racionalidade na teoria econômica

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  • 7/23/2019 Racionalidade Na Teoria Econmica

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    A RACIONALIDADE NA TEORIA ECONMICA: ENTRE INDIVIDUALISMOMETODOLGICO E ESTRUTURALISMO

    Ruth M. Hofmann1Victor Pelaez2

    Resumo

    O objetivo do presente trabalho promover uma discusso quanto aos efeitos tericos e metodolgicos decorrentes doprocesso de axiomatizao do conceito de racionalidade na teoria econmica. Particular importncia atribuda s dificuldadestericas e metodolgicas de se transpor o micro rumo ao macrocomportamento econmico. Para tanto, apresenta-se o contextoepistemolgico em que se d a reduo psicolgica do homem econmico, o que abrange individualismo metodolgico eestruturalismo. Em seguida, discute-se a legitimidade da transcendncia micro-macro a partir do tratamento metodolgico doindivduo e da firma na microeconomia neoclssica, na qual consumidor e firma so unidades isomorfas de anlise.Argumenta-se que o individualismo inerente abordagem neoclssica implica na contraposio entre um nvel individual e umnvel coletivo de anlise, de modo que o microcomportamento estabelecido ex-antee desvinculado do macro. Influenciadaspor esta contraposio, as primeiras aproximaes estruturalistas mantm a tendncia axiomtica da racionalidade na teoriaeconmica. Contudo, verses mais elaboradas dos mtodos estruturalistas, caracterizados pela nfase nas relaes (e no osagentes) como unidade de anlise, permitem resgatar o comportamento do indivduo como um produto das relaes sociais,levando-se em considerao a interdependncia entre o micro e o macro.

    Palavras-chave:racionalidade econmica; individualismo metodolgico; estruturalismo.

    Abstract

    This paper aims at discussing theoretical and methodological consequences derived from the axiomatization of rationalityconcept in the economic theory. Special importance is attributed to theoretical and methodological difficulties of surpassing themicroeconomic behavior towards the macro. For doing so, it is presented the epistemological context by which thepsychological reduction of homo economicus is adopted by the economic theory. Next, it is discussed the legitimacy of themicro-macro transcendence from the methodological treatment of the individual and the firm, in the neoclassicalmicroeconomic context, in which consumer and firm are supposed to be isomorphic unities of analysis. It is argued that themethodological individualism, inherent to neoclassical approach, implies the counterposition between an individual and acollective level of analysis so that the microeconomic behavior is established ex-ante and disconnected to the macro.Influenced by this counterposition, the first structuralist approaches maintain the axiomatic tendency of rationality in theeconomic theory. However, more advanced versions of structuralism, giving emphasis on relations (not on agents) as unity ofanalysis, allow to integrate the individual behavior as a product of social relations taking into account the interdependencybetween the micro and micro level.

    Keywords: economic rationality; methodological individualism; structuralism.

    rea 1 - Escolas do Pensamento Econmico, Metodologia e Economia Poltica

    JEL Classification: B41 - Economic Methodology

    1Mestranda em Educao pela Universidade Federal do Paran (UFPR). E-mail: [email protected].

    2Professor Adjunto do Departamento de Economia da Universidade Federal do Paran (UFPR). E-mail:[email protected].

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    INTRODUO

    A Economia, enquanto cincia, desenvolve e consolida suas teorias na medida em que amplia eaprofunda o conhecimento de seu objeto, descobrindo-lhe as propriedades e as leis que regem seucomportamento. Para tanto, faz uso de instrumentos e mtodos que julga capazes de garantir sua prpriacientificidade, relevncia e utilidade. Em outros termos, a Cincia Econmica (CE) visa legitimao de

    suas construes tericas. Contudo, no esforo de legitimao, alguns obstculos persistem: atranscendncia do micro rumo ao macrocomportamento econmico ainda ocorre mediante extenso deprincpios e axiomatizao. Tornar os pressupostos incontestveis uma tendncia metodolgica da CE,evidenciando-se na teoria microeconmica por meio da descrio do comportamento racional dosagentes.

    Os pressupostos comportamentais adotados na teoria econmica sobretudo na abordagemneoclssica refletem uma psicologia econmica fundamentalmente reducionista e orientada porpostulados de diferentes verses de individualismo metodolgico (IM). A racionalidade exemplo dafragilidade emprica dos princpios sobre os quais se alicera a teoria microeconmica tradicional.Assumindo que o comportamento do indivduo e da firma enquanto unidades isomorfas de anlise norteado por uma racionalidade maximizadora, a microeconomia neoclssica abre espao a discussesque no se limitam esfera do econmico.

    O presente trabalho toma a discusso acerca da tendncia axiomtica da racionalidade na teoriaeconmica luz das divergncias metodolgicas entre duas posies antagnicas: IM e estruturalismo.Pretende-se, mais especificamente, ressaltar as implicaes da tendncia axiomtica de tal postuladocomportamental no desenvolvimento terico das relaes entre um nvel individual e um nvel coletivo deanlise econmica. Para tanto, o artigo parte da caracterizao do contexto epistemolgico do IM (seo1), passa discusso referente ao reducionismo psicolgico do homem econmico (seo 2), trata dosfundamentos do mtodo estruturalista (seo 3) e de suas particularidades nas cincias humanas incluindo nelas a CE (seo 4). Em seguida o artigo aborda o individual e o coletivo na teoria econmica(seo 5) e a racionalidade nesses dois nveis de anlise (seo 6). So tecidas, ento, algumasconsideraes finais.

    1. O CONTEXTO EPISTEMOLGICO DO INDIVIDUALISMO METODOLGICO

    A construo do conhecimento, como qualquer outro empreendimento, requer um ponto departida. O conhecimento cientfico que se pretende de aplicao prtica desenvolve-se na medida em quesistematiza e organiza os fatos consistente e coerentemente. A consistncia e a coerncia das teoriascientficas so continuamente questionadas epistemologicamente, inclusive no que concerne aospressupostos que lhe servem de ponto de partida. No seria diferente em Economia.

    A axiomatizao do conceito de racionalidade na teoria econmica faz parte de um contexto maisamplo de tentativas de legitimao da metodologia da CE. A discusso quanto aos critrios delegitimao e cientificidade extremamente abrangente e controversa, mas como o presente trabalholimita-se axiomatizao da racionalidade na teoria econmica, o contexto epistemolgico apresentadoneste captulo trata de algumas questes pertinentes ao referido processo, em especial no que concerne reduo psicolgica do homem econmico.

    A emergncia de uma disciplina autnoma do saber implica a delimitao de seu objeto deanlise e o desenvolvimento de mtodos apropriados de investigao. Adotando o homo conomicuscomo elemento de anlise, a CE restringe suas investigaes ao comportamento econmicodos agentes.Na medida em que a explicao deste aspecto do comportamento humano requer algum tipo de modeloou de esquema da conduta humana, a emergncia da CE vem acompanhada da definio de umapsicologia econmica rudimentar do homem econmico, uma psicologia que no pode ser tomada naacepo cientfica do termo, uma vez que fundamentada no senso comum e em constataes empricas deum contexto histrico especfico. Impregnada dos pressupostos morais e filosficos da sociedade europiado incio do sculo XVIII, a concepo de homem (e no apenas de homem econmico) que inspira osautores clssicos s primeiras construes tericas est fundamentalmente associada ao conceito de

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    racionalidade. Oscilando entre descritivo e normativo, o conceito de racionalidade transforma o homemeconmico em unidade bsica de anlise, uma vez que a racionalidade utilitarista e egosta do homemeconmico, inspirada na racionalidade kantiana, ...o indivduo como sujeito nico, nico criador e fimltimo da racionalidade de seus atos... hiptese indispensvel para construo de uma teoria deequilbrio nos moldes clssicos (MIGUENS, 1958, p. 15-16).

    A necessidade de se adotar ou de se construir modelos de comportamento econmico, de se adotarou de se construir uma psicologia econmica, acompanha a necessidade de uma discusso

    metodolgica da CE na medida em que essa psicologia assume uma trajetria axiomtica. Comoressaltado por Reynaud (1967, p. 8): ...como era indispensvel adotar na Economia algum esquema daconduta humana, certos economistas criaram-no revelia dos trabalhos dos psiclogos. Escolheram,dessa maneira, os produtos de sua prpria imaginao. Nos termos de Boland (1990, p. 24): Thebehavioral hypothesis upon which we build our economic theories are, so to speak, representations of ourignorance.

