar no das idéias, não sou nada e até para ser mais uma sombra necessito de vossa aprovação, de vossa avaliação. Mais medíocre eu, que me

submeti a tal, expondo-me ao ridículo, colocando-me a mercê de pobres diabos ignorantes como vós, todos que se julgam “sábios” e “doutores”, porque outros, tanto quanto (parvos), assinou-vos um pedaço de papel, assim testemunhando, após haver escrito páginas e páginas sobre o que os outros disseram, fizeram e pensaram!

Pensais ser grandes! Desiludi-vos de vossa grandeza, despi-vos de vossa megalomania pseudo-sábios. Sois pó, lama, como todos nós, outros mortais! Acaso ides ao banheiro? Excretais ou

não? Necessitais banhar-se ou não fedeis nunca? E drogas? Usai-as às escondidas dentro de vossos feudos para que a Academia não saiba que sois drogados, hipócritas?

Fazeis troça de quem não conheceis, Sentindo-vos donos da situação ousais humilhar

os pequenos, mas só a vós mesmos tendes diminuído quando tentais desmerecer a outrem.. Ouvi e entendei , sepulcros caiados, a farsa que representais já está desnuda na própria filosofia. Não calareis nunca o meu, o nosso grito que, como as lições de Sócrates, continuará ecoando em outras bocas, como as bombas de Bakunin continuará explodindo em outras praças; como os tiros das armas de todos os revolucionários mortos em combate e continuará alvejando outros mercenários como vós, séculos após séculos, milênios... a denunciar vossa pusilanimidade e os interesses escusos que motivam suas ações.

Usais brincos na orelha, andais com ginga, tendes tatuagem nos pés e nas mãos para com tudo isso compor a

“persona pós-moderna”, o novo, o futuro, mas vossa mente sustenta-se no atraso, na tradição, no preconceito e na discriminação... bobos da corte, marionetes, fantoches macabros, dançais dentro de sedas e ternos caros o ritmo lúgubre da morte dos excluídos. Sois cúmplices dos encapuzados, dos endinheirados, dos capa preta, dos mandantes, dos coronéis, dos assassinos de colarinho branco, dos carrascos sangrentos do analfabetismo, da fome e da doença... até em vossos livros os bajulais e isto é fácil de provar!

Quereis representar a modernidade, mas viveis fechados em vossos próprios feudos (alguns conformando-se com pequenas baias brancas, cheias de computadores e bugigangas dentro)! O inusitado, mas não passais de repetição. Quereis representar a vanguarda intelectual, mas sois racistas, tolos, rasos e atrasados! Fazeis o discurso da democracia e da igualdade, mas sois tiranos nojentos, ditadores pusilânimes, capazes sabe-se lá de quê para conquistar vossos objetivos. Representais o passado! Subliminar à vossa bandeira branca da paz pode-se ver as fileiras disciplinadas, carregando a suástica de Hitler, as traições de Stálin, os assassinatos cometidos por Pinochet, Mussolini, Vargas e tantos outros ditadores de carteirinha pelo mundo afora que se locupletaram do poder público para enriquecer suas próprias contas bancárias e perseguir aqueles que pensam diferente dos seus instintos genocidas, etnocidas, homofóbicos, fratricidas, elitistas, desumanos!

“Viva o país do bandido, salve pátria do jaguar!”____________________Diacui PataxóProfessora de Filosofia, Arte, Religião e História, especialista em Política Educacional e vive em Ilhé[email protected]

AOS DOUTORES DA ACADEMIA

“Desiludi-vos de

vossa grandeza,

despi-vos de

vossa

megalomania

pseudo-sábios.

Sois pó, lama,

como todos nós,

outros mortais! ”

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Mais uma vez. Tinha acabado de decidir voltar pra casa e não sabia o que lhe aguardava. Costumava acreditar que as coisas mais diferentes e absurdas do mundo poderiam lhe ocorrer a qualquer momento e, por isso, religiosamente, todos os dias, assistia a todos os telejornais e não perdia oportunidades de apreciar capas de matérias de jornais que espetacularizavam constantemente os acontecimentos. Sofria por não sofrer; perdia sempre tudo aquilo que podia ganhar nas marés de sortes de comuns que relatavam experiências; seu útero secava por não poder parir quadrigêmeos ou bebês em datas comemorativas. Assim, o espaço jornalístico que existia em sua vida era repleto de êxtase, pavor, expectativa.

