resumos sociologia - Émile durkheim

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1 ÉMILE DURKHEIM Durkheim é um sociólogo francês nascido em 1858 que veio a dar corpo conteúdo e método à nova disciplina nascida com Comte de quem aliás foi discípulo. A sua formação de base era a Filosofia e foi ao elaborar uma tese sobre a divisão do trabalho social que compreendeu que o prblema que tentava resolver era do domínio da Sociologia. Foi a partir daí que empreendeu vários esforços teóricos para criar um método para a nova Ciência. Viria a preocupar-se sobretudo com as relações entre o indivíduo e a socieda- de, o impacto das grandes estruturas da sociedade no indivíduo, com a própria sociedade e com os pensamentos e acções dos indivíduos. Como é que uma colecção de indivíduos pode constituir uma sociedade? Como é que os indivíduos podem realizar essa condição da existência social que é o consenso? 1 Estas são algumas das questões a que Durkheim vai procurar dar resposta ao longo de toda a sua obra. O seu trabalho foi fundamental para a teoria estrutural-funcionalista com a sua ênfase na estrutura social e na cultura. Como base de toda a sociologia durkheimiana está o FACTO SOCIAL. Em termos modernos os factos sociais são as estruturas sociais e nor- mas e valores culturais que são externas e que coagem os agentes soci- ais. De outra forma podemos definir os factos sociais como “maneiras de agir, de pensar e de sentir que apresentam a notável propriedade de existir fora das consciências individuais”. 1 Aron, Raymond – “As Étapas do Pensamento Sociológico” – Publicações D. Quixote – 3ª Edição (1992:314)

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Resumos Sociologia - Émile Durkheim

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Page 1: Resumos Sociologia - Émile Durkheim

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ÉMILE DURKHEIM

Durkheim é um sociólogo francês nascido em 1858 que veio a dar corpo

conteúdo e método à nova disciplina nascida com Comte de quem aliás

foi discípulo.

A sua formação de base era a Filosofia e foi ao elaborar uma tese sobre

a divisão do trabalho social que compreendeu que o prblema que tentava

resolver era do domínio da Sociologia. Foi a partir daí que empreendeu

vários esforços teóricos para criar um método para a nova Ciência. Viria

a preocupar-se sobretudo com as relações entre o indivíduo e a socieda-

de, o impacto das grandes estruturas da sociedade no indivíduo, com a

própria sociedade e com os pensamentos e acções dos indivíduos.

Como é que uma colecção de indivíduos pode constituir uma sociedade?

Como é que os indivíduos podem realizar essa condição da existência

social que é o consenso?1 Estas são algumas das questões a que

Durkheim vai procurar dar resposta ao longo de toda a sua obra.

O seu trabalho foi fundamental para a teoria estrutural-funcionalista com

a sua ênfase na estrutura social e na cultura.

Como base de toda a sociologia durkheimiana está o FACTO SOCIAL.

Em termos modernos os factos sociais são as estruturas sociais e nor-

mas e valores culturais que são externas e que coagem os agentes soci-

ais.

De outra forma podemos definir os factos sociais como “maneiras de

agir, de pensar e de sentir que apresentam a notável propriedade de

existir fora das consciências individuais”.

1 Aron, Raymond – “As Étapas do Pensamento Sociológico” – Publicações D. Quixote – 3ª Edição (1992:314)

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Além disso os factos sociais são “dotados de um poder imperativo e co-

ercivo em virtude do qual se lhe impõem (ao indivíduo) quer queira ou

não”.

Esta característica intrínseca dos factos sociais torna-se evidente “pela

existência de uma sanção determinada ou pela resistência que o facto

opõe a qualquer iniciativa individual que tenda a violá-lo”.

Exterioridade e poder coercivo são deste modo os elementos definidores

dos factos sociais.

Há uma terceira característica definidora dos factos sociais para

Durkheim – a difusão que tem no grupo e portanto a sua generalidade.

Por exemplo, vós que estais aqui a nesta aula, fazei-lo porque são coa-

gidos:

� Por um lado pelas regras do ensino superior

� Por outro lado pelas regras e valores da nossa sociedade

que continuam a dar grande importância à obtenção de um

curso superior apesar das grandes quantidades de desem-

pregados que começam a surgir mesmo entre pessoas as-

sim habilitadas

Na nossa sociedade que se queira opor a esta necessidade de conheci-

mento (e de conhecimento institucional reconhecido pela sociedade atra-

vés das escolas) tem muito mais dificuldades para aceder ao poder eco-

nómico ou político.

DURKHEIM E OS FACTOS SOCIAIS

Ao tempo de Durkheim não existiam escolas ou faculdades de sociologia

apesar de Comte já ter inventado o termo alguns anos antes. A Filosofia

Page 3: Resumos Sociologia - Émile Durkheim

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e a Psicologia reclamavam o campo teórico que a Sociologia aparecia a

reivindicar como sendo seu.

Para separar a Sociologia destas outras Ciências Durkheim orientou-a

para a investigação empírica. Ao fazê-lo impôs-se também àqueles que

como Comte e Spencer estavam mais inclinados para filosofar e criar te-

orias abstractas do que propriamente para estudar o mundo social a par-

tir de um ponto de vista empírico.

Deste ponto de vista Durkheim atacou Comte acusando de assumir teori-

camente que o mundo estava a evoluir para uma sociedade mais perfeita

em vez de estudar empiricamente a evolução das diferentes sociedades,

e atacou Spencer de assumir a harmonia na sociedade sem procurar

primeiro estudar se de facto a harmonia existia na sociedade.

Durkheim utilizou então, para separar as águas, o conceito de facto soci-

al procurando distinguir, deste modo, a sua sociologia das sociologias

essencialmente abstractas e introspectivas de Comte e de Spencer.

Uma primeira ideia surgiu: os factos sociais deviam ser tratados como

coisas. Deveriam por isso ser estudados empiricamente e não filosofica-

mente. Para Durkheim as ideias podem ser conhecidas pela via da in-

trospecção mas as coisas só podem ser conhecidas através de dados

exteriores à mente das pessoas. Os factos sociais são, para Durkheim,

os únicos dados de que os sociólogos dispõem, que se oferecem à sua

observação.

Não consegue, contudo, desta maneira, escapar à hegemonia da Psico-

logia que era uma Ciência já constituída e altamente empírica. Para es-

capar ao seu domínio a Durkheim não bastava pois, caracterizar os fac-

tos sociais como sendo coisas. Essa é uma das razões por que

Durkheim vai argumentar que eles eram também exteriores aos indiví-

duos e que lhes eram coercivos. Desta forma separavam-se as águas

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entre a Sociologia e a Psicologia, sendo esta a ciência dos factos sociais

internos (herdados), os factos psicológicos enquanto que aquela seria a

ciência dos factos sociais externos, os verdadeiros factos sociais.

Esta demarcação radical permitiu de facto à Sociologia ganhar o seu di-

reito de cidadania no seio das ciências mas veio a ter custos demasiado

elevados sobretudo no que toca a uma limitação, que ainda hoje dura, do

campo de acção da sociologia.

Os factos sociais como coisas externas serviram para limitar o campo da

sociologia pela negativa. Mas como definir pela positiva um facto social?

Durkheim fala-nos em dois tipos distintos de factos sociais: os factos so-

ciais materiais e os factos sociais imateriais.

Factos sociais materiais são aqueles que resultam da materialização

desses factos em elementos concretos do mundo real. Dois bons exem-

plos, fáceis de compreender são por exemplo a arquitectura (o edifício do

palácio da justiça) e a lei (o código que reúne todas as leis).

Mas o coração da teoria de Durkheim assenta nos factos sociais imateri-

ais – nas suas próprias palavras « nem toda a consciência social atinge...

a externalização e a materialização». Assim bons exemplos daquilo a

que Durkheim chama factos sociais imateriais são por exemplo aquilo a

que os sociólogos chamam normas e valores, ou pura e simplesmente a

cultura.

Só que daqui resulta um problema: como é que a cultura pode existir

noutro lado que não nas cabeças dos agentes? Ou seja como podem os

factos sociais imateriais ser exteriores ao indivíduo?

