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1 Projeto Tartarugas Marinhas do Arvoredo, SC O projeto A implementação de unidades de conservação (UC) como a Reserva Biológica Marinha (ReBioMar) do Arvoredo tem entre seus principais objetivos a garantia da preservação de espécies ameaçadas de extinção e a promoção da pesquisa direcionada ao conhecimento destes organismos. Apesar dos registros da ocorrência de tartaruga-verde (Chelonia mydas) e tartaruga-de-pente (Eretmochelys imbricata) na área, não existiam estudos sobre as populações destes répteis no local. Criado em 2004, o projeto Tartarugas Marinhas do Arvoredo surgiu da iniciativa de duas estudantes do curso de Oceanologia da Fundação Universidade Federal de Rio Grande (FURG), localizada na cidade de Rio Grande, RS. Hoje oceanólogas, as duas fazem o curso de pós- graduação em Oceanografia Biológica da FURG e desenvolvem suas dissertações de mestrado com os dados obtidos neste projeto. Localização da Reserva Biológica Marinha do Arvoredo

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Projeto Tartarugas Marinhas do Arvoredo, SC

O projeto

A implementação de unidades de conservação (UC) como a Reserva Biológica Marinha

(ReBioMar) do Arvoredo tem entre seus principais objetivos a garantia da preservação de espécies

ameaçadas de extinção e a promoção da pesquisa direcionada ao conhecimento destes organismos.

Apesar dos registros da ocorrência de tartaruga-verde (Chelonia mydas) e tartaruga-de-pente

(Eretmochelys imbricata) na área, não existiam estudos sobre as populações destes répteis no local.

Criado em 2004, o projeto Tartarugas Marinhas do Arvoredo surgiu da iniciativa de duas

estudantes do curso de Oceanologia da Fundação Universidade Federal de Rio Grande (FURG),

localizada na cidade de Rio Grande, RS. Hoje oceanólogas, as duas fazem o curso de pós-

graduação em Oceanografia Biológica da FURG e desenvolvem suas dissertações de mestrado com

os dados obtidos neste projeto.

Localização da Reserva Biológica Marinha do Arvoredo

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Quem são as tartarugas marinhas?

As tartarugas marinhas surgiram há 200 milhões de anos atrás e nesta longa história

dividiram os oceanos com uma grande diversidade de répteis marinhos. Apesar de já terem

formado um grupo diverso e amplamente distribuído, as espécies viventes estão na Terra somente

há algumas centenas de milhares de anos e compreendem apenas sete espécies, sendo o litoral

brasileiro utilizado por cinco delas: Caretta caretta (tartaruga-cabeçuda), Chelonia mydas

(tartaruga-verde), Eretmochelys imbricata (tartaruga-de-pente), Lepidochelys olivacea

(tartaruga-oliva) e Dermochelys coriacea (tartaruga-de-couro). Estes animais crescem lentamente

e apresentam uma vida longa, se tornando adultos com 20-50 anos. Apresentam ciclos de vida

bem complexos e utilizam uma grande variedade de ecossistemas, compreendendo desde habitats

terrestres, onde ocorre a postura dos ovos e desenvolvimento embrionário, até habitats em águas

costeiras e oceânicas, onde se alimentam, desenvolvem e acasalam.

Machos e fêmeas copulam no mar, a distâncias variáveis da praia de desova. Estudos

genéticos vêm demonstrando que machos copulam com várias fêmeas, assim como fêmeas podem

copular com mais de um macho, armazenando o esperma para fertilizar subseqüentes desovas. As

fêmeas fazem ninhos e depositam os ovos na areia de praias tropicais, em um processo que

geralmente demora de uma a três horas, dependendo do local, espécie e tamanho do animal. Após

o período reprodutivo de alguns meses, as fêmeas retornam às suas áreas de alimentação e

começam a reservar energia para o próximo período reprodutivo, que ocorrerá de poucos a muitos

anos depois. Estudos recentes reforçam a idéia de que as fêmeas desovam na praia onde nasceram,

característica conhecida como “fidelidade à praia de nascimento”. Embora só existam sete espécies

de tartarugas marinhas, a alta diversidade das características de seus ciclos de vida dificulta a

síntese das diferentes e complexas fases de desenvolvimento destes répteis. Após a emergência dos