    O no reconhecimento das diferenas entre as instncias constitutivas do real, as caractersticasmais essenciais do objeto de anlise que o singularizam no tempo e no espao implica a crena naexistncia de um mtodo universal, aplicvel indistintamente a todo fenmeno da realidade. A CEpermaneceria, assim, presa ao monismo metodolgico caracterstico das epistemologias de cunhopositivista (BRUNO, 2005).

    O estudo reflexivo da origem, natureza, limites e validade do conhecimento acompanha o

    progresso das diversas disciplinas cientficas, promovendo discusses e orientaes quanto melhortrajetria a ser seguida, estabelecendo, dessa forma, os parmetros distintivos entre cincia e sensocomum. Em perspectiva histrica, o desenvolvimento da cincia revela procedimentos comuns nosdistintos ramos do saber. Alguns mtodos transcendem as fronteiras entre as disciplinas e so ajustados anlise de diferentes objetos. Estabelecendo relaes de analogia, por exemplo, as disciplinascompartilham de certos mtodos. A peculiaridade do objeto de cada disciplina requer, contudo, umaabordagem crtica da adequao dos mtodos investigao do objeto, uma vez que a adequao doobjeto ao mtodo, em detrimento da adequao do mtodo ao objeto, tem implicaes tericasimportantes e nem sempre profcuas. Esse cuidado necessrio para que o terico no seja surpreendidoquando seu objeto de investigao ...teima em no ser aprisionado pelos ditames da lgica formal, naexpresso de Ganem (1996).

    O individualismo metodolgico, definido por Udehn (2002, p. 497) como a principle, rule or

    program telling historians and social scientists how to define collective concepts, explain socialphenomena, and/or reduce macro to micro. tem carter metodolgico normativo, definindo a trajetriametodolgica que melhor se adapta ao aperfeioamento do conhecimento cientfico nas cincias sociais.

    O IM, enquanto critrio normativo de cientificidade, tem como contrapartida, na CE, a difuso daidia de que o micro-reducionismo a nica abordagem vlida. Esse micro-reducionismo requer quenveis superiores sejam explicados em termos de nveis inferiores de anlise (YOUNG; PHILP, 2002).Como conseqncia da tentativa de adequao metodolgica, tem-se um esforo de promover amicrofundamentao da teoria econmica. esse o caso do marxismo analtico, por exemplo. Mas trata-se de um movimento maior: em detrimento de quaisquer referncias a determinantes supra-individuais,prevalecem, na Economia, uma postura atomicista e o esforo de reduo dos nveis agregados ao nvelindividual de explicao (SOROMENHO, 2000). Esse movimento faz parte do que Possas (1997) definecomo a cheia do mainstream.

    A microfundamentao uma exigncia de coerncia dos participantes de determinada matrizterica, a neoclssica. Nesse sentido, quando esses tericos compartilham do mesmo objeto de estudo,micro e macroeconomia diferem somente com relao especificidade de seus propsitos e com relao aquestes de agregao (SOROMENHO, 2000).

    Para Ganem (1996, p. 113), a busca de microfundamentos da macroeconomia neoclssica tem porobjetivo identificar ...as leis de conjunto que reflitam comportamentos maximizadores individuais. Porsua importncia epistemolgica, essa frente de pesquisa acabou se impondo para os neoclssicos como onico empreendimento rigoroso. A idia de que uma abordagem cientfica necessariamentedeve estarbaseada em algum tipo de individualismo deve ser no entanto questionada (YOUNG; PHILP, 2002). Isso

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    particularmente importante quando se trata de um tipo de IM que supe um reducionismo axiomticodiretamente vinculado utilizao de modelos de atores racionais que permanecem aprisionados em umalgica de clculo econmico cuja ubiqidade a faz portadora do mesmo estatuto ontolgico que as leisgerais inescapveis, (...) tudo se passa como se existissem microestruturas cognitivas, universais eimutveis, que programassem os comportamentos individuais sempre e necessariamente no sentido daotimizao." (BRUNO, 2005, p. 342).

    Udehn (2002) distingue os IMs segundo diferentes graus de intensidade, entre verses fortes e

    fracas. No extremo dos individualismos fortes estariam aqueles de tendncia atomicista, dentre os quaisesto: o individualismo da teoria do contrato social, que tem como ponto de partida um indivduo a-socialdesvinculado de instituies; e o IM da teoria do equilbrio geral (TEG), que tem como ponto de partidaum indivduo isolado, sem relaes sociais. Nessa classificao, medida que os individualismos passama incorporar instituies ou elementos de explicao de carter coletivo, dirigindo-se a abordagens maisholsticas, deixam de ser IMs fortes e passam a ser classificados como IMs fracos.

    Em escala descendente de intensidade, ao IM da TEG seguir-se-ia o individualismo da escolaaustraca, menos extremo por assumir o indivduo como ser social ou cultural que atribui significadosubjetivo s suas prprias aes e aos artefatos humanos. O IM popperiano, no mesmo sentido, reconhecea pertinncia das instituies, seja como variveis exgenas nos modelos sociais, seja como antecedentesdas explicaes sociais cientficas: no primeiro caso, as instituies podem ser explicadas em termos deindivduos, e, no segundo, podem explicaras aes individuais (UDEHN, 2002).

    A verso mais fraca de IM incorpora, com maior freqncia, elementos estruturalistas de anlise.Trata-se do extremo oposto ao individualismo atomicista, o IM de Coleman, permeado de noesestruturalistas. Este IM admite totalidades sociais compostas de posies inter-relacionadas, sendo estastotalidades estruturas cuja existncia independe dos indivduos particulares que ocupam as diferentesposies (UDEHN, 2002).

    A partir das distines entre os diferentes graus de intensidade dos IMs, Udehn (2002) esboaalgumas definies distintivas entre os IMs: individualismo natural, para os individualismos da teoria docontrato social e da TEG; individualismo social, para o individualismo da escola austraca; individualismoinstitucional, para o IM de Adam Smith, e principalmente para o individualismo popperiano e,finalmente, individualismo estrutural, para o individualismo de Coleman. Esta ltima verso, umasntese de elementos individualistas e holsticos, seria predominante entre os socilogos e marxistasheterodoxos adeptos do IM.

    Em Economia, dos clssicos aos neoclssicos, o IM assume grau ascendente de intensidade. Naeconomia clssica o IM associado teoria do contrato social vincula-se noo de ordem espontnea,entendida tambm como ordem natural3(David Hume, Adam Ferguson e Adam Smith), e consideradopor Udehn (2002) um tipo de individualismo institucional (por incorporar elementos institucionais deexplicao), assumindo em John Stuart Mill, mais do que em Adam Smith, o matiz mais extremo.

    In A System of Logic(1843), Mill argued that all social sciences are based on laws of mind, or human nature. It ispossible to find empirical laws, or generalizations, describing large-scale social phenomena, but a causal explanationof these empirical laws requires psychological laws. Because of this, Mill is generally considered to be apsychological reducionist and a methodological individualist. In order to distinguish Mills methodologicalindividualism from other versions of this doctrine, it is sometimes called psychologistic individualism (AGASSI4,apud UDEHN, 2002, p. 482).

    Ainda que dentre os autores clssicos o IM j se faa presente, so os autores neoclssicos que lheatribuem particular importncia. com a Revoluo Marginalista do final do sculo XIX que a CE

    3Essa ordem natural deve ser entendida no sentido de que, no que tange sua atividade material, os indivduosrelacionam-se enquanto possuidores de mercadorias e as relaes econmicas assumem a forma de trocas. Os atos dosindivduos resultam, ento, numa srie de conseqncias que no so desgnios da vontade humana. (SOROMENHO, 2000,p. 192).

    4AGASSI, J. Methodological individualism. British Journal of Sociology, vol. 11, p. 244-270, 1960.

