responsabilidade civil do estado - conexão … · nexo causal. a responsabilidade civil do estado...
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RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO
RESPONSABILIDADE CIVIL “LATO SENSU”
Responsabilidade Civil é o dever jurídico derivado
ou secundário de ressarcir ou reparar dano causado pela conduta
culposa do agente a outrem.
Há uma diferença entre a responsabilidade civil e a
responsabilidade penal.
1ª NOTA IMPORTANTE: DISTINÇÃO ENTRE RESPONSABILIDADE CIVIL E
PENAL
É possível de ser questionada em prova a distinção
ontológica1 entre o tipo de responsabilidade dito civil de outro tipo
de responsabilidade tido como penal.
Para responder a questão deve-se atentar que,
ontologicamente, não há qualquer distinção entre os termos, pois
ambos decorrem de ato ilícito.
A distinção que existe entre a responsabilidade
civil e a responsabilidade penal está na graduação da lesão ao bem
jurídico tutelado. Quando a hipótese for de responsabilidade penal a
lesão é mais grave, por isso que a responsabilidade penal enseja uma
sanção preventiva ou repressiva. A lesão na responsabilidade civil
é menos grave, por isso que a sanção, nessa hipótese, não é
preventiva ou repressiva, mas sim reparatória ou ressarcitória2.
2a NOTA IMPORTANTE: DISTINÇÃO ENTRE OBRIGAÇÃO E
RESPONSABILIDADE
1 Parte da filosofia que trata do ser enquanto ser, i. e., do ser concebido como tendo uma natureza comum que é inerente a todos e a cada um dos seres 2Há distinção técnica entre ressarcir, reparar e indenizar
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OBRIGAÇÃO é o dever jurídico originário ou
primário. É a conduta que a ordem jurídica impõe em primeiro plano,
por isso que existe a obrigação em nível jurídico primário ou
originário que, uma vez violada, dá ensejo a um dever jurídico
derivado ou secundário, que é a RESPONSABILIDADE.
Obrigação é originária ou primária, enquanto
responsabilidade é derivada ou secundária porque decorre da violação
da obrigação. Quando houver uma obrigação violada, seja ela
contratual ou não, isso dará ensejo a uma espécie qualquer de
responsabilidade3.
3a NOTA IMPORTANTE: DISTINÇÃO ENTRE RESSARCIMENTO, REPARAÇÃO E
INDENIZAÇÃO
Segundo JESSÉ TORRES, o conceito de ressarcimento
ou reparação é distinto do conceito de indenização. Ressarcimento e
reparação decorrem de atos ilícitos e são dirigidos a um dano.
Assim, se houver ato ilícito, este gerará um dano que ensejará o
ressarcimento ou a reparação.
A distinção entre ressarcimento e reparação é que o
primeiro é utilizado para dano material, enquanto a reparação é para
dano moral.
Assim, ATO ILÍCITO gera DANO e conseqüentemente
REPARAÇÃO (dano moral) ou RESSARCIMENTO (dano material).
Se a hipótese for de ato lícito, este não gera
dano, mas sim prejuízo, que é indenizado. Portanto, só se pode
falar em indenização quando a hipótese for de ATO LÍCITO, que gerará
PERDA, PREJUÍZO, o que dará ensejo à INDENIZAÇÃO.
Exemplos: Um carro bate no outro causando
danos. A hipótese será de ato ilícito, culposo
que gera danos materiais e enseja o
3 No direito civil há hipóteses de obrigações em que não há responsabilidade – dívida de jogo.
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ressarcimento. Essa hipótese diverge da de
imóvel desapropriado por ente público, a
hipótese será de ato lícito, que gera prejuízo
e dá ensejo à indenização.
É isso que distingue a responsabilidade civil do
Estado da intervenção do Estado na propriedade. A responsabilidade
civil decorre de um ato ilícito, que ensejará o ressarcimento do
dano. De outro lado, a intervenção do Estado na propriedade decorre
de um ato lícito, daí porque, nessa hipótese, será caso de
indenização do prejuízo.
