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A12 ** Aposentado do cargo de Ministro do Superior Tribunal de Justiça a partir de 05/06/2008. REFLEXÕES CONTEMPORÂNEAS (JULHO/2007) SOBRE OS PODERES DEVERES DO JUIZ NA IMPOSIÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO E DA MORALIDADE, NA RELAÇÃO JURÍDICA FORMAL * JOSÉ AUGUSTO DELGADO** Ministro do Superior Tribunal de Justiça Sumário: 1. Introdução – 2. O exercício e a efetividade dos poderes e deveres do juiz voltados para o cumprimento do inc. LXXVIII do art. 5° da CF (razoável duração do processo) – 3. O exercício e a eficácia dos poderes-deveres do juiz para instituir efetividade ao princípio da moralidade processual – 4. A jurisprudência do STJ sobre o princípio da moralidade ou da lealdade processual – 5. Conclusões. 1. INTRODUÇÃO *Artigo escrito para homenagear a professora Teresa Arruda Alvim Wambier, em reconhecimento pela sua científica e intensa contribuição para o aprimoramento das instituições que formam o Direito Processual. ** Doutor honoris causa pela UERN e pela UNE Especialista em Direito Civil. Professor de Direito Publico (Administrativo, Tributário e Processual Civil). Professor da UFRN (aposentado). Professor convidado nos cursos de pós-graduação, área de especialização, do UniCEUB. Ex-professor da UNICAE Sócio honorário da ABDT. Sócio benemérito do INDE Conselheiro Consultivo do Conselho Nacional das Instituições de Mediação e Arbitragem. Integrante do Grupo Brasileiro da Sociedade Internacional do Direito Penal Militar e Direito Humanitário. Sócio honorário do 1BFJ. Sócio-fundador do 1DP-SE Membro titular da Academia Brasileira de Letras Jurídicas (Rio de Janeiro).

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  • A12 ** Aposentado do cargo de Ministro do Superior Tribunal de Justia a partir de 05/06/2008.

    REFLEXES CONTEMPORNEAS (JULHO/2007) SOBRE OS PODERES DEVERES DO JUIZ NA IMPOSIO DOS PRINCPIOS DA RAZOVEL DURAO DO PROCESSO E DA MORALIDADE, NA RELAO JURDICA FORMAL*

    JOS AUGUSTO DELGADO** Ministro do Superior Tribunal de Justia

    Sumrio:

    1. Introduo 2. O exerccio e a

    efetividade dos poderes e deveres do juiz

    voltados para o cumprimento do inc.

    LXXVIII do art. 5 da CF (razovel durao

    do processo) 3. O exerccio e a eficcia

    dos poderes-deveres do juiz para instituir

    efetividade ao princpio da moralidade

    processual 4. A jurisprudncia do STJ

    sobre o princpio da moralidade ou da

    lealdade processual 5. Concluses.

    1. INTRODUO

    *Artigo escrito para homenagear a professora Teresa Arruda Alvim Wambier, em reconhecimento pela sua cientfica e intensa contribuio para o aprimoramento das instituies que formam o Direito Processual. ** Doutor honoris causa pela UERN e pela UNE Especialista em Direito Civil. Professor de Direito Publico (Administrativo, Tributrio e Processual Civil). Professor da UFRN (aposentado). Professor convidado nos cursos de ps-graduao, rea de especializao, do UniCEUB. Ex-professor da UNICAE Scio honorrio da ABDT. Scio benemrito do INDE Conselheiro Consultivo do Conselho Nacional das Instituies de Mediao e Arbitragem. Integrante do Grupo Brasileiro da Sociedade Internacional do Direito Penal Militar e Direito Humanitrio. Scio honorrio do 1BFJ. Scio-fundador do 1DP-SE Membro titular da Academia Brasileira de Letras Jurdicas (Rio de Janeiro).

  • Reflexes Contemporneas (Julho/2007) Sobre os Poderes Deveres do Juiz na Imposio dos Princpios da Razovel Durao do Processo e da Moralidade, na Relao Jurdica

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    O juiz um dos atores integrantes da relao jurdica

    processual, no tem, por concepo do sistema legal brasileiro faculdades

    nem, tambm, nus processuais, conforme adverte Cndido Rangel

    Dinamarco, em Instituies de direito processual civil.1

    A afirmao supra decorre da concepo cientfica de que ao

    juiz, para resguardar a confiabilidade das partes na deciso a ser

    prolatada pelo Estado, solucionando o conflito quando entrega a prestao

    jurisdicional solicitada pelo cidado, no deve ser concedida

    disponibilidade alguma "sobre os interesses discutidos nas lides, nem

    sobre as situaes jurdico-processuais ocupadas por elas".2

    Os juzes, no cumprimento das competentes atribuies que

    lhes so outorgadas pela Constituio Federal, atuam em nome do Estado,

    representando-o no exerccio da atividade jurisdicional. No cumprimento

    dessa vontade corporativa estatal, que tem como objetivo impor, pela

    deciso judicial transita em julgado, a paz entre os seres humanos quando

    ingressam em zonas de conflito, o magistrado h de adequar o seu

    comportamento aos limites impostos pelas normas legais processuais.

    Os juzes, para que possam desenvolver plenamente o

    exerccio pleno da jurisdio, necessitam, primeiramente, ser investidos

    legalmente na condio de julgador, segundo a disciplina determinada

    pela Constituio Federal, legislao complementar e ordinria.

    A exigncia da legal investidura desses agentes do poder

    repercusso direta dos efeitos do regime democrtico adotado pelo Brasil,

    o qual exige a obrigao de amarem para a realizao de ser cumprida a

    misso estatal de ser responsvel pela funo jurisdicional. A

    conseqncia dessa imposio respeitadora da dignidade humana e da

    cidadania a de proibir, de modo absoluto, que o juiz seja sujeito

    1 5. ed. So Paulo: Malheiros, 2005. v. 2, p. 208. 2 As expresses as peadas so da autoria de Cndido Rangel Dinamarco (op. et loc. cits.).

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    interessado no resultado do processo, pelo que a sua deciso no pode

    ser afetada por qualquer influncia que no seja a vontade da lei.

    O juiz, no processo, o Estado atuando. O Estado quem

    assume a funo de ser um dos sujeitos desinteressados do processo.

    O panorama suso apresentado gera, para o julgador oficial, ao

    atuar em nome do Estado, entre outras, as obrigaes seguintes:

    a) ser rigorosamente imparcial na direo do processo e no

    momento de julgar a controvrsia;

    b) no delegar a sua atividade jurisdicional;

    c) agir com impessoalidade;

    d) no se posicionar como sujeito pessoal do processo;

    e) afastar, em car ter total, qualquer interesse na lide;

    f) no interromper ou suspender o exerccio da jurisdio;

    g) atuar com eficincia;

    h) no decidir a lide com "fundamento em cincia privada";

    i) atuar nos limites de sua competncia;

    j) exercer a jurisdio sem adotar uma "liberdade de conduta

    e de exerccio dos direitos segundo escolhas prprias e o interesse de

    cada um";

    k) impedir, in limine, o curso de processo com pretenso

    contrria ao que dispe smula vinculante expedida pelo Supremo

    Tribunal Federal;

    l) dispensar tratamento isonmico s partes (art. 125, I, do

    CPC);

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    m) impor celeridade para consolidar a entrega da prestao

    jurisdicional em tempo razovel (art. 5, LXXVIII, da CF, c/c o art. 125,

    II, do CPC);

    n) tentar conciliar as partes, em qualquer fase em que se

    encontre o processo (art. 125, IV, do CPC);

    o) "reprimir atos que atentem contra a respeitabilidade e o

    prestgio que deve gozar a Justia" (arts. 125, III, e 129 do CPC);3

    p) s decidir por equidade nos casos previstos em lei (art. 127

    do CPC), como, por exemplo, o ditado pelo art 1.701, pargrafo nico, do

    CC/2002;

    q) decidir a lide nos limites legais em que foi imposta (art. 459

    do CPC);

    r) atuar sem dolo ou fraude.

    Conclumos a parte introdutria deste trabalho relembrando

    alguns pronunciamentos doutrinrios sobre os poderes e deveres do juiz,

    manifestaes que consideraram a moldura da entrega da prestao

    jurisdicional exigida pelo cidado neste sculo XXI.

    Em primeiro plano, registramos o pensamento de Cndido

    Rangel Dinamarco:4

    A jurisdio exerce-se mediante a prtica de atos de diversas ordens, dispostos segundo critrios de tcnica processual (instruir a causa, sanear o processo, julgar o mrito) e dimensionados segundo certas opes polticas do legislador. No processo civil moderno, que exalta a necessidade de obter resultados, incrementam-se os poderes do juiz no sentido de suprir deficincias das partes e seus procuradores (especialmente em matria probatria) e de empenhar-se na imposio do cumprimento das

    3 V: Elpidio Donizetti. Curso didtico de direito processual civil. 7. ed. Rio de Janeiro: Lumen Jris, 2007. p.122. 4 Op. cit.,p. 352.

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    obrigaes, especialmente as de fazer ou de no-fazer, inclusive mediante aos de presso psicolgica sobre o obrigado (CPC, art. 461). Da garantia do contraditrio extrai-se o dever judicial de participar intensamente do processo com poderes que antes no se reconheciam nem os juizes exerciam.

    Prossegue o autor:

    Ao lado desses poderes diretamente ligados ao exerccio da jurisdio, o juiz dotado de outros, integrados no conceito de poder de polcia (conceito de bastante aplicao em direito pblico em geral, especialmente direito administrativo), pelos quais lhe lcito impor a disciplina no processo mesmo e nas audincias que preside (a chamada policia das audincias).

    Ainda, em primeiro plano, apresentamos a manifestao de

    Arruda Alvim, em Manual de direito processual civil,5 ao comentar os

    deveres do juiz. Afirma o eminente doutrinador:

    Dentre os deveres do juiz, h alguns que afetam a prpria funo que iria rotineiramente desenvolver no processo, ou seja, desligam o juiz do processo que ele normalmente estaria ligado Assim, por exemplo, o dever de o juiz abster-se de funcionar no processo, no qual seja tido como suspeito (arts. 135 e 137), ou impedido (arts. 134 e 137). Trata-se, nestes dois casos, de um dever que decorre de relao da prpria pessoa do juiz parai com uma das partes, ou para com ambas, e no; tendo em vista o rgo por ele ocupado. , alm de um dever funcional, um dever pessoal, decorrente da incompatibilidade de sua pessoa, luz das hipteses descritas nos arts. 134, 135 e 136, tendo em vista relacionamento de magistrados, entre si, em rgos colegiados, motivos estes aplicveis a todos os tribunais (art. 173).