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    definitivamente passa a ser uma cincia individualista (individualistic science), na qual as explicaes dosfenmenos econmicos so formuladas a partir da avaliao subjetiva dos seres humanos (UDEHN,2002). Da Escola Austraca5 TEG, passando-se pelo utilitarismo ingls de Stanley Jevons6, o IM predominante, mas no contexto da abordagem neoclssica que a TEG apresenta um IM particular,extremamente reducionista e atomstico, ao tomar como ponto de partida o indivduo isolado, semrelaes sociais, que interage em um mercado com tecnologia e instituies dadas (UDEHN, 2002).Nessa abordagem, a realidade, em sendo passvel de diviso em unidades independentes, poderia ser

    compreendida ignorando-se as relaes entre elas (USUNIER, 2002).O extremado IM da TEG toma forma com Leon Walras. Segundo Prado (1994), como a teoriapura elaborada por Walras busca fundamentaes seguras, a estrutura lgica do modelo de equilbriogeral deriva de axiomas. Supe-se que os indivduos entram em cena (no mercado) prontos tomada dedeciso: O que importante notar que eles so pensados a como seres que tm um conhecimento claroe distinto, completo e inequvoco, das prprias preferncias assim como das tcnicas de produodisponveis. S concebidos desse modo podem se tornar axiomas; s assim pode ser encontrado umfundamento seguro para o exerccio dedutivo. (PRADO, 1994, p. 8).

    A concepo walrasiana de cincia econmica pura7, ou ...a natural science of things, whereisolated individuals respond to impersonal prices, conforme descreve Udehn (2002, p. 482), fundamenta-se em um individualismo mais radical do que o individualismo da escola austraca, e mesmo do que outilitarismo ingls, representado principalmente por Stanley Jevons8.

    It is obvious that GET [General Equilibrium Theory] represents a radical form of methodological individualism,where the actions of individuals are seen as resulting from (a) her/his psychology, (b) the physical surrounding, and(c) the actions of other individuals. According to Lawrence Boland9 (1982, p. 13ff.), not only GET but alsoneoclassical economics as a whole, is a manifestation of psychologistic individualism. The rule guiding this form ofmethodological individualism says that no economic explanation is considered sucessful until all exogenous variableshave been reduced to psychological states of individuals and natural constrains. Social institutions may appear in themodels of neoclassical economics, but only as endogenous variables (UDEHN, 2002, p. 499).

    No IM da teoria neoclssica, os indivduos so reduzidos a peas de uma mquina (PRADO,1994, p. 12), ou ...invlucros sem contedo, simples instrumentos da prevalncia das regras deracionalidade atribudas concorrncia (POSSAS 1990, p. 12). O reducionismo da teoria neoclssicapassa a ser um sistemismo mecnico na demonstrao lgico-matemtica da superioridade do mercado

    5Lembrando que a subjetividade desempenha um papel importante aos tericos dessa escola. Para Menger (1983, p.304): ...o valor algo subjetivo, no somente no que tange a sua natureza como no tocante medida de determinao domesmo. Sempre e em toda parte os bens tm valor para[grifo do autor] certos indivduos, em relao a[grifos do autor]determinados indivduos, e somente para tais indivduos tm valor determinado[grifo do autor].

    6Para Jevons (1983, p. 34-35): ...a mente de um indivduo a balana que faz suas prprias comparaes, e ojuiz final das quantidades de sentimentos. Mas, numa mente, um impulso comparado apenas em relao a outros impulsos namesma mente, nunca em relao a impulsos em outras mentes (...) Em conseqncia, a comparao dos impulsos deve estarsempre confinada ao mago do indivduo. Devo destacar aqui que, apesar de a teoria supor a investigao da condio de umamente e basear nessa investigao toda a Economia, na prtica um conjunto de indivduos que ser tratado. As formas gerais

    das leis da Economia so as mesmas no caso de indivduos e naes; e, na realidade, uma lei operando no caso de um grandenmero de indivduos que d origem ao conjunto, representado nas transaes de uma nao. Praticamente, no entanto, impossvel detectar a operao de leis gerais desse tipo nas aes de um ou de uns poucos indivduos (...) Admitindo-se quetemos um nmero suficiente de casos independentes podemos ento detectar o efeito de qualquer tendncia[grifo do autor],por mais dbil que seja.

    7 Nas palavras de Walras (1983, p. 3), sua obra pode ser definida como um curso elementar de Economia PuraRacional.

    8Jevons (1983, p. 37) define sua obra como a mecnica da utilidade e do interesse individual.

    9BOLAND, L. W. The foundations of economic method. London: Allen & Unwin, 1982.

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    (GANEM, 1996), na explicao de ...como de aes individuais independentes resulta, nointencionalmente, um estado social coerente. (PRADO, 1994, p. 12).

    A perspectiva reducionista concebida a partir do IM e inerente ao homem econmico leva a umaseparao e a uma oposio entre o indivduo e o seu meio scio-institucional, uma oposio entre oindividual e o coletivo, o primeiro enquanto parte e o ltimo enquanto todo. Partindo da ao individual, aexplicao de uma ordem (ou equilbrio) social fundamenta-se na motivao egosta dos agentes.Eventuais desvios so compensados, e, no agregado, desaparecem. Pressupostos unitrios e aes

    individuais, na distino que contrape o individual e o coletivo, constituem problema terico emetodolgico na medida em que, uma vez separados, tenta-se alcanar o todo pela transcendncia daspartes, reduzindo-se as leis sociais a leis psicolgicas. A teoria psicolgica implcita nessa abordagemdo comportamento econmico dos agentes tem por objetivo adequar-se anlise do comportamento deum indivduo em particular: o indivduo atomstico que habita o universo terico clssico e neoclssicorequer uma psicologia especfica, uma psicologia que parte de suposies como o egosmo, aracionalidade e a maximizao da utilidade. A base psicolgica da teoria econmica no deve, comoressalta Granger (1955, p. 169), ser entendida em seu sentido cientfico tradicional, dado que: Dopsicolgico ao econmico existe uma diferena estrutural essencial, diferena que se impe pouco apouco no pensamento econmico atravs de um certo nmero de tentativas para axiomatizar umapsicologia econmica, e assim definir uma microestrutura [grifo do autor] subjacente aosmacrofenmenos.

    partindo de postulados assumidos como vlidos, a exemplo da racionalidade, que se promove areduo psicolgica axiomtica do homem econmico. Nota-se, diante disso, que dentre os aspectosrelevantes para a anlise crtica da teoria neoclssica est a reduo da unidade de anlise da CE (ohomem econmico) ao comportamento estritamente econmico dos agentes. Se do ponto de vistametodolgico essa teoria apresenta-se coerente, a sua consistncia torna-se questionvel na medida emque o comportamento do indivduo considerado ex-ante e desvinculado de seu ambiente scio-institucional.

    2. O REDUCIONISMO PSICOLGICO DO HOMOOECONOMICUS

    A axiomatizao da psicologia econmica passvel de identificao, segundo Viet (1967) eGranger (1955) em trs tentativas principais: nos tipos ideais de comportamento, no fetichismo da

    mercadoria, e na teoria dos jogos aplicada ao comportamento econmico.Os tipos ideais, tal como definidos por Weber (1991, p. 105), ...uma construo intelectual

    [obtida mediante acentuao mental de determinados elementos da realidade] destinada mediao e caracterizao sistemtica das relaes individuais [grifo do autor], isto , significativas pela suaespecificidade..., devem ser capazes, segundo Viet (1967, p. 253), de ...liberar o que h de nico emtoda a situao histrica., posto que o objetivo o conhecimento do particular, no se limitando apenas apreenso de caractersticas mais freqentes e mais gerais. Como aparelho lgico e esquema mental, ostipos ideais permitem que os agentes econmicos sejam apreendidos interpretativamente a partir dasconexes de sentido realizadas em cada ao particular: Aspiramos ao conhecimento de um fenmenohistrico, isto, , significativo na sua especificidade. E o que aqui existe de decisivo a idia de umconhecimento dos fenmenos individuais mediante a premissa de que apenas uma parte finitada infinitadiversidade de fenmenos significativa. [grifos do autor] (WEBER, 1991, p. 93-94). O tipo ideal

    requer, desse modo, uma reduo.A reduo inerente ao tipo ideal weberiano , tal como na fenomenologia, reduo eidtica, ou

    seja, reduo idia, essncia. Para Viet (1967,), bem como para Granger (1955), a questo daaxiomatizao de uma psicologia econmica nos tipos ideais de Max Weber resulta da necessidade decoordenar uma eidtica descritiva com uma eidtica formal esquematizante, ou, em outros termos,trata-se da necessidade de superao do descritivo pela intuio das essncias. O esforo axiomatizanteda psicologia econmica vem em Weber acompanhado da definio da microestrutura subjacente aosmacrofenmenos ao passo em que, acentuando as caractersticas de um indivduo para caracteriz-locomo tipo ideal, e a partir deste conceber explicaes sociolgicas, promove-se uma reduo.

