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ISSN 1415-482X • Ano 14 • Nº 54 • Novembro-Dezembro/2010-Janeiro/2011.

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[email protected]

Dourados Ano 13 - No 54 Págs. 1-88 Nov.-Dez./2010-Jan./2011

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CARO LEITORAno 13 • No 54 • Nov.-Dez./2010-Jan./2011

ISSN 1415-482X

Rua Mato Grosso, 1831, 10 Andar, Sl. 01Tel.: (67) 3423-0020 / 9238-0022

Dourados, MSCEP 79804-970

Caixa Postal 475CNPJ 06.115.732/0001-03

Revista Arandu: Informação, Arte, Ciência,Literatura / Grupo Literário Arandu - No 54 (Nov.-Dez./2010-Jan./2011). Dourados: Nicanor CoelhoEditor, 2011.

TrimestralISSN 1415-482X

1. Informação - Periódicos; 2. Arte - Periódicos;3. Ciência - Periódicos; 4. Literatura - Periódicos;5. Grupo Literário Arandu

PUBLICAÇÃO DO

[

EditorNICANOR COELHO

[email protected]

Conselho Editorial ConsultivoÉLVIO LOPES, GICELMA DA FONSECA

CHACAROSQUI e LUIZ CARLOS LUCIANO

Conselho CientíficoANDRÉ MARTINS BARBOSA, CARLOS

MAGNO MIERES AMARILHA, LUCIANOSERAFIM, MARIA JOSÉ MARTINELLI SILVA

CALIXTO, MARIO VITO COMAR, NICANORCOELHO e PAULO SÉRGIO NOLASCO DOS

SANTOS

Coordenadora desta ediçãoROSANA CRISTINA ZANELATTO SANTOS

Editor de ArteLUCIANO SERAFIM

O jornalismo volta a ser o tema central daRevista Arandu, que nesta edição apre-

senta uma entrevista com o jornalista Clóvisde Oliveira, atuante há trinta e cinco anos namídia regional e que agora inova com o lan-çamento do DouraNews, um portal de notíci-as que promete fazer a diferença.

No rol de discussões sobre a mídia temoso artigo “24 horas de jornalista on-line: So-bre as fontes dos sites de Dourados”, escritopelo pesquisador Helton Costa e o trabalhoda professora do curso de jornalismo daUnigran Érika Patrícia Batista, que fala sobre“O menino e a árvore: uma análise da fo-tografia por meio do percurso gerativo dosentido na manifestação visual”.

Ainda nesta edição temos os artigos “Me-mórias de um Sargento de Milícias: uma nar-rativa rueira”, escrito por Alfredo lima e IveteWalty, ambos da PUC Minas; “Público e pri-vado em As Meninas, de Lygia FagundesTelles”, do professor da UFGD Rogério SilvaPereira; “A Historiografia e o Ensino daHistória”, escrito pelo filósofo Sidiclei Ro-que Deparis, e finalmente, o cientista socialRogério Fernandes Lemes escreveu o texto“O Juizado Especial Criminal da Comarcade Dourados: Um estudo sobre o perfil so-cial dos casos”.

Desta forma, a Revista Arandu cumpre oseu papel social de difusor da produção cien-tífica brasileira com a publicação de excelen-tes textos que, sem sombra de dúvida, são re-sultado do árduo trabalho de pesquisadores eintelectuais que contribuem com a ciêncianacional.

Nicanor CoelhoEditor

CARO LEITOR

EDITADO POR

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• CAPES - Classificada na Lista Qualiswww.capes.gov.br

• ISSN - International Standard Serial Number

• Latindex - www.latindex.org

• GeoDados - www.geodados.uem.br

Ano 13 • No 54 • Nov.-Dez./2010-Jan./2011 SUMÁRIO[

]INDEXAÇÃO

Entrevista:Clóvis de Oliveira ................................................................................................ 5

24 horas de jornalista on-line:Sobre as fontes dos sites de Dourados ..................................................... 11

Helton Costa

O menino e a árvore: uma análise da fotografiapor meio do percurso gerativo do sentidona manifestação visual ..................................................................................... 28

Érika Patrícia Batista

Memórias de um Sargento de Milícias: uma narrativa rueira ........... 43Alfredo LimaIvete Walty

Público e privado em As Meninas, de Lygia Fagundes Telles ............ 55Rogério Silva Pereira

A Historiografia e o Ensino da História .................................................. 68Sidiclei Roque Deparis

O Juizado Especial Criminal da Comarca de Dourados:Um estudo sobre o perfil social dos casos ............................................... 73

Rogério Fernandes Lemes

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Clóvis de OliveiraENTREVISTA

após 35 anos de jornalismo, inovacom o lançamento do site DouraNews

O jornalista Clóvis de Oliveiraem frente ao escritóriodo DouradosNews.

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Depois de três décadas e meia deárduo trabalho o jornalista Clóvis

de Oliveira inova com o lançamento doportal de notícias DouraNews com aintenção de ocupar os espaços ainda vaziosna mídia regional e proporcionar umanova visão do fazer jornalístico.

Nesta entrevista exclusiva a RevistaArandu, Clóvis fala da sua carreira, daimportância da formação universitáriapara o exercício da profissão e faz umaanálise da imprensa regional desde á épocadas linotipos até o advento da internet.

Para Clóvis “evoluíram, dialeticamente,conceitos e formas de se praticar a carreira.Precisamos mudar, urgentemente, otratamento que se era dado aos princípiosda formação de quem atua nessa área”

O jornalista acredita que “acabou aexclusividade da notícia, e é justamenteisso que muitos ainda não se aperceberam.É chegado o momento da responsabili-dade social e do compromisso com o velhoe bom princípio que vem do berço”.

Clóvis acrescenta que “enquanto nãonos apoderarmos do que existe de maisevoluído nas relações interinstitucionais,e exercitar a independência da informaçãodesatrelada da ‘independência’ hipocrita-mente alardeada por alguns, ainda vamosviver esse dilema, onde o fator econômicoacaba ditando pautas”.

Sobre o DouraNews o jornalista afirmaque vê “essa nova proposta para a qual fuiconvidado como colaborador como asíntese da persistência. O mesmo ideal quemarcou um nome — Primo FioravanteVicente, o septuagenário fundador doDouradosNews, e quem me convidou adescortinar o desconhecido do novato

jornalismo on line na década de 90 — movea nascente caminhada do Douranews, hojeassimilando lições e exemplos colhidos aolongo do tempo”.

Por fim ele analisa que “exercer acarreira, seja nas redações ou nos escri-tórios de comando, deve ser um exercíciode aprendizado constante, especialmentequando se tem a necessária compreensãodo nosso tamanho diante da grandeza doque ainda está por vir”.

REVISTA ARANDU: Em seus maisde trinta anos de jornalismo em Doura-dos como você analisa o comportamentoda mídia neste período?

CLÓVIS DE OLIVEIRA: Penso quedevemos analisar essas três décadas e meiade atuação — para ser mais exato — sobtrês eixos. Inicialmente, fazer jornal lá nocomeço da carreira podia ser consideradocomo apenas a conquista de um emprego.Aliás, tantos hoje ainda não vêem ojornalismo como pura e simplesmenteemprego! Da metade da carreira emdiante, percebe-se um maior grau de com-prometimento, até porque começam a seconstituir ‘fontes’ e, até em respeito a elas,o trabalhador da Comunicação vê-semovido a prestar contas pelo empregoque conquistou. No estágio atual, predo-mina o gosto, o amor, o apego, pela car-reira. O desafio de, a cada dia, conquistarum novo espaço e emprestar a suacontribuição, como agente responsá-velpelas transformações, para a constru-çãode uma nova mentalidade. A Mídia, nocontexto global, deixou de ser o berço dapaixão acalorada dos iniciantes para setransformar, lamentavelmente, na trin-

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cheira de quem briga pelo melhormarketing, e não o melhor produto.

REVISTA ARANDU: O que evoluiue o que precisa ser mudado?

CLÓVIS DE OLIVEIRA: Evoluíram,dialeticamente, conceitos e formas de sepraticar a carreira. Precisamos mudar,urgentemente, o tratamento que se eradado aos princípios da formação de quematua nessa área. Se lá no começo, saudo-sismos à parte, havia a preocupação como emprego e depois o amor pela atividade,hoje devemos combater o comodismo quecomeça a tomar conta de quem já se julga‘no limite’ e, paradoxalmente, o ímpetodaqueles que estão chegando e acham quevão reinventar a ‘revolução mundial’. Ainexigibilidade do diploma profissionalvem delimitar esse novo tempo. Daqui prafrente, resumidamente, só devem prevale-cer os bons, no sentido da capacidadetécnica aliada ao talento natural inerente àatividade.

REVISTA ARANDU: Das antigasmáquinas de linotipo com chumbo quente

até a era da internet, o que mudou nofazer jornalismo em Dourados?

CLÓVIS DE OLIVEIRA: É precisoadmitir o empobrecimento da busca pelanotícia. Esse é o ‘pecado’ da internet. Senos tempos do chumbão havia a corridapela notícia quente, literalmente, sem apressa em concluir a reportagem, hoje o“control-C/control-V” abrevia a coberturajornalística e encurta a competência, demodo que os bons trabalhos de conteúdoacabam sendo recortados de acordo como imediatismo do dia seguinte, quando nãomovidos pelo interesse comercial/cumplicitário, inclusive nos jornalões quese apropriaram das modernas técnicaspara “fechar mais cedo”. Acabou aexclusividade da notícia, e é justamenteisso que muitos ainda não se aperce-beram. É chegado o momento da res-ponsabilidade social e do compromissocom o velho e bom princípio que vem doberço.

REVISTA ARANDU: Qual a con-tribuição do curso de Jornalismo daUnigran neste contexto?

Ao longo de mais de trêsdécadas de jornalismo,Clóvis de Oliveiraatuou em diversas mídias

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CLÓVIS DE OLIVEIRA: A formaçãoprofissional sempre deve ser exaltada.Ainda que não se exija mais o diploma —e nós já antevíamos o final desse filmeantes mesmo de reivindicar às universi-dades locais a criação do curso — oJornalismo da Unigran alia a teoria com oque se pode apreender da boa prática. Esó por esses fatores já é um importantealiado da qualificação mínima que serequer para quem deseja ingressar nacarreira.

REVISTA ARANDU: A relação dosórgãos de comunicação com o podermunicipal e estadual é igual em qualquerlugar, ou Dourados é um caso a parte?

CLÓVIS DE OLIVEIRA: A tendênciadas chamadas cidades do interior doBrasil, especificamente, é de nutrir umapego relativamente mais arraigado comas famosas verbas públicas. E, emboraDourados já esteja ultrapassando oconceito de cidade de médio porte, aindanão conseguiu superar os limites dointeriorano. O fator cultural é decisivonesse sentido. Enquanto não nos apode-rarmos do que existe de mais evoluído nasrelações interinstitucionais, e exercitar aindependência da informação desatreladada ‘independência’ hipocritamentealardeada por alguns, ainda vamos viveresse dilema, onde o fator econômico acabaditando pautas...

REVISTA ARANDU: O jornalismoimpresso está chegando ao fim?

CLÓVIS DE OLIVEIRA: Da mesmaforma que se dizia que o surgimento doscanais de TV e a rádioweb marcariam o

sepultamento da radiodifusão pura esimples, pelas tradicionais ondas magné-ticas, penso que o impresso ainda tem umaboa sobrevida pela frente. Afinal, quandocomeçamos todos a manipular o compu-tador, até imaginávamos que seria possíveleconomizar mais papel e o que vemos éjustamente o contrário; salvamos o arqui-vo e, por via das dúvidas, ainda impri-mimos o original, às vezes em mais de umacópia!

REVISTA ARANDU: O que se apren-deu com o jornalismo feito na internet?

CLÓVIS DE OLIVEIRA: Aosinternautas — leitor da notícia feita nainternet — possibilitou-se a comodidadede só ler a notícia, ou parte dela, demaneira mais ágil e dinâmica. Ou seja, sóvou abrir o arquivo que me interessar! Jáos fazedores da notícia, estes sim aindatêm que aprender a conviver com links,hiperlinks, hipertextos, infográficos eoutras modernidades, em que pese osvinte anos de história da Internet brasileira.Mas, sem dúvida, estamos todos diantede um gostoso desafio, na busca pelo no-vo. E, se soubermos otimizar as ferramen-tas oferecidas, haverá uma saudávelinteração entre as partes.

REVISTA ARANDU: O avanço datecnologia, a criação de nova mídia e asociedade do descartável prejudica o bomjornalismo?

CLÓVIS DE OLIVEIRA: Penso queaqui reside o novo, e vantajoso, diferencialpara quem deseja iniciar ou mesmopermanecer na carreira. Ou nos adap-temos às inovações, absorvendo o que se

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produz em termos de acrescentar o ‘algomais’ no resultado final de um trabalho,ou seremos nós os descartáveis. Afinal,historicamente, sempre haverá a socieda-de do descartável, porque é ela queimpulsiona a nova criação, a sagacidadeda busca pelo novo e a produção com maisqualidade, empenho, dedicação, serie-dade...

REVISTA ARANDU: Você acha quea profissão de jornalista, a exemplo dosjornais impressos, corre perigo?

CLÓVIS DE OLIVEIRA: Se vocêpartir do pressuposto de que a profissãoestá sendo, simploriamente, entendidacomo emprego, provavelmente estamosa caminho do desconhecido. Mas, enten-dendo o jornalismo como carreira, a partirdo talento natural e da capacidade de agircomo escritor narrador dos fatos, semprehaverá uma engrenagem a girar a históriado mundo e, por conseguinte, a nossahistória e as nossas histórias.

REVISTA ARANDU: Depois depassar pelas redações dos mais impor-tantes jornais impressos de Dourados,você embarcou no jornalismo on lineatravés do DouradosNews. Como vocêencarou esta transição?

CLÓVIS DE OLIVEIRA: Com omesmo espírito ávido a desafios quesempre moveram a minha trajetória. Éverdade que substituir a notícia dojornalismo factual, do dia seguinte — poisnos impressos o que acontece hoje só élevado ao público amanhã — pelo imediatoe o ineditismo do agora, em tempo real,exige um pouco mais de sincronismo,

poder de síntese até e mesmo a neces-sidade de apurar os fatos desse momentocom sobriedade para que o mundo — essaé a distinção entre o jornal impresso dealcance delimitado pelos veículos on lineque se expandem pela rede mundial decomputadores — não venha nos crucificartambém em tempo real.

REVISTA ARANDU: Agora com olançamento do mais novo empreendi-mento midiático de Dourados, o Doura-news, quais são seus planos?

CLÓVIS DE OLIVEIRA: Vejo essanova proposta para a qual fui convidadocomo colaborador como a síntese dapersistência. O mesmo ideal que marcouum nome — Primo Fioravante Vicente, oseptuagenário fundador do Dourados-News, e quem me convidou a descortinaro desconhecido do novato jornalismo online na década de 90 — move a nascentecaminhada do Douranews, hoje assimi-lando lições e exemplos colhidos ao longodo tempo. Aqui é possível comparar anotícia com o comentário, distinguir ojornalismo do agora com a opinião dequem participa desse momento e, na exataproporção desse novo tempo, contribuirpara a descoberta de novas formas de sefazer jornalismo na internet.

REVISTA ARANDU: O que repre-senta o Douranews para o jornalismo deDourados e Mato Grosso do Sul?

CLÓVIS DE OLIVEIRA: Um novoconceito em termos de formatação e depostagem do conteúdo. Além da intera-tividade proposta através de canaisvoltados à participação cada vez mais ativa

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e intervencionista do internauta, oDouranews oferece atrativos de navegaçãocapazes de prender o leitor por muito maistempo no site. A cada notícia lida, existeum chamamento a outras editorias, comum colorido baseado nas formas maisatuais de diagramação do jornalismo online. Isso tudo aliado ao compromisso como abrandamento do conteúdo local eregional, buscando, sobretudo, realçar aproposta de informação focada na ver-dade, ou seja, já que não existe mais anotícia com exclusividade como algunsainda insistem em perseguir, no Doura-news existe o compromisso com a isençãoe a publicação do conteúdo somente apósa máxima verificação das informaçõesrecebidas.

REVISTA ARANDU: Como jorna-lista concursado da Prefeitura de Doura-dos, pretende continuar no serviçopúblico?

CLÓVIS DE OLIVEIRA: Antiga-mente, costumava-se dizer que aprovaçãoem concurso público era a certeza de umaaposentadoria garantida. Depois, concursopassou a sinônimo de acomodação nafunção, transformando esses concursadosem figuras lendárias e ‘imexíveis’. Por issomesmo, sempre defendi o critério decompetência, seja qual for a profissão oucarreira escolhida. E entendo, também,que o fato de possuir um cargo aparen-temente estável não deve servir de escora

para tais tipos de servidores. Assim, àmedida que julgar tenha dado minhacontribuição ao Serviço Público, comlisura, lealdade, retidão e comprometi-mento, não teria nenhum óbice emabdicar desse concurso.

REVISTA ARANDU: Qual a mensa-gem que você deixa para a nova geraçãode jornalistas e para os futuros empre-sários do setor?

CLÓVIS DE OLIVEIRA: Jamais sepermita deixar de ousar e acreditar.Quando busquei ser repórter de rádio edepois jornalista de vários veículosimpressos, nem se cogitava a possibilidadeda invenção do celular, do computador emuito menos da máquina elétrica dedatilografia. Esses recursos foram chegan-do, se estabelecendo e sendo superadospela internet, os note e os net books, atransmissão por fibra ótica, a uma veloci-dade cada vez mais aceleradas. Hoje, nóssomos a notícia, cotidianamente, reféns depautas não menos celeremente vencidaspelos fatos novos que se sucedem. Épreciso estar preparado, adquirir estruturae, muito mais que isso, saber assimilar asinovações que brotam por todos os poros.Exercer a carreira, seja nas redações ounos escritórios de comando, deve ser umexercício de aprendizado constante,especialmente quando se tem a necessáriacompreensão do nosso tamanho dianteda grandeza do que ainda está por vir.

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24 HORAS DE JORNALISMO24 HORAS DE JORNALISMO24 HORAS DE JORNALISMO24 HORAS DE JORNALISMO24 HORAS DE JORNALISMOON-LINE: SOBRE AS FONTESON-LINE: SOBRE AS FONTESON-LINE: SOBRE AS FONTESON-LINE: SOBRE AS FONTESON-LINE: SOBRE AS FONTES

DOS SITES DE DOURADOS-MSDOS SITES DE DOURADOS-MSDOS SITES DE DOURADOS-MSDOS SITES DE DOURADOS-MSDOS SITES DE DOURADOS-MS11111

RESUMONesta pesquisa, descrevemos e analisamos quais os veículos de comunicação que

servem como fontes nos web jornais ou sites de jornalismo on-line (expressão que seráutilizada para nos referirmos ao jornalismo praticado na Internet), na cidade deDourados, Mato Grosso do Sul, Brasil. A partir de análise quantitativa, verificaremos seos jornais têm se dedicado produzir conteúdo próprio nos locais onde estão inseridos,ou a reproduzir notícias. A hipótese na qual este trabalho se baseia é a de que os jornaisnão estão se esforçando para produzir esse conteúdo, deixando de lado o papel dojornalismo enquanto construtor de pautas e transformando a profissão em meroreprodutor de conteúdos alheios.

Palavras-chave: Jornalismo on-line – Dourados – Brasil – Mato Grosso do Sul

ABSTRACTIn this study, we describe and analyze what the media outlets that serve as sources in

newspapers or web sites for online journalism (a term that is used to refer to journalismpracticed on the Internet) in the city of Dourados, Mato Grosso do Sul, Brazil. Fromquantitative analysis, we verify that the newspapers have dedicated themselves to producetheir own content in places where they fit, or reproducing news. The hypothesis onwhich this work is based is that newspapers are not striving to produce that content,leaving aside the role of journalism as a builder of staves and turning the profession intoa mere player of unrelated content.

Keywords: Online Journalism - Dourados - Brazil - Mato Grosso do Sul

Helton COSTA2

1 Trabalho apresentado como pesquisa quantitativa para futuras publicações em revistas ejornais de Comunicação.2 Bacharel em Comunicação Social/Jornalismo e pós-graduado em Estudos da Linguagem peloCentro Universitário da Grande Dourados – Unigran e mestrando pela Universidade EstadualPaulista “Julio de Mesquita Filho” – UNESP. E-mail: [email protected]

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INTRODUÇÃO

Este artigo busca analisar de que ma-neira o jornalismo on-line vem sendopraticado na região de Dourados, MatoGrosso do Sul, investigando através deanálise quantitativa o número de notíciasque são produzidas pelas próprias em-presas de comunicação do setor instala-das na cidade.

O tema foi escolhido porque ainda hápoucos estudos na área de comunicação ejornalismo de Internet nessa linha emDourados, uma vez que poucos autoresescreveram sobre o tema. Assim, o traba-lho partirá da análise sobre o que vem aser jornalismo on-line, passando depoispor uma breve conceituação de jornalis-mo regional, Dourados e finalizando a in-terpretação dos dados quantitativos.

1. NOTICIABILIDADE NA ERADO JORNALISMO DIGITAL EM

DOURADOS

1.1 Notícia e noticiabilidadedos fatos

MOREIRA (2006) explica que notícia équando um “fato deixa o cotidiano da vidapara ingressar no universo simbólico”, eque ao transformar os fatos em notícia, aatividade jornalística diz o que deve e oque não deve ser de conhecimento da co-letividade. (MOREIRA, 2006:08).

Quem tem o papel de definir o que énoticia e que não é, são os “os proprietári-os dos veículos, que definem a políticaeditorial de acordo com os objetivos ideo-lógicos e econômicos; os jornalistas e asfontes / promotores de noticia e o públi-co”. (MOREIRA, 2006:09).

De maneira simplista pode-se definiro processo de produção da notícia da se-guinte maneira segundo TORQUATO(2006).

Veja o diagrama Processo de produçãoda notícia, na página 13.

Para SHOEMAKER, os critérios denoticiabilidade que deveriam ser seguidospor quem produz a notícia seriam “opor-tunidade, proximidade, importância, im-pacto ou conseqüência, interesse, conflitoou controvérsia, negatividade, freqüência,dramatização, crise, desvio, sensacionalis-mo, proeminência das pessoas envolvidas,novidade, excentricidade e singularidade(algo pouco casual)”. (apud SOUSA,2002:96).

MOREIRA (2006) explica como sãoproduzidas as notícias de um modo geral,dizendo que toda notícia em certo pontodepende da visão do jornalista sobre oassunto e dos interesses envolvidos.

Concebemos a notícia como umaconstrução social (Paradigma Constru-cionista), isto é, como resultado de umprocesso, o jornalismo tem uma auto-nomia relativa em relação a outroscampos, como a política e a econo-mia. Isso significa que, na relação dasnotícias, ora os jornalistas agem sob ainfluência de uma cultura e identida-de próprias — que dizem o que é etambém o que não é notícia — oraagem segundo seus interesses exter-nos ao campo e arbitrariedades do po-der. (Moreira,2006:14)

Já VIZEU(2006) diz que a notícia é umespelho e a construção social da realidade.

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Fato surpreendente

Jornalista

Abdução

3

Observação Inferência

Explicação

Construção de ícone hipotético mais plausível

Pauta

Apuração da informação

Redação da Notícia

PROCESSO DE PRODUÇÃO DA NOTÍCIA

Fonte: TORQUATO (2006)

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De uma maneira geral, sem a preocu-pação de aprofundarmos o tema, po-demos resumir as definições de jorna-lismo e notícia a partir de dois gran-des grupos: os que defendem a notíciacomo um espelho da realidade e aque-les que concebem a notícia como umaconstrução social da realidade. (VIZEU, Alfredo. 2006:01)

Tuchman (1993) defende que “a notí-cia não espelha a realidade. Para a autora,a notícia ajuda a constituí-la como um fe-nômeno social compartilhado, uma vezque no processo de definir um aconteci-mento a notícia define e dá forma a esteacontecimento. Ou seja, a notícia está per-manentemente definindo e redefinindo,constituindo e reconstituindo fenômenossociais”. (VIZEU, 2003:01)

É VIZEU quem vê o trabalho jorna-lístico como algo mais que somente escre-ver, ele fala que a tarefa é muito maior.

Entendemos que a construção da no-tícia não se reduz a uma mera técnica,a simples mobilização de regras e nor-mas fornecidas pelos manuais de re-dação ou aprendidas no desempenhoda atividade profissional. Acreditamosque tal ponto de vista desconhece adimensão simbólica do trabalhojornalístico. ”(VIZEU, 2003:02)

Neste trabalho será levada em conta ainterpretação que VIZEU faz uso sobre oque é notícia, uma vez que também acre-ditamos que “o trabalho jornalístico é con-cebido sempre a partir de mensagens queganham forma de matérias segundo eco-nomias específicas a cada sistema e/ouveículo de comunicação, que produzem

dimensões classificatórias da realidade”, eque a notícia atua como fonte dememória.”(VIZEU, 2003:06).

“Jornalismo é informar. Jornalismo é,antes de tudo, informação bem en-tendido de fatos atuais, correntes, quemereçam o interesse público, porque,informar sobre fatos passados, é fazerhistória e o jornalismo, como assinalaRafael Mainar, “é a história que passa”.(BELTRÃO, 1992, p. 65)

Outro autor, MOREIRA (2006) analisano livro “Teorias del periodismo —Comose forma el presente”, de 1991, explica comosão feitas as seleções das notícias e seusconceitos. Ele diz que “fatos jornalísticossão unidades independentes em que a re-alidade se fragmenta e através das quaisela pode ser captada”, logo, completa oautor, “as notícias nada mais são do que osfatos elaborados, redigidos e comunica-dos”. (MOREIRA, 2006:23).

