religiao para ateus - alain de botton

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Religiao Para Ateus - Alain de Botton

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DADOS DE COPYRIGHTSobre a obra:A presente obra disponibilizada pela equipe Le Livros e seus diversos parceiros, com oobjetivo de oferecer contedo para uso parcial em pesquisas e estudos acadmicos, bem comoo simples teste da qualidade da obra, com o fim exclusivo de compra futura. expressamente proibida e totalmente repudavel a venda, aluguel, ou quaisquer usocomercial do presente contedoSobre ns:O Le Livros e seus parceiros disponibilizam contedo de dominio publico e propriedadeintelectual de forma totalmente gratuita, por acreditar que o conhecimento e a educao devemser acessveis e livres a toda e qualquer pessoa. Voc pode encontrar mais obras em nossosite: LeLivros.link ou em qualquer um dos sites parceiros apresentados neste link."Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e no mais lutando pordinheiro e poder, ento nossa sociedade poder enfim evoluir a um novo nvel."Copyright Alain de Botton, 2011TTULO ORIGINALReligion For AtheistsCAPA E PROJETO GRFICOMariana NewlandsIMAGEM DE CAPA Tibor Bognr / CORBIS / Corbis (DC) / LatinstockPREPARAOLus Henrique ValdetaroREVISOElisa NogueiraLucas BandeiraREVISO DE EPUBCamila Dias da CruzGERAO DE EPUBSimplssimoE-ISBN978-85-8057-127-1Edio digital: 2012Todos os direitos desta edio reservados Editora Intrnseca Ltda.Rua Marqus de So Vicente, 99, 3 andar22451-041 GveaRio de Janeiro RJTel./Fax: (21) 3206-7400www.intrinseca.com.br Para Bertha von BrenSUMRIOUMSabedoria sem doutrinaDOISComunidadeTRSGentilezaQUATROEducaoCINCOTernuraSEISPessimismoSETEPerspectivaOITOArteNOVEArquiteturaDEZInstituiescaptulo umSabedoria semdoutrinaProvavelmente, apenas uma pessoa bem legal: Santa Ins de Montepulciano.1.A pergunta mais enfadonha e intil que se pode fazer sobre qualquer religio se ela ouno verdadeira no sentido de ter vindo dos cus ao som de trombetas e de ser governadasobrenaturalmente por profetas e seres celestiais.Para poupar tempo, e sob o risco de uma dolorosa perda de leitores j no incio, vamosafirmardeformafrancaqueobviamentenenhumareligioverdadeiranumsentidoconcedida-por-Deus.Esteumlivroparapessoasincapazesdeacreditaremmilagres,espritos ou histrias de sara ardente, e que no tm qualquer interesse maior nos feitos dehomensemulheresincomuns,comoasantadosculoXIIIInsdeMontepulciano,quediziam ser capaz de levitar meio metro enquanto rezava e de ressuscitar crianas e que,no fim da vida (supostamente), ascendeu aos cus do sul da Toscana nas costas de um anjo.2.TentarprovaranoexistnciadeDeuspodeserumaatividadedivertidaparaateus.Crticos pragmticos da religio encontraram grande satisfao no desnudamento da idiotiadecrentescomcruelmincia,parandosomenteapssentiremterreveladoseusinimigoscomo absolutos tolos ou manacos.Embora esse exerccio tenha suas recompensas, a real questo no se Deus existe ouno,masparaondelevaradiscussoaoseconcluirqueeleevidentementenoexiste.Apremissadestelivroquedeveserpossvelmanter-secomoumateuresolutoe,noobstante,esporadicamente considerar as religiesteis,interessantes e reconfortantes eterumacuriosidadequantospossibilidadesdetrazeralgumasdesuasideiaseprticaspara o campo secular. possvel no sentir atrao pela doutrina da Santssima Trindade crist e pelo NobreCaminhoctuplobudistae,aindaassim,interessar-sepelasmaneirascomoasreligiesfazem sermes, promovem a moralidade, engendram um esprito de comunidade, utilizamaarteeaarquitetura,inspiramviagens,exercitamasmenteseestimulamagratidopelabeleza da primavera. Num mundo ameaado por fundamentalistas religiosos ou seculares,deveserpossvelequilibrarumarejeiodafeumarevernciaseletivaporrituaiseconceitos religiosos.quandoparamosdeacreditarqueasreligiesforamoutorgadasdoaltoouquesototalmente insanas que as coisas ficam mais interessantes. Podemos ento reconhecer queinventamos as religies para servirem a duas necessidades centrais, que existem at hoje equeasociedadesecularnofoicapazderesolverpormeiodenenhumahabilidadeespecial:primeiro,anecessidadedeviverjuntosemcomunidadeseemharmoniaapesardosnossosimpulsosegostaseviolentosprofundamenteenraizados.E,segundo,anecessidade de lidar com aterrorizantes graus de dor, que surgem da nossa vulnerabilidadeaofracassoprofissional,arelacionamentosproblemticos,mortedeentesqueridoseanossadecadnciaemorte.Deuspodeestarmorto,masasquestesurgentesquenosimpulsionaramainvent-loaindanossensibilizameexigemresoluesquenodesaparecemquandosomosinstadosaperceberalgumasimprecisescientficasnanarrativa sobre o milagre da multiplicao dos pes e dos peixes.Oerrodomodernoatesmotemsidonegligenciaraquantidadedeaspectosquepermanecem relevantes aps o descarte dos princpios centrais das fs. Assim que paramosde sentir que devemos nos prostrar diante delas ou denegri-las, estamos livres para descobrirasreligiescomorepositriosdeumamiradedeconceitosengenhosos,comosquaispodemos tentar mitigar alguns dos males mais persistentes e malcuidados da vida secular.3.Eucrescinumlarobstinadamenteateu,comofilhodedoisjudeussecularesquecolocavam a crena religiosa num nvel similar ao da existncia do Papai Noel. Lembro-medo meu pai levando minha irm s lgrimas numa tentativa de faz-la abandonar a noomodestamentesustentadadequeumdeusreclusopoderiaviveremalgumapartedouniverso. Ela tinha 8 anos na poca. Se meus pais descobriam que algum membro do seucrculo social nutria sentimentos religiosos clandestinos, eles passavam a destinar-lhe o tipode piedade normalmente reservada queles diagnosticados com uma doena degenerativa enunca mais seriam persuadidos a considerar aquela pessoa seriamente.Emboraeufossebastanteinfluenciadopelasatitudesdosmeuspais,nosmeusvinteepoucosanospasseiporumacrisedefaltadef.Meussentimentosdedvidativeramorigem na audio das cantatas de Bach, desenvolveram-se na presena de certas madonasde Bellini e tornaram-se avassaladores com uma introduo arquitetura zen. Contudo, foisomentemuitotempoapsmeupaiestarmortoeenterradosobumalpidecominscriesemhebraico,numcemitriojudaicoemWillesden,nonoroestedeLondres,porque, de maneira intrigante, ele se abstivera de fazer preparativos mais seculares quecomeceiaencarartodaadimensodaminhaambivalnciaacercadosprincpiosdoutrinrios em mim inculcados na infncia.EujamaishesiteinaminhacertezadequeDeusnoexiste.Eusimplesmentefuilibertadopelopensamentodequepodehaverumamaneirademerelacionarcomareligio sem precisar endossar seu contedo sobrenatural uma maneira, para colocar deformamaisabstrata,depensaremPaissemperturbarminharespeitosamemriadomeuprpriopai.Eureconheciqueminharesistnciapersistentesteoriassobrevidaapsamorteousobrehabitantesdocunopodiajustificaroabandonodemsica,edificaes,oraes,rituais,festividades,santurios,peregrinaes,refeiescomunaisemanuscritosilustrados das fs.Asociedadeseculartemsidoinjustamenteempobrecidapelaperdadeumasriedeprticasedetemascomosquaisosateusgeralmenteachamimpossvelconviver,porpareceremassociadosdemaiscom,paraempregarafrasetildeNietzsche,osmausodoresdareligio.Desenvolvemosummedoemrelaopalavramoralidade.Nsnosirritamoscomaperspectivadeouvirumsermo.Fugimosdaideiadequeaartedeveriainspirarfelicidadeouterumamissotica.Nofazemosperegrinaes.Nopodemosconstruir templos. No temos mecanismos para expressar gratido. A noo de ler um livrodeautoajudatornou-seabsurdaparaoerudito.Resistimosaexercciosmentais.Estranhosraramentecantamjuntos.Somospresenteadoscomaescolhadesagradvelentreabraarconceitos peculiares sobre deidades imateriais ou abrir mo totalmente de um conjunto derituaisreconfortantes,sutisouapenasencantadoresparaosquaistemosdificuldadesdeencontrar equivalentes na sociedade secular.Aodesistirdissotudo,permitimosqueareligioreivindicassecomoseudomnioexclusivo reas da experincia que deveriam pertencer a toda a humanidade as quais nodeveramos ter vergonha de restituir ao campo secular. O prprio cristianismo primevo erabastanteadeptodeseapoderardasboasideiasdosoutros,apropriando-seagressivamenteincontveis prticas pags que os ateus modernos tendem a evitar na equivocada crena dequesoindelevelmentecrists.Anovafincorporouascelebraesdeinverno,dohemisfrionorte,easrepaginou comoo Natal.Absorveuoidealepicuristadeviverjuntonumacomunidadefilosficaeotransformounoquehojeconhecemoscomomonasticismo.E,nasarruinadascidadesdoantigoImprioRomano,inseriu-sealegremente nos espaos vazios de templos outrora devotados a heris e temas pagos.O desafio colocado diante dos ateus como reverter o processo de colonizao religiosa:como dissociar ideias e rituais das instituies religiosas que os reivindicaram, mas que noosdetmverdadeiramente.Porexemplo,boapartedoqueexistedemelhornoNataltotalmentedesvinculadodahistriadonascimentodeCristo.Giraemtornodetemasdecomunidade, festividade e renovao que antecedem o contexto em que foram colocados aolongodossculospelocristianismo.Nossasnecessidadesespirituaisestoprontasparaserlibertadas do matiz particular dado a elas pelas religies ainda que, paradoxalmente, sejaoestudodasreligiesquefrequentementetemachaveparasuaredescobertaerearticulao.As religies tm o costume de se apoderar de coisas que originalmente no lhes pertenciam, como visto na igreja de SanLorenzo in Miranda, Roma, construda no sculo XVII sobre as runas do templo romano de Antonino e Faustina.O que se segue uma tentativa de ler as fs, principalmente o cristianismo e, em menorgrau,ojudasmoeobudismo,naesperanadeprovocarinsightsquepossamserteisnavida secular, em particular em relao aos desafios da comunidade e do sofrimento mentalecorporal.Atesesubjacentenoqueosecularismosejaerrado,masquecommuitafrequncia secularizamos de maneira inadequada na medida em que, no processo de noslivrarmosdeideiasinviveis,desnecessariamenteabdicamosdealgumasdaspartesmaisteis e atraentes das fs.4.A estratgia delineada neste livro ir, naturalmente, irritar partidrios de ambos os lados dodebate. Os religiosos se ofendero com uma reflexo aparentemente brusca, seletiva e nosistemticadeseuscredos.Religiesnosobufs,elesprotestaro,emqueelementosparticularespodemserescolhidosdeformaaleatria.Todavia,arunademuitasfstemsido sua insistncia pouco razovel em que os adeptos precisam comer tudo o que est noprato. Por que no deveria ser possvel apreciar a representao de modstia nos afrescos deGiotto e, ao mesmo tempo, ignorar a doutrina da anunciao, ou admirar a nfase budistanacompaixoeevitardeliberadamentesuasteoriasdevidaapsamorte?Paraalgumdesprovido de crena religiosa, retirar algo de um grupo de fs no muito diferente de umamantedaliteraturaqueescolheumpunhadodeescritoresfavoritosemmeioaocnone.Se aqui se mencionam apenas trs das 21 maiores religies, isso no sinal de favoritismoou de impacincia, mas apenas uma consequncia de este livro enfatizar a comparao dareligio em geral com o campo secular, e no no cotejo de uma srie de credos.Ateus do tipo militante tambm podem se sentir ultrajados, nesse caso por um livro quetrata a religio como digna de ser uma incessante pedra de toque para nossos desejos. Elesapontaroodedoparaafuriosaintolernciainstitucionaldemuitasreligieseparaasprovisesigualmenteprofusas,emboramenosilgicaseautoritrias,deconsoloediscernimentodisponveisnaarteenacincia.Elespodem,ainda,perguntarporquealgum que se declara sem disposio para aceitar tantas facetas da religio que se