rajagopalan, kanavillil - capítulos
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P o l i UMA L lNQu l lT leA e & 1 ' I ' I M 1
Ora, se levada ao p4 da letra , a hip6tese, tal qual a elaboramos
no inicio deste trabalho, vai de encontro a ambas essas implicacoes
da postura marxista (d. Rajagopalan, 1995 para uma discussao por-
menorizada sobre essa questao).
Nossa hip6tese preve que todas as teorias sobre a linguagem ne-
cessariamente contem marcas de determinado posicionamento ideolo-
gico ou outro por parte de quem as constroi e, por conseguinte, teraonecessariamente implicar;:5eseticas. Ao contrario do que se depreende
da posicao marxista, a escolha nao estaria, em momenta algum, entre
uma teoria eticamente dimensionada e outra eticamente neutra e
descompromissada; estaria sempre entre teorias, todas elas com claras
implicacoes eticas. Em outras palavras, em nenhum momento estaria-
mas pensando a linguagem em termos etico-ideologicamente neutros.
Na medida em que todo posicionamento et ico envolve a defesa
de certos valores em oposicao a outros, ou seja, a hierarquizacao de
valores, a hip6tese tal qual se acha formulada neste trabalho redunda
em que todas as distincoes sao no fundo hierarquias (as vezes muito
bern disfarr;:adas ou 'maquiadas'). No caso da linguistica, aqui estaoalguns exemplos mais ilustrativos: lingua vs, dialeto, lingua vs. fala,
fala vs. escrita, locutor vs. destinatario, lingua materna vs. lingua
estrangeira, (falante) native vs. estrangeiro, e assim por diante.
Para finalizar, que destino teria a mais celebrada de todas as
distincoes metate6ricas que qualquer calouro no campo da linguistica
e invariavelmente convidado a aceitar - a saber, a distincao entre
urn saber descritivo e urn saber prescritivo? Bern, ser prescritivo nao
seria mais 0 exclusivo privilegio dubio dos gram<iticos tradicionais,
os pobres coitados que ja foram explorados como 'sacos de pancada'
pela moderna ciencia da linguagem, a linguistica!
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OO[]OIJ··· ._ _ _ _ _ I I ! I
A identidade linguistica
em urn mundo globalizado
Queir~mos ou nao, vivemos num mundo globalizado. Entre
~u~~as coisas, ISSO significa que os destinos dos diferentes povos qut'
a itam a terra se encontram cada vez mais interligados e imbricados
uns nos outr f - o
. 1 . os - enomeno que vern sendo chamado de "transna-Clona izacao" d .d na nossa VI a cultural e economica (Robins 1997) 0
outro lado dessa mesm d hama " ,.a moe a se c ama desterritorializacao" dpessoas que . d )-- as- , por motivos iversos, tornam-se em' dvez maior, cidadas d d ' . ' numero ca iI
e Ren . 0 mun 0 - e suas praticas identitarias (Krause
._ WIck,1996). Essa nova relacao entre as pessoas das diferentss
regioes do mundo, das mais variadas etnias e linguas de hi tori .t di - dif ' s orias t'
ra icoes Ierentes, se deu como consequencia imediata do rom Ji
~en~o das b~rreiras que, ate pouco tempo atras, pareciam intrans~o
nrveis e serviam de impedimento a qualquer forma de aproximacao
entre os povos, a nao ser com propositos nada arnica . Ef . d ' . , 19avels. stou mt'
~e erm .0_as ~n~meras barreiras comerciais, economicas, culturais {'as restricoes a livre circulacao de informacoes entre ' b ._ d ..- palses, arrelrilS
que estao esmoronando com rapidez impressionante.
E daro. que seria demasiado ingenue conduir que 0 mundo UP
deve, ernergir da derrocada da velha ordem vai estar 0mais pr6xi~O
possivel de urn paraiso terrestre, livre das dissens6es e dos atritos
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Po " UMA L INOu l m eA
que marcaram Dutro. tempo. nlo tAo remotos. Com certeza, a queda
do muro de Berlim nAo s1gnificou 0 comeco da tao decantada paz
mundial duradoura, como daramente 0 demonstram as tensoes que
ainda persistern em diferentes partes do mundo, bern como os fre-
quentes conflitos armados que ocorreram no curto espac;:ode tempo
desde 1989. Tarnbem nao nos podemos contentar com 0 fim da era
do imperialismo e de seu avesso,0
colonialismo, mais ou menos emmead os do seculo XX, com a mdependenda em serie de dezenas de
colOnias europeias na Africa e na Asia. Seria temerario e irresponsavel
concluir que a espirito do imperialismo e do colonialismo passou para
as paginas da hist6ria. Em conferencia proferida na Universidade de
York, em Toronto, Canada, em fevereiro de 1993, a critico Iiterario e
comentarista politico Edward Said (1993) acusa as EUA de persistir
em suas prstensoes imperialistas, lembrando que a fen6meno "Estados
Unidos" foi, desde 0 seu comeco, fundado na ideia de urn imperium.
