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  • 7/21/2019 Revista Agriculturas V11N1

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    EXPERINCIAS EM AGROECOLOGIA Leisa Brasil ABR 2014 vol. 11n. 1

    Sementes dadiversidade:

    a identidade e o futuro

    da agricultura familiar

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    Agriculturas v. 10 - n. 3 setembro de 2013 2

    ISSN: 1807-491XRevista Agriculturas: experincias em agroecologia v.11, n.1(corresponde ao v. 30, n1 da Revista Farming Matters)

    Revista Agriculturas: experincias em agroecologia uma publicao daAS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia, em parceria com a Funda-o ILEIA Holanda.

    Rua das Palmeiras, n. 90Botafogo, Rio de Janeiro/RJ, Brasil 22270-070Telefone: 55(21) 2253-8317 Fax: 55(21)2233-8363E-mail: [email protected]

    PO Box 90, 6700 AB Wageningen, HolandaTelefone: +31 (0)33 467 38 75 Fax: +31 (0)33 463 24 10www.ileia.org

    CONSELHO EDITORIAL

    Claudia SchmittPrograma de Ps-graduao de Cincias Sociais em Desenvolvimento,Agricultura e Sociedade da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro- CPDA/UFRRJ

    Eugnio FerrariCentro de Tecnologias Alternativas da Zona da Mata, MG - CTA/ZM

    Ghislaine DuqueUniversidade Federal de Campina Grande UFCG e Patac

    Jean Marc von der WeidAS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia

    Maria Emlia PachecoFederao de rgos para a Assistncia Social e Educacional Fase - RJ

    Romier SousaInstituto Tcnico Federal Campus Castanhal

    Slvio Gomes de AlmeidaAS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia

    Tatiana Deane de SEmpresa Brasileira de Pesquisa e Agropecuria - Embrapa

    EQUIPE EXECUTIVA

    Editor Paulo PetersenEditora convidada para este nmero Flavia LondresProduo executiva Adriana Galvo FreireBase de dados de subscritores Willian MonsorCopidesque Rosa L. PeraltaReviso Jair Guerra LabelleTraduo Flavia LondresFoto da capa Produo de sementes de moranga exposio - agricul-tora Marlene Neto, Candiota - RS (foto: equipe Bionatur, 2013)Projeto grco e diagramao I Gracci Comunicao & DesignImpresso: Grca Bandeirante (Tiragem: 2.000 mil exemplares)Gol Grca (Tiragem 1.000 exemplares)Tiragem: 3.000

    A AS-PTA estimula que os leitores circulem livremente os artigos aquipublicados. Sempre que for necessria a reproduo total ou parcial dealgum desses artigos, solicitamos que a Revista Agriculturas: experinciasem agroecologia seja citada como fonte.

    EXPERINCIAS EM AGROECOLOGIA

    EditorialNo momento em que sociedades arcaicas de diferentes

    regies do planeta passaram a cooperar com a Natureza noprocesso de evoluo biolgica de suas espcies alimentcias,amplos horizontes se abriram para o salto civilizatrio queresultou na formao das sociedades complexas. Na prtica,esse processo cooperativo se inicia com a inuncia da se-

    leo cultural nas dinmicas de seleo natural responsveispela diversicao das formas de vida no planeta. Mesmo semdominar os princpios da gentica, nossos antepassados lon-gnquos revelaram-se exmios domesticadores de espcies sil-vestres. De forma intuitiva, ao destinarem para a reproduoexemplares de plantas e animais portadores de caractersticasfenotpicas que valorizavam, eles deram novos sentidos aosprocessos evolutivos de espcies que atualmente integram amaior parte de nosso cardpio alimentar. Dessa forma, umaimensurvel agrobiodiversidade foi desenvolvida, conforman-do o patrimnio universal que hoje compreendido como umbem comum da Humanidade.

    Paradoxalmente, sequer uma nova espcie de importncia

    alimentar foi identicada e domesticada nos ltimos dois scu-los, a despeito do conhecimento cientco acumulado no cam-po do melhoramento gentico nesse perodo. Pelo contrrio, oque se assiste a acelerada e perigosa reduo da diversidadede espcies alimentares. Alm disso, os modernos mtodos demelhoramento so responsveis pelo estreitamento da basegentica das espcies que permanecem sendo cultivadas e cria-das em grande escala. Essa reverso na histria da criao daagrobiodiversidade explicada pela mudana dos atores e dosfatores responsveis pelo manejo dos recursos genticos apso advento da agricultura industrial. O melhoramento genticopassou a ser encarado como uma atividade prossional, realiza-da em centros de pesquisa com condies ambientais controla-das e supostamente reprodutveis nos campos dos agricultorespor meio do emprego de agroqumicos, motomecanizao eirrigao intensiva. Dessa forma, a presso de seleo naturaldeixou de ser um elemento relevante no desenvolvimento dosnovos gentipos e os critrios da seleo cultural foram limita-dos ao objetivo de maximizar as produtividades das lavouras ecriaes. Os recursos genticos assim desenvolvidos, passarama ser amplamente disseminados por polticas pblicas, gerandodependncia dos agricultores aos mercados de insumos pro-dutivos e provocando massivos processos de eroso gentica.

    Pela terceira vez, desde o seu lanamento em 2004, aRevista Agriculturas aborda essa problemtica central para asestratgias de construo da Agroecologia. Nesses dez anos,testemunhamos mudanas no contexto da agricultura brasileiraque acentuam os desaos relacionados conservao da agro-biodiversidade. A liberao ocial do plantio de transgnicosveio associada exploso no consumo dos agrotxicos e for-te concentrao do mercado de sementes em um nmero cadavez mais limitado de empresas transnacionais. Frente iminen-te perda de soberania alimentar em mbito nacional, o Estadovem procurando reagir a esse avassalador controle corporativosobre as sementes. As experincias divulgadas nesta edio soinspiradoras de polticas pblicas voltadas a restaurar o prota-gonismo de agricultores(as) e suas comunidades no manejo daagrobiodiversidade. Realizadas em vrios contextos socioam-bientais, elas demonstram como e porque o manejo da agrobio-diversidade deve ser promovido por aes coletivas geograca-

    mente referenciadas em territrios rurais e fundamentadas noprincpio da conservao simbiticaentre os recursos genticoslocais e as culturas rurais.

    O editor

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    Revalorizando as sementes camponesasno EquadorRoss Mary Borja, Pedro J. Oyarzn, Sonia. M. Zambrano,Francisco Lema e Efarn Pallo

    15

    Sementes da Paixo cultivando vidas e saberes noCariri, Curimata e Serid paraibanoRodrigo Campos Morais, Socorro Luciana de Arajo, PetrciaNunes de Oliveira, Raquel Nunes de Oliveirae Amaury da Silva dos Santos

    19

    Editora convidada Flavia Londres

    ARTIGOS

    Guardies da Agrobiodiversidade estratgiase desaos locais para o uso e conservao das

    sementes crioulasMarcos Cesar Pandolfo, Eder Paulo Pandolfo, Jos ManuelPalazuelos Ballivin, Jos Cleber Dias de Souza eSilmara Patrcia Cassol

    24

    04

    Casa das Sementes LivresTadzia de Oliva Maya28

    Rede de sementes biodinmicas reconstruindo aautonomia perdida na produo de hortaliasPedro Jovchelevich, Vladimir Moreira e Flavia Londres

    38

    Sumrio

    15

    24

    19

    28

    33Rede de Sementes Agroecolgicas Bionatur:Uma trajetria de luta e superao

    Patrcia Martins da Silva, Aldair Gaiardo, Alcemar Inhaia,Mrcio Garcia Morales e Iraj Ferreira Antunes

    33

    38

    Populaes evolutivas: bancos de germoplasmavivos nos campos iranianosMaryam Rahmanian, Maede Salimi, Khadija Razavi,

    Dr. Reza Haghparast e Dr. Salvatore Ceccarelli

    45

    50 Publicaes

    09

    45

    Sementes tradicionais Krah: histria, estrela,dinmicas e conservaoTerezinha A. B. Dias, Ubiratan Piovezan, Nadi R. Santos,Vitor Aratanha e Eliane O. da Silva

    09

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    Agriculturas v. 11 - n. 1 abril de 2014 4

    Editora convidada

    Flavia Londres

    Sementes crioulas, sementes da paixo, sementesda gente, sementes da resistncia, sementes dafartura. Em cada regio, em funo das dinmicas

    sociais, culturais e polticas que alimentam seu uso e sua con-servao, as sementes que ao longo dos sculos foram desen-

    volvidas e vm sendo manejadas por agricultores familiares,quilombolas, indgenas e outros povos tradicionais ganhamum nome - e um signicado simblico - que guarda forte rela-o com a prpria identidade das comunidades rurais.

    Fruto de cuidadoso trabalhode observao, seleo e

    cruzamentos, bem como deprticas tradicionais de trocas,essas sementes so altamente

    adaptadas s condies especcasdas regies, microrregies e at

    mesmo terrenos em que socultivadas. Materiais rsticos

    portadores de alta variabilidadegentica, so capazes de garantir

    a produo em ambientes compouca ou nenhuma utilizao de

    fertilizantes solveis e agrotxicos,inclusive em regies de solos

    classicados convencionalmentecomo de baixa fertilidade e clima

    seco e instvel. Em permanenteprocesso de coevoluo com as

    comunidades agrcolas, essassementes no somente adaptam-

    se s condies biofsicas locais,

    como tambm atendem a grandediversidade de usos, manejos e

    preferncias culturais.

    Sementes da diversidade:

    a identidade e o futuro daagricultura familiar

    Descrdito e restries

    A seleo e o melhoramento gentico realizados pelasfamlias agricultoras so baseados em uma grande variedadede critrios. Considerando a cultura do milho, caracters-

    ticas como a produo de palha, importante para alimen-tao dos animais da propriedade; o porte das plantas e aespessura do colmo, que servem de sustentao para cultu-ras trepadeiras cultivadas em consrcio; o fechamento dasespigas, que protege os gros do ataque por insetos duranteo armazenamento; ou a resistncia a perodos secos podemser to ou mais importantes para os agricultores quanto aprodutividade medida em quilos de gros por hectare. Hainda caractersticas relacionadas aos gostos alimentares dasfamlias que determinam a preferncia por algumas varieda-des, como o sabor, o tempo de cozimento, o tamanho dosgros ou a espessura do sabugo, que pode, por exemplo,facilitar ou dicultar o processo de ralao para a elabora-o de determinados alimentos (ALMEIDA, 2011; ALMEIDA;CORDEIRO, 2002; PETERSEN et al., 2013).

    O melhoramento gentico realizado nos centros de pes-quisa, ao contrrio, voltado quase que exclusivamente bus-ca de variedades mais produtivas, em detrimento de outrosaspectos igualmente valorizados pelos agricultores entreeles, a rusticidade. Apresentando grande uniformidade gen-tica, as sementes ditas melhoradasso altamente vulnerveisaos estresses ambientais e a ataques de insetos-praga e doen-as. Alm disso, foram desenvolvidas para atingir seu potencialprodutivo quando cultivadas sob as chamadas condies timas

    de cultivo, s alcanadas mediante a alterao dos ambientesagrcolas com o uso de adubos qumicos e irrigao (ALTIERI,2002; GAIFAMI; CORDEIRO,1994).