senteincapazdefalaremnomede,digamos,concepesimaculadasoudeconcordarcomasafirmaesfeitascomreverncianoscontosJatakasobreaidentidadedoBudacomoumcoelho reencarnado ainda deseje se associar a um tema to comprometido quanto a f.A isso,arespostaqueas religiesmerecem nossa ateno pela sua absoluta ambioconceitual,pormudaremomundodeumamaneiraquepoucasinstituiessecularesfizeram. Elas conseguiram combinar teorias sobre tica e metafsica com um envolvimentoprticoemeducao,moda,poltica,viagem,hospedaria,cerimniasdeiniciao,ediode livros, arte e arquitetura uma gama de interesses que eclipsa a extenso de conquistasatmesmodosmaioresemaisinfluentesmovimentoseindivduossecularesdahistria.Paraaquelesinteressadosnadisseminaoenoimpactodasideias,difcilnoficarfascinado por exemplos dos movimentos de maior sucesso educacional e intelectual que oplaneta j testemunhou.5.Paraconcluir,estelivronotentafazerjustiaareligiesparticulares;elascontamcomseusprpriosdefensores.Emvezdisso,eletentaexaminaraspectosdavidareligiosacomconceitos que poderiam proveitosamente ser aplicados aos problemas da sociedade secular.Eleprocuraeliminarosaspectosmaisdogmticosdasreligiesafimdeextrairalgumasfacetasquepoderiamsemostraroportunasereconfortantesamentescticascontemporneas confrontadas com as crises e as amarguras da existncia finita num planetaconturbado. Ele espera resgatar parte do que maravilhoso, tocante e sbio em tudo o queno mais parece verdadeiro.captulo doisComunidadei. Conhecendo estranhos1.Uma das perdas que a sociedade moderna sente de forma mais aguda a do sentimento decomunidade. Tendemos a imaginar que no passado existiu um grau de boa vizinhana quefoisubstitudoporumanonimatoimplacvel,umestadoemqueaspessoasbuscamcontatoumascomasoutrasprincipalmentecomfinsrestritoseindividualistas:obterganhos financeiros, ascenso social ou amor romntico.Partedanossanostalgiagiraemtornodarelutnciaemdar,porcaridade,quelesemdificuldades, mas tambm podemos nos preocupar com sintomas mais triviais de separaosocial, como, por exemplo, a incapacidade de cumprimentarmos uns aos outros na rua, oude ajudar vizinhos idosos com as compras. Vivendo em cidades colossais, tendemos a ficarpresos em guetos tribais baseados em nvel educacional, classe e profisso, e podemos ver oresto da humanidade como inimigo em vez de um coletivo acolhedor ao qual gostaramosde nos juntar. Pode ser extraordinrio e inslito dar incio a uma conversa espontnea comumdesconhecidoemumespaopblico.Aopassarmosdostrintaanos,atumpoucosurpreendente fazer um novo amigo.Natentativadecompreenderoquepodetererodidonossosensodecomunidade,umimportantepapeltemsidotradicionalmentedadoprivatizaodacrenareligiosaocorridanaEuropaenosEstadosUnidosnosculoXIX.Historiadoresjsugeriramquecomeamosanegligenciarosvizinhosporvoltadamesmapocaemquedeixamosdecelebrarnossosdeusesdemodocomunal.Issolevantaaquestosobreoqueasreligiesdeviamfazer,antesdesseperodo,parafortaleceroespritodecomunidadee,demaneiramais prtica, se a sociedade secular algum dia poderia recuperar esse esprito sem dependerdasuperestruturateolgicacomaqualnopassadoesteveentrelaada.Seriapossvelreconquistar um senso de comunidade sem base-lo em fundaes religiosas?2.Seexaminarmosdeformamaisdetalhadaascausasdaalienaomoderna,partedanossasensao de solido est relacionada fora dos nmeros. Os bilhes de pessoas que vivemno planeta tornam a ideia de conversar com um desconhecido mais ameaadora do que foiem dias menos populosos, pois a sociabilidade parece ter uma relao inversa densidadedapopulao.Emgeral,falamoscomprazercomaspessoasquandotambmtemosaopodeevit-lasporcompleto.Enquantoobedunocujatendadespontaapsumacentenadequilmetrosdeareiasdesoladastemacapacidadepsicolgicadeofereceraosestranhosumacalorosaacolhida,seuscontemporneosurbanos,emboranofundonomenosgenerososoubem-intencionados,nodevemafimdepreservarummnimodeserenidadeinteriortransmitirqualquersinaldequesequernotamosmilhesdehumanosqueestocomendo,dormindo,discutindo,copulandoemorrendoapoucoscentmetros de distncia, por todos os lados.E h tambm a questo da maneira como somos apresentados. Os espaos pblicos nosquais geralmente encontramos outras pessoas os trens que levam ao trabalho, as caladaslotadas,ossaguesdosaeroportosconspiramparaprojetarumarepresentaodesfavorvel de nossas identidades, o que enfraquece a capacidade de nos apegarmos ideiadequecadapessoanecessariamenteocentrodeumaindividualidadecomplexaepreciosa.Podeserdifcilcontinuaresperanosoemrelaonaturezahumanaapsumacaminhada pela Oxford Street ou uma conexo no aeroporto OHare.Em parte, costumvamos sentir uma conexo maior com os vizinhos porque eles, comfrequncia, tambm eram nossos colegas. O lar no foi sempre um dormitrio annimo emque se chega tarde e de onde se sai cedo. Os vizinhos se conheciam bem no porque eramgrandesconversadores,masporquetinhamdecolherofenoouconstruirotelhadodaescolajuntos,empreendimentosquenaturalesub-repticiamenteajudavamaestimularconexes.Noentanto,ocapitalismotempoucapacinciaparaaproduolocaleasmicroempresas.Podeatmesmopreferirquenotenhamosnenhumcontatocomosvizinhos,afimdequeelesnonosatrasemnocaminhoparaoescritrioounosdesencorajem quanto a fazer uma compra on-line.No passado, acabvamos conhecendo outras pessoas porque no tnhamos opo senorequisitaraajudadelasetambmrecebamospedidosdeauxlio.Acaridadeerapartefundamental da vida pr-moderna. Era impossvel evitar momentos em que precisssemospedirdinheiroaalgumquasedesconhecidooudaralgoaummendigoerranteemummundosemassistnciamdica,seguro-desemprego,programashabitacionaisebancos.Aabordagem na rua por parte de uma pessoa doente, frgil, confusa ou desabrigada no faziacom que os passantes imediatamente olhassem para o outro lado e presumissem que umaagncia governamental se encarregaria do problema.De um ponto de vista puramente econmico, somos muito mais generosos que nossosancestrais jamais foram, entregando at metade de nossa renda para o bem comunal. Masfazemos isso quase sem perceber, por meio da interveno annima do sistema fiscal; e, senos damos o trabalho de pensar a respeito, provvel que o faamos com ressentimento pornossodinheiroserempregadoparasustentarburocraciasdesnecessriasouparaacomprade msseis. Raras vezes sentimos uma conexo com aqueles integrantes menos afortunadosdoEstadoparaquemnossosimpostostambmgarantemlenislimpos,sopa,abrigoouuma dose diria de insulina. Nem o receptor nem o doador sentem a necessidade de dizerpor favor ou obrigado. Nossas doaes jamais so qualificadas como na era crist comooelementofundamentaldeumemaranhadocomplexoderelaesmutuamenteinterdependentes, com benefcios prticos para o receptor e espirituais para o doador.Trancadosemnossoscasulosprivados,amdiapassouaseraprincipalmaneiradeimaginarcomosoasoutraspessoas,e,comoconsequncia,esperamosquetodososestranhossejamassassinos,golpistasoupedfilosoquereforaoimpulsodeconfiarapenasnospoucosindivduosquejforamselecionadosporredesfamiliaresedeclasse.Naquelasrarasocasiesemqueascircunstncias(nevascas,tempestades)conseguemrompernossasbolhashermticasenosjogamjuntoapessoasquenoconhecemos,tendemosanosmaravilharquandoosconcidadosdemonstrampoucointeresseemnoscortaraomeioouemmolestarnossosfilhosequepodematmesmosersurpreendentemente gentis e se mostrar dispostos a ajudar.Sonhando encontrar uma pessoa que nos dispensar de qualquer necessidade por mais gente.Pormaisisoladosquetenhamosnostornado,evidentementenoabandonamostodaaesperanadeconstruirrelaes.Nossolitrioscnionsdacidademoderna,noexisteemoo mais estimada que o amor. Entretanto, no se trata do amor sobre o qual a religiofala,tampoucoaexpansivaeuniversalirmandadedahumanidade,umavariedademaisciumenta, restrita e, no fim, mais mesquinha. um amor romntico, que nos pe em umabuscamanacadeumanicapessoacomquemesperamosconquistarumacomunhocompletaeparatodaavida,umapessoaemparticularquenosdispensardequalquernecessidade por gente em geral.Ainda que a sociedade moderna continuamente nos prometa acesso a uma comunidade,trata-sedeumacomunidadecentradanocultoaosucessoprofissional.Sentimosqueestamos batendo sua porta quando a primeira pergunta que nos indagam em uma festa oquevocfaz?earespostadeterminarseseremosbemacolhidosousenosabandonaro ao relento. Nessas reunies competitivas e pseudocomunais, poucos de nossosatributosvalemcomomoedaparacompraraboavontadedeestranhos.Oqueimporta,acima de tudo, o que est em nossos cartes de visita, e aqueles que optaram por passar avidacuidandodosfilhos,escrevendopoesiaoujardinandoficarocomacertezadequeforamcontraacorrentedoscostumesdominantesdospoderososequemerecemserdevidamente marginalizados.Comessenveldediscriminao,nocausasurpresaquemuitosdensdecidamseatirarcomtudonascarreiras.Focarnavidaprofissionalemdetrimentodequasetodoorestoumaestratgiabastanteplausvelemummundoqueaceitaasconquistasnoambientedetrabalhocomoaprincipalmoedaparaassegurarnoapenasosmeiosfinanceiros de sobreviver fisicamente, mas a ateno de que necessitamos para ter xito doponto de vista psicolgico.3.As religies parecem ter um bom conhecimento de nossa solido. Mesmo que acreditemosmuitopouconoqueelasnosdizemarespeitodavidaapsamorteoudasorigenssobrenaturais das suas doutrinas, podemos admirar sua compreenso do que nos separa deestranhos e suas tentativas de eliminar um ou dois dos preconceitos que normalmente nosimpedem de formar vnculos com outras pessoas.Uma missa catlica no , com certeza, o hbitat ideal para um ateu. Muito do que sediz ofensivo razo ou simplesmente incompreensvel. Ela se estende por muito tempo eraras vezes impede que se caia na tentao do sono. Mesmo assim, a cerimnia repleta deelementos que, de maneira sutil, fortalecem os elos de afeio dos congregantes, e os ateusfariambemseosestudassemeaprendessemaseapropriardelesparareutiliz-losnodomnio secular.O catolicismo comea a criar uma noo de comunidade por meio de um cenrio. Eledelimitaumpedaodaterra,ergueparedesaoredoredeclaraquedentrodeseusparmetros reinaro valores profundamente distintos daqueles dominantes no mundo alm,nosescritrios,ginsiosesalasdeestardacidade.Todasasconstruesdoaosseusproprietriosoportunidadespararecondicionarasexpectativasdosvisitanteseparaestabelecerregrasdecondutaespecficasparaeles.Agaleriadeartelegitimaaprticadeolhar em silncio para uma tela, e o clube noturno, de balanar braos e mos ao som deuma msica. E uma igreja, com suas portas de madeira macia e trezentos anjos de pedraesculpidos ao redor do prtico, d a rara permisso de nos aproximarmos de um estranho edizerolsemomenorperigodesermosconsideradospredatriosouinsanos.Temosapromessa de que aqui (nas palavras iniciais de saudao da missa) Cristo, o amor do Pai ea comunho do Esprito Santo pertencem a todos que se reuniram. A Igreja empresta seuenormeprestgio,acumuladoaolongodotempo,seuconhecimentoesuagrandezaarquitetnica, ao nosso tmido desejo de nos abrirmos para algum novo.A composio da congregao parece importante. As pessoas reunidas tendem a no seruniformementedamesmaidade,raa,profisso,educaoounvelderenda;soumaamostraaleatriadealmasunidasapenasporcompartilharemocompromissocomcertosvalores. A missa decompe os subgrupos econmicos e de status, dentro dos quais em geraloperamos, arremessando-nos em um mar mais amplo de humanidade.Nestaerasecular,muitasvezespresumimosqueoamorfamliaeosentimentodecomunidade devem ser sinnimos. Quando os polticos modernos falam sobre o desejo deconsertarasociedade,celebramafamliacomoosmboloquintessencialdacomunidade.Mas