Pressupostos da Responsabilidade Civil “Lato Sensu”
Há um pressuposto de índole objetiva, que é o dano.
Há um pressuposto de índole subjetiva, que é o agente. E também há
pressuposto de índole causal, que é o nexo de causalidade.
* Pressuposto Objetivo: Dano
RESPONSABILIDADE CIVIL * Pressuposto Subjetivo: Conduta do Agente
* Pressuposto Causal: nexo de causalidade
Assim, só se estabelece a responsabilidade civil a
partir do momento em que há uma conduta do agente, que pode ser
culposa ou dolosa, omissiva ou comissiva, com a ocorrência de dano,
que pode ser de qualquer origem – material ou moral – havendo
ligação entre uma coisa e outra – nexo de causalidade entre a
conduta e o dano.
Qualquer responsabilidade civil, de qualquer
espécie, inclusive a objetiva, pressupõe a conduta culposa ou dolosa
do agente. O que pode ser dispensada, na responsabilidade objetiva
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é a prova da culpa, mas é imprescindível que haja uma conduta e que
ela gere um dano.
Espécies de Responsabilidade Civil
A responsabilidade civil subdivide-se, basicamente,
em duas espécies: extracontratual, também chamada de aquiliana, e
responsabilidade civil contratual, conforme a fonte dela seja a lei
ou o contrato.
Se a fonte da responsabilidade for a lei, ela será
extracontratual ou aquiliana. Se a fonte da responsabilidade for o
contrato, ela será contratual.
* Extracontratual ou aquiliana – a fonte é a lei
RESPONSABILIDADE CIVIL
Contratual – a fonte é o contrato
A responsabilidade extracontratual pode ser
objetiva ou subjetiva, conforme haja ou não necessidade da prova da
culpa ou dolo. Se a prova da culpa ou do dolo for imprescindível, a
responsabilidade será subjetiva. De outro lado, se a prova for
dispensável, a responsabilidade será objetiva.
A base da responsabilidade extracontratual está no
art. 159 do Código Civil em Vigor.
Art . 159 do C C V . Aque l e que , po r a ção o u om i s s ão
v o l un tá r i a , neg l i g ênc i a , o u im p ru dênc i a v i o l a r d i r e i t o , o u
caus a r p re j u í z o a o u t r em , f i c a o b r i g ado a repa ra r o dano .
A responsabilidade contratual é subdividida em
obrigação de fazer e obrigação de dar, conforme for o objeto do
contrato. Seu fundamento básico está no artigo 1056 do Código
Civil.
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Art . 1056 do C C V . N ão cum p r i ndo a o b r i g a ção o u
de i x ando de cum p r i - l a pe l o m odo e no t em po dev i do s ,
r e s ponde o devedo r po r pe rda s e dano s .
O contrato pode ser com ou sem instrumento. O
transporte pela van, por exemplo, é um contrato de transporte sem
instrumento físico.
RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO
A responsabilidade civil do estado pode ser
conceituada da seguinte forma: Dever jurídico secundário ou derivado
imposto às pessoas jurídicas de direito público e pessoas jurídicas
de direito privado prestadoras de serviços públicos de ressarcir ou
reparar os danos que os agentes públicos, no exercício de suas
funções, ou a pretexto de exercê-las houverem causado a terceiros.
1ª NOTA IMPORTANTE: MELHOR DENOMINAÇÃO
Há autores que se referem à Responsabilidade Civil
do Estado (Celso Antônio Bandeira de Mello), outros mencionam
Responsabilidade Civil da Administração Pública (Hely Lopes
Meirelles) e, ainda há outros que se referem à Responsabilidade
Civil do Poder Público (Alexandre de Moraes).
A denominação Responsabilidade Civil da
Administração Pública não é a mais adequada porque nem sempre o dano
decorre de um ato da Administração Pública em estrito senso, pois é
possível a responsabilidade civil por ato jurisdicional, por ato
legislativo.
