quilombo capivari
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RELATÓRIO TÉCNICO-CIENTÍFICOSOBRE OS REMANESCENTES DA COMUNIDADE QUILOMBOS DE
CAPIVARI/CAPIVARI-SP
Dezembro/2003
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SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 03
2. A ATUALIZAÇÃO DO CONCEITO DE QUILOMBO......................................... 06
2.1. O primado da identidade e do território nas definições teóricas..................................062.2. O caso específico de Capivari e a ênfase identitária....................................................15
(ANEXO I - Mapa de localização de Capivari e o Quadrilátero do Açúcar)
3. CAPIVARI: HISTÓRICO DO MUNICÍPIO E ASPECTOS DA OCUPAÇÃO
REGIONAL ..............................................................................................................20
4. A COMUNIDADE CAPIVARI: ORIGEM E MODO DE VIDA TRADICIONAL .... 24
4.1. A constituição da comunidade Capivari ....................................................................... 244.2.A sociabilidade caipira e a reprodução da existência.................................................... 274.3.Religiosidade sincrética: o trabalho da laje .................................................................. 30(ANEXO II - Reprodução de documentos pertinentes à Comunidade Capivari - Croquis de uso e ocupação históricos)
5. HISTÓRICO DAS OCUPAÇÕES DO TERRITÓRIO QUILOMBOLA ................. 35
(ANEXO III – Croqui de uso e ocupação atuais)
6. CONCLUSÃO...................................................................................................... 38
7. BIBLIOGRAFIA................................................................................................... 40
(ANEXO IV - Documentação iconográfica - Genealogia da comunidade Capivari
- Memorial Descritivo e Planta da área para reconhecimento)
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1. INTRODUÇÃO
Este trabalho apresenta uma série de elementos concernentes à
comunidade denominada Capivari, localizada no município de Capivari
(região sudeste do Estado de São Paulo), com o escopo de estabelecer sua
tipificação frente à condição de Remanescentes de Comunidade de
Quilombo, pleiteada pelos seus integrantes, permitindo-lhes, assim, o direito
de usufruir os programas de desenvolvimento socioeconômico que vêm
sendo oferecidos pela Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo,
bem como reafirmar sua identidade no processo de interação com outros
grupos e instituições.
A comunidade Capivari ocupou as terras que conformam seu
território desde tempos imemoriais, produzindo e reproduzindo ali sua cultura
material e simbólica. Hoje, por força do empobrecimento da atividade
agrícola em meados dos anos 60, quase todos os membros da comunidade
residem fora deste território, embora em cidades próximas. Buscam, agora,
se reunir como comunidade a fim de preservar e reavivar seu passado e
fomentar com os órgãos competentes uma discussão sobre benefícios que
podem vir a ser concedidos aos grupos sociais negros e excluídos da região.
Baseado em critérios antropológicos de fundo teórico, este Relatório
Técnico-Científico1 buscou analisar dados advindos tanto da pesquisa direta
1 A criação desta categoria de investigação denominada Relatório Técnico Científico, bem como os parâmetros que o norteiam, são resultantes dos esforços do Grupo de Trabalho criado pelo Governo do Estado de São Paulo por meio do Decreto nº 40.723, de 21 de março de 1996, que tinha por objetivo fazer proposições visando a plena aplicabilidade dos dispositivos constitucionais conferentes do direito de propriedade aos remanescentes das comunidades de quilombos em território paulista. Foi integrado por representantes da Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania, Instituto de Terras do Estado de São Paulo “José Gomes da Silva”, Secretaria do Meio Ambiente, Procuradoria Geral do Estado, Secretaria de Governo e Gestão Estratégica, Secretaria de Cultura, Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico, Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra no Estado de São Paulo, Subcomissão do Negro da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil -Secção São Paulo e Fórum Estadual de Entidades Negras. Os trabalhos deste Grupo levaram à criação: a) do Programa de Cooperação Técnica e de Ação Conjunta para identificação, discriminação e legitimação de terras devolutas do Estado ocupadas por remanescentes de
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com a comunidade quanto de fontes secundárias levantadas por pesquisa
documental, a fim de retratar os aspectos etnológicos que possibilitam a
reconstrução da história da comunidade e o resgate de sua origem étnica e
da sua identidade grupal, esta última fundamentada tanto pelas redes de
sociabilidade calcadas no parentesco e nas relações de trabalho quanto pela
relação material e simbólica que o grupo mantém com a área que ocupa.
Finalmente, é preciso ressaltar que esta reconstituição interpretativa
do modo de vida da comunidade, contemplando suas estratégias de
reprodução econômica, social e cultural, visa, sobretudo, demonstrar a
singularidade da ocupação humana empreendida no espaço físico em
questão - não obstante suas características genéricas de uma população
rural tradicional - por tratar-se de um grupo cujas raízes remontam ao ocaso
de uma determinada relação social historicamente datada, qual seja, a
escravidão e, desta feita, constitui-se em segmento social específico, dotado
de uma identidade política portadora de direitos assegurados
constitucionalmente.
Nas palavras de ALMEIDA (1997:125), tal disposição do Estado em
institucionalizar a categoria de populações remanescentes de comunidades
de quilombos “evidencia a tentativa de reconhecimento formal de uma
transformação social considerada como incompleta. A institucionalização
incide sobre resíduos e sobrevivências, revelando as distorções sociais de
um processo de abolição da escravatura limitado, parcial”.
Por conseguinte, tendo em vista que este trabalho atende às
necessidades pontuadas no Decreto Estadual 41.839/98, que regulamenta o
artigo 3º da lei n.º 9.757/97, está ele inserido neste contexto de uma política
afirmativa do Estado em relação às comunidades negras rurais que, lograda
sua libertação formal dos senhores brancos e do jugo escravista, ainda
anseiam por uma libertação efetiva que as incorpore de fato ao universo de comunidades de quilombos visando sua regularização fundiária, implantando medidas sócio-econômicas, ambientais e culturais e b) de um Grupo Gestor para implementação do Programa. O Programa e o Grupo Gestor foram criados por meio do decreto nº 41.774 de 13 de maio de 1997..
5
bem-estar material que lhes é devido, bem como configure uma nova auto-
identificação positiva e plena de orgulho e cidadania.
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2. A ATUALIZAÇÃO DO CONCEITO DE QUILOMBO
2.1. O primado da identidade e do território nas definições teóricas2
O reconhecimento, por parte do Estado, da existência de
comunidades negras rurais como uma categoria social carente de
demarcação e regularização das terras que ocupam longevamente e às
quais se convencionou denominar comunidades remanescentes de
quilombos, traz à tona a necessidade de redimensionar o próprio conceito de
quilombo, a fim de abarcar a gama variada de situações de ocupação de
terras por grupos negros e ultrapassar o binômio fuga-resistência, instaurado
no pensamento corrente quando se trata de caracterizar os quilombos.
Em 1740, reportando-se ao rei de Portugal, o Conselho Ultramarino
valeu-se da seguinte definição de quilombo: “toda habitação de negros
fugidos, que passem de cinco, em parte despovoada, ainda que não tenham
ranchos levantados e nem se achem pilões nele”. Esta caracterização
descritiva perpetuou-se como definição clássica do conceito em questão e
influenciou uma geração de estudiosos da temática quilombola até meados
dos anos 70, como Artur Ramos (1953) e Edson Carneiro (1957). O traço
marcadamente comum entre esses autores é atribuir aos quilombos um
tempo histórico passado, cristalizando sua existência no período em que
vigorou a escravidão no Brasil, além de caracterizarem-nos exclusivamente
como expressão da negação do sistema escravista, aparecendo como
espaços de resistência e de isolamento da população negra.
Embora o trabalho destes autores seja importante e legítimo, ele não
abarca, porém, a diversidade das relações entre escravos e sociedade
escravocrata e nem as diferentes formas pelas quais os grupos negros
2 O texto reproduzido neste tópico foi elaborado em parceria com as antropólogas Alessandra Schmitt (USP) e Maria Celina Pereira de Carvalho (Unicamp) e publicado na Revista Ambiente & Sociedade, Ano V, nº 10, 2002.
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apropriaram-se da terra. Flávio dos Santos Gomes (1996a:36), explicita tal
diversidade ao forjar o conceito de “campo negro”: “uma complexa rede
social permeada por aspectos multifacetados que envolveu , em
determinadas regiões do Brasil, inúmeros movimentos sociais e práticas
econômicas com interesses diversos” .