    Outro dever existente para o juiz, e que tem a virtude de deslig-lo do processo, o da verificao da incompetncia absoluta do rgo por ele ocupado, o que deve ser por ele oficiosamente providenciado (art. 113). Embora o problema da competncia seja relativo ao rgo e, portanto, implique o desligamento da causa do rgo, como conseqncia desliga o juiz da causa tambm.

    5 10. ed. So Paulo: RT, 2006. v. 2, p. 26.

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    Jos de Albuquerque Rocha, em obra de sua autoria

    denominada Teoria geral do processo,6 ao tratar dos deveres do juiz,

    lembra que:

    Como a qualquer agente pblico, aos juzes incumbe normalmente uma srie de obrigaes. Assim, so obrigados a residir onde exercem suas funes, de onde no podem ausentar-se sem prvia autorizao, e a comparecer ao trabalho, pontualmente, hora de iniciar-se o expediente, e dele no se ausentar antes do trmino etc.

    No entanto, a relevncia das funes que exercem implica a atribuio aos juzes de alguns deveres particulares, que vo alm dos que so imputados aos funcionrios comuns. Esses deveres particulares dos juzes esto ligados necessidade de salvaguardar sua independncia, objetividade, autoridade, o prestigio da justia e o esprito de desinteresses que deve presidir o exerccio da funo judiciria.

    Os deveres que so atribudos aos magistrados esto previstos na Constituio Federal, na Lei Orgnica da Magistratura Nacional e nas respectivas leis de organizao judiciria.

    Entre os deveres especficos da magistratura, que importam uma conduta positiva, previstos na Loman, parecem-nos importantes os seguintes: (a) cumprir e fazer cumprir, com independncia, serenidade e exatido, as disposies legais e atos de oficio; e (b) observar conduta irrepreensvel na vida pblica e particular (Loman, art. 35, I e VIII).

    Entre os deveres que importam uma omisso e, por isso mesmo, so chamados de interdies e incompatibilidades, merecem especial ateno os previstos no art. 95, pargrafo nico, I, II e III, da CF e no art. 36 da Lei Orgnica da Magistratura.

    Lembramos, por fim, que Misael Montenegro Filho, em Curso

    de direito processual civil,7 aponta, ao examinar o tema, que

    no campo dos deveres, destacamos a obrigao de assegurar tratamento igualitrio entre as partes, em respeito ao primado constitucional estampado no art. 5 da CF,

    6 6. ed. So Paulo: Malheiros, 2002. p. 155-156. 7 So Paulo: Atlas, [s.d.]. v. 1, p. 255.

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    relativo isonomia processual. J anotamos em outras passagens deste livro que a igualdade no pode ser vista de forma absoluta, mas apenas principiolgica, admitindo-se seja emprestado tratamento desigual entre as partes, desde que uma delas se encontre em posio financeira e/ou jurdica desprivilegiada, a justificar a concesso de algumas complacncias em seu favor.

    2. O EXERCCIO E A EFETIVIDADE DOS PODERES E DEVERES DO JUIZ VOLTADOS PARA O CUMPRIMENTO DO INC. LXXVIII DO ART. 5 DA CF (RAZOVEL DURAO DO PROCESSO)

    As nossas reflexes, a partir desse momento, voltam-se para

    o exerccio da efetividade dos poderes e dos deveres administrativos e

    judiciais concedidos ao juiz, pelas regras do nosso ordenamento jurdico

    instrumental, para que seja tomado eficaz o inc. LXXVIII do art. 5 da CF,

    introduzido pela EC 45/2004.

    Muitos dos poderes elencados pelo sistema processual so,

    tambm, deveres, o que atesta a preocupao do legislador de outorgar

    ao juiz a responsabilidade maior de dirigir o curso da relao jurdica

    processual com intensidade e autoridade capazes de fazer com que a

    entrega da prestao jurisdicional seja concretizada de modo clere (em

    prazo razovel), com segurana, preciso cientfica e humanizada, tudo

    com vnculo s determinaes do ordenamento legal.

    Essa configurao comportamental dos magistrados a que a

    sociedade est exigindo neste primeiro decnio do sculo XXI. A sociedade

    quer um juiz assumido, integralmente, com as responsabilidades

    jurisdicionais que o Estado lhe delega, com o objetivo de impor paz social.

    Uma viso sistmica das regras processuais vigentes

    (constitucionais e infraconstitucionais) conduz o agente do direito a

    concluir que a tendncia do sistema jurdico entregar ao juiz a direo

    do processo, com o mximo de atribuies, ampliando o crculo dos seus

    poderes e deveres, tornando-o, conseqentemente, responsvel direto

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    pela consecuo do "restabelecimento da ordem jurdica violada ou

    ameaada e da paz social dentro de um prazo razovel".8

    A ampliao dos poderes do juiz, na direo do processo, na

    atualidade, ganhou ampla extenso com a EC 45/2004, ao considerar

    como direito fundamental da cidadania brasileira a razovel durao do

    processo, conforme previsto com a introduo, no art. 5 da Carta Magna,

    do inc. LXXVIII, assim impondo: "LXXVIII a todos, no mbito judicial e

    administrativo, so assegurados a razovel durao do processo e os

    meios que garantam a celeridade de sua tramitao".

    O zelo pela razovel durao constitui, hoje, por determinao

    constitucional, o primeiro dever assumido pelo juiz. compromisso

    imposto pela Carta Magna que, implicitamente, est concedendo todos os

    poderes necessrios ao juiz, para que cumpra esse direito fundamental da

    cidadania. Esse postulado contido, expressamente, na Constituio

    Federal, confirma os propsitos j consagrados na legislao ordinria no

    sentido de que o juiz, ao dirigir o processo civil moderno, "no pode mais

    ser visto como aquele sujeito totalmente inerte, que para atuar depende,

    sempre, da provocao da parte".9

    Os deveres do juiz do sculo XXI acenam para que ele deve

    cuidar de facilitar s partes o acesso Justia e que o conflito submetido

    sua deciso seja solucionado no menor tempo possvel.

    Nos dias atuais a sociedade considera ser o juiz o agente que,

    no sistema adotado para a soluo de litgios, assume maior

    responsabilidade. Certa a observao de Francisco Lima Filho, em seu

    artigo Acesso justia e o juiz moderno,10 no sentido de que o

    8 Cf. Ivan Aparecido Ruiz. O papel do juiz no processo civil moderno. Disponvel em: . Acesso em 26 jun.2007. 9 Idem. 10 Disponvel em: .

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    juiz o agente mais reverenciado do sistema do acesso Justia e freqentemente visto como uma autoridade distante da realidade, vale dizer, um ser assptico e distante dos seus, dotado da terrvel e temvel misso de julgar iguais, o que lhe impede de ser visto como um deles. E essa viso sempre foi reforada pela grande maioria dos prprios juizes que, de modo geral, continuam buscando acentuar a imparcialidade e a neutralidade de seu papel, o que os tem sistematicamente afastado das angstias do povo, proferindo decises calcadas em critrios de puro dogmatismo descompromissados com os dramas sociais.

    Em face dessa nova realidade, concebemos que a introduo

    do inc. LXVIII ao art. 5 da CF, por imposio da EC 45/2004, constitui

    marco revelador do que h muito vinha sendo perseguido pela sociedade:

    a elevao do direito de durao razovel do processo categoria de ser

    fundamental.

    A conquista desse direito vem sendo conseguida pelos

    europeus, conforme revelado est no art. 6 da Conveno Europia para

    Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais,

    subscrita em Roma pelos Pases da Europa, no dia 04.11.1950. 0 referido

    dispositivo determina:

    Art. 6 Direito a um processo eqitativo.

    Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, eqitativa e publicamente, num prazo razovel por um tribunal independente imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidir, quer sobre a determinao dos seus direitos e obrigaes de carter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusao em matria penal dirigida contra ela.

    A repercusso do assentado pela referida Conveno Europia est presente no Pacto de So Jos de Costa Rica, que firmou a denominada Conveno Americana sobre Direitos Humanos. Este diploma revelador da vontade estatal internacional assim posta no art. 8 que o compe:

    Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razovel, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, na apurao de qualquer acusao penal formulada contra ela, ou para

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    que se determinem seus direitos ou obrigaes de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.

    Na linha de expressar a potencialidade e efetividade desse direito fundamental outorgado ao cidado, temos, tambm, a Constituio americana, por imposio do art. 6, fruto de Emenda, a chamada "clusula do julgamento rpido (speed trial clause)" aplicada aos processos criminais:

    Art. VI Em todos os processos criminais, o acusado ter direito a um julgamento rpido e pblico por um jri imparcial do Estado e distrito onde os crime houver sido cometido, distrito esse que ser previamente estabelecido por lei, e de ser informado sobre a natureza e a causa da acusao; de ser acareado com as testemunhas de acusao; de fazer comparecer por meios legais testemunhas da defesa, e de ser defendido por um advogado.

    A Itlia, a partir de 1990, cuidou de garantir, no mbito constitucional e legal, a razovel durao do processo aos seus cidados.

    Para dotar de eficcia esse direito, alm de ter aderido

    Conveno Europia para Salvaguarda dos Direitos do Homem e das

    Liberdades Fundamentais, j referida, sujeitando-se ao imposto no art. 6,

    reconstruindo, portanto, o conceito de soberania, modificou o art. 111 de

    sua Constituio para afirmar:

    Art. 111. (1)

    A jurisdio administrar-se- mediante um juzo justo regulado por lei. Todo juzo desenvolver-se- mediante confrontao entre as partes, em condies de igualdade ante um juiz terceiro e imparcial, e com uma durao razovel garantida por lei (...).

    A Itlia reservou, por determinao constitucional, ao juiz o dever de zelar pela razovel durao do processo, de acordo com os preceitos fixados em lei ordinria.