    A partir de meados do sculo 20, como um dos compo-nentes centrais da chamada Revoluo Verde movimentopoltico-ideolgico que apregoou o aumento da produoagrcola mundial a partir do uso combinado de variedadesmelhoradas, motomecanizao e agroqumicos , o trabalhoprossional de melhoramento gentico de plantas cultivadasrealizado em centros de pesquisa ganhou importncia e pas-sou a receber muitos recursos. No por acaso, porm, quan-do plantadas por agricultores familiares que no possuem

    recursos nanceiros para adotar todo o pacote tecnolgico,essas sementes melhoradascostumam apresentar baixo de-sempenho agronmico (ALTIERI, 2002; GAIFAMI; CORDEI-RO,1994; SANTOS et al.,2012).

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    Muitos investimentos pblicos foram realizados para queo emprego das sementes melhoradas se impusesse em lar-ga escala. Apesar de as iniciativas de estmulo a esse modeloterem partido dos governos, foram as grandes empresas asmaiores benecirias dessa alterao no regime de gestoda biodiversidade na agricultura. Esse fenmeno facilmenteperceptvel ao vericarmos o intenso processo de concentra-o e internacionalizao do setor de produo de semen-tes comerciais nas ltimas duas dcadas (WILKINSON, 2000;LONDRES; ALMEIDA, 2009).

    Do ponto de vista simblico, as novas sementes passa-ram a ser associadas noo de modernidade tecnolgica, en-quanto as sementes crioulas passaram a ser encaradas comoexpresso do atraso e da baixa produtividade. Faculdades deAgronomia exerceram papel determinante em reproduziressa concepo, levada ao campo por tcnicos extensionistas.

    Leis e polticas de sementes

    Polticas pblicas foram criadas para promover a substi-tuio das sementes locais pelas melhoradas, chegando mes-mo a interditar o uso das sementes crioulas como foi o caso

    dos programas de crdito rural que exigiam a comprovaoda utilizao de sementes comerciais. Algumas polticas go-vernamentais assim concebidas continuam sendo executadase exercendo papel importante nos processos de eroso gen-tica na agricultura. Como exemplo, podemos citar os progra-mas que promovem a distribuio de uma ou poucas varieda-des comerciais entre famlias agricultoras da regio semiridae os programas do tipo troca-trocaimplementados na regioSul, atravs dos quais agricultores recebem sementes de va-riedades comerciais (inclusive transgnicas) para pagamentoposterior com o produto da colheita.

    Alm disso, a partir da dcada de 1960, foram criadas leis

    de sementes na maior parte dos pases com o alegado propsi-to de garantir aos agricultores o acesso a sementes e mudas deboa qualidade. No entanto, os reais benecirios desses novosmarcos legais foram as empresas sementeiras. Na letra dessasleis, o conceito de sementesrestringiu-se aos materiais desen-volvidos por especialistas, ao passo que as sementes crioulasforam excludas do mundo formal, sendo classicadas comogros, isto , material sem qualidade para a multiplicao.

    A inuncia desse processo no Brasil se fez notar a par-tir da edio da primeira Lei de Sementes (Lei 4.727), de 1965,que impedia os materiais crioulos de serem comercializados,bem como de integrar programas pblicos de aquisio, troca

    ou distribuio de sementes. Esse impedimento s foi revoga-do em 2003, com a edio da Lei 10.711, a terceira a regula-mentar o tema no Pas. Por meio dela, as variedades crioulaspassaram a ser ocialmente reconhecidas como sementes,

    criando a possibilidade de serem promovidas por polticas eprogramas governamentais (LONDRES, 2006).

    Aps a legislao sobre sementes, seguiram-se as leis depropriedade intelectual, que passaram a conferir direitos deuso sobre as sementes aos melhoristas (denominados obten-toresdas novas variedades). A Lei de Proteo de Cultivares(9.456/1997) brasileira determina que qualquer interessadoem produzir sementes de uma cultivar (variedade) protegidadeve obter autorizao do detentor dos direitos de proprie-dade intelectual e pagar-lhe royalties por isso.

    Eroso gentica

    Ao longo das ltimas dcadas, essas alteraes no con-texto institucional relacionado ao uso de recursos genticosna agricultura levaram a uma gradativa marginalizao das se-mentes crioulas que resultou na extino de muitas varieda-des e na extrema reduo da populao de outras. Alm dadesapario fsica das variedades, esse processo, tecnicamenteconhecido como eroso gentica, signica tambm a perda deum valioso acervo de conhecimentos culturais associados aouso e ao manejo da agrobiodiversidade.

    A rpida disseminao daslavouras transgnicas nos ltimos

    anos surgiu como outro fatordeterminante para a perdada diversidade dos recursos

    genticos locais. A ocorrnciade contaminao de materiaiscrioulos de milho por plen de

    variedades transgnicas plantadasem propriedades prximas um

    fenmeno recorrente e jbem documentado.

    A acentuao dos prejuzos agrobiodiversidade, seusimpactos sobre a segurana alimentar e seus riscos con-tinuidade da prpria agricultura conformam uma realidadeamplamente reconhecida em nvel internacional. Importantesinstituies acadmicas e polticas incluindo a Organizao

    das Naes Unidas para a Alimentao e a Agricultura (FAO,na sigla em ingls) j reconheceram a necessidade da imple-mentao de polticas e programas que visem conservaodos recursos da agrobiodiversidade. O tema tambm cons-

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    titui objeto de tratados internacionais, como a Convenoda Diversidade Biolgica (CDB), assinada no Rio de Janeiro,em 1992, e o Tratado Internacional de Recursos Fitogenticospara a Agricultura e Alimentao (Tirfaa), assinado pelo Brasilem junho de 2002 e em vigor desde junho de 2004.

    As estratgias de conservao da

    agrobiodiversidadeAo longo dos ltimos 30 anos, ganharam destaque e in-

    vestimentos os esforos de conservao de recursos gen-ticos atravs de mtodos ex situ (i.e., fora do seu local deorigem), baseados na coleta de materiais a campo e no seu ar-mazenamento em bancos de germoplasma, jardins botnicose centros de pesquisa agrcola (BRUSH, 1999). Importantescolees de sementes das mais variadas espcies cultivadasexistem atualmente em vrias partes do mundo. A EmpresaBrasileira de Pesquisa Agropecuria (Embrapa) detm a sextamaior coleo de recursos togenticos do planeta e, almdela, muitas outras instituies pblicas de pesquisa no Brasilpossuem bancos de germoplasma onde so conservados ma-teriais de reproduo de diversas culturas (DIAS, 2012).

    O tempo mostrou, contudo, que somente essa estra-tgia no capaz de deter a eroso gentica. Uma das ra-zes para isso que as cmaras frias onde os materiais soarmazenados no congelam apenas as sementes: congelamtambm o imprescindvel processo de coevoluo entre agentica das variedades e as condies socioambientais emque elas so cultivadas.

    Diante dessa limitao da estratgia ex-situ,as iniciativasde comunidades rurais no sentido de conservar e manejar

    variedades locais muitas das quais em vias de desapareci-mento e seus conhecimentos associados passaram a ser o-cialmente reconhecidas e valorizadas. A esse tipo de trabalhodeu-se o nome de conservao on farm, ou seja, aquela rea-lizada no campo pelos prprios camponeses (BRUSH, 1999).

    Embora recebam muito pouco suporte e apoio pblico,multiplicam-se as experincias protagonizadas por grupos deagricultores e povos tradicionais. Com elas, evidencia-se a re-levncia social e poltica das prticas locais de conservao daagrobiodiversidade para a promoo da soberania e seguranaalimentar e nutricional, para a autonomia tecnolgica e econ-mica da agricultura familiar e para o aumento da resilincia dos

    cultivos no contexto das mudanas climticas globais.

    Experincias locais de conservao e uso daagrobiodiversidade

    Na presente edio, a revistaAgriculturas: experincias emagroecologiaoferece a oportunidade de (re)conhecer algumasdessas iniciativas, relevantes por mostrarem caminhos tri-lhados e por trilhar que tm no horizonte o fortalecimentoda agricultura familiar e da Agroecologia.

    A partir de iniciativa do povo indgena Krah de bus-car recuperar nos bancos de germoplasma da Embrapa va-

    riedades antigas de milho que haviam desaparecido de suasaldeias, nasceu uma importante e profcua parceria envol-vendo a Embrapa, a Kapy Unio das Aldeias Krah e aFundao Nacional do ndio (Funai). Essa experincia ex-

    pressa um caso interessante de integrao de estratgias exsitue on farmde conservao de recursos genticos. Varie-dades antigas coletadas entre povos indgenas em dcadaspassadas tm sido reintroduzidas nos sistemas produtivostradicionais. Por outro lado, guardies da agrobiodiversida-de Krah identicam e selecionam variedades para seremarmazenadas no banco de germoplasma da Embrapa, que

    dessa forma funciona como um backupda conservao rea-lizada em campo. Trata-se da primeira iniciativa no Brasil deabertura do banco de germoplasma da Embrapa mediantedemanda comunitria, e os resultados dessa experinciatm sido inspiradores para a emergncia de novas aes e aconstruo de polticas nessa rea.

    Na Serra Central do Equador, uma experincia desen-volvida junto a famlias camponesas e indgenas tem tambmpromovido o mapeamento e o reconhecimento do papel dosguardies e guardis de sementes na conservao da agrobio-diversidade. O relato apresentado busca, sobretudo, mostrarque qualquer ao que vise o fortalecimento da agricultura

    familiar deve partir das experincias locais, valorizando os co-nhecimentos e as escolhas dos camponeses de modo a for-talecer sua capacidade de manejar seus recursos e sistemasprodutivos de forma autnoma.

    O trabalho desenvolvido naregio semirida da Paraba

    pelo Coletivo Regional dasOrganizaes da AgriculturaFamiliar em parceria com a

    ONG Programa de Aplicaode Tecnologias Apropriadas

    s Comunidades (Patac) e aEmbrapa Tabuleiros Costeiros

    proporcionou a identicao deguardies e guardis de sementes agricultores e agricultoras que

    detm um vasto conhecimento

    sobre o manejo e a conservaode uma ampla diversidade de

    variedades cultivadas.

    Junto com esses guardies e guardis, foi mapeada a di-versidade de sementes. Aquelas identicadas como em riscode desaparecimento foram selecionadas para a multiplicaonos roados das famlias e em campos manejados de formacoletiva. Alm de contribuir diretamente para o resgate devariedades em extino, esse processo tem proporcionadoa sistematizao e a disseminao de conhecimentos sobre

    o ciclo fenolgico e sobre outras caractersticas dos mate-riais multiplicados. Contribui tambm para a reposio dosestoques familiares e comunitrios de sementes, assim comofortalece os laos de solidariedade entre as famlias que par-

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    ticipam dos mutires onde so realizadas atividades de plan-

    tio, limpeza, colheita e beneciamento. Assim, atravs de umasrie de atividades, o papel dessas famlias guardis tem sidoprogressivamente reconhecido e valorizado, potencializandoos processos comunitrios e regionais de promoo do uso,do intercmbio e da conservao das sementes locais.