Poi fundado como urn imperio, urn estado soberano que se expandiria
em populacao e territ6rio e aumento de poderio.
E acrescenta:
Curiosamente, porem, tao influente tern sido 0 discurso que insiste
na especificidade [nortejamericana, em seu altruismo, e nas oportu-
nidades [que 0pais oferecel, que 0 imperialismo nos Estados Unidos,
quer enquanto palavra quer como ideologia, tern aparecido rara e so
recentemente em discussoessobre a cultura,politicaehist6ria dosEUA.
Ou seja, Said esta nos alertando sobre a prevalencia de urn cer-
to discurso que so serve para camuflar as verdadeiras intenc;:6es de
certos governantes; persegue-se a velha politica expansionista, porem
agora disfarcada de interesse altruista. As relacoes internacionais
ainda continuam como sempre foram: uma luta de foice onde se
salva apenas quem tern "maior poder de barganha". As tensoes e os
frequentes desentendimentos entre povos, ao que tudo indica, nao
vao desaparecer como num passe de magica. Talvez, ate seja utopico
demais esperar que isso occrra, se admitirmos a hip6tese de que a
propensao a violencia faz parte da propria natureza humana.
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o meu . ... .• capftulo nAo ~ indagar se est~ ao nosso
alcance 0 sonho antigo da "aldeia global". Gostaria apenas de tecer
algumas reflexoes, em puro espirito especulativo, a respeito das mu-
dancas que sinto estarem em curso na identidade l inguistica de cada
urn de nos como resultado da globalizacao. Digo desde ja, a t itulo de
antecip.a~ao de ~inha principal conclusao, que JBInca na.histcria da
{l.~~~:l1dad~ a__:del1~Q<ldginguistica das _pes~o~_estey:~_t~~_E:ujeita
com~Il°.:_~~a~_~~oje as i~fluencias estrangeiras. Volatilidade e insta- i
bilfdade torna~am-se as marcas regist~a-d~~-~~i;:;-id;;ntidadeso mundo }
p6s~~_9~,:~_0\ Nossas vidasestao sendo cada vezmais literalmente I
invadidas pelas informacoss advindas de fontes de todos os tipos
algumas be~-vindas, outras nem tanto. A Internet nivelou em grand~
parte.as desigualdades que existiam entre a centro e a periferia no que
respeita ao acesso as informacoes, como cada vez mais estao desco-
b~i~do, com espanto, os governantes autocraticos e inescrupulosos em
vanas partes do mundo que historicamente sevaleram da possibilidade
de reter informacoes au ate mesmo do instrumento igualmente eficaz
de desinformacao proposital para manter-se no poder. A radiodifusao e
a televisao via satelite tornaram possivel a transmissao de noticias em
tempo real. Hoje, principalmente nas populacoes urbanas do mundo
inteiro, so vive desinformado quem quer se isalar do resto do mundo
por vontade propria, sendo que as inurneros =t-= e outdoors espa-
l~ados em lugares publicos e outras formas de propaganda agressiva
amda se esforcam para que 0nosso "ludita" contumaz deixe de realizar
seu sonho em plenitude. Estamos vivendo a era da informacao - hoje
somas a que sabemos. E a linguagem esta no epicentro deste verdadeiro
abalo sismico que esta em curso na maneira de lidar com as nossas
vidas e as nossas identidades. Se a identidad~ Iinguisticaesta em crise
i~~s~.~~~e?de u~lado, ~o e~ infor~~-C;:6~~~~ nO~--~i~~~nd~e, P?f outro lado, as instabilidades e contradicoes que caracterizam
tanto a linguagem na era da informacao como as proprias relacoes
entre as povos e as pessoas.