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    O fetichismo da mercadoria10analisado por Marx seria, segundo Viet (1967), tentativa semelhantena medida em que o fenmeno da reificao que se manifesta na sociedade capitalista pressupe aexistncia de um mecanismo psquico. A compreenso do fenmeno de reificao, para Goldmann11(apud VIET, 1967, p. 256), requer a compreenso do mecanismo psquico atravs do qual se realizamtodos os processos. O mecanismo psquico a que se refere Goldmann, no permite, contudo, que seconclua que a abordagem marxista explique os fatos econmicos recorrendo psicologia individual nemque se deva faz-lo. Elementos psicolgicos na perspectiva marxista so tratados como superestruturas da

    realidade econmica, como epifenmenos.Semelhante necessidade de coordenao da eidtica descritiva e da eidtica formal

    esquematizante, Granger (1955) aponta certa ambigidade no marxismo no que tange dissociao entreobjetivo e normativo. Viet (1967), em oposio, argumenta que a dissociao entre objetivo e normativorecomendada por Granger (1955) conduziria a um dentre dois extremos: de um lado a separao entre areificao e o fundamento econmico de sua existncia, que impossibilitaria sua compreenso; de outro, aconstruo de um sistema formal por abstrao, que excluiria da psicologia a compreenso do cartersocial de seu objeto. no carter normativo, ou mais especificamente na noo que se tem do normativo,que se encontraria no marxismo espao para a problemtica da micro e da macroestrutura:

    O que parece impor a dissociao do objetivo e do normativo na perspectiva marxista, no fundo a idia que se faz donormativo. No difcil conceder, por exemplo a P. Bigo12 que a teoria marxista do valor normativa com a

    condio, no entanto, de compreender bem aqui a norma e de no fazer seno uma exigncia dialtica provada nascontradies inerentes situao colocada aos trabalhadores pela sociedade, deste modo reencontra-se o fio de umalgica que, fornecendo psicologia o meio de superar o estgio de uma simples descrio do fenmeno, assegurasolidamente, em economia, a definio de uma microestrutura (VIET, 1967, p. 259).

    O instrumental de anlise da teoria dos jogos, por sua vez, transformou o homoconomicusemhomem de deciso e traduziu o comportamento dos agentes econmicos em estratgias de jogo. emTheory of games and economic behaviorde J. von Neumann e O. Morgenstern que se pode identificar atentativa de excluir o elemento psicolgico puro dos fundamentos do econmico. Ao transformar ohomem econmico em estrategista, a teoria dos jogos o reduz, acentuando o processo de axiomatizaodo comportamento dos agentes na teoria econmica. O processo de reduo promovido pela teoria dos

    jogos assume, assim, duas formas principais: a reduo de conjunto e a reduo probabilitria. A reduode conjunto desloca o centro de anlise do comportamento dos atores para o comportamento do jogo, e

    este, enquanto totalidade e enquanto conjunto, que prevalece: suas partes so sries de golpes que nopodem ser apreendidos isoladamente (GRANGER, 1955). A reduo probabilitria se fundamenta nanoo de estratgia e restaura para cada jogador a sucesso de jogadas, entendida como uma seqncia deescolhas, uma escolha inicial de uma estratgia. (VIET, 1967, p. 260). Ambos processos tm emcomum a funo de permitir uma descrio axiomtica do jogo.13

    10Pela definio de Marx (1983, p. 71): ...a forma mercadoria e a relao de valor dos produtos de trabalho, naqual ele se representa, no tm que ver absolutamente nada com sua natureza fsica e com as relaes materiais que da seoriginam. No mais nada que determinada relao social entre os prprios homens que para eles aqui assume a formafantasmagrica de uma relao entre coisas. Por isso, para encontrar uma analogia, temos de nos deslocar regio nebulosa dareligio. Aqui, os produtos do crebro humano parecem dotados de vida prpria, figuras autnomas, que mantm relaes entresi com os homens. Assim, no mundo das mercadorias, acontece com os produtos da mo humana. Isso eu chamo o fetichismo

    que adere aos produtos de trabalho, to logo so produzidos como mercadorias, e que, por isso, inseparvel da produo demercadorias.

    11GOLDMANN, R. Recherches dialetiques. Paris: Gallimard, 1959.

    12BIGO, P. Humanisme et conomie politique chez Karl Marx. Paris: P.U.F., 1951.

    13 A reduo promovida pela teoria dos jogos difere da reduo promovida pela escola austraca, a cujoreducionismo metodolgico Von Neumann e Morgnestern (1990, p. 9-13) dirigem algumas consideraes: The chiefobjection against using this very simplified model [ la Robson Cruso] of an isolated individual for the theory of a socialexchange economy is that it does not represent na individual exposed to the mainfold social influences. Hence, it is said toanalyze an individual who might behave quite differently if his choicer were made in a social world where he would be

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    A reduo axiomtica de uma psicologia do homem econmico situa a teoria dos jogos no mesmocontexto do tipo ideal weberiano e do fetichismo da mercadoria de Marx, mas a reduo promovidapelo IM dos clssicos, e principalmente dos neoclssicos, que constitui modalidade axiomtica deinteresse s abordagens estruturalistas.

    3. O MTODO ESTRUTURALISTA, A PARTE E O TODO

    No processo de racionalizao do objeto de anlise cientfica, as intenes crticas do mtodoestruturalista diferem conforme as disciplinas: para os lingistas, o estruturalismo permitiu a aproximaocom os sistemas sincrnicos de conjunto, em detrimento dos diacrnicos prevalecentes; o estruturalismodas matemticas encontrou nos isomorfismos a unidade dos at ento compartimentados e heterogneoscaptulos que constituem a disciplina; as tendncias atomsticas da psicologia foram questionadas ecombatidas pelo estruturalismo que se ope s tentativas de reduzir a totalidade s associaes entreelementos prvios (PIAGET, 1970).

    Os conceitos modernos de estrutura baseiam-se em relaes entre partes e todo. A anliseestrutural enfatiza a interdependncia, as relaes internas entre as partes: na ausncia destas relaes otodo se resumiria a um agregado. A principal caracterstica deste mtodo a compreenso do todo comoconstrudo a partir destas relaes internas entre as partes. Segundo Jackson (2003, p. 727-728):Structural theory can sometimes turn into holism and give the whole precedence over the parts, yet the

    original aim of structural ideas as against holistic ones was to ensure that the whole could always betransformed, or else the whole-part relationship would be redundant. A structural method, if handledproperly, should never congeal into structural wholes that overshadow their component parts.

    A definio de estrutura de Piaget (1970, p. 8), segundo a qual uma estrutura um sistema detransformaes que comporta leis enquanto sistema (por oposio s propriedades dos elementos) e quese conserva ou se enriquece pelo prprio jogo de suas transformaes, sem que estas conduzam para forade suas fronteiras ou faam apelo a elementos exteriores, exige trs explicaes fundamentais referentess caractersticas da estrutura, a saber: a totalidade, a transformao e a auto-regulao.

    A totalidade caracterstica da estrutura que a distingue dos agregados. Trata-se da to recorrenteassertiva o todo no , de maneira alguma, a soma de suas partes. Os elementos da estrutura estosubordinados s leis de composio que caracterizam o sistema como tal, no sendo meramenteassociaes cumulativas. O todo, sob tais circunstncias, apresenta caractersticas de composio

    diferentes daquelas atribudas aos elementos (PIAGET, 1970; VIET, 1967). O reconhecimento davalidade e da relevncia da assertiva to elucidativo quanto problemtico.

    A tentativa de Comte de explicar o homem pela humanidade ao invs de explicar a humanidadepelo homem, bem como a tentativa de Durkheim de apreender o todo como emergncia da reunio deindivduos so exemplos de abordagens que reconhecem o postulado supramencionado e, no obstante,consideram o todo como anterior s partes ou contemporneo de seus contatos. Ambas abordagenscorrem o risco de, devido simplificao, omitir-se no tratamento da natureza e das leis de composioda estrutura (PIAGET, 1970).

    Aos esquemas de associao atomstica e de totalidades emergentes opem-se, segundo Piaget(1970, p. 11), as estruturas operatrias, cujo mrito est na adoo de uma atitude relacional, abordagem...segundo a qual o que conta no nem o elemento nem o todo se impondo como tal, sem que se possaprecisar como, e sim as relaes entre os elementos ou, em outras palavras, os procedimentos ou

    processos de composio (segundo se fale de operaes intencionais ou de realidades objetivas), nosendo o todo seno a resultante dessas relaes ou composies, cujas leis so as leis do sistema.