    De Tenente Portela (RS), vem um exemplo interessantede articulao de parcerias institucionais voltadas promoodo uso de variedades crioulas e ao fortalecimento da produ-o de alimentos saudveis pela agricultura familiar do muni-cpio. A iniciativa partiu da prefeitura local, que mobilizou seusdepartamentos e outros rgos. Ao promover as sementescrioulas, o trabalho desenvolvido acabou se posicionando noenfrentamento direto disseminao das sementes transg-nicas. Para tanto, realiza aes de monitoramento da contami-nao de sementes locais de milho. As atividades nesse campotm dado um importante estmulo aos processos de transi-o agroecolgica em uma regio onde predomina a agricul-tura em sistema convencional. O projeto foi institucionalizadocom a aprovao de uma lei municipal e fomentou a criaode uma associao de agricultores guardies da agrobiodiver-sidade. Trata-se, portanto, de uma iniciativa inovadora que dpistas interessantes de como o poder pblico municipal podeatuar nessa temtica.

    Do estado do Rio de Janeiro, trazemos uma experinciarealizada em Aldeia Velha, municpio de Silva Jardim. A inicia-tiva partiu de um grupo de jovens universitrios, inicialmenteexplorando a analogia entre os softwareslivres e o as semen-tes locais interpretadas tambm como cdigos (genticos)abertos para livre circulao, uso e desenvolvimento. O pri-meiro nanciamento do grupo para o trabalho com sementesfoi levantado junto Associao Software Livre (ASL), sediadano Rio Grande do Sul, e foi utilizado para a criao de umbanco de sementes que funciona junto a um telecentro, den-tro da escola pblica localizada no povoado.

    O grupo aproveitou a insero na escola para promover

    atividades de resgate e valorizao da cultura local (o queincluiu a identicao de sementes tradicionais), atuando deforma transversal no currculo escolar. A experincia, cujasatividades tm sido nanciadas por editais pblicos da rea dacultura, representa uma importante expresso de criatividademetodolgica para o trabalho com sementes e tem contribu-do para estimular o debate sobre temas como a Agroecologia,agrotxicos, transgnicos, entre outros.

    O artigo sobre a Rede de Sementes AgroecolgicasBionatur, protagonizada por assentados da reforma agrria,enfatiza a importncia da permanente cooperao entre fam-lias e grupos de agricultores para a construo de estratgias

    coletivas para a produo e a comercializao de sementesorgnicas de hortalias. A experincia evidencia que so justa-mente essas dinmicas de cooperao que permitem redesuperar os inmeros obstculos colocados para agricultores

    que ousaram ingressar no mercado formal de sementes e tor-

    nar-se uma referncia nacional nesse campo.Tambm na temtica da produo de sementes de hor-

    talias, destacamos o trabalho desenvolvido pela AssociaoBrasileira de Agricultura Biodinmica (ABD), no Sul de MinasGerais. As atividades se iniciaram junto a trs associaes deprodutores de hortalias orgnicas, certicados e j inseridosem canais de comercializao. Como acontece na maior partedo pas, os agricultores formavam suas hortas quase exclusi-vamente com sementes comerciais que, alm de caras, noso adaptadas ao manejo agroecolgico. A experincia mos-trou que, em poucos anos de estmulo produo local desementes e ao melhoramento gentico participativo, as asso-ciaes tornaram-se quase autossucientes no insumo. Almdisso, segundo relato dos agricultores, por serem altamenteadaptadas s condies locais e ao manejo biodinmico, assementes prprias apresentam produtividade em mdia 30%superior das variedades comerciais, bem como se mostra-ram mais resistentes a pragas e doenas. A experincia tem oimportante mrito de evidenciar a viabilidade da produo desementes de hortalias para o autoabastecimento no mbitoda agricultura familiar.

    Por m, no campo da pesquisa formal, chama a aten-o o aspecto inovador da experincia desenvolvida no Ir

    com uma metodologia denominada Melhoramento GenticoEvolutivo (MGE) de espcies agrcolas. O plantio, por safrasconsecutivas, de uma mistura de centenas de variedades deuma mesma espcie desde os progenitores selvagens e va-riedades locais at cultivares modernas tem apresentadoresultados surpreendentes. A enorme variabilidade genticadesses campos tem mostrado acelerar o processo de adap-tao s condies locais, proporcionando aos agricultores,em pouco tempo, sementes de tima qualidade. Alm disso,esses campos evolutivostm funcionado como bancos de ger-moplasma vivos para a seleo de variedades a serem utiliza-das em programas de melhoramento gentico participativo.Trata-se de uma abordagem bastante incomum no campo domelhoramento de plantas e que pode suscitar a emergnciade novas e criativas experincias.

    As sementes do futuro

    Esta edio de Agriculturas traz uma pequena amostrade um enorme universo de experincias protagonizadas porgrupos de agricultores e comunidades tradicionais, que en-frentam um duplo desao. De um lado, resistir s pressespela adoo (ou manuteno do uso) de sementes caras,ecologicamente vulnerveis e pouco adaptadas, frequente-mente protegidas por direitos de propriedade intelectual e

    comumente transgnicas. De outro lado, resgatar, melhorare difundir as sementes da diversidade local. Essas iniciativaspossuem o mrito de resgatar conhecimentos, tradies, ri-tos e hbitos alimentares tradicionais, contribuindo para o

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    reconhecimento e a valorizao dos saberes, da cultura e daidentidade camponesa.

    Nesse contexto, importante voltar a ressaltar o pa-pel das polticas pblicas sobre a questo. premente queos programas que historicamente promoveram a substitui-

    o dos recursos genticos locais pelas sementes comer-ciais sejam reorientados, passando a apoiar efetivamenteas dinmicas locais de conservao da agrobiodiversidade.Entre os pouqussimos exemplos que existiram at hojenesse sentido, est o Programa de Aquisio de Alimen-tos (PAA), operacionalizado pela Companhia Nacional deAbastecimento (Conab).1 Atravs da aquisio de semen-tes crioulas de grupos de agricultores familiares para a dis-tribuio entre as organizaes comunitrias, o PAA tempotencializado a multiplicao e o uso dos materiais locais. preciso, no entanto, garantir que o programa no sofraretrocessos, incluindo medidas de burocratizao que res-

    trinjam a capacidade das experincias de se desenvolveremcriativamente ajustadas s especicidades socioambientaise organizativas presentes em cada lugar.

    O Plano Nacional de Agroecologiae Produo Orgnica (Planapo),institudo recentemente,2abre

    um novo campo de possibilidadesnessa rea. Existe atualmente uma

    Subcomisso de Sementes na

    Comisso Nacional de Agroecologiae Produo Orgnica (Cnapo),

    que conta com a participao derepresentantes da sociedade civil etem o papel de propor e subsidiar

    a tomada de decises relacionadas implementao do Planapo.

    Trata-se de uma oportunidade

    mpar para o aprimoramento e aarticulao das diferentes aes

    governamentais que incidem sobreo tema das sementes.

    Aprendendo com as experincias construdas nas co-munidades rurais, reunindo e somando esforos, governoe organizaes da sociedade civil tm diante de si a pos-

    sibilidade de abrir os caminhos para a revalorizao e apromoo das sementes da diversidade. Tarefa da maiorimportncia, pois delas depende o futuro da agricultura fa-miliar e da Agroecologia.

    Flavia LondresAssessora da AS-PTA e da ANA

    [email protected]

    Referncias bibliogrcas:

    ALMEIDA, P. Conservao de etnovariedades de feijopor agricultores tradicionais no Agreste da Paraba,semirido do Brasil. 2011. 68 p. Dissertao (Mestradoem Botnica) Programa de Ps-Graduao em Botnica,Escola Nacional de Botnica Tropical do Instituto de Pes-quisas Jardim Botnico do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.

    ALMEIDA, P.; CORDEIRO, A. Semente da paixo: estratgiacomunitria de conservao de variedades locais no semi-rido. Rio de Janeiro: ASPTA, 2002. 72 p.

    ALTIERI, M. Agroecologia: bases cientcas para uma agri-cultura sustentvel.Guaba: Editora Agropecuria; Rio deJaneiro: AS-PTA, 2002. 592 p.

    BRUSH, S.B. (Org.). Genes in the Field: on-farm conser-vation of crop diversity. EUA: International DevelopmentResearch Centre; Lewis Publishers; International Plant Ge-netic Resources Institute, 1999. 288 p.

    DIAS, T. Patrimnio Ameaado. Brasileiros de Raz, Braslia,v. 2, n. 9, p. 12, ago./set. 2012.

    GAIFAMI, A.; CORDEIRO, A. (Org.). Cultivando a diversi-dade: recursos genticos e segurana alimentar local. Riode Janeiro: AS-PTA, 1994. 205 p.

    LONDRES, F. A nova legislao de sementes e mudasno Brasil e seus impactos sobre a agricultura fami-liar. Rio de Janeiro: ANA, 2006. 79 p.

    LONDRES, F.; ALMEIDA, M.P. Impacto do controle cor-porativo no setor de sementes sobre agricultores

    familiares e sistemas alternativos de distribuio:estudo de caso do Brasil. Rio de Janeiro: AS-PTA; Actio-nAid, 2009. 60 p.

    PETERSEN, P. et al. Sementes ou gros? Lutas para descons-truo de uma falsa dicotomia. Revista Agriculturas:experincias em agroecologia, Rio de Janeiro, v. 10, n. 1., p.36-46, jul. 2013.

    SANTOS, A.S. et al. Pesquisa e poltica de sementes nosemirido paraibano. Documentos 179. Aracaju: Embra-pa Tabuleiros Costeiros, 2012. 60 p.

    WILKINSON, J.; CATELLI, P.G. A Transnacionalizao daIndstria de Sementes no Brasil: biotecnologias, pa-tentes e biodiversidade.Rio de Janeiro: Campanha por UmBrasil Livre de Transgnicos; ActionAid, 2000. 138 p.

    1A Conab vinculada ao Ministrio da Agricultura Pecuria e Abastecimento(Mapa).2O Plano foi criado no mbito da Poltica Nacional de Agroecologia e Produ-o Orgnica (Pnapo), instituda pelo Decreto 7.794/2012.

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    Do ptio central da aldeia (C), um homem Krah soli-

    trio mira o cu... de l vem baixando uma estrela que para

    ele se faz mulher. Desse encontro e desencontro, essa estrela

    mulher retorna ao cu e entrega para seu amor e todos seus

    parentes o milho e todas as outras variedades de planta daroa (Aleixo Krah).

    O mito da estrela Caxkw jnarra a histria dos primrdiosda agricultura para a etnia Krah, cujo territrio atualmente estsituado no nordeste do estado de Tocantins. Ainda vivo, o mito mantido por inmeros ancios da terra indgena (chamadosMehcre), que contam aos jovens sobre a origem de todas assementes tradicionais da sua agricultura (SCHIAVINI, 2000).

    Sementes tradicionais Krah:histria, estrela, dinmicas

    e conservaoTerezinha A. B. Dias, Ubiratan Piovezan, Nadi R. Santos,

    Vitor Aratanha e Eliane O. da Silva

    Ao longo das ltimas dcadas, foram muitas as pressesque levaram ao desaparecimento de grande parte da diversi-dade local de espcies e variedades agrcolas manejadas pelosKrah, o que contribuiu para a situao de pobreza extrema

    e fome sazonal da etnia.1

    Os Krah, no entanto, no se eximiram de buscar re-verter esse quadro de alta vulnerabilidade. Este artigo relataa inovadora experincia desenvolvida pela parceria entre osKrah e a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuria (Em-

    1Em 1995, a etnia foi includa noMapa da Fome entre os Povos Indgenas do Brasil,por apresentar problemas de fome sazonal (VERDUM, 1995).