No entanto, foi a produção científica ainda atada a exegeses
restritivas e pouco plásticas que subsidiou a luta política em torno das
reivindicações da população rural negra que, sofrendo expropriações
incessantes, se colocava como um segmento específico no palco dos
movimentos sociais. Desta forma, a denominação quilombo se impôs no
contexto da elaboração da constituição de 19883.
Esta visão reduzida que se tinha das comunidades rurais negras
refletia, na verdade, a “invisibilidade” produzida pela história oficial, cuja
ideologia, propositadamente, ignora os efeitos da escravidão na sociedade
brasileira (Neusa Gusmão, 1996) e, especialmente, os efeitos da
inexistência de uma política governamental que regularizasse as posses de
terras de grupos e/ou famílias negras após a abolição, extremamente
comum à época, conforme comprovam os estudos de Ciro Cardoso (1987).
Ao fazer a crítica do conceito de quilombo estabelecido pelo
Conselho Ultramarino, Alfredo Wagner de Almeida (1999:14-15) mostra que
aquela definição constitui-se basicamente de cinco elementos: 1) a fuga; 2)
uma quantidade mínima de fugidos; 3) o isolamento geográfico, em locais de
difícil acesso e mais próximos de uma “natureza selvagem” que da chamada
civilização; 4) moradia habitual, referida no termo “rancho”; 5) autoconsumo
e capacidade de reprodução, simbolizados na imagem do pilão de arroz.
Para ele, com os instrumentos da observação etnográfica “se pode
reinterpretar criticamente o conceito e asseverar que a situação de quilombo
existe onde há autonomia, existe onde há uma produção autônoma que não
passa pelo grande proprietário ou pelo senhor de escravos como mediador
3 Sobre o fortalecimento da organização política dos grupos negros e a incorporação da questão quilombola ao seu rol de reivindicações, v. Flávio dos Santos Gomes (1996b).
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efetivo, embora simbolicamente tal mediação possa ser estrategicamente
mantida numa reapropriação do mito do”bom senhor”, tal como se detecta
hoje em algumas situações de aforamento” .
O autor exemplifica situações que contrariam esses cinco elementos
da definição, como o caso do quilombo Frechal, no Maranhão, localizado a
cem metros da casa grande, ou casos em que o quilombo esteve na própria
senzala, representado por formas de produção autônoma dos escravos que
poderiam ocorrer – e de fato ocorriam –, sobretudo em épocas de
decadência de ciclos econômicos, fossem agrícolas ou de mineração.
Diversos trabalhos mais recentes a respeito de comunidades negras com
origem mais diretamente relacionada à escravidão têm demonstrado que a
economia interna desses grupos está longe de representar um aspecto
isolado em relação às economias regionais da Colônia, do Império e da
República. Em geral existiu, paralelamente à formação do aparato de
perseguição aos fugitivos, uma rede de informações que ia desde as
senzalas até muitos comerciantes locais. Estes últimos tinham grande
interesse na manutenção desses grupos porque lucravam com as trocas de
produtos agrícolas por produtos que não eram produzidos no interior do
quilombo.
Não obstante esta integração das formas mais ou menos autônomas
de atividades produtivas empreendidas pelos escravos à economia geral, é
preciso ressaltar que o trabalho livre sobre a terra não garantiu, de forma
alguma, o acesso dos ex-cativos a ela no momento posterior à Abolição. Ao
contrário, a exclusão do segmento populacional negro em relação à
propriedade da terra foi peremptoriamente estabelecida por meio de uma
série de atos do poder legislativo ao longo do tempo. Ainda durante a
escravidão, a Lei de Terras de 1850 veio substituir o direito à terra calcado
na posse por um direito auferido via registros cartoriais que comprovassem o
domínio de uma dada porção de terra4. O direito legítimo adquirido através
4 Segundo Lígia Osório Silva (1996:152-153), a proibição da posse foi o aspecto que mais mereceu atenção “pela importância social que adviria da sua aplicação”. Tornada ilegal a apropriação privada
9
da posse efetiva é uma noção do “direito costumeiro”, que até hoje regeu a
relação do campesinato tradicional com a terra, incluindo os grupos
camponeses negros.
Múltiplas formas, amplos conceitos
Como já foi assinalado por outros autores5, os grupos que hoje são
considerados remanescentes de comunidades de quilombos se constituíram
a partir de uma grande diversidade de processos, que incluem as fugas com
ocupação de terras livres e geralmente isoladas, mas também as heranças,
doações, recebimento de terras como pagamento de serviços prestados ao
Estado, simples permanência nas terras que ocupavam e cultivavam no
interior das grandes propriedades, bem como a compra de terras, tanto
durante a vigência do sistema escravocrata quanto após a sua extinção.
Dentro de uma visão ampliada, que considera as diversas origens e
histórias destes grupos, uma denominação também possível para estes
agrupamentos identificados como remanescentes de quilombo seria a de
“terras de preto”, ou “território negro”, tal como é utilizada por vários
autores6, que enfatizam a sua condição de coletividades camponesa,
definida pelo compartilhamento de um território e de uma identidade.
A promulgação da constituição e a necessidade de regulamentação
do Artigo 68 provocaram discussões de cunho técnico e acadêmico7 que
levaram a esta revisão dos conceitos clássicos que dominavam a
historiografia sobre a escravidão, instaurando a relativização e adequação
de terras por meio da posse, foram justamente as classes dominantes no campo que se rebelaram contra tal medida – elas próprias mantinham vastas extensões de terras devolutas – e conseguiram um série de concessões junto ao governo imperial. A severidade irrestrita da lei recaiu somente sobre os pequenos posseiros, entre os quais os ex-escravos.5 Ver especialmente Alfredo Wagner Almeida (1987/1988) e Neusa Gusmão (op.cit). 6 Ver Almeida (op.cit.), Gusmão (op.cit.), Andrade, (1988) e Acevedo Marin (1995).7 Especialmente no III Encontro Nacional sobre Sítios Históricos e Monumentos Negros (Goiânia: 1992); na Reunião do Grupo de Trabalho sobre Comunidades Negras Rurais, da Associação Brasileira de Antropologia (Rio de Janeiro, outubro de 1994), e na reunião técnica “Reconhecimento de Terras Quilombolas Incidentes em Domínios Particulares e Áreas de Proteção Ambiental” (São Paulo, abril de 1997).
10
dos critérios para se conceituar quilombo, de modo que a maioria dos grupos
que hoje, efetivamente, reivindicam a titulação de suas terras, pudesse ser
contemplada por esta categoria, uma vez demonstrada, por meio de estudos
científicos, a existência de uma identidade social e étnica por eles
compartilhada, bem como a antigüidade da ocupação de suas terras e,
ainda, suas “práticas de resistência na manutenção e reprodução de seus
modos de vida característicos num determinado lugar” 8.
Assim, em consonância com o moderno conceito antropológico aqui
disposto, a condição de remanescente de quilombo é também definida de
forma dilatada e enfatiza os elementos identidade e território. Com efeito, o
termo em questão indica: “a situação presente dos segmentos negros em
diferentes regiões e contextos e é utilizado para designar um legado, uma
herança cultural e material que lhe confere uma referência presencial no
sentimento de ser e pertencer a um lugar específico”9.
Este sentimento de pertença a um grupo e a uma terra é uma forma
de expressão da identidade étnica e da territorialidade, construídas sempre
em relação aos outros grupos com os quais os quilombolas se confrontam e
se relacionam.
Estes dois conceitos são fundamentais e estão sempre inter-
relacionados no caso das comunidades negras rurais, pois “a presença e o
interesse de brancos e negros sobre um mesmo espaço físico e social
revela, no dizer de Bandeira, aspectos encobertos das relações raciais”
(Gusmão, op.cit.:14). Estes aspectos encobertos aos quais a autora se
refere são a submissão e a dependência dos grupos negros em relação à
sociedade inclusiva.
Território e identidade nos grupos rurais negros
8 Cfe. João Pacheco de Oliveira e Eliane Cantarino O’Dwyer. ABA, 1994.9 Garcia, José Milton (Procuradoria do Patrimônio Imobiliário/SP), in Tânia Andrade (1997:47).
11
Diversos trabalhos sobre populações camponesas no Brasil têm
demonstrado a importância da relação entre território e parentesco10. Nesta
chave, o acesso á terra é garantido “pela via hereditária, isto quer dizer que
alguém tem direito virtual de ‘dono’ sobre a terra não simplesmente porque é
um indivíduo, mas porque o é enquanto filho e herdeiro. Na definição da
herança igualitária, assim, está imbricada uma definição estrita das relações
de parentesco, seguindo o critério prioritário da filiação” (Paolielo, 1999:
158).