    Integrando-se a comunidade italiana no objetivo de tornar eficaz e efetivo esse direito fundamental, fez aprovar a denominada Lei Pinto (assim chamada por ter sido proposta por um Senador conhecido pelo apelido de Pinto), aprovada

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    em 24.03.2001 e publicada na Gazzetta Ufficiale, n.78, de 03.04.2001.

    A mencionada lei italiana, no que interessa, tem a seguinte

    composio:

    Lei 24 de maro 2001 n. 89 (Publicada na Gazzetta Ufficiale, n. 78, de 03.04.2001).

    Previso de igual reparao em caso de violao do trmino razovel do processo e mudana do art. 375 do Cdigo de Processo ou Ao Judicial Civil.

    A Cmara dos Deputados e o Senado da Repblica aprovaram.

    O Presidente da Repblica promulga a seguinte Lei:

    Item I Definio imediata do Processo Civil

    Art. 1 Pronncia (ou declarao) na Cmara de Conselho.

    O art. 375 do Cdigo da forma de tratar no Frum uma questo ou 'processo' civil substitudo pelo seguinte.

    Art 375. (Declarao ou Pronncia em Cmara de Conselho) A Corte seja em sees unidas que em sees simples, pronuncia (ou declara) como questo de ordem na Cmara de Conselho quando reconhece do dever de:

    Declarara inadmissibilidade do recurso principal e daquele incidental eventualmente proposto.

    Ordenar a integrao do contraditrio ou dispor que seja seguida a notificao da impugnao conforme a norma do art. 332.

    Declarar a extino do processo por advinda renncia da norma do art. 390.

    Pronunciar em ordem a extino do processo em cada outro caso.

    Pronunciar sobre instncias de regulamento de competncia e de jurisdio.

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    A Corte, seja em sees unidas como que em sees simples, declara por sentena na Cmara de Conselho quando o recurso principal e aquele incidental eventualmente proposto so manifestamente fundados e so, portanto, acolhidos ambos, ou quando reconhece o dever de pronunciar a rejeio de ambos por falta de fundamento dos mesmos, ainda mais quando um recurso for acolhido para ser manifestamente fundado e o outro vai rejeitado por falta dos motivos previstos no art. 360 ou por manifesta falta de fundamento dos mesmos.

    A Corte, ao entender que no ocorrem s hipteses do primeiro e do segundo pargrafo (ou inciso), reenvia a causa pblica audincia.

    As concluses do Ministrio Pblico, ao menos vinte dias antes da audincia da Corte na Cmara de Conselho, so notificadas aos advogados das partes, que tm faculdade de apresentar memoriais dentro do trmino (ou termo) do art. 378 e, se for a hiptese, nos casos previstos no primeiro pargrafo (ou inciso), ns. 1), 4) e 5). Limita-lhes os casos previstos no regulamento de jurisdio, e no segundo pargrafo (ou inciso).

    Item II Igual reparao

    Art. 2 Direito da igual reparao

    1 Quem tem logo um dano patrimonial ou no patrimonial por efeito de violao da Conveno pela Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, ratificada aos sensos da Lei 4 de agosto de 1955, n. 848, sob o aspecto do malogrado respeito do trmino (ou termo) razovel do art. 6, pargrafo I, da Conveno, tem direito a uma igual reparao.

    2 No acertar a violao o juiz considera a complexidade do caso e, em relao mesma, o comportamento das partes e do juiz do procedimento, ainda mais aquela outra autoridade chamada a concorrer ou a de qualquer maneira contribuir sua definio.

    3 O juiz determina a reparao de acordo com a norma do art. 2.056 do CC, observando as disposies seguintes:

    Releva somente o dano referente ao perodo excedente ao trmino (ou termo) razovel previsto no inc. 1.

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    O dano no patrimonial reparado, alm do pagamento de uma soma de dinheiro, tambm atravs de adequadas formas de publicidades da declarao da advinda violao.

    Art. 3 Procedimento

    1 A proposta de igual reparao se prope perante a Corte de Apelao do Distrito em cujo tem sede o juiz competente, de conformidade com o sentido do art. 11 do Cdigo de Procedimento Penal para julgar nos procedimentos concernentes aos magistrados no cujo distrito est concludo ou extinto relativamente aos graus de mrito ou bem pende o procedimento no cujo mbito a violao se assume verificada.

    2 A petio se prope com recurso depositado na chancelaria da Corte de Apelao, subscrito de um defensor munido de procurao especial e contundente os elementos exigidos pelo art. 125 do CPC.

    3 O recurso proposto nos confrontos do Ministro da Justia quando se trata de procedimentos do juiz militar, do Ministro das Finanas quando se trata de procedimentos do juiz tributrio. Nos outros casos proposto nos confrontos do Presidente do Conselho dos Ministros.

    4 A Corte de Apelao providencia aos sensos do art. 737 e ss. do CPC. O recurso, em conjunto com o decreto de fixao da Cmara de Conselho, notificado, ao cuidado do recorrente, administrao convencionada, junto advocacia do Estado (Nao). Entre a data da notificao e aquela da Cmara de Conselho deve intercorrer um trmino (ou termo) no inferior a quinze dias.

    5 As partes tm poder de requisitar que a Corte disponha a aquisio no todo ou em parte dos atos e dos documentos do procedimento em cujo assume-se ser verificada a violao do art. 2 e tem direito juntamente aos defensores deles, de ser ouvido em Cmara de Conselho, se comparecerem. So admitidos o depsito de memoriais e a produo de documentos at cinco dias antes da data fixada pela Cmara de Conselho, ou bem at o trmino (ou termo) que a tal escopo for designado pela Corte ou o ocorrido de modo relativo pela instncia das partes.

    6 A Corte pronuncia, dentro de quatro meses do depsito do recurso, decreto impugnvel para cassao. O decreto imediatamente executivo.

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    7 A distribuio das indenizaes aos adventos direitos advm, nos limites dos recursos disponveis, a iniciar no dia 1 do ms de janeiro do ano de 2002.

    Art. 4 Trmino (termo) e condies de proponibilidade.

    1 A petio de reparao pode ser proposta durante a pendncia do procedimento no cujo mbito a violao assume-se verificada, ou bem, sob pena de decadncia, dentro de seis meses do momento em cujo a deciso que conclui o mesmo procedimento, tornou-se definitiva.

    Art. 5 Comunicaes

    1 O decreto de acolhimento da petio comunicado aos cuidados da chancelaria, alm das partes, ao Procurador-Geral da Corte dos clculos, aos finais do eventual encaminhamento do procedimento de responsabilidade, ainda mais aos titulares da ao disciplinar dos dependentes pblicos todavia interessados do procedimento.

    Art. 5 Bis.

    I O procedimento de cujo art. 3 isento do pagamento da contribuio unificado prevista no art. 9 da Lei 23 de dezembro do ano de 1999.

    Art. 6

    1 No trmino dos seis meses da data da entrada em vigor da presente Lei, aqueles que tenham tempestivamente apresentado recurso Corte Europia dos Direitos do Homem, sob o perfil da falta de respeito do termo razovel, conforme o art. 6, 1, da Conveno para Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, ratificada aos sentidos da Lei 4 de agosto de 1955, n. 848, podem apresentar a petio de acordo com o art. 3 da presente lei, toda vez que no seja intervinda uma deciso sobre a aceitabilidade da parte da predita Corte europia

    2 A chancelaria do juiz auditor informa sem atraso ao Ministrio dos afazeres exteriores de todas as Peties apresentadas aos sentidos do art. 3 no termo do presente artigo.

    Art. 7 Disposies financeiras

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    1 Os nus derivantes da atuao da presente lei, vlidos em liras de 12.705 milhes no decorrer do ano 2002, provm mediante correspondente reduo das projees da deliberao inscrito, aos fins do Balano Trienal 2001 - 2003, no mbito da unidade previsional da base da parte corrente 'fundo especial' do estado da previso do Ministrio do Tesouro, do Balano e da Programao Econmica para o ano 2001, ao propsito parcialmente utilizando o acantonamento relativo ao mesmo Ministrio.

    2 O Ministro do Tesouro, do Balano e da Programao econmica autorizado a conduzir, com prprios decretos as ocorrentes variaes do balano.

    A presente Lei, munida do sigilo do Estado (pas), ser inserida na Reunio Oficial dos Atos Normativos da Repblica Italiana, e ocorrido encargo a qualquer pessoa competir de observ-la e de faz-la observar como lei do Estado (Pas) (...)". A respeito dessa lei italiana que regula o procedimento indenizatrio pela parte que sofre dano em razo da demora na entrega da prestao jurisdicional, no podemos deixar de registrar algumas das concluses formuladas por Paulo Hoffman:11

    14. Com essa previso de um processo com um trmino em prazo razovel, a Conveno Europia dos Direitos do Homem j demonstrava, h mais de 50 anos, a importncia de que o julgamento das causas judiciais fosse dotado de mecanismos que permitissem uma demora que no ultrapasse aquela estritamente necessria, isso quando nem sequer se imaginava que um processo pudesse durar 10, 20 ou at 30 anos, como, infelizmente, ocorre atualmente em alguns casos.

    15. Importante ressaltar, que a Corte entende que a durao deve ser compreendida em seu todo, ou seja, no s a parte do processo de conhecimento, mas tambm a satisfao do direito reclamado em juzo, ou isoladamente em cada uma de suas fases. Assim, se at o trnsito em julgado da sentena o processo tiver sido super eficiente, mas o cumprimento desta for indesejvel, tambm ser devida a indenizao. Outro ponto interessante que tanto o autor quanto o ru podem pleitear indenizao perante a Corte, antes mesmo do trmino da demanda judicial e independentemente de quem saia vencedor na causa, uma vez que a simples indefinio a que so submetidas as partes quanto ao direito controvertido j bastante para

    11 HOFFMAN, Paulo. Razovel durao do processo. So Paulo: Quartier Latin, 2006. p. 215-218.

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    gerar dano a ser reparado. No se discute o direito subjetivo posto em juzo, nem o acerto ou incorreo da deciso interna, mas somente se o processo teve durao razovel ou exagerada.

