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  • 1Revista Observatrio da Diversidade CulturalVolume 01, n 01 (2014)

    www.observatoriodadiversidade.org.br/revista

  • 2Revista Observatrio da Diversidade CulturalVolume 01, n 01 (2014)

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    Revista Observatrio da Diversidade CulturalVolume 01, n 01 (2014)www.observatoriodadiversidade.org.br/revista

    I N D E X

    ........................................................................................................................................................... 0

    Expediente ....................................................................................................................................... 04

    Apresentao .................................................................................................................................. 05

    Editorial ........................................................................................................................................... 06

    CONTEDO

    ARTE E ARTESANATO NO INSTITUTO CULTURAL INHOTIM: Construindo uma relao a partir dos princpios da nova Museologia SocialKeila Almeida Gonalves e Sofia Lorena Vargas Antezana ............................................................... 07

    CULTURA, FESTA E CIDADE: TECENDO RELAESAriel Lucas Silva e Paulo Miguez ...................................................................................................... 19

    A COMPLEXIDADE TNICA E OS DESAFIOS PARA O RELACIONAMENTO DAS ORGANIZAES TRANSNACIONAIS COM COMUNIDADES RURAIS NO SUL DE MOAMBIQUEEullio Feliciano Mabuie, Kenia Caroline Viera e Ratmir Flvio Cuna ............................................. 28

    AES DE RUA COMO A BUSCA PELO ENCONTRO, PELA SUBJETIVIDADE E PELOS AFETOS Os artistas em contato com a sensvel humanidade dos transeuntesDavi Giordano .................................................................................................................................. 41

    O CASO DO COOL JAPAN: A CONSTRUO DE UMA POLTICA CULTURAL PARA A PROMOO DE IDENTIDADE NACIONALPilar Luz Rodrigues .......................................................................................................................... 50

    PLANOS MUNICIPAIS DE CULTURA E SUA IMPORTNCIA PARA A DIVERSIDADE CULTURALKtia Maria de Souza Costa ............................................................................................................. 64

    A CULTURA COMO FERRAMENTA DE MANUTENO DAS RAZES CAIARAS DA JURIABernardo W. M. Baptista e Lys G. S. Vieira....................................................................................... 78

    UMA TENTATIVA DE PERIODIZAR A EVOLUO DO ROCK NA BAHIADas imitaes dos anos 1950 Msica Digital dos anos 2000Fagner Dantas .................................................................................................................................. 90

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    A NOVA AGENDA DA ELITE CULTURAL E OS ESTUDOS CULTURAIS Reflexes Sobre a Cultura PerifricaJocimara Rodrigues de Sousa ........................................................................................................ 102

    DIVERSIDAD CULTURAL EN LA ESCUELA SECUNDARIA ARGENTINA Perfil de los estudiantes de intercambio 2012-2013Mara Isabel Pozzo y Carolina Jacob .............................................................................................. 117

    A DIVERSIDADE CULTURAL E O DIREITO IGUALDADE E DIFERENAWeslaine Wellida Gomes ............................................................................................................... 141

    POTENCIALIZANDO LEITURAS DE MUNDO E TERRITRIOS A PARTIR DE OFICINAS PEDAGGICAS, INSPIRADAS EM PAULO FREIRE:relato de uma pesquisa desenvolvida com educandos da educao de jovens e adultos e as suas contribuies para a promoo da diversidade culturalJos Pereira Peixoto Filho e Carolina Rezende de Souza ............................................................... 152

    ALGUMAS REFLEXES SOBRE LEITURA DE IMAGENS, PRTICAS EM ATELIS. Um estudo de caso: Instituio Lar de MariaFlvia dos Santos Oliveira Gama e Samuel de Jesus Pereira ......................................................... 165

    MANDALA DE SABERESSueli de Lima ................................................................................................................................. 1810O CINEMA E A DIVERSIDADE CULTURAL CAPIXABACharlaine Suelen Rodrigues Souza ................................................................................................ 194

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    EXPEDIENTE

    ISSN: em processo de registro

    Editor: Jos Mrcio Barros - UEMG e PUC Minas http://lattes.cnpq.br/1604785658347017

    Editora Associada: Raquel Salomo Utsch - Observatrio da Diversidade Cultural http://lattes.cnpq.br/2207126908579051

    Projeto grfico: Richardson Santos Reviso: Alcione Lana

    Conselho Editorial:

    Giselle Dupin MINC http://lattes.cnpq.br/2675191520238904

    Giselle Lucena UFAC http://lattes.cnpq.br/8232063923324175

    Humberto Cunha UNIFOR http://lattes.cnpq.br/8382182774417592

    Isaura Botelho - SESC SP http://lattes.cnpq.br/3961867015677701

    Luis A. Albornoz - Universidad Carlos III de Madrid http://portal.uc3m.es/portal/page/portal/grupos_investigacion/tecmerin/tecmerin_investigadores/Albornoz_Luis

    Nbia Braga UEMG http://lattes.cnpq.br/6021098997825091

    Paulo Miguez UFBA http://lattes.cnpq.br/3768235310676630

    Observatrio da Diversidade Cultural Rua da Bahia, 1448 - Sala 1708 - Centro Belo Horizonte - Minas Gerais - Brasil - CEP 30160-906 [email protected] www.observatoriodadiversidade.org.br/revista

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    APRESENTAO

    A cultura est no centro dos debates contemporneos sobre cidadania, desenvolvimento

    e paz social. Parte desse debate est ancorado na perspectiva de reconhecer a diversidade

    cultural como bem e como recurso, ou seja, expresso simblica de formas identitrias

    simultaneamente singulares e universais, e fonte de dinamismo social e econmico,

    associado criatividade e inovao.

    Mas, para que a diversidade das culturas cumpra esse duplo papel, o desafio parece ser

    o da transformao das diferenas de origem tnicas, religiosas, territoriais, de gnero

    etc, em capital cultural que expressa diferenas, mas que tambm aponta para o dilogo

    e cooperao entre as diferentes comunidades e povos.

    Nesse contexto, a Revista Observatrio da Diversidade Cultural pretende ser mais um

    instrumento para a promoo da diversidade, por meio da difuso de pesquisas, textos

    acadmicos e no-acadmicos, estudos de casos, prticas de experimentao e inovao

    e fontes informativas. Deste modo, ser possvel configurar uma efetiva contribuio para

    qualificar quem trabalha com a proteo e promoo da diversidade cultural.

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    EDITORIAL

    PENSAR E AgIR COm A CuLTuRA

    A Revista Observatrio da Diversidade Cultural passa a integrar as aes do ODC, nas reas de formao, pesquisa e informao, voltadas proteo e promoo da diversidade cultural. Associada defesa da cultura como direito, a ao comunicacional potencializa a convergncia de atores que se articulam, nesse novo espao de interao virtual, para reflexo e compartilhamento dos sentidos ligados s dimenses simblica, econmica e cidad da cultura.

    Ao compreender a cultura, fundamentalmente, como processo de desenvolvimento humano, a publicao virtual refora, portanto, o compromisso com a criao de espao socio-comunicacioanal destinado troca e reflexo crtica quanto aos movimentos culturais contemporneos, que correspondem articulao de mediaes diversas e demanda abordagens transversais aos campos da educao, arte e comunicao, dentre outros.

    Como princpio norteador que permeia as aes do ODC, a adoo de formas de pensar e agir com a cultura traduz-se, aqui, na promoo do intercmbio de ideias, como parte de uma rede de comunicao, de forte dimenso poltica, que atua em favor da prtica intercultural, demarcada por processos de tensionamento e convergncia entre as foras sociais.

    A diversidade de temas e origens institucionais dos autores refora, especialmente, construo coletiva que tematiza as relaes entre arte, subjetividade e espao urbano, destacando a centralidade das dimenses esttica e poltica das aes culturais na contemporaneidade. Assim, tambm, os temas da economia da cultura e desenvolvimento humano; direito cultura, gesto e diversidade convocam, no conjunto, qualificao da anlise quanto aos desafios e possibilidades na rea.

    Os processos de mediao, com nfase, tambm, diversidade em contextos globalizados, ampliam noes, borrando as fronteiras entre arte, educao e cultura. Ao abordar as dimenses tradicional, popular e massiva da cultura, os autores discutem cultura perifrica, por meio do movimento Hip Hop; produo cultural e manuteno das razes caiaras; rock na Bahia - dos anos 50 msica digital; cinema e diversidade capixaba.

    Nesse contexto abrangente, compreender a cultura implica a abertura aos movimentos de permanncia e transformao social que operam, de forma indissocivel, entre o diferente e o universal; a experincia cultural revela-se, fundamentalmente, como descoberta do outro, bem como reafirmao de si, potencializando o humano em ns.

    Finalmente, como ambiente sociocomunicacional destinado expresso da diversidade do pensamento, a Revista volta-se produo do conhecimento que confronta a concepo histrica da diversidade cultural como sinnimo de desigualdade econmica, noo contra a qual, precisamente, buscamos agir, ao promover a produo e difuso de informao, de forma a qualificar discusses, ampliar olhares, estabelecer trocas.

    Jos Mrcio Barros e Raquel Utsch Editores

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    ARTE1 E ARTESANATO NO INSTITuTO CuLTuRAL INHOTIm2: Construindo uma relao a partir dos princpios da nova Museologia Social

    Keila Almeida Gonalves3

    Sofia Lorena Vargas Antezana4

    Resumo

    Por meio da nova Museologia Social, altera-se a relao entre o espao museal e o territrio no qual este

    encontra-se inserido. E, dentro desse cenrio, o foco de atuao do museu se desloca da conservao

    para o indivduo e s comunidades, sendo a promoo social desses, seu maior objetivo. Analisar as

    aes desenvolvidas pelo Instituto Cultural Inhotim junto ao Grupo de Artesanato, utilizando como

    referncia a relao entre a Arte Contempornea e o Artesanato luz das novas atribuies museais,

    o objetivo desse texto.

    Palavra-Chave: Artesanato, Instituto Cultural Inhotim, Museologia Social.

    Abstract

    Through the New Social Museology, the relationship between the museum space and its territory

    changes. And, within this scenario, the focus of the museum moves from conservation to the individual

    and the communities, social promotion being its biggest goal. The goal of this article is to analyze the

    actions developed by the Inhotim Cultural Institute with the Artisan Group, utilizing as a reference the

    relationship between Contemporary Art and the Artisan inspired by new museum attributions.

