revista amanhecer

36
1 Fênix Valeu a Pena! O relato da alagoana, que largou a criminalidade para se tratar e voluntariar na instituição Os acontecimentos que marcaram a visita do Papa à instituição em 2007, e o que mudou depois de sua vinda

Upload: lucas-barbosa

Post on 02-Apr-2016

242 views

Category:

Documents


2 download

DESCRIPTION

 

TRANSCRIPT

Page 1: Revista amanhecer

1

Fênix Valeu a Pena!o relato da alagoana, que largou a criminalidade para se tratar e voluntariar na instituição

Ano 1 nº 0Ano 1 nº 0Ano 1 nº 0Ano 1 nº 0Ano 1 nº 0Ano 1 nº 0

30 Anos30 Anos30 Anos30 Anos30 Anos30 Anos30 Anos30 Anos30 Anos30 Anos30 Anos30 Anos30 Anos30 Anos30 Anos30 Anos30 Anos30 Anos30 Anos30 Anos30 Anos30 Anos30 Anos30 Anos30 Anos30 Anos30 Anos30 Anos30 Anos30 Anos30 Anos30 Anos30 Anos30 Anos30 Anos30 Anos30 Anos30 Anos30 Anos30 Anos30 Anos30 Anos30 Anos30 Anos30 Anos30 Anos30 Anos30 Anos30 Anos30 Anos30 Anos30 Anos30 Anos30 Anos30 Anos30 Anos30 Anos30 Anos30 Anos30 Anos30 Anos30 Anos30 Anos30 Anos30 Anos30 Anos30 Anos30 Anos30 Anos30 Anos30 Anos30 Anosde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçAde esPeRAnçA

os acontecimentos que marcaram a visita do Papa à instituição em 2007,

e o que mudou depois de sua vinda

Ano 1 nº 0Ano 1 nº 0Ano 1 nº 0Ano 1 nº 0Ano 1 nº 0Ano 1 nº 0amanheceramanheceramanhecer

Page 2: Revista amanhecer

22

Sumário

Direto ao Ponto

Memória

Missões

Valeu a Pena!

Luzes

Fênix

Tratamento

Mulheres

Internacional

Fé e Carisma

20

09

30

15

34

04

26

12

23

18

A história de Frei Hans, o homem que dedicou sua vida à missão de salvar os dependentes químicos

Como a Fazenda da Esperança recuperou um lugar tomado pelo trá� co e que hoje é considerado o marco zero da salvação de mi-lhares de jovens

As peculiaridades que marcaram a criação do centro feminino da Fazenda Esperança

Antônio Eleutério, o primeiro recuperando da Fazenda Espe-rança, fala de sua experiência de vida

O relato da alagoana, que largou a criminalidade para se tratar e voluntariar na instituição

A história da fundação da primei-ra Fazenda fora de Guaratinguetá

Os segredos da metodologia de trabalho que já livrou 50 mil jo-vens da dependência química

Os acontecimentos que marca-ram a visita do Papa à instituição em 2007, e o que mudou depois de sua vinda

A primeira comunidade fora do Brasil, e os desa� os na Alemanha

Voluntários da Fazenda são re-conhecidos pelo Vaticano como Associação Internacional de Fiéis

Page 3: Revista amanhecer

3

Editorial

A moRAdA dA esPeRAnçA

Cerca de sete mil pessoas acompanham a visita do Papa Bento XVI à Fazenda da Esperança de Guaratinguetá, em 2007

Foto

: Mau

ricio

Ara

újo

Expediente

Independentemente da nacionalidade, raça e po-der aquisitivo a problemática causada pelo consu-mo desenfreado de drogas, vem levando sofrimen-to a milhões de famílias em todo o mundo.

De acordo com relatórios do Ministério da Saú-de, no Brasil, o problema da dependência química segue alarmante, já que em pesquisa realizada em dezembro de 2011 pelo Departamento de Infor-mática do Sistema Único de Saúde, as mortes cau-sadas pelo consumo de drogas no país cresceram 58% nos últimos 14 anos.

A revista institucional Amanhecer nasce com o objetivo de divulgar as ações cotidianas e a e� cácia do tratamento realizado pela instituição Fazenda da Esperança, a maior da América Latina, que já li vrou mais de 50 mil homens e mulheres dos vícios do álcool e das drogas em todo o globo.

A instituição, que começou em 1983 com apenas uma casa de reabilitação em Guaratinguetá, SP, possui atualmente 87 comunidades terapêuticas, sendo 64 masculinos e 23 femininas, espalhadas por todos os estados do Brasil e em diversos países como: Alemanha, Argentina, Colômbia, Filipinas, Guatemala, México, Moçambique, Paraguai, Rússia e Uruguai.

Sabendo-se que a Fazenda da Esperança comple-ta 30 anos de existência, no dia 29 de julho de 2013, a primeira edição da revista traz além da história da instituição e de seus fundadores, relatos de pes-soas que conseguiram se libertar do calabouço da

Projeto experimental, de caráter pro� ssional, ela-borado como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Comunicação Social, habilita-ção em Jornalismo, nas Faculdades Integradas Te-resa D’Ávila (Fatea).

Textos: Lucas BarbosaRevisão: Sylvia M. VieiraProjeto grá� co: Pedro OttoniDiagramação: Bruno Santos - Pedro OttoniPeriodicidade: TrimestralOrientação: Bianca de FreitasFale com a gente: [email protected]

dependência química. A publicação evidencia os fatos mais memoráveis destas três décadas de con-quistas da comunidade terapêutica, como a visita do Papa Bento XVI em 2007 e o Reconhecimento do Pontifício da Família da Esperança, pelo Vatica-no em 2.010.

Da primeira a última pagina, a edição inaugural da Amanhecer está recheada de historias de su-peração, caridade e principalmente de esperança. Então, não espere mais. Vire a página e conheça as conquistas e bastidores desta grande obra.

Page 4: Revista amanhecer

4

A história de Frei Hans, o homem que dedicou sua vida à missão de salvar os dependentes químicos

Para entender a criação da Fa-zenda Esperança, e os fatores que levaram a instituição a se tornar a maior comunidade te-rapêutica para a recuperação de dependentes químicos da Améri-ca Latina, com 87 centros de rea-bilitação espalhados pelo mundo, e que atualmente abriga cerca de três mil jovens em tratamento, é imprescindível conhecer a histó-ria do pai espiritual desse traba-lho: o frei alemão Hans Stapel.

Foi ele responsável por inspi-rar o jovem paroquiano Nelson Giovanelli, fundador da Fazen-da da Esperança, a se aproxi-mar, em 1983, de um grupo de jovens que tra� cavam e consu-miam drogas na esquina da rua Tupinambás com a Guaicurus, no bairro do Pedregulho em Guaratinguetá(SP). Sendo esta a experiência que fundamentou e culminou no nascimento da Fa-zenda da Esperança.

O SOnHADOr ALemÃO

Luzes

Page 5: Revista amanhecer

5

Luzes

A vocação de Hans Stapel

O Movimento dos Focolares

A guerra da Biáfra

Para compreender como um padre nascido na Alemanha veio parar no interior paulista, é necessário fazer uma viagem no tempo, mais precisamente para o ano de 1945 na cidade alemã de Geseke, onde no dia 30 de dezembro a jovem Else, esposa de Franz Stapel, dava à luz na maternidade aos gê-meos Hans e Paulo Stapel.

Com a Alemanha completa-mente arrasada devido à Se-gunda Guerra Mundial, o casal recebeu a chegada dos filhos com alegria, mas com certo re-ceio do que seria do futuro da-quelas crianças, já que o país estava totalmente desestrutu-rado e faltavam coisas básicas como: saúde, educação e opor-tunidades de emprego.

Mesmo enfrentando os trau-mas e lembranças deixados pela sua participação na san-grenta invasão dos soldados comandados por Adolf Hitler à União Soviética, onde o exér-cito nazista sofreu uma grande baixa, o jovem Franz Stapel en-sinou aos gêmeos a importân-cia da vivência do evangelho e da caridade humana.

Hans e Paulo sempre foram muito ligados e devido à voca-ção e a educação religiosa que receberam de seus genitores, os gêmeos que já haviam sido coroinhas na paróquia de São Mainolfo, decidiram em 1964 contar a seus pais que queriam se tornar padres. A família apoiou e com muito sacrifício custeou os estudos que acaba-ram separando os irmãos, já que Hans ingressou no semi-nário de Bad Driburg, e Paulo no de Bochum.

Depois de conhecerem o ca-risma dos ‘Focolares’, os irmãos Stapel retornaram para o se-minário de Bad Driburg. E em 1970, após acompanharem a cobertura da imprensa alemã sobre a Guerra Civil que casti-gava a Nigéria, os gêmeos ale-

Seis meses depois, Paulo de-cidiu se transferir para o se-minário onde Hans estudava, mas ao chegar lá ele percebeu que algo tinha mudado em seu irmão. Hans passava por um momento de contestação e crise sobre a vida levada no se-minário de Bad Driburg. Foi aí que surgiu a oportunidade de Hans ir a uma viagem a Berlim, onde ficou hospedado na casa de uma família cristã que per-tencia ao Movimento dos Fo-colares, grupo cristão fundado em 1943 na Itália e que prega a fraternidade universal, e lá ele aprendeu sobre a ideologia e o estilo de vida baseados na espiritualidade da criadora do movimento, Chiara Lubich.

Hans, que na época tinha 21 anos, voltou para o seminário de Bad Driburg encantado com os ideais do Movimento dos Focolares. Ao descrever sua experiência ao irmão e a outros companheiros de seminário, sentiu em seu coração que era

necessário conhecer pessoal-mente Chiara Lubich.

Em 1966, Hans e Paulo e mais alguns seminaristas decidiram ir de carona até a Áustria para participarem de um encontro de interessados no Movimento dos Focolares, e logo em segui-da partiram para Roma para conhecerem a líder do grupo. “Foi uma grande experiência poder conhecê-la. Todo o ideal de unidade transmitidos por Chiara confirmaram em meu coração o sentimento de viver em prol da caridade humana e difundir os ensinamentos de Deus para todos os lugares da Terra”, revela Frei Hans.