Tenho plena consciencia de que estou propondo algo que certa-
mente incomodara muitos dos meus leitores, uma vez que a perda de
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POR UMA L1NGuiSTICA CRiTlCA: L1NGUAGEM, IDENTIDADE E A QUESTAo ~TlCA I KANAVlLLIL RtuAGOPALAN
identidade e motivo de angustia em qualquer situacao, Na verdade,
tamanha e a angustia que isso ja esta gerando eml1l_':li~_o~_:;~tores
que, como bem ressal ta Samuel Huntington (1997),pode~~:_~.:-~\
tatar duas tendencias, contradit6rias entre si, em franca sxpansao:
a globalizac;:ao e a regionaliza~ao. A segunda se process a a r e v e 1 ic t :. :. _ ~ .
ou, talvez em resposta direta
aprimeira. Em suas proprias ~~la~!~s,_ _.,.=1--- . - . - : - - . 5 Z _ -r. 0\'''''"('0''-
Nesse mundo novo'f;apolit:icaT;~;l e a polit ica da eWa, e a poIrt ica 'i
' 1 , ~ ' , " , ( _ _ EyllcITaleapolitica das civilizac;:~e.s~A r:validade ~as superpote~cias ~--
, I f e substituida peIo cheque das civilizacoes (Huntington, 1997. 21).
! ,I :: i~~~, ao mesmo tempo em que se fala em interesses g!o?ai~,_as
•inacoes estao procurando cada vez mais cuidar dos interesses regie-
nais, haja vista a formacao de zonas livres de co~~i9_jDi~i:@__tk>!lal,
dentre as quais 0 Mercosul. Huntingt~U-~it~em prol da sua tese a
atitude de paises como a Russia, a Polonia, a Hungria, e a Grecia
que, durante a guerra do Kosovo, nao escondiam sua simpatia para
com a Iugoslavia, colocando acima dos seus compromissos 'globais'interesses locais como a etnia (eslava) ou a religiao (ortodoxa), mesmo
tendo oficialmente endossado os bombardeios da OTAN·Huntington
entende qu ja se foi 0 t~~p~"em que os paises se submetiamaos
interesses a1 eios por motivos de vaIlta.:g_e:n..s!IIlediatas ou em razao da !
, i',A~r~,(Jincapacidade~_a.:~tO_9-j:i__rm9-!JAs--relac;:oesinternacionais continuam
11", Jf·-r-'-s-erCOi1.tllrbadas cheias de tensoes e contradicces., ,
t '. ,/)f y~lIP' V -A politica mundial esta sendo configurada seguindo linhas cultu-
, ( 'i ,' Ift'V rais e civilizacionais. Nesse mundo, os confiitos mais abrangentes,
, importantes e perigosos nao se dado entre classes sociais, ricos e
pobres, au entre outros grupos definidos em termos economicos,
mas sim, entre povos pertencentes a diferentes entidades culturais.
As guerras tribais e as confiitos etnicos iran ocorrer no seio das
civiliaacoes (Huntington, 1997: 21).~.
'. _ A analise de Huntington tem muito a ver com a identidade
,~, \lingUistica que esta, s,e formando no mundo inteir",O.pO,r urn lado, ela
mostra marcas inconfundfveis da globa1iza~ao que, segundo alguns
~. CritiCOI. nle pasl' de u rn e u fe m i sm o para a " e st ad u ni za t; :a o " o u um.
• I ~A~' • __ k ~ , ' , .
A IDENTlPADE LINGuiSTICA EM UM MUNDO GLOBALlZADO
nova ordem mundial sob a egide da "Pax (Norte-)Americana". Sabe-se,
por exemplo, que 0 avanco triunfante da lingua inglesa como meio
preferido de comunicacao internacional esta afetando diretamente
as demais linguas do mundo. Em tom propositadamente alarmante,
Phillipson (1992) discute 0 fen6meno de "imperia li smo linguistico" c
fala da "invasao linguistica" a que vern sendo submetidas as demais
nacoes, mediante os emprestimos linguistic os em grandes quantidades.
Ha quem fale em termos de "glotofagia" (Calvet, 1974), " linguic idio",
"matanca linguistica", "canibalismo linguistico" (Phillipson e Skutnabb-
Kangas, 1995) e "genocidio l inguistico" (Day, 1980) etc ., termos qut ',
por si sos, contribuem para desenhar urn quadro macabre e desolador.