Assim, parentesco e território, juntos, constituem identidade, na
medida em que os indivíduos estão estruturalmente localizados a partir de
sua pertença a grupos familiares que se relacionam a lugares dentro de um
território maior. Se, por um lado, temos território constituindo identidade de
uma forma bastante estrutural, apoiando-se em estruturas de parentesco,
podemos ver que território também constitui identidade de uma forma
bastante fluida, levando em conta a concepção de F.Barth (1976) de
flexibilidade dos grupos étnicos e, sobretudo, a idéia de que um grupo,
confrontado por uma situação histórica peculiar, realça determinados traços
culturais que julga relevantes em tal ocasião. É o caso da identidade
quilombola, construída a partir da organização necessária para lutar pela
terra ao longo das últimas duas décadas.
A necessidade de lutar contra fazendeiros e grileiros e contra a
construção de barragens no rio Ribeira de Iguape, que inundariam diversas
comunidades, deixando algumas totalmente submersas, levou muitos
desses bairros à construção da identidade de negros e quilombolas, em
decorrência do artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias
(ADCT). A identidade quilombola, até então um corpo estranho para estas
comunidades rurais negras11, passa a significar uma complexa arma nesta
batalha desigual pela sobrevivência material e simbólica.
10 Ver: MOURA,1978; WORTMANN, 1995; PAOLIELO, 1992 e 1999, entre outros.11 Este estranhamento inicial é bem ilustrado por um fato sucedido no Vale do Ribeira. Um dos agentes técnicos do Itesp nos contou que, certo dia, ele e alguns colegas foram recebidos por moradores de uma dada comunidade aos gritos de “os quilombos chegaram, os quilombos
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Estamos, portanto, diante da incorporação de identidades que, em
decorrência de eventos históricos, introduzem novas relações de diferença,
as quais passam a ser fundamentais na luta dessas populações negras pelo
direito de continuar ocupando e transmitindo às gerações vindouras o
território conformado por diversas gerações de seus antepassados. Assim,
na esteira de Barth, podemos pensar as identidades não como sendo fixas,
mas, tomando as palavras de Boaventura Souza Santos, como
“identificações em curso”, integrantes do processo histórico da modernidade,
no qual concorrem velhos e novos processos de recontextualização e de
particularização das identidades (Boaventura de Souza Santos, 2000). Um
processo histórico de resistência, deflagrado no passado, é evocado para
constituir resistência hoje, praticamente como a reivindicação de uma
continuidade desse mesmo processo. A identidade de negro é colocada
como uma relação de diferença calcada na subalternidade e na diferença de
classes. Boaventura S. Santos (op.cit.), ao relacionar identidade e questões
de poder, nos lembra que quem é obrigado a reivindicar uma identidade
encontra-se necessariamente em posição de carência e subordinação.
Ademais, esta submissão é sustentada por representações sociais
que justificam a inferioridade estrutural do grupo minoritário, nas quais
podemos identificar forte disposição racista. É um racismo recalcado,
escondido atrás de “um sistema de valores que [...] tanto inibe
manifestações negativas na avaliação ‘do outro’ racial como estimula a
apologia da igualdade e da harmonia racial entre nós” (Borges Pereira,
1996:76). A ocultação do racismo na sociedade brasileira foi estimulada pelo
discurso da democracia racial, da qual Gilberto Freyre é um grande
expoente, na década de 30, e que só começou a ser contestado na década
de 50 por Florestan Fernandes e Oracy Nogueira.
chegaram”. Nota-se, atualmente, que há uma aceitação maior tanto da caracterização de quilombolas como da condição negra por parte destas comunidades. Isto ocorre, por uma lado, pelos motivos que expressamos acima, ou seja, a instrumentalização política destas categorias forjada na luta pela terra e, por outro, devido a um trabalho de “catequese cultural” realizado pelos setores mais progressistas da Igreja católica que mantêm contato com essas populações.
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E é a partir dessa posição historicamente desfavorável no que diz
respeito às relações de poder, que comunidades quilombolas vêm lutando
pelo direito de serem agentes de sua própria história. Em tal situação de
desigualdade, os grupos minoritários passam a valorar positivamente seus
traços culturais diacríticos e suas relações coletivas como forma de ajustar-
se às pressões sofridas, e é neste contexto social que constroem sua
relação com a terra, tornando-a um território impregnado de significações
relacionadas à resistência cultural. Não é qualquer terra, mas a terra na qual
mantiveram alguma autonomia cultural, social e, conseqüentemente, a auto-
estima. Siglia Dória (1985) salienta que a identidade de grupos rurais negros
se constrói sempre numa correlação profunda com o seu território e é
precisamente esta relação que cria e informa o seu direito à terra.
A maior parte destes grupos que hoje vem reivindicar seu direito
constitucional o faz como um último recurso na longa batalha para
manterem-se em suas terras, as quais são alvo de interesse de membros da
sociedade envolvente, em geral grandes proprietários e grileiros, cuja
característica essencial é tratar a terra apenas como mercadoria. José de
Souza Martins (1991:43-60) explicita as características dessa relação dos
homens com a terra, mediada pelo capital, em que esta passa a ser “terra de
negócio” em oposição à “terra de trabalho”. Em conseqüência da cobiça que
esta lógica de mercado despertou, os camponeses foram pressionados com
expedientes espúrios, tais como o auxílio do aparato judicial e violência
física direta, que agiram no sentido de negar-lhes o direito de obter o registro
legal de suas posses, invariavelmente muito mais antigas do que o tempo
mínimo requerido pela legislação para a sua caracterização como
propriedade.
Portanto, não se deve imaginar que estes grupos camponeses
negros tenham resistido em suas terras até os dias de hoje porque ficaram
isolados, à margem da sociedade. Pelo contrário, sempre se relacionaram
intensa e assimetricamente com a sociedade brasileira, resistindo a várias
14
formas de violência para permanecer em seus territórios ou, ao menos, em
parte deles12.
Finalmente, devemos salientar que é devido às considerações
teóricas e às constatações históricas aqui apresentadas que estudiosos dos
grupos étnico-raciais - e, particularmente, da legislação pertinente à questão
quilombola – têm buscado rediscutir e recaracterizar o conceito de quilombo.
Tal intento, ainda em curso, tende a aprimorar-se quanto mais os
organismos responsáveis pela identificação e reconhecimento das
comunidades quilombolas ampliem e otimizem suas atividades, gerando
mais dados que contribuam para o desvendar científico das lacunas
presentes na historiografia nacional no que se refere a tais grupos.
12 Muitos dos grupos étnico-raciais já pré-identificados como remanescentes de quilombo no Estado de São Paulo mantêm uma pequena parcela de seus territórios, estando o restante ocupado por fazendeiros ou posseiros, alguns destes últimos com o consentimento dos próprios grupos quilombolas; os primeiros, entretanto, invariavelmente chegaram às terras em questão valendo-se da ingenuidade das comunidades ou mesmo da coerção física para apoderar-se dos territórios negros.
15
2.2. A especificidade da comunidade de Capivari e a ênfase identitária
Em configuração diversa à de outras comunidades remanescentes
de quilombo, a comunidade de Capivari não é um aglomerado populacional
de caráter rural, cujos membros são moradores de um território com o qual
guardam afinidades e memórias que remontam á ocupação da tal área pelos
seus ancestrais, por vezes há mais de dois séculos. Os membros da
comunidade do Capivari - com exceção de uma família formada por três
pessoas - não reside no território que deu origem à sua linhagem parental,
mas nem por isso está destituída de vínculos intensos com esta porção de
terra.
Ao contrário, podemos dizer que o fato de não residir mais no seu
'pedaço histórico de chão', permite aos membros da comunidade de
Capivari, por meio desta ausência, rememorarem de maneira pungente, a
nós e a si próprios, o êxodo rural a que foram forçados todos os que, não
sendo grandes proprietários, não possuindo capital e redes de comércio
adequados para garantir sua subsistência por meio da atividade agrícola,
foram enxotados para os grandes e médios centros urbanos.