o cristianismo mais sbio e menos sentimental quanto a isso, porque reconhece queumaligaocomafamliapode,naverdade,estreitarocrculodasnossasafeies,desviando-nosdodesafiomaiordecompreendernossaconexocomtodaahumanidadeede aprender a amar amigos assim como amamos os parentes.Tendoemmentefinssimilarmentecomunais,aIgrejanospedeparadeixarmosparatrs todas as ligaes com valores terrenos. So os valores interiores de amor e caridade, emvezdosatributosexternosdepoderedinheiro,queagorasovenerados.Entreosmaioresfeitosdocristianismoestacapacidade,semousodequalquercoeroalmdosmaissuavesargumentosteolgicos,depersuadirmonarcasemagnatasaseajoelharesecurvardiante da esttua de um carpinteiro e a lavar os ps de camponeses, garis e entregadores.No entanto, a Igreja faz mais que apenas declarar que o sucesso terreno no importa: devriasmaneiras,permite-nosimaginarquepoderamosserfelizessemele.Antesdemaisnada, examinando as razes por que tentamos adquirir status, a Igreja estabelece condiessobasquaispodemosvoluntariamenteabdicardenossaligaoclasseeattulos.Elaparece saber que nos empenhamos para ser poderosos sobretudo porque tememos o que nosacontecersenoocuparmosumaltonvel:corremosoriscodenostiraremadignidade,de sermos tratados com condescendncia, de no termos amigos e de passarmos a vida emum ambiente rude e desalentador.Agenialidadedamissaneutralizarcadaumdessestemores.Oedifcioemqueelaacontecequasesempresuntuoso.Emboratecnicamentesejadevotadoacelebraraigualdadedohomem,emgeralsuabelezasuperaademuitospalcios.Acompanhiatambmsedutora.Desenvolvemosdesejosdefamaepoderquandosercomotodomundopareceumdestinoperturbador,quandoanormamedocreedeprimente.Ostatuselevadoentotorna-seuminstrumentoparanossepararmosdeumgrupodoqualtemos ressentimento e medo. Contudo, quando os congregantes em uma catedral comeama cantar Gloria in Excelsis, tendemos asentir que a multido no se parece em nadacomaquelaqueencontramosnosshoppingsounosdilapidadosmeiosdetransportepblico.Estranhosolhamparacima,paraotetoabobadadoecheiodeestrelas,ecantamemunssono as palavras:Vem, Senhor,vive em teu povoe o fortalece com tua graa.E nos deixam pensando que a humanidade talvez no seja uma coisa to miservel, afinal.Comoresultado,comeamosasentirquepoderamostrabalhardeformaumpoucomenosfebril,poisvemosqueorespeitoeaseguranaqueesperamosganharpormeiodenossas carreiras j esto disponveis em uma comunidade calorosa e admirvel, que no nosimpe nenhuma exigncia terrena para sermos bem-vindos.Se na missa h tantas referncias pobreza, tristeza, ao fracasso e perda porque aIgrejavosdoentes,osdementefrgil,osdesesperadoseosidososcomoelementosrepresentativos da humanidade e (de maneira ainda mais significativa) de ns mesmos quesomos tentados a negar, mas que nos pem, quando podemos reconhec-los, mais perto danecessidade que temos um do outro.Emnossosmomentosmaisarrogantes,opecadodoorgulhoousuperbia,naformulao em latim de Agostinho domina nossas personalidades e nos isola daqueles aoredor.Perdemosointeressepelosoutrosquandotudooqueprocuramosfazerafirmaroquanto as coisas esto indo bem para ns, da mesma maneira que a amizade s tem chancedecrescerquandoousamoscompartilharaquiloquetememoselamentamos.Orestomeroexibicionismo.Amissaencorajaessedescartedoorgulho.Asfalhascujaexposiotantotememos,asindiscriespelasquaissabemosqueseramosridicularizados,ossegredosquemantmsuperficiaiseinertesasconversascomnossoschamadosamigostudoissoemergesimplesmentecomopartedacondiohumana.Ficamossemmotivopara dissimular ou mentir em um edifcio dedicado a celebrar o terror e a fraqueza de umhomemquenoeraemnadacomoosheristpicosdaAntiguidade,comoosferozessoldados ou os plutocratas do Senado de Roma e, entretanto, tinha valor suficiente para sercoroado como o mais alto dos homens, o rei dos reis.4.Se conseguimos ficar acordados para (e durante) as lies da missa, ao seu trmino ela devetersidocapazdenostirar,aomenosporumafrao,dosnossoshabituaiseixosegocntricos.Tambmdeveternosdadoideiaspararepararmosalgumasdasfissurasendmicas do mundo moderno.Uma das primeiras dessas ideias est relacionada aos benefcios de levar as pessoas a umlocaldistinto,quedeveseratraenteobastanteparaevocarentusiasmonogrupo.Eledeveria inspirar os visitantes a suspender seu habitual egosmo assustado em favor de umaalegre imerso em um esprito coletivo um cenrio improvvel na maioria dos centroscomunitriosmodernos,cujaaparnciaserve,demaneiraparadoxal,paraconfirmaraimpropriedade de se juntar a qualquer coisa comunal.Emsegundolugar,amissaincorporaumalioacercadaimportnciadeestabelecerregras para dirigir as pessoas em suas interaes. A complexidade litrgica de um missal o modo impositivo como esse livro de instrues para a celebrao de uma missa compeleos congregantes a olhar para cima, levantar-se, ajoelhar-se, cantar, orar, beber e comer emdeterminadosmomentosfalaaumaspectoessencialdanaturezahumana,quesebeneficia de receber orientao sobre como se comportar com os outros. Para assegurar quelaospessoaisprofundosenobrespossamserforjados,umalistadeatividadesbemplanejada pode ser mais eficaz que deixar um grupo se misturar sem objetivo e por prpriaconta.Uma ltima lio a ser tirada da missa tem conexo ntima com sua histria. Antes deserumacerimnia,antesdeoscongregantessesentarememassentosdiantedeumaltaratrs do qual um padre ergue uma hstia e uma taa de vinho, a missa era uma refeio. Oque hoje conhecemos como eucaristia teve incio como uma ocasio em que as primeirascomunidades crists deixavam de lado as obrigaes domsticas e o trabalho para se reuniraoredordeumamesa(emgeralrepletadevinho,carneiroepozimo)afimdecomemoraraltimaCeia.Ali,aspessoasconversavam,oravamerenovavamseuscompromissos com Cristo e umas com as outras. Da mesma maneira que os judeus com arefeiodosab,oscristoscompreendiamque,frequentemente,quandosaciamosafomedocorpoqueestamosmaisprontosparadirigirnossamentesnecessidadesdosoutros.Emhomenagemmaisimportantevirtudecrist,essasreuniesficaramconhecidascomogape(agapesignificaamor,emgrego)eforamrealizadaspelascomunidades crists no perodo entre a morte de Jesus e o Conclio de Laodiceia, em 364d.C. Por causa das reclamaes quanto exuberncia excessiva de algumas dessas refeies,aincipienteIgrejatomouadecisolamentveldebanirasgapesesugerirqueosfiisdeveriam, em vez disso, comer em casa com suas famlias e apenas depois se reunir parao banquete espiritual que hoje conhecemos como eucaristia.Uma construo artificial pode, no obstante, abrir a porta para sentimentos sinceros: regras sobre como conduzir uma missa,instrues em latim e ingls de um missal, 1962.5.Parecerelevantefalarsobrerefeiesporquenossafaltacontemporneadeumanoodecomunidadeapropriadaserefletedeformaimportantenomodocomocomemos.Nomundomoderno,naturalmente,nofaltamlugaresemquepossamosrealizarumaboarefeiocomcompanhiaascidadescostumamseorgulhardograndenmeroedaqualidade de seus restaurantes , mas o que significativo a ausncia quase universal deestabelecimentos que nos ajudem a transformar estranhos em amigos.Ao mesmo tempo em que parecem exaltar a noo de sociabilidade, os restaurantes nosoferecem apenas seu simulacro mais inadequado.Antes de ser uma cerimnia, a missa era uma refeio.A comida no era o mais importante: Duccio di Buoninsegna, A ltima Ceia, 1308-1311.Onmerodepessoasquefrequentamrestaurantestodasasnoitessugerequeesseslocaisdevem ser refgios contra o anonimato e a frieza, mas, na realidade, no tm mecanismossistemticosparaapresentarosfreguesesunsaosoutros,paradispersarsuasdesconfianasmtuas,pararomperosclsemqueaspessoascronicamentesesegregamouparaqueabram o corao e compartilhem suas vulnerabilidades com outros cidados. O foco est nacomidaenadecorao,nuncanasoportunidadesparaampliareaprofundarasafeies.Emumrestaurante,tantoquantoemumacasa,quandoacomidaemsiatexturadosescalopes ou a umidade das abobrinhas torna-se a principal atrao, podemos ter certezade que algo est fora de lugar.Os clientes tendero a sair dos restaurantes da mesma maneira como entraram, com aexperincia tendo apenas reafirmado as divises tribais existentes. Como tantas instituiesdacidademoderna,osrestaurantessocriadosparareunirpessoasemummesmolocal,mas no contam com meios para incentiv-las a fazer contatos significativos entre si.6.Comosbenefciosdamissaeasdesvantagensdasrefeiescontemporneasemmente,podemosimaginarumrestauranteidealdofuturo,umRestaurantegape,fielaosmaisprofundos insights da eucaristia.Talrestauranteteriaumaportaaberta,umamodestataxadeentradaeuminteriorprojetadoparaseratrativo.Adistribuiodosassentosromperiaosgruposeasetniasemquenormalmentenossegregamos;parentesecasaisseriamseparadoseamigosseriamfavorecidosemdetrimentodefamiliares.Todosteriamseguranaparaseaproximaredirigir a palavra sem medo de rejeio ou censura. Pelo simples fato de ocuparem o mesmoespao,osconvidadosestariamcomoemumaigrejasinalizandosuaadesoaumesprito de comunidade e de amizade.Sentar-semesacomumgrupodeestranhostemoincomparveleinslitobenefciodetornarumpoucomaisdifcilodi-losimpunemente.Preconceitoeconflitotnicosealimentam da abstrao. Contudo, a proximidade exigida por uma refeio algo que temquevercompassarastravessasparaosoutros,abrirguardanaposaomesmotempoeatmesmopedirosaleiroaumdesconhecidoperturbanossacapacidadedenosagarrarcrenadequeestranhosquevestemroupasincomunsefalamcomsotaquesdistintosmerecemseratacadosoumandadosparacasa.Detodasassoluespolticasdegrandeescalaqueforampropostaspararesolverconflitostnicos,existempoucasmaneirasmaiseficazes para promover a tolerncia entre vizinhos desconfiados que for-los a cear juntos.Muitasreligiestmconscinciadequeosmomentosrelacionadosingestodecomida so propcios educao moral. como se a iminente perspectiva de uma refeioseduzissenossosselvesnormalmenteresistentesademonstrarumpoucodamesmagenerosidade ao outro que a mesa nos exibiu. Essas religies tambm conhecem bastante arespeitodenossasdimensessensoriais,nointelectuais,parasaberquenopodemossermantidosemumatrilhavirtuosaapenaspormeiodepalavras.Elassabemque,emumarefeio, tero uma plateia cativa suscetvel a aceitar um equilbrio entre ideias e alimentoseassimelastransformamrefeiesemliesticasdisfaradas.Elasnosdetmpoucoantes do primeiro gole de vinho e nos oferecem um pensamento que pode ser engolido comabebidacomosefosseumaplula.Fazem-nosouvirumahomiliaduranteogratificanteintervaloentredoispratos.Eusamtiposespecficosdecomidaebebidapararepresentarconceitos abstratos, dizendo aos cristos, por exemplo, que o po equivale ao corpo sagradode Cristo, informando aos judeus que o prato de mas amassadas e nozes do Pessach foi aargamassa utilizada por seus antepassados escravizados para construir os armazns do Egitoe ensinando aos zen-budistas que suas xcaras de ch simbolizam a natureza transitria dafelicidade em um mundo oscilante.Um Restaurante gape, descendente secular da eucaristia e da tradio de refeio comunal crist.Ao tomar seus assentos em um Restaurante gape, os clientes encontrariam sua frentemanuaisdecertaformareminiscentesdaHagadjudaicaoudomissalcatlico,estabelecendo as regras sobre como se comportar durante a refeio. Ningum precisaria sevirarsozinhoparaestabelecerumaconversainteressante,damesmamaneiraquenoseesperariaqueosparticipantesdoPessachoudaeucaristiacristprecisassem,demaneiraindependente, informar-se sobre os aspectos importantes da histria das tribos de Israel ouadquirir uma noo de comunho com