Em termos mais ousados ainda, Pennycook (1998) alega que tanto a
lingua inglesa como a disciplina que se diz interessada em questoes
linguisticas - a linguistica - estao impregnadas da ideologia de
colonizacao (voltaremos a essa questao adiante) .
Por outro lado, ha tambem elaros sinais de reacao, Da mesma
forma que prevalecem, conforme Huntington, tendencias opoatas It
cont raditorias de globalizac;:ao e regionalizacao na esfera das rcla~I'Il'1I
internacionais, a identidade linguistica do cidadao do mundo global!
zado tambem se acha rasgada ao meio pelas forcas de submlssao A U
poder avassalador da influencia estrangeira (representada pela HnguQ
inglesa) e de resistencia e enfrentamento com ingerencias sofrldas, A
recente mobilizacao pol it ic a contra estrangeirismos em diversos paise!!,
inclusive 0 Brasil , pode ser vis ta como uma forma de enfrentamento ,
ainda que a ideia de que um punhado de leis e regulamentos locals
possa conter algo que ocorre em nivel global parec;:a urn tanto qui-
xotesca. 0 fen6meno que merece maior atencao por parte de todos
0 1 1 1 interessados no assunto e a formacao de focos de resistencia bern
mais fundamentada em diferentes partes do mundo (Canagarajah,
1999) e a importancia que a chamada pedagogia critica assume cada
VIZ mais nessa empreitada. Contrariamente aos politicos e d emag og o s
. 1 . 1 . querem faturar resultados imediatos incitando a opiniaopubllca
todas aI lnflu~ncias estrangeiras e pregando uma e8p~cte d.
rno como antidote, esses pelquiaadorel.dvoilm
_ . . . .
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POR U M A L lN Gu fS Tl CA . e ro TI CA .: L IN GU A GE M, I DE NT ID AD E E A Q UE ST Ao E TI CA . I K A N A V IL L I L R A .i A GO P A L A NA IDENTIDADE LINGUtSTICA EM UM MUNDO GLOBALIZADO
uma atitude muito mais sadia, que consiste em investir cada vez mais
nas estrategias de "empowerment" - providenciar melhores condicoes
para enfrentar 0 adversario em seu terreno, em vez de se esconder
par tras de uma muralha de autoisolamento.
o trace mais visivel da identidade linguistica nesses tempos pos-
modernos e a mesti<;:agem, da qual nenhuma lingua escapa hoje em
dia. Durante muito tempo, a l inguistica relutou contra a possibil idade
de as linguas se inftuenciarem de outra maneira que nao mediante a
cadeia evolut iva. A cham ada areal linguistics, segundo a qual as l inguas
faladas em regioes geograficamente cont iguas podem, com 0passar do
tempo, infiuenciar uma a outra, a inda encontra focos de desconfianca
e rejeicao, apesar de t rabalhos classicos como 0de Emeneau (1956)
e mais recentes como Thomason e Kaufman (1988). A linguistic a,moderna ainda nao conseguiu se desvencilhar da ideia de que as
(micas mudancas que ocorrem ao longo da trajetor'ia das linguas
particulares devam-se a causas intrassistemicas, is to e, a mudancas
motivadas por fatores internos, geneticos. Trata-se de uma heran<;:
da chamada linguistica comparativa que fioresceu no seculo XIX. E
uma ideia sutilmente preconceituosa - embora a maioria de seus
defensores nao tenha, ao que gostaria de crer, parado para pensar
sobre isso - porque e alimentada pelo mesmo desejo de pureza e
pelo mesmo medo de mesticagem que costumam dar origem a outras
formas de preconceito como racismo. Max Muller (apud Thomason e
Kaufman, 1988:1) foi taxativo em sua afirrnacao de que nao se pode
haver linguas mistas .
Isso nos conduz de volta a Pennycook, para quem a linguistica,
tal qual se encontra hoje, ainda permanece imbuida de ideias pre-
conceituosas advindas da epoca do colonialismo. Talvez devamos ir
mais longe ainda e afirmar, como faz Hutton (1996), que, enquanto
disc ipl ina academica , a l inguistica ainda carrega traces de sua origem
no seculo XIX. Afinal, foi no seculo XIX que nao so 0 imperialismo
europeu atingiu seu apice, mas, inebriado pelo asptrito do Ilummls-
mo, a identidade do homem dito "emancipsdc" ac1qutriu as ma t i • • •
do individualismo exacerbado e da arrogancia em relacao aos seus
pares e a Mae Natureza.