Durkheim resolveu este problema argumentando que as consciências

individuais se fundem constituindo uma individualidade física de um novo

tipo, com uma existência própria relativamente às consciências individu-

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ais e que lhes é exterior e coerciva. Trata-se de uma realidade mental

mas que é externa às realidades psicológicas individuais. Desta maneira

resulta claramente que para Durkheim a Sociologia preocupa-se com

normas e valores enquanto que a Psicologia se preocupa com os instin-

tos humanos e com o seu comportamento inato.

OS VÁRIOS NÍVEIS DE FACTOS SOCIAIS

Durkheim começa com o nível dos factos materiais não porque sejam

para ele os mais importantes mas porque os seus elementos têm para si,

as mais das vezes, primazia causal na sua teorização, afectando ou de-

terminando os factos sociais imateriais, que constituem na realidade o

objecto primordial do seu estudo.

Temos assim para Durkheim os seguintes níveis principais da realidade

social (discriminados por ordem decrescente de generalidade nos dois

níveis):

���� FACTOS SOCIAIS MATERIAIS

� Sociedade

� Componentes estruturais da sociedade (por exemplo o

Estado e a Igreja)

� Componentes morfológicos da sociedade – maneiras

de ser colectivas que correspondem ao substrato da vida colectiva

tais como: o número e a natureza das partes elementares que

constituem a sociedade, a maneira comos estão dispostas e o grau

de coesão que atingiram, o número e a natureza das vias de co-

Page 6: Resumos Sociologia - Émile Durkheim

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municação, a distribuição da população pela superfície do território,

a forma das habitações, etc

���� FACTOS SOCIAIS NÃO MATERIAIS

� Moralidade

� Consciência colectiva

� Representações colectivas

� Correntes sociais

Esta última classificação traduz o facto de Durkheim contemplar a exis-

tência de diferentes graus de institucionalização, consolidação, fixidez ou

cristalização dos factos sociais imateriais. De facto a par das crenças e

práticas sociais constituídas (regras jurídicas e morais, dogmas religio-

sos) institucionalizados e consolidados por séculos de vida social,

Durkheim considera a existência de correntes sociais que, embora dota-

das do mesmo ascendente e exterioridade relativamente aos indivíduos

são caracterizadas por um muito menor grau de consolidação ou sequer

de fixidez.

Vejamos um exemplo de Durkheim:

“Numa assembleia, as grandes manifestações de entusiasmo, de

indignação e de piedade que se desencadeiam, não têm a sua ori-

gem em nenhuma consciência particular. Chegam a cada um de nós

do exterior e são susceptíveis de nos arrastar contra a nossa vonta-

de. Sem, dúvida pode acontecer que, abandonando-me a elas sem

reserva, eu não sinta a pressão que exercem sobre mim. Mas ela

manifesta-se logo que eu tento lutar contra elas (…) Ora, o que di-

zemos destas explosões passageiras aplica-se também aos movi-

Page 7: Resumos Sociologia - Émile Durkheim

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mentos de opinião mais duradouros que se produzem incessante-

mente à nossa volta, quer em toda a extensão da sociedade, quer

em círculos mais restritos (…) Assim há certas correntes de opinião

que nos levam, com intensidade desigual segundo o tempo e os pa-

íses , um ao casamento, outra ao suicídio ou a uma natalidade mais

ou menos forte, etc.”

A DIVISÃO DO TRABALHO NA SOCIEDADE

Nesta sua obra Durkheim baseia a sua análise na existência de dois ti-

pos ideia de sociedade: uma mais primitiva caracterizada pela existência

de solidariedade mecânica, que tem uma estrutura social relativamente

indiferenciada e sem divisão de trabalho; outra mais moderna, caracteri-

zada pela existência de uma solidariedade orgânica e por uma divisão

social do trabalho muito mais sofisticada.

Para Durkheim a divisão de trabalho é um facto social material relaciona-

do como grau de especialização existente na sociedade.

Nas sociedades primitivas as pessoas tendem a ocupar lugares mal defi-

nidos na sociedade; este facto está relacionado com desempenho por

cada uma delas de um largo escopo de responsabilidades: cada um des-

tes indivíduos tende a ser um homem dos sete ofícios. Ao contrário os

indivíduos que vivem em sociedades mais modernas desempenham tare-

fas mais especializadas e têm por isso atribuído um escopo de tarefas

muito mais limitado.

Por exemplo uma dona de casa numa sociedade primitiva é muito menos

especializada do que uma dona de casa numa sociedade moderna onde

existem serviços de lavandaria, serviços de puericultura, serviços de en-

trega ao domicílio, e electrodomésticos que desempenham tarefas que

antes estava a cargo da dona de casa.

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As mudanças no grau de divisão do trabalho têm grandes repercussões

na estrutura da sociedade que se reflectem particularmente na existência

de dois tipos de solidariedade diferentes – mecânica e orgânica.

Ao falar em solidariedade Durkheim procurava descobrir os mecanis-

mos que impedem a sociedade de se desagregar:

Uma sociedade caracterizada por solidariedade mecânica não se desa-

grega porque todos são generalistas (não especializados). As pessoas

estão ligadas porque têm todas ocupações e responsabilidades seme-

lhantes. Pelo contrário uma sociedade caracterizada por solidariedade

orgânica é mantida coesa pelas diferenças entre as pessoas pelo facto

de terem todas especializações complementares. Nestas sociedades,

pelo facto de as pessoas terem capacidades num âmbito muito restrito

de actividades precisam da colaboração do resto da sociedade para so-

breviverem.

A família primitiva composta pelo pai caçador e pela mãe recolectora ou

agricultora é praticamente auto-suficiente enquanto que a família moder-

na precisa, para sobreviver, do merceeiro, do padeiro, do mecânico, do

professor, do polícia, etc.

Durkheim interessava-se, contudo, não apenas pela especialização das

pessoas mas também pela especialização dos grupos, das estruturas e

das instituições.

Note-se ainda que nas sociedades mais primitivas onde existe uma

grande similaridade nas ocupações das pessoas é muito mais provável

que surjam tensões competitivas do que nas sociedades onde as ocupa-

ções das pessoas são muito mais díspares o que permite que nestas úl-

timas haja maior incentivo à cooperação e que uma mesma base eco-

nómica suporte maiores comunidades. Desta forma a sociedade caracte-

rizada por solidariedade orgânica conduz a mais solidariedade e mais

Page 9: Resumos Sociologia - Émile Durkheim

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individualismo do que uma sociedade caracterizada por solidariedade

mecânica.

A solidariedade orgânica aparece assim para Durkheim como uma forma

de compatibilizar a ordem social e a autonomia individual.

A DENSIDADE DINÂMICA

A divisão do trabalho era um facto social material para Durkheim por ser

o padrão de interacção no mundo social.

Outro facto social material era para o autor o maior factor causal da tran-

sição da solidariedade mecânica para a orgânica – a densidade dinâmi-

ca.

Este conceito refere-se ao número de pessoas numa sociedade e à

quantidade de interacção que ocorre entre elas.

Nem o aumento de população nem o aumento de interacção por si só

são factores significativos de mudança societal. É o aumento simultâneo

do número de pessoas e de interacção entre elas que leva à mudança da

solidariedade mecânica para a orgânica ao trazerem uma maior competi-

ção pelos recursos escassos e uma luta mais intensa pela sobrevivência

entre os vários componentes similares e paralelos da sociedade primiti-

va: precisamente porque os vários indivíduos, grupos, famílias, tribos,

etc., desempenham funções virtualmente idênticas estabelecem-se entre

eles tensões principalmente se os recursos forem escassos.

O aumento da divisão de trabalho permite às pessoas e às estruturas

sociais que elas criam a criação de complementaridades que atenuam os

conflitos e tornam a coexistência mais fácil. Além disso o aumento da di-

visão de trabalho proporciona maior eficiência, que se transforma numa

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maior disponibilidade de recursos que permite que a sociedade sobreviva

de uma forma mais pacífica.