Deus.Olivrodegapeinstruiriaoscomensaisafalarentresiporperodosdetempoestabelecidos,sobretpicospredefinidos.Comoasfamosasperguntasqueacrianamaisjovem instruda, pela Hagad, a fazer durante a cerimnia do Pessach (Por que esta noitediferentedetodasasoutras?,Porquecomemospozimoeervasamargas?eassimpor diante), esses temas de conversa seriam cuidadosamente preparados com um propsitoespecfico:afastaroscomensaisdasexpresseshabituaisdesuperbia(Oquevocfaz?,Emqualescolaseusfilhosestudam?)econduzi-losnadireodeumarevelaomaissincera deles prprios (Do que voc se arrepende?, Quem voc no pode perdoar?, Doquetemmedo?).Aliturgiairia,comonamissa,inspirarcaridadenosentidomaisprofundo, uma capacidade de reagir com complexidade e compaixo existncia de nossoscompanheiros.Seriamconfidenciadosrelatosdemedo,culpa,clera,melancolia,amornocorrespondidoeinfidelidade,eissogerariaumaimpressodenossainsanidadecoletivaeencantadora fragilidade. As conversas nos libertariam de algumas das nossas fantasias maisdistorcidasarespeitodavidadosoutrosaorevelaroquanto,portrsdebem-defendidasfachadas,amaioriadensestperdendoumpoucoacabeaeassimteramosummotivo para oferecer a mo aos vizinhos igualmente torturados.Paranovosparticipantes,aprincpio,aformalidadedaliturgianarefeiopareceriapeculiar.Noentanto,aospoucoselesapreciariamadvidaqueaemooautnticatemcom as regras de conduta equilibradas.Tiramos proveito do fato de termos livros que nos dizem como devemos nos comportar durante as refeies. Aqui, umaHagad de Barcelona (c. 1350), um manual de instrues para uma refeio do Pessach planejada com preciso, destinada atransmitir uma lio de histria judaica ao mesmo tempo em que reaviva um sentido de comunidade.Afinal de contas, dificilmente algo natural se ajoelhar com um grupo de pessoas em umcho de pedra, olhar para um altar e entoar em unssono:Senhor,oramos para o teu povo que cr em ti.Que eles desfrutem a ddiva do teu amor,o compartilhem com outros,e o espalhem por todas as partes.Ns te pedimos em nome de Jesus, o Senhor.Amm.Contudo,osfiisquevomissanoculpamsuareligioporsemelhantescomandosestruturados;emvezdisso,osacolhembemporgerarumnveldeintensidadeespiritualimpossvel em um contexto mais casual.GraasaoRestaurantegape,nossomedodeestranhosdiminuiria.Opobrecomeriacom o rico, o negro com o branco, o ortodoxo com o secular, o bipolar com o equilibrado,trabalhadorescomgerentes,cientistascomartistas.Apressoclaustrofbicaparaobtertodas as nossas satisfaes nos relacionamentos existentes diminuiria, assim como o desejode ganhar status acessando os chamados crculos da elite.Anoodequepoderamosconsertaralgunsdostraposdotecidosocialmodernopormeio de uma iniciativa modesta, como uma refeio comunal, vai parecer ofensiva quelescommaiorconfiananopoderdassolueslegislativasepolticasparacurarosmalesdasociedade. No entanto, esses restaurantes no seriam uma alternativa aos mtodos polticostradicionais.Seriamumpassoanteriordadoparahumanizarmosumaooutronasnossasimaginaes, para que, ento, nos engajssemos de maneira mais natural nas comunidadese, de modo espontneo, abrssemos mo de alguns dos impulsos na direo do egosmo, doracismo, da agresso, do medo e da culpa que se encontram na base de tantas das questescom as quais a poltica tradicional se ocupa.Uma refeio do Pessach: h, aqui, mecanismos sociais em ao to teis e complexos quanto aqueles de um parlamento outribunal.Cristianismo,judasmoebudismoderamcontribuiessignificativaspolticaconvencional, mas sua relevncia para os problemas da comunidade possivelmente nunca maiordoquequandoseafastamdoroteiropolticomodernoenoslembramdequetambm existe valor em ficar em um salo com uma centena de conhecidos cantando umhinoaumasvoz,ouemcerimoniosamentelavarospsdeumestranho,ousentar-semesa com vizinhos e conversar e comer um cozido de carneiro os tipos de rituais que,tanto quanto as deliberaes dentro de parlamentos e tribunais de justia, ajudam a manterunidas nossas sociedades frgeis e desordenadas.Vestidas com o branco tradicional, judeus israelenses caminham por uma rua de Jerusalm, fechada ao trnsito no Dia doPerdo, rumo sinagoga.ii. Pedidos de desculpa1.Oesforodasreligiesparainspirarumanoodecomunidadenosedetmnaapresentaodepessoas.Asreligiestambmforammuitointeligentesnaresoluodeparte do que acontece de errado dentro de grupos assim que so formados.Oenfoquenacleraumaabordagemparticulardojudasmo:comofcilsenti-la,como difcil express-la e como assustador e complicado amain-la nos outros. Podemosver isso com especial clareza no Dia do Perdo judaico, um dos mais eficazes mecanismospsicolgicos j concebidos para a resoluo de conflitos sociais.CaindonodcimodiadoTishrei,poucoapsoinciodonovoanojudaico,oDiadoPerdo(ouYomKippur)umeventosoleneecrticonocalendriohebraico.OLevticoinstrui que, nessa data, os judeus devem pr de lado suas costumeiras atividades domsticasecomerciaisefazerumarevisomentaldasaesempreendidasnoanoanterior,identificandotodosaquelesaquemfizerammaloutrataramdeformainjusta.Juntos,nasinagoga, devem repetir em orao:Ns somos culpados, tramos,roubamos, caluniamos.Agimos perversamente, maldosamente,presunosamente, fomos violentos,mentimos.Elesdevem,ento,procuraraquelesaquemfrustraram,enfureceram,trataramsemconsideraooutrarameoferecertotalcontrio.avontadedeDeuseumararaoportunidadeparaoperdogeral.Todostmculpa,dizaoraonoturna,ento,quetodoopovodeIsraelsejaperdoado,incluindotodososestrangeirosquevivememseumeio.Nesse dia sagrado, os judeus so aconselhados a entrar em contato com seus colegas, aconversar com pais e filhos, a enviar cartas a conhecidos, amantes e ex-amigos no exterior ea listar seus momentos relevantes de pecado. Aqueles a quem se desculparam, por sua vez,soinstadosareconhecerasinceridadeeoesforofeitopeloofendedoraopedirperdo.Emvezdedeixarairritaoeaamarguraemrelaooutrapessoavoltaremacrescer,devemestarprontosadeixarosincidentespassadosparatrs,conscientesdequesuavidano est livre de culpa.Deusdesfrutadeumpapelprivilegiadonesseciclodepedidosdedesculpas:eleonicoserperfeitoe,portanto,onicoparaquemanecessidadedepedirperdoalheia.Quantoaosdemais,aimperfeiofazpartedanaturezahumanae,porconseguinte,tambmodeveserodesejodecontrio.Pedirperdoaoutraspessoas,comcoragemehonestidade, sinaliza compreenso e respeito pela diferena entre o humano e o divino.Uma iniciativa de pedir perdo que no partiu de ningum em particular: cerimnia do Yom Kippur, sinagoga de Budapeste.ODiadoPerdotemaimensavantagemdefazercomqueaideiadepedirdesculpaparea ter vindo de algum outro lugar, uma iniciativa que no vem do perpetrador nem davtima.oprpriodiaquenosfazsentaraquieconversarsobreopeculiarincidentedeseismesesatrs,quandovocmentiueeuexplodi,vocmeacusoudeinsinceridadeeeufizvocchorar,umincidentequenenhumdenspodeesquecerporcompleto,masquenopodemosmencionar,equevemlentamentecorroendoaconfianaeoamorqueumdiativemosumpelooutro.odiaquenosdaoportunidade,naverdadearesponsabilidade,deparardefalarsobrenossosnegcioshabituaisereabrirumcasoquefingimos ter tirado da mente. No estamos nos satisfazendo, estamos obedecendo s regras.2.As prescries do Dia do Perdo trazem conforto para ambos os lados numa injria. Comovtimasdeumsofrimento,frequentementenotrazemostonaaquiloquenosaflige,porquemuitasferidasparecemabsurdasluzdodia.Nossarazoficarchocadaseencararmos oquanto sofremoscom um convite nofeito ou uma carta norespondida, onmero de horas de tormenta que dedicamos frase indelicada ou ao aniversrio esquecidoquandodeveramoshmuitotempoterficadoserenoseimpermeveisasemelhantesespinhos.Nossa vulnerabilidadeinsulta nossa autoimagem; sofremos e,aomesmo tempo,ficamosofendidosporissoacontecertofacilmente.Nossareservatambmpodeterumaspecto financeiro. Aqueles que nos causaram injria tendem a ter autoridade sobre ns eles so os donos do negcio e decidem os contratos , e esse desequilbrio de poder quenos mantm quietos, mas nem por isso nos poupam da amargura e da fria reprimida.De maneira alternativa, quando somos ns que causamos dor ao outro, e mesmo assimdeixamosdepedirdesculpas,talvezissoocorraporqueagirmalfezcomquenossentssemosintoleravelmenteculpados.Podemoslamentartantoquenosdescobrimosincapazesdepedirdesculpas.Fugimosdasnossasvtimaseagimoscomumarudezaestranhaemrelaoaelas,noporquenonosincomodemoscomoquefizemos,masporqueoquefizemosnosdeixamuitodesconfortveis.Nossasvtimas,emconsequncia,precisamsofrernoapenascomadororiginal,mascomafriezasubsequentequedemostramos por conta de nossas conscincias atormentadas.3.O Dia do Perdo ajudar a corrigir tudo. Um perodo em que o erro humano proclamadocomoumaverdadegeraltornamaisfcilaconfissodeinfraesespecficas.maissuportvel admitir nossas tolices quando a mais alta autoridade nos diz que, antes de maisnada, somos dementes de uma maneira infantil porm perdovel.O Dia do Perdo to catrtico que parece uma pena existir somente um por ano. Ummundosecularpoderia,semmedodeexcesso,adotarsuaprpriaversoparamarcarocomeo de cada trimestre.iii. Nosso dio comunidade1.Seria ingenuidade supor que a nica razo pela qual deixamos de criar comunidades fortesporquesomostmidosdemaisparadizeroiaosoutros.Partedanossaalienaosocialestrelacionadasmuitasfacetasdenossanaturezaquenotmomenorinteresseemvalores comunais, queseentediamouserevoltamcomafidelidade,oautossacrifcioeaempatia, e que, em vez disso, tendem de forma inconsequente para o narcisismo, a inveja, amaldade, a promiscuidade e a agresso deliberada.Asreligiesconhecemmuitobemessastendnciasereconhecemque,paraascomunidadesfuncionarem,precisolidarcomelas,purgando-aseexorcizando-ascomastcia, e no simplesmente com represso. As religies, portanto, apresentam uma srie derituais, muitos deles primeira vista estranhamente elaborados, cuja funo descartar deformaseguraoquecruel,destrutivoouniilistaemnossasnaturezas.Essesrituais,naturalmente,noalardeiamsuasintenes,poisissoprovocariaumgraudedesconfortoquepoderiahorrorizareafugentarosparticipantes,pormsualongevidadeesuapopularidade provam que algo vital atingido por meio deles.Os melhores rituais comunais fazem, de modo eficaz, a mediao entre as necessidadesdoindivduoeasdogrupo.Casoexpressoscomliberdade,algunsdosnossosimpulsosrachariamassociedadesdemaneirairreparvel.Noentanto,sefossemsimplesmentereprimidoscomigualfora,acabariamameaandoasanidadedosindivduos.Porconseguinte, o ritual concilia o self e os outros. uma purgao controlada e muitas vezescomoventeemtermosestticos.Demarcaumespaonoqualnossasdemandasegocntricas podem ser honradas e, ao mesmo tempo, domadas, a fim de que a harmonia alongo prazo e a sobrevivncia do grupo sejam negociadas e asseguradas.2.Vemosumpoucodissonosrituaisjudaicosassociadosmortedeumparenteamado.Nessecaso,operigoqueapessoaemlutofiquetodominadapeladorqueparedecumprir suas obrigaes para com a comunidade. Assim, o grupo instrudo a permitir aoenlutadoamplaoportunidadeparaexpressaratristeza,mastambmexerceumapressogentil, e cada vez maior, para garantir que a pessoa por fim volte a cuidar da vida.Nos sete dias da shiv, que se segue morte, h permisso para um perodo de confusocataclsmica;entohumperododetrintadias,maiscontrolado(shloshim),emqueapessoaficaisentademuitasdasresponsabilidadesgrupais,edepoisdozemesesinteiros(shneim asar chodesh) nos quais a memria do morto celebrada em uma orao duranteos servios na sinagoga. Mas, ao final do ano, aps a inaugurao da lpide (matzev), maisoraes,outroservioeumareunioemcasa,asexignciasdavidaedacomunidadesodefinitivamente