E preciso reconhecer que a linguistica - tal qual se encontra hoje
- esta mal equipada para nos fornecer subsidies para falar da iden-
tidade humana em nosso tempo de globalizacao, Parte da dificuldade
em aceitar a tese de que nossa identidade linguistica se caracteriza
por instabilidades talvez tenha a ver com 0 fato de que simplesmente
nao ha lugar para um falante com tal perfil no mundo da linguistica,
onde as eventuais instabilidades sao tipicamente tratadas ou como
sinais de desvio ou como evidenciando simples falta de competencia
(caso de falantes estrangeiros e pessoas portadoras de deficiencias)
ou como marc as de estagios passageiros (caso de criancas e falantes
de "pidgins") (Rajagopalan, 1997b, 1998a). Contudo, as instabilida
des tern sua origem naquilo que Bakhtin (1981) chama de "as forcas
centrifugas na vida da linguagem". Diz Bakhtin (1981: 273):
A l inguistica, a estilistica e a filosofia da linguagem que nasceram ('
foram forjadas pela corrente das tendencias centralizadoras na vida
da linguagem tern ignorado a heteroglossia dialogica na qual est .to
incorporadas as forcas centr ifugas na vida da linguagem. Por ( - ' 1 ' 1 1 1 '
motivo, elas nao foram capazes de acomodar a natureza dialoglca
da linguagem, que e uma luta entre pontos de vista sociolinguis
ticos, e nao uma luta intralinguistica entre vontades individuals ('
contradicoes logicas.
Ou seja, 0 falante que 0 l inguista quer celebrar e a falante ide
a I, nao contaminado pelo cantato com os outros, uma especie l I ( '
born selvagem (Rajagopalan, 1997a). 0 bom selvagem nunca saiu
do mundo imaginario do seu criador Jean-Jacques Rousseau, para
,p il A r na terra dos mortais comuns. Pelo que se ve, as chances de St'
com ele em nosso mundo pos-moderno globalizado sao cada
mlil remoras.
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r-------i
! [
L _ . . . . . . _ _. l
Lingua estrangeira
e autoestima
N contexte de ensino de lingua estrangeira, uma das per-
guntas quase nunca feitas pelos pesquisadores e professores e: "Por
que e que os alunos querem aprender uma lingua estrangeira?" Nao
e dificil adivinhar 0porque de tamanho descaso e desinteresse em
saber algo que com certeza deveria nortear a elaboracao de curriculos
e conteudos curriculares, a adocao de metodologias apropriadas e a
fixacaode metas a ser alcancadas, 0 simples fato e que, com rarissi-
mas excecoes, sempre se pensou que s6 pode haver urn unico motivo
para alguem querer aprender uma lingua estrangeira: 0 acesso a urn
mundo melhor. As pessoas se dedicam a tarefa de aprender linguas
estrangeiras porque querem subir na vida. Alingua estrangeira sempre
representou prestigio. Quem domina uma lingua estrangeira e admi-
rado como pessoa culta e distinta. Tanto isso e verdade que a palavra
"estrangeira" e comumente reservada para qualificar uma outra linguaque conta com mais respeitabilidade que a lingua materna de quem
fala - par mais incrivel que isso pareca a primeira vista! A maior
prova disso e que, quando a lingua e considerada de menor prestigio,
, quase sempre qualificada como "exotica" au ate mesmo como um
l ldia leto" , e nao como uma "lingua"propriamente dita (a esse respeito,
yal.a pena lembrar a velho ditado que diz: uma lingua e urn dialeto
conta com urn exercito e uma marinha).
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POl l UMA LlNGU1STICA eRiTICA: LINGUAGEM, lDENTlDADE E A QUESTAo IiTICA I KANAVILLIL RA.iAGOPALAN
E sabido que alguns dos mais destacados metodos de ens ino de
l ingua estrangeira logo apos 0 termino da Segunda Guerra Mundial
- como 0 metodo audio lingual - foram aperfeicoados a partir das
experiencias acumuladas atraves do estudo de linguas "exoticas", Na
prlmeira metade do seculo XX,quando 0 ensino de linguas estrangeiras
adquiriu importancia estrategica para os Estados Unidos, em grande
parte como resultado das necessidades impostas pelas duas grandes
JUerras, a lingufstica - sobretudo nos EUA - quase exclusivamente
.. resumia ao estudo de linguas "exoticas". A expressao "linguista da
.. I va" (jungle linguist), cunhada pelo filosofo Willard Quine, se refere
precisamente a essa caracteristica distintiva da linguistica da epoca.