    16. Desde 1990 a Itlia vem realizando alteraes importantes no Cdigo de Processo Civil, tudo no intuito de tornar mais clere e efetivo o processo civil, inclusive com reforma do texto constitucional. Dentro desse quadro, no que concerne parte processual, destacamos a nova redao do art. 111 da Constituio da Repblica Italiana: 'Art. 111: La giurisdizione si attua mediatne il giusto processo regolato dalla legge. Ogni processo si svolge nel contraddittorio tra le parti, in condizione di parit, davanti a giudice terzo e imparziale. La legge ne assicura la ragionevole durata'.12

    17. No h contradio em usar ou defender a expresso justo processo, porquanto um processo pode existir e terminar, sem nunca ter sido justo, adequado, honesto e democrtico. Entretanto, um processo sem que sejam rigorosamente respeitados todos os princpios processuais e morais destacados, mas que tenha uma durao excessivamente longa, no ser igualmente justo, motivo pelo qual sua durao razovel preocupao que deve orientar o legislador, o jurista e todos os operadores do direito, sob pena de se transformar a atividade jurisdicional em seu todo em uma grande fbula, um enorme dispndio de tempo e dinheiro, que jamais atinge o fito e princpio maior do estado democrtico, que a realizao da mais ldima forma de justia.

    18. Diante da necessidade de se introduzir lei especfica no ordenamento jurdico italiano sobre o dever de indenizar aquele que sofra prejuzo em decorrncia da durao exagerada do processo, aps uma primeira tentativa infrutfera, em 24 de maro de 2001, foi aprovada lei com a previso da justa reparao em caso de violao do prazo razovel de durao do processo e de modificao do art. 375 do CPC.

    19. Reafirma-se que a lei de equa riparazione no pode, nem deve ser considerada um fim em si mesma, mas um primeiro passo a reparar em pequena parte quem sofre com a demora do processo, ao qual devem seguir-se as reformas

    12 "A jurisdio posta sob o efeito e por meio do processo justo regulado por lei. Cada processo realizado em oposio entre as partes, nas condies da paridade, na frente de um do juiz terceiro e imparcial. A lei assegura a durao razovel" (Traduo livre).

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    necessrias na legislao e, principalmente, na estrutura da mquina judiciria estatal.

    20. O principal critrio para a definio do quantum da indenizao da posta in gioco, isto , o valor pessoal, patrimonial e moral envolvido na causa em discusso, assim como as conseqncias que a demora acarreta na vida, na honra, nos interesses e no destino do jurisdicionado lesado com a durao exagerada do processo.

    Estamos convictos de que a nova postura do direito italiano

    influenciou a aprovao, no Brasil, do inc. LXXVIII, includo no art. 5 da

    CF.

    Temos destacado em outras oportunidades que abordamos o

    tema relativo ao direito da razovel durao do processo que os juristas

    portugueses tm, nos ltimos anos, apresentado manifestao a respeito.

    Fausto Quadros, doutor em Direito e professor catedrtico da

    Faculdade de Direito de Lisboa, advogado, em artigo intitulado A

    responsabilidade civil extracontratual do Estado Problemas gerais,

    publicado via internet,13 ao tratar da responsabilidade do Estado-juiz,

    desenvolve as idias seguintes:

    A responsabilidade do Estado por actos da funo judicial constitui hoje um principio pacificamente adquirido no Direito Comparado, especialmente, por exemplo, no Direito espanhol.

    Convm comear por se sublinhar que existe um ncleo de deciso da conscincia individual e, por isso, totalmente independente, do juiz. Esse ncleo inexpugnvel e deve continuar a s-lo.

    Sem prejuzo disso, o Estado , contudo, responsvel:

    por atraso na justia, que se atenuar drasticamente quando tambm os tribunais, o Ministrio Pblico e os juizes tiverem, como tm as partes no processo, prazos obrigatrios e peremptrios e no s prazos meramente ordenadores ou reguladores;

    13 Disponvel em: .

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    por erro judicirio, entendido como mero manifesto ou grosseiro na interpretao e na aplicao do Direito;

    por violao, ou colaborao na violao, do segredo de justia, da qual resulte prejuzos para outrem;

    por sentenas incorretas ou injustas que, por isso, causem prejuzos a alguma das partes.

    Adverte, porm, o ilustre professor supracitado:

    Esta forma de responsabilidade deve estar sujeita aos mesmos requisitos da responsabilidade subjectiva, inclusive o regime de solidariedade e o dever de regresso. A responsabilidade do Estado-juiz pode nascer de actos no estritamente jurisdicionais: por exemplo, por aces ou omisses dos servios dos tribunais. Tambm aqui a culpa do servio deve ser interpretada em termos restritos.

    A preocupao, em Portugal, com a demora na entrega da prestao jurisdicional e a indenizao s partes quando dano lhes provocar, ensejou a apresentao de um projeto de lei, de onde destacamos as propostas a seguir enumeradas:

    Art. 2 Alterao ao Cdigo de Processo Penal O art, 225. do Cdigo de Processo Penal passa a ter a seguinte redaco: 1 Quem tiver sofrido priso preventiva ou outra medida cautelar de privao, total ou parcial, da liberdade que sejam ilegais ou se venham a revelar injustificadas por erro na apreciao dos pressupostos de facto de que dependiam, pode requerer, perante o tribunal competente, indemnizao dos danos sofridos. 2 Ressalva-se o caso de o lesado ter concorrido para o erro com dolo ou culpa grave'.

    Art. 12. Regime geral. Salvo o disposto nos artigos anteriores, aplicvel aos danos ilicitamente causados pela administrao da justia, designadamente por violao do direito a uma deciso judicial em prazo razovel, o regime de responsabilidade por factos ilcitos cometidos no exerccio da funo administrativa.

    Art. 13 Responsabilidade por erro judicirio. 1 Sem prejuzo do regime especial aplicvel aos casos de sentena penal condenatria injusta e de privao injustificada da liberdade, o Estado civilmente responsvel pelos danos decorrentes de decises jurisdicionais manifestamente

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    inconstitucionais ou ilegais ou injustificadas por erro grosseiro na apreciao dos respectivos pressupostos de facto. 2 O pedido de indemnizao deve ser fundado j prvia revogao da deciso danosa pela jurisdio competente.

    Art. 14. Responsabilidade dos magistrados. 1 Sem prejuzo da responsabilidade criminal em que possam incorrer, os magistrados judiciais e do Ministrio Pblico no podem ser directamente responsabilizados pelos danos decorrentes dos actos que pratiquem no exerccio das respectivas funes, mas .quando tenham agido com dolo ou culpa grave, o Estado goza de direito de regresso contra eles. 2 - A deciso de exercer o direito de regresso sobre os magistrados cabe ao rgo competente para o exerccio do poder disciplinar, a ttulo oficioso ou por iniciativa do Ministro da Justia.

    Assume o juiz brasileiro, em face da Constituio de 1988,

    pela EC 45/2004, o poder-dever de garantir a eficcia e a efetividade do

    direito fundamental de o cidado gozar da razovel durao do processo.

    O conceito de razovel durao do processo vago. Ele h de

    ser entendido dentro de um panorama de razoabilidade e considerando-se

    a complexidade da causa. Est outorgado ao juiz, portanto, a funo de

    dominar o tempo de acordo com a sua compreenso e vinculado

    realidade construda pelas fases processuais. Passa a ser de suas

    responsabilidades adotar medidas judiciais com o fim de garantir a

    realizao de atos processuais no menor tempo possvel, sem prejuzo da

    garantia dos princpios do devido processo legal.

    Em um panorama de natureza geral, podemos afirmar que

    cabe ao juiz assegurar o direito fundamental razovel durao do

    processo, tomando providncias para que:

    a) uma das partes no seja beneficiada com a prtica de atos

    desnecessrios, pelo que deve agir, coercitivamente, impedindo essa

    conduta e punindo-a de acordo com os preceitos legais;

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    b) no seja omisso na tomada de medidas processuais que

    resultem na celeridade da marcha processual;

    c) sejam deferidos os atos processuais requeridos pelas

    partes, desde que apresentem conformidade com a disciplina imposta pela

    lei;

    d) a falta de aparato material do rgo jurisdicional seja

    resolvida, de modo urgente, procedendo gestes que estejam ao seu

    alcance para o encontro de uma soluo satisfatria, a fim de que o rgo

    judicirio tenha estrutura administrativa de atender s exigncias do

    caminhar processual.

    A construo de uma viso ampla do alcance do inc. LXXVIII

    do art. 5 da CF, considerando-se o que a respeito tem sido doutrinado,

    permite que possamos anunciar a seguinte linha cultural e administrativa

    a ser seguida pelo juiz, aperfeioando a sua formao, para tornar real o

    exerccio dos poderes-deveres que lhe foram conferidos:

    I ter conscincia de que o referido direito fundamental visa

    aprimorar o sistema processual brasileiro, contribuindo para tornar mais

    clere a entrega da prestao jurisdicional;

    II conceber que a demora na entrega da prestao

    jurisdicional causa s partes uma sensao de injustia;

    III defender que o inc. LXXVIII do art. 5 da CF abre

    caminho para se construir no Brasil um processo novo com caractersticas

    de celeridade e efetividade;

    IV defender que a lentido da resposta da Justia aos

    anseios de paz da cidadania causa desespero s partes envolvidas;

    V visualizara introduo do direito constitucional

    fundamental de o processo ser solucionado em um prazo razovel como

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    um compromisso do Estado com os seus jurisdicionados para que seja

    dada maior efetividade ao processo, em respeito ao direito de acesso

    Justia;

    VI defender que a razovel durao do processo deve ser

    concebida como direito fundamental que no implique comprometimento

    com a segurana jurdica que devem refletir os julgados;

    VII aplicar o direito da razovel durao do processo com

    observao dos princpios da razoabilidade e da proporcionalidade;

    VIII cultuar o ensinamento pregado por Luiz Rodrigues

    Wambier, no sentido de que a efetividade e eficcia requeridas da

    atividade jurisdicional devem ser vistas como fato determinador de que

    (...) o direito ao processo significa direito a um processo cujo resultado seja til em relao realidade dos fatos. No se trata, claro, de um processo fantasioso, que no desemboque numa efetiva prestao do servio tutelar jurisdicional. O processo sem efetividade desrespeita o principio do due process of law;14

    IX aplaudir e acatar o ensinamento de Humberto Theodoro

    Jnior de que

    o processo, instrumento de atuao de uma das principais garantias constitucionais a tutela jurisdicional -, teve de ser repensado. claro que, nos tempos atuais, no basta mais ao processualista dominar os conceitos e categorias bsicos do direito processual, como a ao, o processo e a jurisdio, em seu estado de inrcia. O processo tem, sobretudo, funo poltica no Estado Social de Direito. Deve ser, destarte, organizado, entendido e aplicado como instrumento de efetivao de uma garantia constitucional, assegurando a todos o pleno acesso tutela jurisdicional,

    14 Luiz Rodrigues Wambier. Liminares. In: Teresa Arruda Alvim Wambier (Coord.). Alguns aspectos polmicos, repertrio de jurisprudncia e doutrina sobre liminares. So Paulo: RT, 1995. p. 156.