A família Stapel que mesmo diante dos traumas deixados pela 2º guerra mundial se manteve unida.

Foto: Arquivo

Page 6: Revista amanhecer

6

mães decidiram se engajar em uma campanha humanitária e começaram a arrecadar comi-das, roupas e remédios para serem doadas às famílias afri-canas.

A chegada ao BrasilDiante do cenário de inúme-

ras difi culdades descrito pelos frades, Hans decidiu fazer os votos franciscanos, de pobre-za e vida em fraternidade, e seguir viagem para o Brasil. Paulo decidiu ir junto com o irmão, mas uma triste e sur-preendente notícia acabou im-possibilitando a sua vinda ao país sul-americano. No início da década de 70, para entrar no Brasil era necessário realizar alguns exames médicos, e um desses procedimentos acabou acusando que Paulo Stapel era portador de uma doença rara, adquirida na Guerra Civil da Nigéria, e que poderia ter o seu estado agravado caso Paulo vi-vesse em uma nação com cli-

Luzes

Um diretor do grupo alemão, que liderava a campanha hu-manitária, convidou os gêmeos Stapel para irem à Nigéria en-tregar os donativos pessoal-mente à população que dia-

riamente era castigada pelos horrores da guerra.

De acordo com Frei Hans, esta viagem ao país africano to-talmente devastado pela guerra civil, fez nascer um sentimen-to em seu coração, que anos depois o impulsionaria a vir para o Brasil. “Nesta experiên-cia presenciei muitas coisas ruins como: a miséria humana, egoísmo, e mortes. Após essa missão senti um grande dese-jo de ir a um país de terceiro mundo, onde pudesse dedicar a minha vida a ajudar os mais necessitados”.

Frei Hans revela ainda como surgiu a ideia de escolher o Brasil, para realizar este desejo. “Foi aí que em 1971 surgiu uma viagem à Bélgica, onde conhe-ci frades franciscanos que ti-nham passado um período no Brasil, e me relataram sobre as difi culdades que os brasileiros enfrentavam devido a diversos problemas sociais”.

O primeiro grupo de dependentes químicos ajudado por Frei Hans Stapel em Guaratinguetá

Foto

: Arq

uivo

Page 7: Revista amanhecer

7

Após se tornar o pároco da modesta igreja Nossa Senhora da Glória, Padre Hans ganhou a admiração da comunidade, devido ao seu jeito autêntico, e principalmente pela organiza-ção de ações de caridade que desenvolvia com um grupo de fiéis da igreja, como: a arreca-dação de medicamentos e ali-mentos para moradores de rua e dependentes químicos.

Um dos membros deste gru-po que admirava a forma como o padre vivia e transmitia os ensinamentos do evangelho, era o jovem de 17 anos Nelson Giovanelli.

Devido à fé de seus pais, Nel-

O grupo de Nelson Giovanelli

ma tropical.Paulo então decidiu ir para

Grottaferrata e permanecer um ano na escola de formação sacerdotal do Movimento dos Focolares, na Itália.

Mesmo abalado com a sepa-ração do irmão, Hans decidiu vir ao Brasil de navio em junho de 1972. Depois de desembar-car no Rio de Janeiro, o jovem alemão foi para Agudos, (SP), aprender a língua portuguesa e providenciar os documentos para legalizar sua permanên-cia no país.

Após dois anos de seu de-sembarque, Hans começou em Petrópolis, Rio de Janeiro, seus estudos de teologia e a convi-ver com os franciscanos que vi-viam em prol da ajuda aos mais necessitados da comunidade.

Em 1979, Hans foi ordenado padre franciscano e recebeu a missão de dirigir-se à Guaratin-guetá, (SP), para substituir um

son recebeu uma formação católica fervorosa e chegou a fazer há alguns anos, antes da chegada de Padre Hans, uma experiência no Seminário dos Salesianos em Pindamonhan-gaba, (SP). “Ao participar de atos de caridade ao lado do Frei, percebi que o meu destino era amar o Cristo que está den-tro das pessoas que mais so-frem na Terra, como os viciados em drogas, doentes terminais e crianças abandonadas”, relem-bra Giovanelli.

Nelson ressalta ainda a im-portância de Frei Hans para a criação da Fazenda da Espe-rança. “O Frei é o pai espiri-tual desta comunidade. Seus ensinamentos transmitidos na igreja e a sua ajuda quando de-cidimos formar a primeira casa, foram determinantes para que a Fazenda se tornasse hoje a maior comunidade de reabili-tação da América Latina”.

padre que estava doente e as-sim a tornar-se responsável pela igreja Nossa Senhora da Glória, no bairro do Pedregulho.

Luzes

Os fundadores da Fazenda Esperança Frei Hans Stapel e Nelson Giovanelli, na sede da instituição no bairro Santa Edwiges em Guaratinguetá.

Foto

: Luc

as B

arbo

sa

Page 8: Revista amanhecer

8

Page 9: Revista amanhecer

9

A esquinA onde tudo começou

Memória

Como a Fazenda da Esperança recuperou um lugar tomado pelo tráfico e que hoje é considerado o marco zero da salvação de milhares de jovens

Quem passava pela esqui-na da rua Tupinambás com a Guaicurus, no bairro do Pedre-gulho em Guaratinguetá (SP) no início dos anos 80, assusta-va-se com o número de jovens que consumiam e traficavam drogas em plena luz do dia. O vai e vem na ‘boca de fumo’ era constante, e as brigas entre os viciados e as batidas policiais também.

O que alguém jamais poderia imaginar é que neste cenário sombrio e amargurado, estava predestinada por Deus a reali-zação da primeira experiência entre um grupo de jovens mer-gulhados no mundo da crimi-nalidade, e um paroquiano de 19 anos, Nelson Giovanelli, fundador da Fazenda da Espe-rança, que algum tempo de-pois resultaria no nascimento da maior comunidade terapêu-tica de recuperação de depen-dentes químicos da América Latina.

O primeiro contatoTodos os dias quando Nel-

son voltava da missa na igreja Nossa Senhora da Glória, ele se deparava na esquina com um grupo de cerca de 10 jovens que consumiam e traficavam drogas quase que 24 horas por dia.

Nelson já havia tido conta-to com dependentes quími-cos que buscavam a ajuda de Frei Hans na paróquia, mas nenhum deles era pertencen-te daquela “turma da pesada” que aterrorizava os moradores do Pedregulho.

Em 1982, quando os pais de Nelson já haviam ido traba-lhar para o governo em Mo-çambique na África, que ele inspirado pelo desejo de viver intensamente as palavras do evangelho e os ensinamentos transmitidos por Frei Hans, to-mou a corajosa decisão de con-versar com aqueles adolescen-

tes que eram discriminados e temidos pela vizinhança do Pedregulho.

É importante ressaltar, que todos os dias na igreja os fiéis e Frei Hans escolhiam uma pas-sagem do evangelho, para ser vivida naquele dia. E de acordo com Nelson, após ouvir o tre-cho de uma carta de São Pau-lo para a comunidade dos Co-ríntios, que dizia ‘Fiz-me fraco com os fracos, fiz-me tudo para todos, a fim de ganhar alguns para Cristo’, sentiu que era possível resgatar aqueles jo-vens da boca de fumo. “Nessa passagem, entendi que o me fazer fraco era ir ao encontro destes jovens, e o restante da mensagem significava que eu deveria ganhar a confiança, sem repetir o que eles faziam de errado, para que depois eu conseguisse resgatar alguns para Cristo”.

Cheio de gana para colocar em prática o ensinamento do evangelho, Nelson percebeu que um dos rapazes da esqui-na, Ademir, fazia pulseiras de artesanato. Esse foi o pretexto para se aproximar dos tão te-midos jovens. Com simplicida-de, o paroquiano se aproximou do rapaz e pediu para que ele o ensinasse a confeccionar uma pulseira.

Mesmo surpreso, o traficante o convidou para ir até sua casa, onde tiveram uma conversa que mudou definitivamente a vida de ambos. “Depois de fa-zer as pulseiras, o Ademir se

Nelson Giovanelli e Frei Hans buscam através de ligações, captar mais recur-sos para a instituição

Foto: Arquivo

Page 10: Revista amanhecer

10

abriu e começou a contar sua história de vida. Quando fui me despedir, ele disse que era a primeira vez que sentia que havia encontrado um amigo de verdade e me abraçou. Naquele momento, tive a convicção que ele estava naquela situação porque lhe faltava um amigo”, relembra Giovanelli”.

Um dia depois, Nelson vol-tava para sua casa depois de mais uma missa e ao passar pela esquina, foi chamado por Ademir para que conhecesse os outros rapazes da turma. Um deles era Antônio Eleuté-rio, um dos ‘cabeças’ da boca de fumo, que tinha 20 anos, e já usava droga há oito. “Quan-do vi o Nelson se aproximando pela primeira vez, pensei que ele estava ali para comprar droga. Fiquei desconfiado de qual era a intenção dele, já que toda a vizinhança tinha medo de nós, e não era à-toa, pois na-quela esquina aconteciam coi-sas terríveis”, enfatiza Antônio.

Depois do desabafo de Ade-mir, o paroquiano começou a ir todos os dias até a esquina para conversar com os rapa-zes, que passaram a respeitá-lo e tratá-lo como amigo.

Depois de dois meses de con-vivência, aconteceu um fato surpreendente que determi-naria o início da história da Fazenda da Esperança.

Durante uma visita aos ra-pazes, o jovem religioso ouviu que um deles, apelidado de Tê, faria aniversário no dia se-guinte. E ao chegar a sua casa, Nelson contou a sua irmã sobre o aniversário do garoto. Sem o consentimento do paroquiano,

O bolo de aniversário

O nascimento da Fazenda

sua irmã preparou um bolo de aniversário para o Tê e decidiu ir junto com o irmão entre-gá-lo pessoalmente ao garoto. “Quando chegamos à esquina, o Tê emocionado disse ‘A mi-nha família não quer me ver nem pintado de ouro e vocês preparam um bolo para mim’. E aí todos começaram a cantar parabéns a ele. Neste momen-to, formou-se um clima tão maravilhoso, que por alguns instantes apagou aquela ener-gia de ponto de tráfico”, ressalta Nelson.

