resumo ditadura e serviço sociall, j.p. netto
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A Autocracia Burguesa e o “Mundo da Cultura”1.1A significação do golpe de abrilPara os analistas da ditadura brasileira sua emergência se deu num contexto que transcendia largamente as fronteiras do país, era somente o sintoma de um processo de fundo: uma alteração na divisão internacional capitalista do trabalho, os centros imperialistas, sob hegemonismo norte-americano, patrocinaram nos anos sessenta, uma contrarrevolução preventiva onde se desenvolvia amplos movimentos de libertação nacTRANSCRIPT
A Autocracia Burguesa e o “Mundo da Cultura”
1.1 A significação do golpe de abril
Para os analistas da ditadura brasileira sua emergência se deu num contexto que
transcendia largamente as fronteiras do país, era somente o sintoma de um processo de fundo:
uma alteração na divisão internacional capitalista do trabalho, os centros imperialistas, sob
hegemonismo norte-americano, patrocinaram nos anos sessenta, uma contrarrevolução
preventiva onde se desenvolvia amplos movimentos de libertação nacional e social. A
finalidade da contrarrevolução preventiva era tríplice: Adequar os padrões de
desenvolvimento nacionais e de grupo de países ao novo quadro do inter-relacionamento
econômico capitalista; golpear e imobilizar os protagonistas sócio-políticos habilitados a
resistir a esta reinserção no sistema capitalista; e, enfim, dinamizar as tendências que podiam
ser catalisadas contra a revolução e o socialismo.
Os resultados gerais da contrarrevolução preventiva são mais nítidos na segunda
metade da década de sessenta: um padrão de desenvolvimento econômico mais dependente ao
sistema capitalista; a articulação estruturas políticas garantidoras da exclusão de protagonistas
comprometidos com projetos nacional-populares e democráticos; e um discurso oficial
comunista. A significação do golpe de abril deve ser buscada também na particularidade
histórica brasileira, as linhas de força que mais contribuíram para perfilar esta particularidade
são conhecidas: a construção de um arcabouço de atividades econômicas básicas internas cujo
eixo gravitacional era o mercado externo e a ausência de ruptura com o estatuto colonial; as
circunstâncias próprias dadas pelo imperialismo de uma estrutura de classes em que a
burguesia não restava fundamento político-econômico objetivo para promover quer a evicção
do monopólio oligárquico da terra, quer para realizar tarefas nacionais associada com os
centros externos; o caráter do desenvolvimento capitalista no país derivando numa
experiência industrializante tardia. A confluência destas linhas de força acabou configurando
uma particularidade histórica salientada em três ordens de fenômenos, distintos, porém
conectados.
Em primeiro lugar, um traço econômico-social de implicações, o desenvolvimento
capitalista não se operou contra o “atraso”, mas mediante a sua contínua reposição em
patamares mais complexos, funcionais e integrados. Em segundo lugar, uma recorrente
exclusão das forças populares dos processos de decisão política. Em terceiro lugar o
específico desempenho do estado trata-se da sua particular relação com as agências da
sociedade civil. O que é pertinente no caso do Brasil é um Estado que historicamente serviu
de instrumento contra a emersão, na sociedade civil, de agências portadoras de vontades
coletivas e projetos societários alternativos.
Estas linhas de força adquirem uma dinâmica crítica na entrada dos anos sessenta, a
industrialização restringida cede o lugar à industrialização pesada, implicando um novo
padrão de acumulação, o modelo de desenvolvimento emergente supunha um crescimento
acelerado de capacidade produtiva do setor de bens de produção e do setor de bens duráveis
de consumo, esta expansão acarretava uma desaceleração do crescimento, pois provocaria um
corte no investimento privado. Esses fatos provocaria uma redefinição do esquema de
acumulação buscando fontes alternativas de financiamento, logo a iminência de uma crise.
Esse quadro, com efeito, amadurecerá nos anos de implementação do plano de metas
em 1956. Após o fracasso da intentona golpista que cercou a renúncia de Quadros (agosto de
1961) as forças mais expressivas do campo democrático ganharam uma nova dinâmica. Com
Goulart à cabeça do executivo, permeado de protagonistas políticos, as forças democráticas
vinculadas, mormente ás classes subalternas mobilizaram-se. O campo democrático e popular
articulava uma importante ação unitária no terreno sindical, e colocava em questão: o
capitalismo sem reformas e a exclusão das massas dos níveis de decisão. A emersão de
camadas trabalhadoras, urbanas e rurais, no cenário político e sensibilizando parcelas da
Igreja Católica e das Forças Armadas, era um fato novo na vida do país.