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    que h de se manifestar sempre como atributo de uma tutela justa;15

    X atuar de forma que sejam evitadas dilaes indevidas ou

    sejam atrasos ou delongas sem quaisquer justificativas, como desrespeito

    aos prazos estabelecidos e prestgio s chamadas etapas mortas.

    3. O EXERCCIO E A EFICCIA DOS PODERES-DEVERES DO JUIZ PARA INSTITUIR EFET1VIDADE AO PRINCIPIO DA MORALIDADE PROCESSUAL

    O Estado Democrtico de Direito vivenciado pelo Brasil exige

    do juiz o cumprimento dos poderes e deveres que lhe so outorgados de

    emprestar concretude aos princpios que informam o direito processual

    civil, a saber:

    a) o princpio da legalidade ou da supremacia da Lei (art. 5,

    II, da CF);

    b) o princpio da isonomia ou igualdade perante a lei (caput do

    art. 5 e inc. I da CF);

    c) o princpio da identidade fsica do juiz;

    d) o princpio da motivao das decises judiciais (art. 458, II,

    do CPC);

    e) o princpio do impulso processual ou, tambm chamado,

    princpio da funcionalidade do procedimento (arts. 250 e 267 do CPC);

    f) o princpio do devido processo legal (art. 5, LIV, da CF);

    g) o princpio do contraditrio e da ampla defesa (art. 5, LV

    da CF c.c. arts. 333, 343 e 407 do CPC);

    15 Humberto Theodoro Jnior, em artigo publicado na Revista Sntese de Direito Civil e Processual Civil, ano VI, n. 36, p. 23, jul.-ago. 2005.

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    h) o principio da Lealdade Processual ou da Moralidade

    Processual (arts. 14, 15, 17, 18, 31, 133, I, II, 135 e 405 do CPC);

    i) o princpio da imparcialidade do juiz (arts. 5., LIII, 95 da

    CF c.c. os arts. 125, 134 e 135 do CPC);

    j) o principio da submisso;

    k) o principio da verdade formal;

    l) o princpio da verdade real (art. 440 do CPC);

    m) o princpio do sigilo relativo dos atos processuais;

    n) o princpio da autonomia da vontade nos negcios jurdicos

    que a admitem;

    o) o princpio da disponibilidade (art. 20 do CPC);

    p) o princpio da congruncia (arts. 128 e 460 do CPC);

    q) o princpio da oralidade;

    r) o princpio inquisitivo (arts. 125, 130 e 131 do CPC);

    s) o princpio constitucional da razovel durao do processo

    (inc. XLLVIII do art. 5 da CF).

    Entre os princpios supra-enumerados, destacamos, no

    momento, para anlise mais aprofundada, o da moralidade processual,

    tambm chamado de principio da lealdade processual. Os demais ficam

    reservados para uma discusso posterior, em outro trabalho a ser

    elaborado.

    O princpio da lealdade ou da moralidade processual est,

    inicialmente, presente na dico dos arts. 14, 15, 17, 18, 31, 133, I, II,

    135 e 405 do CPC. .

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    da competncia do juiz atuar de modo eficaz para que o art.

    14 e seus incisos do CPC sejam rigorosamente cumpridos no curso do

    desenvolvimento da relao jurdica processual submetida ao seu

    comando.

    O art. 14 do CPC, na sua redao original, tinha a seguinte

    redao:

    Art. 14. Compete s partes e aos seus procuradores:

    I expor os fatos em juzo conforme a verdade;

    II proceder com lealdade e boa-f;

    III no formular pretenses, nem alegar defesa, cientes de que so destitudas de fundamento;

    IV no produzir provas, nem praticar atos inteis ou desnecessrios declarao ou defesa do direito.

    Com a publicao da Lei 10.358, de 27.12.2001, o art. 14 foi

    modificado em seu caput, recebeu mais um inciso e acolheu um

    pargrafo. Esse dispositivo, com as alteraes introduzidas, vigora, hoje,

    com a redao que passo a registrar:

    Art. 14. So deveres das partes e de todos aqueles que de qualquer forma participam do processo:

    I expor os fatos em juzo conforme a verdade;

    II proceder com lealdade e boa-f;

    III no formular pretenses, nem alegar defesa, cientes de que so destitudas de fundamento;

    IV no produzir provas, nem praticar atos inteis ou desnecessrios declarao ou defesa do direito.

    V cumprir com exatido os provimentos mandamentais e no criar embaraos efetivao de provimentos judiciais, de natureza antecipatria ou final.

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    Pargrafo nico. Ressalvados os advogados que se sujeitam exclusivamente aos estatutos da OAB, a violao do disposto no inc. V deste artigo constitui ato atentatrio ao exerccio da jurisdio, podendo o juiz, sem prejuzo das sanes criminais, civis e processuais cabveis, aplicar ao responsvel multa em montante a ser fixado de acordo com a gravidade da conduta e no superior a vinte por cento do valor da causa; no sendo paga no prazo estabelecido, contado do trnsito em julgado da deciso final da causa, a multa ser inscrita sempre como dvida ativa da Unio ou do Estado.

    O poder e o dever do juiz em tornar eficaz e efetivo o art. 14 e

    seus incisos do CPC tornaram-se mais fceis com a redao clara e precisa

    que a reforma lhe deu. As suas atenes devem ser voltadas para que as

    partes (terceiros, intervenientes, representantes legais de pessoas

    incapazes, representantes de pessoas jurdicas), advogados e quaisquer

    outros agentes que atuem no processo, atuem com probidade processual,

    isto , respeitando a denominada moralidade processual em sentido

    amplo.

    Convm que seja lembrado o posicionamento adotado pelo

    Supremo Tribunal Federal ao examinar os efeitos do pargrafo nico do

    art. 14 do CPC, no relativo aos advogados pblicos e privados. Apreciando

    ao direta de inconstitucionalidade proposta pela Associao Nacional dos

    Procuradores do Estado (Anape), a Corte Maior assentou que os

    advogados pblicos e privados esto livres de multa a ser imposta pelo

    juiz, quando criarem embaraos ao cumprimento de decises judiciais de

    natureza cautelar ou definitiva.

    O art. 14 e incisos do CPC, ao ampliar os poderes do juiz,

    receberam crticas de alguns doutrinadores, a exemplificar o registrado

    por Joo Paulo de Oliveira, Procurador da Fazenda Nacional, em artigo

    intitulado Lei 10.358/2001 e o art. 14 do CPC Contribuio ao debate,

    cujo trecho mais importante passamos a transcrever:

    Sem dvida a inovao est longe de merecer elogios. A norma em questo dotada de alto grau de abstrao e, mal interpretada, d aos Juzes amplos poderes para

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    impingir multas aos participantes dos processos. A expresso 'criar embaraos' demasiadamente imprecisa e dar margem arbitrariedade na conduo do processo judicial. Por outro lado, a fixao de multas baseadas em percentual do valor da causa induz a arbitramentos totalmente disparatados e que no guardam qualquer relao como hipottico embarao criado.

    No seria, porm, justo imputar a este texto legal mais defeitos do que os que j tem. No parece acertado o entendimento segundo o qual o novo art. 14 tolhe, de alguma forma, a atuao do advogado pblico. Com efeito, no parece ter sido esta a inteno do legislador.

    O exerccio dos poderes e dos deveres do juiz para

    cumprimento das regras do art. 14 e incisos do CPC deve ser desenvolvido

    pela prtica das aes que redundem em:

    diligncias coercitivas do magistrado para que as partes e

    todos os demais agentes atuantes no processo atuem com probidade e

    lealdade;

    imposio de conduta s partes que sustentem as suas

    razes com base nos princpios ticos e morais, evitando, assim, prticas

    de chicanas e de fraude processual;

    no permitir a possibilidade de processo simulado;

    apurao dos fatos com base na verdade de natureza

    subjetiva;

    no alimentar prtica de incidentes inteis ou protelatrios;

    proibio de pretenses sem fundamento.

    O art. 15 do CPC emite o comando a seguir registrado:

    Art. 15. defeso s partes e seus advogados empregar expresses injuriosas nos escritos apresentados no processo, cabendo ao juiz, de ofcio ou a requerimento do ofendido, mandar risc-las.

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    "Pargrafo nico. Quando as expresses injuriosas forem

    proferidas em defesa oral, o juiz advertir o advogado que no as use,

    sob pena de lhe ser cassada a palavra".

    O dispositivo em apreo outorga ao juiz o exerccio do poder

    de polcia, pela via do qual no deve o juiz permitir que as partes faam

    afirmaes injuriosas, isto , que ofendam a dignidade e o decoro das

    partes ou a qualquer outro agente presente no processo.

    A jurisprudncia tem revelado que, com base no art. 14, deve

    o juiz mandar riscar, de ofcio ou no, dos autos, entre outras situaes:

    expresses injuriosas e difamatrias;

    palavra aviltantes e insultuosas;

    ofensas dirigidas aos peritos;

    afirmaes que caracterizem denunciao caluniosa;

    excessos verbais que diminuam o prestgio funcional de um

    dos agentes processuais.

    O art. 17 do CPC abre espao para o juiz, exercendo o poder-

    dever de impor moralidade aos atos processuais, impedir que qualquer

    dos participantes da relao jurdica processual atue de m-f. Age de

    m-f a parte que:

    deduza pretenso ou defesa contra texto expresso de lei ou

    fato incontroverso;

    altere a verdade dos fatos;

    use do processo para conseguir objetivos ilegais;

    oponha resistncia injustificada ao andamento do processo;

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    proceda de modo temerrio em qualquer incidente ou ato do

    processo;

    provoque incidentes manifestamente infundados;

    interponha recurso com intuito manifestamente protelatrio.