    Key-Words: Artisan, Inhotim Cultural Institute, Social Museology.

    1 Embora a pesquisa integre outros movimentos de arte, para esse artigo, nos restringimos somente a Arte Contempornea, uma vez que o Inhotim possui em seu acervo, somente peas relacionadas a esse movimento.

    2 Esse artigo restringe-se somente as observaes relacionadas s aes da Diretoria de Incluso e Cidadania junto ao Grupo de Artesanato.3 Graduanda do 8 perodo em Servio Social, com nfase em Arte e Cultura pela Pontifcia Universidade Catlica de Minas Ge-rais. Bolsista de pesquisa FAPEMIG no Instituto Cultural Inhotim, desde maio de 2013. E-mail: [email protected]

    4 Mestre em Histria pela Universidade Federal de Minas Gerais. Analista de Projetos no Instituto Cultural Inhotim. E-mail: [email protected]

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    1. INTRODuO

    Esse texto integra a pesquisa, em fase de realizao, dentro do Instituto Cultural Inhotim, em parceria

    com a FAPEMIG, tendo como tema A Arte do Artesanato para o Desenvolvimento Humano, Social e

    Econmico. Portanto, as concluses apresentadas restringem-se a dois grupos de artesanato, dos 12

    grupos/associaes que o Instituto Inhotim fomenta, na regio do Vale do Paraopeba.

    Destarte, para esse artigo, propomos discorrer somente sobre alguns aspectos, restringindo-nos

    a uma anlise preliminar acerca da efetivao dos princpios museais, tendo como recorte as aes

    desenvolvidas pela Diretoria de Incluso e Cidadania junto aos artesos que integram o Grupo de

    Artesanato5, apontando ento como esses sujeitos6 se apropriam e dialogam com o espao, no seu

    fazer artesanal. Para que isso seja possvel, traaremos uma relao entre a Arte Contempornea e

    o Artesanato, buscando elementos que podem fortalecer a prtica museal dentro desse cenrio, em

    especial, no trabalho com os artesos.

    A Diretoria de Incluso e Cidadania encontra-se inserida dentro do Instituto Cultural Inhotim, uma entidade

    privada, sem fins lucrativos, situada na cidade de Brumadinho. Referncia em Arte Contempornea, o

    Inhotim combina arte e natureza numa rea de 110 hectares de visitao, possuindo um amplo acervo

    de obras de artes e botnica. Para firmar seu comprometimento com o desenvolvimento da cidade,

    desenvolve aes sociais e culturais internas e externas comunidade. Essas aes so executadas, em

    sua maioria, pela Diretoria de Incluso e Cidadania, em parceria com as demais diretorias, poder pblico

    e privado em conformidade com a populao. Nossa proposta abordar, ainda que incipientemente, as

    aes executadas no projeto desenvolvido com artesos de Brumadinho e seu entorno7.

    O Grupo de Artesanato - como denominaremos neste artigo - composto em sua grande maioria por

    mulheres, que trabalham elaborando peas artesanais, expresses significativas do artesanato no Vale

    do Paraopeba. Esse grupo se rene no espao do Inhotim, onde so realizadas oficinas de capacitao

    que buscam promover a formao humana, social, cultural e econmica, por meio de aes que

    dialoguem com as especificidades culturais desses sujeitos.

    Os argumentos apresentados neste trabalho, a ttulo didtico, esto organizados, primeiramente pela

    concepo de desenvolvimento relacionado Arte, ao Artesanato e cultura. No segundo momento,

    discorreremos sobre as novas atribuies museolgicas, luz da integrao dos sujeitos no espao

    museal, sua participao na construo e no desenvolvimento local tanto no nvel restrito ao museu

    quanto comunidade -, na preservao e difuso cultural.

    5 Embora o Grupo de Artesanato seja composto por artesos residentes em outras cidades, para a anlise desse artigo, reali-zaremos nossas observaes no campo abrangente, onde alcance o grupo como um todo, alm de dar nfase ao Grupo Des-coberta, dado seus objetos artesanais possurem relao com a botnica do Inhotim e o fato de no terem aceitado a proposta do Inhotim, em se formalizar. O outro grupo que daremos nfase o Grupo Verde Marinhos, cuja produo expressa a identi-dade quilombola e foi acompanhado pelo Inhotim, onde foi desenvolvido um trabalho, capacitando-os e formalizando-os.

    6 Para efeito de recorte, sempre ao citar sujeitos, consideramos os artesos inseridos nas aes desenvolvidas pela Diretoria de Incluso e Cidadania do Instituto Cultural Inhotim.

    7 Nesse Grupo participam artesos das cidades de Brumadinho, Igarap, Moeda. Inclusive, comunidades rurais, como Marinhos.

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    Dentro desse mesmo tpico, abordaremos o espao do Inhotim, como um lugar que promove o dilogo

    entre a Arte Contempornea e o Artesanato por meio dos sujeitos que compe o Grupo de artesanato

    -, observando como o grupo se apropria do museu, as relaes que so estabelecidas entre eles e o

    Inhotim, sob a tica da nova Museologia Social.

    A metodologia adotada para o presente artigo pauta-se na leitura de pressupostos tericos que versam

    sobre os conceitos de Cultura, Desenvolvimento, Arte Contempornea, Artesanato e Diversidade

    Cultural. Para alm da questo conceitual, adotamos a metodologia participativa junto aos artesos,

    seguido de encontros e reunies que contaram com a presena do Grupo de Artesanato, poder pblico

    local e demais agentes.

    2. ARTE, ARTESANATO, CuLTuRA E DESENVOLVImENTO

    Na contemporaneidade, impossvel nos referirmos ao conceito de desenvolvimento, sem associ-lo

    as abordagens da pobreza e da desigualdade. Dentro dessa discusso, o economista indiano Amartya

    Sen (2000) representa um significativo avano no debate, ao acrescentar a liberdade e as capacidades

    no corpo da temtica. Seu conceito introduz variveis mais amplas, chamando a ateno para o fato

    de que as pessoas podem sofrer privaes em diversas esferas da vida e, portanto, para o ganhador

    do prmio Nobel de Economia em 1999, ser pobre no implica somente privao material, mas as

    privaes sofridas determinaro o posicionamento dos cidados nas outras esferas.

    No mbito dessa discusso, observa-se que o desenvolvimento humano apresenta-se de forma orgnica,

    incorporando o todo humano social, econmico, cultural. Portanto, dentro desse trabalho, consideramos

    o desenvolvimento humano essencial para traar a relao entre a Arte e o Artesanato, sob a perspectiva

    da nova Museologia Social, concernente concepo de cultura8, compreendida como expresso da

    diversidade cultural e imprescindvel na formao humana, seja individual e/ou coletiva.

    Dentro desse universo, o acesso aos bens culturais9 pode ser considerado uma das principais ferramentas

    da transformao humana, resultantes do desenvolvimento social de um povo e/ou nao. Inclusive, sua

    contribuio envolve o reconhecimento da diferena como algo positivo; componente fundamental para

    a construo da igualdade na diversidade. De forma que essa igualdade considere as caractersticas da

    diversidade cultural sem sobrepor-se a ela. Nesse sentido, a cultura atua de forma dialtica, representando

    a identidade dos sujeitos e promovendo seu desenvolvimento (MIRANDA, 2010).

    Assim sendo, compreender o papel da cultura na formao humana de extrema relevncia e, para

    que isso seja possvel, dentro do que nos propomos neste artigo, vamos conceitu-la. Afirmamos,

    portanto, que o conceito de cultura dinmico, encontrando-se alicerado no todo social, no

    cenrio das experincias materiais e concretas, na construo das subjetividades, podendo ser

    8 Abarcamos todas as expresses de cultura, ou seja, a cultura popular, de massa, erudita, dentre outras.

    9 Dentro da mesma perspectiva que nos referimos cultura. Nesse sentido, por bens culturais, compreendemos toda expres-so cultural produzida, consumida e reproduzida, independente de suas divises e peculiaridades.

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    evidenciada no resultado do nosso trabalho, conforme j afirmaram Netto e Carvalho (1989) e que

    fora retratado por Ferreira (1997).

    Dentro dessa perspectiva, portanto, ao nos referirmos cultura, dentro dessa pesquisa, devemos levar

    em considerao que, por cultura, entende-se todo (grifo nosso) processo humano que se constri na

    prtica social. Consideramos assim, a cultura, em sua amplitude, como potencialmente construtora da

    emancipao humana. Independente de que esta se d por meio de expresses artsticas, produes

    artesanais, bens materiais ou imateriais.

    Ao considerar ento, que a cultura permeia a existncia do homem, inclusive, dentro do universo

    do trabalho - entendendo o Artesanato como um trabalho individual e coletivo, resultado de uma

    produo, carregada de significaes simblicas e concretas, alm de saberes -, no seria equivocado

    afirmar que o Artesanato, como expresso cultural e fruto do trabalho um bem cultural, permeado

    pela historicidade e tradio, contribuindo para o desenvolvimento dos sujeitos.

    Portanto, a dinmica das relaes sociais construdas entre os artesos, o Artesanato e o espao do

    Inhotim nos permite afirmar que ele parte integrante da sociedade e que traz em si, elementos que

    o habilitam a participar da tomada de conscincia das comunidades. Leiam-se os grupos de artesos,

    produtores, trabalhadores, enfim, pessoas que compem o territrio em questo.

    Tendo como referncia o papel da nova Museologia Social que consiste em integrar e aproximar os

    sujeitos ao espao museal, considerando a diversidade cultural dos envolvidos, no tpico abaixo,

    faremos uma breve reflexo acerca da relao entre a Arte Contempornea e o Artesanato, apontando os

    possveis atravessamentos entre a teoria e a prtica sob a tica das novas atribuies museolgicas.

    3. NOVA MUSEOLOGIA SOCIAL E INHOTIM: em busca da efetivao dos princpios sociais

    A nova Museologia Social surge com propostas de atribuies sociais ao museu, acrescentando ainda

    a ateno sobre o patrimnio cultural, onde o foco de atuao do museu se deslocar da conservao

    para o indivduo, as comunidades e a promoo social desses. Sobretudo, propondo novas formas de

    atuao dos museus e das prticas museolgicas voltadas para a interveno social. Sendo o principal

    aspecto a mudana no modelo de gesto, que integra a comunidade na administrao e preservao

    do seu patrimnio e da sua identidade cultural (DUARTE CNDIDO, 2007).