    Essa noo dinmica de estrutura remete s transformaes, dualidade da estrutura que simultaneamente estruturante e estruturada. O interesse explicativo das estruturas deve-se justamente concepo de estrutura enquanto sistema de transformaes. Os sistemas de transformao podem serintemporais, a exemplo das operaes matemticas, e temporais, como as relaes sociais. Os

    exposed to factors of imitation, adversisting, custom, and so on. These factors certanily make a great difference, but it is also tobe questioned werther they change the formal properties of the process of maximizing. Indeed the latter has never beenimplied, and since we are concerned with this problem alone, we can leave the above social considerations out of account.

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    Na CE a teoria ortodoxa, comprometida com o IM, tem se mantido distante do conceito deestrutura social tanto quanto dos mtodos estruturalistas. Para Jackson (2003, p. 727): Any structurebringing people together will contradict the atomism of neoclassical thought. Na teoria neoclssica asestruturas sociais raramente aparecem, e quando o fazem, como no caso das imperfeies de mercado,vm associadas s explicaes elaboradas a partir do comportamento individual. A estrutura adotada,nesse contexto, como elemento de restrio do comportamento humano (JACKSON, 2003). nestesentido, por exemplo, que utilizada a estrutura de mercado, em que a concorrncia ...uma estrutura

    rgida e predeterminada que nivela cada empresa a um agente (ou paciente?) indiferenciado de sualgica15(POSSAS, 1990, p. 168).Em razo desse distanciamento do estruturalismo e da aproximao com o IM atomicista, a

    transio do micro ao macrocomportamento econmico d-se de modo axiomtico. Reduzindo apsicologia do agente econmico lgica racional maximizadora, os neoclssicos tornam possvel aconstruo dos agregados econmicos como uma simples soma de partes. A passagem do micro aomacro, mediante extenso e agregao, axiomtica e problemtica, na perspectiva dos mtodosestruturalistas.

    As abordagens mais heterodoxas (a exemplo do institucionalismo e do marxismo ortodoxo), noobstante, analisam o comportamento econmico inserido em uma estrutura social. Para Jackson (2003, p.728), ...structural methods are at the heart of a heterodox approach, uma vez que os argumentos emoposio perspectiva ortodoxa fundamentam-se, principalmente, na refutao do IM. Embora as

    diversas teorias estruturalistas permaneam deficientes de uma terminologia uniforme16, revelam umaruptura metodolgica fundamental com relao abordagem ortodoxa (JACKSON, 2003).

    Os problemas da abordagem estruturalista emergem quando se trata de explicar as relaes entreindivduo e estrutura social. A estruturao do agente econmico a partir da construo de ummicrocosmo encontra paralelo na tentativa de estruturao das grandezas econmicas em ummacrocosmo. Conciliar o microcosmo do agente individual (atomisticamente isolado) com amacroestrutura dos macrofenmenos problemtica do mtodo estruturalista na CE. Granger (1955)aponta algumas das tentativas de construo do macrocosmo atravs do prolongamento sumrio de ummicrocosmo econmico, dentre as quais trs merecem destaque: os nmeros ndices17, a escala depreferncias sociais e a agregao.

    Os nmeros ndices, traduzindo as condies globais do mercado apenas para um consumidorindividual exemplar, constituiriam o modo pelo qual a conceitualizao econmica se resolveria emconceitualizao psicolgica. A construo de uma escala de preferncias sociais de naturezasemelhante. A tentativa de Arrow (1952) fundamenta-se no mtodo axiomtico: a funo de escolhasocial satisfatria, i. e., conveniente, honesta e sbia, deve atender a trs condies: o princpio deracionalidade coletiva, o princpio de ligao positiva entre os valores individuais e os valores sociais e oprincpio de independncia face s alternativas estranhas. O primeiro princpio determina que todoconjunto imaginvel de sistemas de preferncias dos indivduos pode ser agregado a um sistema depreferncias sociais. O segundo princpio indica que se uma possibilidade surge na classificao de todasas outras possibilidades, permanecendo introcvel, esta possibilidade no ser diminuda na classificaosocial, enquanto o ltimo princpio determina que a escolha social num conjunto de possibilidades nodepende das preferncias com relao s possibilidades que a no se encontram. A dificuldade de se

    15A concorrncia, nessa perspectiva, esttica, vinculando-se noo de equilbrio e, para Hayek (apud PRADO,1994, p. 21), ...pressupe que os fatos (relevantes) j foram descobertos e que a competio j cessou.

    16H, na literatura de cunho metodolgico e epistemolgico, abordagens ditas sistmicas, cujos fundamentosmantm inegvel correspondncia semntica com a terminologia estruturalista, a exemplo da abordagem de Buckley (1967).

    17A discusso envolve os trabalhos de Frisch (The problem of index numbers. Econometrica, n. 4, vol. 1, p. 1-38,jan. 1936); de Nataf (Sur la possibilit de construction de certains macromodles. Econometrica, n. 16, vol. 3, p. 232-244, jul.1948) e de Nataf e Roy (Remarques et suggestions relatives aux nambres-indices. Econometrica, n. 16, vol. 4, p. 330-346, oct.1948.)

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    atender s trs condies eminente, em especial pela impossibilidade de coerncia de sistemasindividuais de preferncia18.

    O problema da agregao, por sua vez, esbarra nos limites em que se podem admitir isomorfismosentre micro e macrocosmo. Dentre os pressupostos dos modelos microeconmicos est a suposio de umelevado grau de homogeneidade entre os agentes, de tal forma que no haveria inconsistncia lgica empassar-se do micro ao macro mediante agregao. Essa transposio axiomtica, bem como a escolha dosaxiomas, d margem a discusses quanto legitimidade da construo terica. Se a constituio do

    macrocosmo via extenso do microcosmo requer que as grandezas macroeconmicas sejam anteriormenteestruturadas, o processo de composio do macro fica comprometido: Se a reduo do psicolgico nadefinio da microestrutura parecer corresponder construo formal do macrocosmo, no se poderiaafirmar que ela seja ordenada, e menos ainda, que ela deva vir antes, necessariamente (VIET, 1967, p.264).

    Diante disso, axiomatizao da psicologia econmica que se devem voltar as atenes nadiscusso da micro e da macroestrutura, considerando-se que esta tendncia revela, na CE, a concepodo mtodo estruturalista como requisito do esprito cientfico que tem seu objeto racionalizado. Caberessaltar que a racionalizao metodolgica do comportamento econmico no equivale racionalizaodo comportamento pelo agente econmico. o cientista, o terico que racionaliza seu objeto deinvestigao. Weick (1973, p. 10) sugere que:

    os tericos levam sua natureza humana para a cincia, e isso pode ser visto em sua tendncia para explicaracontecimentos enigmticos atravs de motivao. Fazem um esforo conjunto para verificar o que os atores estotentando fazer. Uma vez que isso seja descoberto, o terico pensa entender o que ocorre. Atribuir s organizaese aos seus participantes a disposio para racionalidade reduz o mal estar dos tericos, mas na realidade explicamuito pouca coisa dos participantes.

    Em casos extremos, o cientista confunde-se com seu objeto de estudo19 e o prprio modelistaadentra o modelo para garantir a correo das previses20: peculiaridades da teoria neoclssica querefletem a dificuldade terico-metodolgica de transposio do nvel individual ao nvel coletivo deanlise do comportamento econmico dos agentes.21

    5. A TEORIA ECONMICA, O INDIVIDUAL E O COLETIVO

    A distino mais geral entre a micro e a macroeconomia delimita o objeto da primeira smicrounidades e da segunda aos agregados econmicos. A delimitao, ainda que superficial eredundante, evidencia um procedimento de transposio ou transcendncia relativamente simples: aagregao. A microeconomia neoclssica explica a curva de oferta da indstria a partir das escolhas feitaspor empresas individuais: Reunidos em conjunto, receita e custo para o empresrio individual, demanda

    18A heterogeneidade de indivduos que compem a firma emprica faz-se acompanhar de relaes de conflito. Ainterdependncia de sistemas individuais de preferncia no necessariamente resulta numa convergncia de interesses queharmoniza a perspectiva do indivduo, tomado isoladamente, com a firma, o coletivo. O conflito de interesses e as relaes depoder so intrnsecos a qualquer forma de organizao social. A maximizao da funo utilidade de um indivduo requer,freqentemente, o prejuzo alheio, de modo que a definio de uma funo utilidade coletiva torna-se complicada.