Quando requisitados para desenvolver metodos e tecnicas para ensi-
nar ltnguas estrangeiras em urn curto espa~o de tempo, os linguistas
almplesmente transferiam para a campo de ensino 0 conhecimento
acumulado das linguas indigenas/excticas (Rajagopalan, no prelo-2).
Bntretanto, a diferenca crucial entre linguas "exoticas" e l inguas
"•• tr lngeiras" continuou intacta. Afinal, trata-se, nao de uma dife-
r.n~1bjetiva, mas de uma diferenca dependente de uma escala de
v I l o r • • . Trata-se, em outras palavras, de uma distincao com fortes
conota~Oes ideologicas. Como vern chamando a nossa atencao auto-
r•• como Phillipson (1992) e Pennycook (1994, 1998), 0 ensino de
l i n gUA l estrangeiras sempre teve uma dimensao fortemente colonia-
It.ta, Phillipson (1992: 47) entende que 0 imperialismo linguistico faz
parte daquilo que se convencionou chamar de "linguicismo", termo
'Ite que se refere "as ideologias, estruturas e praticas que sao mo-
bllizadas para legitimar, efetuar, e reproduzir uma divisao desigual
de poeler e recursos (tanto materi.al como nao material) entre grupos
demarcados com base linguistica",
NAo seria diftcil demonstrar que a linguistic a enquanto disciplina
moderna e herdeira da antropologia na forma como esta so dcscn
volveu no seculo XIX. A piada recorrente a respei to da antropologla
do dculo XIX, segundo a qual antropologia seria fruto do olhar do
homem branco em direcao ao indio (sen do 0 contrado conslderade. .
LINGUA EsmANliIIIRA H AlIIOHSTIMA
como mitologia), na verdade destaca 0 vies colonialista que, com fre-
quencia, marcou muitos dos estudos feitos nesse campo de pesquisa.
Nao e de estranhar, portanto, que a linguistica tambem demonstre
resquicios da ideologia que tanto infiuenciou sua disciplina mae.
Voltando ao nosso ponto inidal, a principal diferenca, em ter-
mos prat icos, entre uma lingua "exotica" e uma l ingua "estrangeira"
- ou melhor, entre considerar determinada lingua como a primeira
ou a segunda - esta em que, no caso da primeira, nosso interesse
em estuda-la se resume a uma curiosidade cientifica - 0 prazer de
conhecer 0 estranho e 0mitico - ao passo que, no caso da segunda,
somos movidos pelo desejo de ampliar os nossos horizontes culturais
de nos lancar a urn melhor nivel de vida - em suma, de tirar pro-
veito do contato com algo previamente entendido e encarado como
superior ao que ja possuimos.
E par este motivo que, no caso das linguas estrangeiras, sempre
se fixou como meta para os esforcos didaticos nada mais nada menos
que a aquisicao de uma competencia perfeita, entendendo-se por com-
petencia perfeita 0 dominio que 0 falante nativo supostamente possui
da sua lingua. Alias, a partir da chamada revolucao chomskiana na lin-
guistica, tornou-se redundante qualificar a competencia como perfeita.
A competencia do falante nativo de urn idiorna dado, segundo a visao
teorica de Chomsky, e perfeita. 0 falante nativo sabe a sua lingua, e
pronto. De acordo com essa cartilha, cabe ao aprendiz de lingua es-
trangeira fazer 0 possivel para se aproximar da competencia do nativo.
No entanto, havia tambern urn corolario da prernissa inicial _
nAo explicitado como tal, mas sempre tornado como urn pressuposto
no campo de ens ino de linguas: nenhum falante nao nativo jamaispode sonhar em adquirir urn dominic perfeito do idioma. Isso natu-
ralmente levou a consequencia de que 0ensino de lingua estrangeira
fOlSe, durante muito tempo, considerado urn empreendimento com urn
objetivo inatingivel- nao so na pratica, como tambem em principio.
IIconstantes propostas de melhorar a autenticidade do material
IICI.~ICOna esperanca de que a distancia entre 0objetivo almejado e
IfnllIolUI,r;Lg .f.tivlmlnte alcancado fosse cada vez mais diminuido.