Ao ver a atitude dos irmãos, Antônio Eleutério sentiu que algo mudou em seu coração. “Naquele momento me questio-nei, pois ninguém do bairro se interessava por nós e de repen-te aparece o Nelson, e nos trata tão bem. Ao ver aquele bolo para o Tê, manifestou em mim um sentimento de mudança muito forte”, revela Antônio.

Eleutério cansado de ver o so-frimento que causava a sua mãe, devido ao tráfico de drogas e as rotineiras invasões da polícia a sua casa, tomou coragem e de-cidiu chamar Nelson para uma conversa em particular. Esse pe-dido de ajuda no dia 29 de julho de 1983 é comemorado como a data de nascimento da Fazenda da Esperança.

”Nesse dia fui para a esquina, chamei-o e contei que queria pa-rar com aquela vida, pois estava cansado de causar sofrimento à minha família. Falei sobre a mi-nha decisão de parar, mas que eu só iria conseguir se tivesse alguém 24 horas comigo”, relata Antônio.

De acordo com Nelson, ao

ouvir o desabafo do amigo, ele se contestou de como poderia atender o apelo de Antônio, já que trabalhava em uma empre-sa e não podia ficar o dia inteiro com Antônio. “Falei que a única pessoa que poderia ficar com ele o tempo todo foi a mesma pes-soa que me motivou ir à esquina, ou seja, Deus. Então o convidei para começar a frequentar as missas na igreja Nossa Senhora da Glória”.

Antônio aceitou a proposta de Nelson e no dia seguinte apa-receu na igreja para participar da missa. O jovem, que tinha anteriormente como hábito ir todos os dias para a rua traficar

Memória

Page 11: Revista amanhecer

11

A primeira casa

e consumir drogas, começou a frequentar a igreja e participar de atos de solidariedade ao lado de Nelson e Frei Hans.

Ao notarem a mudança de vida de Antônio, os seus amigos da esquina: Ademir, Beto, Queixa-da e Tê, sentiram-se contagiados por este sentimento de mudança e decidiram pedir ajuda a Nel-son.

A esquina, que anteriormen-te fi cava todos os dias lotada de jovens, usando drogas, acabou se esvaziando, já que a igreja passou a ser o ponto de encon-

tro daqueles rapazes. Neste meio tempo, os pais de Nel-son voltaram de Moçambique e se surpreenderam ao chegar a sua residência, onde encon-tram o grupo de jovens deba-tendo sobre os ensinamentos do evangelho. Ao ver a dedicação e empenho do fi lho para resgatar aqueles garotos da criminalida-de, João Rosendo deu a ideia de que o grupo alugasse uma casa para que pudessem viver juntos e continuar o trabalho de recu-peração.

Nelson decidiu atender a su-gestão do pai e alugou uma mo-desta casa na rua Tupinambás, número 77, no Pedregulho, onde

também passou a viver com Ademir, Antônio, Beto, Quei-xada e Tê.

O começo dessa experiência não foi nada fácil, apesar dos pais do paroquiano e Frei Hans ajudarem com o que podiam, o grupo não tinha dinheiro sufi -ciente para se manter, já que a despesa era grande e só Nelson possuía um trabalho.

Foi aí que os jovens, ao obser-varem o esforço do amigo que destinava o seu salário inteiro para manter a casa, tomaram uma importante decisão. “Per-cebemos que estava na hora de fazer alguma coisa para colabo-rar. Foi aí que tivemos a ideia de sair de porta em porta no Pedre-gulho, pedindo aos moradores se podíamos cortar a grama e arrumar os seus jardins”, explica Antônio.

Para tornar viável a ideia dos garotos, Frei Hans emprestou da igreja algumas ferramen-tas e uma máquina de cortar grama. Mas devido ao passa-do nebuloso daqueles jovens, os moradores do Pedregulho não os deixavam trabalhar em suas casas. Depois de algumas semanas ao verem o esforço dos rapazes em mudarem de vida, os vizinhos se sensibilizaram e começaram a deixar o grupo a cuidar de seus jardins.

Foram cerca de oito meses de experiência na modesta casa, até que em junho de 1984, um empresário de Guaratinguetá ao ver o trabalho que Frei Hans e Nelson desenvolvia com aquele grupo de dependentes quími-cos, decidiu doar um terreno na área rural do bairro Santa Edwiges, onde alguns meses depois foi construída a primeira Fazenda da Esperança.

Frei Hans Stapel conversa com os primeiros assistidos da história da Fazenda Esperança, em uma modesta casa no bairro do Pedregulho em Guaratinguetá.

Foto

: Arq

uivo

Memória

Page 12: Revista amanhecer

12

Mulheres

o LAdo Feminino dA HistÓRiAAs peculiaridades que marcaram a criação do centro feminino da Fazenda Esperança

Com inúmeros resgates de vi-das obtidos nos primeiros quatro anos da Fazenda da Esperança masculina em Guaratinguetá, SP, dezenas de mulheres, que busca-vam se livrar do vícios das drogas , começaram a enviar cartas pedin-do ajuda à comunidade.Devido a tantos apelos, os fundadores da instituição, Freis Hans e Nelson Giovanelli, buscavam voluntárias que se dispusessem a assumir a responsabilidade de começar um trabalho junto às mulheres. Mas esta tarefa não estava sendo fácil, e com o passar dos dias os pedidos se acumulavam e os fundadores ‘quebravam a cabeça’ para tenta-

rem achar uma solução.Em 1987, durante uma viagem

para a abertura da primeira co-munidade masculina da Fazenda da Esperança fora de Guará, em Coroatá no Maranhão, Nelson e mais quatro missionários decidi-ram parar em Lagarto no Sergipe, cidade natal do pai de Nelson, para ‘recarregarem as baterias’ na casa de parentes.

A responsável em receber os mis-sionários foi a tia de Nelson, Lucile-ne Rosendo, que além de ter uma microempresa, coordenava um grupo de católicos que desenvol-via trabalhos de caridade com a população sergipana.

Na época, Luci se preparava para um casamento, mas devido a sua religiosidade e inspirada nos ensi-namentos do Movimento dos Fo-colares, grupo cristão que prega a unidade e a caridade humana, ela buscava um desafi o e um sinal de Deus que a fi zesse enxergar a vida de outra forma. “Aprendi com o meu pai, que vivia radicalmente o evangelho, que era necessário co-locar Deus em primeiro lugar, mas eu não conseguia, pois para mim a minha família e meu noivo es-tavam em primeiro plano”, revela.

Durante o jantar, ao ouvir os re-latos de superação do grupo, que era formado por Nelson, dois volun-tários e dois ex-recuperandos, Lu-cilene impressionada, pediu para que os missionários participassem de um encontro com os jovens da igreja local, para que contassem suas experiências de vida.

Quando os missionários come-çaram a relatar sobre os ‘milagres’ ocorridos em Guará, uma jovem sergipana , de 15 anos questionou Nelson Giovanelli do porquê não havia uma Fazenda feminina. “Res-pondi que nós já tínhamos até uma área doada para abrir a comunidade feminina, mas nos faltava corajosas que se comprometessem a assumir esse desafi o”, relembra Nelson.

De acordo com Luci, ao ouvir a discussão, sentiu que aquela era a oportunidade que tanto sonhava. “Dois dias antes do grupo chegar a Lagarto, eu havia pedido a Deus que me desse a oportunidade de viver uma experiência radical antes de me casar. E quando ouvi a con-versa entre a jovem e o Nelson, tive a certeza que eu era a predestinada para esta missão”.

Decidida a encarar o desafi o, Lucilene retratou seu desejo a Nel-son e tomou a corajosa decisão de romper seu noivado, e assim partir de sua cidade natal rumo a Guara-tinguetá.

Foto: Arquivo

As fundadoras do centro feminino Iraci Leite e Luci Rosendo se reú-nem com freiras, e com as primeiras três recuperandas da instituição

Page 13: Revista amanhecer

13

A ‘cAsA dAs mães’

Ao chegar à cidade paulista, Luci é apresentada a Iraci Leite, que desde 1981 era assistente social na igreja Nossa Senhora da Glória, e que acompanhou de perto o nascimento da Fazenda masculina e as conquistas reali-zadas nos primeiros quatro anos da instituição.

Reconhecendo o potencial de Iraci e a gana de Luci, as duas voluntárias foram escolhidas pelos fundadores da Fazenda, para assumirem o compromis-so de coordenarem o primeiro centro feminino da Fazenda da Esperança.

Enquanto o centro, no bairro São Manoel, era construído, as duas voluntárias começaram a responder cartas ‘agoniadas’ de dezenas de jovens que buscavam ajuda para se reabilitarem.

Devido a demora na conclu-são das obras, e ao acúmulo de pedidos, Iraci e Luci decidiram ocupar um apartamento no Pe-dregulho, que pertencia à insti-tuição, para receber as primeiras jovens. “Eu e Luci ficamos alguns meses morando naquele apar-tamento minúsculo, com mais quatro recuperandas. Foram dias difíceis, mas a sensação de poder ajudar àquelas garotas a superarem seus vícios, foi algo indescritível”, salienta Iraci Leite.

As obras do centro feminino foram concluídas no final de 1988, e as responsáveis junta-mente com as recuperandas, passaram a viver na primeira Fazenda feminina no início do ano seguinte.

Para Luci Rosendo, a decisão em romper seu noivado e fechar sua microempresa para encarar o desafio de assumir o primei-

Atualmente a Fazenda da Espe-rança atende cerca de 500 mulheres em todo o mundo, através de 16 co-munidades terapêuticas espalhadas por todo o território nacional, além de sete casas presentes em diversos países como: Alemanha, Argentina, Filipinas, Guatemala, Moçambique e Paraguai.