Também a denominação Responsabilidade Civil do
Poder Público é equivocada porque nem sempre os atos que dão ensejo
à responsabilidade civil são atos de império, ou seja, são atos
decorrentes da prática de um poder público pelo Estado. O Estado
pode praticar atos de gestão, que são atos praticados pelo Estado
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sem estar na condição de poder público e esses atos podem causar
danos que deverão ser ressarcidos pelo Estado.
A expressão mais adequada é a Responsabilidade
Civil do Estado porque é ampla, não gerando dúvidas.
2ª NOTA IMPORTANTE: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
A responsabilidade civil do Estado sempre será
extracontratual. Não existe responsabilidade civil contratual do
Estado. A responsabilidade do Estado ou será objetiva ou será
subjetiva.
A violação de normas de contratos administrativos
não dá ensejo à responsabilidade civil do Estado, pois é caso de
INADIMPLEMENTO DO CONTRATO ADMINISTRATIVO PELO ESTADO, sujeito às
regras pertinentes.
A única fonte de responsabilidade civil do Estado é
a Constituição.
A responsabilidade civil do Estado é sempre
extracontratual, sendo, em regra, OBJETIVA e, excepcionalmente
SUBJETIVA.
3ª NOTA IMPORTANTE: ART. 37, §6º, DA CR’88
O art. 37, §6º fundamenta a responsabilidade civil
do Estado.
Art . 37 , §6º (CR ’88 ) . A s pe s s o a s j u r í d i ca s de d i r e i t o
púb l i co e a s de d i r e i t o p r i v ado p re s t ad o re s de s e r v i ço s
púb l i co s r e s pond e rão pe l o s dano s que s e u s agen te s , ne s s a
qua l i d ade , caus a rem a t e r ce i r o s , / a s s egu rado o d i r e i t o de
r eg re s s o con t r a o r e s pons áve l no s ca s o s de do l o o u cu l pa .
Deve ser separada a primeira parte do dispositivo,
que vai de seu início até a expressão “terceiros”, da segunda parte
do artigo, que se inicia na expressão “assegurado” até culpa.
A parte inicial versa sobre a RESPONSABILIDADE
CIVIL DO ESTADO. A parte final já não versa sobre a
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responsabilidade civil do estado, mas sim da RESPONSABILIDADE CIVIL
DO AGENTE PÚBLICO que causou o dano e que poderá ser eventualmente
responsabilizado individualmente por ação regressiva. A pessoa
jurídica pode ressarcir-se contra a pessoa física que causou o dano.
Na parte inicial do dispositivo não há referência à
culpa, por isso é, em regra, objetiva. Na parte final, há expressa
menção à culpa, por isso tem natureza subjetiva.
Teorias sobre a Responsabilidade Civil do Estado
Historicamente, são 05 as teorias sobre a
responsabilidade civil do Estado:
1) Teoria da Irresponsabilidade Civil do Estado – por essa
teoria, o Estado nunca responderia pelos danos causados a
terceiros por seus agentes. Essa teoria era fundamentada na
intangibilidade da soberania, ou seja, a soberania do Estado
era intangível, o que fazia com que o Estado nunca fosse
responsabilizado por qualquer dano causado a terceiro por seus
agentes. Essa teoria já foi superada há muito tempo em razão
da Teoria da Imputação, também chamada Teoria do Órgão,
segundo a qual os atos que os agentes públicos praticam são
atos do Estado e não do agente. O agente não é o
representante do Estado, mas sim seu presentante.
2) Teoria da Responsabilidade Subjetiva por Culpa do Agente e 3)
Teoria da Responsabilidade Subjetiva por Culpa do Serviço –
As teorias subjetivas exigem a prova da culpa ou dolo para a
responsabilização do Estado. A diferença entre culpa do
agente e culpa do serviço reside no fato de que na primeira
(culpa do agente) é imprescindível que o agente causador do
dano seja individualizado. O Estado responderia pelos danos
causados pelo agente desde que este fosse certo, determinado.
