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    Processos cognitivos como elementos fundamentais para uma educao crtica

    Cognitive processes as major elements for a critical education

    Ruben de Oliveira Nascimento

    Instituto de Psicologia, Universidade Federal de Uberlndia (UFU), Uberlndia, Minas

    Gerais, Brasil

    Resumo Nesse ensaio examinamos as possibilidades do uso potencial de recursos cognitivos como memorizao, compreenso e reflexo, no processo ensino-aprendizagem, vendo-os de maneira interligada a componentes prprios de construo de competncias cognitivas como comparao, associao, classificao, interpretao, formulao de hipteses, entre outros. Essa combinao, quando pedagogicamente promovida, pode provocar derivaes cognitivas importantes nas formas de pensamento do aluno, facilitadas por estratgias de aprendizagem que exploram exerccios para trabalhar com essas derivaes. Com base em teorias cognitivas de aprendizagem e em fundamentos da epistemologia gentica, analisamos como processos cognitivos podem ser aproveitados na formao escolar, com a finalidade de educar para uma viso mais crtica de objetos e fatos, colaborando com uma percepo mais ampliada de conhecimento escolar e contexto social. Assinalamos que educao crtica, em termos cognitivos, no prescinde de classificao ou categorizao de mundo, porque reflexo e pensamento crtico tomam como base justamente o que os indivduos podem representar ou conhecer de um objeto ou mundo criticado. Com isso, conclumos que fundamental o uso instrucional de recursos e competncias cognitivas desde a educao bsica, contribuindo para a promoo de uma educao mais reflexiva e crtica. Cien. Cogn. 2009; Vol. 14 (1): 265-282. Palavras-chave: competncia cognitiva; educao crtica; teorias cognitivas de aprendizagem. Abstract This work verifies the possibilities of the potential use of cognitive resources such as memorization, comprehension, and reflection, in the teaching-learning process, as we see them in an interlinked way with components used for the construction of cognitive competences, such as comparison, association, sorting out, interpretation, and formulation of hypotheses, among others. This combination, when pedagogically promoted, can provoke cognitive derivations that are important for the students ways of thinking. They are facilitated by the use of learning strategies that explore exercises in order to work with those derivations. Based on learning cognitive theories and on the foundations of genetic epistemology, we analyze how cognitive processes can be used in school development, aiming at educating for a more critical view of objects and facts, contributing for a wider perception of school education and social context. We claim that a critical education, in cognitive terms, takes into account the classification or world categorization, once reflection and critical thought are based on what

    Cincias & Cognio 2009; Vol 14 (1): 265-282 Cincias & Cognio Submetido em 29/10/2008 | Aceito em 24/03/2009 | ISSN 1806-5821 Publicado on line em 31 de maro de 2009

    Ensaio

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    individuals can represent or get to know of an object or criticized world. This way, we conclude that the institutional use of resources and cognitive competences are of major concern starting from basic education, in order to contribute to the promotion of a more reflexive and critical education. Cien. Cogn. 2009; Vol. 14 (1): 265-282. Keywords: cognitive competence; critical education; learning cognitive theories.

    Introduo

    Como a formao escolar pode contribuir com o desenvolvimento e uso de ferramentas intelectuais para compreenso e reflexo de objetos, situaes e fenmenos sociais? Como pensar um ensino que viabilize uma viso crtica do conhecendo construdo em sala de aula? Como promover uma educao que, a partir de uma viso crtica, forme sujeitos com autonomia de pensamento para discutir os temas da vida contempornea para nela agir ativamente? Esses so questionamentos difceis que abarcam variveis histricas, ideolgicas, polticas e sociais sobre a Educao, mas que precisam ser debatidos sob as mais variadas formas de contribuio para esse debate, considerando-se a complexidade dos dias atuais e a necessidade de se pensar a aprendizagem na vida contempornea.

    Para contribuir com essa discusso, abordaremos o uso de recursos cognitivos como aliados de uma educao crtica metodologicamente alicerada no desenvolvimento de estratgias de aprendizagem que favoream o emprego dinmico de processos cognitivos em nvel de estudos acadmico-conceituais.

    A Histria mostra como a utilizao de recursos cognitivos como ferramentas intelectuais foi importante na histria do homem e em sua relao com o contexto vivenciado; e como se revelaram em nvel de operao ou ao inteligente sobre o ambiente e suas adversidades geogrficas, climticas e populacionais (Cook, 2005; Blainey, 2008)

    Disso decorre que o nvel de cincia at ento alcanado pela humanidade tambm resultado do uso potencial de ferramentas intelectuais prprias do homem, dos efeitos do mesmo em sua histria como espcie e no processo civilizatrio que o homem empreendeu. Ferramentas intelectuais que, no caso do homem primitivo, permitiam no apenas o uso de sua inteligncia para resolver problemas na adversidade de seu ambiente de vida, mas tambm a transformar e sofisticar os instrumentos que foi inventando em sua interao com o meio (Cook, 2005; Fonseca, 2007).

    De modo semelhante, na sociedade contempornea, o homem tem utilizado suas ferramentas mentais, sua inteligncia, para continuar resolvendo seus problemas de interao com o meio. Contudo, da relao com as foras da natureza que impeliam o homem a resolver problemas de sobrevivncia e existncia nesse tipo de ambiente, derivamos hoje para outras necessidades de sobrevivncia, porm num ambiente diferente em que o nvel de cincia e tecnologia alcanado pela inteligncia humana forjou: viver numa sociedade em que o mental , ele prprio, o ambiente a ser dominado. Isso porque se exige atualmente uma quantidade de conhecimento e uma capacidade de simbolizao da realidade, sem precedentes. O homem atual tem que utilizar recursos cognitivos no apenas para viver em ambientes de aprendizagem cada vez mais complexos, mas tambm pensar a alteridade, as contradies e as mudanas de paradigmas no mundo social.

    Da pedra lascada para o trabalho com o mundo de significados e smbolos corporificados pela linguagem cientfica e pelas formas de pensamento e conhecimento necessrios para a vida cotidiana tecnolgica e instvel, tem-se um movimento importante para se pensar a Educao atual.

    Cincias & Cognio 2009; Vol 14 (1): 265-282 Cincias & Cognio Submetido em 29/10/2008 | Aceito em 24/03/2009 | ISSN 1806-5821 Publicado on line em 31 de maro de 2009

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    Esse quadro tem cada vez mais solicitado formas eficientes de aprendizagem em funo da quantidade de conhecimento, de informao e de funes intelectuais que a vida tem demandado das pessoas, atualmente.

    Nesse quadro tem se colocado a questo da cognio como um elemento importante de debate sobre as necessidades de aprendizagem dos indivduos no contexto tecnolgico e socioeconmico atual.

    Isso nos leva a perguntar: como esto sendo promovidas estratgias de aprendizagem escolar para o contexto atual? Esta questo difcil, complexa, porm necessria, porque a Escola uma instituio, como agncia formadora, destinada historicamente ou envolvida culturalmente para consolidar a produo de conhecimento desejada pela sociedade, em cada poca, inserindo sujeitos para uma ordem social vigente. Contudo, importa que essa insero social, essa formao, se d de maneira reflexiva e crtica, de modo a tornar o conhecimento escolar capaz de dar sentido ao mundo e de propiciar elementos significativos para a vida do aluno, de maneira que esse conhecimento seja fundamento para uma viso renovadora de realidade, e tambm da produo desse conhecimento.