No primeiro centro feminino da história da Fazenda, no bairro São Manoel em Guaratinguetá, 90 mulhe-res lutam diariamente para vencer a dependência química. O centro possui uma peculiaridade, cada vez mais rara nas instituições de reabilitação, para colaborar com o tratamento e evitar que as jovens que possuem filhos re-cém-nascidos ou de até sete anos sin-tam o desejo de sair da comunidade, o centro possui há mais de dez anos a ‘Casa das Mães’.

“Muitas mulheres chegam aqui de-vastadas pela dependência química e despreparadas para exercerem as funções de uma mãe. Mas com o nos-so auxílio, e com o convívio com os filhos nesta casa, elas amadurecem o sentimento de maternidade, que as ajuda muito a permanecerem no tratamento”, explica a psicóloga do centro feminino, Ana Lúcia Duarte.

Há quatorze recuperandas convi-vendo diariamente com os filhos no centro feminino de Guaratinguetá. Uma delas é Erika Aparecida da Sil-va, 33 anos, natural de Osasco, que está há quatro meses na comunidade terapêutica com a pequena Valentina de três anos.

Érika que é casada há doze anos começou a fumar crack junto com o

ro centro feminino da Fazenda da Esperança foi a escolha mais acertada de sua vida. “Não me arrependo em nenhum momen-to de ter largado tudo no Sergipe

O encontro de Luci e Iraci para me tornar um instrumen-to de Deus nesta grande missão, que devolveu o amor e a espe-rança a milhares de mulheres”, finalizou.

marido em Divinópolis, MG, no ano de 2008. O vício a fez abandonar o pri-meiro ano do curso de Jornalismo em uma faculdade particular mineira.

A jovem ficou grávida em 2009, e nem a gestação a fez parar de consu-mir o crack. Desesperada com a pró-pria situação, a jovem pediu ajuda aos sogros para se internar na Fazenda da Esperança. “O principal motivo que me fez escolher vir para a Fazenda, foi quando descobri que em Guará era permitido que as mães ficassem com os filhos. Se não fosse este fator, eu nunca iria me internar, pois jamais suportaria ficar longe da minha filhi-nha”, desabafa a recuperanda.

Érika ressalta a importância do convívio com Valentina, e dos ensi-namentos da Fazenda da Esperança. “Ter ela aqui comigo me acalma e me dá força para viver. A presença da Va-lentina tem ajudado muito na minha recuperação. A Fazenda é um lugar maravilhoso, que aos poucos está me devolvendo à vida e os sonhos”.

Mulheres

Page 14: Revista amanhecer

14

Page 15: Revista amanhecer

15

Ao ver o empenho e a energia de Antônio Eleutério Neto, para cuidar do Complexo Esportivo e organizar as peregrinações da Fazenda da Esperança, é difícil acreditar que no início da déca-da de 80, ele d estinava sua vida a ser um dos comandantes do tráfico de drogas na esquina da rua Tupinambás com a Guaicu-rus, no bairro do Pedregulho em Guaratinguetá.

Aos 20 anos, cansado de tes-temunhar os malefícios, como também à desgraça que o trá-fico e uso de drogas propor-cionavam a sua vida e de seus amigos, Antônio decidiu pedir ajuda ao paroquiano Nelson Giovanelli, para largar aquele mundo recheado de desilusões e sofrimento.

O dia 29 de julho de 1983, quando Antônio fez o pedido, é considerado como a data de nascimento da Fazenda da Espe-rança, sendo o ‘pontapé’ inicial para a construção da história da instituição, que atualmente é a maior comunidade terapêutica para a recuperação de depen-dentes químicos da América Latina, com 87 fazendas espa-lhadas pelo mundo, e que abri-ga cerca de três mil jovens em tratamento.

Nesta entrevista, Antônio Eleutério conta sua experiên-cia de vida, e os momentos mais marcantes da história da Fazen-da da Esperança.

Direto ao Ponto!

O númerO umAntônio Eleutério, o primeiro recuperando da Fazenda Esperança, fala de sua experiência de vida e os momentos mais marcantes das três décadas da instituição

Foto

: Luc

as B

arbo

sa

o poder público deveria intensi-ficar a ajuda às comunidades de reabilitação

Page 16: Revista amanhecer

16

Comecei a me drogar aos 12 anos e algum tempo depois eu já era um dos ‘cabeças’ do tráfi co naquela região. Mas neste perío-do da minha vida, eu já estava cansado de fazer a minha mãe sofrer. Principalmente, quando ela me via naquela esquina ou quando a polícia invadia a nossa casa. Graças a Deus a minha fa-mília sempre foi muito honesta, e não tinha o porquê de eu ser daquele jeito.

A gota d’água para o meu pedi-do de ajuda ao Nelson, foi quan-do ‘caiu a fi cha’ que eu estava devastando a minha vida e a da minha mãe.

Muitos falam que é por in-fl uência de amigos ou pessoas próximas, eu não concordo, para mim isso é uma desculpa que a pessoa encontra para justifi car sua entrada neste caminho erra-do. Todos buscamos a felicidade e as realizações, só que muitas vezes acabamos procurando no lugar errado. Comigo não foi di-

Qual foi a gota d’água para lar-gar o mundo da criminalidade?

Quais foram as di� culdades que o seu grupo enfrentou ao se instalar na primeira casa ?

Por que você, assim como ou-tros milhares de jovens, recor-reu ao uso das drogas?

Qual a sensação em ser o primei-ro recuperando da Fazenda ?

Quais foram os momentos mais marcantes destes trinta anos ?

ferente, é um vazio muitas vezes causado por problemas particu-lares, que você tenta preencher com a falsa alegria que a droga te proporciona.

É um sentimento indescritível saber que, através do meu pedi-do de ajuda ao Nelson, teve início a história desta grande comuni-dade, que hoje está presente em todos os continentes do mundo. Eu realmente nem sonhava que naquele grupo que se formou na esquina do Pedregulho, estava predestinado por Deus o come-ço deste grande trabalho de res-gate de milhares de vidas que a Fazenda vem operando nestes trinta anos.

Primeiramente, a tentação era grande, já que estávamos a 100 metros da ‘boca de fumo’, pois a primeira casa onde começamos a experiência de internação fi ca-va na rua Tupinambás, pertíssi-mo da esquina. Nessa modesta residência fi camos Ademir, Beto, Tê, o Queixada e eu, e como nós

Sem dúvida a visita do Papa Bento XVI em 2007, que foi um grande presente de Deus a todos os integrantes da Fazenda. De-morou um bom tempo para ‘cair a fi cha’, já que vinte anos atrás eu estava vivenciando tantas coi-sas horríveis naquela esquina, e ‘num piscar de olhos’, estava frente a frente com o maior re-presentante de Deus na Terra, lendo o meu depoimento de su-

vivemos toda aquela problemá-tica da dependência química, nunca tínhamos trabalhado na vida. Então o Nelson, nos primeiros meses, aplicava todo o seu salário para arcar com as nossas despesas. Foi aí que pedimos ao Frei Hans para que nos emprestasse ferramentas de jardinagem para começarmos a ganhar um dinheiro, só que os vizinhos do Pedregulho não dei-xavam cortar a grama, pois ti-nham muito medo da gente. Este começo foi muito complicado, mas graças a Deus conseguimos ganhar a confi ança dos mora-dores. Alguns meses depois, o Frei Hans recebeu a doação da área no bairro Santa Edwiges, onde foi construída a primeira Fazenda da Esperança, assim acabamos indo para lá.

Direto ao Ponto!

Antônio Eleutério Neto acompanha o reconhecimento do ‘Pontifício da Família da Esperança’ no Vaticano

Foto: Arquivo

Page 17: Revista amanhecer

17

O Brasil vive uma epidemia de Crack. Quais medidas o gover-no deveria realizar para conter o seu avanço?

A taxa de recuperação de depen-dentes químicos que realizam tratamento na Fazenda é de 80%, qual a fórmula desse sucesso?

Direto ao Ponto!

peração a ele. O reconhecimento do Pontifício da Família da Es-perança em Roma, em 2010 tam-bém foi algo memorável. Todas as pessoas que decidiram doar as suas vidas a ajudar na recu-peração de milhares de jovens, sonhavam com este reconheci-mento.

Para mim o crack é o câncer da juventude. Nas fazendas do Brasil, a maioria esmagadora das pessoas que buscam tratamento, são dependentes desta droga. Os investimentos do governo tanto para conter, mas principalmen-te para reabilitar os dependentes estão radicalmente abaixo do ne-cessário. Quando o governo de-cide colaborar fi nanceiramente com alguma instituição, ele exi-ge que a comunidade crie novas normas e regras e modifi que a sua metodologia do trabalho. Não acho isto certo, para mim o poder público deveria intensifi -car a ajuda às comunidades de reabilitação, mas respeitando a metodologia de trabalho de cada uma, e não criando barreiras burocráticas que acabam difi -cultando a nossa missão.

Primeiramente, o jovem tem que ter o desejo de se recuperar. Nes-ta comunidade, através da tríade da convivência, espiritualidade e trabalho, eles são reeducados e aprendem a enxergar o mundo e a si mesmos de uma forma diferente. Aqui na Fazenda, eles encontram voluntários e colaboradores que os ensinam dois fatores fundamen-tais para a recuperação, o amor e a esperança.

Antônio Eleutério Neto no moderno complexo esportivo da Fazenda da Esperança

Foto

: Luc

as B

arbo

sa

Page 18: Revista amanhecer

18

Fênix

A história de vida da alagoana Edna Corrêa da Silva, 35 anos, é digna de um roteiro de fi lme de drama. Nascida em Macéio em 1977, levava uma vida simples morando em uma pequena casa com a avó e a tia, tentando superar diaria-mente o trauma da morte da mãe durante o seu trabalho de parto.

Ao completar 13 anos de idade, após uma briga com suas familiares, Edna ouviu de sua tia uma revelação que trouxe uma grande reviravolta em sua vida. Tomada pelo calor da discussão, a tia revelou à Edna que sua progenitora não havia morrido, e que na verdade ela era a sua verda-deira mãe. “Quando descobri que a pessoa que eu achava que era a minha tia, era a minha mãe, assim meu mundo caiu. Ela disse que quando eu nasci a minha avó a proibiu de cuidar de mim, pois ela era alcoólatra e não tinha condições psi-cológicas de tomar conta de uma criança”, revela a alagoana.