    A partir dessa transformao, o museu passa a ser entendido como instituio capaz de promover

    a preservao, a valorizao da histria, da memria e das tradies locais. Dessa forma, o museu

    passa de espao de contemplao para um instrumento capaz de promover a incluso social e o

    desenvolvimento individual e coletivo (DUARTE CNDIDO, 2007).

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    3.1. Nova Museologia Social e Inhotim: Contrastes na integrao e promoo dos

    sujeitos sociais

    Considerando as caractersticas gerais da nova Museologia Social, temos como ponto de partida a

    atuao do Inhotim junto aos grupos de artesos que integram o projeto Rede de Artesanato10, que

    fazem parte das aes desenvolvidas pela Diretoria de Incluso e Cidadania.

    Tendo como princpio promover o relacionamento com a comunidade e firmar seu compromisso

    com o desenvolvimento social de Brumadinho, em 2007 a Diretoria de Incluso e Cidadania criada.

    Desde ento, trabalha dentro de quatro perspectivas: Msica, Arte e Cultura no Vale do Paraopeba;

    Desenvolvimento Territorial; Inhotim para Todos e Centro de Memria e Patrimnio Cimp.

    Um dos principais objetivos dessa diretoria fortalecer o capital social do municpio, contando com

    o apoio de lideranas e organizaes comunitrias ou de natureza social. Todas as aes visam

    autonomia dos sujeitos, tendo as pessoas e os grupos sociais como centro e objeto de seu trabalho.

    O grupo de artesos em questo est inserido na ao programtica Desenvolvimento Territorial

    e conta com a participao de artesos residentes cidade de Brumadinho e seu entorno, inclusive

    sujeitos que residem em comunidades quilombolas, como aqueles situados na comunidade rural de

    Marinhos. A proposta de trabalho desenvolvido com este grupo visa promoo de direitos sociais, o

    desenvolvimento humano, social e produtivo de Brumadinho e regio, caracterizando-se ainda como

    uma forma de valorizar, respeitar e compartilhar o modo de vida de seus sujeitos, alm do patrimnio

    cultural e natural da regio.

    O Artesanato produzido pelas associaes e profissionais individuais representa uma forma de gerao de

    renda, de socializao, de troca de saberes e experincias, sendo exposto nas associaes, nos espaos culturais

    de suas cidades, em feiras ao ar livre, bem como durante as oficinas que ocorrem no espao do Inhotim.

    Dentre as principais aes desenvolvidas pela Diretoria de Incluso e Cidadania junto aos artesos, as

    oficinas Troca de Saberes, destacam-se seguidas por cursos de capacitao. Durante esses encontros,

    os artesos trocam informaes, saberes e vivncias. Circulam pelo espao do museu, realizam visitas

    mediadas ao acervo de Arte Contempornea, participam de atividades culturais que estejam ocorrendo

    na data e expem seu Artesanato.

    Nesse sentido, por meio dessas oficinas, realizadas a cada bimestre, percebemos que um dos

    objetivos do museu fortalecer a relao entre esses sujeitos, possibilitar interao e socializao do

    grupo. Dar oportunidade para que esses sujeitos expressem sua cultura, apreendam novas tcnicas

    e saberes com o outro.

    Porm, mensurar esses saberes torna-se algo complexo, pois cada grupo ali representado, possui

    10 Anteriormente, o ajuntamento desse grupo era denominado como Rede de Artesanato, porm, a partir da reestruturao que vem ocorrendo desde a troca de diretoria, ocorrida em setembro de 2013, um dos pontos que vem sendo transformados a compreenso de que no podemos considerar esse ajuntamento como uma rede.

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    Revista Observatrio da Diversidade CulturalVolume 01, n 01 (2014)

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    singularidades, fragilidades e barreiras internas que referem-se s relaes estabelecidas com outros

    sujeitos dentro de seu campo relacional no cenrio de produo artesanal. Assim, ao ultrapassar os

    portes do Inhotim, as relaes j foram tecidas, construdas pelos prprios grupos seja em funo da

    matriz cultural, das experincias individuais, coletivas ou da prpria representao simblica que os

    grupos fazem de si mesmos e dos outros.

    Dentro dessa perspectiva, torna-se fundamental refletir sobre como o espao museal do Inhotim,

    orientado pelas aes da Diretoria de Incluso e Cidadania podem ampliar, renovar, reinventar as

    relaes e representaes do fazer artesanal dos grupos. J que o espao do museu propcio reflexo

    acerca da diversidade cultural, dos costumes, das tradies e das diferenas.

    Para atingirmos as reflexes acima, faz-se necessrio conhecer como essas relaes so estabelecidas

    dentro do mbito do Inhotim. Sero elas de aproximao ou de distanciamento com o espao? Como o

    espao museal do Inhotim expresso e/ou refletido no objeto, no fazer artesanal? Essas so questes

    que refletiremos dentro dos prximos subtpicos.

    3.2. Identidade e pertencimento: distanciamentos na relao entre a Arte Contem-pornea e o Artesanato

    Ao longo da pesquisa que vem sendo desenvolvida em parceria com a FAPEMIG, temos encontrado

    algumas aproximaes e distanciamentos entre a Arte e o Artesanato. Dentro do recorte da Arte

    Contempornea, partimos das caractersticas respectivas a identidade ou a falta dela para alguns ,

    destacando o fato dela estar ligada aos elementos da vida contempornea, como aqueles provenientes

    da tecnologia, da industrializao, do sistema capitalista e seus reflexos, bem como do perfil identitrio

    de uma populao onde a diversidade e a pluralidade cultural podem ser visualizadas.

    Constatamos ento, que a Arte Contempornea expressa as novas experimentaes, se

    caracterizando por sua hibridizao e pela multiplicidade de expresses. E que, tais caractersticas

    refletem o fato dela estar inserida num contexto globalizado, onde o diverso pode ser experimentado

    por meio de trocas culturais facilitadas pela tecnologia, tecendo constantes dilogos que se unem

    na teia da vida contempornea.

    No que tange ao Artesanato, entendemos que assim como a Arte, ele expressa as caractersticas de um

    povo, sua histria, memria e tradio, em prol do resgate, da afirmao e expresso da identidade

    desses sujeitos. Nas palavras de Freitas:

    Como materializao da forma de viver de um povo, o artesanato constitui-se num

    objeto de pesquisa sociolgica, reforado tambm, pelo fato de ser uma tcnica

    passada de pais para filhos, resistindo ao progresso material, ao desequilbrio

    global (seja do ponto de vista ecolgico ou econmico), ou ainda, por representar o

    sentimento de identidade e de pertinncia dos indivduos (FREITAS, 2004).

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    Considerando as colocaes da autora, tendo em vista o contexto globalizado, podemos afirmar

    que Arte e Artesanato sofrem o impacto da vida contempornea. Cabendo a cada um, segundo

    suas especificidades, exprimir a complexidade e a ambiguidade de uma identidade em contnua

    transformao. Nesse sentido, pode-se afirmar que a identidade expressa por meio desses objetos

    artesanais e artsticos revela o desenvolvimento dos indivduos, seu posicionamento no espao em que

    encontram-se inseridos.

    Conforme discorrido anteriormente, a nova Museologia Social parte do princpio de que cada grupo

    social possui sua identidade embora consideremos a identidade dinmica -, sendo expressa por

    diversas formas de produo, dentre elas, Arte e Artesanato. Dentro desse universo, valoriz-las,

    resgat-las, preserv-las e difundi-las, torna-se do interesse e da responsabilidade dos museus. Para

    tanto, cabe a essa instituio integrar os sujeitos ao espao museal, de forma que esses indivduos

    possam difundir a sua cultura.

    Por meio do trabalho realizado pela Diretoria de Incluso e Cidadania, com o grupo de artess,

    Verde Marinhos, identificamos a responsabilidade social do Inhotim em prtica, pois este grupo

    foi acompanhado de perto, capacitado e formalizado por meio de uma associao. Essa associao

    foi criada objetivando a produo de um artesanato identitrio, capaz de retratar as tradies

    culturais, o sentimento de pertencimento e a identidade quilombola das artess da comunidade

    de Verde Marinhos.

    Numa anlise mais abrangente, ou seja, a partir das aes desenvolvidas junto ao Grupo de Artesanato,

    percebemos a existncia de uma identidade plural no artesanato local. Mesmo assim, embora as aes

    do Inhotim sejam desenvolvidas objetivando a interao entre esses sujeitos, a Arte Contempornea e

    a botnica, at o momento, no apreendemos a efetivao dessas aes de forma abrangente.

    Ademais, destacamos que a interao mais efetiva, ocorre em relao botnica, mas quanto

    expresso de Arte Contempornea, se demonstra incipiente. Sendo assim, constatamos que h

    uma interao, mas h tambm, a necessidade de que essa seja transmitida a eles de forma mais

    compreensvel, reflexiva e, contnua, no sentido de possibilitar cada vez mais a aproximao entre o

    espao e os artesos.

    Como exposto, o espao museal do Inhotim permeado de complexidade, e desenvolver uma relao

    entre os sujeitos e ele, exige continuidade, aes estratgicas no campo educacional e pedaggico.

    Principalmente, quando considerada a necessidade de dilogo entre a identidade artesanal local e o

    Inhotim, como expresso da Arte Contempornea e desta com a diversidade cultural.

    Das observaes realizadas com os grupos nas oficinas, das conversas feitas com os mediadores de

    Arte do Instituto e do Artesanato produzido, podemos pontuar que o caminho a ser percorrido longo,

    no sentido deles se apropriarem e interiorizarem do acervo que o Instituto abriga, no fazer artesanal.

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    Exceo para o Grupo Descoberta11 que por meio da Tcnica do Cobertor, desenvolvido em curso de

    capacitao e design que o Inhotim promoveu, produz peas artesanais com elementos do acervo

    botnico do museu. No entanto, ao retratar a Arte nos objetos artesanais, utilizam referncias da Arte

    Moderna e no da Contempornea o que confirma nossa observao, quanto a necessidade de

    promover a interao com o espao, aproximando esses sujeitos da Arte Contempornea.

    Assim, compreendemos que os projetos desenvolvidos pela Diretoria de Incluso e Cidadania com o

    grupo de Artesanato da regio do Vale do Paraopeba devem caminhar, objetivando cada vez mais aes

    que possibilitem o seu desenvolvimento, o seu fortalecimento e concomitantemente, construindo

    aproximaes do fazer artesanal com a Arte Contempornea e com os demais acervos do instituto.