    Um conhecimento escolar construdo na base da compreenso e da reflexo propicia uma formao crtica que possibilita ao aluno o uso consciente e menos doutrinado do conhecimento para agir de maneira transformadora sobre a realidade.

    Assim, a Educao Crtica no somente aquela que permite uma viso poltica e de cidadania ativa no contexto social, mas tambm aquela que promove uma viso significativa de conhecimento escolar (da linguagem cientfica) para seu uso criativo, imaginativo e transformador na e da realidade (e do prprio conhecimento escolar).

    Para desenvolver um ensaio refletindo sobre o que acima colocamos, optamos por considerar a dimenso cognitiva da educao escolar para um conhecimento renovado de mundo e tambm renovador do prprio indivduo. Isso porque, competncia cognitiva um fator muito exigido no contexto escolar e essa exigncia deve se converter em fundamento para uma formao ou educao mais reflexiva e crtica, para que no ocorra mera adaptao de sujeitos para uma sociedade, mas formao para uma tomada consciente de questes do mundo contemporneo, para a construo de um conhecimento transformador e de um aluno ativo em seu contexto de vida. Para tanto, tomaremos como base a premissa de que o desenvolvimento do pensamento reflexivo, crtico, deriva de processos cognitivos de memorizao e compreenso como elementos bsicos na construo de conhecimento escolar; e que essa derivao precisa ser mais estudada pelos educadores de modo a favorecer o desenvolvimento cognitivo na vida escolar e a formao crtica do aluno dos dias de hoje.

    Nas teorias cognitivas de aprendizagem, categorizar ou organizar o mundo em conceitos requisito para o desenvolvimento de raciocnios e abstraes mais complexas sobre objetos, situaes e fenmenos (Pozo, 2002, 2005). tambm condio para transferncias bem sucedidas de aprendizagem e de construo significativa de realidade social (Moretto, 2003; Bransford et al., 2007).

    A hiptese que fundamenta esse ensaio que a Educao Crtica deve ter como base uma aprendizagem que desafia ou desequilibra as formas usuais de pensamento dos alunos, enfocando o uso potencial de recursos cognitivos por derivao de memorizao para compreenso e para reflexo. Essa Educao Crtica deve ser vista como uma forte aliada da formao cidad, da construo de um conhecimento refletido e no somente integrado as formas usuais e esperadas de pensamento e da insero de um indivduo ativo e crtico no mundo de questes cientficas, tecnolgicas e sociais que presenciamos hoje.

    Cincias & Cognio 2009; Vol 14 (1): 265-282 Cincias & Cognio Submetido em 29/10/2008 | Aceito em 24/03/2009 | ISSN 1806-5821 Publicado on line em 31 de maro de 2009

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    Competncia cognitiva

    Coll e colaboradores (2003) comentam que a Escola lida muito com conceitos e princpios explicando fatos, e que o tratamento escolar dos fatos ajuda o aluno a entender a realidade como complexa, catica, porm denominvel e compreensvel, para, assim, poder agir sobre ela e melhor-la. Contudo, adotando a perspectiva da epistemolgica gentica, Fernando Becker (2001: 71) comenta que conhecer transformar o objeto e transformar a si mesmo (o processo educacional que no transforma est negando a si mesmo). Uma educao que no possibilita tanto a transformao, pelos esquemas de pensamento, dos objetos fonte de conhecimento quanto das prprias formas de pensamento do aluno sobre esses objetos ou sobre a realidade, incorre num processo ensino-aprendizagem de mera transmisso que consiste em:

    [...] fazer repetir, recitar, aprender, ensinar o que j est pronto, em vez de fazer agir, operar, criar, construir a partir da realidade vivida por alunos e professores, isto , pela sociedade a prxima, e aos poucos, as distantes. A educao deve ser um processo de construo de conhecimento ao qual ocorrem, em condio de complementaridade, por um lado, alunos e professores, e por outro, os problemas sociais atuais e o conhecimento j construdo. (Becker, 2001: 73)

    Se na Escola for promovida somente uma educao linear e eminentemente preditiva,

    sem prestar ateno s formas de expresso do aluno face ao conhecimento e compreenso da realidade, no sero produzidas situaes de aprendizagem que favoream tanto o agir, o operar, o criar, quanto a compreenso e reflexo dos problemas sociais; e o questionamento do prprio conhecimento escolar produzido.

    Assume destaque, portanto, o desenvolvimento de competncias cognitivas escolares capazes de auxiliar os educandos a pensar objetos, situaes e fenmenos sociais, assim como as formas cientficas de descrio e explicao dos mesmos, em direo a estados cada vez mais complexos de abstrao e construo de conhecimento, num vis crtico.

    Considerando que conceitos (representaes da realidade) esto na base de qualquer atitude de reflexo e pensamento autnomo sobre as questes do mundo do conhecimento escolar (formao acadmico-conceitual) e da realidade social, importante considerar que partimos do uso competente de nossos recursos cognitivos para pensar o mundo do conhecimento escolar e da ralidade de maneira renovada.

    Para Ramos e Pagotti, 2008: 7):

    [...] competncia cognitiva um dos fatores ressaltados no mundo acadmico, e implica memorizar, comparar, associar, classificar, interpretar, hipotetizar, julgar, enfim, compreender os fenmenos; o professor, na medida em que prepara os alunos para o mundo acadmico, deveria estimular essa competncia.

    Ramos e Pagotti (2008) mostram que fundamental na educao o desenvolvimento

    escolar apoiado nas caractersticas do pensamento operatrio. Nesse sentido, de acordo com fundamentos da epistemologia gentica:

    [...] a compreenso das contnuas transformaes do mundo contemporneo exige mobilizao de estruturas lgicas em arranjos e rearranjos constantes. Assim, para viver e atuar ativamente em um mundo em rede, hipertextual, num contexto

    Cincias & Cognio 2009; Vol 14 (1): 265-282 Cincias & Cognio Submetido em 29/10/2008 | Aceito em 24/03/2009 | ISSN 1806-5821 Publicado on line em 31 de maro de 2009

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    compartilhado, o pensamento operatrio fundamental. Apenas um nvel mais elaborado de pensamento possibilita ao indivduo a compreenso da intertextualidade da prpria vida e o torna capaz de, considerando a alteridade, assumir a responsabilidade de tecer a sua rede/histria. (Ramos e Pagotti, 2008: 24)

    Nesse sentido, importante ver e pensar o mundo natural e social e o conhecimento

    escolar contemporneo percebendo sua alteridade e intertextualidade, significando-os a partir da confrontao das lgicas e dos discursos que vm sustentando ou promovendo verses de realidade. Essa significao no prescinde de processos mentais que atuem para ordenar e classificar o mundo do conhecimento escolar e da percepo de realidade que ele contm, porque por eles objetos e fatos sero compreendidos e abstrados. Se estudados de maneira reflexiva e crtica, as formas e expresses de relao sujeito/mundo podero ser pensadas sem superficialidade ou doutrinamento intelectual limitador da inteligncia, da imaginao e da criatividade.