O fato gerador dessa responsabilidade é a falta do agente, ou
seja, a culpa do agente. Na hipótese de culpa do serviço, o
Estado será responsável mesmo que não individualizado o
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agente, mas é obrigatória a prova da falta do serviço. Falta
do serviço é gênero que compreende três espécies: inexistência
do serviço; retardamento do serviço; mau funcionamento do
serviço.
4) Teoria da Responsabilidade Objetiva por Risco Administrativo –
as teorias objetivas não exigem a prova do dolo ou culpa.
Quando a hipótese for de risco administrativo, o nexo causal
pode ser excluído por fato exclusivo da vítima; fato exclusivo
de terceiro; ou caso fortuito e força maior. Não se exige que
se prove a culpa ou o dolo do agente público, mas o Estado
poderá deixar de responder se o nexo causal tiver sido excluído
nessas hipóteses.
5) Teoria da Responsabilidade Objetiva por Risco Integral – por
essa teoria, o Estado responde em qualquer caso, mesmo que
tenha havido fato exclusivo da vítima, fato exclusivo de
terceiro, caso fortuito ou força maior. Não há exclusão do
nexo causal.
A responsabilidade civil do Estado evoluiu desde a
irresponsabilidade até o risco integral. Pela teoria da
irresponsabilidade, o Estado nunca respondia porque se entendia que
a soberania era intangível. Essa teoria foi superada pelo
reconhecimento de que os atos praticados pelos agentes públicos são,
na verdade, atos do Estado, evoluindo-se, assim, para as teorias
subjetivas que exigiam a prova da ocorrência do dolo ou culpa.
Quando a hipótese fosse de culpa do agente, era imprescindível a
individualização do agente. Sendo a hipótese de culpa do serviço,
necessária se fazia a prova da falta do serviço, ou seja, que o
serviço não existia, foi prestado com retardo ou que não funcionou
adequadamente.
Porque a prova da culpa, às vezes, era muito
difícil, evoluiu-se para as Teorias Objetivas, que prescindem da
prova do dolo da culpa. Distinguiu-se o risco administrativo do
risco integral, conforme a possibilidade ou não de exclusão do nexo
causal. Se o nexo causal pode ser excluído por fato exclusivo da
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vítima, fato exclusivo de terceiro, caso fortuito ou força maior, a
hipótese é de risco administrativo. Se não há possibilidade de
exclusão do nexo causal, a hipótese será de risco integral.
É importante saber quais as teorias seguidas no
Brasil. No Brasil, a melhor corrente é a do Prof. Celso Antônio
Bandeira de Mello e do Prof. Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, que
distinguem as hipóteses de conduta omissiva e conduta comissiva.
Para eles, se a hipótese for de conduta comissiva,
que é a maioria dos casos, o Brasil acolhe, pelo art. 37, §6º, da
CR’88 a RESPONSABILIDADE OBJETIVA POR RISCO ADMINISTRATIVO.
Em regra, quando o dano decorre de uma ação e não
de uma omissão, a hipótese é de responsabilidade objetiva por risco
administrativo, não sendo necessária a prova do dolo ou culpa, mas o
Estado pode se eximir se comprovar que o dano decorreu de fato
exclusivo da vítima, de fato de terceiro ou de caso fortuito e força
maior.
Se a hipótese for de omissão (ex. surfista de
trem), o Estado responde com base na Teoria Subjetiva da Falta de
Serviço, devendo ficar comprovado que o dano decorreu da
inexistência do serviço, de seu mau funcionamento ou de seu retardo.
O Estado só responderá se ficar provada a falta do serviço, com base
no art. 159 do Código Civil.
Atualmente, no Brasil prevalece o entendimento de
que a responsabilidade objetiva por risco integral não é mais
admitida porque viola alguns princípios constitucionais como o da
ampla defesa e o do contraditório.
OBSERVAÇÃO: Verificar dano ambiental e dano nuclear – casos de
responsabilidade tarifada.
Na hipótese de omissão, há uma parcela da doutrina,
representada pelos Profs.Guilherme Couto e Castro e Sergio
Cavalieiri que defendem que, no caso de omissão específica, deve o
Estado ser responsabilizado objetivamente.