Nas condições brasileiras de então, as requisições contra a exploração imperialista e
latifundista, acrescidas das reivindicações de participação cívico-política, apontavam para
uma ampla reestruturação do padrão do desenvolvimento econômico e uma democratização
da sociedade e do Estado. As lutas sociais, um novo bloco de forças político-sociais poderia
engendrar-se e soldar-se, assumindo e redimensionando o Estado na construção de uma nova
hegemonia e na execução de políticas democráticas e populares nos planos econômico e
social. A consequência poderia ser a reversão completa daquela particularidade da formação
social brasileira; resultando numa perspectiva de revolução social.
Durante o governo de Goulart, a sociedade brasileira se defrontava com um
tensionamento crescente. No curso de 1963, as divisórias se mostravam cristalinamente: ou o
capital nacional (privado) concertava com o Estado um esquema de acumulação que lhe
permitisse tocar a industrialização pesada, ou se impunha articular outro arranjo político-
econômico que privilegiaria ainda mais os interesses imperialistas. O desfecho de abril foi à
solução política que a força impôs: a força bateu o campo da democracia, estabelecendo um
pacto contrarrevolucionário que expressou a derrota das forças democráticas, nacionais e
populares. O que os estrategistas nativos ou não de 1964 obtiveram foi à postergação de uma
inflexão que poderia romper com a heteronomia econômica do país e com exclusão política
da massa do povo. O movimento cívico-militar de abril foi reacionário resgatou precisamente
as piores tradições da sociedade brasileira.
1.2 A autocracia burguesa: o “modelo” dos monopólios
Os dilemas brasileiros no período 1961-1964 podem ser sintetizados na
constatação de uma crise da forma de dominação burguesa, gestada pela contradição entre
as demandas derivadas da dinâmica do desenvolvimento na industrialização pesada e a
modalidade de intervenção, articulação e representação das classes e camadas sociais no
sistema do poder político. As camadas burguesas mais dinâmicas abriam-se duas
alternativas: um rearranjo para assegurar a continuidade daquele desenvolvimento se
associando ao imperialismo ou um novo pacto com o capital norte-americano. No
primeiro caso a reafirmação hegemônica da burguesia haveria de concorrer com projetos
alternativos de direção da sociedade. No segundo, estava dada a evicção, a curto prazo, do
problema da hegemonia, com a hipertrofia do conteúdo coativo da dominação. Os setores
burgueses resolveram os seus dilemas se deslocando para o campo da antidemocracia.
Este deslocamento como ocorreu em abril de 1964, implicou um movimento
simultaneamente de continuidade e ruptura. O estado que se estruturava depois do golpe
de abril expressa a manutenção e a continuidade daquele padrão, aprofundadas a
heteronomia e a exclusão que concretiza o pacto contrarrevolucionário para assegurar o
esquema de acumulação, mas, readequado, o esquema é definido em proveito do grande
capital, fundamentalmente dos monopólios imperialistas a fim de assegurar aa reprodução
do desenvolvimento dependente e associado, assumindo o papel de repassador de renda
para os monopólios e mediando os conflitos setoriais e intersetoriais em beneficio
estratégico das corporações transnacionais.
Trata-se de uma funcionalidade econômica e política que depois do golpe de abril
determinava suas bases sociais de apoio e de recusa, nas condições de promover a
heteronomia e levar a diante a exclusão política. As massas populares tinham que ser
excluídas do jogo do poder.
O pacto contrarrevolucionário refrata-se na divisão do poder concentrado nas
mãos de uma burocracia civil e militar que serve aos interesses dos monopólios
imperialistas e nativos, integrando o latifúndio e deslocando a camada da burguesia
industrial que condensava a burguesia nacional. Ao Estado pós-64 cabia racionalizar a
economia e induzir a produção e a acumulação, está projeção histórico-societária
caracteriza a modernização conservadora que amarrou toda a ordenação da economia
brasileira. Esta projeção segundo aquela articulação econômico-política responde pela
construção ditatorial do “modelo econômico”, as linhas-mestras deste “modelo”
concretizam a modernização conservadora conduzida no interesse do monopólio fora de
qualquer controle democrático ou parlamentar.