    19Cabe advertir, conforme Usunier (1990, p. 90): Images of reality should not be confused with reality itself.

    20 esse o caso da hiptese das expectativas racionais, em que a comunidade de econometristas que homogenezaas expectativas de todos os agentes econmicos. A racionalidade desses agentes os permitem formular suas previses com baseem um mesmo modelo, o modelo real da economia (GANEM, 1996, p. 114).

    21A postura metodolgica e epistemolgica dos cientistas econmicos historicamente determinante dos rumos dacincia econmica, da (im)pertinncia e (ir)relevncia que tm para a sociedade. Dessa postura depende inclusive o campo deatuao dos economistas. Se compete aos modelos econmicos prever fenmenos independentemente das hipteses sobre asquais se aliceram , o mercado de trabalho dos economistas torna-se seriamente ameaado pela astrologia, pela numerologia eanlogos.

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    e oferta para o mercado total, estes determinam o preo de mercado e a produo da firma e da atividadeeconmica. Conseqentemente, estas foras determinam a alocao de recursos tambm entre asatividades ou setores econmicos. (FERGUSON, 1992, p. 273).

    A alocao dos recursos determinada, nessa perspectiva, pelas decises de preo e de produodo empresrio individual, diante da estrutura de mercado estabelecida ex-ante. As suposies necessriasa essa anlise merecem destaque. Ferguson (1992) destaca duas: o mercado aberto e a maximizao delucro. O mercado aberto caracterizado pela inexistncia de controle e de interveno governamental. A

    maximizao do lucro hiptese fundamental teoria neoclssica da firma: a hiptese de maximizaodo lucro a nica que produz uma teoria geral da firma, mercado e alocao de recursos que bemsucedida, tanto em explicar quanto em predizer o comportamento das atividades econmicas.(FERGUSON, 1992, p. 273). Para o autor, explicao do comportamento das atividades econmicasbasta a suposio de que os empresrios agem como setentassem maximizar o lucro, e a hiptese comose a nica justificvel na previso do comportamento das atividades econmicas.

    Tanto Ferguson (1992) quanto Pindyck e Rubinfeld (1999) admitem que a hiptese demaximizao controversa. Porm, seus argumentos favorveis adoo dessa hiptese convergem nosentido de reconhecer a capacidade de previso da teoria. Pindyck e Rubinfeld (1999, p. 267) julgam quea suposio de maximizao evita complicaes desnecessrias. Restringindo-se a firma a uma funode produo, a maximizao pode ser alcanada por meio da escolha de uma combinao tima de fatoresde produo.22Dessa forma, a maximizao do lucro da firma, anloga maximizao de utilidade do

    consumidor, permite o desenvolvimento de critrios normativos para a formulao de polticasempresariais e a firma passa a ser analisada como uma unidade, cujo nico comportamento plausvel amaximizao do lucro. Enquanto unidade de anlise da teoria neoclssica, a firma no aparece como umaorganizao formada por pessoas com preferncias e propsitos distintos. O trabalho resume-se a umfator de produo, a um insumo. Para efeito de anlise, bastaria supor que a firma porta-se como umindivduo maximizador. Uma tal concepo de firma corresponde ao que Tigre (1998) denomina decaixa preta. Essa expresso sintetiza a condio paradoxal da firma neoclssica, uma teoria da firma emque a unidade bsica de anlise (a firma) coadjuvante, dado o contexto maior de alocao de recursos eteoria de preos, preocupaes primeiras dos (neo) clssicos (TIGRE, 1998).

    Deve-se reconhecer, conforme Possas (1990, p. 24), que: A microeconomia neoclssica no[grifo do autor] uma teoria da firma; esta apenas um canal passivo pelo qual a lgica maximizadora daracionalidade de cada indivduo conflui para o equilbrio (harmonia) do todo. Nessa perspectiva, oobjetivo da abordagem neoclssica no a explicao do comportamento da firma. A firma neoclssica uma ligao terica entre causa e efeito, equivale a um construto terico, imaginrio e, portanto, noreivindica uma contrapartida emprica. Os agentes, nesse contexto, no so o objeto de anlise:

    The household in price theory, is not an object of study; it serves as theoretical link between changes in prices andchanges in labor services supplied and consumer goods demand. The hypothetical reactions of an imaginary decision-maker on the basis of assumed, internally consistent preferences functions serve as the simplest and heuristicallysatisfactory explanation of empirical relationships between changes in prices and changes in quantities. In otherwords, the household in price theory is not an object of study (MACHLUP, 1967, p. 9).

    Trata-se de uma postura anloga de Debreu (1959, p. 37): In the study of production, when oneabstracts from legal forms of organization (corporations, sole proprietorships, partnerships, ...) and typesof activity (Agriculture, Mining, Construction, Manufacturing, transportations, Services, ) one obtainsthe concept of a producer, i. e., an economic agent whose role is to choose (and carry out) a productionplan. No obstante, as afirmaes mais contundentes provm de Walras (1983, p. 121):

    22A produo em um mercado regido pela livre concorrncia uma operao pela qual os servios podem sercombinados nos produtos de natureza e de quantidade prprias a causar a maior satisfao possvel das necessidades, dentrodos limites da dupla condio de que cada servio, assim como cada produto, tenha apenas um nico preo no mercado, aqueleno qual a oferta e a demanda so iguais, e que o preo de venda dos produtos seja igual a seu preo de custo em servios.(WALRAS, 1983, p. 135).

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    O empresrio , pois, o personagem (indivduo ou sociedade) que compra matrias-primas de outros empresrios; emseguida aluga, mediante um arrendamento, a terra do proprietrio fundirio; mediante um salrio, as faculdadespessoais do trabalhador; mediante um juro, o capital do capitalista e, finalmente, tendo aplicado servios produtivos smatrias-primas, vende por sua conta os produtos obtidos. O empresrio de agricultura compra sementes, adubos egado magro; aluga terras, construes e instrumentos para arar; engaja trabalhadores, ceifadores e pees; e vendegneros agrcolas e gado engordado. O empresrio de indstria compra matrias-primas txteis e metais brutos; alugausinas, oficinas, mquinas e utenslios; contrata teceles, ferreiros e mecnicos, e vende objetos manufaturados:tecidos e metais trabalhados. O empresrio do comrcio compra mercadorias por atacado; aluga armazns e lojas;emprega caixeiros e viajantes; e vende mercadorias a varejo. Quando qualquer um deles vende seus produtos emercadorias mais caro do que lhe custaram em matrias-primas, arrendamentos, salrios e juros, tem um lucro; nocaso contrrio, tem uma perda. Essa a alternativa que caracteriza o papel do empresrio.

    Nessa abordagem, no h exatamente uma firma, h um indivduo responsvel pela organizaoda produo, pela coordenao dos fatores de produo. No h distino entre nveis de agregao, poisa preocupao maior a alocao de recursos: ...a teoria da produo, assim como a teoria da troca,comea pelo problema da obteno, por cada um dos permutadores, da satisfao mxima dasnecessidades e termina pelo problema do estabelecimento, no mercado, da igualdade entre a oferta e ademanda... (WALRAS, 1983, p. 134).

    A hiptese de maximizao de lucro (enquanto objetivo da firma) no constitui, por si s,condio necessria para formulao da teoria de preos e de alocao de recursos na perspectivaneoclssica. O instrumental de anlise microeconmico ortodoxo estabelece um ambiente especfico para

    a ao dos agentes, caracterizado pela concorrncia perfeita, que, em essncia, consiste na impessoalidadedo mercado, ou seja, na inexistncia de concorrncia direta entre os agentes econmicos envolvidos. ParaFerguson (1992, p. 277), as condies que garantem a concorrncia perfeita na teoria microeconmica sobasicamente quatro: grande nmero de pequenas empresas, homogeneidade do produto, livre mobilidadede recursos e perfeito conhecimento. Em outros termos, cada agente econmico , individualmente,incapaz de exercer qualquer influncia significativa no preo do produto comercializado. Este, por suavez, no apresenta diferenas qualitativas de vendedor para vendedor, de tal modo que os consumidoresso indiferentes quanto firma que o disponibiliza. Cada recurso necessrio produo deve fluirlivremente no mercado em resposta a variaes de preos. Consumidores e produtores devem ter plenaconscincia dos preos praticados no mercado para que a eficincia seja alcanada e mantida. Oconhecimento necessrio maximizao da utilidade e do lucro, no entanto, no pode limitar-se a essanica varivel, pois um perfeito conhecimento requer, efetivamente, completo conhecimento do futuro,to bem quanto do presente. Da ausncia dessa oniscincia decorre que a concorrncia perfeita noprevalece e, conseqentemente, a alocao eficiente dos recursos fica comprometida.