    Portanto, existe uma relao dinmica entre recursos intelectuais para manipular conceitos e explicar fatos, e a noo operatria de competncia cognitiva, cuja ativao por uma educao que concebe o sujeito ativo na construo de conhecimento, primordial para uma educao reflexiva e crtica. Isso porque, segundo Pozo (2005), o conhecimento diz respeito capacidade de manipular representaes, e que o sistema cognitivo humano possui uma forma caracteristicamente humana de representar o mundo sendo capaz tambm de representar as prprias representaes fornecendo aos outros e a si mesmo certa ordem aos eventos do ambiente ou realidade, por meio de descries representacionais dessa realidade, podendo tambm ser (as formas de representao) questionadas e reformuladas se preciso for. Conceituar para compreender

    Categorizar ou Conceituar so formas de representao da realidade. Nesse caso, conceitos so recursos importantes para proporcionar organizao ao mundo. Os conceitos geram modelos mentais ou teorias sobre situaes com que nos deparamos, tendo no apenas uma funo de identificao e descrio, mas tambm de adaptao do indivduo (Pozo, 2002, 2005). Contudo, Piaget adverte que:

    [...] o conhecimento no pode ser concebido como algo predeterminado nem nas estruturas internas do sujeito, porquanto estas resultam de uma construo efetiva e contnua, nem nas caractersticas preexistentes do objeto, uma vez que elas s so conhecidas graas mediao necessria dessas estruturas, e que estas, ao enquadr-las, enriquecem-nas (quando mais no seja para situ-las no conjunto dos possveis). (Piaget, 2002: 1)

    Assim, para a Epistemologia Gentica, o conhecimento diz respeito a uma interao ativa e significativa entre sujeito e objeto de modo que os esquemas de pensamento buscam se apropriar das caractersticas percebidas do objeto que, ao mesmo tempo, somente so conhecidas pelo que podem essas formas de pensamento representar do objeto. Sendo assim, construir conhecimento no simplesmente copiar mentalmente um objeto, mas elaborar internamente as caractersticas do mesmo, pensando-o, descobrindo, conceituando-o, assimilando as formas de pensamento por meio de esquemas mentais que so tambm, por sua vez, passveis de reformulao ou transformao por essa ao mesma de interao e de construo de conhecimento.

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    O conhecimento no uma cpia da realidade. Para conhecer um objeto, para conhecer um acontecimento no simplesmente olhar e fazer uma cpia mental, ou imagem, do mesmo. Para conhecer um objeto necessrio agir sobre ele. Conhecer modificar, transformar o objeto, e compreender o processo dessa transformao e, consequentemente, compreender o modo como o objeto construdo. (Becker, 2008: 72)

    Na perspectiva da epistemolgica gentica, essa transformao do sujeito e do objeto

    na ao de conhecer, tem elementos psicolgicos importantes para o processo de conscientizao do mundo.

    Que significa, porm, conhecimento? Para Piaget, a palavra no tem o significado que o senso comum lhe empresta. Para ele, o termo conhecer tem sentido claro: organizar, estruturar e explicar, porm, a partir do vivido (do experenciado). A est um dos pontos fundamentais da teoria piagetiana. Conhecer no somente explicar; e no somente viver: conhecer algo que se d a partir da vivncia (ou seja, da ao sobre o objeto do conhecimento) para que este objeto seja imerso em um sistema de relaes. No entender de Piaget, vivncia no sinnimo de conhecimento. Uma pessoa pode passar a vida nas montanhas e desconhecer o relevo da Terra, ignorando, pois, o conceito de montanha. (Ramozzi-Chiarottino, 1988: 3)

    Ramozzi-Chiarottino (1988) assinala que, para Piaget, no h conhecimentos sem conceitos, mas que o processo de assimilao implica em relao de conceitos gerando significaes de mundo para o sujeito. Nessa perspectiva coisas e fatos adquirem significao para o ser humano quando inseridos em uma estrutura [...] assim, o conhecimento implica sistemas de significao (Ramozzi-Chiarottino, 1988: 4). No mbito escolar, o processo acima envolver situaes de aprendizagem que favoream assimilao, mas que, preferencialmente, leve a um conseqente desdobramento de recursos cognitivos do estudante de modo a favorecer a melhoria constante do que Becker (2001: 42) chama de performance assimiladora do mundo.

    O sujeito age sobre o objeto, assimilando-o: essa ao assimiladora transforma o objeto. O objeto, ao ser assimilado, resiste aos instrumentos de assimilao de que o sujeito dispe no momento. Por isso, o sujeito reage, refazendo esses instrumentos ou construindo novos instrumentos, mais poderosos, com os quais se torna capaz de assimilar, isto , de transformar objetos cada vez mais complexos. Essas transformaes dos instrumentos de assimilao constituem a ao acomodadora. (Becker, 2001: 70-71)

    Assim, o processo de acomodao tem importncia crucial nas discusses que

    levantamos nesse ensaio em busca de uma viso de Educao Crtica. Na acomodao, o sujeito volta-se para seus prprios esquemas de pensamento para modific-lo conforme o nvel de desequilbrio cognitivo experimentado. Segundo Wadsworth (1997: 165), a desequilibrao ocorre quando uma experincia ou pensamento revela-se inconsistente com aquilo que os esquemas da criana podem apreender no momento. Esse processo promove reestruturaes contnuas dos esquemas cognitivos permitindo uma auto-regulao do sujeito marcada pela tendncia inata de todo indivduo de buscar o equilbrio cognitivo, que a matriz de contnuas reestruturaes de esquemas (Piaget, 2002).

    No sujeito que j opera os objetos num nvel simblico, os instrumentos de assimilao e acomodao esto na ordem da conceituao dos objetos, mas uma

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    conceituao flexvel e modificvel. Por isso, importante que a Educao atue sobre formas de assimilao do sujeito em interao com os objetos, mas que invista mais ainda na ao acomodadora do sujeito sobre os objetos (que o sujeito reveja, reformule ou transforme seus esquemas mentais) de sorte que no somente objetos de conhecimento sejam integrados s formas j consolidadas de pensamento do aluno, mas que tambm as formas de pensamento do indivduo possam sofrer, nelas mesmas, transformaes intelectuais importantes e capazes de constituir novos patamares cognitivos de compreenso da realidade e de apropriao dos objetos fonte de conhecimento.

    Portanto, importa provocar ou estimular mudanas dinmicas de pensamento do indivduo sobre a realidade, de modo a alterar a estrutura cognitiva do indivduo a partir de sua ao sobre os objetos. Nesse caso, situaes de aprendizagem que exijam construo de hipteses e abstrao ganham importncia no processo de aquisio e construo de conhecimento.

    Potencializar nveis cognitivos de desempenho do aluno durante um processo ensino-aprendizagem com as premissas acima, parece-nos um fator fundamental para compreendermos os benefcios da competncia cognitiva na formao escolar associada a uma educao para uma viso crtica da realidade (e do prprio conhecimento escolar construdo). Nesse caso, devem ser promovidas estratgias de aprendizagem que favoream derivaes cognitivas de memorizao para compreenso, e destes para nveis de reflexo e anlise crtica de fatos, tendo como centro as formas de pensamento do aluno como ferramentas mentais de ao do sujeito sobre o mundo.