Assim a notícia muito mais que umamontoado de palavras ligadas por ver-bos e preposições, é na verdade um espe-lho da realidade presente, de modo queum fato noticiado por um veículo de co-municação ganha forma e deixa de seralgo impalpável, para tornar-se algo crívele um relato fidedigno ou não da realidadeque é formado pelo jornalista de formaconsciente ou não e que acaba certas ve-zes por interferir na realidade da socieda-de. (POSADA, 1992:123)

1.2 O sujeito e o jornalista nodiscurso Jornalístico

O discurso jornalístico o sujeito (fon-te) pode se apresentar de várias maneira

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para ser transformado em ator dos fatos,que depois de trabalhados como dissemosacima se transformarão em notícias.

Segundo MACHADO & JACKS(2006), o sujeito deve ser o narrador dosfatos e cabe ao jornalista dar voz a ele, noentanto, em meio às matérias que produzo jornalista deixa transparecer muitas ve-zes sua própria opinião até chegar a umponto que ele tem a certeza de que o su-jeito realmente foi o interlocutor daquiloque ele escreveu, quando na verdade oque está escrito é a opinião do jornalista enão da fonte que está presente no texto.(MACHADO & JACKS, 2006:4)

O jornalista como formador da notí-cia pode ainda apagar o sujeito da notícia,através de um processo de esquecimentoque intencionalmente ou não tenta apa-gar o direito à fala que pertence ao sujeito.

No segundo tipo de esquecimento, osujeito apaga a noção de que seu dis-curso nada mais é do que a escolha dedeterminadas estratégias de expressão.É o chamado processo de denegação.Escolho uma forma, em detrimentode outra. Dou lugar a um dito, recu-sando um não-dito. Tudo que é ditode um modo poderia ser dito de outro,senão oposto, ao menos distinto. Osujeito esquece que fez uma escolha,mas poderia ter feito outra. Esse apa-gamento também é necessário à so-brevivência psíquica do indivíduo, esua evidência permanente seriaimobilizadora. O esquecimento é par-te constitutiva da ação discursiva dosujeito e confirma a noção de que tododiscurso é o encontro de muitas vozes— não apenas as que falam em nomedo sujeito, mas também, e muitas ve-

zes especialmente, as que não falam.O silêncio, diz Eni Orlandi, é essenci-al à formação dos sentidos. (MACHA-DO & JACKS, 2006:5)

Durante a produção de matérias o jor-nalista tem ainda como escrever para di-ferentes públicos o mesmo texto, que de-pendendo da maneira como o sujeito éencaixado na matéria, pode ser elevadoou rebaixado no contexto de importância.

“Há um leitor virtual inscrito no tex-to. Um leitor que é constituído no pró-prio ato da escrita. Em termos do quedenominamos ‘formações imaginári-as’ em análise de discurso, trata-se aquido leitor imaginário, aquele que o au-tor imagina (destina) para seu texto epara quem ele se dirige. Tanto podeser um seu ‘cúmplice’ quanto um seu‘adversário’” (ORLANDI, 1193, p. 9).

Este público leitor dependendo daabordagem que recebe o sujeito da maté-ria por parte do jornalista tende a estabe-lecer uma relação de “amor e ódio” com ojornalista.

É interessante observar que o leitor“real” também tem que se relacionarcom esse leitor virtual inscrito no tex-to. O leitor estabelece com os jorna-listas uma relação de confiança ou des-confiança, admiração ou desprezo.Pode ser, como diz Orlandi, um cúm-plice ou um adversário. Além disso,estabelece com aquele leitor imagina-do, residente no texto, uma relaçãode identificação ou não. Se o texto émuito hermético ou excessivamenteespecializado, o leitor pode desistir dele

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por não se identificar com “aquele lei-tor para quem aquele texto foi produ-zido” (MACHADO & JACKS,2006:7)

Ao produzir a matéria para o leitor, ojornalista passa a idéia de que aquilo queele escreve é algo verossímil e é exatamen-te por isso que no processo de produçãoda matéria a abordagem que o jornalistadá aos fatos deve ser cuidadosa.

Lemos as notícias acreditando que elassão um índice do real; lemos as notíci-as acreditando que os profissionais docampo jornalístico não irão transgre-dir a fronteira que separa o real da fic-ção. E é a existência de um ‘acordo decavalheiros’ entre jornalistas e leitorespelo respeito dessa fronteira que tornapossível a leitura das notícias enquan-to índice do real e, igualmente, con-dena qualquer transgressão como ‘cri-me’. (TRAQUINA, 1993:168)

1.3 Breve histórico sobre oJornalismo Digital

O conceito de Internet é uma tecnologiaaparentemente nova. O site www.aisa.com.br,diz que os “primeiros registros de intera-ções sociais que poderiam ser realizadasatravés de redes foi uma série de memo-randos escritos por J.C.R. Licklider, do MIT- Massachussets Institute of Technology,em agosto de 1962, discutindo o conceitoda ‘Rede Galáxica’”.

A idéia de interligar computadores eraantiga e em 1962, baseados neste concei-tos os estudos na área foram avançando.

Leonard Kleinrock, do MIT, publicouo primeiro trabalho sobre a teoria detrocas de pacotes em julho de 1961 e oprimeiro livro sobre o assunto em1964. Kleinrock convenceu Robertsda possibilidade teórica das comuni-cações usando pacotes ao invés de cir-cuitos, o que representou um grandepasso para tornar possíveis as redes decomputadores. O outro grande passofoi fazer os computadores seconversarem.”(site Aisa, 2006)

“Em 65, Roberts e Thomas Merrill con-seguiram conectar um computador TX-2em Massachussets com um Q-32 naCalifórnia com uma linha discada de bai-xa velocidade, criando assim o primeirocomputador de rede do mundo”, uma pré-via do que hoje conhecemos comoInternet. (Aisa, 2006)

O primeiro sistema que reunia com-putadores de um mesmo grupo foramadicionados a um servidor único, chama-do ARPANET, que em 1972 foi bem rece-bida no meio cientifico após uma demons-tração de sucesso. Em julho do mesmoano, o que conhecemos hoje como e-mailfoi aperfeiçoado com estudos que possi-bilitaram “um programa para listar, lerseletivamente, arquivar, encaminhar e res-ponder a mensagens”. (Aisa, 2006).

Depois os estudos foram avançandoaté chegarmos ao atual patamar de de-senvolvimento. MÜLLER fala um poucosobre como estes avanços estão afetandoo jornalismo.

O acesso às informações de outros lo-cais ficou mais fácil para as pessoas quetêm a possibilidade de se conectarem àInternet. Quando é feita essa conexão,

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os leitores têm acesso a veículos de qual-quer lugar do mundo. Isto não seriapossível sem a ajuda da Internet, poispara que isso pudesse acontecer, alguémteria que ir até este país buscar o jornalpara que ele pudesse ser lido, ou depen-deria dos serviços de correios interna-cionais aéreos. Com isto, demorariamuito tempo e faria com que a infor-mação chegasse às mãos do indivíduo,ultrapassada. Quem navega na Internetpode observar que alguns jornais inter-nacionais disponibilizam notícias emvários idiomas, primeiramente inglês eespanhol.(MÜLLER, 2006:02)

Segundo MÜLLER “o boom dos diári-os digitais foi entre 1995 e 1996”. (MÜLLER,2006:02)

Em Dourados, esse “boom” foi de 2000a 2004, sendo o Dourados News, o primei-ro a ser fundado nos moldes dos grandesportais do país. No mundo, segundoMÜLLER, alguns dos primeiros jornaisdigitais são o The Nando Times (1994) e oThe San Jose Mercury Center, disponibili-zado na web no início de 1995, ambos dosEstados Unidos.

“A iniciativa foi de um grupo de em-presários que teve a idéia de distribuirnotícias na Internet, por causa da ra-pidez de difusão da informação. (QUA-DROS, 2002:07)

O Jornal do Brasil foi o primeiro a fa-zer uma cobertura completa no espaçovirtual no país em 1995. Ele foidisponibilizado integralmente na web em28 de maio, seguido por Zero Hora, dogrupo RBS, em junho do mesmo ano“.(MÜLLER, 2006:05).

1.4 Jornalismo on-line:função e características

Para PÁLACIOS e MACHADO é cadavez mais a função do jornalismo on-lineresgatar a “Memória Histórica” da socie-dade. Eles até dão como uma idéia paraque no futuro seja feita a digitalização deperiódicos, programas de rádio e TV eoutros, como forma de preservar a histó-ria. Eles citam os exemplos dos jornais NewYork Times, nos Estados Unidos e O Esta-do de São Paulo. (MACHADO &PALACIOS, 2006:27)

O jornalismo on-line, que estaria ago-ra passando por uma terceira fase de evo-lução conforme explica PÁLACIOS (2003).A primeira fase teria sido o da reprodu-ção de partes dos grandes jornais impres-sos na Internet (MACHADO, 2003: 49).

Na segunda geração ainda segundo aautora, o modelo tradicional ainda foimantido mas com alguns implementosespecíficos do Jornalismo On-line, comoferramentas interativas “e-mail, para co-municação entre jornalista e leitor; fórunsde debates; surgem as seções como últi-mas Notícias” (MACHADO, 2003: 49)

Agora na terceira geração é PÁLACIOS(2006) quem define o “new journalism on-line”, onde os sites “ultrapassam a idéia deuma versão para a web de um veículo jáexistente e empresas jornalísticas são cri-adas não mais em decorrência de uma tra-dição do jornalismo impresso” (TORQUA-TO, 2006:33)

“Aparecem recursos como “som e ima-gens em movimento, recursos deinteratividade, como os chats com aparticipação de personalidades públi-cas, enquetes, fóruns de discussões;

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opções para configuração dos produ-tos de acordo com os interesses do usu-ário; utilização do hipertexto não ape-nas como recurso de organização dosite, mas “como possibilidade na nar-rativa jornalística de fatos”, e por últi-mo, mas não menos importante, aatualização contínua do jornal e nãoapenas na seção últimas notícias”.(TORQUATO, 2006:33)

Este novo jornalismo tem que ser fei-to para leitores apressados. “A orientaçãodo autor para quem escreve material paraa web é evitar textos longos, com mais deduas telas, e se possível quebrar a históriaem tópicos criando um texto em camadas(links), permitindo assim uma leitura nãolinear da notícia. Estes textos devem teraté quatro blocos com 75 palavras cada,em média. (Torquato,2006:45).

Moretzsohn (2000) explica que devidoà alta velocidade do cotidiano das pessoascausado pelo capitalismo e pelas ferramen-tas tecnológicas, e entre elas o computa-dor, o sujeito tende a ter um ritmo tam-bém acelerado e leva isso para todos osseus campos de vida, inclusive para a bus-ca de informações, e por isso quando eleacessa um site ele quer que o conteúdoseja direto e conciso. Assim “os jornaisaumentam o número de erros tipográfi-cos no momento que implantam proces-sos computadorizados de produção dejornal” (SERVA, 2002, p. 105).

É por isso que o jornalista se apressaem atender seu leitor, mas isso segundoMORETZOHN (2002) aponta alguns pos-síveis problemas na transmissão de infor-mação que esta pressa pode causar dentrodo conteúdo produzido nas redações de jor-nalismo on-line. Ele explica que a pressa,

“Obriga o repórter a divulgar infor-mações sobre os quais não tem certe-za, reduz, quando não anula, a possi-bilidade de reflexão no processo deprodução da notícia, o que não ape-nas aumenta a probabilidade de errocomo, principalmente e mais grave,limita a possibilidade de matérias comângulos diferenciados de abordagem,capazes de provocar questionamentosno leitor; e talvez mais importante,praticamente impossibilita a amplia-ção do repertório de fontes, que pode-riam proporcionar essa diversidade”.MORETZOHN (2002).

Para completar a pressão de ter queproduzir matérias com rapidez para umpúblico apressado, MACIEL (2006) citaainda outros fatores que podem colabo-rar para possíveis equívocos durante aprodução de matérias.

“As pressões que o jornalista recebe paraa produção dos textos; a falta de profis-sionais que tenham condições de esta-belecer uma leitura crítica da realidadee até mesmo os péssimos salários daárea e o comprometimento das empre-sas jornalísticas com diversas áreas deinteresse econômico”. (MACIEL, 2006)

O perfil do leitor é de alguém que nãochega a ler um título inteiro sequer e sóabre uma notícia na página quando issorealmente o chama atenção, mas quandoabrem, lêem até o final. Logo o jornalis-mo on-line deve obedecer a uma série depré-requisitos que segundo o Grupo dePesquisas em Jornalismo On-line da Uni-versidade Federal da Bahia são caracterís-ticas básicas do web jornalismo.

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Glocalidade

Apetência pela profundidade

através da navegabilidade

Instantaneidade

Hipertexto

Personalização

Hipermédia

Interactividade

JORNALISMO ON-LINE

Para explicar este diagrama, TOR-QUATO (2006) usa os seguintes argumen-tos:

• “Interatividade que é a possibili-dade de o receptor participar e inte-ragir com o jornal e até de noticiar efuncionar como fonte de informação;deste modo, assiste-se a um nivela-mento do jornalista com o leitor;• Hipertexto, ou seja, a possibilidadede se estabelecerem sucessivamente li-gações entre textos e outros registos,o que torna o consumo informativoindividualizado;

• Hipermédia, que é a união numúnico suporte de conteúdos escritos,sonoros e imagéticos, sejam as ima-gens fixas ou animadas;• Glocalidade, ou seja, fabrico localmas alcance mundial;• Personalização, ou seja, a possibili-dade de o leitor interagir sobre a for-ma e o conteúdo do jornal, para con-sumir unicamente o que quer e comoquer, dentro dos condicionalismos dosoftware; os alertas noticiosos, o rece-bimento de um jornal a la carte, o re-cebimento de newsletters, etc. podemincluir-se na personalização;

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• Instantaneidade, ou seja, a possi-bilidade de as notícias serem transmi-tidas no momento em que são finali-zadas ou em directo;• Apetência pela profundidadeatravés da navegabilidade, ou seja,a possibilidade de o utilizador aprofun-dar a informação consumida nave-gando pela Internet de site em site ede página em página, usando hiperli-gações.” (TORQUATO, 2006: 45).

SOUZA (2006) descreve que o jorna-lismo on-line possibilitou a segmentaçãodas informações e o uso das novas ferra-mentas que a Internet oferece facilitou aojornalista praticar sua profissão com o usode ferramentas que possibilitamaprofundar os assuntos e contextualizá-los. (SOUZA, 2006:1-2)

O jornalismo também encontrou naInternet uma nova fonte de informa-ções e uma ferramenta de investiga-ção e de interatividade com fontes ereceptores. Mas a Rede das Redes gerafenômenos para-jornalísticos (como odos weblogs) e está, igualmente, areconfigurar o espaço público e a rou-bar ao jornalista o seu quase monopó-lio de seletor da informação que passae não passa para o público. A Internetpotenciou, ainda, o problema da so-bre-informação e levantou novos pro-blemas, entre os quais os problemasligados à credibilidade e identidade dasfontes, à defesa das línguas e das cul-turas, aos direitos de autor e à defesa esegurança dos próprios cidadãos, dassociedades, dos estados e da comuni-dade internacional. A Internet temtambém aumentado a tendência para

a segmentação da informação, já no-tada noutros meios, e permite consu-mos personalizados de conteúdos (in-formação a la carte). Porém, a passa-gem de um modelo de comunicaçãomassiva para um modelo de comuni-cação essencialmente segmentada,personalizada, não se está a desenvol-ver tão rapidamente como osacadémicos, há vinte anos (Tofler,1984) ou mesmo há menos de dez anosatrás (Negroponte, 1996), julgavamque poderia acontecer. (SOUZA, Jor-ge Pedro, 2006:1-2)

Para facilitar o acesso dos internautasTORQUATO (2006) afirma que o site no-ticioso deve ser de simples acesso, ter bo-tões e links específicos para que o lietor sesinta à vontade em navegar e buscar a “in-formação rápida” que necessita

O link deve ainda acessar diretamentea notícia detalhada: uma foto de umfestival, deve linkar com a notícia dofestival, e não com a editoria onde estáincluída aquela notícia. Os links de-vem ainda ser fáceis de visualizar, seminstruções como “clique aqui” ou pa-lavras genéricas como “outras infor-mações ou mais” no final da lista.Outra dica é não usar a palavra linkpara indicar um link, a palavra maissignificativa da frase deve ser usadacomo link e estar diferenciada das de-mais. (TORQUATO, 2006:44)

1.5 Jornalismo on-line emDourados e acesso à Internet

Dourados é a segunda maior cidadedo Estado de Mato Grosso do Sul, sua

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população passa hoje, segundo cálculos doInstituto Brasileiro de Geografia e Estatís-tica - IBGE, de 196mil habitantes. Está lo-calizada no sul do Estado a 260 km da ca-pital Campo Grande, e o jornalismo on-line existe há pouco mais de sete anos.

Na região de Dourados, a prática dojornalismo on-line só chegou entre 2000 e2004 e continua se expandindo, com sitescriados até em 2009. No interior do MatoGrosso do Sul, o Dourados News, foi o pri-meiro a ser fundado nos moldes dos gran-des portais que já existiam no país. (COS-TA, 2007, p.24)

Por falta de números precisos quantoao acesso à Internet na cidade, utilizamosaqui as estatísticas do IBGE3 que informamque o Brasil chegou a 73 milhões deinternautas em maio de 2010, dos quais,6,1% seriam da Região Centro-oeste, ondeestá Dourados.

No Brasil, segundo dados da pesquisa“Hábitos de Informação e Formação deOpinião da População Brasileira4 “, da Se-cretaria de Comunicação (Secom) da Pre-sidência da República, 47,7% dos inter-nautas disseram se informar pela web e6,5% consideram as informações daInternet o meio de comunicação maisconfiável de todas as mídias.

2. ANÁLISE

Para realização da análise, foi utilizadoum método quantitativo baseado emMarques de Melo (1987). Na época, paraanalisar quanto de espaço era destinado adeterminado assunto em um veículo de

comunicação (jornal impresso), o pesqui-sador propunha a observação dos resul-tados pela centimetragem, medindo cen-tímetro à centímetro quanto de espaço oassunto estudado recebia nas editorias.(MARQUES DE MELO, 1972, p. 87.).

Em uma análise na Internet esse mé-todo não seria possível, por isso o métodoutilizado neste trabalho foi adaptado eavalia quanto de espaço as principais fon-tes de notícias dos sites dispuseram parainserir suas matérias. Foram escolhidaspara exemplificarem as fontes de notícias,as contribuilções das assessorias de im-prensa, do site Campo Grande News(www.campograndenews.com.br) ,Mídiamax News (www.midiamax.com.br),G1 (g1.com.br), Folha de São Paulo(folhaonline.com.br), Uol (uol.com.br),Produções próprias dos jornais e outrossites que foram usados como fontes..

Assim como Marques de Melo (1972)fez, foi escolhido um dia qualquer, aleato-riamente, para a análise. O dia escolhidopara esta análise está dentro do mês denovembro de 2010, no caso em questão, odia 30, uma terça-feira. Com as notíciaspublicadas entre 00h01 e 23h59 desse dia,primeiramente foi feita a análise quanti-tativa das notícias disponibilizadas nos sitesda cidade, 21 no total.

A partir daí, o material analisado nor-teou as interpretações de quais são as fon-tes do jornalismo douradense. Não seráfeita uma análise qualitativa dos assuntos,pois, o objetivo do trabalho é apontar quaissites foram mais utilizados como fontesnos jornais da cidade de Dourados, por

3 Disponível em http://migre.me/WLVG4 Disponível em http://migre.me/WLVG

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meio de levantamentos numéricos, quan-titativos.

2.1 Levantamento

Foram analisadas 457 matérias dossites: Dourados News, Dourados Agora,Dourados Informa, MS Já, Mídia Flex, MeuMS, Folha do MS, Folha de Dourados,Exportiva, Notícias da Hora, Fato News,Agora MS, Gazeta Popular MS, Gazeta MS,Conesul Esportes, O Progresso, Diário MS,180 Graus, Quarta Coluna, Douranews eDourados Manchete, todos com sede emDourados.

Após análise, chegou-se à conclusãoque as assessorias de imprensa são asmaiores fontes dos jornais douradenses(177 notícias;38,7%), seguidos por outrossites do país que colaboram com 131(aproximadamente 28,6%) notícias e pelaprodução própria dos veículos (65 notíci-as;14,2%). O quadro completo com as in-terpretações pode ser verificado no Ane-xo 1 (página 23).

Se comparadas somente a produçãoprópria dos jornais versus o conteúdo co-piado de outras fontes, a contagem ficariacom 392 notícias copiadas e postadas con-tra 65 produzidas pelos próprios sites.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Assim, é possível dizer com bases nosdados coletados, que as assessorias deimprensa, principalmente do Poder Pú-blico, são as fontes principais do jornalis-mo em Dourados.

Outro fato interessante, é que a maio-ria das produções próprias dos jornais sereferem à Boletins de Ocorrência modifi-cados e transformados em notícia. Por

conta das assessorias de imprensa seremtão influentes, é possível dizer que os sitesestão se tornando cada vez mais vitrinesonde políticos e empresas inserem suasideologias, trazendo à tona um jornalis-mo de mercado, que está mais preocupa-do em se manter, do que em cumprir seupapel social, ainda que em alguns casos osreleases dos jornais sejam de prestação deserviço público, havendo ainda matériasde auto-promoção, disfarçadas de pres-tação de contas.

Peruzzo (2002), já dizia que tais carac-terísticas poderiam ser encontradas comfacilidade em jornais do interior, e esse tra-balho acabou por confirmar tal hipótese.Para ela, três aspectos do jornalismo regi-onal chamam a atenção, quanto àsespecificidades que os meios de comuni-cação do interior do país apresentam. Apesquisadora analisa veículos impressos,mas, os pontos são perfeitamente aplicá-veis também ao jornalismo on-line:

a) Tendência de alinhamentos de for-ças políticas no exercício do poder; b)Em geral muitas redações de jornaisdo interior sofrem com a falta de pro-fissionais qualificados, inclusive jorna-listas práticos sem formação acadêmi-ca; c) Característica predominante-mente de mercado, ou seja, em suamaioria os órgãos informativos ten-dem a ser rentáveis. Em muitos casos,ocupa a maior parte do espaço impres-so em relação ao número de notíciaspublicadas, acarretando uma cobertu-ra inexpressiva de alguns assuntos.(PERUZZO, 2002, p. 19-20)

Seguindo o raciocínio da autora, épossível notar que em Dourados não foi

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diferente dos demais “interiores do Bra-sil”, porém, não é por isso que esses jor-nais deixam de ser importantes, afinal,do seu jeito, transmitem informações,ainda que de outras fontes, para a po-pulação que vive na área de influênciados jornais. Como cita Peruzzo, eles são“meios de comunicação que ao longodos anos vem persistindo na função deportadores da informação local, mesmoexpressando algumas contradições”.(PERUZZO, 2002, p. 73).

Ainda em tempo, é preciso dizer queforam encontrados sites que aparentavamser jornalísticos, mas, que na verdade ser-viam aparentemente, para justificar paga-mentos, uma vez que além de não produ-zirem, ostentavam banners de campanhas

publicitárias de órgãos públicos.Cabe análise futura, ao porque órgãos

públicos investem dinheiro do contribu-inte em sites aparentemente irrelevantesquanto à número de acessos e reconheci-mento público. Fica a hipótese de que al-guém estaria sendo beneficiado nesse pro-cesso.

Fica, portanto, essa análise quantitati-va, como um recorte temporal e local doquadro apresentado pelos sites de Dou-rados, para que novos estudos sobre o quemotiva o descaso com a produção própriapossam ser investigados mais à fundo nofuturo, deixando em aberto o campo paraestudos também qualitativos de como opúblico recebe esse tipo de jornalismo pro-duzido.

ANEXOS

Anexo 1

Site Assessoria CGNews Midiamax G1 Folha Uol Outros Própria Total 1 41 01 02 09 07 13 15 88 2 * * * * * * * * * 3 17 05 10 02 02 04 26 18 84 4 08 01 01 16 09 34 5 13 04 17 6 ** ** ** ** ** ** ** ** ** 7 *** *** *** *** *** *** *** *** *** 8 14 05 05 07 03 22 01 57 9 # # # # # # # # # 10 05 05 11 ## ## ## ## ## ## ## ## ## 12 46 03 02 02 08 01 23 00 85 13 02 01 03 06 14 04 08 12 15 ### ### ### ### ### ### ### ### ### 16 15 08 10 33 17 17 01 14 04 36 18 < < < < < < < < < 19 > > > > > > > > > 20 21 & & & & & & & & & 22 % % % % % % % % % Total 177 15 19 14 22 15 131 65 457

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1. Dourados News2. Dourados Agora3. Dourados Informa4. MS Já5. Mídia Flex6. Meu MS7. Folha do MS8. Folha de Dourados9. Exportiva10. Notícias da Hora11. Fato News12. Agora MS13. Gazeta Popular MS14. Gazeta MS15. Conesul Esportes16. O Progresso17. Diário MS18. 180 Graus19. Quarta Coluna20. Douranews21. Dourados Manchete

Observações:*2 – Sem ferramenta de busca; 35 es-paços, porém, sem busca de notícias.Cinco próprias e 3 colunas.**6 – Mesmo fora do ar, para testes,tinha 37 espaços, todos copiados, sen-do 09 de assessorias***Fora do ar#9 – Sem ferramenta de busca. De 40notícias, 9 eram da prefeitura.##Sem ferramenta de busca, de 15 no-tícias todas eram copiadas### Fora do ar<Fora do ar>Fora do ar& Sem ferramenta de busca, dos 33espaços, oito eram da prefeitura.% Sem ferramenta de busca. Dos 12espaços e da lista imensa que possuisem data, todas eram copiadas de al-guma fonte exterior.