Lembrava que tinha olhado o gás ao sair de casa, desligou-o; a janela devidamente fechada; retirava todas as tomadas dos eletrodomésticos, afinal, se a tal coisa acontecesse, teria de vir por intermédio maior de um ente maior, exterior. E quando isso acontecesse algo estaria dialogando com ela. Esse dia não chegava, mas ela estava chegando junto à porta. Chaves nas mãos desde quando

havia decidido voltar sozinha. Girava a penca de chaves como num comportamento obsessivo, havia caído duas vezes ao chão. As casas que ficavam bem ao lado do passeio ouviam seus passos rápidos, ajeitava os cabelos num entrelaçar que se desfazia ao tombo de seu caminhar. E se estivesse ocorrendo um estupro, uma violência criminal bem ao lado de sua casa e nesse exato instante? De onde vinha esse desejo, essa vontade, prazer e necessidade pelo trivial espetáculo? Por que essa sede copiosa de novidade?

Pensava que o curso natural das coisas era o pior lugar, mas era ali que ela concentrava parte de seus esforços diários, no empenho de manter toda aquela ordem, aquele previsto cotidiano.

Ao chegar finalmente em casa, alguns metros antes já balbuciava algum som entendido por seu cachorro, ele ia latir, mas não latiu por que era ela e era

assim que ela queria. Como se divertia com isso! Empurrou a porta sabendo que logo depois de uma marca diagonal do assoalho a porta rangia, ela rangeu. Com que alegria ela sorria à casa. Foi direto ao seu quarto, o cachorro a seguiu, mas entendeu a hora de parar porque ela não suportava a idéia de ter pêlos voando hora ali outra aqui nos cômodos simples de seu aposento que continuava à meia luz.

O poste lá fora deixava entrar uma fresta de luz pelos vidros da janela que formava uma penumbra, uma massa amorfa e um clima denso naquele canto exclusivo do quarto. É lá que ela tira seus sapatos. Ao abaixar, embebeda-se com o cheiro de suas axilas. Como aquilo a satisfaz! Ela ri, sabe que naquele lugar ninguém poderá julgá-la em nada. Nada de comentários, estranhamentos, nada. Ela, o quarto, a fresta e o mais absoluto nada. Lembrou que não sabia realmente onde estava com a cabeça quando aceitou morar com Armando. Havia quase quatro meses que ele deixou de morar na rua Olivença Taquary, mas ela ainda sentia uma presença morna como se seus pedaços de vida deixados ali, suas células epiteliais, cheiro nos lençóis, excrementos

derramados no banheiro. Afinal, quanto tempo é necessário para que a matéria minúscula deixe de existir no mundo, no mundo de seu quarto?

Com a mão no queixo, sentiu um forte cheiro de suor de pé. Não resistiu, aproximou as narinas e encheu os pulmões. Criou uma expectativa para tirar o pé esquerdo. O sapato não era dos melhores pra ocasião, aquele era um modesto sapato sandália, havia umas ventilações que fazem perder a essência do guardado odor produzido paulatinamente pelo seu próprio corpo. Meu próprio corpo, pensava.

Passou a mão direita na axila esquerda por debaixo da blusa amarela e sabia que ali, naquele santuário seu que exalava ela, estaria uma produção que merecia respeito. Assim, se criou em ouro e prazeres, ora cheirando uma mão, ora outra. Parecia bom e deitou-se. Assoprava seu cheiro agora e sabia que aquilo que é indestrutível e não tem pra onde ir que são os cheiros, flutua no mundo por anos. Que coisa louca ficar assim, cheiro. E cheirando-se, foi envolvida por um sono profundo.

