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PRÁTICA PEDAGÓGICA NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: A

CONSTRUÇÃO DO CURRÍCULO NO PROEJA FIC.

Neyla Reis dos Santos Silva

IF Baiano Campus Catu/ MPEJA-Uneb

Resumo: Este trabalho é resultado das ações de coordenação do curso Proeja FIC

Serviço de Restaurante e Bar do IF Baiano Campus Catu em parceria com a Secretaria

de Educação do Município de Catu – BA e faz parte das atividades de pesquisa e

monitoramento da referida rede. Relata o processo de opções curriculares realizada na

construção deste curso. Durante a construção do currículo do curso, a equipe

pedagógica optou pela organização em três bases, a saber: Base Nacional Comum, a

Base Diversificada e a Base Profissional. Fruto destas opções, foi realizada uma

experiência no projeto “Quem eu sou”, na tentativa da construção de um currículo mais

significativo e dinâmico nos cursos de EJA, buscando a interdisciplinaridade, a

significação da aprendizagem e a construção da identidade dos sujeitos envolvidos. A

composição curricular deste curso reflete uma preocupação em uma formação que não

se limite apenas a especialização para o trabalho, mas uma formação de caráter

humanista, que vislumbre o desenvolvimento integral dos alunos que o frequentam. Esta

abordagem do conhecimento exigiu dos docentes envolvidos um desprendimento com

relação ao saber consagrado a ser ensinado na escola, portanto, um novo olhar sobre as

práticas pedagógicas e sobre o currículo, permitindo uma opção por uma formação

humanizante e multicultural. Compreendemos que o currículo abarca um conjunto de

intenções pedagógicas que se referendam e tomam corpo nas práticas pedagógicas. A

experiência interdisciplinar do projeto “Quem eu sou” resultou no maior

comprometimento dos sujeitos com o ambiente escolar, evocando um sentimento de

pertença, tão caro aos discentes de EJA ao (re)ingressarem na escola.

Palavras-chave: Currículo, Prática Pedagógicas, Educação de Jovens e Adultos.

INTRODUÇÃO

Este trabalho é resultado de reflexão a partir das ações de coordenação do Proeja

FIC do IF Baiano Campus Catu em parceria com a Secretaria de Educação do

Município de Catu – BA (SMEC Catu) e faz parte das atividades de pesquisa e

monitoramento do programa, no curso Proeja FIC em Serviços de Restaurante e Bar.

A oferta no referido curso se tornou possível, a partir do Decreto nº 5.840, de 13

de julho de 2006, que instituiu o Programa Nacional de Educação Profissional Integrada

a Educação Básica na modalidade de Educação de Jovens e Adultos (Proeja),

favorecendo a formação inicial e continuada a trabalhadores, jovens e adultos, que

Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade

EdUECE - Livro 303647

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desejam exercer uma profissão, com a elevação do nível de escolaridade (neste caso,

Proeja FIC). Surgiu assim, a vinculação com a Escola Municipal Profº Jecelino

Nogueira que se encontra no mesmo bairro que o IF Baiano Campus Catu. A realização

deste curso é uma resposta ao Ofício nº 54/2010, que convidou os institutos federais a

realizar parcerias no sentido de atender a demanda de certificação profissional e

formação inicial e continuada a comunidade na qual os institutos estão inseridos. No

projeto produzido e demais documentos utilizados estão presentes as experiências das

duas redes, desde a concepção de ensino até seus sistemas de avaliação.

Na reflexão sobre a experiência deste curso, é mister entender a concepção de

currículo subjacente as práticas pedagógicas. Desta forma, concordamos com Macedo

(2012) no sentido de compreender o currículo como uma tradição pedagógica inventada,

que se configura nas ações de conceber, selecionar, produzir, organizar, institucionalizar,

implementar, dinamizar conhecimentos e atividades, visando uma dada formação.

Assim, a construção de um currículo para formar jovens e adultos reflete uma

concepção de sociedade e de mundo, bem como uma relação de poder.

Essa perspectiva sobre o saber institucionalmente organizado nos direciona a

uma prática pedagógica também carregada de intencionalidades, de sentidos e de atos

de poder, a qual buscaremos desvelar.

CURRÍCULO E PRÁTICA: ONDE A APRENDIZAGEM ACONTECE

O curso Proeja FIC Serviços de Restaurante e Bar tem sua proposta pedagógica

pautada nos princípios do currículo crítico, inovador e que favoreça o desenvolvimento

da pessoa humana.