Pesquisadoras fundadoras do projeto: Júlia Reisser (esquerda) e Maíra Proietti (direita)

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filhotes de seus ninhos e a entrada dos mesmos no mar, estes animais podem apresentar três tipos

básicos de desenvolvimento: todo desenvolvimento em águas costeiras (Tipo 1); primeiros estágios

dos filhotes em alto mar e estágios posteriores na zona costeira (Tipo 2) e desenvolvimento

completo em alto mar (Tipo 3). O Tipo 2 é o mais comumente encontrado, ocorrendo nas espécies

C. caretta, C. mydas, E. imbricata e em L. olivacea no Atlântico oeste e Austrália. Já o Tipo 3 ocorre

nas espécies D. coriacea e em populações de L. olivacea do Pacífico leste.

As interações entre estes répteis e a humanidade são antigas. Uma das evidências desta

relação é encontrada na Península Arábica, onde fragmentos de tartarugas marinhas são

comumente encontrados em locais que eram habitados por comunidades de cerca de 7000 anos

atrás. De acordo com a World Conservation Unit (IUCN), todas as espécies de tartarugas marinhas

estão classificadas como ameaçadas ou criticamente ameaçadas de extinção. As tartarugas

marinhas sofrem ameaças antrópicas em todos os estágios de seus ciclos de vida e, evidentemente, a

interferência humana ao longo destes anos é a principal causa da extinção ou drástica redução

populacional de tartarugas marinhas. A maioria dos impactos é uma conseqüência do incremento

Retorno às áreas de

alimentaçãoMigração para

reprodução com intervalo entre 2-8

anos

Área de alimentação em alto mar

‘anos perdidos’

Idade de primeira reprodução entre 20-50 anos

Área de alimentação bentônica em águas rasas costeiras

tartarugas juvenis adultos Migração reprodutiva

Machos e fêmeas adultas

Machos adultos

CópulaOcorre a distâncias variáveis da costa

Intervalos de 2 semanas

Praia de desova

Fêmeas adultas

Retorno às áreas de

alimentaçãoMigração para

reprodução com intervalo entre 2-8

anos

Área de alimentação em alto mar

‘anos perdidos’

Idade de primeira reprodução entre 20-50 anos

Área de alimentação bentônica em águas rasas costeiras

tartarugas juvenis adultos Migração reprodutiva

Machos e fêmeas adultas

Machos adultos

CópulaOcorre a distâncias variáveis da costa

Intervalos de 2 semanas

Praia de desova

Fêmeas adultas

Retorno às áreas de

alimentaçãoMigração para

reprodução com intervalo entre 2-8

anos

Área de alimentação em alto mar

‘anos perdidos’

Idade de primeira reprodução entre 20-50 anos

Área de alimentação bentônica em águas rasas costeiras

tartarugas juvenis adultos Migração reprodutiva

Machos e fêmeas adultas

Machos adultos

CópulaOcorre a distâncias variáveis da costa

Intervalos de 2 semanas

Praia de desova

Fêmeas adultas

Retorno às áreas de

alimentaçãoMigração para

reprodução com intervalo entre 2-8

anos

Área de alimentação em alto mar

‘anos perdidos’

Idade de primeira reprodução entre 20-50 anos

Área de alimentação bentônica em águas rasas costeiras

tartarugas juvenis adultos Migração reprodutiva

Machos e fêmeas adultas

Machos adultos

CópulaOcorre a distâncias variáveis da costa

Intervalos de 2 semanas

Praia de desova

Retorno às áreas de

alimentaçãoMigração para

reprodução com intervalo entre 2-8

anos

Área de alimentação em alto mar

‘anos perdidos’

Área de alimentação em alto mar

‘anos perdidos’

Idade de primeira reprodução entre 20-50 anos

Área de alimentação bentônica em águas rasas costeiras

tartarugas juvenis adultosIdade de primeira reprodução

entre 20-50 anos

Área de alimentação bentônica em águas rasas costeiras

tartarugas juvenis adultos

Área de alimentação bentônica em águas rasas costeiras

tartarugas juvenis adultos Migração reprodutiva

Machos e fêmeas adultas

Machos adultos

CópulaOcorre a distâncias variáveis da costa

CópulaOcorre a distâncias variáveis da costa

Intervalos de 2 semanas

Praia de desova

Fêmeas adultas

Ciclo de vida das tartarugas com o tipo 2 de desenvolvimento. Adaptado de esquema encontrado em: www.gbrmpa.gov.au

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da exploração das regiões costeira e oceânica e incluem: alterações nas praias de desova; poluição;

derrames de óleo; explosões em alto mar; dragagens; captura incidental em diversas artes de pesca;

coleta de ovos e captura ilegal de tartarugas marinhas para a venda de produtos e utensílios.