    3.3. Tradio na contemporaneidade

    Tendo a preservao da memria cultural como objeto social, a nova Museologia Social abrange

    um olhar sobre a tradio12 cultural, pois estas esto vinculadas. Segundo item analisado dentro da

    relao entre Arte e Artesanato, encontramos aproximaes no sentido de que a tradio para ambas,

    relaciona-se ao processo dialtico de rupturas e permanncias. Dentro desse universo, a tradio se

    revela complexa, pois, ao manifestar a identidade desses sujeitos, ela no se encontra inerte, e assim,

    moderniza-se, contextualiza-se.

    Ao considerar a dialtica de rupturas e permanncias, deve-se esperar ainda sem reservas -, que as

    rupturas possam sugerir de forma negativa retrocessos e quebras de identidade. Contudo, desenvolver-

    se permitir o dilogo entre o tempo presente, passado e futuro e, logo, seu reflexo nas tradies. Isso

    no mbito da Arte ou Artesanato.

    E, embora expresse a tradio e a memria de um povo, o Artesanato tambm se insere no contexto

    de concorrncia de mercado, vendo-se obrigado a adaptar-se s novas exigncias do mundo

    capitalista. Uma resposta interessante a essa demanda, a introduo do design na elaborao das

    peas (QUELUZ, 2005).

    De acordo com Carmo (2011), a interferncia do design no artesanato, pode atuar no sentido de

    valorizar e reforar as tradies regionais, a diversidade cultural, a identidade dos grupos sociais, a

    habilidade dos artesos e a qualidade e funcionalidade dos artefatos artesanais. Considerando uma

    perspectiva possvel e benfica para o universo artesanal, que possibilita sua existncia mercadolgica

    de forma mais competitiva.

    Portanto, podemos afirmar que assim como a Arte Contempornea, o Artesanato, ao longo da histria,

    tem se apropriado de adaptaes, que englobam a utilizao de novas tcnicas, materiais e linguagens,

    11 Associao de artesos residentes em Brumadinho. 12 No campo da arte, a partir do sculo XVIII, busca-se o rompimento com a tradio da tintura a leo, o naturalismo e a regra de perspectiva dimensional. A dialtica das rupturas e permanncias, durante o processo de construo dessa identidade ganha destaque no mbito da tradio.

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    sem, contudo, romper com suas representaes e simbologias. No entanto, como apreend-las dentro

    do espao do Inhotim, por meio de suas aes com o Grupo de Artesanato uma pergunta que perpassa

    nossa pesquisa.

    Para isso, temos que resgatar o cenrio apresentado no subcaptulo anterior, quando destacamos

    o trabalho do Inhotim, desenvolvido com o grupo Verde Marinhos. Por meio dessa experincia,

    percebemos que o Instituto desenvolve aes que visam resgatar a identidade e a tradio desses

    sujeitos e que os cursos de designer, costura e de liderana desenvolvido tanto com a comunidade

    de Marinhos como os demais grupos de Artesanato, entre eles o Grupo Descoberta, dialogam com a

    proposta da nova Museologia Social, qual seja, a incluso dos grupos sociais na promoo e difuso

    dos sujeitos no espao museal.

    Para alm do que foi exposto, faz-se necessrio pontuarmos alguns elementos identificados durante

    as oficinas. Em outras palavras, embora tenhamos encontrado objetos artesanais que expressem a

    tradio da regio nesses encontros, as aes desenvolvidas, durante as oficinas presenciadas, ainda

    devem abraar a pluralidade da tradio cultural dos grupos de Artesanato com o acervo de Arte

    Contempornea e vice-versa.

    E, em contrapartida, visualizamos uma tradio to arraigada e firmada nesses sujeitos artesos, que

    se faz necessrio criar mecanismos que permitam aproximar e contextualizar a tradio local com a

    Arte Contempornea, objetivando a integrao entre o sujeito e o espao. Ao introduzirmos o assunto

    acerca da integrao ou interao entre o arteso e o espao, apresentamos nossas consideraes

    preliminares acerca das aproximaes e distanciamentos entre a Arte Contempornea, o Artesanato e

    o Inhotim, sob a perspectiva dos princpios museais.

    3.4. Interao: Princpio que se encontra na Arte Contempornea, no Artesanato e

    na museologia Social

    Integrao. Relao. Interao. Sero palavras sinnimas? Consideraremos que essas palavras

    ultrapassam o fato de serem sinnimas, pois traduzem princpios presentes na Arte Contempornea, no

    Artesanato e na nova Museologia Social. Sobretudo, como princpio fundamental da nova Museologia

    Social, que, ao atribuir funes sociais ao museu, visa inserir sujeitos at ento excludos, na produo,

    promoo e difuso do espao museal, onde esses acrescentam sua cultura, incorporados de pluralidade

    e especificidades, transmitindo-a por meio do espao museal.

    A Arte Contempornea, por sua vez, busca promover a interao entre a obra, o espectador e o artista,

    sendo essa caracterstica a que consideramos como destaque. Portanto, subjetividade, experimentao

    e interao, so fundamentos essenciais desse movimento. Sendo assim, alguns artistas so conhecidos

    por trabalharem a relao entre o objeto e o observador participante e, dentre os principais integrantes

    desse movimento podemos citar alguns que esto presentes no acervo artstico do Inhotim.

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    Lygia Clark, propulsora do objeto relacional13, que no conjunto de sua obra faz com que a experincia

    ultrapasse o limite perceptvel, expandindo-se para as sensaes, uma dentre as artistas que possui

    obras no espao do Inhotim. Inclusive, podemos perceber em sua obra que esta no se encontrava

    finalizada, dependendo assim da relao entre o espectador e o objeto a partir das sensaes

    produzidas. E, que nas palavras de Rolnik (2002):

    um algo mais que captamos para alm da percepo (pois essa s alcana o visvel)

    e o captamos porque somos por ele tocados, um algo mais que nos afeta para alm

    dos sentimentos (pois esses s dizem respeito ao eu). Sensao precisamente

    isso que se engendra em nossa relao com o mundo para alm da percepo e do

    sentimento. Quando uma sensao se produz, ela no situvel no mapa de sentidos

    de que dispomos e, por isso, nos estranha. Para nos livrarmos do mal-estar causado

    por esse estranhamento nos vemos forados a decifrar a sensao desconhecida,

    o que faz dela um signo. Ora a decifrao que tal signo exige no tem nada a ver com

    explicar ou interpretar, mas com inventar um sentido que o torne visvel e o

    integre ao mapa da existncia vigente, operando nele uma transmutao. Podemos

    dizer que o trabalho do artista (a obra de arte) consiste exatamente nessa decifrao

    das sensaes. talvez nesse sentido que se pode entender o que quis dizer Czanne

    com sua idia de que a sensao o que ele pinta (ROLNIK, 2002).

    Encontramos ainda, obra do artista Hlio Oiticica, que, assim como Clark prope que o espectador

    torne-se participante e propositor da obra. Em anlise sobre as obras desse artista, Favaretto (1992)

    coloca que as experincias no so meras obras, mas intervenes ativssimas. Vanguardista, Oiticica

    inaugura em plena dcada de 1970, aquilo que viria se tornar conhecido como instalao.

    Diferentemente, o Artesanato, desde sua gnese traduz a relao entre o arteso, o objeto e o

    observador. Dessa forma, o Artesanato expressa uma interao que precede essa trade (arteso,

    objeto e observador), isto , a relao que surge no ato da criao do objeto e que expressa a interao

    entre o arteso e seu ncleo familiar, entre esse indivduo e seu meio, seja ele fsico, cultural ou das

    relaes sociais.

    A partir dessas relaes, ocorre a troca de vivncias e saberes, que so embutidas durante a construo

    do objeto artesanal. Porm, durante esse processo outras relaes so impulsionadas, ampliando e

    integrando outros sujeitos ao processo, como aqueles artesos inseridos na produo.

    Por fim, na exposio do objeto pode-se perceber que este impulsiona a construo de outras pontes,

    acrescentando novos olhares advindos do observador e/ou comprador da pea. Assim, ocorrem novas

    interaes, com a presena de diversos personagens e suas subjetividades. Desde modo, no apenas

    o objeto que desloca-se geograficamente, mas os prprios sujeitos.

    No se trata de um produto finalizado, acabado, mas fruto de uma relao entre a identidade dos diversos

    sujeitos que se desenvolvem continuamente, e que trocam experincias, dialogando por meio de um

    13 Objeto Relacional a designao genrica atribuda por Lygia Clark a todos os elementos que utilizava nas sesses de Es-truturao do Self trabalho praticado de 1976 a 1988, no qual culminam as investigaes da artista que envolvem o receptor, convocando sua experincia corporal como condio de realizao da obra.

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    espao que apresenta um objeto artesanal. O objeto ento poder servir no apenas como utenslio

    de uso domstico, pessoal ou de alguma utilidade futura, mas, sobretudo, como uma pea agregada de

    significados estticos, criativos e simblicos, elementos que nos remetem ao objeto de arte.

    Considerando que as observaes, neste artigo, so preliminares, sendo que as pesquisas e entrevistas de

    campo com os grupos citados, Verde Marinhos e Grupo Descoberta sero realizadas e analisadas sob a

    tica da Museologia Social, destacamos que, somente a partir deste momento, teremos dados consistentes

    para nos posicionarmos mais efetivamente, frente aos questionamentos apontados ao longo do artigo,

    propondo, ento, estratgias que respondam as observaes e solues indicadas ao longo do artigo.

    4. CONSIDERAES FINAIS

    Encerrar nossas primeiras reflexes advindas das observaes cotidianas no Inhotim, tendo em vista

    que a pesquisa est em andamento, dificulta-nos acerca de um posicionamento estratgico, onde

    possamos acrescentar possibilidades que funcionem como resultado para as questes levantadas.

    Para que essas aes tambm alcancem sua efetividade integral, deve-se ainda considerar as

    caractersticas relacionadas trade inter-relacional. Tendo como base essa trade, novas aes devem

    ser construdas, com vias a efetivao dos princpios museais, dentro da perspectiva da interao

    e do observador participante, com vistas promoo dos sujeitos, da diversidade cultural e do

    desenvolvimento humano.