Como vimos no tópico anterior, Boaventura de Souza Santos
(2003:135) nos diz que as identidades são um processo em construção e
que todos aqueles que a reivindicam estão em posição de subordinação
frente à sociedade envolvente. "Sabemos hoje que as identidades culturais
não são rígidas, muito menos imutáveis. São resultados sempre transitórios
e fugazes de processos de identificação. Mesmo as identidades
aparentemente mais sólidas, como a de mulher, homem, país africano, país
latino-americano ou país europeu, escondem negociações de sentido, jogos
de polissemia, choques de temporalidades em constante processo de
transformação, responsáveis em última instância pela sucessão de
configurações hermenêuticas que de época para época dão corpo e vida a
tais identidades. Identidades são, pois, identificações em curso" . "Sabemos
também que as identificações, além de plurais, são dominadas pela
obsessão da diferença e pela hierarquia das distinções. Quem pergunta pela
16
sua identidade questiona as referências hegemônicas mas, ao fazê-lo,
coloca-se na posição de outro e, simultaneamente, numa situação de
carência e subordinação".
Como sabemos, a reivindicação de uma legislação que beneficiasse
as comunidades remanescentes de quilombo visou, fundamentalmente, à
proteção dos territórios que estas ocupam, alvos freqüentes de grilagens e
negociações escusas, sempre resultando em prejuízo para as comunidades.
Destarte, a construção de uma identidade quilombola processou-se
intimamente ligada ao território, visto a necessidade de explicitar que a terra
era um componente essencial do ethos quilombola, a fim de garantir-lhes a
regularização fundiária das suas áreas. Esta identidade quilombola, surge,
então, como arma imperiosa para forçar um diálogo com o poder público ou,
nas palavras do pesquisador Fábio Sanchez (2003:22): "Neste sentido,
podemos dizer que “remanescente de quilombo” é muito mais o que
estamos chamando de uma identidade política do que um real auto-
reconhecimento. Entendemos como identidade política a identidade que o
grupo tem para os agentes externos com quem tem debates e embates no
espaço público. Ou seja, identidade política é uma identidade pública".
A construção da identidade quilombola como discurso político
remonta ao início da década de 1980, estimulada pelo contato entre
membros do Movimento Negros Unificado, militantes do então recém-
fundado Partido dos Trabalhadores e a ala progressista da Igreja Católica,
especialmente por meio das Comunidades Eclesiais de Base e das
Pastorais. Este processo é corolário do que Borges Pereira (1983:13)
chamou de “(...) certa efervescência intelectual ligada à construção de toda
uma ideologia de auto-afirmação racial nucleada na idéia de quilombo –
expressão de sociedade igualitária e símbolo de identidade étnica para
ideólogos e ativistas negros”. Se é certo que a inclusão, na Constituição de
1988, de um dispositivo legal que obrigava o Estado a proceder à
regularização fundiária das áreas sob posse de comunidades negras rurais,
também é preciso dizer que a questão fundiária não é o único problema
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enfrentado pelos segmentos negros, tanto aqueles que permanecem no
meio rural quanto os que migraram forçosamente para as cidades13.
Nossa experiência no Estado de São Paulo tem mostrado que o
reconhecimento oficial de um grupo como remanescente de quilombo possui
um enorme valor simbólico-político que ultrapassa o objetivo da
regularização fundiária. No Vale do Ribeira, sabe-se que o reconhecimento
de comunidades remanescentes de quilombo inibiu a Polícia Florestal de
valer-se de uma certa truculência no trato com os moradores rurais
integrantes destas comunidades. Há ainda casos de pessoas que esperava
há anos pela regularização de suas aposentadorias e conseguiram agilizar
este processo após o seu reconhecimento como quilombolas.
Compreendemos, então, que se uma dada situação concreta -
comunidades negras rurais que reivindicam a regularização de suas terras -
predispõe a construção e o alarde de uma identidade quilombola que, em
muitos momentos, apresenta eficácia como instrumento de visibilidade
política e respeito aos direitos mais gerais do cidadão, seria esperado que
esta identidade, antes institucionalizada como específica para um fim,
ganhasse amplitude e se tornasse desejada por outros grupos negros
interessados nestes benefícios adicionais que ela permite. Na concepção de
Arruti (2002), o rótulo de quilombo estaria relacionado não às características
passadas de um dado grupo, mas à sua capacidade de mobilização para
negar um estigma que o vitimiza e reivindicar cidadania.
No caso da comunidade de Capivari, um território não mais ocupado
por uma comunidade negra torna-se não o ponto de partida, mas o ponto de
chegada. Trata-se de um grupo que se articula, em torno da identidade
quilombola, com vistas a sair da situação de 'cidadãos de segunda classe',
condição esta - infelizmente - à qual estão lançados historicamente os
negros e pobres do nosso país. O território, neste caso, não possui qualquer
13 Por isso não podemos concordar com a ultrapassada definição de "remanescente de quilombo" da Associação Brasileira de Antropologia: “(...) toda comunidade negra rural que agrupe descendentes de escravos, vivendo da cultura de subsistência e onde as manifestações culturais tenham forte vínculo com o passado” (Oliveira e O’Dwyer, 1994).
18
função de subsistência material para o grupo - excetuando-se, é claro, a
família que ali reside hoje -, mas é de importância vital como a matriz
simbólica que lhes permite reconhecer-se como uma comunidade. É aquele
o território onde repousa a sua lembrança histórica de origem, onde seus
ancestrais viveram uma existência pauperizada e amargaram o preconceito
do entorno, mas também criaram e recriaram práticas culturais oriundas das
terras africanas das quais foram retirados a fórceps.
Tornar-se quilombolas, para este grupo, significa menos adquirir um
benefício concreto no tocante à regularização fundiária, mas sobretudo
adquirir a chance de lutar pela preservação de sua história. Ser
"remanescente de quilombo", para eles, permite uma identidade com a
questão negra, resgata seu histórico de espoliação e dá sentido a suas
práticas.
Não por acaso, o objetivo maior do pedido de reconhecimento como
remanescente de quilombo feito por este grupo é estabelecer um chamariz
que lhe permita abrir um canal com o poder público e com outras entidades
institucionais, para que possa efetivar, na pequena área de terra dos seus
ancestrais, projetos sociais e culturais que beneficiem aqueles que, assim
como seus integrantes, não têm vez ou voz a não ser por meio de uma
identidade étnica especial. É este direito de ser agente da história que faz
desta comunidade não-residente em um dado território tão merecedora da
identidade quilombola quanto as outras já reconhecidas.
Assinado pelo Presidente da República em 20 de novembro de
2003, o decreto nº. 4885 - que regulamenta o Art. 68 do ADCT – resume em
seu art. 2º o esforço por nós empreendido até aqui para ampliar ainda mais
a definição de remanescente de comunidade de quilombo:
Art. 2º - “Considerem-se remanescentes das comunidades dos
quilombos, para os fins deste Decreto, os grupos étnico-raciais, segundo
critérios de auto-atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de
19
relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra
relacionada com a resistência a opressão histórica sofrida”.
Conforme veremos neste trabalho, a comunidade Capivari está apta
a se enquadrar na categoria quilombo, porquanto cumpre todos os requisitos
apontados neste artigo.
20
3. CAPIVARI: HISTÓRICO DO MUNICÍPIO E ASPECTOS DA OCUPAÇÃO REGIONAL
Segundo os relatos de J. Almeida Grellet (1932), o povoamento que
deu origem a vila de Capivari foi fundado no ano de 1800. Povoações
vizinhas - como as atuais Itu e Piracicaba - serviam ao governo colonial, à
época, como locais de degredo para aqueles que ousavam afrontá-lo. Tal
função era justificada pela dificuldade extrema de acesso a estas
localidades, o que intimidaria fugas de degredados.
Contudo, foi exatamente um grupo de degredados fugitivos, banidos
de Itu que, segundo Grellet (op.cit.:5), ao tentar retornar de Piracicaba para
Itu," passando por uma colina à margem de um rio, resolveu estacionar
alguns dias e por notar grande quantidade de peixes e caças, principalmente
capivaras" ali estabeleceu residência fixa. Em 11 de outubro de 1826, a
povoação foi elevada à categoria de município e, em 1832, logrou a
condição de município, denominado Vila de São João Batista do Capivari de
Baixo14. Nesta época, a Vila contava com 4.364 habitantes, sendo a
população livre de 1.669 pessoas e a população escrava, bastante superior,
de 2.695 pessoas. Note-se que entre a população livre contabilizavam-se
"99 pardos libertos, 6 pretos livres e 1 casal de índios" (Grellet, op.cit.:26).
As principais atividades econômicas, registradas por Grellet (op.cit.:44-48)
em 1850, eram o cultivo de cana-de-acúcar, de café, e a produção de
açúcar15.