Apesar de estar interessado em explicar como é que a divisão de traba-

lho e a densidade dinâmica conduziram a diferentes tipos de solidarieda-

de social, Durkheim preocupava-se principalmente com o impacto destas

mudanças materiais e com a natureza dos factos sociais imateriais tanto

nas sociedades mecânicas como orgânicas. Contudo, por causa da ima-

gem que tinha do que era a sociologia, Durkheim achou que era impossí-

vel estudar factos imateriais directamente – tal seria uma abordagem

mais filosófica ou psicológica como já vimos. Para estudar os factos so-

ciais imateriais cientificamente o sociólogo teria que procurar examinar

factos sociais materiais que reflectissem a natureza e as mudanças nos

factos sociais imateriais.

Então no seu livro, “A Divisão do Trabalho na Sociedade”, o facto social

material que Durkheim utiliza para estudar as mudanças nas formas de

solidariedade é o Direito. São as diferenças entre a lei nas sociedades

coesas devido à solidariedade mecânica e a lei nas sociedades coesas

graças à solidariedade orgânica que lhe vão permitir estudar como é que

as sociedades passam de um tipo para outro.

O direito

Segundo Durkheim uma sociedade coesa por solidariedade mecânica é

caracterizada pelo direito repressivo. Nestas sociedades, como já

vimos, as pessoas são muito semelhantes e dado que tendem a acreditar

numa moral comum, qualquer ofensa contra o seu sistema de crenças

tenderá a ser considerado como tal por todos os membros da comunida-

de. Dado que além disso estes acreditam profundamente na moralidade

que partilham, um prevaricador tenderá a ser severamente punido por

qualquer acção que seja considerada uma ofensa contra a moral colecti-

va do sistema: é assim que o roubo de um porco leva ao corte das mãos

Page 11: Resumos Sociologia - Émile Durkheim

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do ladrão, que blasfemar contra Deus leva ao corte da língua do blasfe-

mo.

As pessoas estão de tal modo envolvidas no sistema moral que uma

ofensa tem que ser severamente punida.

Ao contrário, uma sociedade com solidariedade orgânica é caracterizada

por aquilo a que Durkheim chama direito restituitivo. Nestas socieda-

des os prevaricadores em vez de serem severamente punidos são leva-

dos a cumprir a lei ou a indemnizar – fazendo a restituição – de acordo

com o que resultaria se tivessem desde o início cumprido a lei.

Apesar de ainda persistirem algumas leis repressivas nas sociedades

com solidariedade orgânica (a pena de morte por exemplo) é o direito

restituitivo que as caracteriza. Isto resulta do facto de não existir uma mo-

ral comum forte e coerciva: a maior parte das pessoas não reage emoci-

onalmente à transgressão da lei.

Nas sociedades de solidariedade mecânica a lei é controlada pelas mas-

sas enquanto que nas sociedades de solidariedade orgânica o controlo

da lei repousa nas mão de agentes especializados como a polícia e os

tribunais – facto que é aliás consistente com a divisão do trabalho neste

tipo de sociedades.

Decorre desta análise que, para Durkheim, as alterações num facto soci-

al material são meros reflexos de mudanças em factos sociais imateriais

– muito mais cruciais para a interpretação sociológica – tais como a mo-

ralidade, a consciência colectiva, as representações colectivas, etc.

A ANOMIA

Muitos dos problemas de que Durkheim se ocupa resultam directamente

da sua preocupação com o declínio da moralidade.

Page 12: Resumos Sociologia - Émile Durkheim

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É o conceito de anomia que melhor exprime essa sua preocupação com

o declínio de uma moral colectiva.

Definição: os indivíduos pertencentes a uma determinada sociedade di-

zem-se confrontados com a anomia quando não existe nessa sociedade

uma coerção moral suficientemente forte, ou seja quando não têm uma

noção clara daquilo que são comportamentos aceitáveis e não aceitá-

veis.

Para Durkheim a principal patologia das sociedades modernas era a divi-

são de trabalho anómica. Ao considerar a anomia como uma patologia

Durkheim exprimia a sua convicção profunda de que os «males» da so-

ciedade moderna podiam ser «curados». Ele acreditava que a divisão do

trabalho nas sociedades modernas era uma fonte de coesão social que

compensava o declínio da força da moral colectiva, contudo não confiava

que essa nova fonte de coesão social compensasse exactamente a per-

da que resultava do desaparecimento progressivo da moral colectiva. Daí

resultaria então um deficit de coesão social imputável ao surgimento da

forma dominante da solidariedade orgânica.

Segundo esta visão nas sociedades modernas os indivíduos, nas suas

novas tarefas e papéis altamente especializados poderiam com facilidade

ficar isolados e à deriva, sem saberem para onde é o Norte. Podem com

muito mais facilidade deixar de sentir um laço de comunhão com aqueles

que os cercam nas sociedades em que vivem. Deve notar-se que para

Durkheim esta seria uma situação anormal – o normal seria que não sur-

gisse a anomia.

É esta uma das categorias que Durkheim vai usar como explicativas para

o aumento da taxa de suicídio nas sociedades modernas – o suicídio

anómico vai ocorrer devido ao declínio da moral colectiva e à falta de re-

gulação externa que coaja o indivíduo a controlar as suas paixões.

Page 13: Resumos Sociologia - Émile Durkheim

13

A CONSCIÊNCIA COLECTIVA

Durkheim tentou resolver o problema da moral colectiva de várias manei-

ras e através de vários conceitos. Nos seus primeiros esforços para o

fazer Durkheim criou o conceito de consciência colectiva que caracteri-

zou na “divisão do trabalho na sociedade» da seguinte forma:

«...é a totalidade de crenças e sentimentos comuns à média dos cida-

dãos de uma sociedade que forma um sistema que tem uma vida própria;

pode-se chamar-lhe consciência colectiva ou comum... É assim, uma en-

tidade própria diferente das consciências individuais, apesar de apenas

poder ser concretizada a partir delas»

Importa reter alguns dos pontos desta definição.

1. é claro que Durkheim pensa no fenómeno como atravessan-

do toda a sociedade ao referir-se aos sentimentos e crenças

da totalidade dos cidadãos de uma sociedade;

2. Durkheim concebe a consciência colectiva como sendo um

sistema cultural independente embora concretizado através

das consciências individuais;

O conceito de consciência colectiva permite-nos regressar à descrição

que Durkheim faz, na Divisão do Trabalho , dos factos sociais materiais e

das suas relações com a moral comum. A lógica do seu raciocínio é que

o aumento da divisão do trabalho (trazida por um aumento de densidade

Page 14: Resumos Sociologia - Émile Durkheim

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dinâmica) causa a transformação (uma diminuição, mas não o desapare-

cimento) da consciência colectiva.

A consciência colectiva tem muito menos importância numa sociedade

com solidariedade orgânica do que numa sociedade com solidariedade

mecânica, já que, nas sociedades modernas a coesão dos indivíduos é

assegurada, em muito maior parte, pela divisão do trabalho e pela ne-

cessidade resultante de que um grande número de funções seja desem-

penhado por outros, do que, propriamente, pela existência de uma cons-

ciência colectiva poderosa.

Segundo alguns autores modernos, a consciência colectiva nos dois ti-

pos de sociedade pode ser diferenciada em 4 dimensões: volume, inten-

sidade, rigidez e conteúdo.

Page 15: Resumos Sociologia - Émile Durkheim

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Teremos

Volume Número de pessoas envolvi-

das pela consciência colectiva

Intensidade Profundidade dos sentimentos

que os indivíduos têm pela

Consciência colectiva

Rigidez Clareza com que está definida

Conteúdo Forma que a C. C. assume

nos dois tipos polares de so-

ciedade (i. e. na sociedade

com solidariedade mecânica e

orgânica)

Veja-se na página seguinte

Page 16: Resumos Sociologia - Émile Durkheim

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Solidariedade mecânica Solidariedade orgânica

Volume A consciência colectiva cobre virtu-

almente toda a sociedade e os seus

membros;

A consciência é limitada no seu domínio e

no número de pessoas que envolve;

Intensidade Impõem-se aos indivíduos com

grande intensidade o que é patente

pelo uso de um direito repressivo;

A adesão colectiva é muito menos intensa,

facto que é patente pela substituição do

direito repressivo pelo direito restituitivo;

Rigidez É extremamente rígido; Não é muito rígido;

Conteúdo O seu conteúdo é altamente religio-

so;

O seu conteúdo pode ser descrito como

individualismo moral (e elevação da impor-

tância do individual ao nível de um precei-

to moral);

Page 17: Resumos Sociologia - Émile Durkheim

17

REPRESENTAÇÕES COLECTIVAS

A ideia de consciência colectiva apesar de útil é muito lata e demasiado

amorfa – por isso pouco operacional – facto que leva Durkheim a aban-

doná-la progressivamente trocando-a pelo conceito de representação

colectiva. Esta pode ser encarada como estados específicos da consci-

ência colectiva.