Inconformada com a notícia, Edna saiu de casa e decidiu ir morar com um primo na favela do Jacarezinho, no Rio de Janeiro. Ao chegar à capital carioca com 14 anos de idade, Edna descobriu que o primo era um dos comandantes do tráfi -co na comunidade e passou a ajudá-lo na venda dos entorpecentes. “Comecei a gostar daquela vida que eu estava levando. Eu não usava, mas vendia entorpecentes o dia inteiro no Jacarezi-nho. Aos poucos fi quei conhecida e respeitada na comunidade, além de conseguir ganhar muito dinheiro”, relembra.

Após se envolver com um parceiro de crime, Edna engravidou aos 15 anos e decidiu retornar a Maceió para dar à luz a criança. Só que um mês depois de voltar à sua antiga casa, a gestante começou a sentir fortes dores e acabou sofrendo um aborto involuntário.

Depressiva, ela permaneceu na capital alagoana por dois anos e, após se envolver com um crimi-

A FAZenDA me SALVOu!O relato da alagoana, que largou a criminalidade para se tratar e voluntariar na instituição

noso de seu bairro, Edna engravidou novamente e deu à luz a sua primei-ra fi lha, chamada Clarisse.

Para sustentar a fi lha, Edna resolveu ir com o namorado no-vamente para a comunidade do Jacarezinho, onde o casal passou a trafi car e se envolver com uma facção criminosa. Com o passar do tempo, a polícia carioca começou a perseguir o casal, que com medo de ser preso fugiu novamente para Maceió.

Decididos a permanecer na capital alagoana, o casal alugou uma casa no bairro do Benedito e começou a trafi car novamente. Com a boca de fumo cada dia mais procurada pelos viciados, os namorados passaram a ganhar fama e muito dinheiro. Edna engravidou mais uma vez e deu a luz ao seu primeiro fi lho ho-mem, chamado Átila. Seis meses após o nascimento da criança, um triste acontecimento mudou de vez a história da família. “De-vido ao nosso sucesso no mun-do crime, trafi cantes da cidade começaram a entrar em guerra com a gente. Foi aí que depois de uma emboscada, assassinaram o pai dos meus fi lhos. Fiquei te-merosa do que seria do futuro das minhas crianças”, revela.

Mesmo com o assassinato do parceiro, Edna continuou ge-renciando o ponto de tráfi co, contando com a ajuda de al-guns membros de sua quadri-lha, assim passaram a travar

Page 19: Revista amanhecer

19

Fênix

Sensibilizados com o estado de Edna, seus familiares decidiram propor a jovem que ela se inter-nasse na Fazenda da Esperança de Lagarto,em Sergipe. Edna aceitou o convite e chegou à comunida-de terapêutica no início de 2007.

“Fiquei um ano e dois meses em Lagarto, no começo não foi fácil,

pois sentia muita saudade dos meus fi lhos. Mas, graças a Deus conheci pessoas maravilhosas e me encantei com a metodologia da Fazenda. Lá repensei em todas as coisas erradas que fi z em minha vida e decidi me tornar uma pessoa melhor”.

Após a conclusão do tratamento, devido a sua mudança de hábitos e sua conduta exemplar, a alagoana foi chamada para fazer uma experiên-cia na Fazenda de Ponta Grossa no Paraná. Lá, Edna aprendeu com a responsável como administrar a co-munidade e ajudar na reabilitação de outras mulheres.

Mas a saudade dos seus fi lhos, prin-cipalmente a do pequeno Átila, ator-

uma guerra com os trafi cantes que haviam matado o seu companheiro. Em uma noite, quando retor-

nava para sua casa junto com alguns amigos, a quadrilha rival atacou o bando de Edna.

Depois de alguns minutos de tiroteio, Edna foi atingida com um tiro nas costas e levada

ao hospital com urgência. “Eu já tinha pas-sado por muitos momentos de perigo na

vida, mas dessa vez eu achei que fosse morrer. Graças a Deus sobrevivi, mas fi quei sete meses em uma cadeira de

rodas”.Depois de conseguir voltar a andar,

Edna, sentindo uma forte depressão e com medo de ser assassinada, de-cidiu parar com a venda de drogas. Desgostosa de seu presente, a ala-goana deixou os dois fi lhos com a

avó e alugou um quarto de ho-tel, onde permaneceu um mês se drogando. “Fui usar droga pela primeira vez com 31 anos de idade. E já comecei com o crack, fi quei um mês fumando direto dentro daquele quarto, sentindo um grande desejo de morrer. Fiquei uns 15 dias sem dormir e sem comer pratica-mente nada”.

O dono do hotel, preocupado com a situação, ligou para uma prima de Edna, que foi buscá-la. Ao chegar ao local, a prima se assustou com o estado de Edna, que já não conseguia mais nem levantar da cama.

mentava o cotidiano de Edna. Até que em junho de 2010, a alagoana foi convidada para fazer a escola missionária em Guaratinguetá, SP e recebeu um grande presente.“Aqui em Guará, as recuperandas podem fi car com os fi lhos na ‘Casa das Mães’. Desde então, o Átila está aqui comigo me dando força diariamente. Tive a honra de me tornar a coordenadora des-ta casa e estou agora ajudan-do outras mulheres como eu a saírem desse inferno que é o mundo das drogas”.

Edna ressalta a importân-cia da Fazenda da Esperança em sua vida e o sentimento de vitória. “A Fazenda salvou a minha vida e me fez enxer-gar que o único caminho a seguir é o amor. Estou muito feliz aqui com o meu fi lho, e a cada abraço nosso reforça em meu coração o sentimento de que é possível mudar e trilhar um novo caminho.”

A cHeGAdA À FAZendA dA esPeRAnçA

Foto: Lucas Barbosa

Page 20: Revista amanhecer

20

Observando o grande número de meninos de rua e de dependentes químicos que buscavam na diocese de Coroatá no Maranhão algum auxílio ou palavra de conforto, o bispo Dom Reinaldo Punder sentia em seu coração que era necessá-rio fazer algo a mais para amenizar o sofrimento daquela população assolada pela miséria e a falta de oportunidades.

O que o bispo não sabia é que a partir de uma viagem à Suíça, em 1985, e de um desabafo ao também bispo Dom Klaus Hemmerle, começaria a se escrever a história da primeira Fazenda da Esperança fora de Guaratinguetá.

Após ouvir os relatos do bispo de Coroatá sobre as difi culdades que inundavam o cotidiano dos quase 60 mil habitantes da cidade, localizada no Vale do Itapecuru Maranhense, o bispo suíço Dom Hemmerle resolveu fazer uma ligação ao irmão gêmeo de Frei Hans, padre Paulo Stapel, contando sobre a difícil missão que Dom Reinaldo enfren-tava e pedindo para que ele fosse ao Brasil ajudar no atendimento aos coroataenses.

Autorizado pelo seu bispo na Alemanha a vir ao Brasil, Paulo Stapel decidiu doar tudo o que tinha no país europeu e seguir viagem rumo a Coroatá, para ajudar Dom Reinaldo e o povo que sofria com a miséria e a seca. “Peguei o meu visto, e em janeiro de 1986 viajei para o Brasil. Cheguei ao país sem saber falar nem uma palavra em Português. Não

A eSPerAnÇA CHeGA AO mArAnHÃOA história da fundação da primeira Fazenda fora de Guaratinguetá

foi fácil no início, mas tinha em meu coração que eu queria amar Jesus que estava dentro daquele povo”, relembra Paulo Stapel.

Com o trabalho de evangelização conquistando cada dia mais a confi ança dos corotaenses, a igreja administrada por Paulo Stapel e Dom Reinaldo crescia e se estruturava com o passar do tempo.

Em 1986, Frei Hans decidiu visitar seu irmão gêmeo na cidade maranhense e, após um pedido de Dom Reinaldo, contou aos jovens que acom-panhavam a missa na igreja um pouco sobre a experiência da Fazenda da Esperança de Guara-tinguetá, que já estava há três anos em funcio-namento. Após relatar a metodologia da comu-nidade terapêutica e as históri as de recuperação de dezenas de jovens que sofriam com os males causados pela dependência química, três garotos manifestaram interesse em irem para a cidade paulista, em busca de uma nova vida.

Ao ouvir o pedido dos jovens, Dom Reinaldo perguntou a Frei Hans: ‘Podemos ter uma Fazenda da Esperança em Coroatá? “Do nada apareceu um senhor que queria vender um terreno na Mata do Ar, e o bispo logo falou que talvez fosse um sinal de Deus. Passamos lá para olhar, e a propriedade foi comprada. Mais tarde, o Nelson veio com um grupo e deu início a primeira Fazenda fora de Guará”, revela Frei Hans.

Missões

Foto: Arquivo

Recuperandos trabalham na extração da polpa de acerola na comunidade de Coroatá, a primeira da Fazenda Esperança fora de Guaratinguetá

Page 21: Revista amanhecer

21

Após receber o convite de Dom Reinaldo e padre Paulo para abrir a unidade de Coroatá, Nelson Giovanelli entusiasmado com os resultados ob-tidos nos três anos de existência da comunidade de Guará, decidiu em 1987, ir à cidade do interior maranhense acompanhar o nascimento da obra e levar um modesto carro, para que os integran-tes da nova comunidade tivessem condições de se deslocarem da Mata do Ar, a área central do município.

A viagem de Nelson e de mais quatro voluntá-rios não foi nada fácil. Foram necessários três dias costeando o país rumo ao “mato” de Coroatá.

Ao relembrar a aventura, Nelson destaca os de-safi os que o grupo enfrentou. “Ficamos instalados, na Mata do Ar, em uma casa de pau a pique, tendo que buscar água a dois quilômetros em um burro chamado Didi. Mas apesar de tudo, estávamos motivados a levar o sucesso da experiência de Guará a Coroatá”.