A cana-de-açúcar já estava presente na região de Capivari desde fins
do século XVIII. Conforme o exposto por Sílvio Bray (1980:92), o espaço
delimitado pelas cidades de Sorocaba, Piracicaba, Mogi-Guaçu e Jundiaí16
formavam o chamado Quadrilátero do Açúcar, principal área açucareira do
14 Havia um povoamento contíguo, denominado Capivari de Cima, onde hoje é a cidade de Monte-Mor.15 Outras informações retiradas da leitura de Grellet serão utilizadas no capítulo sobre a origem da comunidade.16 Ver Anexo I.
21
Estado de São Paulo. Mas justamente em meados do século XIX, o cultivo
do café - produto que assumiu maior valor comercial - passa a competir com
o da cana no Quadrilátero do Açúcar17, o que confirma o que dissemos
acima sobre as principais atividades produtivas da então Vila de São João
Batista do Capivari de Baixo.
Na década de 70 do século XIX, o açúcar da cana estava ameaçado
pelo crescimento da exploração industrial do açúcar de beterraba; a solução
encontrada por economistas, homens públicos, fazendeiros e industriais do
ramo foram racionalizar a produção de açúcar, centralizando as fábricas
para que, com tal concentração, os custos descessem a um patamar com o
qual jamais o açúcar de beterraba poderia competir. O primeiro engenho
central foi o de Porto Feliz, criado em 1877. A cana era comprada pelas
fábricas dos mais diversos fornecedores, e essa separação entre os campos
de cultivo e a atividade industrial foi considerada um dos principais fatores
do fracasso desse modelo produtivo (Bray, op.cit.:94-95). De acordo com
Szmrecsányi (1998:23), os engenhos centrais "malograram rotundamente,
vindo a propiciar apenas o surgimento das usinas - estabelecimentos
maiores, mas ainda mistos, os quais por muitas décadas tiveram de coexistir
com os antigos e obsoletos engenhos oriundos do período colonial".
A usina foi um novo modelo implementado, especialmente a partir dos
primeiros anos do século XX, e visava reunir os dois setores econômicos - o
agrícola e o industrial - por meio da proposição de que as fábricas
assumissem também o controle da matéria prima. Desta forma, a indústria
açucareira tratou de comprar propriedades para o cultivo de cana, o que a
fez adquirir uma porção imoderada de terras no Estado de São Paulo,
mormente devido ao aporte de capitais estrangeiros - sobretudo francês -
para tal fim. O pioneiro engenho central de Porto Feliz tornou-se, em 1900,
La Compagnie Sucrière de Porto Feliz e adquiriu 1.364 hectares de terra. O
engenho central de Piracicaba, também adquirido por uma sociedade
17 Neste mesmo período, também o algodão tornou-se uma importante cultura no Quadrilátero do Açúcar.
22
francesa de capitais, possuía então 3.705 hectares e arrendava outros 883.
O engenho central de Lorena foi mais longe e, em 1905, possuía 8.915
hectares. Em Capivari, surge a agroindústria açucareira Rafard, cuja vasta
área é atualmente um município emancipado de Capivari.
A ocupação do solo pela cana no Quadrilátero do Açúcar foi tão
extensa que já nos anos 1940-50 havia escassez de terra nesta área, como
nos indica o fato de que, ao serem os maquinários de um alambique e de
uma usina de Capivari vendidos e reinstalados por seu novo proprietário em
Ourinhos e Santa Cruz do Rio Pardo - em 1947 e 1951, respectivamente -, a
Revista Brasil Açucareiro de 1951 teceu a seguinte análise sobre tais
eventos (apud Bray, op.cit.:128): "Eis uma nova forma de expansionismo da
produção paulista. A proximidade de pequenas fábricas umas das outras e a
deficiência de terras ao redor não representam impedimento material a que
se transformem em grandes fábricas, bastando para conseguí-lo promover a
mudança de habitat de zona exígua para zona ampla".
No capítulo 4, compreenderemos como esta ocupação do solo da
região de Capivari pela cana atuou sobre a situação de pequenos
proprietários rurais da época.
* * *
Atualmente, a cana ainda é o principal produto agrícola (e
empresarial) do município de Capivari. Na tabela a seguir, vemos que a
cana ocupa 16889 hectares de terra em Capivari, sendo que a área total do
município monta a 32.300 hectares18. Ou seja, mais de 50% da área total do
município é utilizada no cultivo da cana-de-açúcar. A tabela também nos
informa que quase todas as outras culturas significativas são as de gêneros
alimentícios característicos da subsistência camponesa: arroz, feijão e milho.
18 Fonte: Ibge, 2000.
23
Cana-de-açúcar
Demais culturas significativas
Descrição Valor UnidadeArroz (casca) - área destinada à colheita 8 hectareArroz (casca) - área plantada 8 hectareBatata-inglesa - área destinada à colheita 78 hectareBatata-inglesa - área plantada 78 hectareCana-de-açúcar (não forragem) - área destinada à colheita 16889 hectareCana-de-açúcar (não forragem) - área plantada 16889 hectareFeijão (grão) – área destinada à colheita 64 hectareFeijão (grão) – área plantada 64 hectareMilho (grão) - área destinada à colheita 30 hectareMilho (grão) - área plantada 30 hectareTomate - área destinada à colheita 20 hectareTomate - área plantada 20 hectare
(Fonte: IBGE:2000)
24
4. A COMUNIDADE CAPIVARI: ORIGEM E MODO DE VIDA TRADICIONAL
4.1. A constituição da comunidade Capivari
Segundo pudemos apurar, a fundação da comunidade Capivari não
apresenta traços encontrados em outras comunidades de quilombos nas
quais já trabalhamos. Nestas, via de regra, há um ancestral fundador,
geralmente reconhecido como ex-escravo. Em Capivari, a informante mais
antiga – D. Romilda, de 64 anos – não consegue se remeter, em termos
genealógicos, para além de seus avós e não apresenta nenhuma história a
respeito de como seus antepassados chegaram à área em que nasceu.
De acordo com o ponto memorial mais longevo alcançado pela
comunidade na construção de sua genealogia, o núcleo familiar mais antigo
seria aquele formado pelo casal Eva Barreto19 e Gonçalo de Campos
Pacheco e seus filhos Romão, Braz, Alzira, Zulmira, João, José, Gonçalo
e Jovino (Mizael?)20. Destes, apenas as duas mulheres – Alzira e Zulmira -
deixaram descendentes21. Contudo, Alzira – que era casada com Euclydes
Sampaio - aparentemente sofria de problemas mentais, repassados também
a sua única filha, Joana. As duas desapareceram da comunidade há mais de
quarenta anos e nunca foram encontradas pelos parentes. Os cidadãos que
hoje reivindicam o reconhecimento do sítio Santa Rita como comunidade
remanescente de quilombo são descendentes de Zulmira de Campos e de
seu marido Antônio Sampaio – irmão do já citado Euclydes Sampaio22.
19 Em alguns documentos, ela é também chamada de Genoveva de Campos ou Genoveva Maria de Jesus20 Há uma dúvida a respeito do nome de um dos filhos. D. Romilda nos informa haver um Jovino que não é mencionado nos documentos da partilha do espólio de Eva Barreto. Também não se lembra de haver um Romão. Contudo, nos formais da partilha estão arrolados tanto um Romão quanto um Mizael, o que nos leva a crer que na verdade Jovino e Mizael podem ser a mesma pessoa (nome e apelido) ou Jovino havia falecido antes do processo de inventário de sua mãe. De qualquer maneira, tal fato não possui tanta relevância para os nossos propósitos.21 Gonçalo de Campos também se casou, mas como mudou-se logo em seguida, não há notícias sobre sua descendência.22 Euclydes e Antonio Sampaio eram filhos de Tibúrcio Sampaio, que possuía terras contíguas ao sítio de Eva Barreto.
25
Como veremos no capítulo 5, a família de Eva Barreto permaneceu no sítio
de maneira intermitente; muitos partiram em direção às cidades buscando
um modo de vida menos árduo que a lida na terra, mas ainda assim sempre
houve um membro da família na área.
Eva Barreto era definitivamente a chefe da família23. Embora um dos
documentos que recolhemos faça menção a um homem de sobrenome
Barreto (o primeiro nome está ilegível) que operou algum tipo de transação
de terras e suponhamos que ele possa ser um irmão de Eva, na lembrança
familiar nada consta a respeito dele. Também o esposo de Eva não obteve
êxito em permanecer na memória dos seus descendentes.