Elas instauraram o perfil e a estrutura econômico-social do Brasil legados pela
ditadura: uma concentração de propriedade e renda; um padrão de industrialização
direcionado para o exterior; a acentuação vigorosa da concentração geopolítica das
riquezas sociais, aprofundando desigualdades regionais. Montou uma estrutura estatal-
burocrática e administrativa parametrada pelas exigências do “modelo”, mas enformada
em escala ponderável por um referencial político-ideológico específico matrizado na
doutrina de segurança nacional.
Nas condições brasileiras de então, a supressão da democracia política haveria de
responder, por uma parte, à necessidade de reverter o processo de democratização que
estava em curso antes de 1964 e, por outra, às exigências de adequar ou criar as instâncias
estatais e os dispositivos institucionais. O Estado ditatorial e o regime político haveriam
de se constituir num processo dinâmico e contraditório pelas formas de oposição e
resistência que encontrariam na afirmação do novo bloco dominante e suas políticas e,
também, dos obstáculos legal-institucionais legados pela ordem política anterior a abril e
das novas colisões derivadas das suas iniciativas econômicas e sociais.
Enquanto o projeto da modernização conservadora vai se corporificando o grande
capital perde a legitimação política, isola-se e resta-lhe o caminho da coação direta e cada
vez mais abrangente. É então que a resistência democrática cresce, se alarga e se
aprofunda, levando o regime à defensiva, no limite, a negociar as vias de transição e
outras formas de dominação.
1.3 O processo de autocracia burguesa
O governo Figueiredo demarcou a incapacidade da ditadura se reproduzir em
face do acúmulo de forças de resistência democrática e da ampla vitalização do
movimento popular devido ao reingresso da classe operária urbana na cena política. É no
governo de Figueiredo que o projeto de autorreforma do regime ditatorial fracassa devido
ao confronto entre a estratégia aberturista do regime e as aspirações e tendências à
democracia que impede o regime ditar suas regras.
A autocracia burguesa evoluiu diferencialmente em três momentos: o primeiro
que vai de abril de 1964 a dezembro de 1968 cobrindo o governo Castelo Branco e parte
do governo Costa e Silva é marcado pela busca de uma base social de apoio que
sustentasse as iniciativas da ditadura. A aliança vencedora não feriu o andamento formal
da vida legislativa e se comprometeu com o calendário eleitoral, mas seus esforços não
foram suficientes para impedir uma erosão na unidade dos parceiros do pacto
contrarrevolucionário e as forças antiditatoriais buscaram mecanismos de rearticulação. O
dinamismo essencial da erosão radicava em que a orientação econômico-financeira do
novo governo colidia com a composição incomum do pacto contrarrevolucionário: as
medidas racionalizadoras, quer em face da desaceleração do crescimento quer em face de
suas prospecções para o modelo econômico, rachavam a unidade conseguida as vésperas
de abril, aqui, a implementação do Plano de Ação Econômica do Governo é canônica. No
campo dos trabalhadores a liquidação da estabilidade no emprego e uma política salarial
depressiva só faziam distanciar o governo e a massa trabalhadora. As dificuldades do
primeiro governo dos golpistas são grandes em todas as frentes, o primeiro deles é o
sistema político institucional onde o arcabouço herdado do período pré-64 impunha-lhes
um ritmo lento, negativo a afirmação à nova ordem. O segundo se refere à coesão da
força tutelar do novo poder, a corporação armada, onde começou a emergir partidos,
dificultando para o primeiro titular golpista da presidência, o controle na escolha do ser
sucessor que herdaria de Castelo Branco toda acumulação de estrangulamentos políticos e
sociais. Com o descontentamento popular, a oposição saiu da defensiva e, mesmo privada
de instrumentos de poder, começou a romper o cerco com que os mecanismos do arbítrio
procuraram insulá-las, é o tempo da Frente Ampla, sinal de ruptura com o pacto
contrarrevolucionário. A aceleração do processo político se deu pelo movimento operário
e sindical e o movimento estudantil representada pela pequena burguesia urbana que
assumiu a frente da contestação à nova ordem. A oposição conquistava as ruas, provando
mudanças no campo do governo e na oposição.