    O art. 18 do CPC impe ao juiz ou ao tribunal o dever de

    condenar o litigante que agir de m-f, por violar, portanto, o princpio da

    moralidade processual, ao pagamento de multa parte contrria,

    correspondente a um por cento sobre o valor da causa e a indeniz-la dos

    prejuzos que lhe causar, mais honorrios de advogado e todas as

    despesas que tiver efetuado.

    O art. 31 do CPC estipula que o juiz deve usar o seu poder-

    dever para, com o objetivo de evitar a prtica de atos processuais

    manifestamente protelatrios, impertinentes ou suprfluos, quando

    impugnados pela parte contrria, aplicar ao infrator a responsabilidade

    pelo pagamento das despesas provocadas em razo desse

    comportamento.

    A doutrina fixa o conceito de atos processuais protelatrios,

    impertinentes e suprfluos.

    So considerados atos protelatrios os que tm por finalidade

    retardar o andamento do processo.

    Por atos impertinentes tem se entendido os que no possuem

    qualquer relao de fato ou de direito com a ao judicial discutida.

    Atos suprfluos so os desprovidos de necessidade para a

    firmao do entendimento do juiz, isto , os que no so exigidos para o

    processo alcanar o seu objetivo.

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    O exerccio desse poder-dever outorgado ao juiz s deve ser

    acionado quando existir manifesta comprovao de que os atos

    processuais esto revestidos das caractersticas desaprovadas pela norma

    processual supra-indicadas.

    to forte a preocupao do legislador com o cumprimento do

    princpio da moralidade processual que, nos incs. I e II do art. 133 do

    CPC, fixa a responsabilidade por perdas e danos do juiz que, no exerccio

    dos poderes e deveres que lhe so concedidos, proceder com dolo ou

    fraude, ou adote postura de recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo,

    providncia que deva ordenar de ofcio, ou a requerimento da parte.

    O poder-dever do juiz de, no exerccio de suas atribuies,

    zelar pelo cumprimento do princpio da moralidade processual, tambm

    chamado de lealdade processual, est vinculado ao preceito de que o

    processo no tem o objetivo nico de eliminar os conflitos que agasalha,

    porm o de que a sua misso de maior extenso porque tem destinao

    constitucional de, por meio da sentena transita em julgado, instituir a

    pacificao geral da sociedade.

    Ganha relevo, portanto, nesse campo autorizado ao juiz para

    atuar, as imposies explcitas ou implcitas do ordenamento jurdico no

    sentido de proibir que os litigantes atuem de modo desleal, violando os

    preceitos da moralidade processual, evitando que abusos de direito sejam

    praticados.

    Reafirma-se a concepo, em todos os ngulos, de que ao juiz

    cabe a responsabilidade de repelir, com o mximo de energia, condutas

    durante a lide que sejam incompatveis com o denominado postulado

    tico-jurdico que integra a lealdade processual.

    Alm dos dispositivos legais processuais civis que j foram

    citados, todos voltados para o cumprimento do princpio da moralidade

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    processual, invocamos mais os comandos dos arts. 135, 144, 147, 153,

    193 e ss., 600 e 601 do CPC.

    A potencialidade do poder-dever do juiz de atuar, de oficio ou

    por provocao das partes ou do Ministrio Pblico, para fazer cumprir o

    princpio da moralidade ou lealdade processual, tem sua substncia

    vinculada a pensamentos doutrinrios que exprimem entendimento de

    que

    todos os sujeitos do processo devem manter uma conduta tica adequada, de acordo com os deveres de verdade, moralidade e probidade em todas as fases do procedimento. Todo comportamento das pessoas em sociedade deve nortear-se pela boa-f. Logo, com o processo no podia ser diferente. O processo no uma arena de duelo, mas um local onde os sujeitos buscam a verdade com respeito e cooperao. Como diz Alcal-Zamora, citado por Justino Magno Arajo (1983, p. 101), 'el proceso debe servir para discutir lo discutible, erro no para negar evidencia, ni para rendir por cansacio al adversrio que tenga razn; h de representar un camino breve y seguro para obtener una sentencia justa y no un vericuete interminable y peligroso para consumar un atropello'.16

    Por todas as razes j enumeradas, o sistema processual

    brasileiro no admite que o juiz seja

    cmplice inocente das espertezas das partes. Na represso improbidade reside um dos atributos de sua imparcialidade. Por isso, cobra-se uma atitude atenta do presidente do processo em relao ao comportamento dos demais sujeitos.17

    de ser lembrado, por ltimo, o afirmado por Pontes de

    Miranda sobre o tema:

    As partes e seus representantes e presentantes ou advogados tm o dever de fazer as suas comunicaes de fato e enunciados de fato com inteireza e veracidade (= sem omisso, que lhes altere a verdade). Quem omite, de jeito a

    16 Rui Portanova. Princpios do processo civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997. p. 156. 17 Idem.p. 157.

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    no ser veraz, falta ao dever de veracidade. Quem expe os fatos como no foram, ou no so, ou diferentemente do que foram, ou so, ainda que s ou nada lhes acrescente, no procede verazmente. (...). As partes tm a escolha dos fatos que ho de apontar ao exame judicial, mas, no exp-los, qualquer delas no pode deform-los, pod-los, aument-los, no que tenham importncia para o processo. Porque os fatos, que so trazidos a juzo, podem ser favoravelmente utilizados ou desfavoravelmente utilizados contra quem no os comunicou ou enunciou. Isto no significa que o autor tenha de mencionar fatos que sirvam a reconveno por parte do ru, ou alguma ao de diferente fundamento.18

    4. A JURISPRUDNCIA DO STJ SOBRE O PRINCIPIO DA MORALIDADE OU DA LEALDADE PROCESSUAL

    O STJ tem construdo a jurisprudncia que passamos a

    registrar sobre o princpio da moralidade ou da lealdade processual.

    Eis as ementas dos julgados em questo:

    1. REsp 866.445/MG, DJ 16.04.2007, p. 177:

    Embargos execuo. Sentena anulada pelo tribunal a quo. Retorno dos autos para novo julgamento. Impulso oficial. Art. 262 do CPC. Recursos especial e extraordinrio. Ausncia de efeito suspensivo. Art. 542, 2., do CPC. Presuno de interesse de julgamento do autor. Art. 14 do CPC. Embargos declaratrios. Art. 535, II, do CPC. Ausncia de omisso.

    I No h falta ou omisso no aresto que enfrenta devidamente as questes relevantes ao deslinde da causa, restando expostas as razes de convencimento do rgo julgador. Para a completa prestao jurisdicional, no necessrio se esgotarem todas as teses levantadas pelas partes.

    II A anulao da sentena de extino dos embargos execuo pelo Tribunal de Justia, sem resoluo de mrito, importa o retorno dos autos ao juzo de primeiro grau para a retomada do julgamento, independentemente de previso legal, pois a demanda deve progredir impelida pelo princpio do impulso oficial (art. 262 do CPC).

    18 Pontes de Miranda. Comentrios ao Cdigo de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1999.1.1, p. 338.

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    III A existncia dos recursos especial e extraordinrio no impede o retorno do feito para nova sentena em substituio primeira cassada, pois referidos recursos, diante de suas feies excepcionais, so desprovidos de efeito suspensivo (art. 542, 2., do CPC), no impedindo a produo natural de efeito pela deciso atacada.

    IV A possvel retomada da execuo, aps o julgamento dos embargos, conseqncia mediata que refoge ao mbito da presente discusso e no contraria sistemtica empregada aos recursos desprovidos de efeito suspensivo. Veja-se que a apelao interposta contra a rejeio dos embargos execuo recebida apenas no efeito devolutivo (art. 520, V), o que possibilita os mesmos efeitos. Ademais, a determinao de prosseguimento dos embargos no impede que o juiz da causa, se entender necessrio, suspenda o curso da execuo.

    V Por fim, o art. 14 do CPC determina que as partes procedam com lealdade e boa-f, abstendo-se de formular pretenses infundadas, de modo que se presume ser do interesse da recorrida, autora dos embargos execuo, o julgamento do feito.

    VI Recurso Especial provido.

    2. REsp 656103/DF, DJ 26.02.2007, p. 595:

    Recurso especial Omisso do acrdo recorrido Inexistncia Prequestionamento implcito Mrito recursal Ao rescisria Afronta ao art. 485, III, do CPC Dolo da parte vencedora Caracterizao Adimplemento substancial da avena pelo ru Afastamento da teoria da exceptio non adimpleti contractus Induo do ru revelia na ao originria Embarao ao exerccio da ampla defesa e do contraditrio Configurao Efetiva vulnerao do dispositivo legal Desconstituio da sentena Remessa dos autos ao tribunal a quo Retomada do julgamento pela instncia singular.

    1. A alegada omisso do v. acrdo recorrido no encontra respaldo no entendimento assente nesta Corte, porquanto pacfico o cabimento de prequestionamento implcito para os fins da abertura da via especial.

    2. A procedncia do pedido rescisrio exige o enquadramento da situao nas hipteses elencadas pelo art. 485 do CPC. In casu, a pretenso do recorrente em caracterizar o comportamento da parte contrria como dolo,

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    a teor do inc. III do dispositivo mencionado, resta caracterizada, considerando-se o quadro ftico-probatrio delineado pela instncia ordinria.

    3. O Tribunal de Justia do Distrito Federal e dos Territrios consignou que as partes celebraram acordo extrajudicial aps a propositura da ao de reconhecimento e dissoluo de sociedade de fato, tendo a autora se obrigado a desistir de sua pretenso desde que o ru doasse imvel filha comum do casal, com usufruto pela me, sendo que o demandado cumpriu substancialmente com a avena, embora no em sua integralidade; a autora, por seu turno, quedou-se inadimplente. Desta forma, no incide a teoria da exceptio non adimpleti contractus.

    4. In casu, o ru foi induzido a quedar-se inerte na esfera da ao originria, o que culminou com a decretao de sua revelia e a prolao de sentena que julgou procedentes os pedidos insertos na inicial, o que evidencia a violao ao art. 485, III, 1. parte, do diploma processual civil.

    5. A doutrina interpreta que a noo de dolo traz nsita, ainda, a idia de que a parte sucumbente sofreu impedimento ou gravame em sua atuao processual para que reste delimitada a causa de rescindibilidade, tal como se descortina no presente caso.