Ainda havia porção de consciência quando se imaginou inserindo-se nas profundezas de si mesma. E envolta nessas obscenidades existencialistas, foi convidada ao universo fugidio do dormir. Suas células, enquanto isso, esperavam o inusitado. Quando chegou um indivíduo à sua porta, (havia um problema perto dali) ela não conseguiu acordar, sono pesado dizia sua mãe. Naquela cena holística, pernas entreabertas, pés no chão, tronco caído na cama, havia mundo e novidade, mas uma pena não saber ela. Ela havia reencontrado e os sons na porta àquela altura da noite, que é noite perigosa, não a abalavam, até porque ela jamais iria abrir sua porta a um possível estranho. Ao mesmo tempo, a ritmia dos sons na porta constituía o baluarte melódico de seu sonho.____________________Leandro Santos Bulhões de Jesus é graduado em História e mestrando em Cultura, memória e desenvolvimento regional - UNEB Campus V____________________Imagem:René Magritte- “Les Liaisons Dangereuses”. 1936

Por Leandro BulhõesREENCONTRO

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HIPERBÓREOS LEITORES! Apresento-os hoje um dos mais fantásticos

espécimes de uma das ilhas mais fabulosas que topei nessas minhas internéticas navegações. Como intempestivo pirata fujo às lânguidas e preguiçosas tentações das rotas tradicionais, tão mais seguras quanto menos enriquecedoras, das já deveras conhecidas - terras “orkuticas” e “m-s-ênicas”. Transito em águas revoltosas, ainda não mapeadas, nas quais o espírito humano é moldado no medo do incerto e da tormenta, porém, a recompensa para os mais bravos e determinados é a contemplação de maravilhas nunca dantes imaginadas como essa especiaria que vos ofereço.

Não vos importuno mais com imprecisas descrições que em nada podem acrescentar a seus próprios sentidos, que estes sejam os maiores motivadores a vossas próprias empreitadas em busca do novo, do desconhecido, pois então, vejam, bebam, apalpem, cheirem e escutem!

TERRORISMO POÉTICOHakim BeyTradução de Jersson de Oliveira

DANÇAR BIZARRAMENTE A NOITE INTEIRA em caixas eletrônicos de bancos. Apresentações pirotécnicas não autorizadas. Land-art*, peças de argila que sugerem estranhos artefatos alienígenas espalhados em parques estaduais. Arrombe apartamentos, mas, em vez de roubar, deixe objetos Poético-terroristas. Seqüestre alguém & o faça feliz. Escolha alguém ao acaso & o convença de que é herdeiro de uma enorme, inútil e impressionante fortuna - digamos, cinco mil quilômetros quadrados na Antártica, um velho elefante de circo, um orfanato em Bombaim ou uma coleção de manuscritos de alquimia. Mais tarde, essa pessoa perceberá que por alguns momentos acreditou em algo extraordinário & talvez se sinta motivada a procurar um modo mais interessante de existência.

Coloque placas de bronze comemorativas nos lugares (públicos ou privados) onde você teve uma revelação ou viveu uma experiência sexual particularmente inesquecível etc.

Fique nu para simbolizar algo.Organize uma greve na escola ou trabalho em protesto

por eles não satisfazerem a sua necessidade de indolência & beleza espiritual.

A arte do grafite emprestou alguma graça aos horríveis vagões de metrô & sóbrios monumentos públicos - a arte - TP também pode ser criada para lugares públicos: poemas rabiscados nos lavabos dos tribunais, pequenos fetiches abandonados em parques & restaurantes, arte-xerox sob o

limpador de pára-brisas de carros estacionados, slogans escritos com letras gigantes nas paredes de playgrounds, cartas anônimas enviadas a destinatários previamente eleitos ou escolhidos ao acaso (fraude postal), transmissões de rádio pirata, cimento fresco…

A reação do público ou o choque-estético produzido pelo TP tem que ser uma emoção pelo menos tão forte quanto o terror - profunda repugnância, tesão sexual, temor supersticioso, súbitas revelações intuitivas, angústia dadaísta - não importa se o TP é dirigido a apenas uma pessoa ou várias pessoas, se é “assinado” ou anônimo: se não mudar a vida de alguém (além da do artista), ele falhou.