    Conclumos ento, que as aes realizadas com os grupos de artesanato devem ter uma interlocuo,

    com outras reas do conhecimento do Instituto Inhotim, a fim de que o fortalecimento relacional entre

    o espao e esses grupos acontea. Logo, o dilogo deve compreender a diversidade cultural, presente

    no Artesanato local, bem como os elementos da Arte Contempornea e os sujeitos que habitam esse

    territrio, em prol do desenvolvimento humano.

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    REFERNCIAS BIBLIOgRFICAS

    CARMO, Patrcia S. S. O arteso brasileiro: intrprete da cultural regional e artfice da economia solidria.

    2011. 126 f. Dissertao (Mestrado) Pontifcia Universidade Catlica de Minas Gerais, Programa de

    Ps-Graduao em Direito, Belo Horizonte.

    DUARTE CNDIDO, Manuelina Maria. A funo social dos museus. In: Canind Revista do Museu de

    Arqueologia de Xing, n 9. Aracaju: Universidade Federal de Sergipe, junho/2007. p. 169-187

    FAVARETTO, Celso. A inveno de Hlio Oiticica. So Paulo: EDUSP, 1992.

    FERREIRA, M. N. Cultura subalterna e o neoliberalismo: a encruzilhada da Amrica Latina. So Paulo:

    Ed. CELAC: ECA/USP, 1997.

    FREITAS, Katia Siqueira. Artesanato. Salvador: GERIR, v. 10, n. 35, p. 17-37, jan./fev. 2004.

    MIRANDA, Danilo. Cultura e desenvolvimento Humano. Disponvel em: > http://cadernos.cenpec.org.

    br/cadernos/index.php/cadernos/article/view/64>. Acesso em: 10 dez. 2013.

    QUELUZ, Marilda Lopes Pinheiro. Design & Cultura. Curitiba: Sol, 2005.

    ROLNIK, Suely. Subjetividade em obra: Lygia Clark, artista contempornea. So Paulo: Revista PUC. V.

    22, 2002.

    SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. So Paulo: Cia das Letras, 2000.

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    CuLTuRA, FESTA E CIDADE: TECENDO RELAES

    Ariel Lucas Silva1

    Paulo Miguez2

    Resumo

    Considerando sua irrupo na vida societal, insistncia e imposio como alma da cidade, o que

    festa e qual seu lugar na vida coletiva? A pesquisa que deu origem a esta comunicao est apoiada na

    compreenso conceitual e terica da festa e orienta-se a partir da busca pelas inflexes sobre o lugar

    da festa e seu espao na vida coletiva. Sem a pretenso de alcanarmos respostas completas e/ou

    definitivas, buscamos uma compreenso da relao festa e cidade tendo como ponto de partida que a

    festa irrompe na cena societal, insiste e impe-se como a alma da cidade.

    Palavras-chave: festa, cidade, Rosrio do Serro

    Abstract

    Considering his outburst in societal life, insistence and imposition as soul of the city, what is celebration

    and what its place in the collective life? The research that lead to this communication is supported

    by the conceptual and theoretical understanding of the celebration and is guided by the search of

    inflections on the place the celebration and its place in the collective life. Without intending to achieve

    complete and / or definitive answers, we understand the relationship celebration and city having as

    starting point that the celebration erupts in societal scene, insists and imposes as the soul of the city.

    Keywords: celebration, city, Rosario Serro

    1 Mestre em Cultura e Sociedade (UFBA, 2013), pesquisador do CULT - Centro de Estudos Multidisciplinares em Cultura (UFBA) e do GREC Projeto Memria social, comunicao e cidadania (UFBA), ambos vinculados ao CNPq. E-mail: [email protected]

    2 Doutor em Comunicao e Cultura Contemporneas (UFBA, 2002). Professor do Instituto de Humanidades, Artes e Cincias da UFBA e pesquisador do CULT - Centro de Estudos Multidisciplinares em Cultura (UFBA). E-mail: [email protected]

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    1. INTRODuO

    Este trabalho apresenta os resultados de uma pesquisa3 apoiada na compreenso conceitual e terica

    da festa, do fenmeno festivo, sua estrutura, funo e significado, atravs da comparao de vises de

    diferentes autores acerca desse tema.

    A festa escolhida como objeto emprico deste trabalho foi a Festa do Rosrio da cidade do Serro, em

    Minas Gerais. A cidade do Serro est localizada na regio central do Estado de Minas Gerais, ponto

    alto da Serra do Espinhao, onde nasce o Rio Jequitinhonha, rio que percorre todo o vale que leva o

    seu nome at desaguar no oceano atlntico, na cidade de Belmonte, no sul do Estado da Bahia. Com a

    descoberta do ouro na regio, no final do sculo XVII e incio do sculo XVIII (1698 1702), escravos e

    funcionrios da Corte Portuguesa chegaram regio onde hoje se localiza a cidade do Serro, trazendo

    na bagagem suas culturas e suas crenas, dando incio ao processo de povoamento da regio.

    Considerando a amplitude do tema e as diversas possibilidades de abordagens, optamos por uma

    metodologia que, previamente definida, permitisse novos direcionamentos e caminhos a seguir. Ao

    fazermos a opo por esse tipo de metodologia, ateno especial foi dada aos registros de cada novo

    direcionamento, pois era importante entendermos que o processo de pesquisa tambm fruto da

    centralidade que o objeto possua, portanto, a metodologia adotada deveria estar aberta s novas

    possibilidades que surgissem.

    A primeira etapa da pesquisa foi constituda pelo levantamento bibliogrfico e discusses dos principais

    eixos temticos, quais sejam, cultura, festa e cidade, assim como um levantamento documental que

    permitisse apresentar um quadro da corografia da regio do Serro, notcias da histria de sua ocupao

    e aspectos da morfologia da sociedade local. Em um segundo momento, realizamos pesquisas de campo

    na cidade durante a Festa do Rosrio (2011 e 2012). Usamos tambm o mtodo de Histria de vida,

    registrando as falas dos que da festa participam atravs de entrevistas. Buscamos reunir conhecimento

    (popular e cientfico) e o sentimento de uma cidade em torno da proposta de investigao da festa e o

    lugar onde ela acontecia.

    Inicialmente, recuperarmos alguns princpios conceituais sobre a festa e sobre a cidade - uma

    comparao de vises de diferentes autores sobre esse tema apoiada numa construo terica sobre

    o conceito de festa e cidade. Assim sendo, buscamos compreender a festa, o fenmeno festivo, sua

    estrutura, funo e significado, localizando tal fenmeno do ponto de vista terico. Para isso, pensamos

    ser importante a abordagem de dois componentes, quais sejam, o sentimento da festa seu carter

    coletivo em primeiro lugar, e sua conotao simblica, em segundo lugar.

    Em seguida apresentamos o objeto emprico da pesquisa, trazendo uma contextualizao histrica das

    3 Pesquisa que resultou na Dissertao de Mestrado intitulada Cultura, festa e cidade: a festa do Rosrio do Serro (MG) con-textualizaes e inflexes apresentada ao Programa Multidisciplinar de Ps-Graduao em Cultura e Sociedade do Instituto de Humanidades, Artes e Cincias da Universidade Federal da Bahia como parte dos requisitos para obteno do grau de Mes-tre aprovada em defesa pblica em 08 de Abril de 2013. Disponvel em: https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ri/14289/1/Dissertacao_ArielLucasSilva_UFBA_2013.pdf Acesso em 28 de fevereiro de 2014.

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    origens da Festa do Rosrio do Serro e a importncia histrico-cultural da cidade, o que possibilitou

    um entendimento maior do objeto estudado. Esse estudo descritivo foi enriquecido com entrevistas,

    depoimentos, mapas, alm de documentos histricos oficiais e extra-oficiais e fotografias. Material

    que vem sendo reunido, estudado e analisado desde 2008.

    Ao final da pesquisa, propusemo-nos a um exerccio de refletir sobre o lugar da festa e seu espao na

    vida coletiva. Sem a pretenso de alcanarmos respostas completas e/ou definitivas, buscamos uma

    compreenso da relao festa e cidade tendo como ponto de partida que a festa irrompe na cena

    societal, insiste e impe-se como a alma da cidade (MIGUEZ, 2002). Uma busca pelo entendimento do

    lugar que a festa ocupa onde ela realizada, fundamentando as relaes necessrias entre a cultura, a

    festa e a cidade e procurando recuperar alguns outros princpios em relao festa e sua importncia

    para as relaes entre os grupos sociais, seu espao e a construo de suas identidades.

    No conjunto, produzimos uma pesquisa essencialmente qualitativa, apoiada, sobretudo, num conjunto

    diversificado de fontes secundrias, ainda que, em muitos momentos, tenhamos recorrido a algumas

    fontes primrias umas e outras sempre submetidas a tratamento descritivo-analtico, de modo a

    permitir o seu cotejamento com a questo central proposta pelo trabalho.

    Partimos da compreenso da festa (o fenmeno festivo, sua estrutura, funo e significado, localizando-a

    do ponto de vista terico) e da compreenso da cidade (pensadas a partir de enfoques distintos,

    somando-nos a outros esforos de compreenso da cidade e do urbano), buscando considerar uma

    comparao de vises de diferentes autores acerca desse tema, apoiada no desenvolvimento terico

    sobre o conceito de festa e cidade. As reflexes apontadas fundamentaram e justificaram a discusso

    centrada em espaos cada vez mais mltiplos e com uma pluralidade de vozes cada vez maior e

    justamente nestes espaos, mltiplos e plurais, que encontramos terreno frtil para as anlises a que

    nos propusemos.

    Avaliamos pertinente tambm, apresentar um quadro da corografia da regio do Serro, trazendo notcias

    da histria de sua ocupao e aspectos da morfologia da sociedade local. Tudo isso para contextualizar

    espacial, temporal e socialmente a Festa do Rosrio do Serro, conferindo mais profundidade

    apresentao do tema/objeto e ampliando as possibilidades de anlises e inflexes acerca da relao

    cultura, festa e cidade objetivo primeiro da pesquisa. Optamos, ento, por uma anlise a partir das

    vilas e cidades mineiras acreditando que elas pudessem oferecer-nos um panorama da formao

    histrico-cultural da regio. Esta anlise nos levou a caracterizar o urbano levando em conta tambm

    os processos culturais e os imaginrios dos que o habitam.