Nas nossas sociedades modernas podemos olhar para as representa-

ções colectivas como as normas e valores de colectividades específicas

como a família, a profissão o estado e as instituições religiosas e educa-

cionais.

O conceito de representação colectiva pode ser utilizado de maneira tan-

to lata como específica. O que é relevante para nós é que Durkheim ser-

viu-se deste conceito para conceptualizar os factos sociais imateriais de

um modo mais restrito do que através do conceito generalista de consci-

ência colectiva.

Para Durkheim apesar da sua grande especificidade as representações

colectivas não são redutíveis ao nível da consciência individual: «as re-

presentações colectivas resultam do substrato de indivíduos associados

mas têm características sui generis»

Durkheim pretendia dizer que o carácter único das representações colec-

tivas não permitia que fossem redutíveis à consciência individual. Este

facto coloca-as no reino dos factos sociais imateriais. Estas representa-

ções transcendem o individual porque não dependem de nenhum indiví-

duo particular para a sua existência. São também independentes dos in-

divíduos no sentido de que o seu escopo temporal é maior do que o da

vida dos indivíduos.

Page 18: Resumos Sociologia - Émile Durkheim

18

As representações colectivas são uma componente central do sistema de

factos sociais imateriais de Durkheim.

O ESTUDO DO SUICÍDIO

O estudo do suicídio tem particular importância na história da Sociologia

porque Durkheim, onde outros viam o suicídio como o resultado de um

processo de desestruturação psicológica que podia estar ligado a senti-

mentos opressivos de culpa , viu o sintoma e o produto de um enfraque-

cimento da coesão da sociedade cujos membros se tornaram menos

solidários e mais individualistas.

Durkheim trata, deste modo, o suicídio não como um desenlace de uma

situação psicológica individual mas como um facto social específico. Do

seu ponto de vista a taxa de suicídio não pode ser explicada pela soma

dos suicídios individuais (que derivam cada um deles de motivações pró-

prias) mas sim por um substrato social profundo – o estado de uma soci-

edade cuja coesão é influenciada pelo sistema religioso a que está liga-

da.

O método de Durkheim

Explorando as estatísticas referentes ao suicídio em vários países euro-

peus Durkheim detectou regularidades que lhe permitiram intuir uma di-

mensão social do suicídio. Vai então relacioná-lo com a coesão social

estabelecendo os fundamentos teóricos da sua abordagem (ou seja cri-

ando uma teoria acerca do suicídio).

Vejamos com Durkheim fez isto:

Olhando para o mapa da Europa e para as taxas de suicídio dos vários

países notou que nos países católicos (Espanha, Portugal e Itália) a taxa

de suicídio era muito inferior à taxa de suicídio registada em países pro-

testantes tais como a Prússia, a Saxónia ou a Dinamarca.

Page 19: Resumos Sociologia - Émile Durkheim

19

Mas esta comparação era insuficiente para estabelecer uma relação e

causa –efeito.

1º porque o grau de “civilização” de Espanha e Portugal era muito inferi-

or ao da Alemanha. Por isso podia residir aí um fundamento explicativo

da diferença registada: podia existir uma ligação entre taxa de suicídio e

nível de “civilização”. Para eliminar esta hipotética causa seria necessário

comparar a taxa de suicídio em praticantes de religiões diferentes no seio

de uma mesma sociedade (em que o estado de “civilização” não varia).

Para isso Durkheim comparou as taxas de suicídio na Baviera em que

existiam duas grandes comunidades de protestantes e de católicos. E

verificou que não apenas a Baviera era o estado alemão com a mais bai-

xa taxa de suicídio como, além disso a relação entre taxas de suicídio se

mantinha entre os praticantes das duas religiões.

2º Durkheim procurou então estudar a variação das taxas de suicídio en-

tre várias religiões. E então procurou informações acerca da taxa de sui-

cídio entre os judeus, tendo constatado que era mais baixa do que entre

os católicos. Surgia assim uma nova hipótese explicativa: os judeus eram

minoritários em todos os territórios em que viviam. Podia portanto acon-

tecer que a mais baixa taxa de suicídio registada entre os católicos báva-

ros resultasse do mesmo fenómeno, a saber: que as confissões menos

numerosas, tendo que lutar contra a hostilidade das populações envol-

ventes sejam obrigadas, a fim de assegurar a sua sobrevivência, a exer-

cer sobre si mesmas um controlo severo e a sujeitar-se a uma disciplina

particularmente rigorosa, que justifique a tolerância, sempre precária, que

lhes é concedida.

3º Durkheim voltou-se então para o estudo da natureza das próprias reli-

giões envolvidas como fonte de explicação para as diferenças encontra-

das. E constatou que, relativamente ao suicídio, tanto o protestantismo

Page 20: Resumos Sociologia - Émile Durkheim

20

como o catolicismo são claros na proibição e condenação da sua prática.

A explicação não provinha portanto, daí.

4º A única diferença substancial entre catolicismo e protestantismo provi-

nha do facto de este último admitir o livre exame numa proporção muito

mais elevada do que aquele.

Segundo Durkheim de uma maneira geral o cristianismo é uma religião

idealista que dá ao pensamento e à reflexão um lugar muito mais impor-

tante do que o politeísmo grego e latino ou o monoteísmo judaico – o

cristianismo não se contenta com actos maquinais, procurando antes

controlar as consciências. É portanto a elas que se dirige. E mesmo

quando exige uma submissão cega e absoluta fá-lo na linguagem da ra-

zão. Mas catolicismo e protestantismo diferem pelo facto de que os prati-

cantes do primeiro recebem uma religião feita, através do catecismo, que

é uma interpretação da Bíblia preparada pela Igreja. Segundo Durkheim

o pensamento católico tem horror à variação – por isso não encontramos

sitas na Igreja Católica. Para o protestante é diferente: a Bíblia é-lhe co-

locada nas mãos e cada um, desde o Bispo ao crente, é o autor da sua

própria crença. É por isso que entre os protestantes encontramos nume-

rosas crenças.

5º O resultado desta grande diferença é que o protestantismo atribui um

lugar ao pensamento individual muito maior do que o catolicismo – e este

facto está profundamente ligado à existência de menos crenças e práti-

cas comuns, neste último. Ora, como veremos mais adiante, uma socie-

dade religiosa não existe sem um credo colectivo (uma crença) e é tanto

mais unida e forte quanto mais amplo e abrangente for esse credo. Isto

acontece porque uma sociedade religiosa socializa os homens ligando-os

todos a um mesmo corpo de doutrina e socializa-os tanto melhor quanto

mais vasto e e mais solidamente constituído for esse corpo doutrinário.

Page 21: Resumos Sociologia - Émile Durkheim

21

Quanto mais maneiras de agir e de pensar existirem, subtraídas ao livre

exame, mais a ideia de deus estará presente em todos os pormenores da

existência e fará convergir para um único objectivo as mentes individuais.

Inversamente, quanto mais um grupo confessional ou religioso se aban-

donar ao pensamento e julgamento individuais, mais ausente estará a

ideia de Deus das suas vidas e menores serão a sua coesão e vitalidade.

6º Então, a taxa de suicídio entre os protestantes é maior do que a dos

católicos porque a igreja protestante é uma igreja MENOS INTEGRADA

do que a Igreja Católica.

Durkheim analisa desta forma a influência da religião (um facto social)

sobre o suicídio (outro facto social). A partir do exame de dados estatísti-

cos relativos às diferentes populações europeias católicas e protestantes,

Durkheim chega à conclusão de que quanto mais fraca é a coesão religi-

osa mais forte é a tendência para o suicídio.