    Trataremos a seguir dessa derivao cognitiva para depois abordar possibilidades de uma educao crtica com base nessas derivaes, frisando que vemos processos cognitivos como um importante fundamento para uma educao crtica e transformadora. Derivao cognitiva e sua importncia no processo ensino-aprendizagem

    Bigge (1977) aborda nveis fundamentais de recursos cognitivos no processo ensino/aprendizagem: memorizao, compreenso e reflexo. Os objetivos de ensino, as metas de aprendizagem e o modelo de avaliao escolar devero ter correlao com esses nveis de processos cognitivos, para uma formao escolar que explore todo o potencial desses recursos para a aquisio ou construo de conhecimento, e para uma formao crtica sobre a realidade e sobre esse conhecimento construdo.

    De acordo com Bigge (1977), o nvel memorizao, esteve por muito tempo associado ao comportamentalismo que o definiu como capacidade das faculdades mentais para reter contedos ou armazenar informaes, alimentada por uma lgica educacional de que a modificao do comportamento do aluno em situaes de aprendizagem fortalecida pela associao entre um estmulo e uma resposta adequada e devidamente observvel ou medida objetivamente, eram os objetivos da instruo. Essa instruo no se importava muito com questes internas (subjetivas) do aprendiz. O conhecimento, desse modo, visto como resultado de transmisso de forma acabada e pronta de contedo de um sujeito que detm o saber para um sujeito que no detm esse saber, como herana da sociedade para seus indivduos. O tipo de avaliao mais comum que se formou a partir dessas premissas so perguntas objetivas (mltipla escolha, certo ou errado, preenchimento de lacunas, etc) e tambm dissertao com respostas objetivas que possam ser comparadas ao conhecimento previamente definido.

    Esse tipo de educao com base numa transmisso de conhecimentos reforados por situaes especficas de aprendizagem, no condiz com as discusses de formao crtica que defenderemos nesse ensaio. Contudo, toca num importante fator: a memria. Esse recurso de

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    certo modo difamado na educao , ao contrrio do que se pode imaginar, fundamental para a manipulao de conceitos, a dinamizao da estrutura cognitiva frente a novas informaes e, por conseguinte, estratgias significativas de aprendizagem.

    De acordo com a Teoria da Aprendizagem Significativa (Moreira e Masini, 1982; Moreira, 2006), uma aprendizagem mecnica uma aprendizagem de novas informaes com pouca ou nenhuma relao com conceitos existentes na estrutura cognitiva (Moreira e Masini, 1982: 8), enquanto a aprendizagem significativa tem relao com a estrutura cognitiva de modo que informaes novas podem ser assimiladas a conceitos preexistentes, de maneira dinmica, tornando assim o conhecimento significativo para o aluno. Assim sendo, a memria tem importante papel ativador nesses processos. De acordo com a Teoria da Aprendizagem Signficativa, aprendizagens mecnicas tambm ocorrem na vida escolar, mas que a aprendizagem significativa deve ter primazia na Educao, porque a compreenso genuna de um conceito ou proposio implica a posse de significados claros, precisos, diferenciados e transferveis (Moreira e Masini, 1982: 15).

    Percebe-se, portanto, a importncia que o domnio conceitual tem para a noo de compreenso, uma vez que parte-se de conceitos claros, diferenciveis e transferveis existentes na estrutura cognitiva para que, interagindo com novos conceitos ou informaes, constitua-se nova organizao cognitiva e novo patamar de conhecimento conceitual, promovendo compreenso. Desse processo decorre aprendizagem significativa, ou seja, novos assuntos encontram relao com conhecimentos preexistentes no sujeito e que, por isso, tem para ele importncia, significado. O domnio de conceitos transferveis importante tambm na promoo de transferncia de aprendizagem, ao to necessria na formao escolar por compreenso.

    A memria tambm vista de maneira significativa na Epistemologia Gentica, que defende uma estreita relao entre memria, aprendizagem e inteligncia. Becker (2008: 66-67) comenta que para Piaget, a inteligncia no tem memria; ela memria. Como a inteligncia nasce da ao cujos resultados tendem cada vez mais a se conservar em estruturas, o significado encontra-se no cerne da memria; o significado determina ou, at, define a memria. Assim, o uso potencial da memria entorno dos significados que ela contm, e das conexes conceituais preexistentes que ela pode mobilizar na estrutura cognitiva diante de novo conceito ou informao a ser assimilada, crucial para a promoo da compreenso, que um recurso cognitivo diretamente relacionado com domnio conceitual e sua aplicao, sinalizando para um tipo primordial de derivao cognitiva: princpios gerais para explicar situaes diversas. Essa derivao uma das bases do ensino que explora o desenvolvimento do nvel cognitivo compreenso.

    Para Bigge (1977), a compreenso combina dois processos complementares que usam de maneira produtiva idias gerais a fatos que as sustentem: perceber a relao entre particulares e generalizaes; e ver o uso instrumental das coisas.

    Esse autor oferece o seguinte exemplo para explicar compreenso:

    [...] suponhamos que um aluno tenha como passatempo a construo de barcos. Constri modelos de barcos e os opera num lago local. Est empenhado num projeto e necessita saber que parte do barco submergir quando estiver carregando quatro pessoas, cujo peso mdio de 70 quilos. Para este aluno, o princpio da flutuao e os fatos concretos subjacentes ao mesmo sero de vital importncia. (Bigge, 1977: 320-321)

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    O processo ensino-aprendizagem capaz de explorar esse nvel deve ser baseado na percepo de assuntos, princpios, relaes, conceitos, generalizaes, etc. Para Bigge (1977), o ensino ao nvel de compreenso fornece aos alunos um conjunto de regras conceituais que auxiliam na resoluo de problemas.

    A avaliao voltada para esse nvel cognitivo dever verificar o grau de compreenso, reconhecimento e explicao que os alunos podem demonstrar considerando domnio de princpios cientficos explicando certos objetos, situaes ou fenmenos sociais. Esse nvel de processo concebe a aprendizagem como capacidade para explicar fatos comparados a princpios gerais. O objetivo da avaliao nesse sentido ser verificar se o aluno explica um objeto ou evento com clareza terica e domnio de princpios gerais (Bigge, 1977).

    Contudo, Bigge (1977) adverte que se o ensino para promover compreenso ficar restrito ao domnio de conceitos como um fim em si mesmo, correr o risco de ser autoritrio e pouco crtico colocando o aluno como um agente passivo e o professor como um agente ativo. O professor explica, o aluno ouve; o professor estimula, o aluno responde (Bigge, 1977: 323). Isso pode trazer alguns resultados de aprendizagem, mas no explora o potencial da compreenso naquilo que lhe mais importante: a qualidade da experincia ativa do sujeito para desenvolver ao mximo seu potencial intelectual.

    Essa participao ativa das formas de compreenso do aluno sobre determinado princpio ou generalizao para explicar fatos, permite outro tipo de derivao cognitiva: resoluo de problemas. Se o ensino por compreenso for bem sucedido, o aluno ter princpios gerais para utilizar nas mais diversas situaes-problema. A diversificao de situaes-problema provoca exigncias cognitivas ao estudante que precisa, ento, utilizar-se da compreenso, mas em termos de exame crtico de uma idia ou tpico de conhecimento luz de uma situao enigmtica ou pouco convencional, de modo que, se preciso for, busque outras novas idias ou tpicos para enfrentar uma situao-problema e encontrar solues mais adequadas e mesmo inovadoras.