LegendaS: SimN: Não

SITE PREFEITURA CÂMARA TOTAL 1 N N Zero 2 S S 02 3 N N Zero 4 S N Zero 5 N N Zero 6 N N Zero 7 N N Zero 8 N N Zero 9 N N Zero 10 N N Zero 11 N S Zero 12 S S 02 13 S N 01 14 N N Zero 15 N N Zero 16 N N Zero 17 S S 02 18 N N Zero 19 N N Zero 20 S N 01 21 N N Zero

Anexo 2: Lista de patrocinadores do Poder Público

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O MENINO E A ÁRVORE:UMA ANÁLISE DA FOTOGRAFIA

POR MEIO DO PERCURSOGERATIVO DO SENTIDO

NA MANIFESTAÇÃO VISUALÉrika Patrícia BATISTA1

1 Jornalista formada pela Universidade de Marília, especialista em Assessoria em Comunicaçãopela Universidade Federal de Goiás. Mestre em Comunicação Social pela Universidade de Marília(Unimar) - SP

RESUMOO objetivo deste artigo é analisar, a partir da Semiótica Visual Daviliana, a linguagem

fotográfica apreendida da produção de Sebastião Salgado, na obra Êxodos. A fotografiafoi escolhida por apresentar uma mensagem sugestiva à contemplação e à reflexão, ricaem sequências a serem decodificadas. Desse modo, a teoria semiótica da FiguratividadeVisual — especificamente o Percurso Gerativo do Sentido na Manifestação Visual —será um importante instrumento no comando à nossa pesquisa por permitir a articula-ção do sentido no interior do texto, desnudando elementos como: rimas plásticas,rimas poético-míticas, isotopias, síncopa, projeções paradigmáticas, entre outros, cujaelucidação concebemos como pertinente e operatória no decifrar dos códigos quearquiteturam a significação visual. Elaboraremos, dessa forma, uma análise semióticada relação entre os elementos que compõem a fotografia.

Palavras-chave: semiótica; imagem; isotopia; sincopa; análise.

ABSTRACTThe aim of this paper is to analyze, from the Visual Semiotics Daviliana, the

photographic language withdrawn from the production of Sebastião Salgado, Migrationsin the work. The photograph was chosen because display a message suggesting tocontemplation and reflection, to be rich sequences decoded. Thus, the semiotic theoryof figuration Visual — specifically Generative route of Meaning in Visual Expression —will be instrumental in command to allow our search for the articulation of meaningwithin the text, stripping elements such as plastic rhymes, rhyming poetic-mythic,isotopies, syncopation, paradigmatic projections, among others, the elucidation of whichwe conceive as relevant and operative in deciphering codes in architecture to visual

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signification. We will prepare in this way, an analysis semiotic relationship between theelements that compose the shot.

Keywords: semiotics; Image; isotopies; syncopation; nalysis.

INTRODUÇÃO

O objetivo deste artigo é analisar, apartir da Semiótica Greimasiana e da Teo-ria Daviliana, a linguagem visual da foto-grafia produzida por Sebastião Salgado, naobra Êxodos. As fotografias que compõemesse trabalho de Salgado foram produzi-das ao longo de sete anos, em 41 países.

Uma das propostas era mostrar os mi-lhões de refugiados, migrantes e destituí-dos do mundo, em busca de melhorescondições de vida. Um forte motivador aesses acontecimentos, segundo ele, é ainovação tecnológica que acarreta o de-semprego gerando as ondas de migraçãoque movem 120 milhões de pessoas porano.

O trabalho crítico, que revela as mui-tas faces do submundo, mostra uma rea-lidade triste que suscita reflexão quantoàs ações sócio-econômicas do cenáriomundial.

A escolha do tema abordado neste ar-tigo se configura pela forma com que ofotógrafo utiliza a fotografia para retratarquestões sociais. Ao mesmo tempo em queele se coloca como um fotógrafo reconhe-cido mundialmente por mostrar bastanteexpressividade em suas obras, ele se mos-tra um crítico dos problemas sociais deinúmeros países.

A imagem escolhida foi produzida en-tre 1984 e 1985 em Sahel, na África, ondeSalgado fotografou as vítimas da fomeentre outras situações.

A foto mostra um garoto esqueléticoparado em um local onde existia o lagoFaguibin, o maior da África Ocidental, ex-tinto pela sequidão. Ao fundo uma árvoremorta, com galhos secos.

A fotografia foi escolhida por apresen-tar uma seqüência de mensagens nãoperceptivas em primeira instância, masque poderão ser decodificadas por meioda teoria Greimasiana e/ou Daviliana.Dessa forma, construiremos uma análisesemiótica da relação entre os elementosque compõem a fotografia. A TeoriaSemiótica da Figuratividade, especifica-mente o Percurso Gerativo do Sentido naManifestação Visual será um importantecomando a nossa pesquisa.

Para análise nos embasaremos nasemiótica, no estudo das significâncias.D’Ávila1 diz que:

É necessário termos conhecimento deimportantes elementos que constitu-em parte introdutória dessas teoriasdestinadas à apreensão do sentido, suasmetodologias para posterior articula-ção por meio do uso de estratégias naaplicação. Estas são diferenciadas de

1 O asterisco que acompanha o sobrenome D’Ávila indica elucidações recebidas em sala de aulaou em orientações na disciplina. Unimar 2007/2008

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conformidade com cada linguagemcolocada frente à abordagem semióti-ca, cujo instrumental demonstre terpropriedades específicas de valoriza-ção que o torne credível e diferencia-do segundo suas possibilidades de usorelacionadas à natureza das linguagensem análise (D‘ÁVILA. 2008. p 01).

Este será o tema abordado no próxi-mo item. Porém, é importante salientarque, neste trabalho será pesquisado so-mente o figural da fotografia, utilizandoentão os preceitos da Semiótica Visual quecompreende o figural e o figurativo, o ca-ráter viso-estático, como telas, fotos, ce-râmicas, esculturas, planilhas etc, confor-me descreve D’Ávila.

1. COMUNICAÇÃO VISUAL:A APLICAÇÃO DA TEORIA

SEMIÓTICA DAFIGURATIVIDADE VISUALOU TEORIA DAVILIANA

A linguagem está imbuída em váriospatamares capazes de desenvolver umacomunicação entre elementos de distintasconsciências. Melhor dizendo, na formade expressar está intrínseca a decodificaçãoda linguagem que pode ser verbal, nãoverbal e sincrética.

Porém, neste trabalho analisaremosapenas o discurso não verbal. As mensa-gens visuais não apreendidas sem que sefaça uso de métodos específicos para

decodificá-las, quando manifestadas numafotografia para se ter uma interpretaçãomais aprofundada necessária se faz umateorização científica. Para tal, a TeoriaDaviliana mostrou-se eficaz, na construçãoe reconstrução do sentido no discurso.Embasada na de Greimas, vista como aTeoria da Significação, a Semiótica Davilianavale-se da metodologia descritiva que sedestina a interpretação, exploraçãodesconstrução e reconstrução do sentido.

A citada teoria nos remete à manifes-tação visual ponto de partida para queanalisemos imagens como; telas, figuras,esculturas, fotografias, enfim, com ele-mentos que necessitem ser interpretadosatravés de exame visual minucioso para acaptura dos detalhes inerentes ao objetoanalisado. Esta Teoria se configura comoSemiótica da Figuratividade Visual2, pos-sibilitando decodificar sentidos mais pro-fundos e buscando descrever e analisar oselementos que geram os percursos que osentido desenvolve em relação a níveis deestruturação.

Segundo Cláudia Mara Piloto da Sil-va Parolisi3 a Teoria Semiótica da Figurati-vidade Visual ou Teoria Daviliana, elabo-rada pela professora e pesquisadora Dra.Nícia Ribas D’Ávila, teve início em mea-dos dos anos 80-90, sintetizada no Per-curso Gerativo do Sentido na Manifesta-ção Visual.

...cientificamente inspirada no Percur-so Gerativo do Sentido, de Greimas,

2 O Asterisco * acompanhando termos identifica sua pertença à teoria Semiótica Daviliana.3 Cláudia Mara Piloto da Silva Parolisi desenvolveu o trabalho A Teoria Semiótica da Figuratividadena Comercialização de Produtos Turísticos, disponível no site: C:\Documents and Settings\Administrador\Desktop\nicia\MÔNICA LISA – TEORIA SEMIÓTICA DA FIGURATIVIDADE VISUAL, EO MULTILETRAMENTO.htm

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esta teoria foi elaborada para analisaras manifestações imagéticas, pois den-tro dos conceitos que a permeiam aarte é vista como linguagem e o obje-to de arte como texto. A imagem en-quanto texto é uma unidade de signi-ficação (PAROLISI, apud D’Ávila,2006 )

Ainda seguindo o raciocínio de NíciaD’Ávila, iremos nos valer de suas conside-rações acerca do modo de significação noque tange a substância do conteúdo.

Se, de um lado, a Linguística encarre-gava-se do estudo de significante (fo-nética/fonologia), poucos estudos fo-ram outrora realizados no nível do sig-nificado em semântica textual visan-do a elaboração de uma gramática deconteúdo. Essa foi a grande lacunaque, com a existência das teorias degrandes semioticistas, destacando-se,dentre outros, Greimas e Coquet —expoentes máximos no mister dadesconstrução do sentido —, hoje con-

templarmos sua plena evolução desen-volvida por seus discípulos e seguido-res, já não mais constituiu o vazio deoutrora. Este, porém, encontra-se empleno rigor na analise dos conteúdose significação. Se greimas, com suateoria objetal ou do descontinuo, pre-ocupava-se mais com o texto em si(enunciado) e a FORMA (da expres-são e do conteúdo) do que com asubstancia (de ambos), Coquet, em suateoria subjetval ou do continuo, deuespecial atenção aos discursos(enunciação/enunciada), às identida-des enunciativo-enunciva do actantesujeito em suas instâncias de produ-ção do sentido e às suas substancias eformas do significante e do significa-do saussurianos (D’ÁVILA, 2007).

Para melhor compreendemos a Teo-ria Semiótica da Figuratividade Visual nosembasaremos na definição de D’Ávila refe-rente aos componentes básicos e estrutu-rais dessa teoria; aos componentes respon-sáveis pelos patamares da produção do sen-tido visual ora figural, ora figurativa.

Componentes básicos estruturais

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Produção do sentido figural mais figu-rativo em seis etapas

1) FIGURAL I (nuclear) elasticidade(pré/pós) — Nebulosa como esboço,ou arcabouço da forma. Esboço da for-ma, como um pré-objeto, extraída dobosquejo, do croqui, quando pressu-pomos o objeto posto. Arcabouço, noobjeto posto, quando dele retemosimpressões de cor, transparência, tex-tura; na nebulosa ou esboço da formaprimitiva. Ambos postos, reais. Numobjeto posto, conseguimos antever opré-recuperar o seu pré-objeto.2) ZONA INTERMEDIÁRIA — a)classema-a (clas-a); manchas, traçosesboçados ou borrões diversos. UmFigural autêntico, uma substância comqualidades não quantificáveis, umfigurema;3) FIGURAL 2 (Classemático b)classema-b (clas-b): básicos designa-tivos de primitivos figurativos taiscomo: círculo triângulo e suas deriva-das figuras geométricas. c) classema-c(clas-c): classemas comuns, específi-cos ao objeto em apreensão, servindopara identificá-lo (Ex.: caricaturas; umgato = 2 triângulos sobre uma circun-ferência). Cada componente compor-ta instâncias intermediárias. Na orga-nização da forma, o clas-b é usualmen-te sucedido pelo clas-c. Ambos neces-sitam do clas-a — contextualizaçõesfundamentais —, dele dependendopara suas atualizações e realizações.Essas últimas são apreendidas por meiodos acréscimos e decréscimos mani-festados que comporão ou decompo-rão a forma do objeto em questão, tan-to na captação e incorporação de

classemas que permitirão ao olhar de-senvolver o percurso compositivo dopré-objeto? objeto (motivado pelometa-querer do destinatário), quantona supressão e distorção de classemascolhidos no percurso decompositivopós-objeto ? objeto.4) NÚCLEO TENSIVO DAS AMBI-GUIDADES: Em primeira instância,o pré-objeto que será nomeado encon-tra-se situado, nesse momento tensivode espera, no percurso espaço-tempo-ral entre a busca e o encontro do figu-rativo, efetuados pelos acréscimos declassemas que semantizarão o objetotransformando-o em figurador 1, istoé, em objeto nomeado, designado porcorrespondência no mundo natural.Em segunda instância, a busca de umobjeto novo, criativo, poético comoos decréscimos/acréscimos de classe-mas que dessemantizarão e resseman-tizarão o objeto figurativo posto (oupressuposto), rompendo com o este-reótipo e produzindo o “diferente”.5) FIGURADOR 1 Vertente do logos— O objeto figurativo, nomeado nomundo natural, representativo e semi-simbólico.6) FIGURADOR 2 — FONTE domythós - O objeto figurativo que seexpande e se acrescenta diante da sen-sibilidade e criatividade humanas, re-cendo configurações novas, em fun-ção deste notório repertório. Nestainstância detectamos a participaçãodos (s) referente (s) externo (s) termoassim designado em teoria pirceana.(D’ÁVILA. 2008)

Portanto, é preciso compreender oselementos que constituem o visual para

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entender as particularidades e peculiari-dades a fim de interpretar o que se camu-fla numa foto, ao primeiro olhar; ela es-conde muito mais do que mostra.

2. O PERCURSO GERATIVO DOSENTIDO NAANIFESTAÇÃO

NÃO-VERBAL

Ao apontar o percurso do sentido namanifestação não-verbal (visual) comoimportante fonte de compreensão dasignificância, a pesquisadora Nícia D’Ávilareuniu elementos importantes para adesconstrução/reconstrução do sentido notexto imagético. Entre eles, no nível doconteúdo, ou seja, do significado extraídodo texto visual, agregou à substância doconteúdo (que é variável quanto suarepresentatividade) e à forma do conteú-do (que é invariável), contribuições indis-pensáveis ao encenamento da transforma-ção do figural em figurativo. Para melhorcompreendermos esta concepção mostra-remos o Percurso Gerativo do Sentido naManifestação Visual mais à frente.

Os semas visuais também são impres-cindíveis na leitura de uma imagem. Deacordo com a Teoria Daviliana, como dizRozuila Neves Lima (2007), os possíveissemas contextuais a serem detectados, são:

a) O punctuema é a unidade mínimasignificativa da construção do traço.A iteratividade dos tracemas (semasclassificatórios do traço), comporá aparcialidade do desenho, conduzindo-nos à isotopia (reiteração simples,classemática). As isotopias serãoidentificadas quando um caráter for-mal for predominante ou reiterado natotalidade ou parte do desenho, defi-

nindo, também, o sema nuclear.“O punctuema, sema classificatório dopunctum (ponto) é observado comounidade absoluta detentora e geradorade qualidades e de quantidades. E’concomitantemente punctual (aspec-tos incoativo e terminativo), de con-formidade com caráter fenomenal (apa-rência espácio-temporalizada) ; edurativo, de conformidade com suaessência ou natureza esférica do“continuum”. Gera o tracema, que po-derá apresentar-se como retilíneo,curvilíneo, longitudinal, transversal,diagonal, da coloração, da textura, etc.”b) Os texturemas, termo utilizado peloGROUPE μ (1992 : 197), aqui defini-dos como semas contextuais da textu-ra, são gerados pela sobreposição decamadas, propiciando a apreensão daprofundidade plástica “palpável”.c) Os densiremas são os traços cerra-dos, compactos, carregados, contíguos,sem intervalos entre si, apreendidos apartir dos traços demarcatórios daespacialização de volumes, do peso edo equilíbrio das massas formando adensidade do objeto plástico.d) Os larguremas são traços largos ouestreitos obtidos a partir da largura,ou seja, a distância visualizada lado alado de um volume ou de uma super-fície plana.e) Os extensiremas são traços longosou curtos, extraídos do comprimento.Na Representação, temos o desenhorepresentativo, denominado figuradorI, do lógos. Lógos faz-se referencializarpelo lexema “palavra”, que desde 1880passa a designar o estudo dos signifi-cados nas línguas. É por meio da pala-vra que o destinatário decodifica, da

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imagem figurativa, sua denominação,seu figurador I. Assim, é estabelecidaentre a imagem e a palavra uma rela-

ção metafórica (D’ÁVILA apudLIMA).

Quadro 1: Percurso Gerativo do Sentido na Manifestação Não-Verbal

NÍVEL do CONTEÚDO (O SIGNIFICADO) EXTRAÍDO DO TEXTO VISUAL

SUBSTÂNCIA DO CONTEÚDO (Variável) + FORMA DO CONTEÚDO (Invariável)

SUBSTÂNCIA FORMA (nível superficial) FORMA (nível profundo)

Simbólica (denotativa)

Presentificação (Figural 2) Arte

abstrata e variantes **************

Semi-simbólicas Representação

(conotativa) Figurador I

Aquilo que a imagem esta representando; a história retratada com

fidelidade ao figurativo e

implicação com o semantismo verbal. Re-representação

(conotativa) Figurador 2 (do

). A representação do

objeto é acrescida da subjetividade

interpretativa do analista cujos acréscimos

fundamenta-se no seu repertório e na

criatividade.

Denotação –formemas Ritmo e Aspecto – O Ritmo dos espaços (=proxêmica):

englobante x englobado simétrico x assimétrico

Planos, p1, p2, etc. Espaços: e1, e2; e2’, e2’’,

etc. (contorno x contornado) Perspectiva (superficiais e

volumes), proporcionalidade, dimensão/posição/orientação

rimas plásticas simples e complexas determinantes da

natureza dos classemas. Projeções sintagmáticas

Planos isotópicos Função de síncopa (figural) Formema

total/parcial (ft/fp) ************* Conotação

Implicação verbal=rimas Poético-miticas e funções de

síncopa no figurativo

Denotação – semas Os semas responsáveis pela

qualificação e quantificação da imagem, os ‘punctuema’

‘tracema’, ‘colorema’, ‘cromema’, ‘texturema’, ‘densirema’, ‘largurema,

‘saturema’,‘formema’, ‘sincopema’, etc.,

Em articulação nos Quadrados Semióticos para determinação da Forma, abstrata, sistêmica,

paradigmática extraída de semas superfícies, volumes e

proporcionalidade. Isotopias pelos tracemas Projeções paradigmáticas Por extrapolação da forma

da cor Suprassegmentação, ou do pseudo movimento Esta é determinante do

Caráter figural, arcabouço de um figurativo qualquer.

Estruturas Discursivas – Figural 1 – Nuclear -

propulsor da Substância do Conteúdo

NÍVEL da EXPRESSÃO (Significante) no Texto Visual Substância (Variável) Físico- ótico – química

Forma (Invariável) Os sistemas: viso-plásticos (Ora figulra) (Ora figurativo)

Percurso Gerativo do Sentido na Manifestação Não-Verbal

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3. ANÁLISE DA FOTOGRAFIA

Partindo o Percurso Gerativo do Sen-tido Visual a fotografia analisada faz parteda obra Êxodos, de Sebastião Salgado. Umfotógrafo consagrado em todo o mundopor produzir fotografias capazes de ex-pressar o contexto sócio-econômico devários países. Com imagens, ele conseguedespertar olhar das autoridades governa-mentais e do cidadão comum sobre fatosque ocorrem em todo o mundo, mas quepoucos têm conhecimento.

A fotografia foi produzida entre osanos de 1984 e 1985, na África, em Sahel.Salgado retratou um menino migrandoem busca de trabalho.

Figura 1

4. SUBSTÂNCIA DOCONTEÚDO

4.1. Representação -Figurador I “do lógos”.

Em primeira instância trata-se de umasubstância representativa, pois é um “verrepresentado”, ou um “ser representado”,portanto uma “representação”, quandoencontra-se aglomerados em visão únicaos elementos que compõem a foto. Aoaprofundarmos nossa análise percebemosque se trata de uma fotografia semi-sim-bólica, conotativa do figurador 1, do lógos,pois está representando a fidelidade à his-tória de um rapaz muito magro, com osossos à mostra pela sua deficiência física,pela desnutrição. Com os tracemas visu-ais configura-se a Isotopia da desnutrição,pela interatividade de categorias sêmicas.

A totalidade A e B, representa o localonde o menino está inserido; logo essesespaços conversam, interagem. Assimcomo a árvore está seca, mas ainda em pé,como se esperasse que a vida lhe fossedevolvida, também o menino se encontrana mesma situação, à espera de algo.

Para analisar a imagem com mais pre-cisão é necessário apontar os elementosque constituem a fotografia.

Inicialmente a totalidade AB será divi-da em dois lados. Lado A e lado B. O ladoA fica na imparcialidade, retratando o ele-mento árvore que fica ao fundo. Já o LadoB se mostra parcial representando o ele-mento de mais destaque na imagem, omenino. Porém, quando um determina-do espaço é fixado visualmente no discur-so, a totalidade AB é desorganizada, pro-jetando e condensando no olhar do ob-servador no espaço B, momento em que

Foto de Sebastião SalgadoFonte: http://preciosaiguaria.blogspot.com/2009/09/sebastiao-salgado-seca-no-mali-1985.html

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estabelece intimamente, neste local con-junturas, fundamentada em rimas plásti-cas da “ossificação corporal”, gerando me-táforas internas localizadas e compensa-das no enunciado.

4.2. A função de Síncopa

A função de Síncopa no figurativo éobtida ao analisarmos e compararmos amagreza do menino e a sequidão da árvo-re. Quando ao observar a foto ocorre umestranhamento, o leitor se fixa num de-terminado espaço deste discurso visual edesorganiza a totalidade AB. “A quebra deuma reta ou distorção de uma curva queinterrompe a continuidade do olhar”, ouseja, a ausência de continuidade do realpretendido pelo olhar do observadorquanto a linearidade que até então se de-senvolvia. Esta linearidade se desfaz for-mando assim o não contínuo, a síncopa, aausência do real esperado.O estranha-mento quebra toda a continuidade, pordesorganização da totalidade AB. Nestemomento ocorre a ruptura, a interrup-ção, a desorganização da continuidade atéentão percebida.

Ao analisar a foto o leitor é atraídopelo vazio entre as pernas do menino, épuxado para aquele espaço, ou seja,condensa seu olhar no espaço dirigindo-oao núcleo de tensão marcado no círculo.

Assim o leitor é projetado para umazona de questionamento. E através dosurgimento da isotopia da semicircu-laridade diagonalizada retorna ao texto atotalidade AB, reorganizando-o e cum-prindo assim as cinco etapas que com-põem a Função de Síncopa: desorganiza-ção, projeção, condensação, expansão ereorganização.

Figura 2

Totalidade A BFonte: http://preciosaiguaria.blogspot.com/2009/09/sebastiao-salgado-seca-no-mali-1985.html

4.3. Re-representação -Figurador 2 “do mythós”

A fotografia tem a conotação de umpovo que esquecido, vivendo sem pers-pectiva de melhoria de vida, sem possibi-lidades concretas, busca oportunidadespara garantir um futuro menos sofrido.

A imagem retrata, então, a história demilhares de pessoas que vivem em condi-ções subumanas, porém ainda lançam umolhar prospectivo. Isso é visto quando omenino olha para a sua direita, o lado po-sitivo, que se mostra confiante, esperan-çoso, diferente da sua esquerda que re-trata as perdas e a falta de esperança.

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Figura 3 Figura 4

Figurador 2 do “mythós”Fonte: http://preciosaiguaria.blogspot.com/2009/09/sebastiao-salgado-seca-no-mali-1985.html

5. PROJEÇÕESSINTAGMÁTICAS

Quando se trata da reorganização dodiscurso não verbal é necessário trabalharas projeções Sintagmáticas, rimas plásti-cas e também o ALOP que vem a ser :

- Agregação: os elementos punctuais(pixels), por exemplo que se agregam for-mando cores, formas, linhas, figuras, ima-gem, etc.;

- Luminância: a presença da luz nacomposição; sem luz não há foto, nemimagens.

- Orientação: como os elementos seorientam depois de ligados.

- Proxêmica: o posicionamento das ima-gens e figuras, dos objetos e dos seres a si-metria, a roupa, o sorriso, tudo que compõea atmosfera do espaço temporal da imagem.

SíncopaFonte: http://preciosaiguaria.blogspot.com/2009/09/sebastiao-salgado-seca-no-mali-1985.html

A proxêmica está ligada com a nature-za vegetal em equilíbrio na igualdade decondições com a natureza humana porassimetria ritmica. A fotografia analisadaencontra-se numa retangularidade englo-bante, pois temos parcialidades em espa-ços construídos assimétricos.

Já os planos, podemos classificá-los daseguinte forma: P0 é o plano de fundo. P1está configurando o plano em que árvorese encontra. P2 — onde se configura o ca-jado que o menino segura. Já P3 é o corpodo garoto e P4 retrata o saco que o meni-no leva na mão esquerda.

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Figura 05 Figura 6

PlanosFonte: http://preciosaiguaria.blogspot.com/2009/09/sebastiao-salgado-seca-no-mali-1985.html

Os espaços se condensam nas duasimagens destacadas, na árvore eles apare-cem da seguinte forma: e1 parte superiorda árvore, e2 o encontro entre os galhos,e3 a parte inferior da árvore. Os espaçosencontrados no menino: cabeça e4, corpoe5, e pernas e6.