O TP é um ato num Teatro da Crueldade sem palco, sem fileiras de poltronas, sem ingressos ou paredes. Para que funcione, o TP deve afastar-se de forma categórica de todas as estruturas tradicionais para o consumo de arte (galerias, publicações, mídia). Mesmo as táticas de guerrilha Situacionista do teatro de rua talvez tenham agora se tornado muito conhecidas & previsíveis.

Uma requintada sedução levada adiante não apenas pela satisfação mútua, mas também como um ato consciente por uma vida deliberadamente mais bela - deve ser o TP definitivo. O Terrorista Poético comporta-se como um trapaceiro barato cuja meta não é dinheiro, mas MUDANÇA.

Não faça TP para outros artistas, faça-o para pessoas que não perceberão (pelo menos por alguns momentos) que o que você fez é arte. Evite categorias artísticas reconhecíveis, evite a política, não fique por perto para discutir, não seja sentimental; seja impiedoso, corra riscos, vandalize apenas o que precisa ser desfigurado, faça algo que as crianças lembrarão pelo resto da vida mas só seja espontâneo quando a Musa do TP o tenha possuído.

Fantasie-se. Deixe um nome falso. Seja lendário. O melhor TP é contra a lei, mas não seja pego. Arte como crime; crime como arte.-------------------------------* Tipo de arte que usa a paisagem, normalmente natural, como objeto artístico, sendo a própria natureza (e seus fenômenos, chuva, vento, etc.) elementos constitutivos da obra.Disponível em:www.rizoma.net/interna.php?id=62&secao=hierografia___________________Jean Michel F. Santos é licenciado em história pela Universidade do Estado da Bahia UNEB Campus V, Mestrando em Cultura, Memória e Desenvolvimento Regional também pela UNEB Campus V e Graduando do curso de direito da UNEB Campus XV. Atualmente reside entre Valença e Santo Antonio de Jesus.

Por Jean Michel

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Aí, me pego pensando sobre gênero. Numa sociedade machista, (sem querer ser clichê + sendo), onde um homem maduro, solteiro, letrado e com alguma independência financeira é o sonho de consumo de várias mulheres na atual conjuntura (digamos assim)... É a verdadeira coca light do deserto, o último biscoito do pacote. Enfim, é o cara.

Nós mulheres, como sempre, nas mesmas condições, não temos tanta sorte. Eu me tomo como exemplo nessa reflexão filosófica de quinta categoria. Vejam vocês leitores e leitoras, as farpas as quais já me meti, inúmeras vezes, diga-se de passagem.

Visto o manequim do segundo parágrafo (... nas mesmas condições...). Então. Vivendo nessa cidade interiorana, coberta de preconceitos e discriminações, saio sempre com minhas irmãs e companheiras de luta para encontrar os amigos, pessoas as quais não conseguiria viver sem, pois deles me valho sempre que possível em matéria de prazeres dos mais variados, desde tomar uma em Sr. Julio e/ou Sr Chico... Para aqueles que não estão entendendo, esclareço, são botecos do mais alto nível, próximos a UNEB, os quais possibilitam a alguns mestres ilustres a comodidade de orientar seus alunos inspirados por aquela cervejinha (canela de pedreiro, cú de foca...), até saborear um bom prato, um bom filme, uma boa transa. (prefiro transar com amigos a com inimigos). Dito popular ridículo, mas não resisti, perdoem-me.

Fiz alguns rodeios típicos daqueles que são covardes para externar suas verdadeiras idéias. Contudo, aí me vou... Temos muito que discutir ainda em relação ao gênero feminino, sua história, seus lugares, os chamados “universos femininos”...

Vejamos. Tudo isso pra dizer que por mais que sejamos independentes, estaremos sempre à procura do cara do

primeiro parágrafo. Seja por conceitos morais enraizados em nós, pela necessidade do amor tranqüilo, por sexo monogâmico, ou pelo simples fato da obviedade da maturidade feminina (que é natural do gênero, enquanto os homens se tornam adolescentes garanhões depois dos quarenta). Não é isso?