Nelson ressalta que as difi culdades enfrentadas durante a viagem foram fundamentais para tra-çar a metodologia a ser seguida pelos voluntários nas missões de aberturas de novas comunidades. “Essa viagem preparou o caminho da experiência de missão, onde o jovem paga a sua passagem, vai até àquele lugar e faz o trabalho de construção, divulgação e implantação da Fazenda. Com tan-tas barreiras a serem superadas, o voluntário fi ca mais preparado a transmitir a nossa metodologia”.

Atualmente, a Fazenda Masculina Santo Agostinho conta com 85 recuperandos e se mantém graças à venda de polpas de frutas, principalmente acerola, além da fabricação de doces e a criação de gado. Esses meios de alto sustento foram implantados por Padre Paulo Stapel desde o início da comunidade.

Já as 28 mulheres que se recuperam na Fazenda feminina Madre Teresa de Calcutá, fundada em 1993, sustentam-se através da venda de pães e de artesa-natos.

O atual responsável pelas comunidades de Coroatá, Padre Luiz Menezes, tem uma história semelhante à de outros religiosos que dedicam suas vidas a ajudar os jovens a abandonar o triste caminho das drogas, através da metodologia da Fazenda que é baseada

Missionários rumo ao Maranhão

coRoAtÁ HoJena tríade da espiritualidade, convivência e trabalho. “Cheguei à Fazenda de Guará como voluntário em 90, com o propósito de passar um ano de experiência, mas acabei fi cando após acompanhar os milagres feitos na vida de muitos jovens. Em 2006, fui chamado para assumir as comunidades de Coroatá, e desde então venho fazendo parte deste belo trabalho”.

O padre ressalta o sentimento em ser o atual res-ponsável da primeira comunidade criada fora de Gua-ratinguetá. “A sensação é que deixei Deus conduzir a minha vida. Precisamos sempre ter uma fé viva e corresponder às necessidades humanas para ajudar a tantos apelos de jovens que sofrem por causa das drogas. É um prazer imensurável fazer parte da histó-ria da primeira comunidade fora de Guaratinguetá”.

Missões

Foto: Arquivo

Nelson Giovanelli conversa com voluntário de Coroatá em 1987

Page 22: Revista amanhecer

22

Page 23: Revista amanhecer

23

Preocupada com os índices do governo alemão, que apontavam o aumento desenfreado do con-sumo de drogas e álcool no fi nal da década de 90, a Ministra da Família e Juventude, Claudia Nolte, que já conhecia a história de seu compatriota Frei Hans e da Fazenda da Esperança, decidiu em 1997 vir ao Brasil para visitar a comunidade terapêutica de Guaratinguetá.

Ao presenciar os relatos dos jovens que consegui-ram vencer a dependência química, a ministra ale-mã se encantou com a metodologia da instituição e pediu para Frei Hans implantar uma comunidade na Alemanha. “De primeira falei não, pois eu tinha medo da burocracia existente na Alemanha refe-rente a serviços voltados a dependentes químicos, mas ela disse ‘ Frei não tenha medo, eu cuido da burocracia e você traz a parte espiritual”, relembra o fundador da instituição.

Mesmo inseguro com a situação, Frei Hans deci-diu aceitar o pedido de Claudia Nolte e enviou ao interior de Berlim, no início de 1998, doze missio-nários para a abertura da primeira comunidade fora do Brasil.

Ao chegarem a solo alemão, os missionários se

eSPerAnÇA Sem FrOnTeIrASA primeira comunidade fora do Brasil, e os desafi os em solo alemão

Internacional

depararam com o terreno doado pela ministra, na parte oriental da Alemanha. O local era uma fazen-da destruída que havia sido utilizada como prisão na época da Segunda Guerra Mundial, um pouco depois como manicômio e, por último, serviu de lixão para as cidades da redondeza.

Os missionários, com a ajuda do governo alemão, levaram cerca de dois anos para limpar, reformar e reestruturar o local.

Em 2000, cerca de 15 rapazes chegaram à comuni-dade no interior de Berlim em busca de tratamento. Mas diferentemente do Brasil, não era somente a dependência química o obstáculo a ser superado pelos recuperandos e missionários na Alemanha.

“Os primeiros recuperandos vieram de uma parte da antiga Alemanha, que sofreu décadas com o comunismo. Então 95% deles não conheciam Deus, não que fossem ateus, mas simplesmente nunca haviam ouvido falar de Cristo”, revela Frei Hans.

Com trabalhos de evangelização intensifi cados e a metodologia de tratamento da Fazenda, os primei-ros resultados positivos começaram a aparecer e a comunidade terapêutica passou a ganhar grande visibilidade na Europa.

Frei Hans Stapel visita em 2009 a comunidade de reabilitação de Berlim, a primeira da Fazenda Esperança em solo internacional.

Foto: Christian Heim

Page 24: Revista amanhecer

24

Diante do sucesso no tratamento masculino, o governo alemão doou, em 2000, outra área no interior de Berlim, vilarejo de Riewend, para a implantação da primeira comunida-de feminina da Fazenda da Esperan-ça fora do Brasil.

Frei Hans escalou a missionária sergipana Angelúcia Moura para as-sumir a responsabilidade de iniciar um trabalho junto às alemãs.

Angelúcia, natural de Sergipe e vo-luntária da instituição há cinco anos na época, resolveu aceitar o desafio e abandonou o calor do Brasil para encarar o frio alemão.

Ao chegar à comunidade, conheceu os traumas e histórias de vida das primeiras quinze recuperandas da instituição.

Apesar da gana em ajudar aquelas garotas, as dificuldades de comuni-cação e diferenças culturais passa-ram a preocupar a missionária. “Já que eu não falava alemão, a falta de comunicação atrapalhou muito o meu convívio com as meninas. Mas graças ao amor, que é a língua uni-versal, comecei a ganhar o respeito de todas e o tratamento passou a sur-tir efeito naquelas jovens”, ressalta a missionária.

Outro fator que passou a preocupar Angelúcia, é que a maioria das jovens enfrentavam, além da dependência química, transtornos alimentares como a bu-limia e anorexia.

A missionária revela o sentimento de perple-xidade ao acompanhar o cotidiano daquelas jovens, que mesmo com a mesa farta, optavam por não se alimentar devido ao medo de en-gordar. “Por vir de um país de terceiro mundo, onde muitas pessoas morrem de fome, eu não estava acostumada com aquela situação. Teve uma vez que infelizmente tivemos que abrir à força a boca de uma jovem para fazê-la se ali-mentar, antes que ela morresse de fome”.

Angelúcia ressalta ainda a sensação de dever cumprido e o que a experiência mudou em sua vida. “Seja qual for a missão, é preciso amar o ser humano. Esses seis anos na Alemanha confirmaram em meu coração que a Fazenda possui o carisma de resgatar vidas em qualquer canto da terra.”

A missão de Angelúcia

Esperança mundo aforaApós o sucesso na implantação da Fazenda da

Esperança na Alemanha, governos de diversos países entraram em contato com a instituição para a abertura de novas comunidades.

Atualmente, além de cinco comunidades na Ale-manha, a obra possui centros de reabilitação na Argentina, Colômbia, Filipinas, Guatemala, Méxi-co, Moçambique, Paraguai, Rússia e Uruguai. “O sucesso na criação da Fazenda da Alemanha nos impulsionou a buscar novos horizontes. A previ-são é que com o tempo sejam instaladas novas comunidades em diversos outros países, já que estamos com dezenas de terrenos doados”, afirma o fundador da instituição, Nelson Giovanelli.

Internacional

Foto: Arquivo Pessoal

Page 25: Revista amanhecer

25

Foto: Arquivo Pessoal

Page 26: Revista amanhecer

26

Vencer o vício das drogas e do álcool não é uma tarefa fácil! Diariamente, os três mil recuperan-dos das Fazendas de todo o mundo lutam para superar a abstinência e os traumas deixados pela dependência química.

A Fazenda da Esperança, que começou em 1983 com apenas uma casa de reabilitação em Guara-tinguetá, SP, possui atualmente 87 comunidades terapêuticas, sendo 64 masculinos e 23 femini-nas, espalhadas por todos os estados do Brasil e em diversos países como: Alemanha, Argentina, Colômbia, Filipinas, Guatemala, México, Moçam-bique, Paraguai, Rússia e Uruguai.

Os levantamentos da instituição apontam que ao longo destes trinta anos, cerca de 50 mil jovens conseguiram se libertar do vício das drogas e do álcool na comunidade, através do tratamento fun-damentado na tríade da convivência, trabalho e religiosidade.

A internação dura um ano e é necessário que o dependente químico encaminhe uma carta escrita

A BATALHA COnTrA O VÍCIOOs segredos do tratamento que já livrou 50 mil jovens da dependência química

de próprio punho à comunidade, explicando os motivos que o levaram a pedir ajuda. A instituição só acolhe pessoas que realmente desejam se recu-perar, pois os recuperandos não fi cam em locais fechados por muros ou portões, tudo é aberto e dá acesso à rua.

Ao chegar à comunidade, o recuperando passa a frequentar encontros religiosos e a desenvolver algum tipo de trabalho, como a confecção de pro-dutos de limpeza ou alimentícios, como também de vestuários. Posteriormente, a família do assis-tido recebe uma cesta, avaliada em um salário mínimo, com produtos feitos pelo próprio recu-perando, que deve ser vendida para que a renda seja revertida à instituição.

“A nossa metodologia tem alcançado sucesso com 80% dos nossos assistidos. Aqui não traba-lhamos com medicamentos, e sim com a força da religiosidade, da convivência e do trabalho. Não cobramos nada da família do recuperando, mas ela precisa se envolver para o tratamento ter sucesso”, explica o fundador da instituição Frei Hans Stapel.

Tratamento

Assistidos trabalham na confecção de produtos de limpeza na Fazenda da Esperança de Guaratinguetá

Foto: Mauricio Araújo

Page 27: Revista amanhecer

27

“Sempre tive paixão pela mú-sica, e ao completar 16 anos, formei a minha primeira ban-da de rock. Comecei a tocar em festas em Fortaleza e a conhecer muitas pessoas que bebiam e se drogavam.