Um pouco mais sobre as duas espécies que encontramos no Arvoredo...

Tartaruga-verde (C. mydas)

Existem tartarugas-verdes em todos os oceanos do planeta e há uma nítida divisão entre as

populações que vivem nas águas do Atlântico e Mediterrâneo das que vivem nos oceanos Índico e

Pacífico. Indivíduos de C. mydas, quando já são adultos, migram para suas áreas de reprodução,

percorrendo grandes distâncias. No Atlântico, as principais praias de desova encontram-se em

Tortuguero (Costa Rica); Ilha de Ascencion (Reino Unido); Suriname; Islã Aves (Venezuela); Poliao

(Guine Bissau) e Ilha de Trindade (Brasil).

No território brasileiro, desovas desta espécie também são encontradas no Atol das Rocas,

Arquipélago de Fernando de Noronha e esporadicamente ao longo da costa brasileira, ao norte do

Rio de Janeiro. Ao atingirem um comprimento curvilíneo de carapaça entre 20 e 40 cm, as

tartarugas-verdes saem de sua vida em alto mar e migram para áreas de desenvolvimento

costeiras, onde adotam uma alimentação essencialmente herbívora. Este tipo de alimentação é

uma característica peculiar, não sendo encontrada nas outras espécies de tartaruga marinha.

Indivíduos jovens desta espécie podem residir por anos em habitats de desenvolvimento tropicais e

subtropicais. Eles também podem utilizar áreas de alimentação em latitudes temperadas (aprox.

40°), mas o retorno para as áreas mais quentes no inverno é essencial para se evitar temperaturas

extremamente baixas.

Tartarugas-verdes alimentam-se preferencialmente de plantas marinhas (fanerógamas) e,

na ausência destas, as algas se tornam o principal componente da dieta. A escolha do alimento

nesta espécie parece estar relacionada ao valor nutricional e à palatabilidade do tecido vegetal ou

Tartaruga-de-pente (Eretmochelys imbricata)

Tartaruga-verde (Chelonia mydas)

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algal. A influência da pastagem sobre bancos de fanerógamas marinhas tem sido quantificada,

sendo observadas mudanças na ciclagem de nutrientes e na estrutura do habitat. Embora nunca

quantificado, a pastagem das tartarugas em recifes temperados como os do Arvoredo também

deve ter um efeito na estrutura e abundância de algas marinhas.

Tartaruga-de-pente (Eretmochelys imbricata)

As tartarugas-de-pente, quando atingem um comprimento curvilíneo de carapaça entre 20

e 35 cm, deixam sua vida em alto mar para viverem em recifes, que apresentam uma grande

disponibilidade de alimento. Por possuir um belo casco, uma intensa comercialização ilegal de

produtos manufaturados e mais recentemente, de animais inteiros empalhados, fazem com que

esta espécie esteja seriamente ameaçada. E. imbricata é bem menos abundante que C. mydas,

tornando difícil a determinação de suas populações através dos dados disponíveis. Pouquíssimas

colônias de desova são conhecidas e a desova de um só indivíduo é freqüentemente observada, o

que pode estar relacionado com o reduzido tamanho das populações de tartarugas-de-pente.

Esta espécie se alimenta de organismos bentônicos, tais como esponjas, tunicados,

briozoários, moluscos e algas. Sua dieta é determinada por uma combinação entre sua preferência

e disponibilidade do alimento em seu habitat. Pouquíssimas pesquisas têm sido conduzidas para o

estudo do comportamento e utilização dos recifes por tartarugas-de-pente juvenis, como as que

encontramos na Ilha do Arvoredo.