    6. Assim, uma vez constatada a ocorrncia de afronta ao dispositivo indicado, d-se provimento ao presente recurso especial para determinar a desconstituio da r. sentena de mrito, com a retomada do julgamento da ao originria pelo rgo jurisdicional de 1 grau.

    3. REsp 759927/RS, DJ 27.11.2006, p. 282:

    Processo civil Morte de parte Suspenso do processo Presena de li tisconsorte Nulidade Ausncia de prejuzo Princpio da lealdade processual.

    A ausncia de suspenso do processo por morte da parte no gera nulidade se, no mesmo plo da relao processual, h litisconsorte (marido), que assumiu a inventariana do esplio e tomou cincia de todos os atos processuais subseqentes ao falecimento. Em tal situao, a norma do art. 265, I, do CPC ter atingido o escopo para o qual foi concebida: proteger os interesses do esplio.

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    Alegao tardia de nulidade que no causou prejuzo constitui atitude protelatria que agride a lealdade processual.

    Nosso direito processual prestigia a mxima pas de nullit sans grief (CPC; arts. 249, 1., e 250, pargrafo nico).

    A divergncia jurisprudencial pressupe semelhana entre os casos confrontados e observncia s formalidades do art. 541, pargrafo nico, do CPC.

    4. REsp 754895/MG, DJ 09.10.2006, p. 291:

    Processual civil. Embargos de terceiro. Deferimento liminar. Art. 1.051 do CPC. Cauo. No exigida ou no prestada. Bem recebido em depsito judicial. Precedente. Litigncia de m-f.

    Se a cauo prevista no art. 1.051 do CPC no exigida ou no puder ser prestada pelo embargante, o objeto dos embargos de terceiro fica seqestrado e quem o recebe assume o cargo de depositrio judicial do bem, nos termos do art: 148 do CPC.

    Se aquele que recebe liminarmente o bem o objeto dos embargos de terceiro, sem prestar cauo, nega a sua qualidade de depositrio judicial, para esquivar-se da devoluo do bem ou mesmo da sua priso civil, quebra o dever de lealdade processual exigido pelo art. 14 do CPC, incorre em litigncia de m-f e, por isso, pode ser condenado de acordo com o disposto nos arts. 17 e 18, ambos do CPC;

    Recurso especial no conhecido.

    5. EDcl no REsp 139207/RJ, D] 11.09.2006, p. 284:

    Processual civil. Acrdo turmrio. Falncia da empresa r no comunicada antes do julgamento, mas de plena cincia de seus advogados. Procedimento incondizente com lealdade processual. Pedido de decretao de nulidade por falta de oitiva do Ministrio Pblico. Acolhimento.

    Inobstante censurvel a conduta da recorrente e de seus patronos, que embora cientes da falncia da empresa bem antes do julgamento, deixaram de informar ao STJ sobre o fato, para somente aleg-lo como nulidade guardada em

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    sede de embargos declaratrios, aps deciso desfavorvel no recurso especial, de se acolher a impugnao ante a falta de obrigatria oitiva do Ministrio Pblico, como previsto nos arts. 210 do Dec.-lei 7.665/45 e 216 do CPC.

    6. REsp 816453/PR, DJ 04.09.2006, p. 270:

    Processo civil. Recurso especial. Medida cautelar. Litgio entre vizinhos, em face de execuo de sentena que reconheceu existncia de servido de passagem em favor do imvel de um deles. Obras ornamentais realizadas por este, no curso da servido, que foram apontadas como tendo mero carter de provocao outra parte, em face da anterior vitria judicial. Improcedncia do pedido em sede de apelao. Reconhecimento, pelo Tribunal de origem, da prtica de mtua litigncia de m-f, sem que se tenha, contudo, aplicado a respectiva multa. Procedncia do pedido de condenao, a esse ttulo, do ora recorrido; necessidade, contudo, de igual condenao dos recorrentes, de ofcio, sob risco de desprestigio da justia.

    No se reconhece violao ao art. 535 do CPC quando ausentes omisso, contradio ou obscuridade na deciso recorrida.

    No se reconhece interesse de recorrer parte que j obteve o provimento jurisdicional desejado.

    No se conhece de recurso especial na especfica parte em que es te se encontra deficientemente fundamentado.

    O Tribunal de origem reconheceu que o motivo da propositura da presente medida cautelar foi uma 'conduta revanchista' que representava verdadeiro 'abuso de direito'; nesses termos, no causa excludente da condenao por litigncia de m-f a invocao do direito de acesso Justia, pois no h como reconhecer que a proteo a um direito chegue ao ponto de justificar seu prprio abuso.

    Verifica-se, contudo, que o Tribunal de origem reconheceu a ocorrncia de litigncia de m-f tambm pelos ora recorrentes, deixando de aplicar a respectiva multa em face daquele argumento j afastado em relao conduta do recorrido. Nesses termos, e sob pena de descrdito da justia, de se aplicar, de ofcio, igual multa queles, retirando-se, assim, o benefcio financeiro que teriam se no tivessem adotado o mesmo tipo de postura que criticaram em seu oponente.

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    Recurso especial parcialmente provido; aplicao, de oficio, de multa por litigncia de m-f.

    7. REsp 728732/SP DJ 15.05.2006, p. 206:

    Processual civil. Recurso especial. Agravo de instrumento. Cumprimento do nus previsto no pargrafo nico do art. 526 do CPC. Comprovao no tribunal. Inexistncia de nus do agravante. Alegao inverdica pelo agravado de descumprimento do dever processual disposto no art. 526, pargrafo nico, do CPC. Litigncia de m-f.

    Aps a alterao promovida pela Lei 10.352/2001, que introduziu o pargrafo nico no art. 526 do CPC, cominando pena para o caso de descumprimento da regra nele inscrita, considera-se como obrigatria a apresentao ao juzo de origem de cpia da petio do agravo de instrumento e do comprovante de sua interposio.

    No h nus para o agravante quanto demonstrao no Tribunal de que houve o cumprimento do dever processual disposto no pargrafo nico no art. 526 do CPC.

    Se o agravado alega que o agravante descumpriu o nus previsto no art. 526, pargrafo nico, do CPC e, junta, para tanto, certides que no tm o condo de provar tal descumprimento, quebra o dever de lealdade processual exigido pelo art. 14 do CPC e incorre em litigncia de m-f. Recurso especial provido.

    8. AgRg no Ag 540217/SP, DJ 03.04.2006, p. 347:

    Processual civil. Documento novo. Juntada em sede recursal. Possibilidade. Art. 397 do CPC.

    Ausente a chamada guarda de trunfos, vale dizer, o esprito de ocultao premeditada e o propsito de surpreender o juzo, pode ser admitida, em carter excepcional, a que se ajustam as peculiaridades da espcie, para que seja preservada a funo instrumental do processo, a juntada de documento novo, mesmo em fase recursal, e desde que no sejam feridos os princpios da lealdade e da boa-f, ensejando-se sempre a ouvida da parte contrria.

    Agravo a que se d provimento e, por decorrncia, conhecer parcialmente do recurso e, nessa extenso, dar-lhe provimento.

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    9. EDclnoAgRgnoAg471984/SP,DJ 13.03.2006, p. 252:

    Processual civil Embargos de declarao Alegada omisso No ocorrncia Litigncia de m-f e protelao Multa dos arts. 18 e 538, ambos do CPC.

    Ausentes quaisquer dos pressupostos do art. 535 do CPC.

    Litiga de m-f a parte que, ferindo o princpio da lealdade processual, profere insinuaes infundadas sobre suposta subtrao de peas dos autos pela parte ex adversa, pelo que cabvel a multa prevista no art. 18 do CPC.

    Revela-se ntido o carter protelatrio do recurso intentado, impondo-se-lhe a multa do art. 538, pargrafo nico, do CPC.

    Embargos de declarao ao qual se nega provimento, aplicando-se embargante, cumulativamente, multas nos percentuais de 5%, por litigncia de m-f, e 1%, por protelao, ambas sobre o valor atualizado da causa, ficando condicionada a interposio de qualquer outro recurso ao prvio recolhimento.

    10. AgRg no Ag 670727/PE, DJ 13.02.2006, p.747:

    Processual civil Agravo regimental infundado Litigncia de m-f Alterao da verdade Multas CPC, arts. 545 c/c 557, 2; e 18.

    infundado o recurso do art. 545 do CPC dissociado das razes do agravo de instrumento anteriormente inadmitido.

    Litiga de m-f a parte que, ferindo o princpio da lealdade processual, altera a verdade dos fatos, pelo que cabvel a multa prevista no art. 18 do CPC.

    Agravo regimental improvido, aplicando-se ao agravante, cumulativamente, multas nos percentuais de 5%, por litigncia de m-f, e 1%, por protelao, ambas sobre o valor atualizado da causa, ficando condicionada a interposio de qualquer outro recurso ao prvio recolhimento.

    11. REsp 38834l/DF, DJ 1.02.2006, p. 524:

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    Processual civil. Recurso especial. Reviso probatria. Impossibilidade. Smula 7 do STJ. Inaplicabilidade da tese de 'valorao da prova'. Multa do art. 557, 2., do CPC aplicada na origem. Ausncia do comprovante de recolhimento. Pressuposto objetivo de recorribilidade.

    I 'A chamada 'valorao da prova', a ensejar o recurso especial, aquela em que h errnea aplicao de um principio legal ou negativa de vigncia de norma pertinente ao direito probatrio' (REsp 226.283/RJ, rel. Min. Barros Monteiro, DJ 27.08.2001).

    II A valorao da prova, permitida em sede de recurso especial, consiste em se verificar se o juiz fez uso do meio indicado por lei para a comprovao dos fatos, no caso concreto; no, o reexame do quadro ftico que deu lastro ao acrdo recorrido.

    III Tendo sido aplicada a multa prescrita, no art. 557, 2, do CPC, compete ao recorrente comprovar o respectivo depsito do valor arbitrado pelo tribunal, sob pena do no conhecimento do especial. Afinal, o aludido pargrafo taxativo: ' 2 (...) o tribunal condenar o agravante a pagar ao agravado multa entre um e dez por cento do valor corrigido da causa, ficando a interposio de qualquer outro recurso condicionada ao deposito do respectivo valor'.