    A irrealidade ou inconsistncia das hipteses evidente e reconhecida. O autor o admite, masargumenta que o modelo deve ser considerado por duas razes principais:

    Primeiro, a generalidade pode ser somente atingida por meio de abstraes. Portanto, a teoria no pode serperfeitamente descritiva de fenmenos do mundo real. Alm disso, quanto mais corretamente uma teoria descreve umcaso particular do mundo real, menos corretamente descrever outros. Em qualquer rea de pensamento, um tericono seleciona suas hipteses, baseando-se em seu realismo23; as concluses, no as hipteses, so testadas junto realidade. Isto conduz a um segundo ponto de grande, embora pragmtica, importncia. As concluses derivadas domodelo de concorrncia perfeita tm amplamente permitido explicaes exatas de fenmenos do mundo real. Isto , aconcorrncia perfeita freqentemente funciona como um modelo terico dos processos econmicos. A maispersuasiva evidncia o fato de que, a despeito dos mais sofisticados [grifo do autor] modelos de comportamento

    econmico, os economistas usam hoje provavelmente mais em suas pesquisas o modelo de concorrncia perfeita queoutrora (FERGUSON, 1992, p. 279-280).

    Os argumentos assemelham-se ao posicionamento positivista de Friedmann (1953), que atribuimaior importncia capacidade de previso da teoria (neoclssica) que realidade ou irrealidade dashipteses. Segundo Pickering (1981, p. 59):

    23Cabe reforar: se o realismo das hipteses dispensvel, as fronteiras entre senso comum, cincia e formas pr-cientficas de conhecimento ficam atenuadas. Mtodos e rituais tornam-se indistintos e sua utilizao passa a ser indiferente,contanto que as previses dos modelos que os orientam (sejam matemticos, economtricos ou astrolgicos) sejam corretas.

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    There is a long tradition in positive economics that so long as a model predicts effetivelly it is not necessary toinvestigate in detail the underlying influences whitin that model. This is perhaps typified in the black box approachto economic forecasting in which the variable inputs produce a given forecast without an attempt to describe orunderstand the way in which such variables interact to produce the particular output.

    A racionalidade onisciente que atributo dos agentes econmicos no requer, nessa perspectiva,uma validao emprica.24 No se questiona, diante disso, a racionalidade em diferentes nveis deagregao: o consumidor e a firma so tratados como unidades isomorfas de anlise, e a reduo

    psicolgica do homem econmico encontra paralelo na reduo da firma condio de unidade deanlise. Desconsideradas a coerncia dos sistemas individuais de preferncia e as complexas relaesentre os indivduos que compem a firma emprica, efetua-se a reduo simplificadora que tomaindivduo e firma por unidades isomorfas de anlise e omite-se, dessa forma, o elemento coletivo deexplicao do comportamento da firma. O no reconhecimento da firma como entidade coletiva, comregras e objetivos diferenciados, um problema fundamental da teoria neoclssica da firma (TIGRE,1998).

    6. RACIONALIDADE INDIVIDUAL VERSUSRACIONALIDADE COLETIVA

    No obstante a simplificao terica, as relaes econmicas so essencialmente complexas, ouniverso econmico constitudo de inmeras variveis que mantm mltiplos vnculos sofisticados de

    interdependncia. O comportamento econmico requer o conhecimento dos mecanismos e da lgica dofuncionamento da interdependncia das principais variveis, das relaes mais importantes quedeterminam os fenmenos econmicos. Para os (neo) clssicos, a maximizao do lucro, no caso dafirma, e da utilidade, no caso do consumidor, possvel porque todos os indivduos tm acesso a todas asinformaes necessrias. Essas informaes, para Hayek25 (apud BUTLER, 1987), so fornecidas pelomercado atravs de uma rede de comunicaes: o sistema de preos. O sistema de preos podeharmonizar as necessidades de vrios indivduos porque sintetiza grande parte das informaes em umsmbolo: ...atravs de uma espcie de smbolo, s a informao essencial passada adiante, e passadaadiante s para as pessoas a quem ela interessa. (HAYEK, apud BUTLER, 1987, p. 50). Do ponto devista da sociedade como um todo, os preos so sinais atravs dos quais as informaes sobre escassezso transmitidas entre os agentes (ARROW, 1984).

    De fato, o sistema de preos prevalecente em economias de mercado simplifica imensamente ointercmbio entre os agentes, pois compradores e vendedores no precisam dispor de informaesdetalhadas sobre as causas da escassez de produtos ou insumos, bastando saber que aumentos de preosinalizam aumento da escassez, enquanto redues de preo sinalizam maior disponibilidade (menorescassez) do produto em questo. O sistema de preos, diante disso, seria o mecanismo mais eficiente deindicao das mudanas no ambiente econmico, dado que as informaes necessrias (os preos) e, paraos neoclssicos, principais determinantes do comportamento dos agentes, so disponibilizadas pelomercado.

    24 O modo como a racionalidade introduzida na construo terica impede at mesmo essa possibilidade. A

    racionalidade, aliada clusula ceterisparibus, faz com que qualquer tentativa de validao emprica seja praticamenteimpossvel. Se os agentes so racionais, segundo a definio neoclssica, eles maximizam. Caso isso no ocorra, pode-seargumentar que a clusula ceterisparibustenha sido violada, ou seja, que tenham ocorrido mudanas no ambiente econmico,significando que os agentes no deixam de ser racionais (HOLLIS; NELL, 1977). No que se refere ao consumidor, Caldwell(1994, p. 165) afirma: The empirical definition of rationality put forth by economists is transitivity in observed choice, giventhat two initial conditions (themselves untestable) hold: preferences are well ordered and stable, and information is complete.But if those initial conditions cannot themselves be tested, the results of tests of rationality assumptions cannot beunambiguously interpreted. While confirming instances go unaxamined, disconfirming instances can be met with the claim,ceteris was not paribus. Seldom is it mentionated that, if[grifo do autor] ceteris was not paribus and consistency in choice wasneverthelass observed, it would indicate irrationality behavior on the part of the consumer.

    25HAYEK, F. Individualism and economic order. London: Routledge, 1948.

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    O sistema de preos assume importncia maior na teoria ortodoxa porque determina a alocaodos recursos. No surpreende, portanto, que o mercado tenha recebido tamanho poder na teoriaeconmica (clssica e neoclssica), sendo responsvel pela alocao eficiente (maximizadora) dosrecursos econmicos.26O comportamento dos agentes pode, nesse contexto, ser compreendido por meiodo comportamento dos preos: Como se supe concorrncia perfeita em todos os mercados, os preosassumem o duplo papel de variveis de ajuste para o equilbrio geral (e de cada mercado particular) e deparmetros para os agentes econmicos em sua conduta racional-maximizadora. (POSSAS, 1990, p. 12).

    Concebido como linguagem, na acepo saussariana do termo27

    , o sistema de preos s temsentido na instituio maior, o mercado. Para Adam Smith, o mercado seria responsvel pela emergnciada ordem no apenas econmica, mas tambm social28, cabendo, segundo Ganem (2000), duasinterpretaes do conceito: o mercado como operador tcnico ou mecanismo de alocao tima (numaleitura simplista e reducionista difundida entre os neoclssicos) e o mercado como ordem social. Estaltima abordagem mostra-se muito mais abrangente: ...o mercado entendido como algo mais complexodo que um lcus de troca e a mo invisvel como mais do que um simples mecanismo de ajusteautomtico, representando a prpria viabilizao da ordem social, seu operador ltimo, sua forma deorganizao social. (GANEM, 2000, p. 11). A leitura canonizada pelos neoclssicos, ao contrrio, reduza mo invisvel a um operador tcnico capaz de compatibilizar, automaticamente, oferta e demanda, etoma o interesse privado e o self-interest por equivalentes, resultando disso que ...o indivduo seriacaracteristicamente autocentrado, isolado, auto-suficiente, fechado em si mesmo e poderia perfeitamenteser traduzido pela noo de homem econmico racional da tradio neoclssica. (GANEM, 2000, p. 25).