    A trade gente + cho + cultura se apresentou como um dos fios condutores de nossas anlises. Esta trade

    pode ser tomada como uma coincidncia de fatores que, em seu conjunto, podem ser tomados como

    constitutivos do processo de elaborao cultural que encontra nas vilas e nas cidades de Minas Gerais no

    somente o documento material que lhes possibilita a anlise em profundidade, mas, alm disso, em virtude

    do modo peculiar pelo qual o fazem, assume o sentido e a expresso de verdadeira experincia social.

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    A cidade do Serro apresenta-se, hoje, como um importante municpio do Estado de Minas Gerais

    por guardar e preservar um rico patrimnio histrico artstico e cultural. Ao apresentarmos a cidade,

    optamos por uma descrio que contemplasse uma anlise desde sua ocupao no final do sculo

    XVII e incio do sculo XVIII at os dias atuais, passando por anlises de variadas fontes, como cartas

    de viajantes, testamentos, relatos orais e documentos oficiais. Esta contextualizao permitiu que

    entendssemos que a Festa do Rosrio do Serro est intrinsecamente relacionada formao da cidade.

    O Compromisso da Irmandade do Rosrio do Serro data de 1728, poucos anos aps a fundao do

    Arraial que deu origem a cidade. Uma prova importante que a Festa do Rosrio est, desde sempre,

    presente na vida do serrano.

    Para a melhor compreenso da Festa do Rosrio do Serro, mergulhamos no universo simblico que a

    constitui. A Festa do Rosrio um grande ritual em que cada um expressa uma maneira diferente de

    perceber, interpretar e representar aquilo que se deseja construir como a realidade social tal como diz

    Roberto da Matta, atravs de uma linguagem simblica.

    O entendimento deste universo simblico, juntamente com a contextualizao histrica das origens da

    Festa do Rosrio e a importncia histrico-cultural da cidade do Serro, possibilitou uma compreenso

    maior do objeto estudado dando embasamento para as inflexes propostas.

    A Festa do Rosrio do Serro revelou-se um rico campo de investigao para anlise das formas de

    apropriao e compreenso dos hbitos e costumes da cidade. Pelo seu carter coletivo, a Festa do

    Rosrio do Serro dilui, ao menos no plano simblico, a distncia entre os indivduos, rompendo suas

    diferenas, o que possibilita a reafirmao de crenas grupais e o estabelecimento de novas regras

    tornando possvel a vida em sociedade. Essa festa representa a reunio de diferentes grupos, com

    caractersticas individualizadas e, neste sentido, assume a dimenso construtiva da vida social,

    permitindo a apreenso das prticas exercidas para a manuteno do mito, seu objetivo maior. E como

    cultura tambm sempre um espao de disputas e conflitos.

    Sendo, portanto, um fecundo campo para se pensar a vida em coletividade, em seus diferentes regimes

    de empirismo, a Festa do Rosrio do Serro opera ligaes as mais variadas, possibilitando a vivncia

    (desdobrada em experimentao) de uma existncia outra que a do real socializado, prpria da festa.

    2. TECENDO RELAES

    Estas ligaes se apresentam de diversas maneiras, so as dimenses da festa das quais nos fala

    Amaral (1998). Para compreender as relaes entre festa e cidade preciso, portanto, identificar e

    refletir sobre algumas dessas dimenses. So mltiplas as dimenses festivas apontadas por Amaral

    (1998) e algumas delas expressam com acuidade a Festa do Rosrio do Serro.

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    2.1. Da dimenso da festa enquanto elemento de mediao cultural

    Como colocamos, as festas ocupam um espao privilegiado na nossa cultura, adquirindo, no entanto,

    significados particulares. A festa capaz, portanto, conforme o contexto, de diluir, cristalizar, celebrar,

    ironizar, ritualizar ou sacralizar a experincia social particular dos grupos que a realizam. No caso em

    questo, a Festa do Rosrio do Serro resolve, ao menos no plano simblico, algumas das contradies

    da vida social, revelando-se como poderosa mediao entre estruturas econmicas, simblicas,

    mticas e outras, aparentemente inconciliveis. Um olhar comunicacional sobre a Festa do Rosrio

    foi fundamental para o entendimento de seus elementos identitrios e de mediao cultural. Era

    preciso entender o significado das roupas, dos gestos, dos cantos, dos ritos e dos demais elementos

    que compem a festa suas estruturas simblicas.

    2.2. Da dimenso religiosa da festa

    A Festa do Rosrio do Serro uma festa popular religiosa catlica organizada por uma Irmandade. Mas

    percebemos na Festa do Serro uma religiosidade tanto atenta ao sentido ntimo das cerimnias quanto

    s cores e pompa exterior, ou seja, voltada tanto para o concreto quanto para o abstrato, sempre

    pronta a fazer acordos e conciliaes. Tanto f e religio, quanto a festa em si mesma so formas

    fundamentais de ligar. So formas eminentes de socializao, por intermdio das quais se realizam

    a troca e a comunicao, dois fundamentos essenciais da experincia humana em coletividade. A

    religiosidade presente na Festa do Rosrio do Serro est associada ao prprio ato festivo em torno

    da devoo, portanto, vinculada ao encantamento, ao domnio da rua e do espetculo da dimenso

    espetacular da festa.

    De modo geral, para alm da festa do Rosrio do Serro, a religiosidade brasileira parece ter retido da

    religio, antes de mais nada, sua dimenso esttica e de recreao. Seu ponto forte e pedestal so a

    efervescncia coletiva. Voltando Festa do Rosrio do Serro, essa efervescncia coletiva tambm

    religiosa, no sentido daquilo que liga, aproxima, nos faz comum, apontando para uma recomposio/

    renovao da sensibilidade religiosa e da experincia do sagrado.

    2.3. Da festa como patrimnio cultural

    Ao discutir a noo de patrimnio cultural, emergem algumas questes importantes enfrentadas pelos

    antroplogos e outros profissionais das Cincias Sociais frente de agncias governamentais, conselhos

    e pesquisas que tratem da eleio de bens de referncia. Como patrimonializar as diferenas sem trair

    o prprio conceito de diferena? Como trabalhar com a diferena sem traduzi-la em hierarquizaes

    e etnocentrismos? Como lidar com nossos prprios valores e gostos, quando nos dado o poder

    de certific-los em detrimento de outros? Ser que no estaramos correndo o risco de engessar as

    manifestaes culturais usando como base a imagem cristalizada do registro? As questes postas no

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    so fceis de serem respondidas, no entanto, serviram como instrumento de reflexo quando nos

    aventuramos no campo do patrimnio cultural.

    O passado histrico da cidade do Serro e sua importncia como patrimnio cultural imaterial contribuem

    para a riqueza da Festa e o sincretismo presente em suas projees e representaes culturais se torna

    um expressivo representante do hibridismo cultural ali presente.

    Trata-se de reconhecer um cenrio contemporneo que, cada vez mais, se apropria das formas de

    produo de contedos, com o intuito de se manifestar culturalmente e de se identificar enquanto

    prtica social e de registro do patrimnio imaterial. Com o passar do tempo, a cidade foi revelando

    novos indcios dessa importncia e novos elementos culturais como as serenatas, as festas juninas e

    principalmente suas festas religiosas, que hoje compem o conjunto de bens imateriais reconhecidos

    como patrimnio cultural.

    Ao tratar da cultura da cidade do Serro, optamos por um olhar que considerasse as recentes abordagens

    sobre patrimnio, em particular pela noo de patrimnio imaterial. No caso da Festa do Rosrio do

    Serro, a relao entre as vertentes da preservao e a vertente da criao uma relao prxima, pois as

    festas, de modo geral, se caracterizam como processos, constantemente atualizados e recriados, e no

    como produtos que cabe guardar, proteger, conservar e, quando for o caso, restaurar. Por esse motivo,

    um dos critrios para a patrimonializao dos bens culturais de natureza imaterial a comprovao da

    continuidade histrica desses processos, sua reiterao ao longo do tempo, e seu reconhecimento como

    referncia identitria de uma coletividade. Por outro lado, a ideia de continuidade no se confunde com

    a de imutabilidade, ou mesmo a de autenticidade, pois j se sabe atualmente que uma das condies

    para que uma manifestao cultural sobreviva a sua capacidade de adaptao s transformaes

    no contexto onde ocorre. Ou seja, nesse caso, evidente que a mudana/adaptao pode significar a

    possibilidade de permanncia.

    A Festa do Rosrio do Serro, mesmo no tendo sido, ainda, reconhecida como Patrimnio Cultural

    Imaterial do Estado de Minas Gerais e do Brasil, apresenta estas caractersticas de patrimnio cultural

    imaterial entendidas como sistema de prticas tradicionais, caracterizando identidades coletivas. Sua

    autenticidade no est em uma data de incio pr-definida, mas, na recuperao, recriao singular e

    expressiva das danas, msicas, indumentrias, artefatos e oraes de uma festa tricentenria. Existe

    uma dificuldade em identificar a ideologia por trs da manifestao uma vez que, por se tratar de

    uma forma de expresso da cultura popular, a tradio passada oralmente, fazendo com que o povo

    misture fico e memria nos relatos que so transmitidos.

    Cabe neste ponto esclarecer o que pode parecer uma contradio na base terica desse raciocnio,

    cujas principais premissas derivam da concepo de que as identidades sociais e as fronteiras simblicas

    so constantemente, abandonadas e refeitas. Deste ponto de vista, para compreender a construo

    do patrimnio enquanto prtica social na Festa do Rosrio do Serro, importariam no os resultados

    cristalizados nos objetos e calendrios festivos e a sua conservao, no a conservao dos usos e

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    costumes, mas a dinamizao das condies sociais e histricas que configuram as suas condies de

    reproduo. Sabemos, no entanto, que em situaes de crise e de rpidas mudanas sociais como a

    em que vivemos o que, na festa do Serro, parece tornar-se mais vulnervel e passvel de ser relegado

    ao esquecimento e ao desuso, no so tanto as coisas produzidas, elas mesmas, mas as competncias

    e informaes que esses objetos consubstanciam.

    Entretanto, esta a questo que pode ou no se tornar um ativo (simblico ou material) a partir do

    qual exploram-se estrategicamente as possibilidades e oportunidades polticas, humanas e materiais

    que podem se tornar acessveis atravs das polticas pblicas.

    Contudo, de um ponto de vista interno cultura e experincia social, produto e processo so

    indissociveis. A Festa do Rosrio do Serro testemunha o modo de fazer e o saber fazer. Ela abriga

    tambm os sentimentos, lembranas e sentidos que se formam nas relaes sociais envolvidas no

    fazer da festa e assim o fazer a festa realimenta a vida e as relaes humanas na cidade.