O segundo momento vai de dezembro de 1968 a 1974 que envolve o fim do
governo Costa e Silva, o breve espetáculo da junta Militar e todo governo Médici. Neste
período o nó de impasses é rompido com o Ato Institucional nº 5 (AI-5): abre-se o
genuíno momento da autocracia burguesa. O que foi até agora uma ditadura reacionária,
converte-se num regime político de nítidas características fascistas. A requisição da
legitimação é deslocada do plano de representação de interesse sociais para a eficácia do
regime e do governo na promoção do desenvolvimento econômico: é o tempo do
crescimento acelerado, batizado como “milagre brasileiro”. Deste momento do ciclo
autocrático burguês há dois fenômenos que se deve conter. De uma parte a construção do
Estado a serviço dos monopólios que obstaculizavam ou reduziam a velocidade da
modernização conservadora; tanto o crescimento quantitativo de aparatos funcionais ao
modelo econômico, quanto uma alteração qualitativa no seu rebatimento na ordem
estritamente econômica que certificou um poder de definição macroscópica de políticas
sociais abrangentes. De outra parte a sistemática do terrorismo de Estado conduziu as
forças democráticas a uma residual política de resistência. Em 1973 o “milagre” começa a
se esgotar, é na crise que se inscrevem as determinações que pela ação da resistência
democrática e pela ação do movimento popular, resulta na crise do regime autocrático
burguês. O processo eleitoral adquiriu um caráter plebiscitário em relação ao regime, a
massa do povo que tem acesso ao voto converte-o em instrumento eficaz de mobilização e
luta.
O terceiro momento da evolução da autocracia burguesa é no período Geisel
(1974 -1979). O ultimo momento da ditadura foi centralizado pelo aprofundamento da
crise do milagre e por uma estratégia expressa por Geisel denominada “processo de
distensão” que constituirá o projeto de autorreforma, visando à recomposição de um bloco
sociopolítico para assegurar a institucionalização duradoura do sistema de relações
econômico-sociais e políticas a serviço dos monopólios. Na execução dessa estratégia, o
Estado ditatorial precisava operar diretamente, por um lado, necessitava enquadrar
rigidamente todo o vasto aparelho policial-militar repressivo, pois era indispensável
suspender a autonomia das facções do partido militar, subordiná-lo a um comando único e
inquestionável. Por outro lado era necessário aniquilar todas as forças político-
organizativas. Existia, porém, a requisição de uma intervenção indireta. Teria que
conquistar o projeto de autorreforma segmentos ponderáveis da sociedade contando ou
não com a mediação das representações políticas. Neste plano o projeto de autorreforma
encontrou os maiores obstáculos: de uma parte os segmentos visados se reconheciam nas
representações políticas sancionadas pelo o Estado, de outra o ritmo que se aprofundava a
crise econômica promovia realinhamentos políticos de importância potenciados por um
fato novo: a reinserção da classe operária a partir das greves do ABC paulista, na cena
politica. A implicação foi substantiva: a reemergência do proletariado urbano como ator
demandante independente que feria a legalidade posta pelo Estado, deflagrou numa
radicalização na oposição democrática que se aproximou a classe operária.
Concorrentemente, o movimento democrático extravasa os seus espaços de origem e
permeia amplamente algumas das agencias da sociedade civil que, ganham uma
funcionalidade e uma ressonância inédita. Eis por que, em seu ultimo momento evolutivo,
a autocracia burguesa é obrigada a combinar concessões e gestos tendentes à negociação
com medidas repressivas. E nenhuma das duas modalidades conduziu o seu projeto de
autorreforma ao êxito.
Entretanto há dois componentes fundamentais que percorrem o processo global
da ditadura. O primeiro dez respeito ao vetor que coesiona a tutela militar na conformação
do Estado ditatorial. O referencial político-ideológico da doutrina de segurança nacional
foi o parâmetro ideal recorrente, presidiu toda a movimentação operada em torno e a partir
do Estado. Num primeiro instante do processo, foi ela que orientou estrategicamente a
conquista do Estado; em seguida conformou um novo Estado e dirigi-o. A doutrina se
inscreve na lógica imanente do Estado criado pela, para e na autocracia burguesa. Este
Estado é incompatível com um processo substantivo de democratização. O segundo
componente é que, no campo da oposição democrática a hegemonia nunca escapou das
mãos de correntes burguesas. A crise da ditadura, alongando-se por mais de uma década,
configura um processo de transição, que parece singular e atípico: deu lugar a uma
situação política democrática, que vem se aprofundando mais com um aparato estatal
direcionado para um sentido incompatível com a sua manutenção, ampliação e
consolidação. Uma clara defasagem entre o Estado e o regime político.
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Referência: NETTO, J. P. Ditadura e Serviço Social: uma análise do Serviço Social no Brasil
pós-64 – 16. ed. - São Paulo: Cortez, 2011.