    Para a autora, entendido como operador tcnico, o mercado neoclssico um mecanismo simplesque reduz a soluo metodolgica smithiana da explicao dos fenmenos coletivos a partir da dmarcheindividual motivao egosta dos agentes (individuais) maximizadores, guiados pelo sistema de preosque permite a alocao tima dos recursos (GANEM, 2000). Enquanto recurso terico, o mercadoneoclssico garante as condies necessrias maximizao dos agentes individuais consumidor efirma como categorias isomorfas de anlise , o que tem por decorrncia a maximizao tambm noagregado, obtendo-se desse modo o equilbrio de mercado. Esse equilbrio possvel, para osneoclssicos, porque a oniscincia dos agentes econmicos viabilizada pela perfeio e simetria dasinformaes, suposies do modelo de concorrncia perfeita. Na deficincia de qualquer uma destascondies a hiptese de racionalidade fica comprometida, e, com ela, a eficincia do modelo deconcorrncia perfeita. Deve-se reconhecer que, violando-se a premissa neoclssica de simetria e deperfeio das informaes, as variveis que no unicamente o preo adquirem maior importncia nadeterminao das atividades econmicas. Uma descrio realista do mercado, no entanto, requer aincluso de tais imperfeies, o que implica no reconhecimento da limitao cognitiva dos agentes, dafragmentariedade e, em casos extremos, da ausncia de informaes.

    Semelhante reduo da firma condio de unidade de anlise, a excessiva simplificao com aqual o mercado tratado compromete a explicao consistente dos fenmenos econmicos. O mercadono pode, sem prejuzo do mnimo realismo necessrio s construes tericas, ser reduzido a ummecanismo ou operador tcnico de trocas em que vendedores e compradores confrontam-se para garantir

    26A troca de duas mercadorias entre si, num mercado regido pela livre concorrncia, uma operao pela qualtodos os portadores, quer de uma das mercadorias, quer da outra, quer de ambas, podem obter a maior satisfao de suasnecessidades compatvel com a condio de dar mercadoria que vendem e receber mercadoria que compram numa proporocomum e idntica. (WALRAS, 1983, p. 67).

    27A linguagem, nesta acepo estruturalista, entendida como um sistema de signos, sendo estes compostos porum significante, ou seja, uma forma que significa, e um significado, sendo uma idia significada.

    28 esta tambm a posio de Hayek (apud BUTLER, 1987, p. 47): A interdependncia entre todos os homens,que anda na boca de todos e tende a fazer da humanidade um S Mundo, no apenas resultante da ordem de mercado, mastambm no poderia ter surgido atravs de quaisquer outros meios. O que hoje liga a vida de um europeu ou americano com oque acontece na Austrlia, Japo ou Zaire a repercusso transmitida pela rede de relaes do mercado. O mercado, paraHayek, no requer acordo quanto aos objetivos a serem buscados por cada indivduo, permitindo a cooperao entre elesainda que suas opinies sejam divergentes (BUTLER, 1987).

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    a condio de equilbrio. Uma tal reduo custaria CE a perda do carter normativo de seus modelos,tornando-se a disciplina cada vez mais irrelevante (TOLIPAN29, apud GANEM, 1996, p. 107). nessesentido que Ganem (1996, p. 114) afirma que o excesso de simplificao tem acentuado o dilema dateoria neoclssica, cuja pretenso maior esbarra na pobreza terica dos modelos supersimplificados.Nesse dilema, h que se optar por modelos super-reduzidos em que a teoria aparece como um catlogosem fim de pequenos modelos, s vezes com concluses opostas, ou pelo quadro ideal da TEG, comhipteses altamente restritivas e de impossvel aplicabilidade.

    Da perspectiva do cientista social, o mercado uma organizao social complexa. Para Callon(1998), um mercado organizado no pode ser reduzido a um mero sistema de trocas e transaes, algomuito mais complexo. Na definio de Guesnerie30 (apud CALLON, 1998, p. 3), o mercado ummecanismo de coordenao por meio do qual os agentes perseguem seu prprio interesse e, para tanto,realizam clculos econmicos que consistem em operaes de otimizao/maximizao. Como osinteresses dos agentes normalmente so divergentes, o que os leva a se engajarem em transaes queresolvem o conflito mediante definio de preos. Nesta oposio de vendedores e compradores, ospreos so concomitantemente causa e conseqncia dos clculos econmicos dos agentes, que o autordefine por calculative agencies. Trata-se de uma das principais caractersticas dos mercados, tal comodefinidos acima. A habilidade de calcular, nesse contexto, envolve a habilidade de estabelecer uma listade possveis estados de mundo, orden-los, identificar e descrever as aes que podem levar a essespossveis estados de mundo. Isso significa, basicamente, que os agentes devem ser capazes de construir

    (traar) uma relao (lista) de aes que eles podem empreender e de descrever os efeitos destas aes noambiente em que se encontram (CALLON, 1998).

    Diferente do homo conomicus, calculative agenciesno so naturalmente capacitados a calcular,e sua racionalidade no um atributo intrnseco ou imanente. A capacidade de calcular, para Callon(1998), no inerente ao homo sapiens. O ato de calcular um ato essencialmente social, e noindividual; a realidade material que suplanta os clculos fator determinante de seu desempenho. Paraque se tornem aptos a calcular os agentes tm de ser equipados com ferramentas e dispositivosespecficos de clculo. Esses equipamentos no se encontram integralmente na estrutura biolgicahumana, nem integralmente nas estruturas institucionais. As redes de relaes diretas e indiretas nas quaisos agentes esto imersos o objeto de ponderao de seus clculos. das conexes dessa rede que derivaa habilidade de calcular. A morfologia das relaes importante para os agentes na medida em que algica de seu comportamento o clculo de alianas e conflitos, ou seja, clculos de posicionamento. Asaes so analisadas em termos de combinaes, associaes, relacionamentos e estratgias deposicionamento. O principal elemento, ento, no a uma racionalidade individual, capacidade de clculoinerente, intrnseca aos agentes, mas sim dos mecanismos que do forma s aes. Esses equipamentos edispositivos no so inerentes ao homo sapiens, so construes sociais, e em razo disso, influenciam ocomportamento dos agentes assim como so por eles influenciados (CALLON, 1998).

    necessrio, assim, reconhecer que o mercado um conceito abrangente enquanto instituio, umambiente no qual as interaes entre os agentes no se limitam a transaes comerciais regidas porvariaes de preos. O mercado emerge como elemento de coordenao entre os indivduos, cujas aesso definidas a partir da morfologia de relaes diretas e indiretas entre eles. Essa coordenao domercado dificultada quando h incerteza quanto aos resultados de determinadas aes, o que requer queas aes sejam calculadas, por parte dos agentes, em funo da morfologia das redes nas quais esto

    inseridos (CALLON, 1998). A psicologia subjacente a essa abordagem distancia-se sobremodo do IMexacerbado e axiomtico da TEG.

    29 TOLIPAN, R. Equilbrio e histria do pensamento econmico.In: Literatura Econmica. IPE, 1992.

    30GUESNERIE, R. L'conomie de march. Paris: Dominos, 1996.

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    7. CONCLUSO

    Na medida em que se reconhece que a morfologia das relaes entre os indivduos assumeimportncia significativa na estruturao do comportamento dos agentes econmicos, e, ainda, na medidaem que essas relaes no so unicamente relaes entre variveis econmicas, estando, portanto, imersasem uma estrutura maior de relaes sociais, convm tratarmos o comportamento econmico dos agentesno apenas luz de uma psicologia econmica axiomtica, reducionista e atomstica. Isso significa,

    dentre outras coisas, romper com uma trajetria terica e metodolgica hermtica que julga ser possvelexplicar o comportamento econmico em termos essencial e exclusivamente econmicos e a partir deuma concepo muito singular da natureza humana.

    Na transio do nvel individual ao nvel coletivo de anlise, o reconhecimento dainterdependncia dos indivduos em relao ao seu meio scio-institucional, a contextualizaodo comportamento dos atores em ambientes especficos e o foco nas relaes entre os agentes emdetrimento do indivduo isolado so fundamentais. o reconhecimento do continuumindivduo-meio como unidade de anlise que proporciona a generalizao capaz de alcanar as totalidades,respeitando a diversidade inter e intra-individual e ressaltando a importncia da criao demecanismos de coordenao do comportamento coletivo. Na anlise de organizaes sociaiscomo a firma, faz-se necessrio um conceito de racionalidade eminentemente relacional, capaz de

    restituir o carter social do objeto de investigao da CE.REFERNCIAS

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