Com o passar do tempo, come-cei a me drogar também, e com 20 anos eu já era um dependente químico.

Por ser fi lho único, eu e mi-nha mãe tínhamos uma gran-de ligação, só que eu comecei a deixá-la de lado para me drogar e fazer shows pela madrugada cearense.

Ela chegou a fi car muitas noites em claro me esperando, enquanto eu me afundava na cocaína.

Alguns anos depois, envolvi-

A redenção da alma me com o crack e comecei a vi-ver em função deste vício.

Nós morávamos sozinhos e ela já não tinha mais lágrimas para chorar por ter um fi lho drogado.

Foi aí que descobrimos que ela estava com câncer. Alguns me-ses depois, ela já não tinha mais forças para levantar da cama.

Ao invés de ajudá-la, eu me afundei ainda mais. Enquanto ela agonizava na cama, eu fu-mava o dia todo no quarto ao lado.

Ela acabou falecendo e, diante desta tristeza, eu fui me inter-nar na Fazenda da Esperança de Pacatuba no Ceará. Fiquei dois anos lá e passei por uma experiência que mudou a mi-nha vida.

Eu estava muito deprimido e resolvi escrever uma letra de música para a minha mãe.

Foi aí que o responsável pela comunidade me chamou para cantar essa música para as fa-mílias que estavam visitando os recuperandos.

Cantei a música na igrejinha e, quando acabei, várias senho-ras vieram me dizer que com aquela música sentiram que a esperança que seus fi lhos se re-cuperassem, renovou-se. Ouvir aquilo foi como a redenção da minha alma. Senti que tudo que eu deixei de fazer pela minha mãe, pude fazer àquelas mãe-zinhas. Recuperei-me graças ao carisma e as experiências da Fa-zenda da Esperança. Tornei-me voluntário e hoje sou responsá-vel pela comunidade de Chape-có, Santa Catarina”.

Manoel de Souza Brasil Neto, Fortaleza, (CE), 35 anos

ela já não tinha mais lágrimas para chorar por ter um fi lho drogado.

ela já não tinha “chorar por ter um

Tratamento

Foto: Mauricio Araújo

Foto

: Luc

as B

arbo

sa

Page 28: Revista amanhecer

28

“Tudo começou na adolescên-cia. Tive o meu primeiro contato com entorpecente aos 16 anos. Quando completei 19 anos, en-trei na faculdade de psicologia e acabei me envolvendo fortemen-te com a cocaína. Alguns anos depois, a situação só piorou, pois conheci o crack.

Acabei largando os estudos e as minhas duas fi lhas para me dedicar somente ao vício. Passei por 15 internações em diversas casas de recuperação de todo o país, mas mesmo assim não conseguia me reabilitar.

Em 2010, tive outra recaída e acabei morando quatro meses na cracolândia em São Paulo. Ali vivi os piores momentos da

Da escuridão da cracolândia, para a luz da esperançaminha vida e acabei virando pra-ticamente um zumbi, já que eu não me alimentava e cheguei a fi car dez dias sem dormir.

Até que um dia, naquela pa-ranóia, roubei alguns produtos de um mercado e acabei sendo preso por furto. Fui condenado a cumprir oito meses de detenção no presídio de Osasco.

Na cadeia, conheci um pas-tor luterano que desenvolvia um trabalho voluntário com os presidiários, o qual me indicou para participar de um programa da prefeitura, Projeto Tenda, que possibilitou que eu cumprisse os três últimos meses da minha pena em liberdade e passasse por um tratamento em uma comu-

nidade de reabilitação.Cheguei à Fazenda da Espe-

rança, de Guaratinguetá, em 2011 e não tenho palavras para descrever o tratamento maravi-lhoso que estou tendo. Através da metodologia da Fazenda, me aprofundei no evangelho e sinto que tive meu caráter e espírito restaurados. Falta um mês para concluir o meu tratamento e a minha vontade é permanecer aqui voluntariando o resto da minha vida, para ajudar tantas pessoas como eu a reconquista-rem os sonhos”.

Davi Bueno, 38 anos, São Paulo (SP)

Acabei largando os estudos e as mi-nhas duas fi lhas para me dedicar somente ao vício

Acabei largando “para me dedicar

Tratamento

Foto

: Luc

as B

arbo

sa

Page 29: Revista amanhecer

29

Adeus escravidão“Estou muito honrada em estar me recuperando

na Fazenda da Esperança. Esse tratamento está me reaproximando da natureza e de Deus, devol-vendo-me a paz interior.

Eu estava cansada de ser escrava do crack e do álcool. Percebi que todas as minhas amigas esta-vam evoluindo na vida e eu continuava estagnada nos meus vícios.

Eu já não dava mais atenção à minha família e às pessoas que amo, pois só pensava em beber e me drogar.

Cheguei aqui na Fazenda de Guaratinguetá há dois meses, muito debilitada e deprimida, mas graças ao tratamento e as pessoas maravilhosas que aqui estão, sinto que estou vencendo os meus demônios.

Quero concluir o tratamento, voltar de cabeça erguida para a minha casa e começar a trilhar um novo caminho”.

Graciela Gonçalves de Oliveira, 29 anos, Campos do Jordão (SP)

sinto que estou vencendo os meus demônios

sinto que estou sinto que estou “ “

TratamentoFo

to: L

ucas

Bar

bosa

Page 30: Revista amanhecer

30

eIS-me FInALmenTe nA FAZenDA eSPerAnÇA!Os acontecimentos que marcaram a visita do Papa à instituição em 2007, e o que mudou depois de sua vinda

Ao longo destes trinta anos de luta, resgates de vida e desafi os, nenhuma manhã foi tão especial para a Fazenda da Esperança que a do dia 12 de maio de 2007. O céu azul e a bela paisagem das montanhas anunciavam a visita do Papa Bento XVI à comunidade terapêutica das Pedrinhas.

O convite ao pontífi ce foi realizado em Roma por Frei Hans Stapel, fundador da Fazenda da Esperança, durante a apresentação da primeira carta encíclica, usada pelo Papa para exercer o seu magistério ordinário, em 21 de fevereiro de 2006.

“Quando soube que o Papa iria visitar o Brasil,

senti que se pudesse promover o encontro entre o pai espiritual da humanidade e os milhares de jovens que mesmo em busca da recuperação, sentiam-se de certa forma marginalizados pela sociedade, poderia devolvê-los a autoestima”, re-vela Frei Hans.

Depois de quase nove meses de ansiedade e correntes de orações, a confi rmação da vinda do Papa veio em 15 de novembro de 2006, pela Ofi cial Delegacia do Vaticano.

“O anúncio da confi rmação da visita do Papa mexeu com todos da Fazenda. Os corações dos recuperandos e voluntários se encheram de fe-licidade. Foi criada uma atmosfera fantástica de puro entusiasmo, já que para nós era como se Jesus viesse pessoalmente nos visitar”, ressalta a fundadora do Centro Feminino, Luci Rosendo.

Com a chegada do tão esperado sábado, em que o maior representante da Igreja Católica iria visitar

Valeu a Pena!

Page 31: Revista amanhecer

31

eIS-me FInALmenTe nA FAZenDA eSPerAnÇA!a comunidade das Pedrinhas, cerca de 6.500 pes-soas, sendo 2.500 recuperandos vindo de todas as Fazendas do mundo, aguardavam ansiosamente em frente ao palco a chegada de Bento XVI.

A visita não mobilizou apenas os benfeitores, voluntários e recuperandos da Fazenda, como tam-bém cerca de 500 jornalistas cobriam o evento, transmitido ao vivo para milhões de espectadores de todo o mundo.

O papa saiu do seminário Bom Jesus, em Apa-recida, por volta das 9h45 e sua comitiva chegou à Fazenda às 10h30.

“Quando o vi descer do carro, senti uma emo-ção indescritível. Porque meses atrás eu estava em um bar de Fortaleza me drogando e com pessoas totalmente desvirtuadas, e em um piscar de olhos eu estava vendo o representante de Deus na Terra bem na minha frente”, conta o ex-recuperando Manoel de Souza Brasil.

Enquanto caminhava até o palco, a mistura de gritos e aplausos formava a trilha sonora daquele memorável dia em que a Fazenda Esperança se tornaria ainda mais conhecida em todo o globo e se consolidaria defi nitivamente como uma das mais prestigiadas obras sociais, em prol da recuperação de dependentes químicos do planeta.

Antes de subir ao palco, Bento XVI quebrou os protocolos de segurança e com um semblante de alegria começou a caminhar no meio dos milhares espectadores distribuindo abraços e sorrisos. Em retribuição ao gesto de carinho do Papa, um dos jovens deu um boné da Fazenda ao pontífi ce, que imediatamente o colocou em sua cabeça e posou para algumas fotos, levando a multidão ao delírio.

Para marcar o início do evento, a Fazenda pro-gramou uma apresentação artística através do grupo Art´Esperança, formado por dependentes em fase de recuperação, que apresentaram uma

Valeu a Pena!

Foto: Mauricio Araújo

Page 32: Revista amanhecer

32

dança saudando Bento XVI.Na sequência, quatro pessoas, cada uma de um

país, que se recuperaram na Fazenda, leram tes-temunhos contando um pouco de sua história e a importância da comunidade para a retomada de suas vidas. Um dos relatos que mais emocionou as quase sete mil pessoas presentes nas Pedrinhas, foi o do primeiro recuperando da história da Fa-zenda, Antônio Eleutério, que contou sobre o seu envolvimento com as drogas logo aos 12 anos de idade e todo o sofrimento que isto lhe causou e, principalmente, à sua família.

“Sem dúvida esse foi um dos momentos mais marcantes da minha vida. Passou um fi lme na minha cabeça sobre todas as coisas ruins em que me envolvi durante a juventude. Pude dizer ao Papa, que eu sou a prova viva que a Fazenda tem o poder de curar e resgatar a dignidade humana”, relembra Antônio.