Espaços do discurso visualFonte: http://preciosaiguaria.blogspot.com/2009/09/sebastiao-salgado-seca-no-mali-1985.html

Já a perspectiva configura-se sob umadireção ascendente com diminuição de ele-mentos nos dois destaques. Ela mostra aqui-lo que se perde e aquilo que se ganha, pelaproporcionalidade da zona imagética emdestaque: o menino, como se a foto disses-se eu perco o vegetal, mas ganho a vida.

Essa proporcionalidade que retrata asmassas e os volumes faz com que trate-mos da correlação entre um menino e umgalho. A intenção é retratar o espaço pre-enchido entre as massas. Ou seja, o fotó-grafo rompeu o espaço com umvolumema* deixando apenas 10% ou 15%da totalidade que lhe pertencia.

A dimensão mostra as tonalidades, asnuanças das projeções entre os tons. Omenino apresenta mais tons de escuro doque de claro, chamando mais atenção a

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ele no que se refere à totalidade da foto-grafia que se apresenta em um plano demenos densirema* , em um plano maisclaro e suave.

Quanto à projeção e a orientação, te-remos um resultado diferente do que oapresentado ao analisar a posição da ca-beça.

Examinando o contexto, posição e ori-entação estão voltadas para as perdas, semexpectativas, sem amanhã, sem nada.

As rimas plásticas são projeçõessintagmáticas colhidas das vértebras (cos-telas, pernas, nas angularidades, pernamais galho invertidas).

O início da angularidade bem pronun-ciada na função das pernas levementediagonalizadas, assim como a diagona-lidade do bastão representado conjunta-mente um psdeudo-movimento, denotamprojeções paradgmáticas* (ou rimas poé-tico-míticas*), da quase retilineidadediagonalizadas* extrapolação da forma, dacor (nuanças nos coloremas*, formemas*)e do movimento. Comparando os doisobjetos semióticos teremos uma semi-circularidade disfarçada, quase se trans-formando em retilineidade diagonalizada.O Crânio pertence à isotopia da semi-circularidade esmaecida, configurandouma pseudo-retilineidade.

Isto também é percebido entre os va-zios das pernas. A ausência de traços, devolume, ou seja, os volumemas*, ostracemas*, os punctuemas* etc. Assim, te-mos a isotopia da pseudo-circularidade*,diagonalizada em côncavo e convexo,mostrando-nos que aquilo que ainda querviver, ter força e movimento. Os nós, as-sim como no joelho e na árvore, são jun-ções que alimentam apresentando-secomo rimas poéticas.

Figura 7

Pseudo-circularidade e pseudo-retilineidadeFonte: http://preciosaiguaria.blogspot.com/2009/09/sebastiao-salgado-seca-no-mali-1985.html

A rima poético-mítica é aquela que nãoexiste total identidade formal apenas par-cial. Não é, por exemplo, uma mão comoa outra. Neste caso a árvore e o menino seassemelham pela sequidão. São da mes-ma espécie viva, mas não da mesma espé-cie vegetal.

Ao visualizarmos os espaços constata-mos ainda uma rima poética formada pelaparte inferior do galho que parece a tíbiado menino. Ao analisarmos os pés perce-bemos uma rima plástica entre eles, em-bora conotada pela deficiência física dogaroto que deformou os seus pés,desproporcionando-os sob metamorfosede redução.

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Figura 8

Rimas PlásticasFonte: http://preciosaiguaria.blogspot.com/2009/09/sebastiao-salgado-seca-no-mali-1985.html

QUADRADO SEMIÓTICO DA MANIFESTAÇÃO SINCRÉTICA

SECA

Verticalidade Semi-circularizada diagonalizada quase Diagonalizada semi-circular “menino” “o galho”

segredo

Não verticalidade diagonalizada Não semi-circularidade não quase semi-circular diagonalizada NÃO SECA

Os semas são responsáveis pelas qua-lificações e quantificações das imagens.

Na fotografia de Salgado encontram-se séries de punctuemas que originamtracemas, em função do ALOP. Temosentão incidências de claros e escuros entremassas e volumes. Nota-se também umaluminância entre a tíbia e a zona lombartorácica. Entre os claros e os escuros apa-recem os coloremas com tons acinzen-tados formando também os cromemas,nas nuances de cinzas.

Por fim, todas estas oposições semân-ticas entre o “ser seca” e “parecer seca” e o“não ser seca” e o “não parecer seca” seexplicam nos tracemas apreendidos nodecorrer da análise. Assim, podemosconfigurá-los desta maneira.

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No nível do segredo o resultado apre-sentado pelo Quadrado Semiótico é a re-cuperação da vida dada do vegetal para oganho da vida humana.

Finalizando esta análise embora semesgotá-la, pois a Teoria da Figuratividadenos permite ir muito além, percebermosque a fotografia é PB (preto e branco), oque nos permite entender a essência daobra. O preto e branco nos revela melhoro semas, as isotopias, as formas, os con-teúdos, entre outros.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Mesmo sabendo que a Teoria Semi-ótica nos ampara de maneira enriquece-dora quando necessitamos analisar discur-sos, sejam verbais ou não verbais, semio-ticistas J. A. Greimas e D’Ávila disponibi-lizam teorias que nos possibilitam explo-rar elementos que desconstroem e recons-troem o verdadeiro sentido da comunica-ção nas linguagens que as imagens e aspalavras conseguem transmitir.

Dessa forma, a imagem de SebastiãoSalgado, conhecida como o menino e aárvore, após análise, concluímos que, afotografia numa rima poético-mítica ligan-do o menino ao galho, trata da ligação doseco com o vegetal em que ambos luscandopela vida mostram o 1º dependendo do 2º

para a perpetuação da espécie.A isotopia é voltada para as perdas, ou

seja da semi-circularidade esmaecida, ouuma pseudo-retilineidade formadas emdiagonalidades interrompidas. Estaisotopia está clara nos espaços e1 e e2 novegetal, já no menino se configura nos es-paços ab, em que se nota o vazio entresuas pernas que se reproduz em projeçãoparadigmática espectral*.

Figura 10

Fonte: http://preciosaiguaria.blogspot.com/2009/09/sebastiao-salgado-seca-no-mali-1985.html

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

D’ÁVILA, Nícia. Renart e Chanteclerc — Por uma abordagem semiótica do estatuto doactante-sujeito /RENART/ - conforme teoria de J.-C.COQUET. In: Leopoldianum -Revista de Estudos e Comunicações - Unisantos vol. XVIII (n°52). Santos: Ed. da Unisantos,1992, p. 65-76.

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_______. Semiótica Visual - O ritmo estático, a síncopa e a figuralidade. In: Semiótica &Semiologia. Org. D.Simões. Rio de Janeiro: Dialogarts (UERJ), 1999a, p.101-120.

GREIMAS, A. J.; COURTÉS, Joseph. Dicionário de semiótica. Trad. Alceu Dias Lima etal. São Paulo: Cultrix, [s.d.].

LIMA, Rozuíla Nerves. A Semiótica Arquitetural Figuratividade Visual naComercialização de produtos turísticos. UFMA. 2007.

PAROLISI, Cláudia Mara Piloto da Silva. Mônica Lisa- Teoria Semiótica da FiguratividadeVisual e Multiletramento. UNIMAR.

SILVEIRA, Maria Silveira. Lula, Visão do constrangimento do percurso da inocência.UNIMAR. Disponível em www.unimar.br, acessado em 08/06/2008

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RESUMOEm prefácio à edição da Melhoramentos do livro de Manuel Antônio de Almeida (s/

d), Memórias de um sargento de Milícias, Jamil Almansur Haddad refere-se ao quechama uma dimensão rueira do livro. É justamente o desdobramento do adjetivo “rueira”que queremos explorar na leitura que ora fazemos do livro, considerando que, nanarrativa, a rua, caracterizada em sua mobilidade, vai se configurando de modo a setornar ela própria personagem em uma relação metonímica e metafórica com aquelesque a percorrem ou a cruzam. Mais do que isso, a rua faz-se palco conferindo à narra-tiva a mesma configuração; o romance é palco a exibir cenas e contra-cenas, a ribalta eos bastidores de uma história que não é apenas dos Leonardos, mas da vida político-social da época e da própria literatura brasileira.

Palavras-chave: Literatura brasileira; Manuel Antônio de Almeida; Memórias deum sargento de Milícias.

ABSTRACTIn his preface to the Melhoramentos edition of Manuel Antônio de Almeida’s Me-

mórias de um sargento de milícias (s.d) Memoirs of a Militia Sergeant - (n.d.), Jamil AlmansurHaddad remarks that the book has a dimension which he calls ‘rueira’ [‘rueiro’, feminine‘rueira’, means ‘relating to or inherent to the street (rua)’, and ‘fond of going out’]. It isprecisely the unfolding of the adjective ‘rueira’ I intend to explore in my reading of thebook, considering that the street, portrayed in all its mobility in the narrative, configuresitself until it becomes a character in a metonymic and metaphorical relation with thosewho move along or across its space. In addition, the street also becomes a stage andimparts the same configuration to the story; the novel becomes a stage for scenes andcounter-scenes, a proscenium and backstage for a story not only of the Leonardos, butof the political and social life of that time and of Brazilian literature as well.

Keywors: Brazilian literatury; Manuel Antônio de Almeida; Memórias de um sar-gento de Milícias.

MEMÓRIAS DE UM SARGENTODE MILÍCIAS: UMA

NARRATIVA RUEIRAAlfredo LIMA1

Ivete WALTY2

1 Mestrando em Letras na área de Literaturas de Língua Portuguesa na PUC Minas cuja contribuiçãose dá principalmente no que se refere aos aspectos teatrais da narrativa.2 Professora do Programa de Pós-graduação em Letras da PUC Minas, pesquisadora do CNPq.

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Em prefácio à edição da Melhoramentos do livro de Manuel Antônio de

Almeida (s/d), Memórias de um sargentode Milícias, Jamil Almansur Haddad refe-re-se ao que chama uma dimensão rueirado livro. Assim se expressa o autor, dis-correndo sobre o papel do curandeiro nanarrativa:

Este abandono da vestuta ciência deHipócrates ou Galena pela ilusão (mui-tas vezes curativa) do curandeiro é deuma grande autenticidade num livrodesta natureza. É um sintoma a maisda formação rueira, quase proletáriado livro. (p.7)

É justamente o desdobramento doadjetivo “rueira” que queremos explorarna leitura que ora fazemos do livro, consi-derando que a rua aí se apresenta comocenário e/ou como protagonista da narra-tiva. Não por acaso a história começa coma referência a ruas e esquinas, o que serepete durante toda a narrativa. Veja-se adescrição do canto dos meirinhos: “umadas quatro esquinas que formam as ruasdo Ouvidor e da Quitanda, cortando-semutuamente” (ALMEIDA, 2007, p.65)3,parte de uma equação cuja “quantidadeconstante” era o Leonardo Pataca (p.67).

A rua, caracterizada em sua mobilida-de, vai se configurando na narrativa demodo a se tornar ela própria personagemem uma relação metonímica e metafóricacom aqueles que a percorrem ou a cru-zam. O verbo cruzar não é fortuito já queas esquinas, os cruzamentos são marcaforte dessa história de rituais coletivos,relatos miúdos, bisbilhotices e fofocas. Por

isso mesmo as portas, janelas e rótulas sãooutras imagens a pontuar a narrativa quese dá a espiar e a escutar como as fofocasque sugerem. Quer-se dizer com isso quea narrativa se constrói como as históriasque aí se inserem, de forma a envolver oleitor em uma rede de relatos, costuradospelos eventos da vida de Leonardo, emseu eterno escapulir para a rua, seja fugin-do do pai, do padrinho ou do Vidigal.

Desde a infância, o protagonista gos-tava de vadiar e isso se confirma na pri-meira parte da narrativa, no momento emque Leonardo, despistando-se do compa-dre, acompanha a Via Sacra:

Vinha aproximando-se o acompanha-mento, e o menino palpitava de pra-zer. Chegou mesmo defronte da por-ta; teve ele então um pensamento queo fez estremecer; tornou-se a lembrardas palavras do padrinho: “farte-se detravessuras”; espiou para dentro daloja, viu-o entretido, deu um salto dolugar onde estava, misturou-se com amultidão, e lá foi correndo com suasgargalhadas e seus gritos para aumen-tar a vozeria. Era um prazer febril queele sentia; esqueceu-se de tudo, pulou,saltou, gritou, rezou, cantou, e só nãofez daquilo o que não estava em suasforças. (2007, p.85)

Há que se considerar nesse trecho doiselementos dignos da atenção do leitor. Oprimeiro refere-se ao jogo dentro/fora daloja. O espaço interior da barbearia estavamarcado pelas decisões do padrinho, evi-denciadas no título do capítulo: Despedi-da às travessuras. O segundo direciona o

3 Todas as citações seguidas de número de páginas se referem a esta edição.

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leitor para o lado de fora — a rua — quenesse excerto vai trazer a imagem da mul-tidão na procissão. O coletivo em cena aco-lhe o garoto, sua voz e suas ações, propici-ando-lhe prazer. A sequência de verbos:“pulou, saltou, gritou, rezou, cantou” indiciacontinuidade e reiteração da ação. Em fun-ção desse tipo de movimento, AntonioCandido, em crítica sobre o romance, usoua expressão “romance em moto contínuo”( 2007). A narrativa se desdobra por meiodas ações de Leonardo, ao mesmo tempoem que espelha condutas sociais do tempo.Por isso mesmo, é composta de rituais co-letivos como a Via Sacra, a Procissão dosOurives, a Festa do Divino, e os Fogos noCampo de Santana. Tanto tais rituais comoos atos das personagens inserem-se em umjogo de espelhamento, como já mostramosem trabalho anterior4: Leonardo Pataca eLeonardo Filho, as três comadres, Luizinhae Vidinha, Leonardo e José Manuel, Vidigale o mestre-de-cerimônias, entre outraspersonagens refletem-se ou refratam-seumas nas outras.

Em função desse espelhamento, dá-seum outro, que ora nos interessa: entre oprivado e o público, o dentro e o fora,metaforizados no vestir e no despir quemarca as figuras sociais e as instituiçõesque representam: a família, a igreja, a po-lícia, o reinado.

Nesse sentido, a rua faz-se palco confe-rindo à narrativa a mesma configuração; oromance é palco a exibir cenas e contra-cenas, a ribalta e os bastidores de uma his-tória que não é apenas dos Leonardos, masda vida político-social da época. Vários crí-

ticos, como Jarouche (2007, p.54), apontama composição do texto em quadros ousketchs, No entanto, mais do que buscarelementos de ligações entre tais quadros,interessa-nos ressaltá-los como cenário, umforte indício do caráter teatralizado da nar-rativa, já também apontado por vários es-tudiosos, muitas vezes associado à tendên-cia biográfica do autor.

Da extensa lista de acepções da palavracena, optamos por eleger aquela que amostra como “cada uma das unidades deação de uma peça, que se destacam comotal pela entrada e saída, no palco, dos intér-pretes, alterando-se ou não os cenários”(Houaiss). A escolha dessa face da palavralegitima o aspecto teatral e possibilita aoleitor compreender melhor a organizaçãodos capítulos bem como o movimento daspersonagens no livro. Senão vejamos:

Toda esta cena que acabamos de des-crever passou-se de manhã. À tardi-nha Leonardo entrou pela loja do com-padre, aflito e triste. O pequeno estre-meceu no banco em que se achava sen-tado, lembrando-se do passeio aéreoque o pontapé de seu pai lhe fizera darde manhã. (p.18 — grifos crescen-tados).

Interessante perceber que uma cenacontém outra com o mesmo teor dedramaticidade. Na linha do texto teatral, àmedida que os atos vão sendo interpreta-dos, isto é, o desenrolar da história, vão sedesdobrando também as funções donarrador. É o que se verifica, por exem-

4 Cf. WALTY, Ivete. Implicações sociais do elemento picaresco nas Memórias de um sargento demilícias, dissertação de mestrado defendida na FALE/UFMG em 1980.

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plo, no episódio em que o narrador relataas aventuras de Leonardo Pataca em suaconquista da cigana. Mostrando odesvalimento do meirinho em busca de“fortuna”, o narrador tece comentáriossobre o figurino ridículo da personagem,“em hábitos de Adão no paraíso”, coberto“com um manto imundo” (p.89). A cenada entrada na casa do “caboclo velho” éassim descrita:

A sala estava com um aparato ridicu-lamente sinistro, que não nos cansa-remos em descrever; entre outras coi-sas, cuja significação só conheciam osiniciados nos mistérios do caboclo,havia no meio uma pequena fogueira.(p.89)

A descrição da cena que se segue re-força a sensação de ridículo que acompa-nha os atos da personagem em torno dafogueira, sobretudo quando reduplicadosforçadamente com a chegada do Vidigal.Tal ridículo se reforça na ida de LeonardoPataca para a “casa da guarda”, onde fica-ria “exposto à vistoria dos curiosos” (p.92).Esse tipo de descrição, marcada por ter-mos do campo semântico do olhar, comoo verbo expor e o substantivo vistoria, re-força o aspecto de cenário atribuído à nar-rativa, um discurso digno do diretor deteatro armado diante de olhos diversos. Areiteração de tais situações, como no casoda revelação pública dos amores da ciga-na pelo Mestre de Cerimônias ou naqueleem que Leonardo busca reconquistar acigana, imprimem no texto a natureza dealgo a ser visto, ou mais do que isso, umaspecto interativo de que participam nãosó os personagens, mas também o leitor/espectador

Todas estas cenas, desempenhadas poraquela figura do Leonardo, alto, cor-pulento, avermelhado, vestido de ca-saca, calção e chapéu armado, eramtão cômicas, que toda a vizinhança sedivertiu com elas por alguns dias. Al-guns imprudentes começaram, con-versando das janelas, a atirar indiretasà cigana; esta picou-se com isso, e foiessa a fortuna do Leonardo. (p.160 —grifos acrescentados)

Ao se apropriar desse discurso, sejano emprego da rubrica, seja na direção dotexto, o narrador exibe os bastidores dacriação. E a plateia é, então, a vizinhança eo leitor. O espetáculo está montado: o di-álogo entre as personagens, a rua e a nar-rativa como palco se exibem ao públicoleitor.

Curioso, pois, observar que o relatosobre as mímicas do Teotônio faz-semetonímia do jogo narrativo. Assim comoeste “sabia com rara perfeição fazer umavariedade infinita de caretas que ninguémera capaz de imitar” (p.211), o narrador,ocupando o mesmo lugar, imita os agen-tes da história que conta. O autor, por suavez, montou o texto como o palco ondeum mímico caricaturiza tipos sociais di-versos em suas relações com as institui-ções que representam.

Lembrando o conceito de cenaenunciativa, a partir de Benveniste (1986)e Bakhtin (1981), podemos justamenteperceber o texto literário em uma de suascaracterísticas mais significativas: a exibi-ção do aspecto de encenação da lingua-gem (Cf. Paulino e Walty, 2005). Dessa for-ma, a questão aponta para o que é narra-do e para o modo de narrar, dado que a

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relação do narrador com o diretor resultanum caráter metalingüístico; não somen-te as personagens estão em cena, mas tam-bém a linguagem literária. Veja-se o exem-plo da comadre no quiprocó em que en-volveu José Manuel: “A comadre, vendoestas boas disposições, aproveitava-se de-las para fazer melhor o seu papel (...) (p.214— grifos acrescentados).

Interessante notar, pois, a multiplici-dade de papéis desempenhados por essapersonagem, ora como madrinha eenredeira de histórias, ora como parteira,sempre tendo ressaltado seu caráter depersona, em um processo de mise-en-abyme entre o enunciado e a enunciação,entre o roteiro e sua representação. Não ésem razão que o capítulo dedicado à Co-madre começa ressaltando seu caráter depersonagem:

Cumpre-nos agora dizer alguma coisaa respeito de uma personagem que re-presentará no correr desta história umimportante papel, e que o leitor ape-nas conhece, porque nela tocamos depassagem no primeiro capítulo: é acomadre, a parteira que, como disse-mos, servira de madrinha ao nossomemorando. (p.104-grifos acrescen-tados)

A designação de Leonardo como“nosso memorando” faz-se dado expres-sivo da condição de escrita que o acom-panha: memorando é o que deve ser lem-brado; se de um lado é algo memorável,de outro é anotação e até pequeno ca-derno de notas.

Daí a relação cena, representação, pa-pel. Depois do relato do parto da filha deChiquinha e Leonardo Pataca, por exem-

plo, assim se expressa o narrador:

Como esta cena que acabamos de pin-tar, tinha a comadre muitas outras to-dos os dias, porque era uma das partei-ras mais procuradas da cidade; gozavagrande reputação de muito entendi-da, e ainda nos casos mais graves erasempre a escolhida com seus milagro-sos bentinhos, a palma benta, a medi-da de Nossa Senhora, a garrafa sopra-da, e com a invocação de todas as legi-ões de santos, de serafins e de anjoslivrava-se ela dos maiores apertos.(p.207 — grifos acrescentados)

Ao evidenciar o processo de escrita,ressalta-se a consciência narrativa, se as-sim podemos dizer, fazendo fundir a figu-ra do narrador à do autor, o que se tornamais evidente em partes específicas do tex-to, como na referência irônica aos ultra-românticos no caso da história de amorde Leonardo com Vidinha ou Luisinha:

Vidinha era uma rapariga que tinhatanto de bonita como de movediça eleve (...) ela era uma formidávelnamoradeira, como hoje se diz, paranão dizer lambeta, como se dizia na-quele tempo. Portanto não foram demodo algum mal recebidas as primei-ras finezas de Leonardo, que desta vezse tornou mais desembaraçado, querporque já o negócio com Luisinha otivesse desasnado, quer porque agorafosse a paixão mais forte, embora estaúltima hipótese vá de encontro à opi-nião dos ultra-românticos, que põemtodos os bofes pela boca, pelo tal —primeiro amor: no exemplo que nosdá Leonardo aprendam o que ele tem

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de duradouro. (p.258)

A história sai dos trilhos para atingiroutro público e ironicamente inclui no alvode suas críticas os autores de romances açu-carados da época do próprio escritor. O usoda forma verbal no subjuntivo “aprendam”cutuca os colegas romancistas, deflagrandouma possível discussão entre pares.

Outro aspecto pode ratificar essa per-cepção. A narrativa, povoada de fofocas,disse-que-disse, constrói-se ela própriacomo uma fofoca, um contar entre rótu-las e mantilhas, cooptando o leitor paraconhecer os malfeitos de cada um e detodos. Vejamos como isso se dá.

Já na primeira parte do livro, ao se re-ferir à traição dos pais do protagonista, onarrador descreve com detalhes a cena ecomenta as atitudes das personagens en-volvidas:

Afinal de contas a Maria sempre erasaloia, e o Leonardo começava a arre-pender-se seriamente de tudo que ti-nha feito por ela e com ela. E tinharazão, porque, digamos depressa e semmais cerimônia, havia ele desde certotempo concebido fundadas suspeitasde que era atraiçoado.” (p.72).

Nesse desencontro do casal, o nar-rador toma o partido de Leonardo Patacacomo se vê na expressão “e tinha razão”,deixando-se revelar como fofoqueiro, aocontar para o público leitor a traição dasaloia, mãe de Leonardo e as conseqüen-tes reações de seu pai.

Havia alguns meses atrás tinha nota-do que um certo sargento passava-lhemuitas vezes pela porta, e enfiava olha-

res curiosos através das rótulas: umaocasião, recolhendo-se, parecera-lheque o vira encostado à janela. Istoporém passou sem mais novidade.(...)Um dia de manhã entrou sem ser es-perado pela porta adentro; alguém queestava na sala abriu precipitadamentea janela, saltou por ela para a rua, edesapareceu. (p.72).

Tem-se a impressão de que, comoLeonardo espia a mulher, o narrador estáali acompanhando, através das rótulas, avida de cada personagem, não deixandoescapar os detalhes. É como se fizesse umaceno ao leitor para que esse tambémpudesse espiar pela greta da porta essasimagens. A rótula está tão perto da pes-soa observada, que a fala da personagemse mistura ao discurso do narrador, comoquando se antecipa, já na Despida às tra-vessuras, a parte “O — Arranjei-me — docompadre”, para agarrar a atenção dos lei-tores. Conclui-se, pois, que, em seus di-versos movimentos no enredo, o narrador,dentro ou fora das casas, vai trazer “novi-dades” aos seguidores da narrativa.

O espaço da barbearia configura-secomo um núcleo de fofocas, “todo bar-beiro é tagarela, e principalmente quandotem pouco o que fazer” (p.115). A loja docompadre é um importante observatórioque nos ajuda a entender melhor as cenasque vão se desenrolando no cenário darua. Assim como Leonardo olhava, orapara o interior da loja, ora para a rua, tam-bém o padrinho acompanhava o cotidia-no a partir desse espaço.