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Esses autores estabelecem uma distinção entre a
omissão genérica e omissão específica. Se o dano decorrer de uma
omissão do dever imediato de agir do Estado, será hipótese de
omissão específica e a responsabilidade do Estado será objetiva (ex.
dever de guarda das crianças em escolas públicas).
Contudo, se a omissão decorrer de um dever de agir
genérico do Estado, ela será genérica e a responsabilidade será
subjetiva (ex. sinalização das estradas).
Citação do livro de Sérgio Cavalieri (Programa
de Responsabilidade Civil, pág. 169): “Quando o
dano resulta da omissão específica do Estado,
ou, em outras palavras, quando a inércia
administrativa é a causa direta e imediata do
não impedimento do evento, o Estado responde
objetivamente, como nos casos de morte de
detento em penitenciária e acidente com aluno
de colégio público durante o período de aula”.4
Alguns autores ainda defendem que nas hipóteses de
danos causados por estrada de ferro, a responsabilidade é por risco
integral, contudo, tal tipo de responsabilidade fere o princípio da
ampla defesa e do contraditório.
Ação de Ressarcimento ou de Reparação
A reparação ou ressarcimento pode ocorrer na via
administrativa como também pela via judicial.
Quanto à via judicial, há três questões importantes
sobre o tema:
Que é o legitimado passivo da ação, o Estado e/ou o agente
público – se é possível o litisconsórcio passivo entre Estado e
agente;
4 Sergio Cavalieri Filho – Programa de Responsabilidade Civil
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Se é possível a denunciação da lide do agente público pelo
Estado;
Se há prazo prescricional para a propositura da ação.
Legitimidade Passiva
Há duas correntes sobre o tema.
Hely Lopes Meirelles defende que a ação de
reparação ou ressarcimento somente pode ser proposta em face do
Estado porque os tipos das responsabilidades são distintos. O
Estado será acionado por responsabilidade objetiva e o agente pela
subjetiva.
Oswaldo Aranha Bandeira de Mello e Celso Antônio
Bandeira de Mello entendem que pode haver litisconsórcio passivo
facultativo, podendo a ação ser proposta em face do Estado e do
agente, sob o argumento de que apesar de os tipos de
responsabilidade serem diferentes, tal não impede a formação do
litisconsórcio, mas deve o autor demonstrar a culpa, o que não
precisaria fazer se a ação fosse proposta só em face do Estado.
No TJRJ prevalece a corrente de que a ação só pode
ser proposta em face do Estado, não sendo admitido o litisconsórcio
passivo facultativo.
Denunciação da Lide
Também há duas correntes sobre o tema.
Maria Sylvia Di Pietro, Diógenes Gasparini e Yussef
Said Cahali sustentam ser obrigatória a denunciação da lide do
agente pelo Estado por força do disposto no art. 70, III, do CPC.
Art . 70 , I I I (C PC ) . A denunc i a ção da l i d e é o b r i g a tó r i a :
. . . . .
I I I – à que l e que e s t i v e r o b r i g ado , pe l a l e i o u pe l o con t r a to ,
a i nden i z a r , em a çã o r eg re s s i v a , o p re j u í z o do que pe rde r a
dem anda .
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Celso Antônio Bandeira de Mello, Lucia Valle
Figueiredo e José dos Santos Carvalho Filho defendem que não pode
ser admitida a denunciação da lide do agente pelo Estado, sendo
inaplicável o artigo 70, III, do CPC porque não deve haver uma
confusão de títulos da responsabilidade civil (objetiva e
subjetiva).
No TJRJ é pacífico de que não cabe a denunciação da
lide do agente pelo Estado nas ações de ressarcimento e reparação.
Há, ainda, um grupo de autores que entendem que a
hipótese não é de denunciação da lide e sim chamamento do terceiro
ao processo (Alexandre Câmara), havendo solidariedade entre o agente
e o Estado.