Outro depoimento que levou às lágrimas muitos espectadores foi a da compatriota de Bento XVI e de Frei Hanz, Sylvia Hartwich, que descreveu as difi culdades que viveu aos 20 anos em Berlim, após sofrer um acidente de trabalho que a obrigou emagrecer 60 quilos. Após o acontecido, ela passou a ter medo de comer e adquiriu bulimia e anorexia. Depois de manter condutas de automutilação e tentar se suicidar diversas vezes, ela recebeu em 2002 no hospital de Berlim a visita de três jovens da Fazenda que contaram suas histórias de vida que a impulsionaram a buscar ajuda.

“O início na Fazenda foi difícil, não tinha nenhu-ma experiência com Deus. Somente o tempo e o amor de todos puderam abrir o meu coração. Sei que através da minha história, e luta constante sou uma luz para as outras meninas que buscam se reabilitar”, leu ao Papa a atual voluntária da Fazenda de Berlim.

Em seu discurso de cerca de 10 minutos, Bento XVI parabenizou o trabalho e a força de vontade dos fundadores e voluntários da Fazenda da Espe-rança. “Com particular afeto, saúdo ao Frei Hans, e os demais fundadores da Fazenda da Esperança. Desejo desde já congratular-me com todos vocês, por terem acreditado num ideal de bem e de paz que este lugar signifi ca”.

Bento XVI comentou sobre a metodologia de tratamento aplicada na comunidade terapêutica.

“Mediante uma terapia, que inclui a assistência

‘Sejam embaixadores da esperança’

Valeu a Pena!

Foto

: Mau

ricio

Ara

újo

Foto: Mauricio Araújo

Durante cerimônia crianças sobem no palco para saudar Papa Bento XVI

Page 33: Revista amanhecer

33

A ‘explosão’ após a visita do Papa

médica, psicológica e pedagógi-ca, mas também muita oração, já são numerosas as pessoas que conseguiram livrar-se da dependência química e recu-perar o sentido da vida. Desejo manifestar aqui o meu apreço por esta obra”.

O Papa se despediu, enfati-zando a importância de cada um para a construção de um mundo melhor, e do trabalho realizado pelas comunidades de reabilitação de todo o mun-do. “Meu pensamento vai agora a muitas outras instituições do mundo, que trabalham para restituir a vida a estes nossos irmãos presentes na nossa so-ciedade, e que Deus ama com um amor preferencial. Que frei Galvão ampare e proteja a cada um. A todos vocês abençoo em nome do Pai, do Filho e do Es-pírito Santo. Amém.”, fi nalizou.

O papa Bento XVI trouxe à Fazenda, além de mensagens de positividade e de esperança, uma grande visibilidade ao trabalho feito em prol da recuperação de milhares de dependentes quí-micos. Cinco anos depois da sua vinda, a obra que contava com 43 comunidades espalhadas pelo mundo, atualmente possui 87 Fazendas em funcionamento, além de 47 áreas já doadas para a implantação de novas comunidades.

Para o fundador da Fazenda, Nelson Giovanel-li, o efeito da vinda de Bento XVI foi semelhante a uma ‘explosão’. “Para se ter uma ideia , depois da vinda do Papa o número de Fazendas em funcionamento mais que dobrou. Isto eviden-cia a mudança provocada por esta visita, pois além de representante de Cristo, ele é um Chefe de Estado e tê-lo como visitante nos deu um ‘carimbo’ de autenticidade e de credibilidade”.

De acordo com Frei Hans, além das 44 comu-nidades terapêuticas surgidas nestes últimos cinco anos, há mais dezenas de propriedades doadas em todo o mundo para a criação de novas Fazendas. “Atualmente temos 47 áreas doadas, e a expectativa é que este número au-mente com o passar do tempo. Essa visita para nós foi uma confi rmação da Igreja que estamos no caminho certo”.

Valeu a Pena!

Foto: Mauricio Araújo

Foto

: Chr

istia

n H

eim

Frei Hans Stapel agradece a vinda do Papa Bento XVI à Fazenda da Esperança

Durante cerimônia crianças sobem no palco para saudar Papa Bento XVI

Page 34: Revista amanhecer

34

Após sete anos do início de sua experiência com o primei-ro grupo de jovens que busca-vam se recuperar do vício das drogas, o paroquiano Nelson Giovanelli, fundador da Fa-zenda Esperança, decidiu, em 24 de maio de 1990, consagrar sua vida, através dos votos pri-vados de pobreza, castidade e obediência, para a doação inte-gral de seu tempo à missão de retirar o maior número possível de homens e mulheres do cala-bouço da dependência química.

O que Nelson não imaginava é que exatamente vinte anos depois, na mesma data em que realizou os votos privados, a sua decisão e de outras dezenas de membros da Fazenda de vive-rem exclusivamente em prol da ideologia de ajudar o próximo a se reabilitar, seria reconhecida pelo Vaticano como um novo carisma: o da Esperança.

Em 24 de maio de 2010, uma segunda-feira de Pentecostes, em Roma, junto ao Pontifício Conselho Para os Leigos, Frei Hans recebeu das mãos do Cardeal Stanislaw Rylko, o re-conhecimento do ‘Pontifício da Família da Esperança’. Ou seja, aquele grupo de voluntários, padres, celibatários, ex-recupe-rantes, solteiros ou casados que deixaram seus lares e até suas famílias para se dedicarem ex-clusivamente para fortifi cação

nASCe A FAmÍLIA DA eSPerAnÇA!Voluntários da Fazenda são reconhecidos pelo Vaticano como Associação Internacional de Fiéis

da maior comunidade terapêu-tica da América Latina, foram reconhecidos juridicamente pela Igreja Católica como uma Associação Internacional de Fiéis.

“Algumas pessoas começa-ram a contestar o Frei, do que seria do futuro desses jovens que largavam os seus trabalhos para viver dentro da Fazenda

ajudando os dependentes. O reconhecimento foi como se a Igreja recebesse em seu seio e cuidasse da vida desses volun-tários”, explica a fundadora do centro feminino, Iraci Leite.

Iraci ressalta a importância do reconhecimento pontifício da Família da Esperança para a ampliação da obra. “Esse re-conhecimento foi importante, pois quando chegamos a um novo país para instalar uma comunidade, contamos com o respaldo das igrejas locais, já que somos reconhecidos pelo Vaticano”.

Na pequena sala do Conselho de Leigos, no coração de Roma, além dos 50 integrantes da Fa-zenda que acompanhavam o momento do reconhecimento, estavam presentes fundadores de importantes obras do Brasil que já haviam sido reconheci-das como Associação Interna-

Fé e Carisma

Fundadores da instituição recebem das mãos do cardeal Stanislaw Rylko o reconhecimento do ‘Pontifício da Família da Esperança’, durante cerimônia no Vaticano em 2010

Foto

: Chr

istia

n H

eim

Page 35: Revista amanhecer

35

cional de Fiéis pela Santa Sé, como o padre Jonas Abbib ,da Canção Nova, e Moysés Azeve-do da Comunidade de Shalon.

“Eu, como o primeiro recupe-rando da Fazenda e colaborador da obra, senti muita alegria em acompanhar o reconhecimento da Igreja Católica ao grupo de pessoas que doam suas vidas em prol da luta de salvar milha-res de jovens devastados pela dependência química”, ressalta Antônio Eleutério.

Quando o cardeal Stanislaw Rylko entregou a Frei Hans os estatutos encadernados, ele pronunciou palavras de admi-ração sobre o trabalho realizado pela Fazenda, que levou muitas pessoas às lágrimas. “Lembro-me da visita que pude fazer jus-tamente no berço da comuni-dade de vocês, que para mim foi uma experiência muito forte. Hoje, por causa desse ato sole-

ne de reconhecimento, a igreja agradece a vocês por essa linda missão que estão cumprindo, a partir do Brasil, e agora em muitos outros países”.

O monsenhor alemão Josef Clemens, da diocese de Pader-born e secretário do Pontifício Conselho para os Leigos, come-morou o nascimento do novo carisma da esperança e para-benizou seu compatriota e co-lega de diocese Frei Hans pela conquista do reconhecimento. “É uma grande alegria que Frei Hans Stapel, um fi lho da dioce-se de Paderborn, tenha sido im-pelido pelo Espírito Santo para tão longe e tenha se tornado um grande apóstolo de esperança no Brasil”.

Para Frei Hans o reconhe-cimento da “Família da Espe-rança” em Roma, foi um dos fatos mais memoráveis destas três décadas da comunidade

Após a visita do Papa à Fa-zenda da Esperança em 2007, os fundadores da comunidade terapêutica e outros membros puderam se reencontrar com Bento XVI dois dias depois do reconhecimento do Pontifício da Família da Esperança.

Em uma audiência geral na Praça São Pedro no Vaticano, completamente lotada, o Papa discursou sobre a missão dos sacerdotes de levar a palavra de Deus até os lugares mais remo-tos da Terra.

Após o seu pronunciamento, ele se encaminhou até a escada-ria e saudou Frei Hans e alguns outros membros consagrados da Fazenda, que agora eram reco-nhecidos como pertencentes à Família da Esperança. Uma delas era Angelúcia Moura, na-tural de Sergipe, que está há 17 anos na Fazenda e que deixou seu estado para entregar sua vida ao trabalho de recupera-ção de dependentes químicos em Guaratinguetá e até na Ale-manha. “Esse reconhecimento foi uma grande conquista para nós voluntários. Foi uma grande emoção ver o brilho nos olhos do Papa enquanto falava do nosso trabalho. Quando fui cumpri-mentá-lo, senti que não era só a Angelúcia que estava ali e sim todos da Família da Esperança, que sonhavam com este reco-nhecimento”, relembra a con-sagrada.

O reencontro com Bento XVI

terapêutica. “Enfi m nasceu a Família da Esperança, para poder atender a todas as fazen-das, com um trabalho específi -co, que tem como base o amor gratuito. Por isso, cada membro da família deve viver profun-damente essa vocação espelha-da nos nossos estatutos, agora aprovados pela Igreja Romana”.

Fé e Carisma

Fundadores da instituição recebem das mãos do cardeal Stanislaw Rylko o reconhecimento do ‘Pontifício da Família da Esperança’, durante cerimônia no Vaticano em 2010

Page 36: Revista amanhecer

36