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    Visita dos Krah na Colbase daEmbrapa Recursos Genticos eBiotecnologia

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    brapa), mediada pela Fundao Nacional do ndio (Funai). A estratgia consistiu emintegrar prticas de conservao de recursos da agrobiodiversidade ex situ (nosbancos de germoplasma da Embrapa) e in situou on farm(nas roas indgenas).

    Polticas equivocadas,eroso gentica e fome

    Os primeiros registros de contatocom os Krah aconteceram no inciodo sculo XIX, no Maranho. Comovrios povos nmades, eles foram pres-sionados por intensos conitos de ter-ra com posseiros e grileiros e acabarammigrando para o Tocantins. Atualmente,o povo Krah contabiliza cerca de 3 milindgenas que vivem em 28 aldeias nonordeste do estado, em territrio de302 mil hectares situado nos munic-pios de Itacaj e Goiatins.2

    O contato com a sociedade envol-vente trouxe impactos negativos sobre omodo de vida tradicional dos Krah, comreexos no mbito alimentar, na sadee na organizao sociocultural. Teve bas-tante inuncia nesse processo um mo-vimento messinico, na dcada de 1950,

    2A Terra Indgena Kraholndia foi demarcada pelogoverno federal em 1944, aps srio conito comfazendeiros que culminou no massacre de muitosindgenas (MELATTI, 1976).

    Visita dos Kayapo nos bancos de germoplasma da Embrapa (2011)

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    Avaliao participativa das Feiras Krah

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    cujos lderes estimulavam o abandonodas crenas e prticas tradicionais e aadoo do modo de vida dos brancos.

    Polticas implantadas em dcadaspassadas tambm exerceram importan-te papel nesse quadro de degradao,ao incentivarem a substituio das di-

    versicadas roas tradicionais, maneja-das de forma familiar, pela monoculturado arroz, plantada em regime de mu-tiro com o uso de motomecanizao(SCHIAVINI, 2000).

    Como resultado de todo esse pro-cesso, os Krah perderam terras, tra-dies e muitas variedades agrcolas esementes tradicionais de milho (phypej)entregues pela estrela Caxkwyj. No augede seu empobrecimento, a agriculturaKrah concentrou-se no cultivo do ar-

    roz e da mandioca, enquanto plantaesde batata-doce, milho, inhame e outrasculturas tornaram-se escassas. SegundoMellati (1976), os grandes roados docip comestvel cup (Cissus gongylodes)desapareceram, sendo completamentesubstitudos pelos de arroz.

    Nos anos recentes, essa tendncia desvalorizao dos cultivos ancestraistem sido agravada pela forte atraodos jovens indgenas pelo estilo de vidaurbano, o que inclui a preferncia pelo

    consumo de alimentos industrializados(macarro, biscoito, molho de tomate,caf, etc.).

    A combinao desses fatores re-sultou na perda de conhecimentossobre tcnicas tradicionais de plantio,colheita e conservao de alimentos,muitas das quais associadas viso cos-molgica e vida social dos Krah.

    O retorno do milhophypej

    A dcada de 1990 foi marcada porum enorme esforo de diversas lide-ranas Krah Penn, Getlio, Aleixo,Ernesto, Onorina, entre outras no

    sentido de diagnosticar, reetir e buscar solues para seus problemas de seguranaalimentar. Nessa poca, assessorados por Fernando Schiavini, indigenista da Funai, osKrah tambm criaram a Kapy Associao Unio das Aldeias Krah.

    A partir das discusses realizadas, os lderes concluram que o povo estavafraco porque tinha perdido sementes de Caxkwyje que, sem elas, no estavamais realizando seus jejuns e tradies alimentares. Por intermdio do indige-nista, os Krah tiveram conhecimento de que existia uma grande coleo de

    sementes na Embrapa3

    , em Braslia, sendo que algumas das variedades l arma-zenadas haviam sido coletadas na dcada de 1970 em expedies realizadas emterras indgenas.

    Com o apoio da Funai, foi organizada, em 1994, uma expedio de caciquesa Braslia em busca das sementes perdidas. O grupo conseguiu convencer os pes-quisadores a permitir, de forma indita, o acesso cmara fria onde mais de 200mil amostras de sementes de mais de 700 espcies estavam armazenadas (em umambiente de baixa umidade a -20C). Em meio a esse acervo, quatro variedades demilho que haviam sido coletadas junto ao povo indgena Xavante, no Mato Grosso,foram identicadas pelos Krah como exemplares do phypej.

    Cada cacique pde levar para sua aldeia de seis

    a oito sementes. Um ano depois, os caciquesretornaram a Braslia levando alguns sacos

    dessas sementes, que haviam sido multiplicadasem seus roados,para serem guardadas na

    geladeira da Embrapa.

    Foi assim que teve incio o processo de dilogo e aprendizado mtuo, por meiodo qual indgenas, pesquisadores e indigenistas vm desenvolvendo uma experincia,sem precedentes no Brasil, que integra aes de fomento ao manejo comunitrioda agrobiodiversidade (conservao in situ/on farm), de conservao ex situe, conse-

    quentemente, de promoo da segurana alimentar indgena.

    Desde ento, pesquisadores comearam a participar de reunies dos indge-nas na Kapy. Em 1997, a Embrapa e a Funai assinaram um Convnio de Coopera-o Geral (DIAS et al., 2007). Lideranas Krah tambm visitaram a Embrapa paraconhecer as atividades l desenvolvidas e identicar que outras contribuies ainstituio poderia proporcionar ao povo indgena no mbito da parceria.

    A partir desses dilogos, foi construdo conjuntamente o projeto Etnobiolo-gia: Conservao de Recursos Genticos e Bem-estar Alimentar do Povo Indge-na Krah, que proporcionou, em 2000, a assinatura do Contrato de CooperaoTcnica entre a Embrapa e a Kapy (mediado pela Funai). O convnio, o projetoe o contrato primaram pelo pioneirismo em observar orientaes da Conveno

    3A coleo chamada de Colbase (Coleo Base) e funciona como um backup dos materiais que soconservados em cerca de 200 bancos ativos de germoplasma (BAGs) da Embrapa destinados conser-vao de espcies vegetais.

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    da Diversidade Biolgica (CDB) no que tange ao acesso a recursos genticos, aoconhecimento tradicional associado e repartio de benefcios.4

    Diversas atividades foram realizadas de formaparticipativa nos 13 anos de parceria, envol-

    vendo o dilogo entre sabedorias tradicionais

    e saberes cientcos. Entre essas atividades,destacam-se o enriquecimento de quintais com

    cerca de 20 mil mudas e a promoo de noveFeiras Krah de Sementes Tradicionais.

    4O contrato foi assinado poucos meses antes da edio da Medida Provisria 2.052/2000 (convertidana MP 2.186-16/2001) e do Decreto 3.945/2001, que normatizam o acesso ao patrimnio gentico eao conhecimento tradicional associado e a necessria repartio de benefcios. Para adequar-se novalegislao, a Embrapa constituiu as primeiras Anuncias Prvias Informadaspara trabalhos com indgenasno Brasil, tendo sido a autorizao junto ao povo Krah a primeira a ser aprovada pelo Conselho Gestor

    do Patrimnio Gentico (CGEN), em 2004 (DIAS, 2013).

    As Feiras Krah deSementes Tradicionais

    Em 1997, motivados com o resga-te das variedades antigas, os caciquesKrah resolveram realizar uma Feira deSementes. O evento comeou com pou-cos agricultores, mas com o passar dosanos foi arregimentando mais gente e in-corporando atividades como ocinas dosaber-fazer (pinturas, culinria, artesana-tos, etc.), debates sobre sustentabilidade,apresentaes culturais e rituais resga-tados da memria dos ancios. A cadaedio da feira, foi aumentando tambma participao de grupos de agricultoresde outros povos indgenas.

    A realizao das feiras pre-cedida por reunies das lideranas(pahis) de todas as aldeias, que plane-jam coletivamente a sua programao.A Funai, a Embrapa e o Instituto deDesenvolvimento Rural do Estado doTocantins (Ruraltins) tambm partici-pam desse processo.

    As Feiras Krah de Sementes tmreunido anualmente mais de dois mil in-dgenas de diversas etnias e se reveladoum timo instrumento para a promoodo manejo comunitrio da agrobiodiver-sidade (conservao in situ/on farm).

    Feira Krah desementes tradicionais

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    A Premiao da Agrobiodiversidade Krah

    Em 2007, durante reunio preparatria para a VII Feira,os caciques (mepahhi) resolveram criar uma premiao paraas aldeias que apresentassem o maior nmero de varieda-des de fava, milho, arroz, batata-doce, inhame e total (DIASet al., 2008). Na ocasio, cou decidido que os avaliadoresdessa Premiao da Agrobiodiversidade Krah seriam dois

    indgenas ancios (mehcre) e dois curadores de germoplas-ma da Embrapa (especialistas em conservao). O Quadro 1mostra um panorama geral das sementes contabilizadas nasltimas trs feiras realizadas na terra Krah.

    A replicao da experincia

    Motivados pela participao na Feira Krah, outros po-vos indgenas deram incio a suas prprias feiras de sementes:os Pares, no Mato Grosso (trs feiras); os Xerente, no Tocan-tins (trs feiras); os Kayap, no Par (uma feira); e povos in-dgenas de diversas etnias do estado de Roraima (trs feiras).

    A divulgao do projeto Krah na mdia levou lideranasdo povo Xavante a tambm buscarem variedades de milhoperdidas no banco de germoplasma da Embrapa. Com o apoiodo indigenista da Funai Guilherme Carrano e da pesquisa-dora da Embrapa Terezinha Dias, o cacique Aniceto Xavanteencaminhou carta presidncia da Embrapa, que determinoua multiplicao, na Embrapa Milho e Sorgo, de variedades demilho nodzob para devoluo a dezenas de aldeias Xavante.

    O fato incentivou a criao pioneira, no Banco Ativo deGermoplasma daquela unidade, de uma ao de multiplicaoe disponibilizao de variedades tradicionais de milho parapovos indgenas de todo o Brasil, atualmente coordenada pela

    curadora Flvia Frana Teixeira.

    A estrela volta a brilhar

    A experincia desenvolvida junto ao povo Krah vemcontribuindo para aproximar curadores de germoplasma daEmbrapa dos agricultores guardies da agrobiodiversidade.Essa aproximao, por sua vez, vem favorecendo a emergnciade novas parcerias com vistas articulao entre as prticas

    de conservao de recursos genticos promovidas pelos agri-cultores em seus sistemas agrcolas tradicionais e a conserva-

    o ex siturealizada em centros de pesquisa. O fato de a Funaiter incorporado linhas especcas para apoiar a realizao dasfeiras indgenas tambm um exemplo do fortalecimento deparcerias institucionais nesse campo.

    As Feiras Krah de Sementes tambm vm motivandoe alertando outros povos indgenas do Brasil sobre a impor-tncia da conservao da agrobiodiversidade tradicional e detodo o arcabouo cultural a ela relacionado.