Outro aspecto, (diálogo de três mulheres: Zana, eu e Mila), as mulheres estão optando por outras mulheres, pois o mundo gay masculino cresce vertiginosamente, nascem mais mulheres que homens, muitos homens são fracos e insuportavelmente traumatizados com tudo, péssimos de cama, sem falar nos broxas.

Segundo Camila: as mulheres se entendem, falta homem no mercado, e destacando a verdadeira vaidade feminina, elas se vestem para as outras, além disso, fazem sexo muito bem. Zana deu sua contribuição dizendo que nós, mulheres, já não precisamos dos homens como antigamente, chefes e donos de nossa casa e de nossas vidas, além disso, poucos sabem fazer sexo oral bem, e são facilmente substituídos por um vibrador.

Resumo da obra, não somos feministas como alguns devem estar pensando, estamos sim buscando um mundo mais equânime, mais livre e também achamos que as mudanças são necessárias para as transformações inerentes ao ser humano.

Concluo essa loucura de idéias difusas, pensando na paixão, que não escolhe sexo, cor, questões de gênero, ou qualquer outra coisa e continuo investindo no amor.

Como cantou Cartola: Deixe-me ir, preciso andar, vou por ai a procurar, rir pra não chorar...-------------------------------Rosangela dos Reis Mercês SantosPsicopedagoga, graduanda em História da UNEB E-mail: [email protected]

“Viver a sorte de um amor tranqüilo, com sabor de fruta mordida.”

MÚSICAÁLBUM: TRANSAARTISTA: CAETANO VELOSOANO: 1972

Estimula, excita, ousa.... Transcendei para ouví-lo. Ouve para transcender.

Multi-sensitivo. Convidativo à uma boa trepada. São sete faixas que não se

encerram, transformando os ouvintes em suas extensões.

LIVROLIVRO: TRILOGIA DE NOVA YORKAUTOR: PAUL AUSTERANO: 1987

Intrigante, denso, perturbador!

FILMETITULO: O FABULOSO DESTINO DE AMÉLIE POULAINANO: 2001DIREAÇÃO: JEAN-PIERRE JEUNET

Suave, romântico, papai-mamãe, verde, fabuloso e de uma sonoridade

maravilhosa.. Para ser visto a dois(ou mais), na cama,

depois de uma noite de “amor”.

OOOOddddeeee aaaaoooossss sssseeeennnnttttiiiiddddoooossss............

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Na minha infância sempre gostei mais das denominadas “brincadeiras de menino”, jogar gude, pião, empinar pipa, carrinho de rolimã, subir em árvore, entre outras. Não tinha muita habilidade com as “brincadeiras de menina”, principalmente quando se tratava de “brincar de boneca”, achava uma brincadeira monótona e enfadonha, sempre gostei de aventuras, de experimentar o novo, o diferente, e as “brincadeiras de menino” me proporcionavam isso.

Nos raros momentos que brincava com bonecas, não me agradava brincar com aquelas industrializadas, tradicionais (a maioria delas de material plástico), preferia as que eu e minha irmã confeccionávamos de papel de bala (aquelas embalagens coloridas que revestem os “queimados” em festa de aniversário) ou de qualquer outro material reciclável. Agradava-me criar o corpo e as caras das minhas bonecas, deixá-las do jeito que eu desejava, trazê-las para o mais próximo possível da minha realidade, já que as bonecas que ganhava eram completamente diferentes da representação do feminino que conhecia.

Um desejo que tinha, caros leitores, e que só revelarei agora, era de criar uma boneca com as características físicas da minha mãe, que sempre achei uma mulher muito bonita, a típica mulher brasileira; quadris largos, seios pequenos, cabelos e olhos pretos, pele negra etc. Mas, uma boneca com essas características em plena década de 80, não traria retorno financeiro para as

indústrias de brinquedos, naquele momento o padrão de beleza estético imposto pela mídia, era o padrão europeu, “Barbies”, “Xuxas”, “Angélicas”, alavancavam as vendas com seus corpos esqueléticos, peles claras, olhos azuis e cabelos loiros, traços que diferem completamente da maioria das meninas brasileiras.