Espiar a vida alheia, inquirir dos escra-vos o que se passava no interior das

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casas, era naquele tempo coisa tão co-mum e enraizada nos costumes, queainda hoje, depois de passados tantosanos, restam grandes vestígios dessebelo hábito. Sentado pois no fundo daloja, afiando por disfarce os instru-mentos do ofício, o Compadre pre-senciara os passeios do sargento porperto da rótula de Leonardo, as visitasextemporâneas do colega deste, e fi-nalmente os intentos do capitão donavio. Por isso contava ele mais diamenos dia com o que acabava de suce-der. (p.75 — grifos acrescentados)

O leitor vai se deparar em vários mo-mentos com outros personagens, que as-sim como o compadre, bisbilhotavam avida de outrem:

Tudo daí em diante foi burburinho,que depressa passou à gritaria, e aindamais depressa à algazarra, e não foiainda mais adiante porque de vez emquando viam-se passar através das ró-tulas da porta e janelas umas certasfiguras que denunciavam que o Vidigalandava perto. (p.14)

O emprego da palavra rótula é, pois,recorrente nesse exercício. Da greta, docanto da porta, observa-se tudo. Comomecanismo de leitura, diríamos que fun-ciona quase como uma câmera oculta. Noespaço da igreja, ao descrever asvestimentas femininas, o narrador deslo-ca o recurso de bisbilhotice: “Mas a manti-lha era o traje mais conveniente aos cos-tumes da época, sendo as ações dos ou-tros o principal cuidado de quase todos,era necessário ver sem ser visto” (p.105).Usadas pelas mulheres nas cerimônias re-

ligiosas ou em situações diversas eram,pois, uma extensão das rótulas das janelase das portas, “eram o observatório da vidaalheia” (p.105).

A rótula e a mantilha são, então, meca-nismos que confirmam a construção deuma narrativa de espiadelas e burbu-rinhos: “(...) a igreja se enchia daqueles vul-tos negros, que se uniam uns aos outros,que se inclinavam cochichando a cada mo-mento” (p.105). Ainda nesse universo fe-minino, vale mencionar a figura da vizinha“dos familiares do protagonista”, que xere-tava todos os passos do garoto e, de man-tilha, será flagrada pela madrinha fazendofofocas sobre a vida íntima dos Pataca:

— É o que lhe digo: a saloiazinha erada pele do tinhoso!— E parecia uma santinha... e o Leo-nardo o que lhe fez?— Ora, desancou-a de murros, e foi oque fez com que ela abalasse mais de-pressa com o capitão... pois olhe, nãoteve razão; o Leonardo é um rapagão;ganhava boas patacas, e tratava delacomo de uma senhora!...— E o filho... que assim mesmo pe-queno era um malcriadão...— O padrinho tomou conta dele; quer-lhe um bem extraordinário... está ma-luco o coitado do homem, diz que omenino há de por força ser padre...mas qual padre, se ele é um endiabra-do!... (p.106)

Espiar, segundo o dicionário eletrôni-co Houaiss é “observar secretamente, como intuito de obter informações; espionar;olhar às escondidas; esperar, aguardar(ocasião); espreitar; dar uma espiadela”. Aesse respeito, vale recorrer ao artigo de

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Célia Pedrosa (2004) sobre Drummondquando acentua que espiar associa-se aespelhar, o que une duas pontas de nossareflexão:

“(...) a etimologia nos confirma que,desde sua origem indo-europeia, espi-ar remete tanto a especular quanto aexaminar, tanto a pensar quanto a ver,portanto, e ao mesmo tempo de pertoe de longe. Espiar e especular, enquan-to modos de ver e pensar, são simulta-neamente experiência do dentro e dofora, em que o homem se constituicomo objeto, porque vê, porque se vêvendo, porque sua visão do outro étambém sua visibilidade a outrem.Espiar e especular são assim, esemelhantemente, modos de reflexão— de refletir, ver, ver-se — e dividemnão por acaso a mesma origem comspecullum/espelho, lugar por excelên-cia da imagem enquanto apreensãosimultânea da semelhança e da diver-sidade, do dentro e do fora, em quetodos os seres tem identificada suaforma/espécies e junto com ela seusespectros (Pedrosa, 2004, p. 57)4.

Não é sem razão que Manuel An-tônio de Almeida constrói um narradorfofoqueiro, que espia e faz espiar, trocan-do o seu papel, ao mesmo tempo, com aspersonagens e com o leitor. Várias são ascenas em que o tom confidencial donarrador, sempre em cumplicidade com oleitor, confirma tal hipótese: “Agora que onosso Leonardo está instalado em quartelseguro, vamos ocupar-nos de alguma coi-

sa de importante que havíamos deixadosuspensa.” (p.160). Mais de uma vez, pára-se a história para ser depois retomá-la:“Agora informemos ao leitor que tudo quese acabava de passar tinha sido com efeitoobra do mestre de reza.” (p.165).

Levando o leitor pela mão, o narradoro faz ver e ouvir o que se passa nos espaçoprivados: “Deixemos o Leonardo seguin-do seu destino acompanhado do MajorVidigal, e vamos ver o que se passou naucharia depois de sua prisão.” (p.299)

No mesmo jogo de quem conta umsegredo, dizendo não querer partilhá-lo,o narrador, ora nega seu próprio poder,reservando-se o direito de ficar calado, oraé capaz de penetrar nos pensamento daspersonagens. Confiram-se as duas situa-ções que se seguem:

O que eles de diziam não posso dizê-lo ao leitor, porque o não sei; sem dú-vida a rapariga consolava o rapaz daperda que acabava de sofrer na pessoado seu amado padrinho.” (p.228)

Lendo na intimidade do pensamentoda velha, com a nossa liberdade decontador de histórias, diremos ao lei-tor, que o não tiver adivinhado, queaquele — ela — referia-se à moça docaldo. (p.296)

Assim, em um momento percebe-seo pacto romanesco em que se conta paraobtenção do efeito de real (Cf. Barthes,1988), em outro desvenda-se a cenaenunciativa como construída, montadacomo no teatro. Daí a referência ao pró-

4 A respeito das etimologias e significados associados ao olhar na cultura ocidental, a teóricamenciona o livro “Janela da alma, espelho do mundo”, de Marilena Chauí.

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prio jogo de cena, de encenação, evidenci-ado “em alguns capítulos desta história”(p.129).

Corrobora essa leitura, a conclusão doromance quando de sua publicação no jor-nal Correio Mercantil, em forma de folhe-tim, depois retirada para publicação emlivro, como mostra Jarouche:

O autor não tem gênio para tratar des-sas coisas (tristes), e, por isso dá fimpedindo aos leitores que esqueçam seutrabalho, não lhe façam carga de seusdefeitos, porque foi apenas um ensaio.Se alguém disser que é mau costumequerer o barbeiro novo aprender nabarba do freguês tolo, ele observaráque os leitores e só eles se hão de apro-veitar de algum fruto bom queporventura este ensaio possa dar, e queportanto tenham paciência com quemprincipia/FIM. (2007, p. 46, grifosacrescentados)

Aqui o autor destitui o narrador e as-sume o exercício da escrita, mais uma vezdialogando com seus pares. A comparaçãodo escritor com o barbeiro não é, pois, for-tuita já que reforça o espelhamento entre onarrador, as personagens e o escritor.

Cumpre-nos mostrar mais detidamen-te como tais aspectos se evidenciam na cons-trução do gênero: romance folhetim. Paraisso recorremos, mais uma vez a Jarouche(2006) quando, mostrando como se inseri-am os capítulos na seção “Pacotilha”, do Jor-nal Correio Mercantil, evidencia suahomologia com o “Escritório da Pacotilha”,subseção em que se publicavam críticas di-retas a comportamentos:

Ali, o gerente, ‘Carijó’, recebia queixas

(‘remessas’), por escrito ou pessoal-mente, sobre assuntos como vadia-gem, agressões a escravos, maus-tra-tos a brasileiros por parte dos patrõesportugueses, adultérios, recrutamen-tos injustos, funcionários públicosrelapsos, padres festeiros e imorais,violência e incapacidade policial etc.etc. (Jarouche, 2006, p.20).

Ora, tal homologia acentua o carátermisto do texto de Manuel Antônio deAlmeida, tão bem definido por ele comoensaio, não só no sentido de exercício, deexperimentação, mas também, de formarelativa, no sentido de escrita em proces-so (cf. Adorno, 2003). Sabemos dos riscosde relacionar um texto ficcional do séculoXIX àquilo que Adorno chamou ensaio,tratando de teorias e conceitos. Ressalta-mos, no entanto, o aspecto da recusa aodogmático e da valorização da experiênciapresentes no texto de Almeida. Além dis-so, o fato de o texto evidenciar seu caráterde linguagem sem deixar de apontar paraa ordem social nos parece uma outra ca-racterística do seu aspecto ensaístico.

Diz Adorno:

O ensaio pensa em fragmentos, umavez que a própria realidade é fragmen-tada; ele encontra sua unidade aobuscá-la através dessas fraturas; e nãoao aplainar a realidade fraturada. (...)a descontinuidade é essencial ao en-saio; seu assunto é sempre um confli-to suspenso.” (p.35)

Assim, o gênero folhetim, no caso, temos dois sentidos a ele em geral conferidos,o de texto ficcional publicado em capítu-los em jornais, ou o de crônica, tratando

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de assuntos do cotidiano (cf. Jarouche,2006, p.28). É bom lembrar, com Cecíliade Lara (1978), que o próprio texto do ro-mance se confundia com os demais textosde seção em que circulava, já que não seassinalava fortemente limites gráficos.

Não é por acaso que a narrativa acolhediscursos diversos — histórico, ojornalístico, o folclórico, o musical — e dic-ções várias — a cômica, a caricatural, a satí-rica, a teatral, a metalinguística. Tudo issoem um texto móvel como suas persona-gens sempre em trânsito pelas ruas e pra-ças da cidade. Móvel também é seu lugarna história da literatura brasileira, como sepode constatar na dificuldade dos críticosem enquadrá-lo em ou associá-lo a gêne-ros e estilos: romance de costumes(Veríssimo, 1978 e outros), novela picares-ca (Montello, 1969; Andrade, 1978), roman-ce realista e/ou naturalista (Veríssimo,idem), narrativa social urbana (Castello,2004), romance malandro (Candido, 1978),entre outros. Assim, é curioso observar queMario de Andrade já afirmava que “Asmemórias de um sargento de milícias sãoum desses livros que de vez em quandoaparecem mesmo, por assim dizer, à mar-gem das literaturas5 ” (1978, p.312-313).Ora, margem liga-se à mobilidade, marcamaior da narrativa tanto em seu enredocomo em sua constituição textual. Por issomesmo, Mario de Andrade, ressaltando a“possibilidade de intercalar histórias inde-pendentes no entrecho”, usa as expressões‘chicoteio’ e ‘arremedo’ “dos diversos aspec-tos da vida” (p.313). O mesmo crítico aludeàs veias pictural, teatral, musical do roman-

ce, e à formação rueira do autor além desua vocação de puxar a língua de um sar-gento veterano que “contava ao ManecoAlmeida casos do tempo do rei velho”.(p.306). Nesse sentido vale lembrar um con-ceito do próprio autor de Macunaíma, o desabença, saber marcado pela mobilidade.

Relacionando a narrativa com o con-texto político da época da publicação doromance em folhetins, marcado pelas di-vergências entre conservadores e liberais,Jarouche afirma que “tudo o que se publi-cava na “Pacotilha” era visto como estra-tégia política — ou, como se dizia, ‘futricapacotilheira’” (2007, p.33).

A expressão futrica reforça nossa per-cepção de que a narrativa se constrói comfofocas e de fofocas, apresentando-se nãoapenas como romance de costumes, mastambém como um relato a propagar ocontar miúdo das esquinas. Cada capítulose configura como uma dessas esquinas eseus freqüentadores ou os que simples-mente passavam por ali. No fim de cadasegmento o narrador fofoqueiro vai bre-car, em algumas situações, os boatos paramanter o público preso à sua história: “En-tretanto vamos satisfazer ao leitor, que háde talvez ter curiosidade de saber onde semeteu o pequeno”. (2008, p.34).

As condições de produção do fo-lhetim nesse caso funcionam como umespelho para o leitor ao acompanhar omovimento desse narrador pelas ruas doRio de Janeiro daqueles tempos: o do tem-po do narrador, “o tempo do rei”, e o dotempo do escritor e seu exercício de umaescrita atenta e crítica.

5 Antonio Candido, em seu primeiro ensaio sobre o livro, assinala como este está “meio emdesacordo com os padrões e o tom do momento e o inclui no rol das obras de ficção “excêntricas”“em relação à corrente formadas pelas outras (do romantismo) (2007, p.531).

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PÚBLICO E PRIVADOEM AS MENINAS,

DE LYGIA FAGUNDES TELLES

RESUMOO romance “As Meninas” (1973), de Lygia Fagundes Telles, publicado no auge da

repressão do regime militar, pode ser lido como configuração romanesca de um discur-so amoroso (BARTHES) e, ao mesmo tempo, como estilização de gêneros privados epúblicos (BAKHTIN) evidenciando a tensão entre luta política clandestina, vida privadae vida pública (ARENDT), no referido contexto político-histórico.

Palavras-chave: discurso amoroso, gêneros, política, vida privada, vida publica

ABSTRACTThe novel “As Meninas” (1973) by Lygia Fagundes Telles, published in the peak of the

repression of the military regime, can be read as a romanesque configuration of a lovingspeech (BARTHES) and, at the same time, as stylization of private and public genres(BAKHTIN) evidencing the tension among clandestine political fight, private life andpublic life (ARENDT),concerning political-historical context.

Keywords: loving speeches, genres, politics, private life, public life

Rogério Silva PEREIRA1

1 Graduado em História pela Universidade Federal de Minas Gerais (1996), Mestre em Literaturasde lingua portuguesa pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (1999) e Doutor emLiteraturas de língua portuguesa pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (2004).Professor da UFGD/Facale. Email: [email protected]

I.

Quem é e o que pensa a jovem univer-sitária, ali pelos idos do pós-68? A per-gunta parece presidir a fatura de As Meni-nas de Lygia Fagundes Telles, romancepublicado em 1973, que aborda três jo-vens estudantes, as meninas do título, naSão Paulo do final dos anos 60 e começos

dos anos 70. Trata-se de romance publi-cado 19 anos depois daquilo que foi consi-derada a maturidade literária da autora(Cf. CANDIDO, 2000, p.206) — na verda-de, seu primeiro romance que é Cirandade Pedra, de 1954.

Alfredo Bosi inscreve Telles na litera-tura contemporânea como sendo escrito-ra de “invulgar penetração psicológica”

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(BOSI, 1997, p. 437). Diz ainda que a auto-ra é especialista em tratar “do climasaturado de certas famílias paulistas cujosdescendentes já não têm norte” (BOSI,1997, p. 474). Esses dois aspectos se cru-zam de modo inventivo em AM. No ro-mance, uma das protagonistas, Lorena, éa típica filha de família rica paulistana queparece perplexa diante da triste novidadeda vida brasileira dos anos 60 e 70.

Disso resulta aquilo que o próprioBosi vai chamar de “romance de tensãointeriorizada” (BOSI, 1997, p. 442). Nessesentido, em AM, Lygia mantém seu esti-lo, aquilo que podemos ver em outrosromances, como p.ex., o já citado Ciran-da de pedra. De fato, no romance, diantedas enormes dificuldades da nova vidabrasileira dos anos 70 que se descortinampara essas meninas, o que se vê é a solu-ção típica de alguns dos principais ro-mances da autora. As heroínas não sedispõem “a enfrentar a antinomia eu/mundo pela ação”. Elas, por assim dizer,evadem-se para dentro de si mesmas,subjetivando o conflito (BOSI, 1997, p.442). O mundo interior dessas heroínas,seus pensamentos, memórias e desejossão objeto do romance.

Assim, como já aludido, em As meni-nas, o leitor tem sob olhos a Lygia afeita aabordar as questões existenciais, psicoló-gicas e afetivas, quase sempre enfocandomulheres, concernentes a certa classe mé-dia brasileira.

Mas aqui há uma Lygia também preo-cupada, como os de sua geração, com osproblemas da realidade político-social bra-sileira.

O pano de fundo histórico de As Meni-nas é o regime militar brasileiro do AI-5: aguerrilha urbana, a repressão policial, as-

pectos da contracultura e da vida dos jo-vens, e as transformações sociais oriundasda modernização-americanização da soci-edade brasileira sob o influxo do projetode internacionalização do regime militar.

O enfoque da vida dessas meninas éfeito pelo fluxo de consciência. O roman-ce expõe para o leitor as consciências dastrês jovens, fazendo-as figurar como nar-radoras que, contudo, não sabem que nar-ram. O leitor abre o livro e já se deparacom Lorena, estudante de Direito da USP,pensativa em seu quarto. As palavras queo leitor lê são a representação da consci-ência da personagem. Aos poucos vê asprincipais questões que a afligem naqueleinstante mesmo em que o romance as ex-põe. Ali estão seus problemas familiares eamorosos, sua relação com as duas ami-gas-colegas, com quem convive numpensionato, dentre outros. No mesmocapítulo, algumas páginas depois, o ro-mance nos expõe a consciência de Lia, asegunda protagonista. Com questões se-melhantes, Lia também está às voltas comproblemas amorosos, que se deixam mes-clar por questões políticas e sociais. Lia éestudante de sociologia. Também nos seuspensamentos, incidem suas preocupaçõescom as amigas-colegas do pensionato. Nocapítulo seguinte, por fim, o romance nosapresenta a consciência de Ana Clara, umaestudante de psicologia. Tal consciênciatambém é atravessada por questões amo-rosas e pela presença das outras duasamigas-colegas do pensionato. As três vi-sões se completam na tentativa da estra-tégia romanesca de responder à perguntaque propusemos no início: como pensa ajovem universitária.

O entrecho se passa em um períodode exceção. A universidade onde estudam

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essas jovens está aparentemente em gre-ve. No período em que transcorre essagreve, se desenrola a estória. Terminada agreve, o romance também cessa: algumaspoucas semanas, em que não sãoexplicitadas quaisquer coordenadas cro-nológicas. Não há datas que possam ser-vir de referencia, mas há coordenadas his-tóricas dispersas que acabam situando oleitor. Exemplo disso é a situação deMiguel, namorado de Lia, guerrilheiro,que é preso pela repressão e lá pelo meiodo romance é solto. Sabemos que ele fi-gura entre um grupo de presos políticossoltos sob exigência de guerrilheiros quehaviam seqüestrado um embaixador (Cf.AM, p. 131 e p. 138)1 , e agora o trocampelos guerrilheiros presos. O leitor se si-tua: o entrecho se passa nos anos 1969-1970, em que tais seqüestros foram pro-movidos no Brasil.

Daí que podemos estender a noção deexceção para o conjunto do romance. Operíodo histórico em que transcorre tam-bém é de exceção: o auge dos desdobra-mentos do AI-5: prisão, tortura, sumiço emorte dos adversários do regime militar.Período de exceção também quanto aosamores das protagonistas: duas delas vi-vem esse período longe de seus namora-dos-amantes. O romance transcorre noperíodo em que o namorado de Lia,Miguel, está preso pelo regime militar.Solto Miguel, o romance também se en-caminha para o fim.

Se os tempos histórico e cronológicoestão turvados, o espaço objetivo tambémo está. De fato, o romance situa seuentrecho na São Paulo desse período. Mas

acaba dando poucas coordenadas espaci-ais ao leitor. Isso parece deliberado. Omundo externo objetivo pouco interessaao romance que, praticamente, se passadentro do quarto — ou de quartos. Oprincipal desses quartos: o da protagonis-ta Lorena, localizado num pensionato pró-ximo a uma grande universidadepaulistana, possivelmente a USP. Nessequarto, deitada na cama, de pernas para oar, Lorena pedala uma bicicleta imaginá-ria — a pretexto de fazer exercícios físicos— sem sair do lugar. Nesse quarto, estábem aprovisionada: chá, whisky, biscoitos,sais de banhos, revistas, livros. Nele, rece-be uma ínfima parcela do mundo que lhediz respeito: as amigas-colegas dopensionato (Lia e Ana Clara), uma ou ou-tra freira do pensionato, alguns amigos.Pouco saberá o leitor sobre a vida deLorena fora desse quarto. Nos momen-tos em que está fora do quarto, pouco éabordada pelo romance. Não se pode fa-lar desse quarto como parte da casa, oudo lar — que é o que a etimologia “quarto”da palavra evoca. Trata-se de um quartointransitivo, sem complemento: quartosolto, quarto de solteiro. Um simples quar-to de pensionato com pouca conjugação,suspenso sobre uma garagem, longe doprédio principal do pensionato. A essequarto, as protagonistas comparecem paraexibir ao leitor a intimidade de suas vidasque é dada, como dissemos, pela técnicaromanesca do fluxo de consciência.

Na verdade, não parece haver vida forado âmbito do quarto. No romance há ou-tros quartos: onde Ana Clara se encontracom o namorado Max, e onde se encon-

1 A referências ao romance serão feitas usando-se a sigla AM.

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trará com um amante furtivo; onde Lia eum “companheiro” se encontram, o “apa-relho” da organização guerrilheira, impro-visado em alcova de amantes; onde Liaconversa com “Mãezinha”, a mãe deLorena, de quem ouve longa confissão.Todos esses quartos acabam sendo metá-foras e desdobramento de uma concep-ção de mundo privado e interiorizado.

Um tal mundo privado deixa claro odesinteresse do romance pelo mundo ex-terno, pelo mundo dito objetivo e pelomundo público. De fato, hierarquizandodrasticamente a realidade, o romance dizao leitor que o que importa é a vida priva-da e subjetiva. O mundo objetivo e públi-co, ainda que exista, está vedado à pesqui-sa romanesca em As meninas. Renuncian-do a esse mundo como espaço de suaspesquisas, o romance prefere sondar aintimidade de suas protagonistas.

Daí o quarto, e nele o divã. É na camaque a verdade parece se manifestar. É nahorizontal, no repouso, e na sondagem deuma certa consciência que o mundo pare-ce se tornar palpável. Lorena está semprena cama, pensando. Lia, ouve “verdades”de Mãezinha enquanto esta está deitada,como se estivessem numa seção de psica-nálise. Ana Clara, sempre drogada ou bê-bada, também nos dá seus pensamentosquando a vemos, deitada, no quarto como namorado, Max, com quem tem poucoa conversar (Este, também drogado oubêbado, sempre está dormindo enquantoo romance nos apresenta, páginas e pági-nas, a consciência de Ana Clara).

Assim, o romance parece dizer que aúnica realidade palpável é a que sedescortina dessa situação: uma consciên-cia privada, ou privatizada, que media omundo para leitor. Respondendo à per-

gunta “como essas jovens vêem o mun-do?”, o romance acaba por nos dar umacrítica dessa forma de ver o mundo, aomesmo tempo em que nos dá uma visãopossível, verossímil, desse mundo.

Uma crítica: o romance deixa que omundo que configura seja avaliado peloleitor. Nesse sentido, dá pouca opiniãosobre essa visão de mundo, limitando-sea expô-lo. Ainda assim, seu título dá pis-tas sobre a opinião de L. F. Telles, a essaaltura com 50 anos, sobre as jovens de seutempo: são “meninas”. As personagens,todas com idades próximas dos 20 anos,não são tratadas como jovens. São biolo-gicamente e sexualmente mulheres; sãouniversitárias, têm namorados, etc, massão reputadas como “meninas” no títulodo romance. A crítica é velada: seusanseios e veleidades são tênues como osde crianças que não sabem o que querem.Exemplo disso é Lia que, envolvida nasquestões sócio-políticas do seu cotidiano,se dispõe a fugir do Brasil em busca doseu namorado, Miguel, tão logo este sejalibertado. Seu empenho político e socialse mostra tênue tão logo a possibilidadede felicidade amorosa com o namoradolhe acena. Telles, nesse sentido, parecepropor no título um modo de avaliar es-sas consciências: são consciências infantis,apesar de serem as consciências das jo-vens universitárias, portanto adultas, da-quele período.

Uma visão verossímil: Ali, pelos idosde 73, momento da publicação do roman-ce, a privatização da vida brasileira apare-ce já clara para a consciência da romancis-ta. O regime militar parece levar a vidanos anos 70 para níveis de privatizaçãoinsuspeitados, sobretudo na luta política,que passa a ser travada de modo privado

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por grupos que pleiteiam a hegemonia,seja à esquerda seja à direita. É daí quesurgem os grupo de luta política clandes-tina, como as organizações de esquerda(MR8, VRP, etc), ou os órgãos que prati-cam o seqüestro e a tortura nos porões dopróprio regime — com ou sem a anuênciadeste. Tudo isso se dá pela limitação dasformas de ação política imposta pelo regi-me via AI-5. Por outro lado, na vida eco-nômica e social, o que se vê é a privatizaçãoda vida, conseqüência de sua americani-zação e do individualismo da sociedade demassas que começa a se consolidar exa-tamente naquele período. A vida configu-rada em As meninas afirma o romancecomo gênero da solidão (Cf. BENJAMIN,1993). A vida familiar, comunitária e pú-blica desaparece em As meninas. A soli-dão, o desencontro e privatização da vidasão seu tema. Tudo isso corresponde àretração do espaço público e a essa criseda vida tradicional e comunitária impostapela modernização a que o regime militarvinha levando a cabo. Ali se configura umavida em que as relações interpessoais pa-recem ceder lugar ao isolamento de cons-ciências que não interagem; em que, naausência de vida pública, os indivíduos re-correm ao vasto coração, à vida subjetivae à interioridade.

O produto assim é uma verossímil re-presentação da vida, interiorizada eprivatizada, por assim dizer — não só dasprotagonistas, mas da própria vida brasi-leira de então. Exemplo dessa interiori-zação, de fuga para o mundo da intimida-de, de desistência do mundo público, é adecisão da personagem Lia (dentre as trêse de longe aquela com maior compreen-são da importância da participação públi-ca), de rasgar os manuscritos de um ro-

mance que escrevia e passar a escrever umdiário. Sinal ostensivo: troca um gêneropúblico (o romance) por um gênero emi-nentemente íntimo (o diário).