    Alm disso, a experincia evidencia a necessidade de co-locar a servio das comunidades rurais o enorme acervo dadiversidade gentica de cultivos agrcolas mantido com verbas

    pblicas, tanto na Embrapa como em outros centros de pesquisa.A partir do conhecimento das atividades realizadas no

    mbito da parceria entre a Embrapa e o povo Krah, orga-nizaes da agricultura familiar camponesa agora demandammedidas como a criao de um espao especco nos bancosde germoplasma da Embrapa para a conservao em longoprazo de variedades crioulas manejadas e conservadas onfarm, bem como a criao de mecanismos de acesso facilitados sementes conservadas ex situ.

    Feiras Krah de Sementes

    VII (ano 2007) VIII (ano 2010) IX (ano 2013)

    Aldeias Krah participantes da avaliao 8 17 10

    Variedades / tipos arroz 5 17 7

    Variedades / tipos fava 10 26 9

    Variedades / tipos milho 6 9 5

    Variedades / tipos Inhame 4 4 3

    Variedades / tipos Batata doce 6 3 3Nmero de povos indgenas / etnias 15 16 18

    Nmero total de participantes 1.800 2.200 2.000

    Quadro 1. Monitoramento de trs Feiras Krah de Sementes Tradicionais

    Teresa Krah, Guardi Krah de Sementes Tradicionais,aldeia Mangabeira

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    Por m, vale destacar que, junto com vrias outras experincias conduzidasem nvel nacional, a do povo Krah tambm contribuiu para a incluso de iniciativaorientada regulamentar o acesso aos bancos de germoplasma de trabalho dasunidades da Embrapa no Plano Nacional de Agroecologia e Produo Orgnica.

    Terezinha A. B. DiasPesquisadora da Embrapa Recursos Genticos e Biotecnologia

    [email protected]

    Ubiratan PiovezanPesquisador da Embrapa Pantanal

    [email protected]

    Nadi R. SantosAssitente de pesquisa, analista da Embrapa Recursos Genticos e Biotecnologia

    [email protected]

    Vitor AratanhaProfessor, antroplogo da escola indgena Toro Hkro (Aldeia Pedra Branca)

    [email protected]

    Eliane de Oliveira da SilvaTcnica Articuladora da Rede de ATER Indgena - Ruraltins / TO

    [email protected]

    Referncias bibliogrcas

    DIAS, T. Embrapa e Funai: histria de construo de parceria para a promoo dasegurana alimentar indgena. (Nota Tcnica). Braslia: Embrapa Recursos Genti-cos e Biotecnologia, 2013. 11 p.

    DIAS, T. A. B.; ZARUR, S. B. B.; ALVES, R. B. N.; COSTA, I. R. S.; BUSTAMANTE, P. G.Etnobiologia e conservao de recursos genticos, o caso do povo Cra, Brasil.In: NASS, L. L. (Ed.) Recursos Genticos Vegetais. Braslia, DF: Embrapa Recur-so Genticos e Biotecnologia, 2007. p. 651-681.

    DIAS, T.A.B.; MADEIRA, N.; NIEMEYER,F. Estratgias de conservao onfarm: premiao agrobiodiversidade

    na Feira de Sementes TradicionaisKrah. In: SIMPSIO BRASILEIRODE RECURSOS GENTICOS, 2,2008, Braslia, DF. Anais... Braslia,DF: Embrapa Recursos Genticos eBiotecnologia: Fundao de Apoio Pesquisa Cientca e Tecnolgica -FUNCREDI, 2008. 350 p.

    MELLATI, J.C. Ritos de uma triboTimbira. (Coleo ensaio, 53). SoPaulo: Ed. tica, 1976. 364 p.

    SCHIAVINI, F. Estudos etnobiolgicoscom o povo Krah. In: CAVALCAN-TI, T. B. ; WALTER, B.M.T. (Org.). T-picos atuais em botnica. Braslia,DF: Embrapa Recursos Genticos eBiotecnologia: Sociedade Botnicado Brasil, 2000. p. 278-284. (Palestrasconvidadas do 51 Congresso Na-cional de Botnica.)

    VERDUM, R. (Org.). Mapa da fomeentre os povos indgenas noBrasil II: contribuio a formulao

    de polticas de segurana alimentarsustentveis. Braslia, DF: Inesc; Riode Janeiro: Peti; Salvador: Anai-BA,1995. 137p. il.

    Avaliao de variedades em Feira de Sementes Tradicionais

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    Revalorizandoas sementes camponesasno Equador1Ross Mary Borja, Pedro J. Oyarzn, Sonia. M. Zambrano,Francisco Lema e Efarn Pallo

    Fotos:

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    15 Agriculturas v. 11 - n. 1 abril de 2014O manejo comunitrio da agrobiodiversidade faz partede um complexo sistema de organizao social dotrabalho em comunidades camponesas

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    constitui, sem dvida, uma das expresses mais evidentes davitalidade da auto-organizao social, j que abrange uma ex-tensa rede de atores, inuncias, tradies e instituies queresiste s interferncias externas e polticas hostis s organi-zaes tradicionais.

    Apesar da importncia desses sistemas de manejo co-munitrio dos recursos genticos, houve negligncia e faltade compreenso por parte dos agentes promotores da mo-dernizao da agricultura no pas. Alm disso, o processo de

    privatizao do Estado, que comeou na dcada de 1980, en-fraqueceu o papel das instituies pblicas de pesquisa noaprimoramento dos conhecimentos sobre esses sistemas demanejo de sementes locais.

    Apesar do crescente reconhecimento de que a biodiver-sidade local fundamental para manter esses sistemas agr-colas ativos e resilientes, nossos estudos na Serra Central doEquador apresentam evidncias de que os sistemas agrcolas daagricultura familiar esto, em termos biolgicos e organizacio-nais, em srio risco.De acordo com centenas de agricultoresque entrevistamos nas comunidades rurais da regio, entre ascausas da perda de variedades e sementes esto: a promoo

    das monoculturas; as demandas dos mercados moldadas pelaimposio de determinados padres de qualidade; a migrao,afetando o conhecimento local; e, no geral, a perda de conhe-cimentos sobre o consumo de determinados produtos nativos.Alm disso, o aumento da variabilidade climtica e a frequnciacada vez maior de eventos climticos extremos provavelmenteresultaro na desorganizao dos sistemas de manejo comuni-trio e perda do controle sobre as sementes locais.

    O Quadro 1 revela a perda sistemtica do controle dascomunidades sobre os recursos biolgicos. As chakrasestoperdendo sua resilincia, colocando em risco o futuro da agri-cultura e de suas estratgias de vida. No entanto, o quadro

    tambm mostra que os membros das comunidades identi-cam ou se autoidenticam como lideranas no manejo deplantas e sementes.

    Um chamado para fortalecer o manejocomunitrio da biodiversidade

    Dando voz aos produtores de sementes

    Nos ltimos anos, nossa organizao tem trabalhado comfamlias camponesas e indgenas na Serra Central procurandoapoi-las no enfrentamento do que elas chamam de perda ace-lerada de cultura.Iniciamos um processo de ao-aprendizagem

    orientado a identicar e evidenciar os uxos, as funes, osprodutos e as relaes entre atores associados ao manejo dasespcies agrcolas, incluindo a produo de suas sementes. T-nhamos como objetivo tornar visveis o papel e a funo das

    Atualmente, inmeros relatrios internacionaisatestam a importncia da agricultura familiarcamponesa na conservao e no desenvolvi-

    mento da biodiversidade agrcola bem como na promooda soberania e segurana alimentar dos povos. A velocidadecom que os recursos genticos locais tm desaparecido dei-xa claro que, a menos que os esforos comunitrios para aconservao in-situsejam reconhecidos, as perdas no mbitoglobal sero irreparveis.

    O manejo comunitrio da biodiversidade reconhecidocomo uma estratgia essencial para a conservao dos re-cursos genticos. Ele integra conhecimentos e prticas como objetivo de fortalecer as capacidades das comunidades ru-rais para tomar decises sobre a conservao e o uso dabiodiversidade e assim garantir o acesso e o controle sobreos recursos. Para os povos das montanhas, que constituem amaioria da regio andina do Equador, o manejo comunitrioda biodiversidade considerado o principal pilar para asse-gurar a resilincia dos sistemas produtivos frente aos efeitosdas mudanas climticas e recorrentes crises dos mercados.

    sabido que as comunidadescamponesas empregam abiodiversidade agrcola para

    aumentar seu leque de opes nosentido de reduzir os impactos de

    mudanas imprevisveis. Isso explicaa importncia da conservao dabiodiversidade nas propriedades

    rurais, bem como a necessidade deinstituies de base comunitria

    que se ocupem desse papel.

    O desencontro entre perspectivas

    As contribuies da agricultura camponesa alimen-tao dos equatorianos so signicativas. Mais de 50% dosprodutos da dieta nacional so fornecidos pelos camponeses,sendo que, no caso de certos produtos, como a batata, a ce-bola e o milho, essa contribuio supera os 70%.

    A base biolgica dessa produo so as sementes tra-dicionais. De fato, a maioria das culturas andinas depende desementes produzidas nas comunidades camponesas. O ma-nejo da agrobiodiversidade empregado nessas comunidades

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    sementes e de seus mantenedores para as comunidades e suaimportncia para as estratgias de reproduo social e econ-mica das famlias agricultoras. O processo se concentrou emdestacar a agrobiodiversidade como um dos pilares de susten-tao dos meios de vida das comunidades.

    A primeira etapa consistiu na documentao, por partedos camponeses, dos recursos genticos disponveis nas pro-priedades e na comunidade, bem como das prticas e conhe-cimentos relacionados a esses recursos. O trabalho envolveu

    atividades de experimentao, excurses e intercmbios e vi-sou preencher lacunas no conhecimento sobre as plantas cul-tivadas, a disponibilidade de sementes, a eroso gentica, etc.Dessa forma, foi possvel identicar os atores locais envolvi-dos nos sistemas de acesso e intercmbio de sementes, dan-do pistas para apoiar o fortalecimento das redes locais queatuam no manejo e na conservao da agrobiodiversidade.Paralelamente, estruturamos uma relao com organizaesociais de pesquisa, favorecendo um processo de incorpora-o de variedades melhoradas e de reintroduo de inmeros

    Cultura /Espcie

    Variedades perdidasnos ltimos 5 anos

    Fontes desementes

    nativas

    Troca, compraou vende sua

    semente? Comquem?

    reconhecidocomo produtorde sementes?

    Conheceoutros

    agricultoresque mantm

    sementesou so

    fornecedores?

    Batata (n=50) 90% - 1 variedade75% - 2 a 4 variedades> 50% - + 3 variedades

    > 63% no tmfonte alguma24% atribui s

    comunidades

    66% famlia12% outrosSomente uma pessoa

    respondeu que o fazcom seu vizinho

    82% -- no 76% -- no

    Milho (n=10) 100% -- no conhece 80% no tmfonte alguma20% -- mercado

    40% no faz nada40% com o vizinho20% com parentes

    80% -- no 40% -- no

    Olluco (Ullucustuberosus) (n=7)

    43% -- no conhece56% -- 1 a 3 variedades

    100% no tmfonte alguma

    71% com ningum 86% -- no 86% -- no

    Chocho (Lupinusmutabilis) (n=7)

    86% sabe ou noconhece

    71% no tmfonte alguma

    57% com ningum30% com compadrese amigos

    100% -- no 70% -- no

    Quinoa

    (Chenopodiumquinoa) (n=50)

    43% -- 1 variedade

    57% -- no sabe

    90% no tm

    fonte alguma

    50% com parentes

    33% no compartilha

    91% -- no 91% -- no

    n = nmero de agricultoresPesquisa realizada com agricultores de Cotopaxi, Chimborazo e Bolvar entre 2009 e 2010

    Quadro 1. Perda das variedades locais, fontes de sementes nativas e formas de intercmbio em nvelcomunitrio para cinco culturas andinas

    materiais vindos dos bancos de germoplasma, especialmentede batatas locais.