reafirmadas.Como a tristeza pode ser expressa sem se tornar avassaladora? O impulso pode ser desistir por completo da vida e dacomunidade. A inaugurao de uma lpide judaica um ano aps a morte de um pai.3.Funeraisparte,amaioriadosrituaiscomunaisreligiososexibemumjbiloostensivo.Acontecem em sales com montanhas de comida, dana, trocas de presentes, brindes e umaatmosferadeleveza.Contudo,porbaixodaalegria,frequentementetambmhumasementedetristezanaspessoascentraisnoritual,poisprovvelqueelasestejamabdicando de uma vantagem especial em prol da comunidade. O ritual, na verdade, umaformadecompensao,ummomentodetransformaoemqueoesvaziamentopodeserdigerido e adoado.difcilcomparecermaiorpartedasfestasdecasamentosemnotarqueessascelebraes esto, em algum nvel, tambm marcando uma tristeza, o enterro da liberdadesexualedacuriosidadeindividualemfavordefilhoseestabilidadesocial,comacompensao da comunidade na forma de presentes e discursos.AcerimniajudaicaBarMitzvahoutroritualmanifestamentealegre,queprocuraaliviar tenses interiores. Embora parea preocupado em celebrar o momento em que ummenino judeu entra na vida adulta, ele igualmente focado na tentativa de reconciliar ospaiscomamaturidadeemdesenvolvimentodojovem.Ospaispodemnutrirpesarescomplexosdequeoperododecriaoquecomeoucomonascimentodofilhoestejachegando ao fim e em particular no caso do pai que logo tero de lidar com o prpriodeclnio e com uma sensao de inveja e ressentimento por serem igualados e substitudosporumanovagerao.Nodiadacerimnia,meepaisoparabenizadosdemaneiraefusivapelaeloqunciaepelarealizaodofilho,aomesmotempoemquetambmsogentilmente incentivados a dar incio ao processo de deix-lo partir.Asreligiessosbiasaonoesperarquelidemossozinhoscomtodasasnossasemoes. Sabem como pode ser confuso e humilhante admitir desespero, luxria, inveja ouegomania. Compreendem a dificuldade que temos para encontrar uma maneira de dizer me,semajuda,queestamosfuriososcomela,aofilhoqueoinvejamosouaofuturocnjuge que a ideia de casamento assusta tanto quanto alegra. As religies, desse modo, nosdodiasespeciaisparaquenelesossentimentosperniciosospossamserprocessados.Elasnosdoversospararecitaremsicasparacantarenquantonostransportamatravsdasregies traioeiras das nossas mentes.Ser que precisaramos de festividades rituais se no houvesse algo para nos deixar tristes? Uma cerimnia de Bar Mitzvah,estado de Nova York.Emessncia,asreligiesentendemquepertenceraumacomunidadeaomesmotempobastantedesejvelenadafcil.Aesserespeito,somuitomaissofisticadasqueosestudiosossecularesdeteoriapolticaqueescrevemdeformalricasobreaperdadeumsensodecomunidadeenquantoserecusamareconhecerosaspectosinerentementeobscuros da vida social. As religies nos ensinam a ser educados, a honrar uns aos outros e aserfiisesbrios,mastambmsabemque,senonospermitiremocontrriodevezemquando,quebraronossoesprito.Emseusmomentosmaissofisticados,asreligiesaceitam a dvida que bondade, f e doura tm com seus opostos.4.Ocristianismomedievalcertamentecompreendiaessadicotomia.Duranteamaiorpartedo ano, pregava solenidade, ordem, moderao, camaradagem, sinceridade, amor a Deus edecorosexual,e,ento,nanoitedeano-novo,abriaasportasdapsiquecoletivaedavaincioaofestumfatuorum,aFestadosLoucos.Durantequatrodias,omundoficavadecabeaparabaixo:membrosdoclerojogavamdadosemcimadoaltar,zurravamcomoburros em vez de dizer amm, faziam competies de bebedeira na nave, peidavam comoacompanhamentoave-mariaefaziamsermesdegalhofa,baseadosempardiasdoEvangelho (o Evangelho segundo o Traseiro da Galinha, o Evangelho segundo a Unha doPdeLucas).Apsbebercanecasdecerveja,elesseguravamoslivrossagradosdeponta-cabea,faziamoraesparavegetaiseurinavamdecimadastorresdossinos.Casavamburros, amarravam pnis gigantes de l em suas batinas e tentavam fazer sexo com homensou mulheres dispostos a tanto.Para ficarmos sos, podemos precisar de uma ocasio eventual para um sermo segundo a Unha do P de Lucas. Umailustrao, do sculo XIX, da Festa dos Loucos medieval.Masnadadissoeraconsideradoapenasumapiada.Erasagrado,umaparodiasacraidealizadaparagarantirquedurantetodoorestodoanoascoisaspermanecessememordem.Em1445,aFaculdadedeTeologiadeParisexplicouaosbisposdaFranaqueaFestadosLoucoseraumeventonecessrionocalendriocristo,paraqueainsensatez,quenossasegundanatureza,einerenteaohomem,possasedissiparlivrementepelomenos uma vez ao ano. Barris de vinho de tempos em tempos estouram se no os abrimospara entrar um pouco de ar. Todos ns, homens, somos barris reunidos inadequadamente, e por isso que permitimos a tolice em certos dias: para que, no fim, possamos regressar commaior fervor ao servio de Deus.A moral que devemos tirar que, se desejamos comunidades que funcionem bem, nopodemosseringnuosquantonossanatureza.Precisamosaceitaraprofundidadedenossos sentimentos destrutivos, antissociais. No deveramos exilar na periferia as festas e alibertinagemparaseremlimpaspelapolciaecondenadasporcomentaristas.Deveramosdaraocaosumlugardedestaquepelomenosumavezporano,designandoocasiesemque podemos ficar brevemente isentos das duas maiores presses da vida adulta secular: serracionalefiel.Deveramosterpermissoparafalarbobagens,amarrarpnisdelemnossos casacos e cair na noite para festejar e copular aleatria e alegremente com estranhose,ento,retornarnamanhseguinteparanossosparceiros,quetambmteriamsadofazendo coisas semelhantes, ambos cientes de que no era nada pessoal, que foi a Festa dosLoucos que provocou as aes.5.Aprendemoscomareligiomaisqueosencantosdacomunidade.Aprendemostambmqueumaboacomunidadeaceitaoquehemnsque,naverdade,nodesejaacomunidadeou,aomenos,nopodetoler-laotempointeiroemsuasformasordenadas. Se temos nossas festas do amor, tambm devemos ter nossas festas dos loucos.Momento anual de liberao no Restaurante gape.captulo trsGentileza i. Libertarismo e paternalismo1.Depois que crescemos, raras vezes somos oficialmente incentivados a ser legais uns com osoutros.Umasuposiofundamentaldopensamentopolticoocidentalmodernoquedevemosserdeixadosempazparavivercomoqueremos,semsermosimportunados,semtemordejulgamentomoralesemestarmossujeitosaoscaprichosdaautoridade.Aliberdadetornou-senossavirtudepolticasuprema.NoseimaginaquesejatarefadoEstadopromoveramaneiracomodevemosagircomooutroounosmandarapalestrassobrecavalheirismoepolidez.Apolticamoderna,tantodireitacomoesquerda,dominada por algo que podemos chamar de uma ideologia libertria.Em Sobre a liberdade, de 1859, John Stuart Mill, um dos primeiros e mais articuladosdefensores dessa abordagem no intervencionista, explicou: O nico propsito pelo qual opoderpodeserexercidodeformalegtimasobrequalquerintegrantedeumacomunidadecivilizada, contra a vontade dele, para impedir danos a outros. Seu prprio bem, fsico oumoral, no justificativa suficiente.Poresseraciocnio,oEstadonodeverianutriraspiraesdemexercomobem-estarinterior ou os modos exteriores de seus integrantes. As imperfeies dos cidados esto almdecomentriosoucrticaspelomedodetransformarogovernonaqueletipodeautoridade mais condenado e impalatvel aos olhos libertrios, o Estado-bab.2.Asreligies,poroutrolado,sempretiveramambiesbemmaisautoritrias,propondoideiasamplassobrecomoosmembrosdeumacomunidadedeveriamsecomportaremrelao aos outros.Vejamos o judasmo, por exemplo. Certas passagens do cdigo legal judaico, a Mixn,tm grandes paralelos na lei moderna. H estatutos que soam familiares sobre no roubar,romper contratos ou vingar-se desproporcionalmente do inimigo em uma guerra.Entretanto, diversos outros decretos vo muito alm daquilo que uma ideologia polticalibertriajulgariacomodentrodeumlimiteapropriado.Ocdigojudaicotemumaobsessocomosdetalhessobrecomodevemosnoscomportarcomnossasfamlias,comcolegas,estranhoseatmesmocomanimais.Determinaquejamaisdevemossentarparacomerumarefeioantesdealimentarmosascabraseoscarneiros,quedevemospedirpermisso aos pais quando quisermos fazer uma viagem com durao superior a uma noite,quedevemosconvidartodasasvivasdacomunidadeparajantaracadaprimaveraequedevemos sacudir as oliveiras uma nica vez durante a colheita, a fim de deixar frutos pararfosepobres.Taisrecomendaessoseguidasporinjunessobreaassiduidadecomquedevemosterrelaessexuais,eoshomenssolembradosdodeverperanteDeusdefazeramorcomsuasmulheresregularmente,segundoumcronogramaquealinhaafrequnciaescaladoscompromissosprofissionais:Parahomensquetmrendaindependentedetrabalho,todososdias.Paratrabalhadores,duasvezesporsemana.Paracondutores de burros, uma vez por semana. Para condutores de camelos, uma vez por ms.Para marinheiros, uma vez por semestre. (Mixn, Ketubot 5:6).O cdigo legal judaico determina no apenas que roubar errado, mas que condutores de burros devem fazer sexo com suamulher uma vez por semana. Moiss recebendo as Tbuas da Lei, ilustrao de uma Bblia francesa, c. 834.3.Pensadoreslibertriosconcederiamque,semdvida,admirveltentarsatisfazerasnecessidadessexuaisdaesposa,sergenerosocomrelaosazeitonasemanterospaisinformadossobreplanosdeviagem.Entretanto,tambmcondenariamcomoestranhaesimplesmentesinistraqualquertentativapaternalistadeconverteressasaspiraesemestatuto.Quandodarcomidaaocachorroouquandoconvidarvivasparajantarso,segundo uma viso de mundo libertria, questes para a conscincia do indivduo, no parao julgamento da comunidade.Nasociedadesecular,pelopensamentolibertrio,umalinhargidadeveriasepararacondutaquesujeitaleidaquelaquesujeitamoralpessoal.Deveriacaberaparlamentos,foraspoliciais,corteseprisesimpedirdanosvidadeumcidadooupropriedadevariedadesmaisambguasdemaucomportamentodeveriam,porm,permanecerdentrodaexclusivaesferadaconscincia.Assim,oroubodeumboiumaquestoaserinvestigadaporumpolicial,enquantoaopressodoespritodealgumaolongo de duas dcadas de descaso dentro do prprio quarto, no.Essarelutnciaemseenvolveremquestesprivadasestmenosenraizadanaindiferenaquenoceticismo,emaisespecificamentenadvidadisseminadadequealgum pudesse jamais estar na posio de saber com exatido o que virtude, quanto maiscomoelapoderiaserinstiladanosoutrosdemaneiraseguraejudiciosa.Conscientesdacomplexidadeinerentesescolhasticas,oslibertriosnopodemdeixardenotarquopoucasquestesseencaixamdemodoinequvocoemcategoriasirrefutveisdecertoeerrado.Oquepareceumaverdadebviaparaalgumpodeservistoporoutrocomoumpreconceitocultural.Analisandosculosdeautoconfianareligiosa,oslibertriosficampetrificadospelosperigosdaconvico.Umaabominaoaomoralismotoscobaniudaesferapblicaadiscussosobremoralidade.Oimpulsodequestionarocomportamentoalheio balana diante da resposta provvel: quem voc para me dizer o que fazer?4.Contudo, existe uma arena na qual espontaneamente favorecemos a interveno moralistaem detrimento da neutralidade, uma arena que, para muitos de ns, domina a vida prticae eclipsa todas as outras preocupaes em termos de valor: a questo da educao dos filhos.Ser pai , inevitavelmente, arbitrar com vigor a vida dos filhos na esperana de que umdia eles crescero para ser no apenas respeitadores da lei mas tambm legais isto , quetenham considerao com seus parceiros, que sejam generosos com os rfos, modestos emrelaossuasqualidadesequenotenhaminclinaoamergulharnapreguiaounaautocomiserao.Emsuaextensoeintensidade,asreprimendasdospaisrivalizamcomaquelas estabelecidas na Mixn