Numa religião fortemente integrada como a católica, cujos fiéis partilham

numerosas práticas e crenças comuns, estes ficam mais protegidos do

suicídio do que os fiéis de uma religião menos integrada como o protes-

tantismo que dá grande importância ao livre exame.

Esquematicamente podemos representar o raciocínio de Durkheim da

seguinte forma:

Mas a abordagem do suicídio por Durkheim não se fica por aqui.

Livre exame

Enfraquecimento das crenças tradi-cionais

Enfraquecimen-to da coesão religiosa

Aumento da tendência para o suicídio

Page 22: Resumos Sociologia - Émile Durkheim

22

SUICÍDIO E CORRENTES SOCIAIS

Durkheim apresentou, como já vimos acima, um outro conceito que tam-

bém é um facto social imaterial mas menos cristalizado – o conceito de

corrente social.

A corrente social é um facto social imaterial que tem a mesma ascendên-

cia sobre o indivíduo que as representações sociais mas que não apre-

senta um grau de cristalização tão elevado. São exemplos os grandes

movimentos de entusiasmo, indignação e piedade numa multidão.

Durkheim explicou o conceito de correntes sociais nas Regras do Método

Sociológico mas usou-o como variável explicativa no seu livro O Suicídio.

Havendo bastantes dados disponíveis sobre o suicídio e sendo este acto

considerado um dos actos mais privados de um indivíduo, Durkheim jul-

gou que se conseguisse mostrar que a Sociologia tinha um papel a de-

sempenhar na explicação de um acto tão individualista como o suicídio,

seria relativamente fácil estender o domínio da Sociologia a fenómenos

que à partida parecem mais propícios à análise psicológica.

Como sociólogo Durkheim não estava interessado no suicídio de nenhum

indivíduo específico – isso seria objecto de um estudo psicológico.

Durkheim estava interessado em explicar as diferenças entre taxas de

suicídio, ou seja, estava interessado por que razão é que um grupo se

suicida mais do que outro. Assumia que as características biológicas,

psicológicas e socio-psicológicas permanecem constantes de um grupo

para outro. Assim sendo para Durkheim a diferença seria devida a facto-

res sociológicos, em particular por correntes sociais.

Para o autor do estudo os factores críticos nas mudanças nas taxas de

suicídio deveriam ser encontrados ao nível dos factos sociais. E que tipo

Page 23: Resumos Sociologia - Émile Durkheim

23

de factos? Materiais ou imateriais? Como é habitual em Durkheim os fac-

tos sociais materiais ocupam a posição de prioridade causal. Constatou

que diferenças na densidade dinâmica influenciam factos sociais imateri-

ais que por sua vez influenciam directamente as taxas de suicídio. O ar-

gumento era o seguinte: diferentes colectividades têm diferentes consci-

ências colectivas e representações colectivas. Estas por sua vez produ-

zem diferentes correntes sociais que têm diferentes efeitos nas taxas de

suicídio.

Uma das maneiras de estudar o suicídio seria então estudar diferentes

colectividades comparando-as quanto às respectivas taxas de suicídio e

outra seria estudar a mesma sociedade ao longo da história comparando

a evolução da taxa de suicídio. O estudo intra-cultural ou histórico con-

duz sempre ao mesmo raciocínio: diferenças ou alterações na consciên-

cia colectiva conduzem a diferenças ou mudanças nas taxas de suicídio.

A conclusão era clara para Durkheim:

« cada grupo social tem uma inclinação para o acto que é a fon-

te de toda a inclinação individual mais do que o seu resultado.

Essa inclinação é constituída por correntes de egoísmo, altruís-

mo ou anomia que perpassam pela sociedade. Estas tendências

do corpo social total ao afectarem os indivíduos levam-nos a

cometer suicídio».

OS QUATRO TIPOS DE SUICÍDIO

A teoria de Durkheim sobre o suicídio e a estrutura do seu raciocínio so-

ciológico pode ser mais facilmente compreendida se analisarmos os 4

tipos de suicídio que nos propõe: egoísta, altruísta, anómico e fatalista.

Page 24: Resumos Sociologia - Émile Durkheim

24

Durkheim ligou cada um dos tipos de suicídio ao grau de integração ou

de regulação exercido pela sociedade.

A integração é um conceito que traduz a intensidade com que os senti-

mentos colectivos são partilhados na sociedade.

O suicídio altruísta está ligado a um elevado nível de integração e o sui-

cídio egoísta está ligado a um baixo nível de integração.

A regulação é um conceito que traduz o grau de constrangimento ou co-

erção externa dos indivíduos na sociedade. O suicídio fatalista aparece

associado a um elevado nível de regulação e o suicídio anómico a um

baixo nível de integração.

Integração Elevada ⇒ Suicídio altruísta

Baixa ⇒ Suicídio egoísta

Regulação Elevada ⇒ Suicídio fatalístico

Baixa ⇒ Suicídio anómico

Suicídio egoísta

Este tipo de suicídio aparece em princípio em sociedades em que os in-

divíduos não estão bem integrados na sociedade global. Esta falta de

integração leva a uma falta de sentido entre os indivíduos. Nas socieda-

des em que há uma forte consciência colectiva as correntes sociais que

delas brotam acabam por dotar os indivíduos de um sentido geral da vida

que acaba por evitar esta forma de suicídio.

Page 25: Resumos Sociologia - Émile Durkheim

25

Nas sociedades em que esta consciência colectiva não é tão forte os in-

divíduos ficam livres para perseguir os seus próprios objectivos. Esta

maior liberdade acaba por conduzi-los a uma maior frustração que pode

degenerar em suicídio.

A desintegração da sociedade produz correntes sociais que são as prin-

cipais responsáveis pelas diferenças nas taxas de suicídio. Significa isto

que nem mesmo no suicídio egoísta o agente se livra das forças sociais,

que aqui, segundo Durkheim o predispõem para o suicídio.

Suicídio altruísta

Ocorre mais provavelmente quando a integração social é muito elevada.

Um dos exemplos mais recentes deste tipo de suicídio foi aquele que te-

ve lugar nas Guianas, e em que os seguidores do reverendo Jim Jones

se suicidaram colectivamente.

Trata-se de casos em que os indivíduos se suicidam porque consideram

que é seu dever fazê-lo.

Também aqui para Durkheim não é o elevado nível de integração que é a

causa directa do suicídio mas as correntes sociais induzidas por esse

facto social.

Suicídio anómico

Ocorre quando os poderes reguladores da sociedade foram destruídos.

Cessando os mecanismos sociais que asseguram a existência de coer-

ção sobre os indivíduos estes ficam entregues às suas paixões, que são

por definição insaciáveis abrindo as portas a frustrações brutais que po-

dem conduzir ao suicídio.

Page 26: Resumos Sociologia - Émile Durkheim

26

Nestes casos a colectividade fica temporariamente incapaz de exercer

autoridade sobre os indivíduos. Estes ficam colocados em posições em

que as regras antigas deixam de se aplicar mas para as quais ainda não

há novas regras. Estes períodos de destruição dos poderes reguladores

soltam correntes de anomia – estados de desenraizamento e desregra-

mento – que conduzem a uma subida das taxas de suicídio anómico. O

exemplo típico é o do desempregado que é despedido da sua fábrica.

Liberto de qualquer enquadramento disciplinar e regulador fica entregue

aos efeitos devastadores da anomia.

Suicídio fatalista (corrigir)

Pode ocorrer com indivíduos cujo futuro e desejos estão bloqueados por

uma disciplina excessiva. O exemplo clássico seria o do escravo que põe

termo à sua própria vida. Excesso de regulação – a que se pode chamar

opressão – liberta correntes sociais de depressão que podem conduzir

ao suicídio.

UMA MENTALIDADE DE GRUPO

A actual ênfase da Sociologia em normas, valores e cultura permite-nos

compreender facilmente o interesse de Durkheim pelos factos sociais

imateriais.

Mas Durkheim é acusado por alguns de dar aos factos sociais imateriais

uma existência autónoma, separada dos agentes. Durkheim estava con-

tudo bem ciente de que os fenómenos culturais não podem flutuar no va-

zio.