    Comeamos a construir umaproposta de bancos comunitriose a analisar quais so seus pontos

    fortes ou fracos, bem comoseu potencial de abrangncia

    territorial e poltica. Depois de umintenso processo de organizao,

    vrios bancos esto operando etm mostrado grande capacidadepara dinamizar o intercmbio de

    materiais genticos.

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    Arranjos para a difuso e o uso das sementes

    Toda semente obtida no banco para ns de produo devolvida como ummecanismo de capitalizao comunitria, na proporo de 2x1. J o mecanismo derepasse em cadeia a base para a disseminao de materiais, buscando a equidadeentre as partes. A ideia por trs desses arranjos promover a redistribuio e amanuteno das variedades e gerar produtos para a venda, cujo retorno ir formarum fundo que viabilizar a aquisio de inmeros insumos ou produtos por partedas famlias agricultoras.

    medida que as capacidades de melhoramento da diversidade local dos cam-poneses tm se fortalecido, as comunidades tm conseguido fortalecer os laosentre as famlias. E essa conexo que tem favorecido a circulao e o compar-tilhamento de materiais e conhecimentos. As mulheres, em particular, ganharam

    maior reconhecimento dentro de suas comunidades por sua notria capacidade deconservar e melhorar as variedades e sementes.

    Vnculos entre os consumidores urbanos e suas organizaes com grupos deagricultores foram estabelecidos, buscando fortalecer a proposta agroecolgica e

    o acesso a alimentos saudveis. Comoresultado, o processo tornou possvelreverter tendncias de perda de biodi-versidade e, principalmente, recuperara identidade camponesa, restabelecer oorgulho por seus saberes e retomar ointeresse pela inovao.

    A t tulo de concluso , podemos di-zer que qualquer ao voltada a for-talecer os sistemas agrcolas andinosdever ter como ponto de partida asexperincias, escolhas e prioridadesdas populaes rurais.

    tambmfundamental fomentar

    a capacidade dascomunidades

    para manejar suassementes de forma

    autnoma a m de darrespostas aos desaos

    para a manutenoda segurana

    alimentar, o queimplica novos arranjos

    organizacionais einstitucionais.

    Nesse sentido, percebemos naexperincia apresentada os benefciosde parcerias estabelecidas entre asorganizaes camponesas, as organi-zaes de desenvolvimento rural, osgovernos locais, os institutos e as uni-versidades buscando formas mais e-cazes de estabelecer vnculos com otrabalho comunitrio.

    1Os autores agradecem a valiosa contri-buio das lideranas das organizaescamponesas, que manifestaram sua paixoe seu compromisso com um futuro maispromissor. Agradecemos tambm o apoioda Fundao McKnight, da Embaixada Ho-landesa, da Fundao Tidlund, da FundaoSwift e da FAO, que tornou possvel a rea-lizao desta experincia.

    Ross Mary Borja,Pedro J. Oyarzn,

    Sonia. M. Zambrano, FranciscoLema e EfarnPallo

    Fundao EkoRural - Quito, [email protected]

    Mesmo sob difceis condies, as famlias defendem suas prprias sementes

    Dar visibilidade ao valor das sementes locais condio para a defesa daautonomia camponesa

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    OColetivo Regional das Organizaes da Agri-cultura Familiar (ou apenas Coletivo) umaarticulao composta por organizaes for-mais e informais da agricultura familiar presentes em 11 muni-

    cpios paraibanos nas regies do Cariri, Curimata e Serid.1

    O Coletivo se mobiliza em torno a um trabalho de promooda cultura da convivncia com o semirido. Com a assessoriada ONG Programa de Aplicao de Tecnologias Apropriadass Comunidades (Patac), atua no sentido de identicar, siste-matizar e divulgar experincias de famlias agricultoras e gru-pos comunitrios orientadas pelos princpios da Agroecologia.

    1 Os municpios abrangidos so: Gurjo, Santo Andr, Soledade, Juazeirinho,So Joo do Cariri, Olivedos, So Vicente do Serid, Cubat, Pocinhos, PedraLavrada e Tenrio.

    Sementes da Paixocultivando vidas e saberes no Cariri,

    Curimata e Serid paraibanoRodrigo Campos Morais, Socorro Luciana de Arajo, Petrcia Nunes de Oliveira,

    Fbia Raquel N. de Oliveira e Amaury da Silva dos Santos

    Este artigo descreve as iniciativas na rea de manejocomunitrio da agrobiodiversidade, destacando o papel dosguardies e guardis das sementes da paixo na implantaode campos de multiplicao de sementes.

    A defesa das sementes da paixo comomeios de reproduo cultural e biolgica

    As sementes crioulas fazem parte do patrimnio de di-versos povos que ao longo dos tempos vm conservando,resgatando, selecionando e valorizando variedades e raasanimais, mantendo a agrobiodiversidade adaptada a cada re-gio (NUEZ; MAIA, 2006).

    Embora sejam centrais na manuteno de relativograu de autonomia das famlias agricultoras, muito frequen-

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    Seleo massal em campo de multiplicao domilho adelaide - Sr. Abelicio, Comunidade SantaCruz - So Vicente do Serid (PB)

    Fotos:

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    temente essas prticas de conserva-o e desenvolvimento da agrobiodi-versidade passam despercebidas aosolhos de gestores pblicos respon-sveis por conceber e implantar po-lticas e programas para a agricultura.Esse quadro, no entanto, vem mudan-do. Atualmente, assim como iniciativascom sementes crioulas em outras re-gies do Brasil, as atividades realiza-das pelas famlias agricultoras com assementes da paixo, como so conhe-cidas no estado da Paraba, comeama ser reconhecidas e apoiadas. Dentreelas, destaca-se o trabalho de resgate,seleo, conservao e multiplicaodas sementes articulado manuten-o de estoques por meio de bancosfamiliares e comunitrios.

    Essa estratgia, colocada emprtica por organizaes de vriasregies do estado integradas Ar-

    ticulao do Semirido Paraibano(ASA-PB), foi responsvel pela criaode uma rede de bancos de sementescomunitrios. Entre os objetivos darede, tambm est inuenciar a cons-truo de uma poltica que garantaque a conservao desse patrimniogentico car nas mos da agricul-tura familiar (ARAJO et al., 2013).Por meio dessas iniciativas, as famliase comunidades asseguram a reprodu-o das variedades que se adaptammelhor s variadas condies am-bientais do semirido e cumprem im-portante papel como guardies(s) deum conhecimento que ainda poucoreconhecido pelas instituies acad-micas e pelas polticas pblicas.

    Rede territorial de bancosde sementes da paixo

    Para coordenar as aes voltadass sementes da paixo, o Coletivo ins-tituiu a Comisso Sementes, Plantas e

    Frutas, um espao composto por lide-ranas de agricultores(as) com expe-rincia no tema e que tem o papel deidenticar, monitorar, valorizar e acom-

    panhar as experincias das famlias agricultoras, alm de participar das aes nessatemtica articuladas em mbito estadual pela ASA-PB.

    A Comisso elaborou um conjunto de instrumentos para organizar a produ-o de conhecimentos sobre o resgate de variedades locais e o monitoramento

    Sr. Viturino, da Comunidade Santa Cruz, municpio So Vicente do Serid (PB), em campo demultiplicao de milho variedade adelaide

    Seleo massal em campo do milho adelaide, comunidade Poo das Pedras, municpio deSo Joo do Cariri (PB)

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    do trabalho nesse campo, como ques-tionrios, chas de identicao dos(as)guardies(s), vdeos, boletins, etc. Es-ses instrumentos so empregados emaes de formao realizadas com basena valorizao dos conhecimentos lo-

    cais dos agricultores e agricultoras pormeio de ocinas, reunies, intercmbiose visitas aos bancos de sementes.

    Em 2012, foram identicados emonitorados 30 Bancos de SementesComunitrios (BSCs) que contavamcom 445 scios. J no ano seguinte,foram registrados 34 BSCs, elevandoo nmero de scios para 496. Almdisso, em um dos anos mais crticosde estiagem na regio, identicou-sea perspectiva de formao de novos

    bancos comunitrios, tendo como basea articulao de trs espaos: a) a co-munidade, a partir da mobilizao deassociaes e grupos informais; b) as

    comisses municipais, organizadas por sindicatos, e; c) as comisses temticas daASA-PB, nas quais agricultores, agricultoras, lideranas e tcnicos dialogaram sobrea conservao da agrobiodiversidade.

    Um tema de discusso recorrente nessa comisso da ASA-PB so as polticaspblicas relacionadas s sementes, dentre as quais se destaca o Programa de Aqui-sio de Alimentos (PAA), operado pela Companhia Nacional de Abastecimento(Conab). A partir das relaes estabelecidas com a ASA-PB, o programa passoua adquirir sementes da paixo para serem doadas s organizaes da agriculturafamiliar integrantes da prpria ASA-PB, exercendo assim um papel relevante na re-posio do estoque dos bancos de sementes com variedades localmente adaptadas.

    Guardis e guardies das sementes da paixo

    A partir de 2009, o Coletivo deu incio a um processo de identicao e ma-peamento dos guardies e guardis das sementes crioulas. Esses atores exercempapel determinante nas estratgias de conservao da agrobiodiversidade, pois,alm de guardar, selecionar e multiplicar as sementes, conhecem as mais adaptadass suas localidades e repassam esses conhecimentos para as geraes seguintes.Foram identicadas as famlias que estavam armazenando e conservando recursosgenticos locais, tanto sementes como mudas e animais. Conseguiu-se assim fazer olevantamento das espcies, variedades e raas que vinham sendo mantidas.

    Esse processo de identicao e mapeamento dos guardies e guardis foi fun-

    damental para a preparao e a realizao da V Festa Regional da Semente da Paixo.Celebrada na comunidade Malhada de Areia, no municpio de Olivedos, na regiodo Serid paraibano, a festa teve como principal objetivo socializar os resultadosdo mapeamento, bem como favorecer a troca de conhecimentos e saberes entreagricultores e agricultoras, estudantes e tcnicos (ARAJO et al., 2013).

    Em continuidade ao trabalho com os guardies e guardis das sementes daPaixo, em 2010 o Coletivo desencadeou o processo intitulado Misses das Se-mentes, uma estratgia para animar a formao de bancos de sementes familiarese comunitrios. As misses foram lanadas na igreja catlica de Soledade (PB),com a rearmao, pelas lideranas, da importncia da criao desses estoquesnas comunidades.