Prescrição
O prazo de prescrição depende do caso.
Se o responsável for pessoa jurídica de direito
público (União, Estados, Municípios e autarquias), o prazo é de 05
anos, com base no art. 178, VI, do Código Civil em Vigor e no Dec.
20.910/32.
Se o responsável for pessoa jurídica de direito
privado prestadora de serviço público (empresas públicas, sociedades
de economia mista, delegatárias), a prescrição é vintenária – 20
anos – art. 177 do Código Civil em Vigor.
REGIMES ESPECÍFICOS DE RESPONSABILIDADE CIVIL
Responsabilidade Civil do Estado por Atos Administrativos
Na hipótese em que a responsabilidade do Estado
decorre de ato administrativo, há três hipóteses fáticas que são
específicas, tendo regime próprio: (i) responsabilidade tarifada;
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(ii) responsabilidade em decorrência de obra pública; (iii)
responsabilidade pela guarda de coisas e pessoas.
Responsabilidade Tarifada
A responsabilidade tarifada ocorre sempre quando há
disposição legal que limita o ressarcimento ou reparação em caso de
sinistro, sendo inerente às atividades perigosas. Algumas leis
limitam o montante de ressarcimento ou reparação para as atividades
perigosas como, por exemplo, a energia nuclear (art.9º da lei
6453/77) e navegação área (Convenção de Varsóvia).
No que tange a eventuais desastres atômicos –
energia nuclear – o artigo 9º da Lei 6453/77 dispõe que danos
decorrentes de acidentes nucleares só podem ser ressarcidos até um
determinado valor, sendo caso, portanto, de responsabilidade
tarifada.
O único autor que trata dessa matéria – Paulo
Afonso L. Machado afirma - que esse artigo não foi recepcionado pelo
art. 37, §6º, da CR’88 que, de forma alguma, estabelece limites à
responsabilidade do Estado.
A segunda hipótese de responsabilidade tarifada no
Brasil diz respeito à navegação aérea. O Brasil ratificou a
Convenção de Varsóvia que limita a responsabilidade civil em
determinados casos, especialmente no que se refere ao extravio de
bagagem.
Atualmente, há três correntes sobre o tema.
Há uma primeira corrente que defende que a
limitação ainda existe, pois só poderia ser afastada se o Brasil
tivesse denunciado, formalmente, a Convenção. Uma segunda corrente
defende que a limitação foi revogada pelo artigo 6º, VI, do CDC, que
afirma que, em nenhuma hipótese, os danos ao consumidor podem ser
limitados. Por fim, uma terceira corrente, que é a corrente seguida
pelo STJ, defende que a limitação é aplicada aos danos materiais,
sendo ilimitada a reparação dos danos morais. Contudo, tanto o STJ
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quanto o TJRJ admitem que, em casos extremos, o ressarcimento dos
danos patrimoniais não seja limitado.
Responsabilidade Decorrente de Obra Pública
Segundo Cretella Jr., deve-se distinguir o dano
oriundo da obra pública do dano decorrente de culpa do empreiteiro.
Na hipótese de dano oriundo da obra, o dano decorre
da simples existência da obra pública. A existência da obra causa o
dano, independentemente de ser ela regular ou não (ex. obra que
prejudica o comércio – tapumes fechando a entrada da loja). Quando
for essa a situação, a responsabilidade do Estado é direta, devendo
a ação ser proposta somente em face do Estado.
Quanto o dano decorrer de culpa do empreiteiro,
ele, na realidade, está vinculado a uma irregularidade na execução
da obra e não da simples existência dela. Nesse caso, a
responsabilidade do Estado é subsidiária, somente respondendo se
constatada a insolvência do empreiteiro. A ação deve ser proposta
em face do empreiteiro, tão somente5.
Responsabilidade por Guarda de Pessoas e Coisas Perigosas
A responsabilidade do Estado, nesse caso, deve ser
verificada na medida da situação de risco por ele criada. O Estado
responde na medida da situação de risco por ele criada.