    Esse esquema processual aproxima-se da noo de assimilao e de acomodao sustentado pela Epistemologia Gentica, e que nos parece condio para uma elaborao mais complexa tanto das questes desafiadoras que as situaes-problema apresentam quanto da prpria forma de pensamento do aluno sobre as variveis dessas situaes-problema. Isso exige uma estrutura cognitiva flexvel e passvel de reformulao de seus prprios esquemas mentais, caso os objetos e fatos estudados solicitem essa reformulao. Um processo ensino-aprendizagem nesses termos pode promover a derivao acima mencionada e favorecer outro nvel cognitivo: a reflexo.

    O pensamento reflexivo um nvel cognitivo mais elaborado que a compreenso, mesmo que dela se sirva como fonte de princpios gerais utilizveis em situaes-problema, com o diferencial de que esses princpios podero ser, tambm, alvo de anlise e reviso se apresentaram-se como convencionais demais para resolver um problema no convencional.

    Segundo Bigge (1977), um processo de ensino em nvel de reflexo,

    [...] exige por parte do aluno uma participao mais ativa, uma atitude mais crtica em relao ao pensamento convencional, mais imaginao e criatividade [...] O ensino em nvel de reflexo faz com que a atmosfera da classe seja mais viva e excitante, mais crtica e penetrante e mais aberta a idias novas ou originais. Alm disso, o tipo de investigao levada a cabo por uma classe atuando neste nvel tende a ser mais rigoroso e gerar mais trabalho que uma classe atuando no nvel de compreenso.

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    De acordo com Bigge (1977), o ensino ao nvel da reflexo se d com o levantamento e a soluo de problemas significativos para os alunos:

    O que distingue do ensino e aprendizagem no-reflexivos a presena de problemas genunos que os alunos sentem necessidade de resolver. Ao estudar um determinado assunto, origina-se uma questo concreta para a qual os alunos no tm resposta, ou pelo menos no tem uma resposta adequada. Atravs do estudo, os alunos e o professor, trabalhando cooperativamente, desenvolvem o que para eles uma soluo nova ou mais adequada (Bigge, 1977: 324)

    Em termos piagetianos, importa desequilibrar a estrutura cognitiva do aluno

    desafiando suas formas usuais de pensamento sobre determinado fato ou objeto. Nesse desequilbrio cognitivo instrumentos mentais de acomodao sero mais exigidos, levando os indivduos a buscarem novas formas conceituais ou esquemas para pensar os objetos e suas prprias aes sobre os objetos (Becker, 2001).

    Os tipos de questes utilizadas em avaliaes para o nvel reflexo so: dissertaes centradas em problemas reais ou hipotticos. Professores e alunos so responsveis pelo mtodo de avaliao, porque os critrios de avaliao podem ser definidos em comum acordo. Alm disso, avaliaes baseadas em questes dissertativas centradas em problemas reais ou hipotticos podem admitir mais de uma resposta certa, porque no existiria uma expectativa nica, antecipada, de soluo, mas a preocupao com o processo de reflexo sobre determinado problema, sendo a imaginao e a criatividade os recursos mais esperados (Bigge, 1977).

    Em todos esses nveis ou recursos cognitivos, um fator importante a presena de fatos ou problemas a serem examinados. Trazer para a sala de aula fatos ilustrativos para serem vistos pelos alunos como problemas reais, desafiadores, no convencionais, um componente vital de um processo ensino-aprendizagem que busque desenvolver compreenso e reflexo.

    Para isso, os fatos devem ser examinados a partir de princpios gerais, porm criticamente pensados, para evitar o risco de um processo educacional sem o potencial das derivaes cognitivas que acima apontamos.

    Em concluso, deveramos nos lembrar que, independentemente do nvel de aprendizagem adotado, os alunos necessitam de fatos para compreender qualquer coisa. Alm disso, necessitam de fatos e compreenses a fim de aprender ao nvel de reflexo. Entretanto, os professores no precisam temer que seus alunos aprendam um nmero insuficiente de dados se o ensino estiver se processando ao nvel de compreenso e reflexo. Quando os alunos so ensinados e testados em nvel de reflexo, adquirem muitos fatos, e tambm compreenso; da mesma maneira, quando ensinados e testados ao nvel de compreenso, adquirem muita informao relacionada a fatos. Contudo, este processo no opera no sentido inverso: o ensino de fatos pouco contribui para desenvolver a compreenso; e o ensino ao nvel da compreenso, sem reflexo, contribui muito pouco para o desenvolvimento de hbitos de reflexo do aluno. (Bigge, 1977: 361)

    Entendemos que na base de uma educao para compreenso e reflexo, esto os componentes mentais prprios da competncia cognitiva que Ramos e Pagotti (2008) citam como: memorizar, comparar, associar, classificar, interpretar, hipotetizar, julgar. Esses componentes auxiliam enormemente no ato de compreenso, mas tambm continuam seus

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    efeitos no ato de reflexo, uma vez que vemos o pensamento reflexivo apesar dele no ser similar ao pensamento por compreenso como advoga Bigge (1977) como um desdobramento dos resultados do domnio de conceitos. Essas questes so importantes, seno fundamentais, para uma educao crtica. Derivao cognitiva e possibilidades educacionais Vimos que o nvel reflexivo vem como desdobramento de domnio conceitual claro, diferencivel e transfervel como base para a compreenso de fatos e situaes-problemas utilizando-se efetivamente princpios explicativos gerais, porm de maneira crtica com relao aos pensamentos convencionalmente utilizados em situaes-problema mais desafiadores cognitivamente. A diferena que no uso do potencial reflexivo, at mesmo os princpios gerais compreendidos pelo aluno, podem ser reformulados em funo dos desafios no convencionais de problemas pouco usuais a serem resolvidos. Se a reflexo tem essa dimenso de reviso e criao, em suas formas de raciocnio sobre as variveis de um problema ou fato a ser pensado, a atitude crtica decorrer tambm desse atributo mental caracterstico da atividade reflexiva. importante, portanto, que no processo ensino-aprendizagem essa relao entre uso ativo de conceitos preexistentes na estrutura cognitiva, compreenso, reflexo e crtica, seja amparada por desafios cognitivos que solicitem manipulao das prprias representaes de realidade e dos princpios gerais que explicam fatos. No entanto, um desafio cognitivo que no ignore o domnio de conceitos como incio de todo processo. Nesse caso, necessrio considerar no processo-ensino aprendizagem que so das condies de clareza conceitual, da capacidade dos conceitos serem diferenciados e de ser possvel a transferncia desses conceitos diferenciados para outras situaes, que a compreenso e a reflexo tero sua efetividade prtica na vida escolar e na construo de conhecimento. Isso implica em criar ambientes escolares de aprendizagem favorecendo o debate, a educao dialgica, a produo de sentido sobre o conhecimento escolar, a transferncia de aprendizagem, a imaginao e a criao de hipteses variadas sobre o mundo e sobre o prprio conhecimento escolar. preciso dar espao para uma construo crtica de conhecimento escolar e de realidade social. Vasco Pedro Moretto comenta que:

    [...] a realidade construda socialmente e a realidade subjetiva tm um carter dinmico muito importante que devemos enfatizar. Como os conhecimentos so construdos, institucionalizados e legitimados socialmente para dar sentido s experincias vividas por indivduos de certa sociedade, pode-se imaginar que novas experincias permitiro a construo de novos conhecimentos, os quais sero institudos e legitimados pelas novas geraes. , assim, a dinmica do processo de produo da realidade social. Um indivduo ou um grupo de indivduos de uma certa sociedade podem no aceitar a realidade como foi construda, institucionalizada e legitimada. Podem, ento, construir uma nova realidade e tentar institucionaliz-la e legitim-la. isso que acontece em todas as revolues. De tempos em tempos aparecem nas sociedades os revolucionrios, isto , pessoas (ou grupos) inconformadas com o que julgam realidades construdas e impostas aos membros de uma sociedade e que beneficiam apenas a alguns privilegiados. Mudar essa realidade e construir outra sempre foi o grande objetivo de todos os revolucionrios, tanto no campo da cincia como no campo social. Foi assim que, no sculo XVI, a astronomia deu um exemplo desse movimento

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    de construo social de novas realidades, com a mudana da viso geocntrica para viso heliocntrica. (Moretto, 2003: 20-21)

    De nossa parte, dizemos que pequenas revolues nas formas usuais de pensamento dos alunos em sala de aula no modo de abordar problemas ou fatos j uma educao crtica e transformadora. Se contribuirmos com o prximo, j ajudamos a construir elos significativos e renovados daquele sujeito com o mundo. Essa ao tem seu valor educacional, porque , para professor e aluno, um movimento crtico interativo dentro do processo ensino-aprendizagem e no cotidiano daquela sala de aula.

    Competncia cognitiva est no fundamento dessa educao reflexiva e, por derivao, tambm crtica, e nesse caso, ganham importncia as estratgias de aprendizagem e uma concepo de aprendizagem condizente com a promoo do uso ativo e significativo da memria, da explorao da compreenso, do uso livre da reflexo e das possibilidades de renovao com a atividade crtica sobre o conhecimento escolar e as formas institucionalizadas de explicao da realidade social.

    Bransford e colaboradores (2007) comentam que o processo ensino-aprendizagem deve ser centrado nas capacidades de entendimento, de compreenso e de transferncia de aprendizagem, colocando o aprendiz como sujeito ativo no processo de ensino e os conhecimentos preexistentes no aluno como fomentador do processo de aprendizagem. Esses autores colocam que:

    [...] muitos dados comprovam que a aprendizagem melhora quando os professores do ateno ao conhecimento e s crenas trazidas pelos alunos para a sala de aula, quando utilizam esse conhecimento como ponto de partida para a nova instruo e quando monitoram as mudanas de concepo dos alunos medida que a instruo evolui. (Bransford et al., 2007: 29)

    Bransford e colaboradores (2007) frisam que a transferncia de aprendizagem um fator importante para uma aprendizagem criadora e imaginativa, afirmando que essa capacidade de transferir conhecimentos de uma situao para outra implica no nvel ou grau de domnio do assunto original, explicando que sem um nvel adequado de aprendizagem inicial, no podemos esperar a transferncia. Esse ponto parece evidente, mas muitas vezes negligenciado (Bransford et al., 2007: 80). Bransford e colaboradores (2007) assinalam que importante entender tambm que a capacidade de transferncia depende do grau em que as pessoas aprendem com compreenso, em vez de meramente memorizar uma srie de fatos ou seguir um conjunto fixo de procedimentos (Bransford et al., 2007: 82). Em termos de processo de ensino, aprender com compreenso para gerar transferncia de aprendizagem leva tempo, porque um processo pedagogicamente denso que requer cuidados no tratamento dos assuntos e dos fatos (investigao) e para que sejam estabelecidas conexes produtivas entre informaes e dados transferveis de uma situao para outra. Entendemos que transferncia de aprendizagem um exerccio fundamental para fortalecer nveis de compreenso e ampliar domnio conceitual, mas que desse nvel seja promovida uma derivao para a reflexo, de modo a possibilitar anlise ou exame do conhecimento que propiciou a transferncia de aprendizagem, ao ponto de ser exercitada a atitude crtica. O exemplo que Bransford e colaboradores (2007) apresentam do emprego de casos contrastantes pode ser um auxlio pedaggico para a derivao acima solicitada.

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    O entendimento de quando, onde e por que usar o novo conhecimento pode ser ampliado por meio do emprego de casos contrastantes, um conceito derivado do campo da aprendizagem perceptiva. Bem organizados, os contrastes podem ajudar as pessoas a perceberem aspectos que antes haviam escapado sua ateno e a aprenderem quais deles so relevantes ou irrelevantes para determinado conceito. Os benefcios desses casos contrastantes aplicam-se no apenas aprendizagem perceptiva, mas tambm aprendizagem conceitual. (Bransford et al., 2007: 86)

    A transferncia de aprendizagem associada a casos contrastantes pode ser um poderoso recurso pedaggico para ampliar a viso de conhecimento utilizado para transferir aprendizagem e para derivar essa viso para reflexo e anlise crtica. Nesse sentido, o que a Escola pode fazer :

    [...] formar os futuros cidados para que sejam aprendizes mais flexveis, eficazes e autnomos, dotando-lhes de estratgias de aprendizagem [...] e estilos motivacionais adequados [...] Enfim, fomentando nesses alunos o desenvolvimento de capacidades transferveis que, alm da aquisio de conhecimentos especficos concretos, mudem sua forma de confrontar-se com as tarefas e com os desafios que os esperam. (Coll et al., 2003: 47)

    Para tanto, preciso um ambiente em sala de aula que favorea uma aprendizagem dialgica. Flecha e Tortajada (2000) chamam ateno para o fato de pessoas que se sentem limitadas em sua bagagem acadmica tendem a gerar uma autopercepo negativa de partida que as mantm em uma situao de infravalorizao e de impossibilidade de agir, como sujeitos pensantes e atuantes, nos diversos mbitos da dinmica social (Flecha e Tortajada, 2000: 31) e que para modificar essa situao esses autores recomendam uma formao terica slida do professor e uma clima de aprendizagem em sala de aula com base em dilogo igualitrio (sem relao autoritria entre o professor e o que necessrio aprender), inteligncia cultural (engloba inteligncia acadmica e prtica e as demais capacidades de linguagem e ao dos seres humanos para a produo de acordos em diferentes mbitos sociais), transformao (educao e aprendizagem dirigidos para a mudana, para a transformao, e no para a adaptao), dimenso instrumental (que no se contrape dialgica, inclui a parte instrumental intensificada e aprofundada pela crtica), criao de sentido (reao contra lgicas utilitaristas de aprendizagem e realce de aprendizagem que faa sentido para a vida das pessoas), solidariedade (democratizao do contexto social e luta contra a excluso), igualdade de diferenas (reagir contra uma cultura da diferena que mais adapta e exclui do que transforma). necessrio, portanto, reconhecer que buscar qualidade no processo educacional abarcando o desenvolvimento potencial de recursos cognitivos do aluno, implica tambm anlise crtica no s do conhecimento que est sendo construdo nas escolas, mas tambm da prpria escola e das manipulaes sociais e doutrinrias do conhecimento legitimado e institucionalizado.

    A formao escolar do indivduo para a complexidade do contexto social atual que no somente da ordem do conhecimento tcnico, mas tambm de relaes humanas implica no desenvolvimento de competncias cognitivas com o fim de se alcanar pensamento crtico sobre as questes e demandas educacionais do mundo contemporneo.