Qual a importância dos estudos desenvolvidos no projeto?

São diversas as razões para se trabalhar em áreas de alimentação e desenvolvimento de

tartarugas marinhas juvenis (que é o caso do Arvoredo): estudos de crescimento, identificação das

populações, dieta, comportamento, relações com outros organismos, detecção de doenças,

estimativas de abundância e identificação de habitats importantes para a espécie. Embora as

tartarugas permaneçam menos de 1% do seu ciclo vital nas praias (como embriões, filhotes e fêmeas

adultas que saem do mar para desovar), cerca de 90% das publicações sobre a biologia destas

espécies são baseadas em estudos realizados em praias de desova. As tartarugas marinhas podem

residir por anos em habitats tropicais e subtropicais, permitindo o desenvolvimento de estudos de

longo prazo nestas áreas. O papel destes animais dentro dos ecossistemas marinhos tem sido pouco

estudado e deve ser abordado como prioritário. Além de permitir um conhecimento da biologia

básica, informações de tartarugas que estão em diferentes fases da vida só são obtidas com o

desenvolvimento de estudos no mar, onde o uso do mergulho se torna uma ferramenta essencial.

Para ecólogos, a capacidade de observar animais em seu habitat natural é fundamental.

Em relação às tartarugas marinhas, o desenvolvimento de sofisticadas técnicas como a telemetria

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satelital tem revolucionado nossa compreensão sobre o comportamento subaquático,

principalmente sobre os padrões de mergulho e migração destes animais. Entretanto, lacunas em

nosso conhecimento continuam existindo, sendo muitas vezes resultado da impossibilidade de se

identificar determinados comportamentos através da aquisição de dados eletrônicos. Assim, estudos

observacionais de tartarugas no ambiente aquático continuam sendo fundamentais para se

conhecer o comportamento destes animais.

O uso de marcadores artificiais são comumente utilizados para o esclarecimento das rotas

migratórias e identificação das populações de tartarugas marinhas. Entretanto, estas marcas

apresentam uma alta taxa de perda, que varia em função de uma série de fatores, tais como área

de estudo, material da marca, posição de aplicação no animal e espécie estudada.

Assim, o desenvolvimento de melhores estudos de dinâmica populacional das tartarugas

marinhas a longo prazo é dependente do desenvolvimento de metodologias alternativas que

permitam o reconhecimento dos animais mesmo depois de muitos anos. Uma possibilidade seria o

desenvolvimento de técnicas de foto-identificação, como a desenvolvida para tartarugas-de-couro

que desovam em St. Croix, Ilhas Virgens.

Quais são os objetivos do trabalho?

O projeto Tartarugas Marinhas do Arvoredo tem como principal objetivo o estudo das

populações de tartarugas marinhas encontradas no Arvoredo. Por apresentar diversas linhas de

pesquisa, apresenta muitos objetivos específicos, dos quais destacam-se:

- investigar aspectos da ecologia alimentar das espécies que residem no local;

- observar e descrever relações ecológicas entre tartarugas marinhas e peixes recifais;

- levantar as principais praias de origem das tartarugas-verdes do Arvoredo;

- monitorar a ocorrência da doença fibropapilomatose em tartarugas-verdes da reserva;

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Como o projeto é desenvolvido?

O projeto desenvolve expedições ao Arvoredo desde dezembro de 2004. Os pesquisadores

ficam nas instalações da Marinha, localizadas na Ilha do Arvoredo. Durante estas saídas de campo,

mergulhos livres e autônomos são realizados para a observação e captura manual de tartarugas

marinhas.

Expedição dezembro/janeiro 2005 (18 dias)

Expedição março 2005 (12 dias)

Expedição julho 2005 (33 dias)

Equipe (da esquerda para direita): Júlia Reisser, Maíra Proietti, Manuela Barroso, Mathias Van Caspel.