    Os representantes dos municpios de abrangncia do Coletivo receberamsmbolos das sementes da paixo, ou seja, materiais ilustrativos da diversidade dasexperincias na regio: miniaturas de animais e casas de sementes; boletins; vdeos;dinmicas; entre outros. Esses smbolos so comumente utilizados em msticas deeventos da rede de sementes da Paraba. Na ocasio, os representantes dos mu-nicpios foram divididos em grupos e elaboraram um calendrio para a realizaodas Misses das Sementes. Cada comunidade teve autonomia para organiz-lasde acordo com a realidade local, respeitando suas culturas e costumes. Foramrealizadas celebraes, cultos, visitas s famlias, peas teatrais, dinmicas, vdeos,expresses musicais, etc.

    Entre 2009 e 2013, nos nove municpios, foram identicados 150 guardies eguardis, 138 variedades crioulas e 82 espcies de plantas e animais. A troca de co-

    nhecimento entre as famlias guardis e a realizao das misses no territrio contri-buram para a criao de ambientes sociais favorveis formao de novos bancosde sementes familiares e comunitrios. Alm disso, promoveram o aprimoramentodas dinmicas organizativas nas comunidades para o fortalecimento da agricultura

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    familiar camponesa com base na revalorizao das tradiesagrcolas locais.

    Multiplicao das sementes da paixo

    Com o passar do tempo, algumas variedades cultivadaspelas famlias se perderam, principalmente em funo de ad-versidades climticas e polticas pblicas orientadas substitui-o das sementes da paixo por variedades desenvolvidas emmeio controlado para alcanar altas produtividades medianteo emprego de insumos comerciais. Concorreram tambmpara o processo de eroso gentica as prticas inadequadasde manejo, particularmente aquelas relacionadas produode sementes.

    A partir da participao derepresentantes da Comissode Sementes, Plantas e Frutas

    nos momentos de formaopromovidos pela Rede Sementesda ASA-PB, surgiram discusses

    sobre a necessidade de instalaode campos de multiplicao de

    sementes da paixo, espaos queseriam tambm valorizados como

    ambientes de aprendizagem etroca de conhecimentos sobre

    produo de sementes.

    Dentre as variedades cultivadas pelas famlias agricul-toras, foram priorizadas algumas para a estruturao dessescampos. So sementes conservadas com paixo por diferen-tes razes: pela boa produo das vagens, pelo tamanho dosgros, pela grande produo de palhada para alimentao ani-mal, pela resistncia s pragas e doenas, entre outras. Essaatividade foi viabilizada em parceria com a Embrapa TabuleirosCosteiros por meio de projeto nanciado pelo Conselho Na-cional de Desenvolvimento Cientco e Tecnolgico (CNPq).

    Juntamente com os guardies e guardis, a Comissode Sementes, Plantas e Frutas do Coletivo deniu algumascomunidades rurais que se responsabilizariam pela instala-o e conduo dos campos de multiplicao de sementes:Santa Cruz, Cachoeirinha dos Torres e Poo das Pedras, nosmunicpios de So Vicente do Serid, Soledade e So Joo doCariri. Os campos foram implantados por meio de mutires,quando as famlias se articulavam e marcavam momentos co-muns para realizarem a marcao, a escavao, o plantio e alimpeza dos roados. Para assegurar o controle dos insetos--praga e doenas, realizou-se uma ocina de capacitao paraa preparao e o uso de defensivos naturais. Desde ento,

    as famlias envolvidas na conduo dos campos produzem eaplicam os defensivos. Alguns deles empregam plantas nativas,como o feito base de manioba usado para o controle daspopulaes de formigas cortadeiras.

    Campo de multiplicao de feijo go, comunidade Cachoeirinha dosTorres, Soledade (PB)

    Colheita do campo de multiplicao do milho adelaide e feijo caralarga, comunidade Poo das Pedras, So Joo do Cariri (PB)

    Comisso Sementes, Plantas e Frutas do Coletivo

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    Os campos de multiplicao funcionaram como basespedaggicas para o aprendizado do mtodo de seleo mas-sal, que consiste na marcao e na escolha das melhoresplantas, espigas e sementes e na eliminao, para a repro-duo, daquelas mais fracas e com incidncia de doenas.A colheita das espigas e/ou das vagens se deu de formacuidadosa, ocorrendo em seguida seleo das sementes.Nos trs campos de multiplicao de semente de milho davariedade Adelaide, foram produzidos 500 quilos. J os trscampos de feijo (variedades Corujinha, Figo e Costela deVaca) produziram 46 quilos. Essas sementes aumentaram os

    estoques dos bancos de sementes comunitrios e regionalmantidos pelo Coletivo.

    As sementes da paixo conservadas pelos guardies eguardis tm mostrado seu potencial de produo em cadapedao de terra que so cultivadas, colocando prova o valorde sua gentica, que foi aprimorada pela interao entre anatureza e a sabedoria camponesa por geraes.

    Rodrigo Campos MoraisGraduando em Engenharia Agrcola - UFPB

    Coletivo Regional das Organizaes da Agricultura [email protected]

    Socorro Luciana de ArajoGraduada em Agroecologia - UEPB

    Coletivo Regional das Organizaes da Agricultura [email protected]

    Petrcia Nunes de OliveiraGraduanda em Biologia - Uva

    Coletivo Regional das Organizaes da Agricultura [email protected]

    Fbia Raquel Nunes de OliveiraTcnico em Agropecuria - UEPB

    [email protected]

    Amaury da Silva dos SantosPesquisador da Embrapa Tabuleiros Costeiros

    [email protected] bibliogrcas:

    ARAJO, S.L; MORAIS, R.C; MORAIS, R.C; NUNES, F. R;COSTA, C. C; SANTOS, A. Guardies e guardis da agro-biodiversidade nas regiesdo Cariri, Curimata e SeridParaibano, Cadernos de Agroecologia, v. 8, n. 2, 2013.Disponvel em: . Acesso em:14 abr. 2014.

    NUEZ, P.B.P.; MAIA. A.L. Sementes crioulas: um banco de

    biodiversidade. Revista Brasileira de Agroecologia, v.1, n. 2, 2006. 4p. Disponvel em: . Acesso em: 15 jul. 2013.

    Marcao das plantas visando seleo massal em campo de multiplicao de variedade adelaide

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    U

    m conjunto de aes voltadas produo e conservao de se-mentes crioulas realizado h vrios anos no municpio de TenentePortela (RS). Essas iniciativas esto integradas a uma estratgia mais

    ampla de promoo da Agroecologia que contempla aes de fomento aduba-o orgnica com plantas recuperadoras de solo e produo orgnica de gros(PANDOLFO, 2007). O trabalho fundamenta-se na diversidade cultural expressanas mos, mentes e coraes daqueles(as) que resistiram s variadas presses dachamada modernizao agrcolae que cuidaram das sementes crioulas herdadas deseus antepassados e mantiveram suas formas tradicionais de manejo e uso.

    O poder pblico municipal vem incentivando a criao de redes interinstitu-cionais e o fortalecimento das capacidades de organizaes locais da sociedadecivil para que as mesmas implementem aes coletivas em apoio s iniciativasindividuais/familiares de conservao da agrobiodiversidade. Assim, ao reconhe-cer e fortalecer o trabalho de resistncia de guardies e guardis das sementescrioulas, os programas do governo local alinham-se aos compromissos interna-

    cionais assumidos pelo Estado brasileiro quando subscreveu a Conveno sobrea Diversidade Biolgica (CDB) e o Tratado Internacional sobre os Recursos Fi-togenticos para a Alimentao e a Agricultura (Tirfaa), acordos que formalizamos direitos dos agricultores sobre a agrobiodiversidade (SANTILLI, 2009). Opresente artigo apresenta uma breve descrio da trajetria dessa experincia,apontando alguns desaos encontrados para que iniciativas similares sejam insti-tucionalizadas e executadas no mbito das redes locais de manejo e conservaoda agrobiodiversidade.

    Promovendo autonomia e aumentando osespaos de manobra

    O governo municipal de Tenente Portela deu incio aos trabalhos com semen-tes crioulas em 2009 a partir da criao do Projeto Guardies da Agrobiodiversi-dade. J em 2011, o projeto foi institucionalizado na forma de um programa pormeio de uma lei municipal cujo objetivo promover a agrobiodiversidade junto scomunidades rurais e indgenas do municpio buscando incrementar a produo dealimentos saudveis e a segurana e soberania alimentar das famlias. Para atingiresse objetivo, o programa funda-se na premissa de que o livre uso das sementestradicionais um fator indispensvel para a autonomia produtiva e o aumento dasmargens de manobra das famlias rurais e urbanas, que assim tm a oportunidadede construir e colocar em prtica suas estratgias para o alcance da segurana ali-mentar e nutricional.

    Coordenado pelo Departamento Municipal de Meio Ambiente e Desenvolvi-

    mento Rural (DMADR), o programa conta atualmente com a parceria da Associa-o Riograndense de Empreendimentos de Assistncia Tcnica e Extenso Rural/Associao Sulina de Crdito e Assistncia Rural (Emater/RS-Ascar), do Conselhode Misso Entre Povos Indgenas (Comin), da Comisso Estadual de Produo Or-

    gnica (CPOrg/RS), da SuperintendnciaFederal da Agricultura no Rio Grande doSul Seaf/RS/Mapa, o Centro de Pesquisa

    Agropecuriade Clima Temperado de Pe-lotas (Embrapa Clima Temperado) e doConselho Municipal de Meio Ambiente.

    Do lado da sociedade civil, um gru-po de 23 famlias que participavam doprograma municipal tomou a iniciativa,em 2011, de criar uma organizao ju-rdica dedicada defesa das sementescrioulas e ao apoio de seus guardies,surgindo assim a Associao dos Agri-cultores Guardies da Agrobiodiver-sidade de Tenente Portela (Agabio). A

    constituio da associao teve comoobjetivo fortalecer a autonomia do gru-po em relao ao poder pblico muni-cipal, gerando condies para caminharcom as prprias pernas e assegurar acontinuidade das aes mesmo diantede eventuais alteraes das orientaespolticas do poder pblico. A criao daAgabio atraiu o interesse de outras or-ganizaes, que posteriormente se tor-naram parceiras, entre elas, o BanrisulSocioambiental, a Critas Brasileira e a

    Fundao Luterana de Diaconia (FLD).

    Conhecer para preservar

    Juntamente com o Comin, a Ema-ter e o DMADR, a Agabio realizou em2012 ocinas de sensibilizao para aorganizao de Bancos Comunitrios deSementes e Mudas Crioulas e de AdubosVerdes. Nessas ocinas, foram identica-das mais de 100 variedades de espciescultivadas, sendo 22 de milho (quatro demilho pipoca), dez de feijo, uma de ar-

    roz, dez de moranga e abbora, oito demandioca, seis de batata-doce, quatro demelo, quatro de hortalias, duas de soja,alm de diversas outras.

    estratgias e desaos locais para o uso e aconservao das sementes crioulas

    Marcos Cesar Pandolfo, Eder Paulo Pandolfo, Jos Manuel Palazuelos Ballivin,Jos Cleber Dias de Souza e Silmara Patrcia Cassol

    Guardies daAgrobiodiversidade

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    Conhecer a diversidade preservada pelasfamlias foi essencial para a dinamizao dotrabalho no municpio. Ao dar visibilidade a

    essas variedades, as ocinas contriburam parasistematizar e socializar os conhecimentos

    sobre a agrobiodiversidade que at entoestavam dispersos. Alm disso, estimularam a

    tradicional prtica de troca de sementes.