    Diante dessas consideraes, cabe-nos, pontuar algumas ltimas concluses:

    Certo, a festa transitria, efmera, todavia, como diz to bem Duvignaud, ela deixa sementes

    que, mais ou menos tardiamente, agitam os espritos e perturbam a sonolncia da vida comum

    (DUVIGNAUD, 1984, p.8). por isso que mais do que descrever a festa, como usualmente se faz, ou

    mesmo explic-la, tal como j dissemos em outro lugar e repetimos aqui, parece-nos que o melhor

    caminho compreend-la, talvez mais ainda apreend-la (PEREZ, 1999).

    Como afirma com propriedade Sanchis, a festa constitui um campo fecundo para se pensar a sociedade,

    sobretudo em suas instncias de transio, de osmose, de vaivm, de ruptura, de continuidade, de

    apreenso pelo social das energias que lhe vm de outros lados e, constantemente, o alimentam e o

    minam (SANCHIS, 1983, p. 36). O estudo da Festa do Rosrio do Serro permitiu que transitssemos

    por territrios da vida coletiva que, dado seu carter extra-ordinrio, extralgico e extra-temporal,

    revelam toda a complexidade do fato societal, uma vez que a festa faz entrar a sociedade em uma

    relao consigo prpria diferente daquela de todos os dias. Para a infirmar ou para a confirmar, para

    a fazer existir num duplo que poder ser ela prpria ou outra, ela prpria e outra (SANCHIS, 1983, p.

    36). A Festa do Serro possibilita, assim, que visualizemos, sob um outro ngulo, o espetculo plurvoco

    do elo societal, sobretudo no que tange acentuao do afetivo e do sensvel.

    Este estudo da festa permite redimensionar essa discusso na medida em que, sendo um fenmeno

    vindo do fundo da tradio, e ainda que possa sugerir alguma forma de arcasmo (de sobrevivncia,

    de nostalgia, ou at mesmo de atraso), , no entanto, vivida por aqueles que dela participam como

    exploso de vida e de revigoramento. Portanto, configura-se como uma espcie de renascimento pleno

    de atualidade, de inovao, de ruptura.

    Festa , portanto, consumao, dispndio, sacrifcio, troca-dom, reciprocidade, ou seja, o ato mesmo

    de produo da vida. Essa virtualidade que a festa, essa experimentao do campo do possvel coloca

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    em ao solicitaes que animam os sentidos que a vida cotidiana no utiliza jamais. A comea a

    festa. E comea como libertao do social, como troca-dom, como um outro ns. Como menciona

    Duvignaud: Ser preciso lembrar que o virtual , na vida social, to intensamente ativo quanto o

    real? (DUVIGNAUD, 1984, p. 48 - 52).

    Uma antropologia da festa , tal como a entendemos, uma antropologia das efervescncias coletivas,

    no necessariamente sociais, das formas de socializao e de troca no necessariamente cristalizadas.

    A Festa do Rosrio do Serro no um mero produto da vida social da cidade, muito menos um simples

    fator de reproduo da ordem estabelecida pela via da inverso. Tal como o princpio de reciprocidade,

    no custa repetir mais uma vez, a festa o ato mesmo de produo da vida da cidade.

    E as cidades no existem s como ocupao de um territrio, construo de edifcios e de interaes

    materiais entre seus habitantes. O sentido e o sem sentido do urbano se formam, entretanto, quando

    o imaginam os livros, as revistas e o cinema; pela informao que do a cada dia os jornais, o rdio

    e a televiso sobre o que acontece nas ruas. No atuamos na cidade s pela orientao que nos do

    os mapas ou o GPS, mas tambm pelas cartografias mentais e emocionais que variam segundo os

    modos pessoais de experimentar as interaes sociais. No possvel, ento, estabelecer com rigor o

    que uma cidade, nem sequer o que so cada uma de suas representaes particulares: o que So

    Paulo, ou Buenos Aires, ou Paris, ou Tquio ou Salvador? Buscamos inscrever nossas anlises sobre

    os sentidos e os significados das cidades nesta corrente de pensamento urbano que v as cidades em

    tenso entre o que so e o que queramos que fossem.

    A cidade por suas origens, o espao prprio da mestiagem das pessoas e das coisas. certo que a

    cidade moderna o lugar de mscaras, dos papis sociais vividos como representao teatral. Mas a

    cidade brasileira, este fantstico hbrido sociolgico, funciona de uma maneira singular. Se ela divide

    de um lado, une de outro. No somente um lugar frio e interessado. tambm o lugar de fazer festa,

    momento onde as mscaras e a teatralidade dos papis sociais adquirem uma outra dimenso, a do

    movimento, da alegria e, sobretudo, da mistura dos cdigos e das pessoas, criando um mundo virtual,

    onde o gasto suntuoso e o consumo prprios ao dom e troca generalizada so as palavras de ordem.

    Em uma palavra: a festa promove uma mstica do dom, um dom que provoca sua resposta e um

    outro dom, uma troca que se intensifica num espao delimitado e concentrado, provocando em seus

    participantes um conjunto de emoes, de vivncias que favorecem o desenvolvimento do sentimento

    de participar de um corpo coletivo.

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    REFERNCIAS BIBLIOgRFICAS

    COMPROMISSO da Irmandade De Nossa Senhora do Rosrio na Freguesia da Conceio da Vila do

    Prncipe do Serro Frio, ano de 1728.

    DaMATTA, Roberto. Carnavais, malandros e heris: para uma sociologia do dilema brasileiro. Rio de

    Janeiro: Zahar, 4. ed. 1983.

    DUVIGNAUD, Jean. Festas e civilizaes. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro. 1984.

    MIGUEZ, de Oliveira, Paulo Cesar. A organizao da cultura na Cidade da Bahia, tese de doutorado,

    UFBA. 2002.

    PEREZ, La Freitas. Por uma antropologia da festa: notas e reflexes, texto da palestra proferida no

    Ciclo de colquios e palestras do Museu Antropolgico da Universidade Federal de Gois. 1999.

    SANCHIS, Pierre. Arraial: festa de um povo: as romarias portuguesas. Lisboa, Publicaes Dom Quixote.

    1983.

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    A COmPLEXIDADE TNICA E OS DESAFIOS PARA O RELACIONAmENTO DAS ORgANIZAES TRANSNACIONAIS COm COmuNIDADES RuRAIS

    NO SuL DE mOAmBIQuE

    Eullio Feliciano Mabuie1

    Kenia Caroline Viera2

    Ratmir Flvio Cuna3

    Resumo

    Este artigo discute em primeiro plano a questo da comunicao e da transculturalidade como ambrela

    para o entendimento do processo de adaptao das empresas transnacionais em contextos culturais

    diferentes da matriz. Buscamos tambm fazer um estudo etnogrfico para perceber a complexidade

    que norteia o processo de entendimento das culturas locais, tendo como caso concreto sete povoados

    rurais do sul de Moambique.

    Palavras-chave: Comunicao; Transculturalidade; Relacionamento de sentido.

    Abstract

    This article discusses, foregrounds, the issue of communication and transcultural umbrella as to adapt

    them to the understanding of transnationals companies in different cultural contexts of the matrix. It

    also makes an ethnographic study to understand the complexity of the process of understanding local

    cultures, having as real cases seven communities in southern Mozambique.

    Keywords: Communication; Transculturality; Relationship of sense.

    1 Mestre em Comunicao Social- Processos Comunicativos e Prticas Sociais pela Faculdade de Filosofia e Cincias Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais (FAFICH-UFMG); Professor da Escola Superior de Jornalismo (em Moambique). E-mail: [email protected].

    2 Bacharel em Cincias Sociais (2008) formada no Brasil na Pontifcia Universidade Catlica de Minas Gerais. Atua na rea de sociologia e antropologia h cinco anos, no Brasil e Moambique, com enfoque para estudos socioeconmicos e etnogrficos. E-mail: [email protected].

    3 Especialista em Responsabilidade Social (2010) pelo Instituto de Educao Continuada (IEC) da Pontifcia Universidade Ca-tlica de Minas Gerais. professor na Escola Superior de Jornalismo (em Moambique) desde 2010 e, Gestor de Projetos na Diagonal em Moambique. E-mail: [email protected].

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    1. A COmuNICAO NA PERSPECTIVA TRANSCuLTuRAL

    O fenmeno da globalizao, com a abertura de novos mercados, a retirada de fronteiras e essa

    convivncia praticamente inevitvel entre diferentes culturas leva-nos a questionar sobre a vivncia

    das culturas nacionais, tentando perceber como elas se mantm numa situao em que este

    fenmeno de per si acentua as desigualdades, acirra as disputas e leva as culturas a conviver de uma

    forma global-local.

    Autores como Ribeiro (1997) e (2009), Canclini (2005), Hall (2009), Barbosa e Veloso (2007), Korhonen

    (2010), Baldissera (2008) e Jensen (2003) nos do subsdios para promover um debate sobre o

    fenmeno da globalizao, da transculturalidade e suas implicaes nas culturas nacionais, convivncia

    entre indivduos de diferentes culturas, ou seja, como perceber, conviver e dialogar com aquele que a

    partida nos parece estranho.

    De acordo com Hall (2009, p.56) a globalizao no um fenmeno novo e, remonta explorao,

    conquista e colonizao europeia; por isto o autor a define como contempornea, pois na atualidade

    ela se apresenta de uma nova forma. Segundo sua perspectiva ela est associada a novos mercados

    financeiros, que acabam contribuindo para a desestabilizao das economias em processos de

    crescimento. Ela est ligada a cultura de consumo, influenciada pelas novas tecnologias de informao

    e comunicao.

    Esta nova forma de globalizao, assim como a antiga (colonizao, expanso europeia, etc.)

    discriminatria e muito desigual. Os seus discursos demonstram um falso bem-estar, e por vezes se

    mostram animadores, mas, na prtica, acentuam a diferena e tentam homogeneizar as culturas.

    Se olharmos a partir da colocao de Hall (2009) de que este fenmeno no natural, sendo um

    sistema de confirmao da diferena, ento, significa que suscetvel de questionamentos, crticas

    e mesmo rejeio. Mostra-se como um lugar onde as resistncias e contra estratgias podem se

    desenvolver com sucesso. Isso significa, porm, olhar o fenmeno global como um lugar de ver os

    embates, as disputas de sentido de indivduos na situao de interao, entre duas culturas diferentes

    que entram em contato.