II.

Essa configuração de mundo privadoganha reforço num ponto agudo. Trata-se da presença recorrente do discursoamoroso (BARTHES, 1991) estruturandoas consciências das narradoras. As três fre-quentemente encetam monólogos cujointerlocutor presumido é um amante. Liaconversa com um distante e detido Miguel;Lorena conversa com um ausente e M.N., de quem espera um telefonema; AnaClara conversa com seu também “ausen-te” Max (como vimos, sempre bêbado,drogado ou adormecido — nesse sentido,próximo e distante ao mesmo tempo).

O leitor se intromete nessa intimidadeamorosa. Vê sucederem-se as tópicas des-se discurso amoroso. Ali está o eu ena-morado que conversa com um tu. Ali comosugerimos está o monólogo, a espera, aausência, dentre outras figuras do discur-so amoroso, como proposto por Barthes;ali está esse discurso todo ele relegado àintimidade e que, como diz Barthes, nin-guém mais sustenta — um discurso queestá fora do poder e de seus mecanismos(Cf. BARTHES, 1991).

O discurso de Lorena é nesses termoso melhor exemplo. O leitor a vê ali deva-neando, no seu quarto. Espera um telefo-nema de M. N., homem mais velho comquem iniciou um romance que não se con-suma: ela, virgem, espera que ele (casadoe com filhos) inicie-a no amor — mas asituação claudica. Vive esse amor comouma espécie de doença (BARTHES, 1991,

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p.4) da qual convalesce em retiro e solitá-ria — daí talvez o quarto como lugar deconvalescimento — compartilhando sócom Lia seu padecimento. E espera: estáansiosa esperando um telefonema de M.N.que sinalizaria o recomeço do amor, que,no momento em que o romance trans-corre, está interrompido. M. N. está au-sente: leitor e narradora devem à ausên-cia de M.N. o discurso sobre a sua ausên-cia (BARTHES, 1991, p.27). Houve umtempo em que M.N. estava presente. Odiscurso amoroso é um preenchimentodessa ausência.

Mas esse discurso amoroso ali confi-gurado é pouco crítico de si.

Como gênero público, As Meninaspromove uma exteriorização, uma publi-cação, daquilo que é privado (Cf. BAKH-TIN, 2002). Neste caso, a exteriorizaçãodas consciências das protagonistas.Como gênero dialógico (Cf. BAKHTIN,2002), lida com os diversos discursos evozes sociais que são retomadas ecriticadas dentro do romance. Dito isso,entretanto, é preciso assinalar que as pró-prias vozes das consciências das protago-nistas pouco se deixam criticar e exami-nar por si mesmas. As consciências re-presentadas no romance não são críticas;pouco se pensam. Seu objeto é o mundo— e quase nunca elas próprias vistascomo consciências, ou como discursos.De fato, o que é dado ao leitor ver é asuperfície das sensações, a sucessão dasimagens do presente ou da memória. Atécnica é a do ato falho ou do chiste: certapalavra ou certa imagem evocam outrase, na sucessão, é dado curso à narrativa.Assim, por exemplo, o leitor vê Ana Cla-ra se lembrando de um dentista por quempossivelmente foi molestada na infância.

Lembra-se do consultório. Em seguidase lembra da “ponte” (a prótese dentária)colocada para suprir a falta de um dente.A palavra “ponte”, da esfera da odonto-logia, faz a consciência de Ana Clara evo-car um refrão infantil: “fui passando pelaponte a ponte estremeceu, água tem ve-neno maninha, quem bebeu morreu”(AM, p.35). De repente o significante ga-nha novo significado. A palavra “ponte”já não se refere mais a prótese dentária, esim a seu significado mais comum: aconstrução que se estende sobre os rios.Nessa lógica produzem-se consciênciasque se mostram pouco reflexivas. Sãoconsciências poéticas, por assim dizer.Estão presas aos significantes (aos sons,às semelhanças das palavras, às imagensque elas evocam) que se mostram senho-res dos movimentos dessas consciências.

Nesse sentido, trata-se de consciênciassuperficiais. O presente, o aqui-agora, aspercepções, etc, acionam a memóriainvoluntária das narradoras — e a misturadisso é apresentada ao leitor. O fluxo nãose detém sobre esse ou aquele pensamen-to, segue na superfície sem se aprofundar,sem fazer prospecção. O leitor, este sim, sedebruça sobre essas vidas que vivem noimediato. Vê o quanto essas meninas doromance “caminham ao sopro dos ventos”,sem lançar âncora, sem qualquer profun-didade. Não que não haja profundidade emAs meninas. O que não há é profundidadenessas consciências que esse romance exa-mina. Mostrar a ausência de profundidadedessas consciências é, nesses termos, a ta-refa do romance.

Tudo isso leva a uma questão: quemestaria apto a ouvir as vozes dessa consci-ência? Quem é o leitor modelo desse ro-mance? Difícil dizer. Mas é preciso arriscar

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um palpite: talvez seja um psicanalista, umouvido treinado para ouvir chistes, associ-ações de idéias e imagens; capaz decompreeder os fluxos oníricos do textodados pela condensação e pelo deslocamen-to. Há um ouvido que obriga essas “meni-nas” a dizerem o que dizem. Como numaconfissão (FOUCAULT, 1988), essas pare-cem dar ao leitor uma verdade que brotado interior — e tudo é dado a esse leitorpor um método que parece figurar umaseção de análise. Já o dissemos: o quarto eo divã sinalizam esse tipo de interlocução: opaciente falando para um psicanalista.

A psicanálise é onipresente no roman-ce. Édipo reina. Exemplo ostensivo disso éLorena que o evoca no recorrente “ai meupai” (AM, p. 31; p.77), repetido compulsi-vamente no romance, como um refrãoambíguo, que pode ser um cacoete da pes-soa religiosa que evoca Deus, mas que é,sobretudo, a marca da falta não só de seupai, já morto, mas a falta de certa lei.

De fato, são pais ou patriarcas os ho-mens com quem as “meninas” se relacio-nam. Lorena e Ana Clara, com efeito, es-tão às voltas com homens mais velhos.Lorena ama M.N., homem grisalho, já ca-sado e com filhos. Ana Clara, se relacionacom um homem a quem chama apenasde “Escamoso”, também mais velho, aquem não ama e a com quem vai se casarpor interesse. Não se está longe de se pen-sar nesses homens, como sendo paisarquetípicos. E também a mãe de Lorenaestá às voltas com Édipo: namora um ho-mem muito mais novo que ela, Mieux.Este, reputado por uma tia de Lorenacomo golpista, que se relaciona com a mãeintentando dar o “golpe do baú” (p. 70).

A etimologia dos nomes dos amantese namorados reforça essa hipótese de que

os homens do romance são de algummodo variações da autoridade — ou daperda dela. “Miguel” (o guerrilheiro, na-morado de Lia), é “o semelhante a Deus”— na origem hebraica da palavra;“Maximiliano” (o Max, namorado de AnaClara) é “o rival superior” — na origemlatina da palavra; M.N., MarcosNemésios, (o quase amante de Lorena)tem nome do deus da cultura latina, Mar-te, deus da guerra, e da deusa grega quetrás a justiça, Nêmesis; “Miex” (apelidofrancês do amante da mãe de Lorena) é o“melhor”. Todos estão no romance re-presentando o desejo das protagonistaspor homens superiores, altivos, guerrei-ros. Todos, contudo, são nomes irônicos.Nenhum desses homens correspondemà condição mítica que seu nome impõe.Mieux, por exemplo, é exatamente o con-trário do que seu nome evoca: no roman-ce ele é, como já ficou dito, um jovemarrivista, que se aproxima da mãe deLorena por interesse.

Essas meninas, assim, estão num am-biente em que a autoridade, representadapela figura masculina e paterna, está au-sente ou é questionada. A morte do psica-nalista da mãe de Lorena (AM, p. 218),fato aparentemente corriqueiro, é emble-ma disso. Ao mesmo tempo, há nessasmeninas um anseio grande de reposiçãodessa autoridade. Não querem qualquerautoridade. Querem uma autoridade le-gítima — nesses termos o romance é umesforço consciente de configuração da es-trutura política do tempo a quecorresponde, tempo em que a autoridadee o poder do estado ditatorial estão sendoprofundamente questionados.

Isso se evidencia de modo definitivono episódio da morte de Ana Clara por

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uma overdose de drogas (Cf. AM, p.262 ess). Ana Clara morre no quarto de Lorena— e esta com Lia terão de se haver com ocadáver. A situação não é fácil: como ex-plicar à polícia uma morte por overdosede drogas? Depois de medirem as conse-qüências, as duas decidem não chamar apolícia. Optam por deixar o corpo numapraça, longe do pensionato. A solução sejustifica. Não querem investigação: Lia,envolvida com uma organização clandes-tina, pronta para sair do país atrás deMiguel, o namorado, não quer se envol-ver com a polícia — o que a morte de AnaClara acabaria por acarretar.

O contexto assim é o da configuraçãode um mundo em que autoridade e poderestão em crise. As autoridades em geral(pais, polícia, etc) faltam onde deveriamestar presentes. Nesse quadro, o roman-ce parece ser a resposta a uma questãomais complexa: o que pensam e fazemessas meninas, na ausência da autoridadedo poder, do pai e da lei? Ou mais: como éa vida na ausência disso?

III.

É, como já vimos, uma vida com fran-cos sinais de desagregação: solidão,privatização das relações, interioridade eintimismo radicais, dentre outros. A mor-te de Ana Clara, seu envolvimento comdrogadas, etc, será sinal ostensivo do quan-to esses fatores de desagregação aludidosacima não são positivos para essas meni-nas, e já alcançam o último refúgio deLorena, que é seu quarto.

Mais que a droga, a violência do regi-me militar é o sinal de desagregação davida brasileira de então. Ela é o sinal dadesintegração do poder e da autoridade.

Logo no início do Romance, a tortura doregime chega aos ouvidos de Lorena, masjá atingiu o namorado de Lia. Em frag-mentos, essa violência vai penetrando atessitura do romance. De repente, ela ul-trapassa as barreiras da intimidade daspersonagens e se deixa entrever. No quar-to, nas consciências intimistas, nos seusdiscursos amorosos, eis que os signos daviolência surgem como o reprimido queretorna (Cf. AM, p. 17, p. 54), manchandoa intimidade das meninas que se queriapura resguardada do mundo. Isso vai numcrescendo, até que explode na descriçãoda tortura, no meio do romance. Trata-seda carta de um preso político relatando asua tortura no “pau de arara” (Cf. AM, p.146 e 147).

Porém o modo mais exemplar decomo a violência irrompe no discursoamoroso e intimista de As meninas está naimagem dos gêmeos irmãos de Lorena,Rômulo e Remo — nome também dosmíticos fundadores de Roma.

Vamos ao mito, que é esclarecedor. Ali,Rômulo mata Remo por este transgredircerta lei. Rômulo havia proposto uma li-nha, com força de lei, que simbolizaria umfuturo muro a ser erguido, Remo trans-põe essa linha desafiando Rômulo e sualei. Por isso este o mata. Em As Meninas, oque se tem é o contrário: Remo mataRômulo. E o faz num contexto diversodaquele proposto pelo mito: na infânciabrincando com uma arma que não sabiacarregada, Remo atira no irmão.

E morte em violência. Rômulo com ofuro no peito borbulhando sangue, umfuro tão pequeno que se mãezinha ta-passe com um dedo, hein, mãezinha?Foi sem querer, como Remo podia adi-

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vinhar que o Diabo escondera a balano cano da espingarda [...] não chorameu irmãozinho, ninguém é culpado,ninguém. Papai tirou as balas todas,não tirou? [...] Remo querido, passoutudo. Passou. Mas às vezes, está ven-do?, preciso lembrar.” É uma tragédiafamiliar com grande alcance. A famí-lia de Lorena, rica e semi-aristocráti-ca, convive do seu modo com as con-seqüências dessa morte original —como trauma doloroso (AM, p.55).

Lorena revive-o. A cena infantil demorte do irmão retorna à consciência. Apartir dessa lembrança, sobrevêm outras:aos poucos vemos a mãe com seu aman-te, a doença do pai, sua morte, dentre ou-tros. A cena é desencadeada por elemen-tos do presente de Lorena: as notícias deprisão e de tortura de amigos dela e deLia. “Quer dizer que Miguel continua pre-so? E aquele japonês. E Gigi. E outros, es-tão caindo quase todos, que loucura” (AM,p. 17). Dessas notícias, por associação deidéias, a cena da morte do irmão irrompefragmentada na memória, misturada aopresente. Trata-se do referencial de vio-lência que Lorena pode ter. Isolada queestá em seu quarto, em sua consciência,nos devaneios de amor e na espera peloamante que nunca vem, ela recebe a notí-cia da prisão e morte dos amigos de Liadali, ao invés de refletir sobre isso, põe-sea rever imagens do seu próprio passadofamiliar.

Diante da denúncia de violência o quesobrevém é a imagem de uma cena fami-liar, trágica — é verdade — mas limitada.E daí, por sua vez, o drama familiar deLorena se abre para o leitor, junto comseus devaneios amorosos. Mas isso é a

regra. A violência não é discutida: ela apa-rece como coisa bruta dada em si, coisaque se constata e da qual se desvia mu-dando de assunto — é tema tabu. Ela pe-netra as consciências das narradoras comoespécie de retorno do reprimido e que,aos poucos, dá lugar pela associação deidéias a outros temas. Impossível, nessesentido, à forma do romance ir até os po-rões onde se tortura e se mata. Suas nar-radoras vivem longe daquele mundo deguerrilha e tortura. Vivem tudo à distân-cia, como de resto a própria classe médiaque elas representam. Os jornais, tvs erádios estão silenciosos sobre o tema datortura; pouco dizem dos seqüestros, as-saltos a banco, e demais ações da esquer-da. A censura faz emudecer as fontes pú-blicas de informação. A luta entre regimemilitar e esquerda é surda, subterrânea eclandestina. E a classe média sabe dela porfontes tortas, por ouvir dizer. Mesmo aviolência de Estado feita pelos aparelhosde repressão e feita longe dos olhos doEstado, como o Congresso Nacional, e dasociedade civil (como partidos e sindica-tos e associações). É um mundo subterrâ-neo, um mundo não público, e portantoum mundo autônomo, que está fora docontrole dos poderes constituídos. Assimtambém no romance: a violência dos apa-relhos de repressão é algo que se dá a versó de relance, por esse ou outro membroda sociedade ou do Estado, como um in-seto ou um animal subterrâneo que sedeixa entrever na passagem de um vão aoutro na sala de visitas.

Pelas frestas do mundo limpo de clas-se média, se insinua a violência (nesses ter-mos as imagens de insetos e ratos no capí-tulo “Dois” são muito significativas). Damesma forma, pelas frestas da consciên-

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cia de Lorena, advém de relance uma ana-logia com a violência do regime: irmãomata irmão, Remo Mata Rômulo. Espéciede guerra civil instalada no Brasil pós-68— eis a metáfora possível para inserçãodo mito da fundação de Roma em As me-ninas.

Porém, há uma outra leitura para essemito inserido assim, de modo invertido.Sabemos que Remo, transgressor da lei é,por isso, morto por Rômulo — este últi-mo figura no mito mais que um fratricida,mais que um assassino. Sua condição é ade defensor da lei. Ele é o fundador daCidade, aquele que acha a lei mais impor-tante do que os vínculos familiares. Se emAs meninas, Rômulo, o defensor da lei estámorto, é o caso de se perguntar: a lei aínão está desprotegida — no limite, nãoestá ausente?

Aqui atingimos um dos pontos cen-trais do romance. A se pensar no conceitode violência de Hannah Arendt, o que te-mos no romance é a descrição de ummundo sem lei, sem poder e sem autori-dade — propício à irrupção da violência.

Com efeito, sua teoria estabelece umarenovação na conceituação da violência.Para Arendt a violência foi “glorificada”, apartir do pensamento marxista, como sen-do a principal base da mudança histórica(Cf. ARENDT, 1997, p. 49 e ss). Arendtcritica isso: a violência não gera nada alémde mais violência. Diz, além disso, que aviolência foi erroneamente confundidacom o vigor biológico. Para ela a violênciatanto quanto o poder não são fenômenosnaturais ou biológicos. Pensada assim, aviolência seria uma forma natural de ex-pandir o vigor, a força animal, que com-põe a vida biológica humana. Para ela issoé perigoso. A violência pertence, isso sim,

ao âmbito político dos negócios humanos(Cf. ARENDT, 1994, p. 60). Diz ela: “Pensoser um triste reflexo do atual estado daciência política que nossa terminologiasobre violência não distinga entre pala-vras-chave tais como poder [...] autorida-de e violência — as quais se referem a fe-nômenos distintos e diferentes” (ARENDT,1994, p. 36). Poder “corresponde à habili-dade humana não apenas para agir, maspara agir em concerto” (ARENDT, 1994,p. 36). Diz respeito a um grupo que emconsenso decide dar poder a umgovernante ou um líder que age em con-sonância com esse grupo. Esse líder rece-be o poder desse grupo e, a partir daí, sereveste de autoridade. Para Arendt, a es-sência da autoridade é o seu reconheci-mento inquestionável pelo grupo. Despre-zar uma instancia de autoridade é sinal deque o poder investido nela se perdeu. É oriso um dos meios eficazes para se questi-onar a autoridade (ARENDT, 1994, p. 37).É aí que freqüentemente entra a violência.Desaparecido o poder do grupo,descaracterizada a autoridade do líder oudo governante este acaba por usar a forçae os meios de violência para se impor —nesse momento, como se sugere, o poderdesapareceu. A violência aparece assimcomo o conjunto dos meios para que umou poucos se imponham no mando de umgrupo (ARENDT, 1994, p. 37). A violênciaé uma forma de expandir a vontade doindivíduo para submeter um determina-do conjunto de pessoas.

A vida configurada em As meninas édecorrência dessa violência, fruto, por suavez, da deslegitimação do poder e da au-toridade vigentes. O regime militar, na es-teira do golpe e do AI-5, tenta se imporpor ela ao conjunto da sociedade brasilei-

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ra nesse momento. A ausência de figurasde autoridade em As meninas é sintomadisso. No mundo do romance, como vi-mos, autoridade e poder estão em crise. Éo mundo onde o quarto e a interioridadesão os últimos refúgios. Daí a solução pri-vada que as amigas dão para a morte deAna Clara — não se reconhece a políciacomo instrumento do poder de Estado;no romance, ela é ilegítima. Pais, mães,polícia, psicanalista, etc, todos estão au-sentes porque se vive um momento decrise de autoridade na vida brasileira(Note-se de passagem que mesmo a dire-tora do pensionato, madre Alix, parecefraca em sua existência como diretora,madre e autoridade). Nesse mundo infan-til e feminino, de filhas sem pais; onde abusca por um homem, sempre ausente, émetáfora de busca frustrada por uma se-gurança perdida; nesse mundo privado eprivatizado, Rômulo o mítico defensor dalei está morto.

IV.

As meninas tenta responder, como vi-mos, a uma questão. Quem é a jovemuniversitária, na virada dos anos 60 paraos 70 no Brasil? Para isso aborda três per-sonagens, três jovens de classe média, dan-do ao leitor aspectos de suas consciênciase de suas vidas amorosas. Configura asconsciências dessas jovens a partir do olharque elas lançam sobre si mesmas e sobreo mundo. O foco é comprometido e a re-alidade que resulta daí é parcial.

De fato, o mundo aí configurado é, àluz do romance moderno (Cf. BENJA-MIN, 1993), o mundo da solidão, burgu-ês, privado e privatizado. As meninas levaisso às últimas conseqüências: boa parte

do livro se passa dentro de quartos e todoo romance é configurado a partir da ex-posição das consciências e da intimidadedessas meninas. Tal escolha não é aciden-tal, como vimos, ela faz homologia comuma sociedade que está em processo deprivatização — que é a sociedade brasilei-ra dos anos 70.

Um discurso amoroso se desenha apartir das vozes dessas jovens que são tam-bém as narradoras do livro. Seu discursoé um monólogo de espera. Há homensausentes, presumivelmente a origem desuas ansiedades. Um discurso pouco críti-co também se desenha: ele mostra a faceinfantil dessas jovens. Face que é criticadapelo título do livro, “As meninas”, que temo objetivo de situar a posição da autora:essas jovens são meninas, isto é, são in-fantis; estão à procura da felicidade amo-rosa; estão momentaneamente livres dacoerção dos pais, mas carentes de autori-dade; estão preocupadas mais com o vas-to coração do que com a vasta realidadebrasileira de seu tempo — ainda que aquie ali, uma ou outra, entreveja os proble-mas dessa realidade. Nesse discurso quereputamos como superficial, há poucoauto-exame, como vimos. O discurso éromanesco no sentido que Bakhtin (2002)o postula: debruça-se sobre as várias vo-zes dos demais personagens, sobre outrosdiscursos sociais, sobre o mundo comoreferencial — mas pouco se debruça so-bre si mesmo enquanto discurso. De res-to, é um discurso poético, no sentido deque importa nele mais o significante doque os conteúdos do discurso em si.

Nesse mundo amoroso, intimista, in-fantil e privatizado, sobrevém a violência.Suas causas não são evidentes, mas é pos-sível pensar na violência ali como mais um

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fenômeno da desintegração do poder eda autoridade a que o regime militar sub-mete a sociedade brasileira de então. Aconfiguração romanesca é feliz ao mos-trar a vida intimista e privada das prota-gonistas sendo invadida pela violência. Liatrás a má notícia para o mundo do quartode Lorena: os amigos estão sendo presose torturados. O sinal vermelho se acendepara Lorena: a imagem do irmão Rômulomorto é recorrente, conota que uma guer-ra fratricida está a caminho. Conota que aviolência não é a doença no organismo sãoda sociedade: ela está nos subterrâneosda sociedade, pronta para emergir. A sepensar na psicanálise, a violência é o re-torno do reprimido e está na origem mes-ma da vida social. A se pensar com H.Arendt, ela é o fenômeno pré-político queretorna tão logo a polis, a comunidadepolítica, se desordena (Cf. ARENDT, 1994,p. 36 e ss). Mas ela é mais que isso: é indí-cio de que algo está em crise. A lei está sobsuspeição, pois Rômulo, o defensor da leiestá morto. Reforço disso é a escolha deLorena e Lia de não chamarem a polícia.Esta se encontra descaracterizada comoinstrumento de poder é mero instrumen-to de uma autoridade em crise, a qual asduas protagonistas não podem ou nãoquerem reconhecer. De resto, a atitudedelas em renegar a autoridade é coerentecom o todo do romance que faz um tra-balho meticuloso em mostrar a sociedadeem que vivem essas meninas com o cen-tro de autoridade em crise.

* * *

As meninas é romance coerente com aobra de Lygia Fagundes Telles. Ainda queaborde esse ou outro aspecto da vida so-

cial como em contos como “Pomba ena-morada ou uma história de amor” (Cf.TELLES, 1984), ainda que proponha ale-gorias do regime militar como o conto “Aconvenção dos ratos” (Cf. TELLES, 1984),a autora segue, por regra, outra linha. Suaabordagem ficcional é existencial e psico-lógica quase sempre, dando ênfase à psi-cologia dos personagens e a seus dramasexistenciais — como no romance Cirandade Pedra (Cf. TELLES, 1984). As meninas éromance produzido a partir dessa poéticaque visa o psicológico e o existencial. Nes-ses termos, como explicar a preocupaçãocom a “realidade brasileira” daquele perí-odo tão presente no romance? Parte dissodeve ser creditada às demandas do tem-po. As exigências estético-políticas daspatrulhas ideológicas parecem, ao menosem parte, guiar a mão da autora. Ali pelosidos dos anos 60 e 70 os intelectuais e es-critores são convidados, por vezes cons-trangidos, a falar dessa “realidade” — tor-tura, arbítrio, guerrilha, violência urbana,são temas recorrentes a partir de então. L.F. Telles “toca” nesses assuntos em As Me-ninas. Daí a coerência desse romance: tra-ta-se de um romance que, falando das di-fíceis questões da tortura e do arbítrio,detém-se, sobretudo, nas questões dainterioridade e na psicologia de mulheresde classe média e na vida dessa classe soci-al, como ficou consagrado no estilo daautora desde sua estréia. Suas jovens uni-versitárias são meninas verossímeis. Eisum mapa a ser considerado quando o casoé se perguntar o que é que pensa a gera-ção que foi contemporânea dosprimórdios da sociedade de consumo noBrasil, da contracultura e da repressão dosanos 60-70. A autora parece acertadamen-te identificar ali o surgimento do mundo

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da superficialidade contemporânea noBrasil. O romance, nesse sentido, equili-bra com cuidado os dois lados da balança:o exame do mundo da classe média, comseus problemas afetivo-psicológico-exis-tenciais, de um lado, e a crítica político-

social, de outro. Parece ser a solução en-contrada pela autora para, mantendo-seno seu estilo, ceder às exigências político-estéticas de seu tempo a que ClariceLispector acaba cedendo também com oseu A Hora da Estrela.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARENDT, Hannah. Sobre a violência. Trad. André Duarte. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994.

ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Trad. R. Raposo. Rio de Janeiro: ForenseUniversidade, 1997.

BAKHTIN, M. Questões de Literatura e de Estética: a teoria do romance. Trad. de AuroraFornoni Bernardini (et. alii). São Paulo: Hucitec/editora da Unesp, 2002.

BARTHES, Roland. Fragmentos de um discurso amoroso. Trad. Hortênsia dos Santos SãoPaulo: Francisco Alves, 2003.