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POR UMA L1NGUISTICA CRlTICA: LINGUAGEM. IDENTIDADE E A QUESTAO ETICA I KANAVILLIL RAJAGOPALAN
Ja argumentei em outras oportunidades que 0 proprio conceito
de falante nativo e algo ideologicamente suspeito (Rajagopalan, 1997a,
1997b). Contrariamente a figura do nativo que, na epoca aurea da lin-
guistica estrutural era encarada como uma especie de "born selvagem",
o nativo que emergiu do modelo chomskiano foi urn ser cartesiana-
mente onipotente. Em materia de ensino de lingua estrangeira, tal
concepcao do nativo, marcada por urn grau de veneracao desmedida,
86 deu ampla vazao a ideologia neocolonialista que sempre pautou 0
empreendimento. 0 que seviu foi uma verdadeira "apoteose do native".
Nao e de estranhar que 0 ensino de lingua estrangeira ainda leve
muitos alunos a se sentirem envergonhados da sua propria condi-
~~o Iinguistica, Pois 0 lado mais nocivo e macabro da ideologia que
norteou, durante muito tempo, os programas de ensino de lingua
estrangeira e que, como resultado direto de determinadas praticas e
posturas adotadas em sala de aula, os alunos menos precavidos se
sentiam diminuidos em sua autoestima, pass ando a experimentar
urn complexo de inferioridade. A lingua estrangeira e a cultura que a
sustenta sempre foram apresentadas como superiores as dos discentes.
Felizmente, ha sinais de que a situacao esta comecando a sofrer
rnudancas significativas. Em grande parte, essas mudancas - sem
duvida, ainda timidas - tern a ver com a percepcao de que as lin-
guas naturais nao sao estanques, mas, pelo contrario, suscetiveis a
toda sorte de influencia externa. Num mundo globalizado como 0 de
hoje, as linguas estao sofrendo influencias mutuas numa escala sem
precedentes. As chamadas "linguas francas" do mundo moderno ja
n~o sao mais linguas cujas trajetorias historicas permaneceram con-
tinuas e sem influencias externas ao longo do tempo. Sao todas elas
formas de cornunicacao que tiveram origem no contato efet ivo entre
povos, processo que continua com maior forca nos dias de hoje em
raz~o do encurtamento de tempo e espaco que e a marca registrada
do momento historico em que vivemos. Os chamados "portunhol",
"franglais", "spanglish" sao exemplos concretos da realidade llngule-
tiel do munde de hoje. SA o linguas mist.s 1 m censtante procesac d.
I'. LiNGUA ESTRANGEIRA E AUTOESTIMA
evolucao, inconcebiveis no final do seculo XIX, quando Max Muller,
grande indologo e estudioso das linguas indo-europeias, chegou a
decretar sumariamente a inexistencia de linguas mistas.
A existencia das linguas mistas nos dias de hoje corresponde
a miscigenacao crescente entre povos e culturas no mundo inteiro.
Quem ainda pensa em termos de linguas estrangeiras, falantes nativos
etc. como se tais conceitos fossem definidos de uma vez por todas e
incapazes de serem repensados, na verdade, ainda esta vivendo no
seculo XIX quando entes como nacao, povo, individuo eram conce-
bidos em termos de uma logica binaria segundo a qual so se admitia
uma resposta categorica do tipo "sim" ou "nao" (Rajagopalan, 2002f).
Vivernos, na verdade, uma epoca em que a questao da identidade ja
nao pode ser mais considerada como algo pacifico. As identidades
estao cada vez mais sendo percebidas como precarias e mutaveis,
suscetiveis it reriegociacao constante.
Uma das maneiras pela qual as identidades acabam sofrendo 0
processo de renegociacao, de realinhamento, e a contato entre as pes-
soas, entre as povos, entre as cul turas. E por esse motivo que se torna
cada vez mais urgente entender a processo de 'ensino-aprendizagem'
de uma lingua "estrangeira" como parte integrante de urn amplo pro-
cesso de redefinicao de identidades. Pois as linguas nao sao meros
instrumentos de comunicacao, como costumam alardear os livros
introdutorios. As linguas sao a propria expressao das identidades de
quem delas se apropria. Logo quem transita entre diversos idiomas
esta redefinindo sua propria identidade. Dito de outra forma, quem
aprende uma lingua nova esta se redefinindo como uma nova pessoa.