A perspectiva do autor é a seguinte: uma corrente social de melancolia

não pode ser deduzida a partir de um indivíduo mas apenas da disposi-

Page 27: Resumos Sociologia - Émile Durkheim

27

ção de um segmento significativo da população. Estas disposições colec-

tivas, ou correntes sociais variam de uma colectividade para outra, facto

que pode ser percebido pela variação da taxa de ocorrência de certos

comportamentos, incluindo a taxa de suicídios.

Deve por isso entender-se que Durkheim tinha uma forma assaz moder-

na de conceber os factos sociais imateriais que equivalia ao que hoje

chamamos de normas, valores e cultura e de uma plêiade de fenómenos

psicossociais partilhados. Esta abordagem torna no entanto ainda hoje

difícil a defesa de um domínio epistemológico separado para a Sociologia

a partir da separação rígida que Durkheim procurou estabelecer entre

factos sociais e factos psicológicos. É que de facto essa separação não é

assim tão rígida.

O próprio autor reconheceu em algumas partes da sua obra que os fac-

tos sociais imateriais estão firmemente ancorados nos processos indivi-

duais dos indivíduos – ver « As formas elementares da vida religiosa».

A RELIGIÃO

Durkheim sentiu sempre uma grande necessidade de se concentrar nas

manifestações materiais dos factos sociais imateriais. Na sua obra « As

formas elementares da vida religiosa» o autor sentiu-se mais à vontade

para tratar estes aspectos mais directamente. A religião é o facto social

imaterial limite e a sua observação permitiu a Durkheim fazer luz sobre

todo este aspecto da sua teoria.

A religião tinha, segundo Durkheim uma faceta «dinamogénica». Tinha a

capacidade de não apenas dominar os indivíduos mas também de os

elevar acima das suas capacidades normais.

Page 28: Resumos Sociologia - Émile Durkheim

28

Para basear o seu estudo Durkheim recorreu a dados publicados, no ca-

so a um estudo sobre uma tribo australiana – os Arunta.

Estudou uma tribo primitiva por várias razões:

1 Cria que era muito mais simples estudar o âmago do fenómeno

numa religião primitiva do que numa religião de uma sociedade

moderna. Aquelas formas religiosas aparecem com muito mais fa-

cilidade em toda a sua nudez.

2 Os sistemas ideológicos das primitivas religiões eram muito menos

desenvolvidos do que os das religiões modernas evitando-se assim

uma ofuscação desnecessária.

3 Enquanto que a religião nas sociedades modernas toma diversas

formas, nas sociedades primitivas há uma conformidade moral e

intelectual e a religião pode ser estudada na sua forma mais primi-

tiva.

4 O interesse de Durkheim no estudo da religião era o de compreen-

der a natureza religiosa do homem enquanto aspecto essencial e

permanente do Homem. Mais especificamente Durkheim estudou

as religiões primitivas para compreender a religião nas sociedades

modernas.

Dado o carácter uniforme e ubíquo da religião nas sociedades primitivas

é possível equacionarmos essa religião com o conceito de consciência

colectiva. O mesmo é dizer que a religião nas sociedades primitivas é

uma moral colectiva que tudo envolve e acompanha. Mas à medida que

a sociedade se desenvolve e se vai especializando a religião passa a

ocupar domínios da vida colectiva progressivamente mais estreitos. Em

vez de ser a consciência colectiva na sociedade moderna a religião pas-

sa a ser uma de numerosas representações colectivas. Apesar de expri-

mir alguns sentimentos colectivos há outras instituições, como por exem-

Page 29: Resumos Sociologia - Émile Durkheim

29

plo a lei e ciência, que passam a exprimir outros aspectos da moral co-

lectiva. E Durkheim reconhece que apesar de a religião ocupar um domí-

nio progressivamente menor entre os vários tipos de representações co-

lectivas é dela que a maioria senão todos os outros tipos de representa-

ções colectivas que existem na sociedade moderna, provêm.

SAGRADO E PROFANO

A grande questão para Durkheim era a origem da religião moderna. Dado

que a especialização e o ruído ideológico tornam impossível o estudo

das raízes da religião moderna, Durkheim estuda as sociedades primiti-

vas à procura de esclarecimento. A questão a que procura responder é:

de onde vem a primitiva religião?

Aplicando o seu princípio de que apenas os factos sociais podem expli-

car os factos sociais, Durkheim conclui que a religião provém da socie-

dade – a sociedade (através dos indivíduos) cria a religião ao definir de-

terminados fenómenos como sagrados e outros como profanos. Os as-

pectos da realidade social definidos como sagrados – aqueles que são

colocados à parte e considerados proibidos – constituem a essência da

religião. Os restantes são definidos como profanos – os aspectos da rea-

lidade social do dia a dia, utilitários, mundanos.

O sagrado traz assim uma atitude de reverência, respeito, mistério, temor

e honra. O respeito acordado a alguns fenómenos transforma-os de pro-

fanos em sagrados.

Mas a diferenciação entre sagrado e profano e a elevação de alguns as-

pectos da vida social de profano a sagrado são condições necessárias

mas não suficientes para o desenvolvimento da religião. São necessárias

mais três condições:

Page 30: Resumos Sociologia - Émile Durkheim

30

1 Tem que surgir o desenvolvimento de um conjunto de crenças reli-

giosas. Estas crenças são as representações que exprimem a na-

tureza das coisas sagradas e as relações que mantêm umas com

as outras e com as coisas profanas.

2 É necessário um conjunto de ritos religiosos. Estes ritos são as re-

gras de conduta que prescrevem como um indivíduo se deve com-

portar na presença dos objectos sagrados;

3 É necessária uma igreja, ou seja uma comunidade moral autoritária

única.

Da relação que estabelece entre sagrado, profano, crenças, ritos e igreja

Durkheim extrai a seguinte definição de religião: «é um sistema unifi-

cado de crenças e práticas que une numa única comunidade moral

chamada igreja todos os que a ele aderem».

Totemismo

O ponto de vista de Durkheim de que a sociedade é a fonte da religião

modelou a sua análise do totemismo entre os Arunta. O totemismo é um

sistema religioso no qual algumas coisas, normalmente animais ou plan-

tas se tornam sagrados e emblemas do clã. Durkheim encarou o tote-

mismo como a forma mais simples e primitiva de religião que é paralela-

mente acompanhada pela forma de organização social mais simples – o

clã. Então o autor achou que se conseguisse demonstrar que o totemis-

mo fora originado pelo clã teria provado a sua teoria relativamente às re-

ligiões e particularmente relativamente à religião moderna.

Embora um clã tivesse vários totems Durkheim não os encarava como

uma série de crenças fragmentárias àcerca de vários animais ou plantas.

Pelo contrário encarava-os como um conjunto de ideias interrelacionadas

Page 31: Resumos Sociologia - Émile Durkheim

31

que davam ao clã uma representação mais ou menos completa do mun-

do. Não são as plantas ou animais que são as fontes do totemismo – es-

te apenas representa a fonte. Os totems são as representações materiais

da força imaterial que está na sua base. E essa força material não é ou-

tra que não a nossa já familiar consciência colectiva da sociedade. Ou-

çamos as palavras esclarecedoras de Durkheim:

« o totemismo é a religião de tais ou tais animais, homens ou

imagens mas uma força anónima e impessoal, encontrada em

cada um destes seres e que não deve ser confundida com

eles. Os indivíduos morrem, as gerações passam e são substi-

tuídas por outras; mas esta força permanece efectiva, viva e a

mesma. Anima as gerações de hoje como animou as de ontem

e como animará as de amanhã. »

O totemismo e de uma maneira mais geral a religião, deriva da moral co-

lectiva e transforma-se numa força impessoal – não é apenas uma série

de plantas e animais míticos, de espíritos e de deuses.

EFEVERSCÊNCIA COLECTIVA

A consciência colectiva é a fonte da religião, mas de onde vem a própria

consciência colectiva? Do ponto de vista de Durkheim só pode vir da

própria sociedade. No caso australiano observado por Durkheim isto sig-

nificava o clã era a fonte última da religião.