BENJAMIN, Walter. O narrador: considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. Magiae Técnica, Arte e Política, ensaios sobre literatura e história da cultura. Trad. Sérgio PauloRouanet. São Paulo: Brasiliense, 1993. (Obras escolhidas v.1)

CÂNDIDO, Antônio. A educação pela noite e outros ensaios. São Paulo: Ática, 2000.

FOUCAULT, Michel. Scientia sexualis. In: História da Sexualidade I: A vontade de saber.Trad. Maria Thereza da Costa Albuquerque e J. A. Builhon Albuquerque. Rio de Janei-ro: Edições Graal, 1988. p.51-71.

TELLES, Lygia Fagundes. As Meninas, Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

TELLES, Lygia Fagundes. Ciranda de Pedra. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.

TELLES, Lygia Fagundes. Seminário dos ratos. 4. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,1984.

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A HISTORIOGRAFIA E OENSINO DE HISTÓRIA

RESUMOO presente trabalho visa discutir questões pertinentes ao ensino de história, nas

escolas de formação básica. Entre outras questões, pretendemos discutir, dois grandesproblemas educacionais do momento, que refletem acima de tudo no ensino de histó-ria: a deficiência de referencias teóricas, apresentada pelos educadores e os reflexosdestas deficiências no trabalho educacional frente às transformações sociais produzidaspela pós-modernidade. Abordaremos também a importância da afinidade do profes-sor com um método teórico para tornar mais eficiente o processo de ensino, acima detudo para construirmos uma história crítica que atenda as exigências educacionais domundo atual.

Palavras-Chave: educação, historiografia, história crítica.

RESUMENEste trabajo pretende discutir cuestiones relevantes para la enseñanza de la historia,

en las escuelas de formación básica. Entre otras cuestiones, estamos discutiendo, dosgrandes problemas educativos del momento, que reflejan sobre todo en la enseñanzade la historia: la deficiencia de referencias teóricas, presentado por los educadores y elimpacto de estos puntos débiles en la labor educativa frente social cambios producidospor post-modernidad.

También la importancia de afinidad del profesor con un método teórica para hacermás eficiente proceso de educación, sobre todo para construir una historia crítica quecumple con los requisitos del mundo de hoy educativo.

Palabras-Clave: la educación, la historiografía, la historia crítica.

Sidiclei Roque DEPARIS1

1 Professor da Rede Estadual- MS, Mestre em História Universidade Federal da Grande Dourados(UFGD).

O ensino aprendizado é um instrumento indispensável nas relações

sociais, especialmente no processo da for-mação humana. Cada sociedade a seu

modo transmite as gerações posterioresos hábitos, valores, conceitos, enfim, aqui-lo que a geração atual gostaria de deixarcomo herança a seus sucessores. Porém

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os meios utilizados para que este proces-so aconteça, são os mais variados, e osrumos que são tomados para repassar osconhecimentos existentes, são importan-tes para a eficácia deste processo. Quantomais eficientes forem os mecanismos uti-lizados, maior será o retorno que se pro-duzirá posteriormente. Os meios que uti-lizamos são fundamentais, pois eles con-tribuem, para que o educando desenvol-va capacidades de leitura crítica dos acon-tecimentos, de forma a compreender oque realmente se passa no cotidiano.

Neste processo o papel a ser desem-penhado pelos educadores, torna-se im-prescindível, especialmente porque cabea estes a função de encaminhar oaprendizando apontando os rumos quedeverão ser seguidos posteriormente. Oaluno por sua vez necessita dentro destecontexto ser instigado a construir umagama de conceitos e leituras do mundo,capazes de oferecer perspectivas e possi-bilidades que o façam agente de suas es-colhas, possibilitando assim diferenciarrealidade e ilusão, pois isso se torna fun-damental para que ele se sinta parte inte-grante da construção histórica social.

Numa sociedade extremamente con-turbada e complexa, onde diariamente seoferecem um expressivo número de in-formações, torna-se fundamental que aspessoas sejam capazes de distinguir situa-ções que realmente são concretas e con-tribuam para sua formação; porém mui-to mais importante é ter a percepção decomo agem os mecanismos ideológicos,que manipulam e encobrem a realidadedos fatos.

Neste contexto, ao educador é dele-gado um papel estratégico: Dar aoaprendizando condições e motivações

para que ele se insira num processo cons-trutivo, elabore seus conceitos fundamen-tais e faça uma leitura dos acontecimen-tos de forma crítica, porém sem se sentiralheio aos acontecimentos. No entanto, ogrande desafio se faz, principalmente namedida em que parte dos educadoresenfrenta enormes dificuldades dadas àscondições que lhe são postas. O proble-ma estrutural das instituições de ensinoagrava-se ainda mais, quando percebe-mos que o professor, em muitos casos,também se encontra muito aquém da exi-gência da sociedade contemporânea. Odiscurso do ensino crítico que normal-mente se prega nas escolas produz na re-alidade efeitos muito abaixo do espera-do, pois quase sempre é algo fragmenta-do e sem o embasamento teórico neces-sário, conhecimento este que dispõe deprodução científica capaz de contribuir demaneira significativa para um melhoraprofundamento e eficácia do ensino.

A sociedade pós-moderna suscitouinúmeros acontecimentos singulares nahistória que se tornaram os grandes de-safios a serem enfrentados pela escola.Nesta nova constituição social o desafiomaior recai sobre o ensino de história,uma vez que os acontecimentos atuaisgeralmente se reportam a retomada dequestões fundamentais ligadas as mino-rias sociais que sempre foram sufocadaspelas elites dominantes. Ricardo Oriá, emseu trabalho, O Saber Histórico em Sala deAula, afirma:

“... a partir de meados da década de 70e principalmente na década de 80 as-sistimos a emergência dos movimen-tos populares, mulheres, negros, índi-os, homossexuais etc. que, até hoje,

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reivindicam para si o alcance e o exer-cício de cidadania e participação polí-tica no processo decisório nacional.Esses movimentos colocam na ordemdo dia o interesse pelo “resgate” de suamemória, como instrumento de lutae afirmação de sua identidade étnica ecultural”2.

Esta busca de reafirmação das identi-dades coloca em choque a postura do pro-fessor em sala de aula. As exigências atu-ais onde se busca principalmente atravésda escola fazer um processo de inclusãodaqueles que sempre foram renegadospela sociedade, precisa ser acompanhadopor um conteúdo teórico que de susten-tação a esta luta. Geralmente nas pesqui-sas realizadas com educadores, estes de-monstram a preocupação em transmitiraos alunos a história em uma perspectivacrítica, apontando os problemas sociais, eas possíveis causas; mesmo os que dizemdesconhecer as concepções historiográ-ficas, procuram não perder de vista a di-mensão crítica da história. Porém estapreocupação geralmente não vem associ-ada a nenhuma historiografia determina-da. Outro fator importante a ser destaca-do é que por história crítica normalmen-te os professores entendem a relação pas-sado, presente.

Esta relação quase sempre se buscafazer porque na concepção da maioria éimportante retomar o passado como for-ma de mostrar ao aluno a continuidadede determinados fatos no presente, e nãopara se compreender fatos que surgemna atualidade.

Na tentativa de obter maior êxito nostrabalhos educacionais, passaram a fazerparte do cotidiano do professor os meca-nismos tecnológicos, além de outras téc-nicas que são utilizadas como forma detornar as aulas mais atrativas e inserir oaluno dentro de uma perspectiva críticade leitura social. Porém, Sandra CristinaFagundes em artigo publicado sobre otema, salienta que, geralmente os profes-sores entrevistados se apresentam comoprotagonistas de uma proposta renovadade educação, abordando assuntos do in-teresse cotidiano do aluno. Estes interpre-tam esta prática educacional como críticae atendente das necessidades da socieda-de atual, mas geralmente, mesmo com autilização de novos recursos, se continuaa praticar a velha e tradicional práticapositivista, onde o factual e os aconteci-mentos dativos ocupam o espaço central.O livro didático utilizado, na maioria doscasos torna-se a única fonte de pesquisapara o aluno, e o único referencial do pro-fessor na preparação das aulas.

O uso do livro didático reconhecida-mente é um recurso importante para oensino, segundo os professores, porémineficiente para atender as perspectivasde um ensino crítico, não garantindo umacompreensão de como os homens atuamna realidade, fazem a história e elaboramo conhecimento.

Esta visão em relação ao livro didáticofaz com que os professores utilizem re-cursos didáticos alternativos, para contri-buir no sucesso do trabalho. Neste senti-do para a grande maioria, os recursos al-ternativos são vistos como mecanismo de

2 ORIÁ. Ricardo. Memória e ensino de história.

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construir um ensino mais eficaz e crítico.Porém os recursos, que contribuem fun-damentalmente, precisam ser utilizadosdentro de uma perspectiva teóricahistoriográfica, ao contrário corre o riscode tornar-se um ensino fragmentado.

O domínio de uma correntehistoriográfica, para o educador não podeser negligenciado, devendo ser funda-mental a diferenciação entre ambas. Umahistória sob o ponto de vista positivistanão pode ser crítica, pois é sempre vista apartir da objetividade dos fatos, não bus-cando ligação nenhuma com juízo de va-lores ou determinação social. Nesta con-cepção o ensino deve apenas se ocuparna tarefa de apresentar os fatos passa-dos, sem a interação do sujeito, onde osfatos falariam por si próprios.

Tanto o Marxismo quanto a NovaHistória, mesmo com suas particularida-des e limitações, buscam construir umahistória onde o sujeito deve ser o agentecapaz de caminhar por si só. Para o mate-rialismo histórico o homem diferencia-sedos demais animais, justamente pela ca-pacidade de construir o processo históri-co. Marx e Engels afirmaram:

“...a história não faz nada, não possuiuma riqueza imensa, não dá comba-tes, é o homem real e vivo que faztudo isso e realiza combates: esteja-mos seguros de que não é a históriaque serve o homem como de um meiopara atingir- como se ela fosse um per-sonagem particular- seus próprios fins;ela não é mais que a atividade do ho-mem que persegue os seus objetivos.3

Dentro desta perspectiva de colocar ohomem como sujeito ativo e construtorde sua própria história o materialismodesmonta a proposta mecanicista apre-sentada pelos positivistas, proporcionan-do assim a possibilidade de um conheci-mento histórico crítico. Dentro das con-dições sociais atuais - talvez muito maisque em épocas anteriores – onde o mo-delo social busca padronizar nivelandotodos em patamares comuns, faz eco aspropostas historiográficas de vertentescríticas como o marxismo, onde o sujeitodeve ocupar o centro das suas decisões,que só pode ser feita a partir de uma lei-tura crítica dos acontecimentos. Tambémmerece uma análise especial a propostaeducacional da nova história, que buscaantes de tudo tirar a história de um pas-sado fossilizada para torná-la história viva,tendo no presente o referencial para bus-car a compreensão social e a produção doconhecimento histórico. Em lugar de fa-tos prontos, definidos, cristalizados, osadeptos desta corrente historiográficapropõem uma história em construção, edentro desta construção a perspectivas deque todos somos agentes que contribu-em para a formação do processo históri-co. Em síntese, tanto para o Marxismoquanto para a Nova história, o conheci-mento precisa ser apreendido de formacrítica, pois para estas a relação sujeitoobjeto se fundamenta na interação e nãoum apossando-se do outro.

Ao professor é importante a com-preensão do momento social e que al-ternativas podem ser introduzidas paracolaborar no exercício do ensino apren-

3 MARX, ENGELS. La Sagrada Familia. IN. Cadernos de história.

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dizado. Porém a grande maioria doseducadores permanece alheios aos de-bates teóricos, muitos pelo desinteres-se outros pelo distanciamento da aca-demia com o passar dos anos e a gran-de maioria pela falta de oportunidadesde atualização gerada pela excessiva car-ga de trabalho exigida pelas condiçõessociais atuais.

A exceção de poucos, segundo SandraCristina, os professores não definem ospressupostos das concepções teóricas queperpassam seus discursos. Mesmo que agrande maioria trabalha dentro de umaperspectiva crítica de ensino da história,porém estas não conseguem ser situadasdentro do âmbito de nenhuma correntehistoriográfica. Frente estas circunstânci-as, o que se pode perceber é que o ensinode história, em várias situações, apenasreproduz o conhecimento, que chega atéos professores através do livro didático.

Enquanto os professores de história nãoconhecerem as concepções historiográfi-cas vigentes e não embasarem o conheci-mento em conceitos fundamentadosnuma historiografia que realmente sejacrítica, por mais que utilizem recursos di-ferenciados para ensinar, estarão apenasreproduzindo receitas acríticas, que nãocontribui para mostrar ao aluno que ahistória é um processo em construção queresulta da relação entre homens, do qualo aluno é parte integrante.

A escola transformadora que formepessoas capazes de enfrentar o mundo demaneira que não sejam alienados pelamassificação social vigente, passa funda-mentalmente pela maneira como o pro-fessor – especialmente de história – con-duz o aluno no processo de aprendizado;este será eficaz se embasado em conheci-mento científico seguro, que nos é ofere-cido pela produção historiográfica.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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LIMA, Sandra Cristina Fagundes de. História Tradicional e História Crítica na Fala dosProfessores. – Artigo. In: Cadernos de História. Nº 7. UFB. Uberlândia, MG: 1997/98.

ORIÁ. Ricardo. Memória e Ensino de História. Artigo. In: O Saber Histórico na Sala deAula. Contexto. SP: 1998.

ENGELS, Friedrich e MARX, Karl. La Sagrada Família. 2ª ed., Buenos Aires, Ed.Claridad. 1971.

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O JUIZADO ESPECIALCRIMINAL DA COMARCA

DE DOURADOS: UM ESTUDOSOBRE O PERFIL SOCIAL

DOS CASOS

RESUMOEm um contexto mais amplo do processo contemporâneo de informalização dos

procedimentos judiciais, com o intuito de uma ampliação do acesso à justiça no Brasil,fora criado através da Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995, os Juizados Especiais Cíveise Criminais. A referida lei prevê agilidade no atendimento dos processos de menorpotencial ofensivo, cuja pena não exceda a dois anos de detenção, tendo como princípi-os a celeridade na tramitação dos processos, uma justiça mais acessível e menos buro-crática, um caráter despenalizante que priorize a conciliação para resolução dos litígiosdessa natureza. O presente artigo é resultado de um levantamento quantitativo dosprocessos criminais tramitados nos Juizados Especiais Criminais da Comarca de Dou-rados, nos anos de 2007 e 2008 totalizando 4960 processos pesquisados. A justificativapara esse levantamento se sustentou na necessidade de se conhecer melhor o perfilsocial dos casos para, com isso, compreender a lógica de funcionamento dos JuizadosEspeciais Criminais no Brasil.

Palavras-Chave: Juizados Especiais Criminais; Acesso à Justiça; Informalizaçãoda Justiça.

ABSTRACTIn a broader context of the contemporary process of informality of the proceedings,

with the aim of broadening access to justice in Brazil, was created by Act 9099 of 26September 1995, the Special Civil and Criminal Courts. The Act provides agility in theprocesses of lower offensive potential, whose sentence will not exceed two years’imprisonment, with the speed in the principles of procedures, a justice more accessibleand less bureaucratic, one that focuses on character despenalizante for conciliationresolution of such disputes. This article is the result of a quantitative survey of criminalcases handled in the Special Criminal Courts of the District of Dourados, in the years2007 and 2008 a total of 4960 cases surveyed. The rationale for this survey is held on the

Rogério Fernandes LEMES1

1 Graduado em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Grande Dourados.

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Desde os clássicos da Sociologia, o Direito se destaca como um fenômeno

social privilegiado. Contudo, a aproxima-ção entre Sociologia e Direito ganhou con-tornos mais nítidos apenas recentemente.Segundo Santos,

Foi apenas nas décadas de 60 e 70 quese consolidou um novo e vasto campode estudos sociológicos sobre a admi-nistração da justiça, a organização dostribunais, a formação e recrutamentodos magistrados, suas motivações paraas sentenças e ideologias políticas eprofissionais, custo da justiça,bloqueamento dos processos e o rit-mo do seu andamento em suas váriasfases. As condições teóricas para essaconsolidação se sustentaram no desen-volvimento de três áreas de conheci-mento: a Sociologia das Organizações,especialmente o interesse específicopela organização judiciária e pelos tri-bunais; a Ciência Política, pelo reco-nhecimento dos tribunais enquantoinstância de decisão e de poder políti-co; e a Antropologia do Direito, pelasubstituição da ênfase nas normas pelaênfase nos comportamentos e nas re-presentações (SANTOS, apudFAISTING, 2009: 17-18).

Em linhas gerais, pode-se dizer que sãotrês os temas centrais que ocupam as pro-duções na área da Sociologia do Direito: o

acesso à justiça, a administração da justiçae os mecanismos de resolução dos confli-tos sociais. A ampliação do acesso à justi-ça, juntamente com a questão da morosi-dade no andamento dos processos, cons-titui a base do que se convencionou cha-mar de “crise do Judiciário”, o que reper-cutiu no interesse de cientistas sociais peloestudo do sistema de justiça.

Com efeito, o acesso à justiça é o temaque mais diretamente equaciona as rela-ções entre igualdade formal e desigualda-de social, pois a crença de que todos sãoiguais perante a lei significa uma igualda-de meramente formal, já que a isonomia,nesse caso, decorre da norma jurídica enão da realidade social. Para Cappelletti eGarth (1988:31-73), o movimento de aces-so à justiça no Estado moderno se desen-volveu a partir de três fases: a assistênciajudiciária como meio de superar as bar-reiras existentes; as reformas necessáriaspara a defesa dos interesses difusos; e, astransformações no processo visando aber-tura das necessárias vias de acesso. Nestaúltima fase, onde o objetivo é tornar osprocedimentos mais céleres, informais eeconômicos para determinadas demandassociais, a justiça “informal” tem sido o prin-cipal instrumento utilizado, pois busca umajustiça rápida, menos burocrática e sem anecessidade de formalismos (FAISTING,2009:13).

É nesse contexto do processo contem-porâneo de informalização da justiça que

need to better understand the social profile of the cases to thereby understand the logicof operation of the Special Criminal Courts in Brazil.

Keywords: Special Criminal Courts; Access to Justice; Informalization Justice.

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foram surgindo, paralelamente à justiçacomum e formal, novos mecanismos deresolução de conflitos a partir de institui-ções ágeis e mais ou menos profissionaliza-das, de forma a ampliar o acesso e dimi-nuir a morosidade judicial. Na esfera cri-minal, esse movimento de informalizaçãotambém busca alternativas de controlemais eficazes e menos dispendiosas do queo sistema penal tradicional, conferindo aoacusado uma gama de alternativas como,por exemplo, a aplicação da pena de mul-ta ou prestação de serviço à comunidade.Ainda como característica desse movimen-to incorpora-se a participação efetiva davítima para o encaminhamento da ques-tão nas chamadas “soluções conciliatóri-as”, que visam promover a interação face-a-face entre vítima e acusado, como for-ma de superar o conflito (AZEVEDO,1999).

Tendo como pano de fundo essecontexto mais amplo do processo contem-porâneo de informalização da justiça e aforma como ele se institucionalizou no sis-tema de justiça brasileiro, o presente arti-go é reflexo de uma pesquisa quantitativana qual se procurou compreender, a par-tir de um estudo de caso desenvolvido emuma Comarca de porte médio do interiordo Estado de Mato Grosso do Sul, o perfilsocial dos casos que chegam aos JuizadosEspeciais Criminais, base na qual, opera ajustiça informal criminal no Brasil.

Inicialmente, serão apresentadas ascontribuições teóricas relativas ao acessoà justiça bem como, e dentro dele, domovimento de informalização da justiça,mostrando as principais característicasdesse processo. Em seguida, seráapresnetado o resultado da pesquisa rea-lizada na Comarca de Dourados.

ACESSO À JUSTIÇAE AS “PEQUENAS CAUSAS”

NO PODER JUDICIÁRIO

De acordo com Friedman (1984:58-59), nos Estados Unidos, em 1913, especi-ficamente na cidade de Cleveland, surge aPoor Man’s Court (Corte dos HomensPobres), um órgão jurisdicional especialpara cuidar das “pequenas causas”, sendomuito bem recebida pelos americanos que,segundo Carneiro (1985), o período de1912 a 1916 estruturou essas cortes emvárias regiões americanas. Destaque paraa quebra da Bolsa de Valores de NovaIorque, em 1929, que fortaleceu ainda maisa adoção dessa forma especializada de jus-tiça, com julgamentos de causas inferioresa cinquenta dólares americanos.

Tratar do processo contemporâneo deinformalização da justiça é, sobretudo, tra-tar da questão do acesso à justiça. ParaCappelletti e Garth (1988:09), os chama-dos estados liberais burgueses dos sécu-los XVIII e XIX caracterizavam-se por suafilosofia individualista dos direitos. Teori-camente, o acesso à justiça era concebidocomo um direito natural, anterior mes-mo, ao próprio Estado e de forma iguali-tária para todos. Contudo, efetivamente,não era o que acontecia e o Estado per-manecia passivo quanto às necessidadesde seus indivíduos. Assim, a justiça tinhaseu alto preço e acessá-la pressupunha tercondições para tal. O sistema formal enormativo garantia um acesso equitativo,porém não efetivo.

Estudiosos do Direito e o próprio sis-tema judiciário não percebiam que a desi-gualdade econômica entre as partes liti-gantes, resultava em um problema que

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poderia interferir diretamente no resulta-do final dos processos, contrapondo-se aoprincípio formal do acesso igualitário paratodos. Assim, todo e qualquer avanço nosentido de garantir o acesso a uma justiçapara todos era sugerido não a partir darealidade das partes, mas do procedimen-to jurídico, configurando-se em uma jus-tiça distante dos interesses da maioria dapopulação.

Na medida em que os direitos civis,políticos e sociais (MARSHALL, 1963) fo-ram se consolidando a partir do séculoXVIII observou-se que a intervenção doEstado era fundamental para assegurar osdireitos básicos à população. As mudan-ças do welfare state conferem direitos subs-tantivos aos indivíduos e o acesso à justiçatornara-se requisito primordial para a efe-tiva garantia de um sistema jurídico queassegurasse a igualdade de direitos.

Essa nova concepção do acesso à justi-ça iria requerer dos juristas algumas mu-danças de mentalidade, a saber: a) o reco-nhecimento de que as técnicas processu-ais devem servir às questões sociais, le-vando em consideração a realidade daspartes litigantes; b) que a corte não é oúnico lugar para a resolução de conflitose; c) qualquer regulamentação processualtem efeito importante sobre a forma comoopera a lei, a frequência de sua execução,a quem realmente beneficiará e seus im-pactos na sociedade (Cappelletti e Garth,1988:13).

Apesar disso, os obstáculos de acessoà justiça persistiram. Segundo os autores,apesar de haver nas sociedades modernasuma crescente aceitação do acesso à justi-ça como um direito social básico, suaefetivação para o atendimento das deman-das da maioria da população ainda é algo

vago. Destaca-se entre os principais obs-táculos do acesso à justiça o alto custo doprocesso associado à morosidade no an-damento dos mesmos. Os honoráriosadvocatícios normalmente inviabilizam oacionamento do sistema jurídico e se tor-nam a principal despesa individual paraos litigantes na grande maioria dos países.Segundo Cappelletti e Garth (1988:17), naAlemanha os valores pelo trabalho dosadvogados estão previamente definidos deacordo com o valor da causa, permitindo,dessa forma, que as partes envolvidas naação tenham uma previsão de suas des-pesas com advogados, diferente de outrospaíses onde é impossível prever os custoscom o processo.

Portanto, os autores concluem que osaltos custos dos processos constituem umaimportante barreira para o acesso à justi-ça. Se o fator econômico pode se consti-tuir em um dos principais obstáculos eco-nômicos ao acesso à justiça, o problemase agrava ainda mais quando se trata dascausas de menor valor, que são as maisprejudicadas pelos altos custos. O Projetode Florença, desenvolvido por Cappellettie Garth na década de 1970, demonstrouque o custo da ação judicial cresce à medi-da que se reduz o valor da causa. Daí nos-so interesse em estudar os crimes de me-nor potencial ofensivo que, no Brasil, sãonormalmente considerados de menorimportância, inclusive por parte de mui-tos operadores do Direito.

O tempo é outra dificuldade que preci-sa ser tratada com especial atenção naquestão do acesso à justiça. Por exemplo,se a demora da ação judicial for combina-da, em alguns países, com a oscilação in-flacionária, segundo Cappelletti e Garthos resultados podem ser “devastadores”.

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A Convenção Européia para Proteção dosDireitos Humanos e Liberdades Funda-mentais reconhece, em seu texto, que umajustiça só será acessível se cumprir suasfunções dentro de um “prazo razoável”.

No Brasil, o acesso à justiça, é um temarelativamente recente e somente na déca-da de 80 iniciam-se as pesquisas sociológi-cas sobre o assunto. Segundo o texto Aces-so à Justiça: um olhar retrospectivo, de ElianeBotelho Junqueira, o tema abrange as in-vestigações sobre o Poder Judiciário e so-bre as formas alternativas de resolução deconflitos. No entanto, vale destacar que adiscussão sobre o acesso à justiça no Bra-sil não se deu da mesma forma que nospaíses centrais, onde a motivação estavadiretamente ligada à crise do Estado dobem estar social. Aqui, segundo Junqueira,havia a necessidade da expansão dos di-reitos básicos à população como saúde emoradia, que em sua maioria não tinhaacesso à justiça devido a um ordenamentojurídico liberal-individualista ou damarginalização socioeconômica. Basta di-zer que o Brasil não foi incluído noFlorence Project, pesquisa internacionalcoordenada Cappelletti e Garth na déca-da de 70.