Hoje, após muitas lutas para o reconhecimento positivo do “ser negro” e as políticas públicas

direcionadas para a melhoria da auto-estima da população afro-descendente, evidenciando que a estética negra tem uma beleza específica e que deve ser valorizada, foram criados vários mecanismos para inserir no mercado produtos que demonstrassem as características dessa parcela da população brasileira, que sempre foi a maioria, mas nunca foi tratada como tal. Entre várias ações a criação de brinquedos que fossem utilizados para melhorar a autoconfiança das crianças afro-descendentes, entre esses brinquedos destacamos as Abayomis bonecas africanas artesanalmente confeccionadas em tecido que, nos remetem àquelas bonecas feitas pela “vovó”, só que com um diferencial, as meninas brasileiras reconhecem nessas bonecas suas fisionomias naturais.

Dentro dessas iniciativas Patrícia Silva, Licenciada em História pela UNEB Campus V e artesã criou o projeto Ka

Naombo, termo Yorubá que em português significa, “Coisa de Negro”. No perfil que foi criado no orkut, exclusivamente para a divulgação desta iniciativa tão imprescindível, Patrícia aponta inquietações que povoaram nossa infância com a ausência desse referencial, da ridicularização realizada às bonecas étnicas quando escreve: “E as bonecas brancas tem nome!!! Cinderela, Branca de Neve, Mônica, são tantos que podemos perder dias escrevendo. E as nossas, como é mesmo que são chamadas??? Humm, deixa eu ver!!! É isso mesmo! “Nega Maluca”!!!!! Estranho né? Porque será que não existe boneca “branca maluca”? Se

criarmos uma seremos preconceituosas racistas! Sim !!! Racistas... então venha sorrir conosco, Bonecas pretas, lindas, N'Zingas, Dandaras, Azeviche, Ébanos com nome e história que valoriza o nosso povo negro e nossos ancestrais.”

Mais que um convite a “brincar de boneca” ou um retorno a nossa “velha infância”, queridos leitores, o projeto “Coisa de Negro”, nos leva a refletir sobre as diferenças étnicas, não se restringe a criar teorias sobre este assunto, ainda tão delicado de discutir em nossa sociedade, a discriminação étnica, “arregaçando as mangas”, sem discursos vitimizadores e trazendo para ordem do dia uma discussão tão “farposa”. O Ka Naombo é um recurso que podemos empregar para educar nossas crianças. Utilizando-o de forma lúdica, para demonstrar uma realidade que não é “brincadeira”.

Sem apologias, a este ou aquele movimento, sem querer sobrepor uma etnia a outra, essas e outras iniciativas devem ser valorizadas, pois, buscam a equidade das relações humanas, contribuindo, para amenizarmos e, quem sabe um dia, sanarmos esta forma de discriminação que contribui para o crescimento do abismo social que existe no nosso país. Assim como há alguns séculos passamos por um processo histórico de embranquecimento da nossa nação, concluo com o convite que Patrícia nos faz no seu texto; “TOPAS ENTÃO DENEGRIR A NOSSA IMAGEM??” , isso mesmo, vamos enegrecer um pouco mais nossa sociedade? Quem sabe utilizando bem o pincel e as tintas dessa aquarela étnica não consigamos criar um lindo arco-íris? Até a próxima...__________________Cristiane PuridadeLicenciada em História pela Universidade do Estado da Bahia - UNEB. É professora do Centro Educa-cional de Correntina, cidade em que reside.__________________Para mais informações pesquise no orkut:

“Kanaombo - Coisa de Negr@“

Coisa de Negr@ Por Cristiane Puridade

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Comendo para não morrer

Por Rosana “Zana” Mercês

Santos

Mais uma seção de devaneios. Camila, Sheila, Rosangela e eu sentadas na tão disputada mesa da cozinha. Os amigos sempre optam por ela, como o lugar mais aprazível para papiar e tomar a tão desejada cervejinha. Escutando Elza Soares.