Equipe (da esquerda para a direita): Júlia Reisser, Maíra Proietti, Theo Moura, Andrea Dalben

Equipe (da esquerda para a direita): Júlia Reisser, Tiago Gandra, Diego Maio, Marianna Lanari

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Expedição janeiro/fevereiro 2006 (39 dias)

Expedição julho 2006 (21 dias)

Expedição fevereiro 2007 (23 dias)

Expedição maio 2007 (x dias)

Equipe (da esquerda para a direita): Tiago Gandra, Júlia Reisser, Maíra Proietti, Ricardo Costa, Marianna Lanari

Equipe (da esquerda para a direita): Diego Maio, Charles Salame, Marianna Lanari, Maíra Proietti, Júlia Reisser

Equipe (da esquerda para a direita): Marianna Lanari, Maíra Proietti, Raphael Pinotti, Pablo Mendonça

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Expedição abril 2007 (7 dias)

Por não possuir financiamento, o custo das saídas de campo é pago pela própria equipe das

expedições realizadas. Os gastos foram reduzidos graças ao apoio cedido pela operadora de

mergulho PatadaCobra que oferece transporte dos pesquisadores até a ilha, auxílio no embarque e

desembarque do material (comida, equipamentos de mergulho e pesquisa), empréstimo e recarga

dos cilindros de mergulhos.

As atividades subaquáticas são desenvolvidas em sete baías no entorno da ilha. Entretanto,

o projeto não tem embarcação própria e por isso, a freqüência de amostragem em cada local

depende da disponibilidade de barcos de apoio para transporte. Assim, a maioria dos mergulhos

ocorre principalmente no Saco do Vidal, baía da frente da casa em que a equipe se instala.

Antes da realização de cada mergulho são registrados: data, hora, ponto de amostragem,

temperatura da água (°C), visibilidade (em metros) e modalidade do mergulho, ou seja, se é

autônomo (AU) ou livre (apnéia - AP). A visibilidade é medida utilizando-se o seguinte

procedimento: um mergulhador segura a ponta da fita maleável de uma trena, enquanto o outro

se afasta até o ponto em que não enxerga mais seu dupla e, neste momento, a distância entre eles

1

2

3

5

6

7

Locais amostrados 1 - Saco do Farol 2 - Saco do Vidal 3 - Saco do Engenho 4 – Pedra da Baleia 5 - Rancho Norte 6 - Saco D’água 7 - Saco da Bala

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Pontos de amostragem na Ilha do Arvoredo

Equipe (da esquerda para a direita): Marianna Lanari, Júlia Reisser, Paula Tourinho, Ricardo Costa

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é anotada. Durante o procedimento de procura subaquática, ao se encontrar uma tartaruga

registra-se: a espécie observada; o tipo de comportamento do indivíduo; a profundidade de

ocorrência (em metros); a constituição do fundo (rocha ou areia); o tempo de avistagem (em

minutos), tamanho estimado da tartaruga e possíveis características peculiares do animal. O

comportamento subaquático é classificado em: A (alimentação), N (natação), R (repouso sobre o

fundo) e RA (repouso auxiliado – ocorre quando a tartaruga está descansando debaixo de alguma

estrutura como, por exemplo, as beiradas de uma rocha). Quando a situação é propícia (período

noturno ou comportamento favorável), há a tentativa de se capturar o animal para a coleta de

dados biométricos, marcação, pesagem, registro fotográfico e coleta de tecido para análises

genéticas. Além disso, os animais são examinados quanto à presença de tumores característicos de

fibropapilomatose, hoje considerada a principal doença epidêmica em tartarugas marinhas.

A marcação das tartarugas marinhas incidentes na ReBioMar do Arvoredo é realizada

graças a um acordo de cooperação técnica firmado com o Projeto TAMAR-IBAMA, que cede

marcadores e alicate apropriados para o desenvolvimento da atividade. Esta instituição também

auxiliou no desenvolvimento deste trabalho através do treinamento das duas pesquisadoras

responsáveis pelo projeto na sede de Fernando de Noronha, PE.

A

E D C

B

F

Procedimento pós-captura: transporte do animal (A), registro fotográfico (B) e biométrico (C), aplicação de marcas de aço inox (D), pesagem (E), contagem de cracas, estimativa de

cobertura de algas e observação de patologias (F)

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Alguns dos resultados já obtidos...