* * *
Nossas pesquisas documentais no Arquivo do Estado foram
infrutíferas, não nos fornecendo nenhum dado que elucidasse a origem de
Eva Barreto e Gonçalo de Campos Pacheco. Em pesquisas no Instituto de
Estudos Brasileiros (IEB), descobrimos que o sobrenome Campos é um dos
mais tradicionais do município, havendo vários senhores de escravos cujo
sobrenome é Campos registrados nos escritos de Grellet (op.cit.). Sabemos
que era prática comum no período escravista que os senhores dessem aos
seus escravos, especialmente aos que trabalhavam fora do eito, o seu
próprio sobrenome no momento do batismo. Talvez Gonçalo de Campos ou
seus pais tenham sido escravos da família Campos.
A abordagem do tema escravidão junto à nossa informante, D.
Romilda, não foi bem sucedida. Vejamos em suas palavras:
Pesquisadora: “D. Eva foi escrava?”
D. Romilda: “Eu acho que ela era filha de escravo”.
Pesquisadora: Por que a senhora acha? Alguém contava na
família?“
23 Eva Barreto deve ter nascido entre os anos de 1870-1880, visto que uma das suas filhas mais novas nasceu em 1909 Eva faleceu em 1941.
26
D. Romilda: “Não, ninguém nunca contou nada, mas pela idade dela,
idade de minha mãe, a gente deduz, né? O tempo que acabou a
escravatura... a gente tem uma idéia, né?”
Pesquisadora: “Na família da senhora nunca teve história sobre a
escravidão?”
D. Romilda: “A minha mãe contava que uma tia dela trabalhou aí
numa fazenda, diz que tinha senhor e tal... mas eu nunca prestei muita
atenção neste assunto porque eles [os mais velhos] nem deixavam a gente
prestar atenção. Quando eles estavam conversando, imagina se a gente ia
ficar ‘rodiadinha’ assim, a gente caía fora.”24
Com efeito, embora não haja um ‘mito de origem’ da comunidade
ligado à escravidão, é quase um truísmo valer-se de muitos procedimentos
para tentar afirmar uma ascendência escrava para o grupo. Ora, a bem da
verdade, é desnecessário afirmar o óbvio, ou seja, que negros brasileiros
cujos pais não aportaram nestas terras a passeio após 1888, são todos
descendentes de negros cativos.
24 Na verdade, é uma certa ingenuidade do pesquisador esperar que histórias sobre a escravidão façam parte da memória social de grupos negros de maneira indefectível. Sabemos que o preconceito externo sofrido pelos negros via de regra se transforma em autopreconceito, e geralmente todos os traços reveladores da identidade negra – mormente os que emergem da submissão cruel a que eles foram forçados no período escravista – são evitados e condenados a um desejado esquecimento. No Brasil, só em fins do século XX estes traços, inclusive os relativos à escravidão, começaram a ser recuperados de maneira positiva pelos movimentos negros organizados.
27
4.2. A sociabilidade caipira e a reprodução da existência
Como é próprio de um bairro rural tradicional, os moradores dos
diversos sítios da região estabeleciam entre si vínculos de solidariedade
para o trabalho que se estendiam alhures, para além dos limites de suas
próprias áreas, abarcando domínios vicinais. Antonio Candido define os
bairros rurais a partir de dois critérios principais: o trabalho coletivo e a co-
participação em eventos religiosos. Sobre o primeiro deles Candido diz
(1987:67): “Um bairro poderia, deste ângulo, definir-se como o agrupamento
territorial, mais ou menos denso, cujos limites são traçados pela participação
dos moradores em trabalhos de ajuda mútua. É membro do bairro quem
convoca e é convocado para tais atividades. A obrigação bilateral é aí
elemento integrante da sociabilidade do grupo, que desta forma adquire
consciência de unidade e funcionamento”. A principal manifestação de
trabalho coletivo nas sociedades de camponeses livres é o mutirão. Trata-
se de um acordo tácito dos moradores dos bairros entre si para que haja
uma reunião de pessoas empenhadas em realizar algum serviço –
derrubada, roçada, plantio, limpa, colheita, construção de casa, etc – para
um determinado beneficiário. A partir deste arranjo, resolvem-se as
limitações de mão-de-obra presentes na atividade individual ou familiar.
Quem solicita o mutirão está moralmente obrigado a comparecer para
trabalhar para outrem quando solicitado e é nesta relação de reciprocidade
que se assenta a eficácia do mutirão. Não há qualquer tipo de remuneração,
mas como o mutirão se reveste essencialmente de um caráter festivo, o
beneficiário oferece aos seus vizinhos alimentos e um baile ao final do
trabalho.
No caso da comunidade Capivari, o mutirão acontecia em ocasiões
em que se precisava construir ou reconstruir uma moradia. As casas eram
feitas de taipa e cobertas de sapé; não-raro o sapé pegava fogo e os
vizinhos eram convocados a reconstruir o telhado. A vizinhança, composta
28
de outros pequenos sitiantes negros e descendentes de italianos, auxiliava
com presteza25.
Para o trabalho propriamente agrícola, o mutirão não era um
expediente utilizado. A lavoura existente na comunidade era de subsistência:
plantava-se arroz, feijão, milho, alguns tubérculos e banana. Havia também
criação: caprinos e galináceos. A dieta compunha-se de um café da manhã
reforçado, com café preto e um “bolo maçudo”. No almoço e jantar, o
cardápio era, em geral, arroz, feijão e verduras.
Contudo, a grande ocupação dos membros da comunidade era fora
do sítio, em atividades remuneradas que assumiam duas formas:
1) Trabalho remunerado por dia: trabalhavam na Fazenda
Bonsucesso (lavouras diversas), nos sítios de italianos das redondezas (café
e algodão) e no corte da cana-de-açúcar na Usina São Francisco. Neste
último caso, o trabalho extremamente árduo era mal remunerado ao extremo
e havia o nefasto expediente da dívida de barracão. Esta forma de
superexploração consistia no pagamento aos trabalhadores por meio de
víveres vendidos num armazém (barracão) dentro da usina, a preços acima
dos de mercado. O trabalhador nunca conseguia comprar o necessário com
o seu salário, e ultrapassava o valor que lhe era devido. Esta dívida ficava
para ser saldada no pagamento seguinte e assim sucessivamente. O efeito
cascata se avolumava e o assalariado tinha que trabalhar cada vez mais por
cada vez menos víveres, já que sua remuneração estava toda comprometida
com dívidas.
2) Aforamento: D. Zulmira, mãe de D. Romilda, plantava algodão e
milho na Fazenda Bonsucesso no sistema de terça parte. Significa que ela,
plantava numa determinada área e, quando havia a colheita, um terço do
produto ficava com os donos da terra e dois terços para ela. Todas as
25 É claro que havia diferença na relação entre sitiantes negros e entre estes e os descendentes de italianos. No segundo caso, havia um preconceito patente, como pudemos conferir ao entrevistarmos um casal de sitiantes, descendentes de italianos, vizinho ao sítio quilombola. Ainda assim, consta que havia relações cordiais, mas com um acento de assimetria.
29
operações necessárias (roçada, aceiro, queimada, aração, plantio, limpeza,
colheita) corriam por conta do aforante.
Também na Fazenda Bonsucesso, outros membros da família
plantavam à meia, ou seja, o produto era dividido igualmente entre o
aforante e o proprietário. Neste caso, o proprietário já entregava a terra
roçada, arada, queimada e também a semente, cabendo ao aforante o
plantio, a limpa e a colheita.
Quanto à atividade recreativa, sabemos que visto o trabalho da
lavoura ser extenuante, não são muitos os momentos vagos para o lazer. D.
Romilda nos conta que havia festas de São João no bairro e que no
Carnaval todos se dirigiam a uma localidade vizinha chamada Lambedor,
onde parentes músicos executavam o Batuque26” e todos dançavam e
cantavam. É importante ressaltar que D. Romilda se refere ao Batuque como
‘dança de negro’ e nestas festividades a participação de brancos era
irrisória.
Outra atividade lúdica praticada pela comunidade antigamente era a
capoeira. D. Romilda se lembra de ‘treinar’ com os irmãos depois do trabalho
as rasteiras e os rabos-de-arraia27.
Por último, vale ressaltar que o mundo rústico dos caipiras, para usar
a nomenclatura de Antonio Candido, é marcado por silêncio, austeridade e
respeito, às vezes exacerbados. D. Romilda conta que sua mãe não permitia
aos filhos ter contato com visitas e que, ao se mudar para Sorocaba com a
família por um breve período de tempo, perdeu um emprego na Fábrica
Têxtil Santo Antônio porque se recusou a levantar um pouco a saia para que
o médico do trabalho a examinasse28.