Profetiza Zana.__ Antes era preciso ir até a polícia e explicar que ia haver um samba, um baile, uma festa, enfim. Os sambistas para fugir da policia subiam o morro para, ocultos, fazerem sua música em paz. O samba não nasceu no morro, mas no asfalto. Pura nostalgia, mas uma nostalgia sadia. De repente a conversa fluiu. E Rosângela fala.

__Eu troco todos os cantores de pagode vivos por Pixinguinha, João da Bahia, Donga, Noel Rosa, Cartola... Sheila interpela.

__E eu troco Sandy por Elis Regina. Ivete Sangalo, Daniela Mercury e Ana Carolina por Cássia Eller Na verdade eu troco todos e Babado Novo vai de quebra.

__E Bob Marley, Janis Joplin... Zana sempre complementa.

__ Vamos entregar a alma de todos os cantores de pagode paulistas: Exalta Samba, Belo e companhia. E de brinde Dudu Nobre, Roupa Nova, Serginho e a Lacraia, a mulher melancia, Guiguigueto, Calypso, todas essas de forró (alma sebosa é mais barato). Camila defende.

__Vamos resgatar do inferno o Rei do Rock . Se é que é isso que ele deseja.

__ Quem? Zana pergunta.__Raul. Responde Camila. __Ah, ele vai querer mesmo é

ficar lá por baixo. Prefere o inferno a voltar e “ficar sentado com a boca

escancarada cheia de dentes esperando a morte chegar de novo”... Zana continua.

__ Caymmi, Gonzaguinha, Nara Leão... Rosângela completa.

__É. Oferecemos vários. Conclui Camila.

Lançamos as Farpas e cuidamos para que elas fiquem bem encravadas na carne destes que transformam a música neste ridículo conjunto desastroso que nos fere os ouvidos e nos arranha a alma.

Não esqueçamos alguns bons: Lenine, Elza Soares, Nação Zumbi, O Teatro Mágico, Cordel do Fogo Encantado, Betânia de Nonato, Caetano e sua Paloma, Gil, Maria Rita, Ney Matogrosso, Marisa Monte, Arnaldo Antunes, Luiz Melodia e... Os melhores versos e as melhores poesias. Poesias que invadem a alma e enfeitiçam os ouvidos. Uns para mais e uns para menos. Não estamos aqui para eleger os melhores e sim resgatar os ícones. Porque não?

Os que vivem, salve! Os que já foram resgatemo-los!Ah, e trataremos de educar

nossos talentos para que o rolo compressor do mercado fonográfico não nos afogue em prostituição...

Não somos complacentes. Somos a farpa que machuca. A farpa que entranha na sua terra e faz sangrar. Causa dor. Causa medo e te faz divagar.

Caros leitores, não deixem que te roubem o poder da reflexão. Não deixe que te roubem o senso, eu vos digo.

No centro da mesa: garrafas de

cervejas fluídas, cigarros esparsos, pratos coloridos, taças tilintando, talheres gastos e rodados, amigos vadios. Podem sentir inveja desta mesa, ela é de causar arrepios densos na alma. Ela é fruto de cobiça e você tem a honra de compartilhá-la conosco. Agora uma comidinha para

alimentar o corpo e engordar as idéias:Macarrão Pesto.

1 molho de manjericão fresco1 xícara de azeite extra-virgem1 dente alho1 pacote de massa

Modo de fazer: Cozinha a massa em água fervente e acrescente o sal. A massa deve ficar ao dente. Para o molho: bata no liquidificador as folhas de manjericão, o azeite, o alho e um caldo de galinha. Refoga o molho no fogo rapidamente, cerca de 1 minuto e incorporar a massa. Sirva-o quente e salpicado de queijo parmesão ralado na hora. Bom apetite.

-------------------------------Rosana “Zana” Mercês Santos - Pós-graduada em Psicopedagogia e Gestão Escolar e Graduanda em História na UNEB - CAMPUS V - Santo Antonio de Jesus.

E para terminar, um pouco de Nelson Rodrigues:

“Acho a velocidade um prazer de cretinos. Ainda conservo o deleite dos

bondes que não chegam nunca.”

Paciência, leitor. A gente volta.

Enquanto isso nos escreve:

[email protected]