Um detento preso em Bangu foge da prisão e rouba
uma casa - a causa do dano não foi a fuga do bandido, mas sim o
roubo, entretanto, deve ser verificado se o Estado conferiu uma
condição para que tal fato ocorresse.
É por conta disso que o Estado só responde na
medida do risco por ele criado, ou seja, se no processo houver prova
de que o Estado deu condição para a ocorrência do dano, ele será
responsabilizado.
5 Sergio Cavalieri não concorda com essa tese, afirmando não haver motivos e nem fundamento jurídico para essa distinção. Segundo ele, “se a obra é do Estado e sempre deriva de um ato administrativo de quem ordena a sua execução, não faz sentido deixar de responsabiliza-lo simplesmente porque a mesma está sendo executada por um particular. ... Tenha-se em vista que o executor da obra é um agente do Estado e,
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Contudo, se não houver qualquer liame entre o dano
verificado e a situação de risco criada pelo Estado, este não será
responsabilizado.
Ex. se o bandido fugiu do presídio há dez dias
atrás e roubou uma residência ontem, não há
qualquer ligação entre a fuga e o dano, daí
porque o Estado não será responsabilizado. O
Estado responderá se, logo após a fuga, o
bandido vier a causar um dano a terceiro.
Responsabilidade Civil do Estado por Ato Jurisdicional
Os dispositivos legais pertinentes são o art. 5º,
LXXV, da CR’88 e o art. 630 do CPP.
O Estado só responde por danos causados por ato
jurisdicional se os danos decorrerem de: (i) erro judiciário e; (ii)
prisão por tempo superior ao fixado em sentença penal condenatória.
O Estado não responde por atos jurisdicionais, salvo somente nessas
duas hipóteses.
Erro Judiciário
É o erro manifesto, crasso. Não se trata de uma
aferição equivocada da prova, o erro deve ser manifesto, evidente
(ex. prender a pessoa errada).
Há uma parcela da doutrina que entende que a
responsabilidade civil do Estado por erro judiciário é restrita à
esfera penal. Contudo, tal posição não é a que prevalece, pois a
CR’88 não restringe a responsabilidade somente para essa hipótese.
Prisão por tempo superior ao fixado na sentença
condenatória
como tal, a Administração responde pelo dano que ele vier a causar, admitindo-se a responsabilidade solidária do executor da obra no caso de ter agido com culpa, o que, sem dúvida, torna a posição da vítima mais garantida” (Programa de Responsabilidade Civil – pág. 174/175).
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Um dia de prisão a mais já dá ensejo à
responsabilização do Estado.
No que tange à prisão provisória, há uma posição
minoritária da doutrina (Celso Antônio Bandeira de Mello) que
entende que o Estado pode ser responsabilizado se o preso vier a ser
absolvido. Mas o TJRJ não adota esse entendimento.
NOTA IMPORTANTE: O fato de o Estado não responder por
danos causados por atos jurisdicionais que não decorram
de erro judiciário ou prisão por tempo superior não
impede que haja a responsabilização pessoal da
autoridade judiciária – art. 130 do CPC – se comprovado
o dolo ou a culpa gravíssima deste.
Responsabilidade Civil do Estado por Atos Legislativos
O Estado responde em duas hipóteses: (i) por regras
abstratas e genéricas desde que inconstitucionais; (ii) por regras
individuais e concretas, ainda que constitucionais.
Ex. Decreto expropriatório. O Estado responde
por esse fato porque a regra jurídica é
individual e concreta caso tenha causado danos
a terceiros. Lei inconstitucional que cause
danos a terceiros. O Estado também responde
nessa hipótese.
NOTA IMPORTANTE: Uma coisa é a responsabilidade
civil por norma jurídica inconstitucional.
Outra coisa é responsabilidade civil por ato
praticado com fundamento em norma jurídica
inconstitucional. No primeiro caso, a hipótese
é de responsabilidade por ato legislativo,
enquanto no segundo a responsabilidade decorre
de ato administrativo. Se a norma por si só
causou o dano, a responsabilidade é por ato