    As exigncias de qualificao para o trabalho aumentaram sensivelmente assim como a necessidade de que as organizaes e os trabalhadores mudem para atender s presses

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    competitivas do ambiente de trabalho. A participao consciente no processo democrtico tambm se tornou cada vez mais complexa, medida que o foco da ateno se deslocou do interesse local para o nacional e o global [...] Mais do que nunca, a magnitude do conhecimento impede que ele seja totalmente coberto pela educao; ajudar os estudantes a desenvolver as ferramentas intelectuais e as estratgias de aprendizagem necessrias para a aquisio de conhecimento, permitindo que possam pensar produtivamente sobre a histria, a cincia e a tecnologia, os fenmenos sociais, a matemtica e as artes, uma concepo melhor dos objetivos da educao. O entendimento bsico dos temas, inclusive sobre como estruturar e formular questes significativas acerca de diversos tpicos contribui para que o indivduo tenha uma compreenso mais fundamental a respeito dos princpios de aprendizagem que podem ajud-lo a se tornar um aprendiz vitalcio e independente. (Bransford et al., 2007: 21)

    No entanto, Rodrigues (1998) comenta que, em sua totalidade, a informao e a

    produo de conhecimento no so democraticamente distribudas, socializados ou promovidas na sociedade. preciso, portanto, construo, no ambiente escolar, de criticidade que permita viso e reviso do conhecimento institucionalizado e da percepo da realidade social, permitindo acesso democrtico ao conhecimento e a cultura produzidas na sociedade. Educao crtica A verso de Educao Crtica que adotamos nesse ensaio tem como base a compreenso de que preciso conhecer os objetos para critic-los. Esses objetos podem ser tanto a realidade social como explicada, quanto o prprio conhecimento escolar utilizado para explicar o mundo.

    Neidson Rodrigues (1998) comenta que:

    [...] discurso bastante universal dizer que a escola precisa preparar o cidado crtico. O cidado crtico no apenas aquele que capaz de fazer a crtica da conscincia. Ele tem que dominar, necessariamente, o conhecimento daquilo que vai criticar. O cidado algum capaz de distinguir as coisas na sociedade o verbo grego kritein, de onde vem a palavra CRTICA, significa julgar, distinguir, analisar, separar. Ao fazer a crtica, tenho de ser capaz de fazer distino, julgamento, separao das coisas. S posso fazer isso se dominar o conhecimento sobre essas coisas, sobre a realidade da qual vou fazer a crtica. (Rodrigues, 1998: 69-70)

    Fazer a crtica da conscincia realizando a crtica dos objetos implica em

    desenvolvimento de competncias cognitivas na escola, porm de maneira ativa, criativa, imaginativa e renovada. Analisamos essa questo em termos da promoo intencional, planejada pedagogicamente, das derivaes cognitivas que apontamos nesse trabalho, porm respeitando a capacidade de reflexo e crtica do aluno.

    No entanto, Ramos e Pagotti (2008), mencionando pesquisa, atestam que as escolas no esto favorecendo a reflexo na formao do aluno. Ramos e Pagotti (2008: 12) comentam que a capacidade de refletir parece no ser considerada em todos os nveis de ensino, fato extremamente preocupante, pois o sujeito, no sendo instigado a refletir logicamente, tem tambm limitada a sua capacidade de crtica e de autonomia.

    Como mencionamos, na perspectiva da Epistemologia Gentica, construir conhecimento diz respeito a ao do sujeito sobre o objeto, e nessa ao abstrair e refletir as representaes de mundo. Nesse sentido, sem o desenvolvimento de competncias cognitivas

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    que sirvam de base para o pensamento reflexivo, a construo de criticidade fica prejudicada. O que importa , por abstrao e reflexo, tomar conscincia do significado da ao sobre o mundo. Como explica Becker (2001: 57), podem existir pessoas que durante 20 anos vem televiso diariamente e no so capazes, por isso, de traar um perfil crtico deste meio. A educao deve promover essa tomada de conscincia de ao, de sua prpria conscincia sobre o mundo. Deve promover compreenso que permita reflexo e postura crtica, para que o conhecimento esteja a servio da transformao tanto dos sujeitos quanto do mundo.

    Isso justifica a promoo de uma educao escolar que viabilize competncia cognitiva para o indivduo agir sobre seu contexto e a complexidade que esse contato evoca, com situaes de aprendizagem afinadas com uma concepo de sujeito ativo que permita abarcar esse objetivo de formao escolar e humana. Por isso, a Escola no deve promover uma educao para o desenvolvimento de competncias cognitivas para fins de adaptao social meramente, mas tambm faz-lo para desenvolver essas competncias como suporte intelectual para que o aluno compreenda seu mundo e seu lugar nele, de modo que desenvolva saberes que o auxiliem a fazer parte ativa da histria de seu contexto social.

    Charlot (2006: 18) comenta que a escola tem um papel amplo e importante nos dias atuais, que promover a aquisio de saberes, desenvolver a imaginao, construir referncias para entender o que a vida, o que o mundo e o que a convivncia com os outros.

    A nosso ver frisamos que, na complexidade tecnolgica e existencial da sociedade atual (em suas formas de controle e difuso da informao) corre-se o risco de se requerer compreenso sem necessidade ou urgncia por reflexo; mais domnio de conceitos cientficos para fins instrumentais numa perspectiva tecnicista do que reflexiva; mais adaptao do que transformao. Saberes para a vida, para a convivncia, so aspectos fenomenolgicos que precisam ser combinados com competncias cognitivas e com estratgias de aprendizagem que favoream a formao do sujeito autnomo diante das formas de conhecimento que lhe so exigidas na atualidade, mas, com uma atitude reflexiva e crtica inclusive sobre esse prprio conhecimento produzido.

    Nesse mesmo campo de discusso, Moretto (2003) faz a seguinte crtica:

    [...] preciso lembrar que o modelo planetrio do tomo foi abandonado em funo dos novos modelos propostos pela fsica moderna. No entanto, o sistema escolar ainda continua a apresentar aos estudantes esse modelo ultrapassado, como se fosse a realidade da estrutura da matria. Aqueles que no aceitam esse modelo objetivado e legitimado pela sociedade so reprovados por ela. Todo sujeito deve estudar e aprender o que lhes foi ensinado e da forma como foi. As realidades individuais devem coincidir com as realidades sociais, assim o exigem as estruturas sociais dominantes. A quem disser o contrrio, chamamos de desajustado. (Moretto, 2003: 23)

    Assim sendo, os saberes para uma participao ativa e crtica na sociedade no devem

    estar limitados ou fechados por esquemas de doutrinamento do sujeito, que autorizam um tipo de informao ou conhecimento e desautoriza ou suprime outros. Essa barreira, esse limite do saber, precisa ser rompido pelas prticas educativas na escola, para que uma educao democrtica e cidad seja realmente promovida.