26 O Batuque é uma manifestação de dança e música tradicional de comunidades negras rurais do interior de São Paulo. 27 Movimentos (ou golpes) tradicionais da capoeira.28 Talvez o fato de que dos oito filhos de Eva Barreto, só as duas irmãs se casaram e com dois irmãos que moravam no fundo do seu sítio, seja derivado deste contundente isolamento e resguardo nas relações sociais que, nos mais, eram apanágios morais generalizados antes das revoluções de costumes dos anos 1960-70.
30
4.3. Religiosidade sincrética: o trabalho da laje
Como vimos anteriormente, o segundo elemento definidor de um
bairro rural típico, para Antonio Candido, é a co-participação em eventos
religiosos por parte dos moradores de uma determinada área.
Depois de algum tempo da pesquisa, descobrimos que este
elemento marcou fortemente a coesão dos moradores da nossa comunidade
de Capivari com o entorno.
D. Romilda nos disse que havia um culto religioso naquela região –
os demais bairros negros vizinhos à comunidade Capivari - que era
denominado “trabalho da laje”. Ao nos descrever o culto e seus predicados,
entendemos tratar-se de uma variação umbandista. Mencionou bastante as
‘madrinhas’ que, se num primeiro momento foram significadas na chave do
compadrio rústico tradicional, após nossas pesquisas sobre a umbanda já
podem ser decodificadas como mães-de-santo. Também se referiu aos
praticantes como “filhos de fé”, designação comum aos praticantes da
umbanda. Havia várias personagens reconhecidas nos bairros do entorno
pelos seus poderes espirituais : Nhá Dita, Nhô Arthur e Madrinha Mãe Santa.
A umbanda é uma religião sincrética gestada no encontro entre os
saberes xamânicos dos nativos indígenas, os cultos africanos trazidos pelos
escravos e os preceitos espiritualistas de vertente kardecista. Relativamente
moderna, pois ganha força no início do século XX29, a umbanda apresenta
diversas ramificações com práticas e crenças diferenciadas. Vejamos o que
diz Prandi (2000:78) sobre as religiões afro-brasileiras: “As religiões afro-
brasileiras constituídas até o início deste século e aqui denominadas
29 A data de seu surgimento ainda é imprecisa. Uma grande corrente afirma ter sido com o Caboclo das Sete Encruzilhadas, incorporado pelo médium Zélio de Moraes, na cidade de Niterói –RJ, a 15 de novembro de 1908. Entretanto verifica-se aí uma umbanda totalmente influenciada e moldada na doutrina kardecista e que seus seguidores chamam de Umbanda Branca. Fonte: http://www.frecab.hpg.ig.com.br/Umbanda_significados.htm http://www.orixasile.hpg.ig.com.br/livros.html
31
candomblé, xangô, tambor-de-mina e batuque reproduzem em muitos
aspectos as religiões originais dos orixás, voduns e inquices africanos. Delas
herdaram o panteão, aqui reorganizado, as línguas rituais, de significado
esquecido, os ritos, as concepções e valores míticos. A dimensão da religião
mais ligada ao controle da moralidade, na África atendida pela celebração
dos ancestrais, embora parcialmente reproduzido em cultos isolados e de
certo modo independentes, perdeu no Brasil muito de sua importância
original. Os valores que orientam o comportamento dos seguidores na vida
cotidiana não pressupõem o bem-estar comum do grupo, da sociedade ou
da humanidade como categoria genérica. As denominações mais recentes,
como a umbanda, reelaboraram toda a parte ritual das religiões afro-
brasileiras de que se originaram e incorporaram”. muito dos valores cristãos
do kardecismo, adotando uma visão maniqueísta do mundo, não tendo
desenvolvido nunca, contudo, um código de ética voltado para a orientação
da moralidade dos fiéis em termos coletivos.”30.
De fato, uma das características da umbanda que a diferencia de
outras religiões é o fato de ela ter espíritos da direita (do bem) e da esquerda
(do mal) e, de acordo com a necessidade dos fiéis, celebrar tanto uns quanto
outros. D. Romilda diz que para eles essa diferenciação ocorria nos termos
da oposição fraca /forte, que desdobrados em nossa análise estrutural,
assim se apresentam:
Fraca: mesa branca/bem/devagar
Forte: umbanda/mal/rápido
O “trabalho da laje” se encontra na chave forte e, segundo nossas
pesquisas, trata-se da variação da “umbanda de caboclo”. Conforme Prandi
e outros(1998): “Os caboclos são espíritos dos antigos índios que povoavam
o território brasileiro, os antigos caboclos, eleitos pelos escravos bantos
como os verdadeiros ancestrais em terras nativas. São espíritos, não
30 Prandi (78:2000).
32
deuses. São eguns, na linguagem do candomblé nagô. Ao caboclo índio
também se designa "caboclo de pena", referência aos penachos e cocares
que usa quando em transe para marcar sua origem indígena. Mas há
também caboclos de outras procedências: os caboclos boiadeiros, que
teriam um dia vivido no sertão na lida do gado e que usam o chapéu
característico de sua antiga ocupação; os marujos ou marinheiros, sempre
cambaleantes por causa do "tombo do mar" que marca a vida nos navios.
Alguns caboclos são originários de lugares imaginários, como a Vizala ou a
Hungria. No candomblé, os caboclos, que também podem ser do sexo
feminino, são considerados filhos dos orixás e os próprios caboclos
incorporados a eles assim se referem, quando dizem que foi o pai ou a mãe
que os mandou vir à terra para a celebração do toque, ou quando vão
embora e dizem que foi o pai ou a mãe que chamou. Estabelece-se assim
uma correspondência entre a paternidade do caboclo e do filho-de-santo, de
sorte que filhos de Oxum têm caboclos de Oxum, filhos de Xangô têm
caboclos de Xangô e assim por diante. Vejamos uma lista de caboclos e
caboclas com os respectivos orixás, notando como os nomes dos caboclos
tendem a fazer referência a atributos dos orixás:
Ogum - Caboclo do Sol, Pena Azul, Giramundo, Serra Azul, Serra Negra, Sete Laços, Trilheiro de Vizala, Sete Léguas, Rompe Mato, Laço de Prata;
Oxóssi - Mata Virgem, Pena Verde, Jurema, Arranca-Toco, Sete Flechas, Urubatam;
Ossaim - Junco Verde, Boiadeiro das Matas, Floresta, Guarani;
Omolu - Girassol, Tupinambá, Xapangueiro, Cambaí;
Nanã - Treme Terra, Cabocla Camaceti, Rei da Hungria;
Oxumaré – Cobra Coral , Cobra Dourada;
Xangô – Mata Sabrada, Boiadeiro Zamparrilha, Boiadeiro Trovador, Boiadeiro Corisco, Sete Pedreiras;
Iansã - Ventania, Vento, Jupira, Zebu Preto;
Obá – Pena Vermelha;
Oxum - Lua Nova, Lua, Jandaia, Cabocla Menina, Estrela Dourada, Sultão das Matas;
33
Logun-Edé – Laje Grande, Laje Forte, Bugari;
Iemanjá – Sete Ondas, Indaiá, Juremeira, Estrela, Sete Estrelas, Iara;
Oxalá – Pedra Branca, Pena Branca, Lua Branca, Águia Branca”.
Na comunidade em tela, o “trabalho da laje” deve fazer referência a
estas entidades de Logun-Edé, destacadas acima. Outra entidade
mencionada foi o Zé Pilintra, famoso guia da umbanda. Também na
comunidade quilombola do Cafundó, localizada em Salto de Pirapora -
portanto relativamente próximo à comunidade do Capivari - encontramos
referência ao Zé Pilintra31.
D. Romilda nos informa que um dos traços característicos ‘da laje’ é
que neste culto só se usa o ponto riscado do “São Salamão”, corruptela
aparente da estrela de Salomão, importante símbolo místico da umbanda e
também de outras religiões. O “São Salamão” desenhado por D. Romilda e
aqui reproduzido parece ser derivado de uma junção da estrela de Salomão
e da Estrela de Davi, como observamos a seguir:
Estrela de Salomão Estrela de Davi
“São Salamão”: principal ponto riscado da prática do “trabalho da laje” realizado na comunidade de Capivari.