« a força religiosa não é mais nada do que a força anónima e co-

lectiva do clã»

Mesmo que estejamos de acordo com o facto de o clã ser a fonte do to-

temismo mantém-se uma questão: como é que o clã cria o totemismo? A

resposta está em mais um conceito central de Durkheim – o conceito de

Page 32: Resumos Sociologia - Émile Durkheim

32

efervescência colectiva. Este conceito não foi explicitado em nenhuma

das obras de Durkheim e corresponde aos grandes momentos da história

em que uma colectividade alcança novos patamares de exaltação colec-

tiva que podem por sua vez conduzir a grandes transformações na estru-

tura da sociedade. São exemplos destes momentos a Reforma e a Re-

nascença. Para Durkheim era também desta efervescência colectiva que

surgia a religião:

«é no meio destes ambientes sociais efervescentes e da pró-

pria efervescência que a ideia religiosa pode nascer». Durante

os períodos efervescentes os clãs podem criar o totemismo.

Resumindo o totemismo é a representação simbólica da consciência co-

lectiva e por sua vez esta deriva da sociedade. Assim a sociedade é a

fonte da consciência colectiva , da religião, do conceito de Deus, e em

última análise de tudo aquilo que é sagrado (enquanto oposto a profano).

Podemos então dizer que, para Durkheim, o sagrado (e em última análi-

se Deus) e a sociedade são uma e a mesma coisa. Isto parece-lhe claro

nas sociedades primitivas. Nas sociedades modernas o autor afirma o

mesmo embora as relações entre as várias partes sejam obscurecidas

pelas complexidades dessas mesmas sociedades.

REFORMISMO SOCIAL

Os principais factos sociais imateriais estiveram no pensamento de

Durkheim desde o início da sua carreira: moralidade, consciência colecti-

va, representações colectivas, correntes sociais e religião estiveram

sempre no centro da sua análise.

Pelo contrário os factos sociais materiais tiveram sempre no seu pensa-

mento uma importância menor – ou eram prioridades causais dos factos

Page 33: Resumos Sociologia - Émile Durkheim

33

sociais imateriais (p.e. a Densidade Dinâmica na Divisão do Trabalho) ou

funcionavam como índices objectivos de factos sociais imateriais (p.e. o

direito na Divisão do Trabalho).

Mas há um terceiro papel que os factos sociais materiais desempenham

no pensamento de Durkheim. Estes factos sociais surgem também como

soluções estruturais para os problemas morais dos nossos tempos.

Durkheim foi acima de tudo um reformista que encarou o problemas da

sociedade moderna como aberrações (patologias) e não como proble-

mas inerentes a essa sociedade. Nisto distinguiu-se claramente, e opôs-

se mesmo, tanto dos conservadores (Bonald ou Maistre) como dos radi-

cais (Marx) do seu tempo. De facto os primeiros não viam esperança pa-

ra a sociedade do seu tempo, e os últimos esperavam pela revolução

como único remédio para a sociedade injusta e irracional em que viviam.

Pelo contrário, Durkheim seguindo as analogias orgânicas entre os pro-

cessos sociais e os processos biológicos, defendia que os problemas

com que a sua sociedade se defrontava eram patologias que poderiam

ser curadas pelo médico social que reconhecesse a natureza moral dos

problemas do mundo moderno e empreendesse as reformas estruturais

que as estripassem.

Por exemplo na Divisão do trabalho Durkheim falava de três formas

anormais de divisão do trabalho:

1 Anomia

2 Desadequação entre a estrutura do mundo do traba-

lhos e as qualificações dos trabalhadores existentes

3 Organização inadequada

Page 34: Resumos Sociologia - Émile Durkheim

34

Durkheim era portanto um reformista e não um revolucionário e, por isso,

ao estudar o socialismo, encarou-o como um facto social e não de uma

forma panfletária.

Eis um excerto em que afirma claramente esta sua posição:

«O nosso raciocínio não é de todo revolucionário. Até certo

ponto somos mesmo conservadores, dado que lidamos com

os factos sociais enquanto tais, reconhecendo a sua flexibili-

dade mas concebendo-os mais de uma maneira determinís-

tica do que arbitrária.

Muito mais perigosa é a doutrina que vê nos fenómenos so-

ciais apenas os resultados de uma manipulação ilimitada,

que podem de um momento para o outro por simples artes

dialécticas ser completamente invertidos.»

«Suponhamos que por milagre todo o sistema de proprieda-

de é completamente transformado da noite para o dia e que

os meios de produção são arrancados às mãos dos indiví-

duos e passam para propriedade colectiva. Todos os pro-

blemas que hoje debatemos e queremos resolver persistirão

inalterados»

ASSOCIAÇÕES OCUPACIONAIS

O maior remédio que Durkheim propôs para as patologias sociais foi o

desenvolvimento de associações ocupacionais.

Olhando para as organizações do seu tempo Durkheim não via que nelas

existisse um conflito de interesses básico (insanável) entre os elementos

que as constituíam – patrões, quadros e trabalhadores. Esta era uma po-

sição diametralmente oposta à de Marx. Para Durkheim os conflitos de

Page 35: Resumos Sociologia - Émile Durkheim

35

que era testemunha não eram intrínsecos às organizações em que ocor-

riam; resultavam da inexistência de uma moral comum que era demons-

trada pela inexistência de uma estrutura integradora no sistema. Esse

sistema integrador seria constituído pelas associações ocupacionais que

acompanhariam e envolveriam todos os agentes da mesma indústria

unidos e organizados num único grupo social.

Estas organizações seriam diferentes (e superiores) seja dos sindicatos

seja das organizações patronais, que para Durkheim apenas serviam pa-

ra intensificar as diferenças entre patrões, quadros e trabalhadores.

Envolvidos numa única organização estas pessoas compreenderiam que

era mais o que as unia do que o que as separava (reconheceriam os

seus interesses comuns) e bem assim a necessidade comum de um sis-

tema moralmente integrador. Estes sistema moral, com as suas regras e

leis, serviria para contrabalançar a tendência para a atomização caracte-

rística da sociedade moderna e impedir o declínio da moral colectiva.

O CULTO DO INDIVÍDUO

Para Durkheim a reforma estrutural aparece subordinada às mudanças

na moral colectiva. Os problemas essenciais da sociedade moderna são

de natureza moral e por isso a única solução reside no reforço de uma

moral colectiva.

Embora, contra os conservadores, Durkheim considerasse que era im-

possível o retorno a uma poderosa consciência colectiva como a que ca-

racterizava as sociedades de solidariedade mecânica, julgava entrever

os sinais da emergência de uma sua versão moderna, embora mais fra-

ca. Chamou-lhe o culto do indivíduo. Este conceito procura fundir duas

forças a priori antagónicas – a moral e o individualismo – lançando a

Page 36: Resumos Sociologia - Émile Durkheim

36

ideia de que o individualismo se está a transformar no sistema moral da

sociedade moderna:

O individualismo surge assim como aceitável aos olhos de Durkheim

desde que elevado ao estatuto de sistema moral. Este individualismo

com uma base colectiva, que afirma os direitos do indivíduo em relação

com o bem estar de todos em vez de servir a busca do interesse de cada

um, aparece para Durkheim como a solução para o moderno egoísmo.

Reconhecendo que o individualismo já não podia ser contrariado

Durkheim elevou alguns tipos de individualismo ao nível de um sistema

moral.

Um dos problemas desta abordagem é a dificuldade, ou mesmo a impos-

sibilidade virtual de distinguir, na realidade, entre as acções baseadas no

individualismo moral e as acções baseadas no egoísmo. A isto pode

Durkheim responder que é, no entanto, possível distinguir entre pessoas

guiadas por uma moral que lhes exige o respeito pela dignidade direitos

e liberdade individual e as pessoas que apenas agem em função dos

seus próprios interesses individuais.

O AGENTE SOCIAL NO PENSAMENTO DE DURKHEIM

Dada a sua defesa dos factos sociais e da sua exterioridade relativamen-

te aos indivíduos, Durkheim trata os agentes sociais e os seus processos

mentais como factores secundários – como variáveis dependentes dos

factos sociais (as variáveis independentes ou explicativas).