    Conforme decidiu o Pretrio Excelso, 'A exigncia pertinente ao depsito prvio do valor da multa, longe de inviabilizar o acesso tutela jurisdicional do Estado, visa a conferir real efetividade ao postulado da lealdade processual, em ordem a impedir que o processo judicial se transforme em instrumento de ilcita manipulao pela parte que atua em desconformidade com os padres e critrios normativos que repelem atos atentatrios dignidade da justia (CPC, art. 600) e que repudiam comportamentos caracterizadores de litigncia maliciosa, como aqueles que se traduzem na interposio de recurso com intuito manifestamente protelatrio (CPC, art. 17, VII). A norma inscrita no art. 557, 2, do CPC, na redao dada pela Lei 9.756/98, especialmente quando analisada na perspectiva dos recursos manifestados perante o STF, no importa em frustrao do direito de acesso ao Poder Judicirio, mesmo porque a exigncia de depsito prvio tem por nica finalidade coibir os excessos, os abusos e os desvios de carter tico-jurdico nos quais incidiu o improbus litigator Precedentes' (EEAGRA 207.808-7/DF).

    Recurso especial no conhecido.

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    12. EDcl no Ag 442047/SR DJ 07.11.2005, p. 181:

    Processual civil Embargos de declarao contra deciso monocrtica de relator Alegada omisso No ocorrncia Princpio da fungibilidade recursal Recebimento como agravo regimental Litigncia de m-f e protelao Multa dos arts. 18 e 538, ambos do CPC.

    Ausentes quaisquer dos pressupostos do art. 535 do CPC, e tendo em vista o principio da fungibilidade recursal, deve o recurso ser recebido como agravo regimental.

    Litiga de m-f a parte que, ferindo o princpio da lealdade processual, profere insinuaes infundadas sobre suposta subtrao de peas dos autos pela parte ex adversa, pelo que cabvel a multa prevista no art. 18 do CPC.

    Reconhecida, pela prpria embargante, a inutilidade do provimento jurisdicional almejado, revela-se ntido o carter protelatrio do recurso intentado, impondo-se-lhe a multa do art. 538, pargrafo nico, do CPC.

    Embargos de declarao recebidos como agravo regimental, ao qual se nega provimento, aplicando-se embargante, cumulativamente, multas nos percentuais de 5%, por litigncia de m-f, e 1%, por protelao, ambas sobre o valor atualizado da causa, ficando condicionada a interposio de qualquer outro recurso ao prvio recolhimento.

    13. REsp 267434/SP, DJ 10.10.2005, p. 274:

    Processual civil. Recurso especial. Arts. 17 e 18 do CPC. Dever de lealdade processual. Mandado de segurana. Rito especial. Aplicabilidade.

    1. A lealdade processual dever genrico das partes que, por essa amplitude, necessita ser observado em todas as modalidades de ao judicial, inclusive no writ que no contm norma especfica em sentido contrrio. Precedentes.

    2. Recurso especial provido.

    14. REsp 701118/SC, D/23.04.2007, p. 256:

    Litigncia de m-f. Art. 18 do CPC. Adulterao de guia de recolhimento de custas. Smula 7. Precedentes da Corte.

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    1. Esta 3 T., levando em conta caso de interposio de embargos declaratrios e oposio de exceo de incompetncia, considerados indevidos, assentou que a pena por litigncia de m-f somente tem amparo 'se houver dolo da parte no entravamento do trmite processual, manifestado por conduta intencionalmente maliciosa e temerria, inobservado o dever de proceder com lealdade, o que no est presente neste feito' (REsp 523.490/MA, de minha relatoria, DJ 1.08.2005).

    2. Afirmando o acrdo que a pena pode ser imposta ainda que no configurado o dolo, invade o precedente ensejando a reforma.

    3. A identificao da rasura pelo Tribunal de origem, apoiada nos elementos dos autos, com a expressa meno de que ausente qualquer comprovao em sentido contrrio afasta a reviso desta Corte.

    4. Recurso especial conhecido e provido, em parte.

    15. EDcl no REsp 654517/PR, DJ 19.09.2005 p. 195:

    Processual civil. Embargos de declarao. Acolhimento em parte.

    1. Se houve deferimento de pedido para adiar julgamento de recurso especial, em face do princpio da lealdade processual, torna-se nula a apreciao de feito em data anterior a que foi marcada, por ter impossibilitado o proferimento das razes orais.

    2. No reconhecimento de preveno. Matria preclusa. Conhecimento da parte, por ter peticionado nos autos, do relator designado por distribuio. Preveno repelida por relator apontado pelas partes.

    3. A interposio de conflito de competncia por uma das partes no causa de suspenso do processo, em face do art. 265 do CPC.

    4. Embargos conhecidos e acolhidos parcialmente, declarando-se a nulidade do julgamento da Turma.

    5. Determinao de que o recurso seja reinserido em pauta.

    16. REsp 660663/RS, DJ 14.03.2005, p. 336:

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    Previdncia privada. Prescrio. Renncia: art. 161 do CC/16. Reajustamento das prestaes. Litigncia de m-f. Precedentes. Smulas 289 e 291 da Corte.

    1. A Smula 291 da Corte assentou que a 'ao de cobrana de parcelas de complementao de aposentadoria pela previdncia privada prescreve em cinco anos'.

    2. Se depois de consumada a prescrio a entidade de previdncia privada reconheceu o direito do associado, como posto expressamente no acrdo, incide o art. 161 do CC/16.

    3. O pagamento da penso vitalcia contratada h de ser feito com reajustamento, adotado ndice que melhor reflita a desvalorizao da moeda, como posto na Smula 289 da Corte.

    4. Afasta-se a pena de litigncia de m-f quando a defesa da entidade de previdncia, que serviu de base para a imposio, tinha lastro na jurisprudncia da Corte.

    5. Recurso especial conhecido e provido, em parte.

    17. EDcl no AgRg no Ag 421626/SP, DJ 07.03.2005, p. 352:

    Embargos de declarao (cabimento). Carter protelatrio (sano). Partes e procuradores (deveres). Multa (solidariedade).

    1. Os embargos de declarao destinam-se a suprir omisso, a aclarar obscuridade, ou a corrigir contradio; no ocorrendo tais hipteses, os embargos ficam sem cabimento, evidentemente.

    2. Quando de todo sem cabimento os embargos, donde a concluso de que pretendem retardar se faa, de uma vez por todas, a coisa julgada, ou que no seja ela cumprida a bom tempo e a boa hora (modalidade, tempo, lugar etc), os embargos tm carter protelatrio; nesse caso, o embargante est sujeito a sano processual.

    3. lcito que a sano alcance no s a parte (o litigante), mas tambm o seu procurador, uma vez que a ambos compete proceder com lealdade e boa-f.

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    4. Embargos rejeitados; declarados, porm, manifestamente protelatrios, a Turma decidiu condenar o embargante (o Estado) e o seu procurador (o Procurador do Estado) a, solidariamente, pagarem aos embargados a multa de 1% sobre o valor da causa.

    18. REsp 499830/RJ, DJ 20.09.2004, p. 340:

    Recurso especial. INSS. Apelao. Litigncia de m-f. Multa. No caracterizada.

    1. 'O art. 17 do CPC, ao definir os contornos da litigncia de m-f que justificam a aplicao da multa, pressupe o dolo da parte no entrava-mento do trmite processual, manifestado por conduta intencionalmente maliciosa e temerria, inobservado o dever de proceder com lealdade' (REsp 397.832/RS, rel. Min. Vicente Leal, DJ 1.04.2002).

    2. No h falar em litigncia de m-f pelo simples fato da interposio de recurso contra deciso desfavorvel, precisamente porque impugnveis e desprovidas de efeito vinculante as decises do Poder Judicirio, que parte oportunizado buscar a positivao do direito que entende ser devida, tudo, acrescente-se, em obsquio do direito a ampla defesa, com os recursos a ela inerentes, assegurado pelo art. 5, LV, da Constituio da Repblica.

    3. Recurso provido.

    19. REsp 602608/RS, DJ 31.05.2004, p. 225:

    Processual civil. Identidade de demandas. Coisa julgada. Litigncia de m-f.

    I Tem-se como caracterizada a renovao de demanda definitivamente julgada, que buscou a compensao de ttulos sem cotao em bolsa com crditos tributrios da Fazenda Pblica, quando as aplices oferecidas nas duas aes tm o mesmo fundamento e data de emisso, contando apenas com numerao diferente.

    II Recurso especial improvido.

    20. REsp 399884/DF, D] 17.03.2003, p. 256:

    Penal. Processual penal. Recurso especial. Art. 475 do CPP. Jri. Documento apresentado em Plenrio.

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    O art. 475 do CPP tem o claro objetivo de garantir a lisura do julgamento, preservando a lealdade processual, na medida em que, a fim d evitar surpresa parte adversa, veda a apresentao de documentos sem prvia cincia da mesma. Tal apresentao, sem prvia cincia da parte contrria, implica nulidade, evidenciado que, do fato, decorreu prejuzo.

    Recurso conhecido e provido.

    Os 20 precedentes jurisprudenciais do STJ que acabamos de

    registrar, anotando, apenas, "a ementa de cada julgado, refletem a viso

    da Corte responsvel, em interpretar o nosso ordenamento jurdico, sobre

    o princpio da moralidade ou da lealdade processual.

    5. CONCLUSES

    As observaes que acabamos de fazer sobre os princpios da

    durao razovel do processo e da moralidade ou da lealdade processual e

    a obrigao que geram para que sejam efetivamente cumpridos pelo

    magistrado brasileiro, fato que lhe que impe extenso aos poderes e aos

    deveres assumidos, no esgotam o assunto.

    O que firmamos, em termos finais, a glorificao, no

    primeiro decnio do sculo XXI, dos referidos princpios, a fim de que o

    processo cumpra a sua misso de ser veculo de confiabilidade do cidado

    quando dele necessita para solucionar os conflitos em que se envolve.

    A razovel durao do processo e o atuar processual com

    moralidade ou lealdade so direitos fundamentais que circulam em torno

    da pessoa humana quando presente no mbito do Poder Judicirio.

    Como direitos fundamentais devem, portanto, ser

    interpretados os mencionados princpios, pelo que as normas que os

    contm geram produo de efeitos para que as mensagens por eles

    emitidas alcancem os objetivos concretos visados.

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    A interpretao de qualquer direito fundamental deve ser feita,

    primeirament