judaica.DefrontadoscomasmesmasduasperguntasquetantoincomodamospensadoreslibertriosnaesferapolticaQuemvocparamedizeroquefazer?eComovocsabeoquecerto?,ospaistmpoucadificuldadeparachegararespostasprticas.Mesmoaofrustrarosdesejosimediatosdosfilhos(amideaosomdegritosderomperostmpanos),tendematercertezadequeosorientamaagirdeacordocomnormasquerespeitariamdemodovoluntriosejtivessemdiscernimentoeautocontroleplenamentedesenvolvidos.O fato desses pais favorecerem o paternalismo em suas prprias casas no significa quedeixaram todas as dvidas ticas de lado. Eles argumentariam que perfeitamente razovelserinseguroquantoacertasquestesderelevosefetosdeveriampoderserabortadosapsvinteequatrosemanas,porexemplo,aomesmotempoemquecontinuamtotalmente confiantes a respeito de coisas menores, tais como se correto dar um tapa nacara do irmo mais novo ou esguichar suco de ma no teto do quarto.Para dar forma concreta a seus pronunciamentos, os pais com frequncia so levados aadotar tabelas com estrelinhas, complexas regras polticas domsticas (em geral coladas nasportasdegeladeirasoudearmrios)queestabelecememdetalhesoscomportamentosespecficos que esperam e que recompensaro.Notandoasconsiderveismelhorascomportamentaisqueessastabelascostumamproduzir(juntocomasatisfaoparadoxalqueascrianasparecemextrairaoterseusimpulsosmaisdesordenadosmonitoradosecontidos),adultoslibertriostalvezfiquemtentadosasugerir,comumarisadamodestadiantedeumaideiatoabsurda,queelesprpriospodemsebeneficiardeumatabeladeestrelinhaspregadaparedepararegistrarsuas prprias excentricidades.5.Seaideiadeumatabeladeestrelinhasparaadultosparecebizarra,masnodetodoinfundada, porque temos conscincia, nos momentos mais maduros, da escala de nossasimperfeiesedaprofundidadedenossainfantilidade.Hmuitascoisasquegostaramosdefazermasqueacabamosnuncaconcretizando,emuitasformasdenoscomportarsquaisaderimosdecoraomasqueignoramosemnossocotidiano.Entretanto,emummundo obcecado por liberdade, restam poucas vozes que ainda ousam nos incentivar a agirbem.Asexortaesdequeprecisaramos,emgeral,nosomuitocomplexas:perdoarosoutros,conteraraiva,ousarimaginarascoisasapartirdeumpontodevistadiferente,colocaremperspectivaosdramaspessoaisEstamosnosagarrandoaumavisodensmesmosinutilmentesofisticadasepensamosestarsempreacimadeobservaesbem-colocadas,diretaseestruturadasarespeitodagentileza.Humasabedoriamaioremaceitarque,namaioriadassituaes,somossimplesentidadesqueprecisamdamesmaorientaogentil,firmeebsicaquecostumaseroferecidaacrianaseanimaisdomsticos.Osverdadeirosriscossnossaschancesdecrescimentosodiferentesdaquelesconcebidospeloslibertrios.Afaltadeliberdadenomais,namaioriadassociedadesdesenvolvidas,oproblema.Nossarunaestnainabilidadeparaextrairomximodaliberdadequeosantepassadosasseguraramparans,commuitador,aolongodetrssculos. Estamos fartos de ser deixados vontade para fazer o que quisermos sem dispor desabedoriasuficienteparaexplorarnossaliberdade.Emltimainstncia,nosetratamaisdeestarmosmercdeautoridadespaternalistas,decujasafirmaesnosressentimosequeremosnoslibertar.Operigocorreemoutradireo:estamosdiantedetentaesque,naquelesintervalosemquepodemosmanterdistnciasuficientedelas,costumamoscriticar,mascontraasquaisnoencontramosnenhumestmulopararesistir,oquenoscausagrandedecepoerevoltacontransmesmos.Nossosladosmadurosassistemdesesperadosenquantonossosaspectosinfantispisoteiamosprincpiosmaiselevadoseignoramoquereverenciamoscomfervor.Nossodesejomaisprofundopodeserquealgum aparea e nos salve de ns mesmos.At o mais libertrio dos pais tende a reconhecer a validade da tabela de estrelinhas para lidar com crianas de quatro anos.Um ocasional lembrete paternalista sobre o bom comportamento no precisa constituirumaviolaoliberdade,nosentidoemqueessetermodeveriasercompreendido.Averdadeiraliberdadenosignificaserdetodoabandonadoprpriasorte;deveriasercompatvel com ser estimulado e orientado.Oscasamentoscontemporneossoumcasoexemplardosproblemascriadospelaausnciadeumaatmosferamoral.Comeamoscomamelhordasinteneseumgraumximo de apoio comunal. Todos os olhos esto sobre ns: famlia, amigos e funcionriosdo Estado parecem totalmente devotados nossa mtua felicidade e bom comportamento.Maslogonosdescobrimossozinhoscomospresentesdecasamentoenossasnaturezasconflitantese,comosomoscriaturasfracas,opactoquefirmamoscomtantasinceridadecomeaaerodir.Osarrebatadoresdesejosromnticossomateriaisfrgeisparaconstruiruma relao. Ficamos insensveis e mentirosos um em relao ao outro. Ficamos surpresoscom nossa prpria indelicadeza. Tornamo-nos desonestos e vingativos.Podemostentarpersuadirosamigosquenosvisitamnofinaldesemanaaficarumpouco mais porque a considerao e o afeto deles nos lembram das altas expectativas que omundooutroradepositouemns.Nontimo,porm,sabemosqueestamossofrendoporque no h ningum ali para nos cutucar a fim de que mudemos nosso jeito e faamosum esforo. As religies compreendem isso: sabem que a existncia de uma plateia ajuda asustentar a bondade. As fs, desse modo, fornecem uma galeria de testemunhas na origemcerimonialdosnossoscasamentose,apartirda,delegamumpapelvigilantessuasdeidades.Pormaissinistraqueaideiadesemelhantevigilnciapareaaprincpio,narealidade pode ser tranquilizador viver como se algum estivesse o tempo todo observandoe esperando o melhor de ns. gratificante sentir que nossa conduta no um assunto snosso; faz com que o importante esforo de agir bem parea um pouco mais fcil.6.Oslibertriospodemadmitirque,emteoria,nosbeneficiaramosdaorientao,mas,mesmoassim,achamqueseriaimpossvelfornec-la,pelosimplesmotivodeque,nofundo,ningumsabemaisoquebomeoqueruim.Enosabemos,conformeseobserva em um aforismo sedutor e dramtico, porque Deus est morto.Boapartedopensamentomoralcontemporneoestpetrificadopelaideiadequeocolapso da crena deve ter danificado de forma irreparvel a capacidade de erguermos umconvincente arcabouo tico para ns mesmos. Mas esse argumento, embora parea atestaem sua natureza, tem uma dvida estranha e desautorizada com uma mentalidade religiosa porque apenas se ns acreditarmos de fato que em algum nvel Deus existiu no passado equeasfundaesdamoralidadeso,portanto,emsuaessncia,sobrenaturais,oreconhecimentodasuaatualnoexistnciateriaalgumpoderdeabalarnossosprincpiosmorais.Contudo,sesupusermosdesdeocomeoqueclaroqueinventamosDeus,oargumento se desmancha em uma tautologia pois por que nos incomodaramos em nossentirsobrecarregadospordvidasticassesoubssemosqueasmuitasregrasatribudasaseres sobrenaturais no passavam de uma obra de nossos ancestrais por demais humanos?Parecebvioqueasorigensdaticareligiosajazemnanecessidadepragmticadascomunidadesprimevasparacontrolarastendnciasviolnciadeseusintegranteseestimular hbitos contrrios, de harmonia e perdo. Cdigos religiosos tiveram incio comopreceitos admonitrios, que foram ento projetados no cu e refletidos de volta terra sobformasincorpreasemajestosas.Ordensparasersolidriooupacientederivaramdaconscincia de que essas eram as qualidades que poderiam trazer as sociedades de volta dafragmentao e da autodestruio. Essas regras eram to vitais para nossa sobrevivncia quepor milhares de anos no ousamos admitir que as tnhamos formulado, a fim de evitar queisso as expusesse ao escrutnio crtico e ao tratamento irreverente. Precisvamos fingir que amoralidade vinha do cu para isol-la de nossas mentiras e fraquezas.Mas,seagorapodemosassumiraespiritualizaodasnossasleisticas,notemosmotivoparajog-lasfora.Continuamosprecisandodeexortaesparasermossolidriosejustos, ainda que no acreditemos que exista um Deus que deseje que sejamos assim. Noprecisamossercolocadosnalinhapelaameaadoinfernooupelapromessadoparaso;precisamos apenas ser lembrados que somos ns mesmos isto , as partes mais madurase razoveis de ns (raras vezes presentes nas nossas crises e obsesses) e que desejamoslevar a vida que outrora imaginamos que seres sobrenaturais exigiam de ns. Uma evoluoadequadadamoralidadedesdeasuperstioatarazodeveriasignificaroreconhecimento de que somos os autores dos nossos mandamentos morais.7.claroqueaprontidoemaceitarorientaodependedotomemqueelaoferecida.Entre as caractersticas mais intragveis da religio est a tendncia dos clrigos para falarcomaspessoascomoseeles,esomenteeles,detivessemapossedematuridadeedeautoridademoral.Mesmoassim,ocristianismonuncasoamaisatraentedoquequandonega essa dicotomia criana-adulto e reconhece que, no fim, somos todos um tanto infantis,incompletos,inacabados,facilmentetentadosepecadores.Estamosmaisdispostosaabsorver lies sobre virtudes e vcios quando so oferecidas por personagens que parecemconhecerporcompletoambasascategorias.Daocharmeeautilidadepermanentedaideia do pecado original.Atradiojudaico-cristtem,demaneiraintermitente,reconhecidoqueoquepodeimpedirquenoscorrijamosumsentimentosolitrioeculpadodequoextraordinariamentemaussomosequoalmdasalvaoestamos.Essasreligies,portanto,proclamaramcomconsidervelfriezaquetodosns,semexceo,somoscriaturas bastante imperfeitas. Eis que eu nasci em iniquidade, e em pecado me concedeuminha me, troveja o Velho Testamento (Salmo 51), em uma mensagem ecoada no NovoTestamento: Portanto, assim como por um s homem entrou o pecado no mundo, e pelopecadoamorte,assimtambmamortepassouatodososhomens,porquantotodospecaram (Romanos 5:12).Entretanto,oreconhecimentodessaescuridonoopontofinalqueopessimismocontemporneocomtantafrequnciasupequedevaser.Quesomostentadosaenganar,roubar,insultar,ignoraregoisticamenteosoutroseserinfiis,dissoningumduvida.Aquesto no se experimentamos tentaes chocantes, mas se somos capazes de super-lasde vez em quando.A doutrina do pecado original nos estimula a caminhar em direo ao aprimoramentomoral,pormeiodacompreensodequeosdefeitosquedesprezamosemnssocaractersticas inevitveis da espcie.Tivemos de inventar maneiras para nos assustar e obrigar a fazer o que, bem no fundo, j sabamos ser o correto. AsTormentas do Inferno, manuscrito iluminado francs, c. 1454.Pode mos, assim, admiti-las sinceramente e tentar corrigi-las luz do dia. A doutrina sabequeavergonhanoumaemootildecarregarmosenquantotrabalhamosparadiminuirumpoucotudoaquiloquenosenvergonha.Pensadoresiluministasacreditavamnos fazer um favor ao declarar que o homem era, original e naturalmente, bom. Porm, osavisos repetidos sobre nossa decncia inata podem fazer com que fiquemos paralisados peloremorsoemrelaoincapacidadedecorresponderanveisimpossveisdeintegridade.Confissesdepecaminosidadeuniversalserevelamumpontodepartidamelhorparadarmos os modestos passos iniciais rumo virtude.Umanfasenopecadooriginalserveaindapararesponderaquaisquerdvidasarespeito de quem deve ter o direito de distribuir conselhos morais em uma era democrtica.inflamadaperguntaequemvocparamedizercomoviver?,umcrenteapenasprecisareagircomarespostaumcolegapecador.Todosdescendemosdeumnicoancestral, o cado Ado, e somos, portanto, acossados por ansiedades idnticas, tentaes iniquidade, desejos de amor e ocasionais aspiraes pureza.8.Jamais descobriremos regras de boa conduta que respondam a todas as questes que possamsurgiracercadecomoossereshumanosseriamcapazesviverbem,juntoseempaz.Noentanto, a ausncia de um acordo absoluto sobre a boa vida no deve, em si mesma, ser obastante para nos impedir de investigar e de promover a hiptese de semelhante existncia.A prioridade de instruo moral deve ser geral, ainda que a lista de virtudes e vcios paraguiar qualquer um de ns tenha de ser especfica, uma vez que todos tendemos estupideze ao dio de maneiras incrivelmente pessoais.A generalizao que podemos nos arriscar a traar, a partir da abordagem