    Ribeiro (2009, p.23) diz que os discursos globais so anunciados frequentemente como se fossem

    universais, admirados e desejados por todos. Para o autor, este discurso , ainda, uma utopia, tendo

    em vista as possibilidades que dela podem advir, baseado nos discursos com o tom de fraternidade

    aqui trazidos.

    Para falarmos de problemas de adaptao, interessa perceber, primeiro, a diferena entre

    multiculturalismo e interculturalismo, e aspectos ligados questo da comunicao inter e transcultural

    que as organizaes precisam levar em conta.

    Para melhor entendermos esse aspecto recorremos a Canclini (2005, p.17) que definiu o

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    multiculturalismo como justaposio de etnias ou grupos sociais que geralmente permitem que haja

    a mistura ou diversidade de culturas, caracterizando-se por ter polticas relativas de respeito e que

    acentuam e reforam a segregao. Enquanto que o interculturalismo est ligado ao entrelaamento

    de grupos, onde os diferentes so diferentes pelas suas caractersticas, assim como, em relao de

    negociao, conflito e emprstimos recprocos.

    Recorrendo novamente a Ribeiro (1997), discutir a condio da transnacionalidade antes de tudo,

    fazer um levantamento de possibilidades de ver de outra maneira, as nossas formas de conceber e ver

    a noo de cidadania, o que nos levaria a ter uma clara sensibilidade em relao aos efeitos da ao

    poltica e econmica numa situao de globalizao.

    Tais questes sobre a comunicao intercultural nos levam a pensar e a refletir sobre as formas segundo

    as quais, as organizaes transculturais e os indivduos de diferentes culturas se relacionam, quando

    estes entram em contato, e como estas organizaes lidam em particular, com a questo de olhar a

    diferena e lidar com ela do jeito como ela .

    Vrios estudos foram e so feitos sobre a comunicao intercultural, porm, como afirma Jensen

    (2003) muitos destes olhavam apenas para o paradigma funcionalista da comunicao, buscando

    perceber apenas prticas comunicacionais interculturais, com o nico propsito de facilitar a vida das

    organizaes que tm de lidar com este tipo de comunicao. Jensen enfatiza a crtica feita ao vis

    funcionalista que sempre caracterizou a comunicao intercultural, que v a cultura apenas a partir das

    experincias pessoais e focalizadas nas diferenas entre os indivduos, ignorando a interconexo com

    as diferenas estruturais.

    Para ns, a melhor forma de ver a comunicao intercultural, pautar pelo reconhecimento do outro,

    reconhec-lo como diferente e aprender a lidar com essa diferena, criando deste modo dilogos

    mais duradouros e aceitveis. Barbosa e Veloso (2007) corroboram esta viso quando salientam que

    h uma necessidade de se evitar que o outro seja visto apenas como simples diferente, e sugerem

    que se superem as diferenas em relao ao outro para criar um elo comum de uma sociabilidade,

    que abrange tanto eu quanto o outro, procurando assim formas de tornar a comunicao

    intercultural mais dialgica.

    Quando falamos que a comunicao intercultural pode ser percebida luz dos trs princpios

    bsicos da complexidade desenhados por Morin, citado por Baldissera (2008) que so: o

    dialgico4, o recursivo5 e o hologramtico6, estamos considerando, na verdade, que esse processo

    4 Princpio dialgico funda-se na associao complexa de instncias necessrias junto a existncia, ao funcionamento e ao desenvolvimento de um fenmeno organizado, de modo que a dualidade possa produzir a unidade, em que noes inimigas como ordem e desordem se articulam de maneira tensa colaborando entre si mesmos para produzir organizao e fazer sentido. (BALDISSERA. 2008, p.155)

    5 Principio recursivo atualiza a ideia de que todo momento , ao mesmo tempo, produto e produtor que causa e que causa-do, e em que o produto produtor do que o produz, o efeito causador do que o causa. Idem

    6 Principio hologramtico remete-nos a noo de que parte e todo so, ao mesmo tempo, mais e menos, isto , h caracte-rsticas das partes que no se manifestam no todo e outras propriedades que emergem no todo e no esto presentes nas partes. Idem

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    de comunicao exige que os seus atores entrem em um processo de produo de sentido comum, e

    que os indivduos em interao se encarem como interlocutores ativos, uma vez que um precisa do

    outro, um pode aprender do outro e vice-versa. Mesmo que essa comunicao seja na sua essncia

    voltada para criar sentido comum em contextos transculturais, no se pode olhar como consensual,

    muitas vezes se apresenta como complexa e difcil de gerir devido s tenses que surgem e aos

    embates culturais ali presentes.

    A adaptao a uma nova cultura segundo Korhonen (2010) um processo dinmico e complexo,

    que exige uma participao conjunta dos que chegam e dos que l esto. Deste modo, entendemos

    que adaptao um processo recursivo7, pois afeta tanto os que chegam assim como os que esto

    no lugar de chegada. Exige, assim, uma entrega mtua e por vezes igualitria entre as pessoas

    envolvidas no processo.

    Assim, acreditamos que importante que sejam construdos significados comuns para o grupo e para

    as atividades que executam dotar de sentido a produo comum. na busca de certa unidade de

    sentido que se mostra necessrio compreender a cultura das regies onde diferentes empresas se

    instalam, independentemente das regies, dos lugares e dos contextos.

    Para melhor elucidao, a prxima seo do presente artigo mostra a partir de um estudo etnogrfico

    de sete povoados8 do distrito da Moamba, provncia de Maputo Moambique, como as lnguas, a

    pertena tnica, o sistema de valores e crenas, bem como a estrutura de poder local, se configuram

    como importantes elementos para se entender a cultura de um povo, de uma unidade social, sendo,

    portanto, indispensvel conhec-los e entend-los para se traar estratgias de comunicao que

    faam sentido.

    2. A COmPLEXIDADE TNICA DAS COmuNIDADES RuRAIS NO SuL DE mOAmBIQuE

    Etnicidade e lngua so importantes elementos para entendermos a cultura de um povo, de um grupo

    e de uma unidade social. Segundo Cunha (2009) etnicidade linguagem na medida em que ela

    entendida como uma categoria nativa onde cada grupo lana mo de determinados smbolos para se

    distinguir um perante o outro, como tambm para estabelecerem comunicao e interao.

    As lnguas nativas faladas pelos grupos tnicos de Moambique so de origem Bantu. Uma extensa

    faixa9 do territrio de frica foi ocupada por povos que fazem parte desta grande matriz lingustica e

    cultural, a qual se desdobra em uma diversidade de variantes, mais de quatrocentas. O termo bantu

    7 Recursividade percebida segundo Morin (apud Baldissera 2008) como sendo atualizadora da ideia de que todo momento , ao mesmo tempo, produto e produtor do que o produz, o efeito causador do que o causa.

    8 Foram estudados os povoados de Chanculo, Nhoquene, Movene, Incomati Estao, Incomati Rengwe, Mulambo e Condene, onde habitam um total de 518 famlias que possuem vinculos de sociabilidade e laos de parentesco.

    9 A grande maioria das populaes ocupantes da tera poro meridional do continente africano, da fronteira martima nige-ro- cameruniana, no Oeste, at o litoral fronteirio somlio-queniano, no Leste, e a partir deste ponto at as proximidades de Port- Elizabeth, no Sul, fala lnguas estreitamente aparentadas, denominadas lnguas bantas. (LWANGA-LUNYIIGO & VANSINA, 2010, p. 169).

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    significa pessoa, o qual utilizado de forma bastante similar entre os povos classificados dentro

    desta matriz.

    Segundo Ornellas (1901) Moambique possui quatro matrizes tnicas: Macua, Mocaranga, Tonga e Zulu-

    ajau, estas por sua vez se subdividem em outros grupos. Os Macuas ocuparam de forma prevalecente

    regies entre o Rovuma e o Zambeze e entre o Niassa e o ndico (regio Norte); os Mocarangas o

    planalto central entre o Zambeze e o Save (regio Centro), os Tongas e os Zulus-ajau o sul do Save

    (regio Sul), sendo que esta ltima considerada uma etnia originria da frica do Sul que invadiu o

    territrio ocupado pelos Tonga.

    O principal parmetro utilizado para esta classificao advm dos usos e costumes partilhados por

    estes grupos, como tambm do padro lexical comum existente na lngua falada por eles. Contudo,

    em meio a elementos comuns estes grupos conservam peculiaridades que os singularizam e so estes

    elementos distintivos que provocam as categorizaes tnicas mais complexas chegando ao nvel das

    linhagens e/ou cls.

    Os povoados que fizeram parte do estudo encontram-se ocupados por famlias que pertencem a subgrupos

    tnicos da matriz cultural Thonga ou Tonga, estes so os Machanganas, Rongas, Muchopes e Tsuas.

    Nos ltimos 20 anos, houve uma intensiva movimentao desta populao para a rea em busca de

    melhores recursos naturais, necessrios para as estratgias de sobrevivncia. Isto fez com que na

    atualidade a regio combinasse uma estrutura sociocultural composta por linhagens que viviam ali

    desde os tempos do perodo colonial10, mas que agregou linhagens externas.

    A matriz lingustica correspondente a estes povoados, segundo a classificao de Sitoe (1991)

    a Tsonga, sendo que esta composta por trs variantes: Xitshwa, Tsonga (Changana) e Ronga. 93%

    destas famlias possuem como lngua principal ou que se fala em casa o Xichangana, sendo que sua

    distribuio expressiva em todos eles.

    O portugus apesar de ser a lngua oficial de Moambique possui pouca expressividade dentro do

    quotidiano destes sujeitos. Isto porque a lngua funciona como um elemento distintivo, bem como

    mantm o sentido de grupo, pois materializa a matriz cultural de que eles fazem parte.

    A organizao poltico-territorial destes povoados segue uma lgica de governao local que combina

    duas estruturas: uma que obedece a lgica administrativa estatal e outra regida pela lgica tradicional

    das linhagens. De um modo geral, as comunidades rurais de Moambique conservam estes dois tipos

    de estruturas governativas, as quais incidem sob a organizao territorial das mesmas, lembrando que

    o Estado afere legitimidade s autoridades tradicionais por meio de dispositivos legais.

    Em certa medida estas duas estruturas esto imbricadas e se interagem no que diz respeito gesto

    territorial e social das com