Num mundo que serve de palco para 0 contato, 0 intercambio
Bern precedentes entre povos, 0 multilinguismo adquire novas co-
notacoes, 0 cidadao desse novo mundo emergente e, por definicao,
multilingue. 0 multilinguismo como lingua franca (cf. Desai, 1995) ja
IItornou uma realidade no continente da Africa e nas comunidades
. .c om o a Uniao Europeia. Ao que tudo indica, 0mesmo deve se repetir
. - = outras partes do mundo, se e que ja nao esteja em curso.
"
5/14/2018 rajagopalan, kanavillil - capítulos - slidepdf.com
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- - - - - - - - - - - - - - - - . 1 - - - - - - - - - - - -POR U M A L IN G ui ST lC A e Ri Tr CA : L lN GU A GE M , l DE N TI DA D E E A QUESTAO ETlCA I K A N AV IL L IL R A JA G O PA L A N
Falar de competencia comunicativa em situacoes de multilin-
guismo impliea rever a propria nocao de competencia comunieativa
tal qual Dell Hymes a definiu em seu texto classico (Hymes, 1972).
Pais a competencia eomunieativa de urn falante multilingue e alga
em estado permanente de mutacao. 0 destronamento da famigerada
figura do falante nativo, junto com sua suposta competencia linguis-
tica, signifiea, no entender de Davies (1989: 169), a possibilidade de
pensar em metas mais razoaveis e exequiveis no ensino de lfnguas
estrangeiras. Signifiea, antes de mais nada, que a verdadeiro prop6si-
to do ensino de linguas estrangeiras e formar individuos eapazes de
interagir com pessoas de outras culturas e modos de pensar e agir.
Significa transformar-se em cidadaos do mundo.
As atividades de ensino e aprendizagem de linguas "estrangeiras"
fazem parte de um processo muito mais amplo que podemos chamar
de redefinicao cultural. Nesse processo, nao faz0
menor sentido falarem termos de perdas e ganhos. N6s simplesmente nos transforma-
mos em outras pessoas (Rajagopalan, 2001c). Afinal, e na linguagem
e atraves dela que as nossas personalidades sao constantemente
submetidas a urn process a de raformulacao au aquila que 0 fil6sofo
canadense Charles Taylor batizou de "self-fashioning" (Taylor, 1992).
o importante em todo esse processo e jamais abrir mao do
nosso direito e dever no que tange a nossa "autoestima", E preciso
dominar a lingua estrangeira, fazer com que ela se torne parte da
nossa pr6pria personalidade; e jamais permitir que ela nos domine.
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A construcao de identidadesLINGUISTICA E A POLITICA DE REPRESENTA~Ao
[ . .. J aquele objeto ilus6rio dosestudos ( i / o . \ · o / i " " "
a historia interna da cll't"llI.
S T I ! V H 11 1 1 1 . 1 . 1 1 1 <
Entre as pesquisadores que se interessam pela questao c ia
identidade, ja nao ha mais quem, em sa consciencia, acredite qu<, itS
identidades se apresentam como prontas e acabadas. Pelo contrarlo,
acredita-se, em larga escala, que as identidades estao, todas elas, eru
permanente estado de transformacao, de ebulicao, Elas estao scndo
constantemente reconstruidas. Em qualquer momenta dado, as idl'lI( I
dades estao sendo adaptadas e adequadas as novas circunstancias "lilt
vao surgindo. A (mica forma de definir uma identidade e em opolIl\AII
a outras identidades em jogo. Ou seja, as identidades sao definldaa
estruturalmente. Nao se pode falar em identidade fora das rdA.t ;Ool l
estruturais que imperam em urn momento dado.
Em ultima analise, esta nova postura nos obriga a adotar uma vlldlo
nominalista em relacao ao mundo. A funcao de nornear, de "dar n01l1l'1I
aos bois" ou, como diz Shakespeare, " gi ve a l oc al h a b it at io n a nd a namr",
acaba assim se revelando urn ate genuinamente criativo. A linguilgt'lIladAmica,ou melhor, a f o rma como, de acordo com a Bfblia, 0 primolru
horn em e conduzido por Deus a passar em revista todos os animal"
qUI acabara de criar e dar a cada urn deles urn nome, comeca a adqul-
r tr urna interpretacao totalmente nova e com implicacoes profundae,
c l a r urn nome "proprio" a cada animal, distinguindo-o dos dt! lmAI.
o primeiro hornem .I tava dando largada, sob 0olhar a tln to d o
_IitPCII~'lrOIIO. ipr'tlCl cada urn com b .. . n a q u U o q U I