judaico-cristdobomcomportamento,queseriamelhorconcentrarmosaatenoemtiposdemcondutarelativamentemenosimportantesenodramticos.Oorgulho,umaatitudementalsuperficialmentediscreta,eraconsideradodignoderegistropelocristianismo,damesmamaneiraqueojudasmonovianadadefrvoloemfazerrecomendaessobrequantas vezes os casais deveriam ter relaes sexuais.Vejamos, em contraste, o atraso e a rudeza com que o Estado moderno entra em nossavidacomsuasinjunes:intervmquandojtardedemais,apstermospegadoaarma,roubadoodinheiro,mentidoscrianasoujogadoocnjugepelajanela.Noestudaadvida que grandes crimes tm com abusos sutis. O feito da tica judaico-crist era abrangermais que apenas os grandes e bvios vcios da humanidade. Suas recomendaes tratavamdeumasriedecrueldadesemaus-tratosindistintos,dotipoquedesfiguramavidacotidianaeformamocadinhoparacrimescataclsmicos.Arudezaeahumilhaoemocionalpodemsertocorrosivasparaumasociedadefuncionalquantoorouboeoassassinato.Os Dez Mandamentos foram uma primeira tentativa de controlar a agresso do homemcontra o prximo. Nos ditos do Talmude e das listas crists medievais de virtudes e vcios,testemunhamosumenvolvimentocomformasdemaus-tratosmaismodestas,pormigualmentetraioeiraseinflamveis.muitofcildeclararqueassassinatoeroubosoerrados;exige-seumfeitomaiordaimaginaomoralparaadvertiralgumcontraasconsequncias de se fazer uma declarao depreciativa ou de ser sexualmente distante.ii. Uma atmosfera moral1.Ocristianismojamaissepreocupouemcriarumaatmosferamoralnaqualaspessoaspudessemapontarosdefeitosumasdasoutrasereconhecerqueseucomportamentopoderia ser aprimorado.Ecomonovianenhumadiferenaparticularentreadultosecrianas,nuncaseesquivou de oferecer aos seus seguidores uma srie de equivalentes s tabelas de estrelinhasparaapontarcaminhoshonrveis.Umdosmaisbem-sucedidosdessesequivalentesencontrado em Pdua, sob o abobadado teto de tijolos da capela Scrovegni.NocomeodosculoXIV,oartistaflorentinoGiottofoiincumbidodedecorarasparedes da capela com um conjunto de afrescos: haveria catorze nichos, cada um com umapinturarepresentandoumvcioouumavirtudediferente.Noladodireitodaigreja,maispertodanave,GiottopintouaschamadasvirtudescardeaisPrudncia,Fortaleza,TemperanaeJustia,seguidaspelasvirtudescristsdeF,CaridadeeEsperana.Diretamenteoposta,foidistribudaumaconfiguraocorrespondentedevcios:Loucura,Inconstncia,Ira,Injustia,Idolatria,InvejaeDesespero.Paracadaumdessesttulosabstratos,opintorusouexemplosvvidosparaprovocaraadmiraodoobservadoreinstigarsuaculpa.Assim,aIramostradarasgandoasroupas,gritandoaoscusemindignadaautocomiserao,enquanto,doisnichosadiante,aIdolatrialanaolharesdesonestos. Os membros da congregao deveriam sentar-se nos bancos e pensar em quaisvirtudeshaviamadotadoeaquaisvcioshaviamsucumbido,enquantoDeusobservavaacima, na esfera celestial, com estrelas mo.AtradioreligiosaqualatabeladeestrelinhasdeGiottopertenciasentia-seconfortvelfazendoproposiesdetalhadassobrecomoalgumdeveriasecomportaredistinguindodeseuopostoaquiloqueclaramentedefiniacomobom.RepresentaesdevciosevirtudeseramonipresentesnasquartascapasdeBblias,emlivrosdeoraes,nasparedesdeigrejaseprdiospblicoseseupropsitoeradidtico:ofereciamumabssola pela qual os fiis podiam guiar sua vida em direes honradas.2.Em contraste com esse desejo cristo de gerar uma atmosfera moral, os tericos libertriosargumentaramqueoespaopblicodeveriasermantidoneutro.Nodeveriahaverlembretesdebondadenasparedesdosprdiosounaspginasdoslivros.Taismensagens,afinal, constituiriam violaes dramticas da nossa muito valorizada liberdade.Giotto di Bondone, Os Vcios e as Virtudes, capela Scrovegni, Pdua, c. 1304.Porm,jvimosporqueessapreocupaononecessariamentehonranossosdesejosmaisprofundos,dadanossanaturezacompulsivaevoluntariosa.Podemosagoraadmitirque, de qualquer forma, nossos espaos pblicos no so nem remotamente neutros. So comorevelaumaolhadarpidaemqualqueravenidacobertosdemensagenscomerciais. Mesmo em sociedades que em teoria se dedicam a nos deixar livres para fazernossasescolhas,amentemanipuladaotempotodoemdireesquedificilmentereconhecemos de maneira consciente. s vezes dito pelas agncias publicitrias, em umatentativaprofilticadefalsamodstia,queapropagandanofuncionadefato.Somosadultos,sustentaoargumento,portantonoperdemosacapacidadederaciocnionoinstanteemquecolocamososolhosnaslindasfotografiasdeumoutdooroudeumcatlogo. Assume-se que crianas possam ser menos resolutas e, por isso, talvez precisem deproteo contra certas mensagens veiculadas na televiso antes das oito horas da noite, paraque no desenvolvam um desejo manaco por determinado brinquedo ou refrigerante. Masos adultos so aparentemente sensatos e controlados o suficiente para no alterar valores oupadresdeconsumoapenasporcontadeumfluxoincessantedemensagensengenhosamentecriadas,queosatingedetodososladosemeiosotempointeiro,diaenoite.Entretanto,essadistinoentrecrianaeadultosuspeitamenteconvenienteaosinteressescomerciais.Naverdade,somostodosfrgeisnoscompromissosesofremosdeuma fraqueza de vontade em relao ao canto da sereia da publicidade, tanto um malcriadomeninodetrsanos,hipnotizadopelavisodeumcurraldebrinquedocomumcanilinflvel,quantoumhomemdequarentaedoisanoscativadopelaspossibilidadesdeumconjunto com churrasqueira, grelhas e espetos.3.Ateus tendem a ter pena dos habitantes de sociedades dominadas pela religio por causa dapropagandaqueelesprecisamsuportar,masissofazervistagrossaaosigualmentepoderososecontnuoschamadosoraodassociedadesseculares.UmEstadolibertriodignodessenometentariacorrigirodesequilbriodemensagensqueatingemseuscidados,preterindoasmeramentecomerciaiseindoemdireoaumaconcepoholstica de florescimento. Fiis s ambies dos afrescos de Giotto, essas novas mensagensnosapresentariamdemaneiravvidaasmuitasmaneirasnobresdecomportamentoquehoje tanto admiramos e alegremente ignoramos.Precisamos de outros lembretes que no apenas as vantagens de salgadinhos saborosos.Simplesmente no ligaremos por muito tempo para os valores superiores quando tudo oquerecebemosparanosconvencerdesuavalidadeumocasionallembreteemumlivrode ensaios, de vendagem modesta e amplamente ignorado, escrito por um suposto filsofo enquanto, nos domnios da cidade, os talentos superlativos das agncias publicitrias doglobo praticam sua alquimia fantasmagrica e incendeiam todas as nossas fibras sensoriaisem nome de um novo tipo de produto de limpeza ou um salgadinho saboroso.Se tendemos a pensar com tanta frequncia em desinfetantes com fragrncia de limoou batatinhas onduladas, mas dedicamos pouco tempo tolerncia ou justia, a culpa nosomentenossa.porque,emgeral,essasduasvirtudescardinaisnoseencontramemposio de se tornar clientes da agncia de publicidade Young & Rubicam.iii. Modelos de conduta1.Aomesmotempoemquedatenosmensagensemseusespaospblicos,ocristianismo sabiamente reconhece a extenso em que nossos conceitos de bom e mau sodelineadospelaspessoascomquemconvivemos.Elesabequesomosperigosamentepermeveisaonossocrculosocial,epordemaispredispostosainternalizareimitarasatitudeseocomportamentoalheios.Simultaneamente,aceitaqueascompanhiasespecficas que mantemos so em grande parte resultado de foras aleatrias, uma misturapeculiardepersonagensextradosdainfncia,daescola,dacomunidadeedotrabalho.Entre as poucas centenas de pessoas que encontramos com regularidade, provvel que nomuitassejamindivduosexcepcionais,queinstiguemaimaginaocomsuasboasqualidades,quefortaleamaalmaecujavozqueiramosadotarparafortalecernossosmelhores impulsos.2.A escassez de paradigmas ajuda a explicar por que o catolicismo pe diante de seus crentescercadedoismilequinhentosdosmaioresemaisvirtuosossereshumanosque,aoqueparece,jexistiram.Essessantos,cadaumaseumodo,exemplificamqualidadesquedeveramos esperar nutrir em ns mesmos. So Jos, por exemplo, pode nos ensinar a lidarcalmamente com as presses de uma jovem famlia e a enfrentar as tribulaes do trabalhocomumtemperamentomodestoeresignado.HmomentosemquetalvezqueiramossoltarasemoesechorarnacompanhiadeSoJudasTadeu,padroeirodascausasperdidas, cujos modos suaves podem nos confortar sem qualquer necessidade de encontrarsoluesimediatasnemsequeresperana.Emmomentosdeansiedade,poderamosnosvoltar para So Filipe Nri, que jamais subestimaria nossos problemas ou nos humilharia,masquesaberiacomodespertarosensodoabsurdoenosfazerrirterapeuticamentedasituao.PoderiaserconsoladortentaradivinharcomooimperturbvelSoFilipelidariacomosperigosdeumareuniofamiliaroucomaquebradodiscorgidodeumcomputador.Uma oportunidade para lembrar os amigos: os meses de novembro e dezembro, de um Livro dos Salmos ingls do sculoXVI, marcando as datas da morte de, entre outros, So Hugo, Santa Catarina, So Teodoro, Santo Edmundo, So Clemente,Santa Brbara, Santa Luzia e Santo Osmundo.Paraestreitaraindamaisasconexesimaginativascomossantos,ocatolicismonosfornececalendriosquelistamosdiasemqueelesmorreram,afimdetermosocasiesregulares para nos afastar do crculo social e contemplar a vida de pessoas que distriburamtodoodinheiroquetinhameperambularampelaterrafazendoboasaes,vestindoumatnicasperaparamortificaracarne(SoFrancisco),ouqueusaramafemDeusparareimplantarmagicamenteumaorelhacortadanacabeaatormentadadoseudono(SoCutberto).3.Alm disso, o catolicismo percebe que h uma vantagem em sermos capazes de ver nossosamigosideaisespalhadospelacasaemrepresentaestridimensionaisminiaturizadas.Afinal,amaioriadenscomeouavidacultivandorelaescomursinhoseoutrosanimais,comosquaisfalvamosequetacitamentesedirigiamans.Emboraimveis,essesanimaiserambastantehbeisemtransmitirsuaspersonalidadesconsoladoraseinspiradorasparans.Conversvamoscomelesquandoestvamostristeseramosconfortados quando olhvamos pelo quarto e os vamos estoicamente resistindo noite porns.Ocatolicismonovmotivosparaabandonaramecnicadessasrelaese,dessemodo,convida-nosacomprarversesdemadeira,pedra,resinaouplsticodossantosecoloc-las em estantes ou nichos nos quartos e corredores. Em perodos de caos domstico,podemosolharparaumaestatuetadeplsticoeinternamenteperguntaroqueSoFrancisco de Assis recomendaria que dissssemos para a esposa furiosa e os filhos histricos.Arespostapodeestardentrodenstodootempo,mas,emgeral,noemergeousetornaefetiva at perguntarmos formalmente a uma estatueta sagrada.O que ele faria agora? Estatuetas de So Francisco de Assis venda em diversos formatos.4.Uma sociedade secular funcional pensaria com cuidado similar a respeito de seus modelosdeconduta.Noselimitariaanosfornecerastrosdocinemaecantores.Aausnciadecrena religiosa de modo algum invalida a necessidade persistente de santos padroeiros dequalidadescomoCoragem,Amizade,Fidelidade,Pacincia,ConfianaouCeticismo.Aindapodemosnosbeneficiardemomentosemquedamosespaointernosvozesdepessoasmaisequilibradas,corajosasegenerosasquensLincolnouWhitman,ChurchillouStendhal,WarrenBuffettouPaulSmith,eporintermdiodelasnosreconectarmos com nossas possibilidades mais dignas e srias.5.Aperspectivareligiosaacercadamoralidadesugereque,nofim,trata-sedeumsinaldeimaturidadesecontrapormuitotenazmenteasertratadocomoumacriana.Aobsessocomaliberdadeignoraoquantodenossanecessidadeinfantiloriginal,porlimiteeorientao,permanecedentrodens,e,portanto,oquantopodemosaprendercomestratgiaspaternalistas.Nomuitobom,enofimdascontasnemmesmomuitolibertador,serconsideradotoadultoapontodeserabandonadoparafazertudocomosedesejar.At mesmo os mais importantes ateus podem se beneficiar de modelos de conduta. Acima: mesa de Sigmund Freud emLondres, coberta de estatuetas assrias, egpcias, chinesas