Em âmbito nacional, ainda segundoJunqueira, o tema do acesso à justiça écompreendido sob dois eixos principais: oacesso coletivo à justiça em meados dosanos 80 e as investigações sobre as formasestatais e não-estatais de resolução de con-flitos, destacando os novos mecanismosinformais incorporados pelos JuizadosEspeciais de Pequenas Causas criados nes-se período. A pesquisa desenvolvida porBoaventura de Sousa Santos na década de70, na favela do Jacarezinho, Rio de Janei-ro, influenciaria profundamente na com-

preensão desses dois eixos citados. Teori-camente, segundo a autora, o tema doacesso à justiça no Brasil está ligado às in-vestigações a partir do tema do“pluralismo jurídico”.

As invasões urbanas, desencadeadasno início dos anos 80 no Recife, tambémcontribuíram para o fortalecimento doconceito de representação coletiva. Impe-didos de acionarem o Poder Judiciário, osmovimentos acabaram ganhando desta-que em outros locais, informais, paralelose ilegais, o que fez com que alguns magis-trados percebessem a necessidade de um“tratamento diferenciado para classes debaixa renda e prevalência de moradia so-bre o direito de propriedade”.

Devido ao fato do Poder Judiciário daépoca ser incapaz de resolver aqueles con-flitos coletivos, para Moura (1990:37) umaampliação do acesso à justiça seria neces-sária através da atualização do Poder Ju-diciário e do aperfeiçoamento democráti-co dos processos decisórios do Poder Exe-cutivo. Concluiu-se, com o trabalho deCarvalho (1991), que as formas não legaisdas soluções dos conflitos sociais no Riode Janeiro e no Recife indicavam a exis-tência de um sistema legal de justiça nãoacessível.

Como já sugerido anteriormente,compreender a importância do acesso àjustiça como um direito social básico in-clui, também, compreender a importân-cia das chamadas “pequenas causas”. Masde onde parte o olhar que concebe oslitígios sociais como pequenos? São pe-quenos para quem? Sem compreender alógica do discurso que domina o conceitode pequenas causas e o que de fato eletem a nos dizer, pouco se poderá avançarno debate sobre o acesso à justiça no Bra-

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sil. Para Ferraretto, “o que é irrelevantepara um é essencial para outro”, ou seja,as causas não são grandes nem pequenaspelo seu valor econômico, mas pela con-dição econômica dos usuários do siste-ma de justiça.

Nos Estados Unidos, por exemplo,entende-se por pequenas causas os pre-juízos materiais não superiores a mil dó-lares americanos e na Suécia, mil e cemdólares, sendo que os litígios não são aque-les que envolvem a família. No Brasil, aLei 7.244, de 1984 criou o Juizado Especialde Pequenas Causas para atuar em causascíveis com valor de até 20 salários míni-mos, devendo se orientar por critérios desimplicidade, rapidez, informalidade eeconomia processual. Mais tarde, a Cons-tituição de 1988 atribui ao Estado brasilei-ro a criação de “Juizados Especiais” comjuízes togados ou leigos competentes paramediarem às causas cíveis de menor com-plexidade e as infrações penais de menorpotencial ofensivo. Finalmente, em 1995 écriado, através da Lei 9.099/95, os JuizadosEspeciais Cíveis e Criminais.

A concepção dos Juizados Especiais noBrasil surge em um contexto internacio-nal de informalização da justiça, no qualse constatou que, na sociedade moderna,a repressão não era capaz de resolver de-terminados conflitos sociais. Além disso,acreditava-se que as demandas oriundasdos delitos da vida cotidiana como a vio-lência conjugal, brigas de vizinhos ou detrânsito, por serem consideradas menosrelevantes precisavam ser retiradas doPoder Judiciário. Na área criminal, a refe-rida lei foi saudada, por muitos estudio-sos do sistema de justiça, como um dosmaiores avanços na legislação brasileira,justamente por sua proposta despenali-

zante que introduziu a aplicação de penanão privativa de liberdade a certos delitosdefinidos como de menor potencial ofen-sivo. Prevê ainda a lei que as causas aten-didas por esses juizados não podem exce-der a quarenta vezes o salário mínimo. Noentanto, para um efetivo cumprimento desuas propostas de acesso à justiça, afir-mam Weber Martins e Luiz Fux (1997):

Não resta dúvida de que, posto que aLei nº 9.099/95 constitua valioso ins-trumento para a administração da Jus-tiça, a sua efetividade dependerá, enor-memente da atuação política dosgovernantes, que deverão viabilizar aimplantação dos JECC; dos advoga-dos, que deverão utilizar essa nova fer-ramenta com responsabilidade e cons-ciência; e dos magistrados, de todas asinstâncias, que deverão assumir suasnovas responsabilidades com corageme afinco, contribuindo para o bomfuncionamento da Justiça, valor queestimula a perseverar na luta pelos maisaltos objetivos da vida e de esperança.

A criação da lei supramenciona podeser entendida como um importante me-canismo de acionamento da justiça, anteum sistema jurídico, cujas portas princi-pais de acesso estão trancadas, ainda, paragrande parte da população brasileira des-provida de recursos econômicos. Desta-camos os artigos 1º, 2º e 62 da Lei 9.099/95,que dizem o seguinte:

Art. 1º Os Juizados Especiais Cíveis eCriminais, órgãos da Justiça Ordiná-ria, serão criados pela União, no Dis-trito Federal e nos Territórios, e pelosEstados, para conciliação, processo,

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julgamento e execução, nas causas desua competência. Art. 2º O processoorientar-se-á pelos critérios daoralidade, simplicidade, informalidade,economia processual e celeridade, bus-cando, sempre que possível, a concili-ação ou a transação. Art. 62. O pro-cesso perante o Juizado Especial ori-entar-se-á pelos critérios da oralidade,informalidade, economia processual eceleridade, objetivando, sempre quepossível, a reparação dos danos sofri-dos pela vítima e a aplicação de penanão privativa de liberdade.

Tendo como referência esse processomais amplo de informalização da justiça,consideramos importante compreendermelhor o perfil social dos casos que sãotratados nos Juizados Especiais Criminais.Tal importância justifica-se pelo fato deque quando se conhece a natureza dosconflitos, suas origens, as partes envolvi-das, seus representantes legais, quem de-cide o resultado final, a distância socialentre as partes, e entre elas e os agentes,os interesses que representam etc., tem-se maior condição de compreender as ra-zões dos tratamentos dos casos.

ANÁLISE QUALITATIVA DOSDADOS LEVANTADOS

Elevado à categoria de município em1935, Dourados conta com uma popula-ção de aproximadamente 191.638 habitan-tes, de acordo com dados do senso de 2010,realizado pelo IBGE. Sua área territorial éde 4.086 km2 e, além do quadrilátero cen-tral, abrange mais de duzentos e cinquentabairros, oito distritos rurais e duas reser-vas indígena. Foi colonizada por famílias

vindas de vários Estados e regiões do país,além de imigrantes paraguaios e de paísesda Ásia e Europa, que hoje compartilhama terra com os índios das tribos Terena eGuarani/Kaiowá.

A Comarca de Dourados está classifi-cada como Entrância Especial e possui onzeVaras de Justiça, sendo sete cíveis, três cri-minais e uma da infância e juventude. Pos-sui treze Promotorias Públicas, sendo trêscíveis, cinco criminais, três especializadasnas questões de infância e juventude, di-reitos do consumidor e meio ambiente,além de duas promotorias ligadas aosJuizados Especiais. Conta ainda com duasVaras da Justiça Federal e uma unidadedo Ministério Público Federal, com juízese procuradores que atuam em questõesde competência federal como, por exem-plo, questões ligadas às demandas da po-pulação indígena.

Com relação aos advogados, de acor-do com a OAB-MS, dos 9.271 profissio-nais credenciados, até a data de produçãodeste artigo, 947 atuam na Comarca deDourados. Há, ainda, advogados e acadê-micos que atuam, respectivamente, comodefensores públicos e estagiários pelaDefensoria Pública do Estado.

O sistema policial de Dourados, alémdas Delegacias da Polícia Federal e da Re-ceita Federal, agrega o 3º Batalhão da Po-lícia Militar e a Delegacia Regional de Po-lícia Civil, contando com quatro unidades,sendo dois distritos comuns, uma Dele-gacia Especializada da Defesa da Mulher eoutra da Infância, Juventude e Idosos. Estásediado em Dourados a PenitenciáriaHarry Amorim Costa, considerada a mai-or do Estado de Mato Grosso do Sul, comcapacidade para 718 internos e, atualmen-te, com 1242 detentos.

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O presente trabalho teve como obje-tivo levantar e compreender o perfil so-cial dos casos tratados do Juizado Especi-al Criminal da Comarca de Dourados.Para tanto, além da revisão bibliográficasobre o assunto, partiu-se do levanta-mento e análise de dados quantitativosde todos os processos tramitados nosdois Juizados da Comarca nos anos de2007 e 2008, o que representou um total4960 (quatro mil novecentos e sessenta)processos pesquisa-dos. Para cada umdesses processos foram levantadas as se-guintes variáveis: data da audiência, nú-mero do boletim de ocorrência, data doboletim de ocorrência, natureza das cau-sas (tipo do crime), bairro e tipo de localonde ocorreu o conflito, sexo, idade, es-tado civil e ocupação de vítimas e auto-res, resultado final do processo e data dearquivamento.

Por se tratar de uma pesquisa quanti-tativa, em um universo de quase cinco milprocessos, com vinte e uma variáveiscoletadas, neste artigo trataremos apenasdas seguintes variáveis: perfil social das ví-timas e autores (sexo, faixa etária, estadocivil e gênero), o local onde ocorreram osconflitos, a natureza das causas e o resulta-do final dos processos. A justificativa paraescolha destas variáveis se sustenta na ne-

cessidade de compreender melhor o perfilsocial dos casos para, com isso, compreen-der também a própria lógica do funciona-mento dos Juizados. Como já enfatizamos,quando se conhece quem são as partes liti-gantes, bem como em que contexto se deuo conflito, compreender-se-á melhor a di-nâmica de funcionamento desses juizados.Tal compreensão se deu a partir do instan-te em que começamos a cruzar as informa-ções do perfil social das partes litigantes como local de origem dos delitos.

Na tabela 1 (nesta página) apresenta-mos os dados relativos à distribuição dosprocessos nos dois Juizados Especiais daComarca de Dourados.

A primeira constatação importante,a partir dessa distribuição, é a diminui-ção do número de processos tramitadosno Juizado Especial Criminal da Comarcade Dourados de 2007 para 2008, princi-palmente na 1ª Vara Criminal. De acor-do com alguns operadores do Direito,essa diminuição explica-se, sobretudo,pelo caráter preventivo das audiênciaspreliminares de conciliação, que contri-buem para que novas demandas nãoocorram e, assim, diminuindo o númerode processos. Outra hipótese para esse

Tabela 1: Distribuição dos processos nos Juizados da Comarca deDourados, nos anos de 2007 e 2008.

Ano 2007 2007 Total 1ª Vara (Juizados) 1783 725 2508 2ª Vara (Juizados) 1301 1151 2452 Total de Processos 3084 1876 4960 Fonte: Juizado Especial Criminal

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decréscimo no número de processos nosJuizados nesse período pode ter relaçãocom a instituição, em agosto de 2006, daLei Maria da Penha, que retirou dosJuizados a competência para julgar os cri-mes de violência doméstica.

Com relação ao perfil social das par-tes litigantes contatou-se que, em um uni-verso de 4960 processos, os autores (acu-sados) são predominantemente homens,com 69,88% dos registros. Isso não signi-fica, contudo, que as mulheres constitu-em a maioria das vítimas, pois os homenstambém representam a maioria nessa ca-tegoria 43,29%, contra 37,76% das mu-lheres. Já os casos em que o Estado foivítima, destacamos o Desacato, a Resis-tência, a Desobediência ou aquelastipificações penais contra a coletividade,como é o caso da Perturbação daTranquilidade ou Perturbação do Traba-lho e do Sossego Alheios, representando18,53%. A categoria Outros (esta catego-ria contempla variáveis onde aparececomo vítimas ou autores, pessoas jurídi-cas) representou 0,6% dos processos. Ou-tra informação significativa apresentadapela pesquisa é a variável Não Informado(NI) correspondendo a 1,31% dos casos eaparecendo em praticamente todos os re-cortes da pesquisa.

No que se refere à faixa etária das víti-mas constatou-se que, em ambos os se-xos, a maioria são relativamente jovens,especialmente na faixa que vai dos 18 aos35 anos (40,73%). Além disso, embora asvítimas do sexo masculino representemuma pequena maioria em todas as faixasetárias, constata-se que esse equilíbrioentre os sexos das vítimas é maior justa-mente para os mais jovens, ou seja, até 35anos (49,19%).

Quando focamos a distribuição do Es-tado Civil e da Faixa Etária das vítimas doSexo Feminino com idades de maiorfrequência (18-45 anos), as mulheres maisjovens (18-25 anos) e solteiras foram asque mais se envolveram em ocorrênciasde menor potencial ofensivo (29,67%) doscasos, sem levarmos em consideração avariável NI, que representou 37,76% dos1332 processos para essa faixa etária. Paraas idades entre 26-35 anos, solteiras e ca-sadas aparecem praticamente com a mes-ma frequência (19,06%). Contudo, mulhe-res casadas com idade entre 36-45 anos(14,35%) são mais vítimas do que as mu-lheres solteiras de mesma idade (6,63%).

Na distribuição do Estado Civil e daFaixa Etária das vítimas do Sexo Masculi-no, assim como ocorreu com as mulhe-res, sem levarmos em consideração a va-riável NI, que os homens solteiros e maisjovens (18-25 anos), em um universo de1002 processos, também são a maioriaentre as vítimas (25,05%). Igualmente aoíndice das mulheres, os casados com ida-de entre 26-45 anos (18,96%) e os solteiros(17,66%) com idades entre 26-35 anos pos-suem praticamente a mesma frequênciaenquanto vítimas. Destaca-se, contudo,uma maior diferença para a faixa etáriaque vai dos 36 aos 45 anos, havendo umamaior frequência de casados (18,96%) emrelação aos solteiros (5,79%).

Se os dados relativos ao sexo e à fai-xa etária das vítimas refletiram certoequilíbrio entre os sexos apresentadosanteriormente, com pequenas variações,a distribuição do Sexo e da Faixa Etáriados Acusados do sexo Feminino e Mas-culino mostrou que, para os acusados,não há esse equilíbrio, ou seja, os ho-mens acusados não apenas aparece com

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maior frequência em todas as faixasetárias, diferença significativa se compa-rada com a situação das vítimas nestamesma situação.

Contudo, da mesma forma que as ví-timas, os acusados também se constituemem pessoas mais jovens, especialmente nafaixa dos 18-25 anos (21,19%), seguido dafaixa etária dos 26-35 anos (19,29%) e dos36 aos 45 anos (13,67%). Entre as mulhe-res acusadas, há uma maior frequência nafaixa etária que vai dos 26 aos 35 anos(8,75%), seguida da faixa etária dos 18 aos25 anos (6,89%).

Já a distribuição do Estado Civil e aFaixa Etária das autoras, sem levar emconsideração os 670 casos da variável NI(50,49%) dos 1327 registros, especialmen-te para as idades de 36-45 anos (30,44%), apesquisa revelou que as acusadas dos pro-cessos são, em sua maioria, solteiras e comidade entre 18-35 anos (26,33%). As acu-sadas casadas que mais se destacam sãoas com idade entre 26-35 anos (17,35%).

A distribuição do Estado Civil e da FaixaEtária dos acusados do Sexo Masculinoindicou que são, predominantemente, sol-teiros e com idades entre 18-35 anos(36,46%), em universo de 2621 processos(excluída a variável NI responsável por31,37%), ao contrário dos casados, queestão entre a faixa etária dos 26 aos 35(13,46%) e dos 36 aos 45 anos (14,35%).

Após as análises do perfil de vítimas eacusados, em um universo de 2768 casospara a faixa etária de 18-45 anos, repre-sentando 55,81% do universo total da pes-quisa, identificamos três locais com maiorfrequência dos casos, somando 1747 re-gistros: a Área Central de Dourados com(60,33%), o bairro Jardim Água Boa(33,43%) e a Reserva Indígena (Aldeias

Jaguapiru e Bororó) (6,24%). Escolhemosa Reserva Indígena não pelo quantitativoestatístico em relação aos outros bairrosde Dourados, mas por se tratar de umacomunidade étnica “afastada” geográfica eculturalmente da cidade. No entanto, aoanalisarmos os números quantitativospercebemos uma realidade bem próximados registros na área urbana da cidade, ouseja, os maiores índices de ocorrências naReserva Indígena se dão em ambiente fa-miliar (91,74% dos casos), tendo comomotivações as ameaças e lesões corporais.

Na Área Central de Dourados, quan-do analisamos a faixa etária supra menci-onada pelo recorte dos “autores” (mascu-linos e femininos), a maior incidência sedeu em Via Pública (57,77% dos casos),tendo como natureza das causas as Le-sões Corporais envolvendo ocorrências detrânsito (28,70%), seguida de Vias de Fato(10,27%) e Ameaça (6,34%). Para as “víti-mas” (masculinos e femininos) também seenvolveram em ocorrências na Via Públi-ca (56,34%), tendo como motivação as Le-sões Corporais envolvendo ocorrências detrânsito (38,01%), seguida de Ameaça(8,49%), Desacato e Desobediência (7,75%)categorias estas onde o Estado aparececomo vítima.

No Bairro Jardim Água Boa, a maiorfrequência das ocorrências envolvendo os“autores” se deu em Residências (44,98%),tendo como principal natureza das causasa Ameaça (23,74%) e as Vias de Fato(15,11%). Já as ocorrências desse bairro,envolvendo as “vítimas”, também ocorre-ram no âmbito familiar (43,27%), sendoas principais causas a Ameaça (19,33%) e aLesão Corporal (14,29%). Há, nesse caso,indícios de se tratar de violência domésti-ca mesmo sendo os dados relativos aos

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anos de 2007 e 2008, portanto após aefetivação da Lei 11.340, de 07 de agostode 2006, conhecida como Lei Maria daPenha, que tem como característica prin-cipal a especificação do crime de ViolênciaDoméstica. A referida lei retirou dosJuizados Especiais Criminais a competên-cia para tratamento desses crimes.

Quando analisamos as ocorrências das“vítimas” da Reserva Indígena abrangen-do as aldeias Jaguapiru e Bororó, tambémevidenciamos a frequência de ocorrêncianas Residências (89,13%), tendo como na-tureza das causas a Ameaça e a Lesão Cor-poral, com mesmos índices, 21,95% doscasos. Para as ocorrências envolvendo os“autores”, de igual forma, a pesquisa apon-tou para a Residência como principal localdos registros, 93,65%, tendo a Ameaça(25,42%) e a Lesão Corporal (20,34%)como motivação do delito. Um dado inte-ressante foi que, ao contrário do que pai-ra no imaginário das pessoas, os registrosde embriaguez e porte de drogas soma-ram 8,47%, ou seja, desconstruindo o dis-curso estereotipado de que os ameríndiosdouradenses estão todos envolvidos comdrogas e o álcool.

No que se refere ao Resultado Finaldos Processos, assim foram arquivados:38,58% por ter decorrido o prazodecadencial; 23,13% pelo cumprimentointegral da transação penal objeto da sen-tença; 20,38% por falta de elementos paradar suporte à ação penal; 17% tendo emvista a renúncia da vítima; 0,5% tendo emvista o óbito do autor; e 0,40% tendo emvista o acordo entre as partes. Portanto,para os três locais com maior incidênciados registros de ocorrência, destaque paraos arquivamentos devido à prescrição doperíodo de seis meses após a tentativa de

conciliação entre as partes litigantes. Valelembrar que por se tratar de crimes deordem privada, há a necessidade da re-presentação pela parte ofendida. Não ha-vendo tal representação nesse período, omagistrado arquiva o processo.

Para o total de processos tramitadosnos dois Juizados Especiais Criminais daComarca de Dourados, foram os seguin-tes resultados: 41,92% por ter decorrido oprazo decadencial; 19,82% por falta de ele-mentos para dar suporte à ação penal;18,85% pelo cumprimento integral da tran-sação penal objeto da sentença; 18,73%tendo em vista a renúncia da vítima; 0,38%tendo em vista o óbito do autor; 0,28%tendo em vista o acordo entre as partes; e0,02% encaminhado à Justiça Pública apedido do Ministério Público. Observa-se, portanto, que não há diferença signifi-cativa entre o resultado final do total deprocessos e os processos relativos aos trêslocais analisados de maior frequência dasocorrências. Foram arquivados mais pro-cessos tendo em vista ter decorrido o pra-zo decadencial, que é de seis meses, doque acordos entre as partes nos dois anosda realização da pesquisa. Foram 14 regis-tros de acordos, isso significa 0,28% doscasos atendidos.

Outro índice que chama a atenção é odas vítimas que renunciaram, totalizando18,73%. Esta pesquisa, de natureza quan-titativa, não consegue identificar códigossociais apenas pelos números absolutos,dificultando a análise dessa variável renún-cia, que pode ser, dependendo da dinâmi-ca ritualística das audiências, uma formade acordo ou conciliação. Para FAISTING(2009:19-20), apesar de haver uma tendên-cia à informalização da justiça pautada poruma lógica de conciliação, os juízes encon-

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tram dificuldades para atuarem como con-ciliadores, devido a sua formação que va-loriza o poder de decisão, acabando, mui-tas vezes, reproduzindo nessa instância dajustiça os mesmos procedimentos típicosda justiça comum.

Assim, os 929 casos de renúncia dasvítimas poderiam estar diretamente liga-dos à variável acordo entre as partes. Noentanto, haveria a necessidade de umaetnografia das audiências para se afirmarcom propriedade. De acordo com os re-gistros apresentados pela pesquisa, osJuizados Especiais Criminais da Comarcaestudada tratam principalmente dos deli-tos que ocorrem no espaço doméstico.

Dos 4960 registros pesquisados deacordo o Tipo de Local, os casos ocorri-dos nas residências aparecem com 41,67%,seguido de 34,13% registrados em viaspúblicas e 24,19% para a variável Outros(essa variável representa as instituiçõespúblicas e privadas, hospitais, comércio,escolas, hotéis, propriedades rurais, ter-renos baldios, boates e pequenos distri-tos), agregando as instituições públicas,estabelecimentos comerciais e zona rural.O alto índice das ocorrências em residên-cias aqui registradas demonstra que o es-paço privado está deixando de ser priva-do, mesmo que os arquivamentos apon-tem para a renúncia posterior das vítimase a decorrência de seis meses. As ocorrên-cias relacionadas ao trânsito, que aconte-cem em via pública, têm como causas prin-cipais, os acidentes de trânsito com víti-ma; dirigir veículo automotor em via pú-blica, sem a devida permissão para dirigirou habilitação ou, ainda, se cassado o di-reito de dirigir, gerando perigo de dano; e,o condutor ter se afastado do local do aci-dente para fugir.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como resultado de uma pesquisa denatureza quantitativa pretendeu-se, nesteartigo, oferecer uma pequena contribui-ção para a compreensão do processo deinformalização da justiça no Brasil, atra-vés do levantamento do perfil social daspartes litigantes, os tipos mais frequentesde delitos, o local onde tiveram origem e,sobre tudo, o resultado final dos proces-sos. Nesse sentido, acreditamos que oobjetivo tenha sido alcançado, pois atra-vés dos dados levantados foi possível sechegar a conclusões que, embora parciais,apontem caminhos para novas reflexões.

Mesmo delimitado pela “frieza” dosnúmeros, foi possível identificar quais oslocais de maior incidência das ocorrênciasque dão origem aos processos tramitadosnos Juizados, bem como se estes ocorre-ram em espaços públicos ou privados.Também identificamos as principais mo-tivações quanto à natureza das causasdelituosas, como por exemplo, no caso dosregistros em residências, as ofensas à hon-ra por meios verbais e as lesões corporais.Tal indicativo nos leva a pensar, entre ou-tras questões, sobre o tratamento da vio-lência doméstica no Brasil, já que mesmodepois da criação da Lei Maria da Penha, aviolência doméstica ainda continua, emmuitos casos, sendo tratada nos JuizadosEspeciais Criminais.

Outra constatação diz respeito à lógicada conciliação. Mesmo se levarmos emconsideração a renúncia das vítimas comouma possível forma de acordo, ainda as-sim, face ao elevado número de arquiva-mentos pela prescrição do tempo de seismeses, fica o questionamento quanto ao

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efetivo cumprimento do papel conciliató-rio dos Juizados. Apenas 14 processos fo-ram arquivados tendo em vista o acordoentre as partes envolvidas. Mas teria havi-do acordos entre as partes nos processosarquivados no período de seis meses e portal motivo deixaram de acessar a justiça? Equanto aos arquivamentos por falta deelementos para dar suporte à ação penal?Foram eles conciliados pelos Juizados? Sãoquestionamentos que surgem a partir doconhecimento do perfil social dos casosanalisados.

Tendo em vista o amplo conjunto de in-formações resultantes desta pesquisa, mui-tos outros estudos e análises poderão se re-alizar a partir dessa base de dados e, comisso, novos olhares, de natureza sociológicaou de outras áreas do saber, poderão se de-senvolver. Em nosso caso, e para concluir,podemos afirmar serem os Juizados Especi-ais Criminais uma instância da justiça que,apesar de sua proposta de informalizaçãodos procedimentos judiciais, frequentemen-te acaba por reproduzir os procedimentosda justiça comum e formal.

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