    Entre as principais estratgias do programa, est a criao de espaos de dis-cusso entre agricultores, tcnicos-extensionistas e pesquisadores sobre as expe-rincias de manejo da agrobiodiversidade desenvolvidas no municpio e fora dele.Desde 2010, foram organizados trs seminrios municipais voltados a debater aproduo de alimentos saudveis e a preservao da biodiversidade agrcola. O ac-mulo proporcionado por essa iniciativa nos dois primeiros anos criou as condiespara que j no terceiro encontro, em 2012, o evento ganhasse dimenso regional,com a realizao do 1 Encontro Regional pelas Sementes Crioulas, reunindo agriculto-res, tcnicos e representantes de mais de 15 municpios.

    Novos parceiros, pequenos projetos, grandes conquistas

    O conjunto das parcerias tem sido essencial para a caminhada da Agabio. Da

    mesma maneira, os recursos captados atravs de pequenos projetos foram funda-mentais para a realizao de grandes conquistas. A seguir, apresentamos algumasdelas como forma de reconhecimento do papel desses organismos que nanciamprojetos de desenvolvimento local.

    1. Microssilos: autonomia e segurana

    alimentar

    Uma das preocupaes dos guar-dies e guardis tem sido garantir o ar-mazenamento adequado da produodos milhos crioulos em suas proprie-dades para evitar a mistura e a conta-minao com milhos transgnicos. Essaquesto levou a associao a elaborar esubmeter um projeto de apoio nancei-ro ao Fundo Nacional da Solidariedade(FNS) da Critas Brasileira. Aprovado,o projeto possibilitou a construo desete microssilos com capacidade paraseis mil quilos. Os recursos alimentaramainda a criao de um fundo rotativo decrdito que tem por objetivo nanciara construo de outros microssilos ebeneciar mais famlias.

    2. Agricultura para a vida: redescobrin-do o modo campons

    Com o objetivo de promover es-paos de formao e reexo crtica,a Agabio executa o projeto Agricultura

    para a vida: refexo sobre os impactos dosagrotxicos e transgnicos e fortalecimen-

    to das estratgias de empoderamento dos

    agricultores guardies.

    Mostra da Agrobiodiversidade: repensando a relao entre o campo e a cidade

    Fotos:

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    Tambm viabilizado com o apoiodo FNS, o projeto contribuiu para real-ar o signicado da alimentao sau-dvel e culturalmente adequada e suarelao com a espiritualidade, alm demotivar o ativo envolvimento das mu-lheres guardis nos processos locaisvoltados revalorizao das sementes

    crioulas e seus usos.

    A participao de mulheres ind-genas em ocinas, nas quais receitas dealimentos foram socializadas, enrique-ceu ainda mais a troca de refernciassobre o valor da agrobiodiversidade ea importncia das aes coletivas paraa sua defesa.

    3. Rede Solidria de Comercializao

    Com o avano das discusses e ofortalecimento do grupo, novas deman-das passaram a ser pautadas. Uma delasrefere-se a estratgias para a organiza-o da produo e da comercializao.Surge ento o projeto Rede Solidriade Comercializao apoiado pela FLDe baseado em trs eixos: produoagroecolgica, comrcio justo e consu-mo consciente.

    4. Mostra da Agrobiodiversidade

    Contando com o apoio da Critas,da FLD e das entidades parceiras e com

    o envolvimento das escolas estaduaise municipais localizadas no municpio,a Agabio realizou a 1 Mostra da Agro-biodiversidade: sabores e saberes da nossa

    terra.O evento marcou um novo momento na caminhada da associao, uma vezque inaugurou a estratgia de evidenciar para o pblico urbano a riqueza expressapela diversidade de alimentos, sementes e culturas presentes no municpio.

    Tambm como parte de uma estratgia de ampliar o alcance das aes paraalm dos grupos de agricultores diretamente envolvidos, sensibilizando a comuni-dade regional sobre o tema das sementes, a campanha Plante sementes crioulasfoilanada durante a Feira e Exposio Comercial, Industrial e Agropecuria de Tenente

    Portela. A campanha tambm serviu como espao privilegiado para a apresentaodos projetos desenvolvidos pela associao e para a exposio de alimentos produ-zidos e elaborados pelas famlias guardies. Durante os quatro dias de feira, foramdistribudos materiais informativos e amostras de sementes crioulas.

    Ao local, desaos nacionais

    O foco da Agabio tem sido fortalecer sua ao localmente, garantindo autono-mia e sustentabilidade aos seus projetos. Por outro lado, a associao tem procura-do contribuir com a disseminao da Agroecologia em nvel estadual e nacional. Aointeragir com o Grupo de Trabalho de Agrobiodiversidade da Articulao Nacionalde Agroecologia (ANA), a Agabio tem apresentado sua experincia e inuenciadodiscusses relacionadas elaborao de polticas pblicas de mbito federal.

    No entanto, um campo de batalha tem sido apresena cada vez mais incisiva de variedades

    transgnicas, uma vez que elas tm impostoriscos no s s variedades crioulas como

    tambm ao conjunto da biodiversidade agrcola.

    As normas estabelecidas pela CTNBio no so cumpridas e tampouco s-calizadas. Mesmo que fossem, no seriam ecazes para evitar a contaminao

    das variedades crioulas. Exemplo disso foi a recentemente comprovada conta-minao de duas variedades de milho crioulo de associados da Agabio. Essesepisdios representam uma violao dos direitos dos agricultores asseguradosem tratados internacionais.

    Conhecer e socializar, um passo para a gesto coletiva daagrobiodiversidade

    Ocinas de alimentao motivaram participao dasagricultoras guardis

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    Esse fato explicita a necessidade de haver coernciaentre as polticas pblicas destinadas ao segmento, de modoque as mesmas atendam aos interesses e s especicidadesdos grupos que trabalham na preservao e no uso das se-mentes crioulas. O programa de troca-troca de sementes doestado do Rio Grande do Sul, por exemplo, promove o usode sementes transgnicas, contrariando objetivos de outrasiniciativas (governamentais ou no) voltadas defesa da agro-biodiversidade e da autonomia da agricultura familiar.

    Finalmente, tambm cabe ressaltar que, enquanto paraos agricultores e agricultoras tem sido uma tarefa rdua re-sistir presso do modelo hegemnico promovido pelosimprios alimentares (PLOEG, 2008), construir uma agendaregional, estadual e nacional um dos principais desaos im-postos ao conjunto de organizaes que lutam pela defesa daagrobiodiversidade.

    Marcos Cesar PandolfoEspecialista em Agricultura Familiar, bacharel em

    Desenvolvimento Rural eassessor de projetos da Agabio

    [email protected]

    Eder Paulo PandolfoGraduando em Comunicao Social Relaes Pblicas pela

    Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) eAssessor de projetos de mdia impressa e digital

    [email protected]

    Jos Manuel Palazuelos BallivinMestre em Agroecossistemas e assessor em Agroecologia e

    Sustentabilidade tnica do [email protected]

    Jos Cleber Dias de SouzaEngenheiro agrnomo, scal federal agropecurio do Mapa e

    coordenador da CPOrg/RS

    Silmara Patrcia CassolMestre em Extenso Rural pela UFSM e extensionista rural

    da Emater/[email protected]

    Referncias bibliogrcas:

    AGABIO. Diferentes Pessoas, o mesmo ideal. MaterialInstitucional. Tenente Portela, 2013.

    DE BOEF et. al (Org.) Biodiversidade e Agricultores.

    Fortalecendo o manejo comunitrio. Porto Alegre, RS:L&PM, 2007.

    EMATER. Apostila de Secagem e armazenagem napropriedade. Cetre, 2007.

    PANDOLFO, Marcos C. Caminhos, descaminhos e pers-pectivas da agricultura orgnica em Tenente Porte-la. Frederico Westephalen, 2007. Monograa (Graduaoem Desenvolvimento Rural e Gesto Agroindustrial). Uni-versidade Estadual do Rio Grande do Sul.

    PLOEG, J. D. van der. Camponeses e Imprios Alimen-tares: lutas por autonomia e sustentabilidade na era daglobalizao. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2008.

    SANTILI, J. Agrobiodiversidade e direitos dos agriculto-res. So Paulo: Ed. Peirpolis, 2009.

    Ocina de Economia Solidria e Comrcio Justo

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    Alocalidade de Aldeia Velha ganhou seu nome por conta de um an-tigo aldeamento indgena formado ainda no sculo XVIII. Lugar de

    passagem de tropeiros e novo lar para imigrantes alemes e suos,o povoado, que hoje conta com pouco mais de 900 habitantes, tem nessa miscige-nao de culturas sua origem. No entanto, a disseminao crescente do paradigmaindustrial e urbano vem se somando aos inmeros fatores de expulso das famliasdo campo para a cidade e comprometem a conservao da riqueza cultural histri-ca local. Esse processo particularmente sentido na agricultura, que no s perdeseus homens e mulheres, mas tambm sofre os efeitos da eroso gentica, com adiminuio das variedades de sementes tradicionais encontradas na comunidade e,consequentemente, da diversidade de alimentos produzidos localmente.

    Os resultados da privatizao de sementes e da generalizao de dietas indus-trializadas so sentidos em uma simples visita aos mercados locais. Quando conver-samos com os moradores mais velhos sobre as sementes antigas de gros, ramas ou

    tubrculos, o sentimento sempre o de saudade, e em relao s sementes encon-tradas no mercado, as reclamaes se repetem: Este milho no gostoso, avalia um,Esta semente no presta, ataca outro e No adianta, no vem, no nasce no outro ano,denunciam muitos outros. A concentrao de terras e o foco em projetos de cunho

    preservacionista podem ser apontadoscomo outros fatores que prejudicam aagricultura familiar na regio.

    As sementes e a culturacomo cdigos livres daHumanidade

    Diante desse cenrio e na tenta-tiva de revalorizar as sementes tradi-cionais da regio, bem como a identi-dade da cultura caipira, o coletivo dejovens chamado Escola da Mata Atln-tica - cujas atividades vinham desde2005 registrando saberes nativos ecriando espaos para o intercmbiode conhecimentos resolveu, em2007, construir um banco de semen-tes crioulas no povoado. O grupo, for-mado por universitrios em processode xodo urbano, aproveitou sua in-terface com o movimento de culturadigital para conseguir apoio nanceiro

    da Associao Software Livre (ASL),sediada no Rio Grande do Sul, que jhavia doado sementes crioulas paraas tribos Guarani-Kaiow do Mato

    Casa dasSementes Livres

    Tadzia de Oliva Maya

    Visita de estudantes de uma escola da regio Casa das Sementes Livres

    Foto:RazaMota

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    Grosso do Sul, vtimas da expanso do agronegcio emseus territrios. Tanto as sementes quanto os softwaresvm sendo compreendidos como cdigos importantespara a manuteno de funes biolgicas e culturais da hu-manidade. Por essa razo materializam o conceito de benscomuns ou commonsque, por sua vez, so defendidos porum amplo movimento social dentro de uma mesma ban-deira contra a sua privatizao. A Escola da Mata Atlnticaparticipava destes debates em espaos como os FrunsSociais Mundiais e os Pontos de Cultura e props a cria-o de um banco de sementes que funcionasse junto co