e romanas. Alto: H quem possa preferir Virginia Woolf.captulo quatroEducaoO propsito das universidades no produzir advogados, mdicos ou engenheiros competentes. criar seres humanoscapazes e cultos, John Stuart Mill.i. O que nos ensinam1.UmamovimentadaruacomercialnonortedeLondres.Emumbairrolotadodepadariascipriotas, cabeleireiros jamaicanos e deliveries bengali fica o campus de uma das mais novasuniversidadesbritnicas.Eledominadoporumatorredeaoassimtrica,comdozeandares,queabriga,aolongodeumasriedecorredorespintadosderoxoedeamareloberrantes,osanfiteatrosparaaulaseassalasdeseminriosdoDepartamentodeHumanidades.Portodaauniversidade,duzentosmilalunosdegraduaoestomatriculadosemquatrocentosprogramasdeestudo.Essedepartamentoemparticularfoiinauguradohpoucos meses, por um ministro da Educao e por um primo da rainha, em uma cerimniaregistrada em uma pedra de granito instalada na parede perto dos banheiros.Umlarparaomelhorquefoiditoepensadonomundo,dizaplaca,quetomouemprestadaafamosadefiniodeMatthewArnoldparaacultura.Afrasedevetertocadoumpontosensveldauniversidade,poisreaparecenomanualdematrculadosalunosdegraduao e em um mural ao lado da mquina de bebidas na cafeteria do poro.Existem poucas coisas em que a sociedade secular acredita com tanto fervor quanto naeducao. Desde o Iluminismo, a educao do primrio universidade apresentadacomoarespostamaiseficazparaumagamadospioresmalesdasociedade;ocanalparaproduzir um conjunto civilizado, prspero e racional de cidados.Umexamedoscursosoferecidospelanovauniversidaderevelaquemaisdametadedelestemoobjetivodeequiparosgraduandoscomhabilidadesprticas,exigidasparacarreirasdesucessoemsociedadesmercantisetecnolgicas:cursosdequmica,administrao, microbiologia, direito, marketing e sade pblica.Masaselevadasafirmaesfeitasemnomedaeducao,comoaquelaslidasnosfolhetosououvidasnascerimniasdeformatura,tendemasugerirquefaculdadeseuniversidadessomaisquemerasfbricasdetecnocrataseempresrios.Asugestoqueelas tm uma tarefa ainda mais elevada: podem nos transformar em pessoas melhores, maissbias e felizes.Como coloca John Stuart Mill, outro defensor vitoriano dos objetivos da educao: Opropsitodasuniversidadesnoproduziradvogados,mdicosouengenheiroscompetentes.criarsereshumanoscapazesecultos.Ou,paravoltaraMatthewArnold,umaeducaoculturaladequadadeveriainspiraremnsumamorpelovizinho,umdesejodeacabarcomaconfusohumanaediminuirsuamisria.Emseunvelmaisambicioso,acrescentouele,aeducaodeveriaengendrarnadamenosqueanobreaspirao de tornar o mundo melhor e mais feliz do que quando o encontramos.2.O que une afirmaes to ambiciosas e sedutoras sua paixo e seu carter vago. Rarasvezes fica claro como a educao poderia encaminhar os estudantes para a generosidade e averdadeeafast-losdopecadoedoerro,emborasejadifcilnoconsentirpassivamentecom essa noo inspiradora, dada sua familiaridade e sua absoluta beleza.Entretanto, no seria injusto examinar essa retrica grandiosa luz de certas realidadesemcampo,conformereveladasporumabanalsegunda-feiranaFaculdadedeHumanidades da moderna universidade no norte de Londres.A escolha do departamento no acidental, pois as afirmaes transformadoras e lricasfeitasemnomedaeducaoquasesempreforamvinculadasshumanidades,maisqueendocrinologiaoubioestatstica.oestudodefilosofia,histria,arte,dosclssicos,delnguaseliteraturaque,acredita-se,produzasdimensesmaiscomplexas,sutiseteraputicas da experincia educacional.Emumasalanumcantodostimoandar,umgrupodesegundanistasdehistriaacompanhaumaaulasobreareformaagrcolanaFranadosculoXVIII.Oargumentoapresentadopeloprofessor,quepassouvinteanosestudandooassunto,queacausadaquedanassafrasentre1742e1798tevemenosavercommscolheitasquecomopreorelativamentebaixodaterracultivvel,oqueincentivouosdonosdepropriedadesainvestir o dinheiro no comrcio e no na agricultura.Umandarabaixo,nodepartamentodosclssicos,quinzealunoscomparamousodeimagensnaturaisnasobrasdospoetasromanosHorcioePetrnio.Oprofessordestacaque, enquanto Horcio identifica a natureza com a desordem e a decadncia, Petrnio, sobmuitosaspectosomaispessimistaentreosdoispoetas,areverenciaprecisamentepelasqualidadesopostas.Talvezporqueosistemadeventilaotenhaquebradoeasjanelasestejam fechadas, a atmosfera encontra-se um pouco letrgica. Poucos estudantes parecemacompanhar o argumento com a ateno que o professor deve ter desejado quando obteveseu diploma de Ph.D em Oxford duas dcadas antes (Padres de metanarrativa em on, deEurpedes).Aaplicaodosacadmicosdauniversidadessuastarefasintensaecomovente.E,mesmo assim, difcil ver como o contedo dos seus cursos e a direo das perguntas nosexamestenhamqualquerrelaosignificativacomosideaisdeArnoldedeMill.Independentementedaretricaensaiadanosfolhetos,auniversidademodernaparecetermuito pouco interesse em ensinar aos alunos quaisquer aptides emocionais ou ticas, paranofalaremcomoamarosvizinhosedeixaromundomaisfelizdoquequandooencontrou.Osprerrequisitosparaumdiplomaemfilosofia,porexemplo,limitam-seaumafamiliaridade com os tpicos centrais da metafsica (substncia, individuao, proposiesuniversais)epreparaodeumatesesobreconceitosdeintencionalidadeemQuine,FregeouPutnam.UmdiplomaemliteraturainglesaserconcedidoquelesquetiveremsucessoaoabordaropoemaATerraDesoladadeT.S.EliotemnveisalegricoseanaggicosedelimitarainflunciadasteoriasdramticasdeSnecanodesenvolvimentodo teatro jacobino.Discursosdeformaturaidentificam,demaneiraestereotipada,aeducaoliberaleaaquisio de sabedoria e autoconhecimento, mas esses objetivos tm pouca relao com osmtodoscotidianosdeinstruoeexamedepartamental.Julgando-sepeloquefazem,nopeloquedeclamamdemododespreocupado,onegciodasuniversidadesproduzirumamaioriadeprofissionaisrigidamentefocados(advogados,mdicos,engenheiros)eumaminoriadegraduadosemartes,culturalmentebem-informados,masconfusosemtermosticos e temerosos quanto a conseguir uma ocupao remunerada pelo resto da vida.Encarregamos, de forma explcita, o sistema de educao superior de uma misso duplaetalvezcontraditria:ensinar-nosaganharavidaeaviver.Porm,negligenciamososegundo desses objetivos, deixando-o vago e ignorado.3.Quemseimporta?Porquedeveramosnospreocuparcomasdeficinciasdaeducaouniversitria em um livro sobre religio?Os motivos comeam a ficar claros quando consideramos a relao entre o declnio doensino da Escritura e a ascenso do ensino da cultura. Quando a crena religiosa comeouasefragmentarnaEuropa,noinciodosculoXIX,questesangustiantesforamlevantadas: como, na ausncia de um arcabouo cristo, as pessoas conseguiriam encontrarsentido,compreenderasimesmas,comportar-sedemaneiramoral,perdoarseuscolegashumanoseconfrontaraprpriamortalidade.Emresposta,umainfluentefacosugeriuqueasobrasculturaispoderiam,daliemdiante,serconsultadasnolugardostextosbblicos. A cultura poderia substituir a Escritura.Como viver no fez parte do currculo. Cerimnia de diplomao, Universidade de Oxford.Aesperanaeraqueaculturapudessesertoefetivaquantoareligio(queeraentendidacomosinnimodecristianismo)emsuacapacidadedeguiar,humanizareconsolar.Histrias,pinturas,ideiasfilosficasenarrativasficcionaispoderiamsergarimpadasparaproduzirlies,nomuitodistantesemseusentidoticoeimpactoemocionaldaquelasensinadaspelaBblia.Poderia-seobtersentidosemofardodasuperstio. As mximas de Marco Aurlio, a poesia de Boccaccio, as peras de Wagner e osquadros de Turner poderiam ser os novos sacramentos da sociedade secular.Combaseemtaisideias,reasinteirasquenuncatinhamsidoincludasnaeducaoformal comearam a entrar no currculo de universidades na Europa e nos Estados Unidos.Aliteratura,antesdescartadacomodignadeestudoapenaspormoasadolescenteseconvalescentes,foireconhecidacomoumcamposrioeapropriadodeanlisedentrodasuniversidadesocidentaisduranteasegundametadedosculoXIX.Oprestgiorecm-descobertodosromancesedospoemasfundamentava-senacompreensodequeessasformas,demaneiraparecidacomos evangelhos, podiam transmitir complexasmensagensmorais embutidas em narrativas com alto teor emocional e, em consequncia, estimular aidentificao afetiva e a autoanlise. Em sua aula inaugural na Universidade de Oxford, em1922, George Gordon, professor de literatura em Merton, enfatizou a escala da tarefa quecarasobreseucampodeestudos:AInglaterraestdoenteealiteraturainglesadevesalv-la.Comasigrejas(nomeuentendimento)tendofracassadoeosremdiossociaissendolentos,aliteraturainglesaagoratemumafunotripla:deaindanosencantareinstruir, suponho, mas tambm, e acima de tudo, de salvar nossa alma e curar o Estado.4.Afirmaes de que a cultura poderia substituir a Escritura de que MiddlemarchpoderiaassumirasresponsabilidadespreviamenteatribudasaossalmosouosensaiosdeSchopenhauersatisfariamnecessidadesoutrorapreenchidasporAcidadedeDeus,deAgostinhoaindasoamexcntricasouinsanasemsuacombinaodeimpiedadeeambio.Ainda assim, talvez a proposta seja mais incomum que absurda. As mesmas qualidadesque os religiosos encontram em seus textos sagrados frequentemente podem ser descobertasemobrasdacultura.Romancesenarrativashistricaspodemhabilmentetransmitirinstruo moral e edificao. Grandes pinturas de fato fazem sugestes a respeito de nossasnecessidadesdefelicidade.Afilosofiapode,demaneiraproveitosa,lidarcomangstiaseoferecer consolao. A literatura pode transformar nossa vida. Equivalentes s lies ticasda religio se espalham pelo cnone cultural.Por que, ento, a ideia de substituir a religio pela cultura, de viver segundo as lies daliteratura e das artes da mesma maneira que os crentes fazem com as lies da f, continuaasoartopeculiar?Porqueateusnosocapazesderecorrerculturacomamesmaespontaneidade e rigor que os religiosos empregam em seus textos sagrados?Essereconhecimentodenossasinibiesnostrazdevoltainflunciadaqueleproeminente sustentculo e propagador da cultura no mundo moderno, a universidade. Asmetodologiasqueasuniversidadeshojeempregamparadisseminaraculturaestofundamentalmente em choque com as intensas e neorreligiosas ambies outrora acolhidasporcristosapstatasoucticos,taiscomoArnoldeMill.Aomesmotempoemqueasuniversidades conquistaram uma competncia sem paralelos na transmisso de informaofactualacercadacultura,elaspermanecemdetododesinteressadasemtreinarosestudantes para us-la como repertrio de sabedoria com esse ltimo termo referindo-seaumtipodeconhecimentorelacionadoacoisasquenoapenassoverdadeiras,masintrinsecamente benficas, um conhecimento que se prova reconfortante para ns quandoconfrontados pelos infinitos desafios da existncia, de um patro tirnico a uma leso fatalno fgado.Deformanenhumahescassezdematerialquepossasubstituirostextossagrados;estamos simplesmente tratando-o da maneira errada. No estamos dispostos a considerar aculturaseculardeformasuficientementereligiosa;emoutraspalavras,comofontedeorientao.Muitosateustmseopostodetalformaaocontedodacrenareligiosaquedeixaram de apreciar seu objetivo geral inspirador e ainda vlido: fornecer aconselhamentobem-estruturado sobre como conduzir nossa vida.Um estudante de literatura medieval, Universidade de Oxford.5.As diferenas entre a abordagem secular e a religiosa em relao educao sintetizam-sena questo de para que deveria servir o aprendizado.umaquestoquetendeairritarosencarregadosdeensinarculturaeminstituiesseculares.Questionamentosarespeitodeporque,exatamente,aspessoasdeveriamsedaraotrabalhodeestudarhistriaouliteraturaemgeralsovistoscomoimpertinenteseprovocativosemuitasvezesficamsemresposta.Acadmicosdashumanidadesapreciamqueseusequivalentesnosdeparta