31 Ver Vogt e Fry (1996;146)
34
Outro aspecto interessante desta prática religiosa – fundamental nos
preceitos umbandísticos – é o ritual de defumação. D. Romilda nos conta
que havia um cronograma de dias para defumar as casa e as pessoas,
obedecendo uma ordem rígida de movimento. Fazia-se uma mistura com
incenso, guiné, alecrim, arruda, palha de alho, sal e açúcar que, queimada
no braseiro de lata, exalava a fumaça que purificaria fiéis e ambientes.
D. Romilda abandonou o “trabalho da laje” há muitos anos. Uma de
suas irmãs manteve-se fiel seguidora até sua morte.
* * *
Não há por que, aqui, nos perdermos em elucubrações que tentem
ligar o fato de a comunidade Capivari no passado ter seguido uma religião
afro-brasileira à sua condição quilombola. Se fossem fervorosos católicos ou
evangélicos, não seriam menos quilombolas, conforme explicam nossas
argumentações teóricas do capítulo 2. Nosso propósito aqui foi revelar mais
uma faceta do modo de vida desta comunidade, absolutamente importante
para demonstrar uma relação de pertencimento memorial àquele sítio e às
formações sociais que vicejavam no entorno.
35
5. HISTÓRICO DA OCUPAÇÃO DO TERRITÓRIO QUILOMBOLA
O território da comunidade Capivari localiza-se a 64 km da cidade de
Sorocaba e a 18 km da cidade de Capivari. Seguindo pela Rodovia
Campinas-Capivari, toma-se uma estrada de terra à direita, cerca de seis
quilômetros após passarmos pelo município de Monte-Mor, e então segue-
se esta estradinha por cerca de por uns 3 km aproximadamente. O sítio é
formalmente denominado “Sítio Santa Rita” nos cadastros do Imposto
Territorial Rural (ITR). Nos documentos antigos a que tivemos acesso, diz-
se que as terras em questão ficam na localidade “Rio Acima”; os antigos
moradores chamam o lugar de “Bairro das Quadras”. Mas segundo a
lembrança de D. Romilda, o nome mais reconhecido era “Sítio do Zé
Rádio”, em referência ao seu tio José de Campos, que falava demasiado e
em alto volume.
Como vimos anteriormente, tratava-se de uma comunidade
tradicional cuja parentela extensa residia no sítio, cada núcleo fixado em
uma parcela da área. Em 1941, com a morte de Eva Barreto, o inventário
repartiu as terras entre seus oito filhos. Até meados de 1960 (ver mapa
histórico I), os filhos de Eva Barreto residiam no local, embora a família da
filha Zulmira de Campos Sampaio, agora viúva, tenha feito uma breve
incursão a Sorocaba nos idos de 1946 que, contudo, não durou mais que
dois anos. De volta ao sítio32, Zulmira lá permaneceu até a sua morte.
Em fins dos anos 50, todos os filhos de Zulmira já tinham ido para
Sorocaba. Os irmãos mais velhos de Zulmira já haviam falecido. Restaram
no sítio os mais novos José de Campos e João de Campos. Quando José de
Campos morreu, em meados de 1960, João de Campos manteve sua
32 Zulmira não voltou com toda a família, visto que um dos seus filhos mais velhos, Antônio, havia se empregado no comércio.
36
casinha no sítio mas arrendou a área, de 2,5 alqueires33, para a plantação
de cana.
Com a morte de João de Campos, em 1979, um neto de D. Eva,
Antonio Sampaio34, mudou-se com sua segunda esposa para o sítio.
Interrompeu o arrendamento, e retomou a atividade de pequena produção
agrícola de subsistência.
Nesta época, o sítio passa a ser mais freqüentado pela família
extensa (filhos, sobrinhos, sobrinhos-netos) nas festas de Natal e Ano-Novo
Em 1992, com a morte de Antonio, a viúva Cleonice e os seus três
filhos permaneceram no sítio. Hoje, ainda está lá com duas filhas, sendo que
a mais velha, que trabalha fora do sitio durante a semana, construiu ali uma
casa de alvenaria para sua mãe e irmã. O sítio não é mais cultivado por falta
de mão-de-obra e encontra-se bastante abandonado tomado por um
matagal.
A Associação de Remanescentes de Quilombo de Capivari tenciona
desenvolver projetos que recuperem esta área de maneira produtiva, ainda
que não seja necessariamente por meio do trabalho agrícola.
* * *
O sítio está encravado em meio a plantações de cana, que como
vimos no capítulo 3, foi e continua sendo a maior cultura agrícola do
município e, portanto, como os fundamentos básicos de economia nos
informam, proporciona ciclos intermitentes de expansão, nos quais adquirir
terra é necessidade vital para os produtores. Podemos imaginar as pressões
havidas durante todos esses anos – mormente antes dos anos de 1960 -
para adquirir, legal ou ilicitamente, estas terras. Via de regra, o preconceito
triplo sofrido pelos membros de comunidades negras rurais – são pobres,
negros e da roça – os torna alvos preferenciais de grileiros inescrupulosos.
33 Esta medida de área está indicada nos documentos relativos ao espólio de Eva Barreto. No final deste trabalho, o memorial descritivo e a planta da área trarão a medida exata.34 Não confundir com o homônimo genro de Eva, que era pai deste citado (v. genealogia em anexo).
37
Embora D. Romilda tenha afirmado que jamais ouviu qualquer história
de venda daquelas terras – e as medições iniciais dos técnicos da Fundação
Instituto de Terras do Estado de São Paulo confirmam esta versão - é
provável que ao menos tentativas de comprar ou usurpar aquelas terras
tenham ocorrido, de acordo com a tendência geral que a história fundiária do
Estado de São Paulo – e do Brasil como um todo – nos mostra. Neste
quadro, podemos considerar a comunidade de Capivari – ainda que seus
membros mais jovens tenham se fixado nas cidades – um exemplo de
resistência ao avanço das grandes propriedades fundiárias que dominam
cerca de metade da área total deste país.
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6. CONCLUSÃODe acordo com o objetivo deste trabalho, elaboramos um estudo
técnico-científico sobre a Comunidade Capivari, levantando as suas
origens históricas, as configurações sociais sobre as quais ela está
organizada e as condições de vida que a caracterizam atualmente.
Apresentamos, a seguir, as considerações finais pertinentes:
Considerando:
1) que os trabalhos de pesquisa antropológica não deixam dúvidas
sobre a origem quilombola da Comunidade Capivari, formada por lavradores
rurais negros que se estabeleceram em tais terras há mais de um século e
que hoje têm sua memória resgatada pelos seus descendentes;
2) Que por ter havido, na região do Quadrilátero do Açúcar, um
intenso uso de mão-de-obra escrava, há uma relação histórica clara entre
estes membros da comunidade e seus antepassados negros vitimizados
pela escravidão;
3) que a Comunidade Capivari se encontra em franco processo de
recuperação do orgulho de sua identidade étnica e do resgate da sua
história, bem como anseia por desenvolver projetos de desenvolvimento
econômico que auxiliem a incrementar sua autovisão positiva, plena de
dignidade e respeito;
4) que o mesmo procedimento antropológico também comprovou a
profunda ligação prático-simbólica da Comunidade Capivari com o território
que ocupa;
5) que a comunidade Capivari carece de instrumentos institucionais,
tal como o artigo nº 68 do ADCT, para auxiliá-la a proteger o seu território;
6) que uma das diretrizes do Grupo de Trabalho dispõe sobre a
“necessidade de rever procedimentos técnicos e jurídicos dos órgãos afetos
à questão do ordenamento fundiário, agrário, territorial e ambiental para
reconhecer e incorporar as diferenças étnicas e culturais proporcionando o
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reconhecimento e a proteção, pelo Estado, dos segmentos portadores
dessas referências e de seus direitos” (p.18);
Concluímos:
- que os membros da comunidade Capivari são remanescentes
de comunidade de quilombo, de acordo com as definições que
embasam os critérios oficiais de reconhecimento adotados pelo Estado
de São Paulo, e devem, portanto, gozar dos direitos que tal
identificação lhes assegura;
- que se faz urgente a ação do Estado no sentido de auxiliar os
membros da comunidade a agilizar o processo de regularização da
propriedade do território quilombola por meio de inventário;
- que se faz urgente a ação do Estado no sentido de incentivar,
por meios políticos e financeiros, os projetos culturais e de resgate da
cidadania que a Associação de Remanescentes de Quilombo de
Capivari pretende desenvolver.
MARIA CECÍLIA MANZOLI TURATTI Antropóloga
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