Algumas considerações àcerca da natureza humana

Durkheim afirmou sempre que não tinha nenhuns pressupostos acerca

da natureza humana – a sua única fonte de informação sobre a natureza

Page 37: Resumos Sociologia - Émile Durkheim

37

humana seria a Sociologia. Mas se calhar Durkheim foi pouco honesto

consigo mesmo.

Vejamos:

a) a um nível básico aceitou a existência de determinantes bio-

lógicos no comportamento humano

b) aceitou a importância de sentimentos sociais tais como o

amor, o afecto, a simpatia e outros fenómenos associados;

c) aceitou o homem como ser eminentemente social;

d) distinguiu homens de animais pela sua capacidade de pen-

sarem e de por isso intervirem imagens e ideias entre as in-

clinações naturais e o comportamento;

e) assumiu que as pessoas nascem com uma série de pulsões

egoístas que, desenfreadas, podem constituir uma ameaça

tanto para si próprias como para a sociedade; de facto para

Durkheim o homem nasce com um acervo de paixões que

soltas se multiplicam até ao ponto de o escravizarem.

f) Enquanto que as representações colectivas são criadas pela

interacção de indivíduos, as representações individuais são

criadas pela interacção das células cerebrais;

O penúltimo pressuposto é fundamental no conjunto da obra de

Durkheim. É assim que podemos entender que para si a liberdade seja

entendida como «um controlo externo sobre as paixões» - as pessoas

são livres quando as suas paixões são constritas por forças externas, a

mais importante das quais é a moral comum.

Para Durkheim a liberdade vem de fora e não de dentro do indivíduo. Daí

a necessidade de uma consciência colectiva que limite as paixões - «a

Page 38: Resumos Sociologia - Émile Durkheim

38

moralidade começa com o desinteresse, com a ligação a qualquer coisa

fora de nós». A liberdade é portanto, para Durkheim a interiorização de

uma moral comum que enfatiza o significado e a dependência do indiví-

duo. A liberdade é portanto uma característica da sociedade e não dos

indivíduos – vemos uma vez mais a prevalência dos factos sociais imate-

riais sobre os factos sociais materiais traduzida aqui pela primazia do in-

dividualismo moral sobre os processos mentais.

O último dos pressupostos apresentados tem como consequência que as

representações individuais são do foro da psicologia, não interessando a

Durkheim enquanto sociólogo. A implicação deste pressuposto é a de

uma concepção dual da natureza humana. Para utilizar as próprias pala-

vras de Durkheim:

«a nossa vida interior tem uma espécie de duplo centro de

gravidade – por um lado temos a nossa individualidade e por

outro temos tudo aquilo que exprime o que existe fora de

nós».

E o que é mais importante ainda é que para Durkheim é que estes dois

“centros” são em grande medida contraditórios criando assim uma perpé-

tua tensão nas malhas desta vida dupla. Torna-se então fundamental a

necessidade de fortalecer os aspectos colectivos do indivíduo por forma

a que as paixões individuais possam ser melhor controladas.

SOCIALIZAÇÃO E EDUCAÇÃO MORAL

Decorre dos pressupostos de Durkheim quanto à natureza inata das pai-

xões e quanto à necessidade de as controlar através de uma moral co-

mum a importância que vai assumir a interiorização da moral social pela

educação e pela socialização.

Page 39: Resumos Sociologia - Émile Durkheim

39

É que a moral social existe primordialmente ao nível cultural, mas é tam-

bém interiorizada pelos indivíduos. Nas palavras de Durkheim a moral

comum invade-nos e forma-nos.

O que preocupa aqui Durkheim não é propriamente a interiorização da

moral comum mas antes a forma como essa interiorização pode afectar

os problemas culturais e estruturais da sociedade moderna. Mais particu-

larmente preocupava-o aquilo que parecia ser o poder cada vez menor

desta interiorização na sociedade sua contemporânea. Durkheim assistia

a uma diminuição do grau em que os factos sociais influenciavam a

consciência humana. Assistindo àquilo que lhe parecia a maior crise por

que a humanidade já passara ao longo da sua história preocupava-se

com a forma como a disciplina colectiva parecia perder a sua tradicional

autoridade. Vem-lhe daí o seu grande interesse pela anomia.

Grande parte do trabalho de Durkheim sobre a educação e a socializa-

ção em geral deve ser interpretado à luz desta sua preocupação com a

decadência moral e a possibilidade de estancar o processo através de

reformas.

Para Durkheim educação e socialização são os processos através dos

quais os indivíduos aprendem os processos de um dado grupo ou soci-

dade, adquirindo a ferramentas físicas, técnicas, intelectuais e acima de

tudo morais para poderem viver (funcionar) em sociedade.

A educação moral tem três aspectos fundamentais:

a) o seu objectivo primordial é dotar os indivíduos com a disci-

plina de que necessitam para controlarem as paixões que

ameaçam escravizá-los; (só com muita disciplina as crianças

aprendem a contrariar os seus apetites).

Page 40: Resumos Sociologia - Émile Durkheim

40

b) Contrariar a autonomia atípica de que os indivíduos são na-

turalmente dotados predispondo-os a aceitarem voluntaria-

mente regras de comportamento;

c) Desenvolver o sentido de devoção à sociedade e ao seu sis-

tema moral;

ALGUMAS CRÍTICAS À OBRA DE DURKHEIM

VARIÁVEIS DEPENDENTES

Nos trabalhos de Durkheim a consciência aparece quase sempre como

uma variável dependente – determinada por vários factos sociais tanto

materiais como sobretudo imateriais.

Na Divisão do Trabalho a consciência era tratada de modo indirecto mas

parece evidente que era uma variável dependente – resultava da forma

de divisão do trabalho que por sua vez conduzia a alterações culturais na

sociedade.

No Suicídio o estatuto de variável dependente da consciência é muito

mais explícito. A principal variável independente é a moral colectiva e a

variável dependente é a taxa de suicídio que obviamente tem de ser me-

diada por uma série de outras variáveis dependentes que só podem ser

estados mentais. São estes estados subjectivos, ligados a condições so-

ciais dadas (variáveis independentes) que impelem os indivíduos ao sui-

cídio.

E esta é uma das grandes críticas e limitações da obra de Durkheim. Es-

te autor empenhado em conseguir autonomizar a Sociologia não deu a

atenção devida à consciência individual e aos processos mentais através

dos quais as representações colectivas da sociedade são traduzidas em

representações individuais que reflectem no fundo as relações humanas

Page 41: Resumos Sociologia - Émile Durkheim

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com a sociedade. A sua demasiada atenção na parte societal do seu es-

quema analítico, a sua concentração excessiva no impacto das condi-

ções sociais nos indivíduos em vez da observação da forma como os in-

divíduos interpretam, percepcionam e respondem a essas condições so-

ciais impediu-o o de examinar os pressupostos socio-psicológicos em

que se baseia grande parte da sua obra.

CATEGORIAS MENTAIS

Basicamente Durkheim argumenta sempre que a forma que a sociedade

toma afecta a forma dos padrões de pensamento. Isto leva-o a enfatizar

os fenómenos de grande escala e a desprezar a forma como o funcio-

namento das categorias mentais molda as estruturas da sociedade. Esta

falha é muito bem sintetizada na seguinte crítica de Lukes «explicar o

suicídio – e as taxas de suicídio – tem que implicar a explicação das ra-

zões que levam uma pessoa a cometer suicídio», em que este autor pre-

tende dizer que a explicação não pode parar na corrente social que ex-

plica o surgimento de uma taxa de suicídio maior.

Mas Durkheim nunca foi capaz de perceber que a exploração da consci-

ência podia ser feita cientificamente fora do campo da Psicologia e sem

que a Sociologia desta ficasse prisioneira e que além diso era uma con-

dição da ultrapassagem de uma teoria parcial da vida social.

Ainda decorrendo desta incapacidade de Durkheim, este autor foi inca-

paz de dar à consciência um papel activo no processo social. No seu sis-

tema as pessoas são sempre controladas pelas forças sociais e não o

contrário.

Para Durkheim os indivíduos apenas são capazes de se controlar através

da interiorização de normais morais comuns. A autonomia individual é

apenas uma aceitação de normas morais de autonomia.