Nas 142 horas de procura subaquática, foram feitas 1140 avistagens (8,03 observações por

hora de procura) e 121 capturas (0,63/h). O tamanho das tartarugas observadas e capturadas

indica que a ilha do Arvoredo abriga somente juvenis das duas espécies. Através de foto-

identificação e marcação, foram reconhecidas onze recapturas, sendo que um dos indivíduos foi

recapturado duas vezes. As recapturas ocorreram no mesmo local da primeira captura,

demonstrando que, além da fidelidade à ilha do Arvoredo, alguns indivíduos podem apresentar

fidelidade a um dado local das baías. Além destas recapturas, um indivíduo marcado em julho de

2006 foi encontrado morto, 140 dias após a marcação, na praia de Palmeiras, em Caraguatatuba

no litoral norte de São Paulo. Algumas características peculiares deste animal indicam que ele não

apresentou um período prolongado de residência na reserva antes de migrar para o norte. As

recapturas evidenciam que a ReBioMar do Arvoredo apresenta tanto animais residentes, como

indivíduos que usam a área apenas para descanso durante migração.

Como as tartarugas se comportam em seu habitat natural?

O comportamento das tartarugas do Arvoredo parece diferir de acordo com a

profundidade do local. Registros de indivíduos repousando sobre o fundo ou por baixo da borda de

rochas foram mais frequentes em locais com profundidade maior que 6 metros. Por outro lado, o

número de indivíduos registrados em atividade alimentar foi maior em locais rasos (menor que 6

metros), indicando que as tartarugas procuram seu alimento nas partes rasas da baía. Além disso, o

comportamento parece diferir ao longo do dia, sendo os registros de atividade alimentar mais

freqüentes no período da tarde. Nos mergulhos noturnos, todos os indivíduos encontravam-se em

natação lenta ou repousando sobre o fundo.

A atividade alimentar foi registrada entre 0800 e 1900 h, a profundidades de 0.5 - 7.2

metros. Em todas as observações de alimentação, as tartarugas estavam ingerindo organismos

bentônicos sésseis, principalmente macroalgas. A identificação in situ do organismo que estava

sendo ingerido foi possível em algumas oportunidades: algas do gênero Pterocladiella (Gelidiaceae),

algas do gênero Codium e antozoários da espécie Palythoa caribaeorum (Zoanthidae). Algas

Pterocladiella e Codium constam na dieta de C. mydas de São Paulo, porém Palythoa parece ser

registro novo na dieta desta espécie considerada essencialmente herbívora.

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As tartarugas marinhas interagem com os peixes!

As tartarugas marinhas apresentam uma série de relações com outros organismos do

ambiente recifal. Uma das mais interessantes é a de limpeza, na qual as tartarugas têm seus

epibiontes (organismos aderidos ao corpo e casco, tais como algas e cracas) retirados por peixes.

Geralmente, a tartaruga apresenta um comportamento de solicitação ao peixe e ambos se

beneficiam com a atividade: a tartaruga fica livre de parasitas e os peixes têm uma fácil fonte de

alimento. Relações de limpeza desta natureza são registradas em diversos locais, tais como

Fernando de Noronha, Havaí e Austrália. No Arvoredo, relações de limpeza foram observadas

entre tartarugas-de-pente e Pomacanthus paru juvenil e entre tartarugas-verde e os peixes

Diplodus argenteus juvenil (Marimbá) e Kyphosus vaigiensis (Pirajica).

O peixe marimbá adulto também parece estabelecer algum tipo de relação com C. mydas,

pois houve diversas observações deste animal seguindo as tartarugas. O comportamento em que

peixes acompanham tartarugas também foi observado em Fernando de Noronha, entre C. mydas

e o peixe Thalassoma noronhanum. Rêmoras (Echeneis naucrates) aderidas ao casco de tartarugas-

Peixes com relações de limpeza com tartarugas marinhas: Pomacanthus paru (esquerda)

Diplodus argenteus (centro) e Khyphosus vaigiensis (direita)

Organismos que servem de alimento às tartarugas-verdes do Arvoredo (da esquerda para direita): alga Pterocladiella, cnidário Palythoa (com marca da mordida de uma tartaruga-verde) e alga Codium

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verde também foram observadas. No Atlântico sudoeste, este tipo de simbiose é considerada rara e

pouco conhecida, tendo sido descrita para C. caretta, C. mydas, D. coriacea e E. imbricata com as

espécies Echeneis naucrates e Remora remora.