    Atualmente, impossvel democratizar um saber fechado e esotrico por natureza. Mas, a partir da, no seria possvel conceber uma reforma do pensamento que permita enfrentar o extraordinrio desafio que nos encerra na seguinte alternativa: ou sofrer o bombardeamento de incontveis informaes que chovem sobre ns, quotidianamente,

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    pelos jornais, rdios, televises; ou, ento, entregarmo-nos a doutrinas que s retm das informaes o que as confirma ou o que lhes inteligvel, e refugam como erro ou iluso tudo o que as desmente ou lhes incompreensvel. um problema que se coloca no somente ao conhecimento do mundo no dia-a-dia, mas tambm ao conhecimento de tudo o que humano e ao prprio conhecimento cientfico. (Morin, 2007: 20)

    Relacionando com os processos cognitivos que discutimos nesse trabalho, o desafio

    para uma educao crtica fazer com que fatos sociais ou cientficos sejam passveis de anlise reflexiva e crtica por parte do aluno; que sejam fatos pensados por uma educao transformadora. Para tanto, preciso buscar alternativas educacionais que promovam, como aponta Morin (2007), um interdisciplinar identidade significativa do sujeito com seu mundo, pelo conhecimento renovador e transformador. Nesse caso, a reforma do ensino deve levar reforma do pensamento, e a reforma do pensamento deve levar reforma do ensino (Morin, 2007: 20). Essa uma questo que perpassa tanto as formas de conhecimento no mundo contemporneo quanto as formas de produo escolar desse conhecimento que, em ltima anlise, leva discusso da prpria instituio escolar e seu papel formador. Consideraes finais

    Um dos problemas da educao contempornea desenvolver no aluno o pensamento reflexivo. Para tanto, a derivao da memorizao para a compreenso e, por fim, para um estado mais elaborado de pensamento por reflexo, uma crucial questo pedaggica a ser mais debatida. Isso requer refletir criticamente sobre o modo como o mundo vem sendo significado pela instituio escolar, pelos professores e pelos estudantes.

    Nesse sentido, preciso uma escola que promova, como diz Charlot (2006), referncias para o entendimento do mundo, da vida. Mais do que capacidade para explicar fatos ou fenmenos a partir de princpios gerais ou conceitos fundamentais (compreenso), preciso pensar problemas difceis que desafiem as formas convencionais de compreenso da realidade, permitindo, pelo debate inquietante, no convencional e gerador de hiptese criadora, o pensamento reflexivo. Contudo, um pensamento reflexivo que fornea elementos para o estabelecimento da crtica e da viso renovada do modo de significar o mundo, a realidade social e o prprio conhecimento escolar.

    Para tanto, um fator educacional importante estabelecer discusso de problemas no como ilustrao de uma teoria encaixada num livro texto, mas, partir de problemas relevantes para o aluno, e que o permita ver e analisar a realidade atual de maneira intertextualizada, complexa. Um processo educacional crtico que possibilite fazer com que o aluno progrida em suas competncias cognitivas para alm do doutrinamento do livro didtico quando este no deixa margem para uma reviso do prprio saber que ele contm (ou quando o professor autoriza com uma prtica docente acrtica que o livro didtico venha a ter essa funo no processo ensino-aprendizagem).

    Como apontam Ramos e Pagotti (2008), preciso uma escola que eduque agindo sobre as caractersticas do pensamento operatrio, de modo que capacidade de interpretao de texto, de abstrao, de qualidade de leitura e escrita e de domnio e uso eficiente de conceitos, sejam recursos cognitivos comumente desenvolvidos pela Educao Bsica. Esse tipo de educao a verdadeira base para a Educao Superior.

    Entendemos que desde a Educao Infantil, como apontam Antunes (2006) e Kramer e colaboradores (2006), deve ser promovido desenvolvimento de recursos cognitivos associados com apropriao da cultura e da expresso da criana sobre seu mundo, constituindo bases intelectuais e de expressividade para um ensino fundamental e mdio mais reflexivo e crtico.

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    Nesse caso, importante uma educao ativa concebida para sujeitos ativos na construo de conhecimentos e na apropriao de sua cultura. Recursos cognitivos como memorizar, comparar, associar, classificar, interpretar, hipotetizar, julgar, etc, combinados com os nveis cognitivos compreenso e reflexo (e suas derivaes), permitem visualizar estratgias de aprendizagem que possibilitem essa educao ativa e crtica.

    Sabemos que a dimenso cognitiva no atua sozinha na formao escolar, e muito menos na construo da criticidade. Interesse, valores, princpios morais, atitudes, etc, permeiam todo processo de construo de conhecimento. Como mostra a Epistemologia Gentica, porque me interesso ativo minhas condies cognitivas para conhecer. Assim sendo, a dimenso afetiva tambm deve ser considerada como impulsionadora de uma vontade de conhecer e compreender melhor o mundo vivenciado.

    Como base institucional desse processo, preciso reconhecer que uma educao crtica comea numa escola crtica que assume, inicialmente, a si prpria como objeto de reflexo para a mudana, e para se perceber como agncia transformadora e no simplesmente adaptadora na sociedade atual. Uma escola dialgica em suas formas de ensinar e de discutir e pensar o mundo, de modo que o conhecimento produzido no contexto escolar favorea o pensamento livre, criador, renovador, e no o contrrio.

    Para isso, preciso tambm uma formao docente que inclua o domnio terico de processos cognitivos (suas caractersticas e possibilidades) para o exerccio da docncia, uma instituio escolar que socialize democraticamente o conhecimento e um currculo aberto a temas transversais que integrem saberes diversos sobre problemas inquietantes do contexto atual.

    Para sustentar a qualidade desse processo educacional, necessrio considerarmos com ateno com que conceito de mundo, sujeito, conhecimento, escola e sociedade a Educao atual tem promovido estratgias de aprendizagem; e com que doutrinao social o conhecimento tem sido produzido nas escolas.

    O desenvolvimento de competncias cognitivas (memorizar, comparar, associar, classificar, interpretar, hipotetizar, julgar) um fator fundamental na construo de uma educao crtica, porque necessrio conhecer o objeto a ser criticado. Nesse processo educacional, igualmente importante uma concepo de construo de conhecimento que inclua transformao tanto do objeto em estudo quanto das formas de se pensar esse objeto, o que exige uma concepo de aluno como sujeito ativo num mundo atual de alteridade e intertextualidade a ser desfiado em suas tramas. Referncias bibliogrficas Antunes, C. (2006). Educao infantil: necessidade imprescindvel. Petrpolis, RJ: Vozes. Becker, F. (2001). Educao e construo do conhecimento. Porto Alegre: Artes Mdicas. Becker, F. (2008). Aprendizagem: concepes contraditrias. Schme - Revista Eletrnica de Psicologia e Epistemologia Genticas, UNESP/Marlia, 1 (1), 53-73. Retirado em 02/09/2008, de world wide web: http://www.marilia.unesp.br/Home/RevistasEletronicas/ Scheme/Vol01Num01-Artigo02.pdf. Bigge, M.L. (1977). Teorias da aprendizagem para professores (Pontes Neto, J.A.S. e Rolfini, M.A., Trad.). So Paulo: EPU/EDUSP. Blainey, G. (2008). Uma breve histria do mundo. So Paulo: Fundamento Educacional. Bransford, J.D.; Brown. A.L.; e Cocking, R.R. (orgs). (2007). Como as pessoas aprendem: crebro, mente, experincia e escola (Szlak, C D., Trad.). So Paulo: Editora Senac.

    Cincias & Cognio 2009; Vol 14 (1): 265-282 Cincias & Cognio Submetido em 29/10/2008 | Aceito em 24/03/2009 | ISSN 1806-5821 Publicado on line em 31 de maro de 2009

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    - R. O. Nascimento Psiclogo (pontifcia universidade Catlica Minas Gerais) e Mestre em Educao (Universidade Federal de Minas Gerais). Atua como Professor Assistente no Instituto de Psicologia (UFU), com nfase em Psicologia do Ensino. E-mail para correspondncia: [email protected].

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