Quais são as praias de origem das tartarugas do Arvoredo?

Uma das principais perguntas quanto às tartarugas marinhas em áreas de alimentação é:

de onde vêm esses animais? As tartarugas nadam muitas vezes milhares de quilômetros entre seu

local de nascimento e onde escolhem para se alimentar; como não existe método para marcação

de filhotes, não é possível identifica-los posteriormente. Devido a isso, criaram-se estudos genéticos,

através da análise de um fragmento de DNA que varia entre as populações, para determinar onde

nasceram os animais que são encontrados quando estamos mergulhando. Na Ilha do Arvoredo, as

tartarugas-verdes observadas nadando graciosamente já percorreram um longo caminho para

chegarem ali. Muitas vêm de uma ilha vulcânica no meio do Atlântico, a Ilha Ascensión, a mais de

2200 km de distância. Outras chegam ao Arvoredo após nascerem em uma ilha um pouco mais

perto, a Ilha de Trindade (ES). Algumas mais persistentes atravessam o Oceano Atlântico vindo das

praias africanas; outras percorrem o próprio litoral brasileiro vindas dos paraísos Fernando de

Noronha (PE) e Atol das Rocas (RN). Sabendo destas longas distâncias percorridas, devem ser

estabelecidas estratégias de conservação das tartarugas marinhas não só na Ilha do Arvoredo, mas

também em suas praias natais e rotas migratórias. Com isso, estaremos garantindo a companhia

destes simpáticos animais ao longo de nossos mergulhos!

Quais são os indícios de impacto antrópico sobre as tartarugas do Arvoredo?

Diversos indícios de impacto do homem sobre as tartarugas da área foram apontados ao

longo do desenvolvimento deste trabalho. Algumas tartarugas capturadas estavam sem uma de

suas nadadeiras, uma estava com a nadadeira dianteira estrangulada por um cabo e outra estava

com um grande anzol perfurando a nadadeira.

Além disso, o Arvoredo apresenta um considerável número de tartarugas-verde (9,8 %) com

fibropapilomatose (FP). Ela tem ocorrido principalmente em tartarugas-verde, mas a incidência

em tartarugas das espécies C. caretta, L. olivacea, E. imbricata e N. depressus já foi documentada.

A incidência de tartarugas com FP, que apresenta uma considerável variação entre anos e locais,

tem aumentado rapidamente desde os anos 80. Em algumas populações nenhum animal é

afetado enquanto que em outras, mais de 92% dos indivíduos exibem lesões características de FP. A

aparência corpulenta e a estrutura microscópica das lesões sugerem que um vírus é o agente

causador da doença. Diversos fatores estressantes do ambiente podem afetar o início e

desenvolvimento da doença através do enfraquecimento do sistema imunológico dos animais:

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infecções bacteriais, exposição à radiação UV-B, parasitas e contaminantes químicos. Ainda há a

suspeita de que fatores genéticos também possam fazer com que certos indivíduos sejam mais

suscetíveis ao desenvolvimento de FP. Os tumores característicos da doença são comumente

encontrados na conjuntiva (membrana que cobre a parte externa do globo ocular), cabeça,

nadadeiras, base da cauda, áreas inguinal e axilar, e internamente, nos pulmões, fígado, trato

gastro-intestinal e rins.

O que o projeto pretende daqui em diante?

O projeto Tartarugas do Arvoredo está a procura de financiamento para que o

monitoramento destes répteis continue sendo realizado. O trabalho ainda trará informações

importantes para a conservação das tartarugas marinhas, incluindo uma melhor descrição da

Exemplos de tumores característicos da fibropapilomatose nas tartarugas do Arvoredo

Observação de diminuição de tamanho e alteração de cor de um tumor ocular em seis meses, constatada através de foto-identificação

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patologia Fibropapilomatose (sua causa e efeitos), uma descrição detalhada sobre a ecologia

alimentar das espécies do local (trabalho de mestrado da Oc. Júlia Reisser) e um apontamento mais

preciso dos locais de origem das tartarugas que habitam as águas desta UC (trabalho de mestrado

da Oc. Maíra Proietti). Dúvidas, sugestões e comentários podem ser enviados para o email

[email protected].