Diante dessa realidade, este trabalho relata uma experiência na tentativa da

construção de um currículo mais significativo e dinâmico nos cursos de EJA, buscando

a interdisciplinaridade, a significação da aprendizagem e a construção da identidade dos

sujeitos envolvidos. De fato, essa compreensão se fortalece, na medida em que “a

educação, em todas as suas dimensões, torna ainda mais patente a necessidade da

postura interdisciplinar, tanto como objeto de conhecimento e de pesquisa quanto como

espaço e mediação de intervenção sociocultural” (SEVERINO, 1998), o que nos impõe

refletir sobre o importante espaço da escola na constituição do sujeito e a necessidade de

uma prática integradora e interdisciplinar.

Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade

EdUECE - Livro 303648

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Durante a construção do currículo do curso, a equipe pedagógica optou pela

organização em três bases, a saber: Base Nacional Comum, que envolve os

componentes curriculares de oferta obrigatória no Ensino Fundamental; Base

Diversificada, organizada em componentes curriculares com temáticas escolhidas pelo

grupo (Segurança do Trabalho, Relações Interpessoais e Seminários Interdisciplinares)

e; Base Profissional, que engloba os componentes curriculares da formação profissional.

Os componentes curriculares da Base Diversificada, não tiveram a priori uma

ementa definitiva. Suas primeiras atividades primaram por rodas de conversa em que

docentes e alunos conheceram-se, trocavam saberes e relatavam suas experiências com

a escola. Destas aulas, cresceu no 1º semestre do curso a necessidade de trabalhar a

autoestima. Isso porque esses alunos não diferem do perfil traçado na EJA em nosso

país. Em sua maioria, são sujeitos com experiências entrecortadas com o ambiente

escolar, em sua maioria empobrecidos e em busca da escolarização para melhorar suas

condições de vida (OLIVEIRA, 1999).

Destes primeiros contatos, desenvolveu-se um projeto denominado “ Quem eu

sou”, organizado pelos componentes curriculares Relações Interpessoais e Seminários

Interdisciplinares, que envolveu todos os demais. Esta sequência consistiu na realização

de entrevistas, construções textuais, narrações, gravações em vídeos e exercícios

coletivos que tiveram como objetivo compreender o lugar de pertença do sujeito no

mundo.

Esta abordagem do conhecimento exigiu dos docentes um desprendimento com

relação ao saber consagrado a ser ensinado na escola, portanto, um novo olhar sobre as

práticas pedagógicas e sobre o currículo, permitindo uma opção por uma formação

humanizante e multicultural. Moreira e Candau (2003) nos auxilia a refletir sobre esse

papel docente, sendo que “será necessário que o docente se disponha e se capacite a

reformular o currículo e a prática docente com base nas perspectivas, necessidades e

identidades de classes e grupos subalternizados” (p.157).

Como atividade de culminância foi organizada uma festa de confraternização

chamada “Celebridades do ano” com a presença dos alunos, docentes e gestores do

programa, na qual todos os sujeitos foram identificados com faixas ilustrando sua

principal característica. Para realização da mesma, os docentes realizaram uma

campanha junto aos salões de beleza do bairro, que ofertaram aos alunos e alunas um

momento de cuidar de si e de reconhecer-se como belo. O ápice da festa foi o desfile de

cada um, com uma faixa que indicava a sua característica. Mais que um momento

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EdUECE - Livro 303649

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simbólico, esta atividade teve um papel fundamental de afirmação de identidade, não-

artificial, forjada durante um semestre, uma jornada em busca de si, de suas qualidades,

de sua relação com o outro, de sua relação com o saber.

Esta festa foi um indicador fundamental na construção identitária do sujeito,

elemento fundante na EJA, uma vez que a elaboração destas características foi realizada

pelos alunos, em suas salas de aula, em negociação exaustiva com os docentes, na

construção de um perfil positivo e pessoal, ao mesmo tempo em que exigiu um olhar

também positivo e atento do outro.

Freire (1996) nos ajuda e refletir e tensionar estas práticas pedagógicas quando

nos diz que “seria uma contradição se, inacabado e consciente do inacabamento o ser

humano não se inserisse em tal movimento. É neste sentido que, para mulheres e

homens, estar no mundo necessariamente significa estar com o mundo e com os outros”

(p.24), o que nos desafia a entender esse processo de ir e vir, de intenso construir de si e

do outro como algo inerente ao inacabamento do humano, portanto, fundamental em seu

processo de formação.

Ressalta-se aqui que a realização desta atividade contou com a ação intensa,

planejada e intencional, reconhecendo-a como um elemento fundamental para uma

proposta de EJA bem sucedida e, prioritariamente, que possibilite ampliar o universo de

significação dos sujeitos envolvidos sem negar sua identidade. Moreira e Candau (2003)

nos apontam caminhos em que

estimular dinâmicas de relacionamento, de reconhecimento mútuo, aceitação

e valorização do 'outro', diálogo intercultural, de modo a favorecer a

construção de um autoconceito e uma autoestima positivos em todos(as)

os(as) alunos(as) constitui uma preocupação fundamental para se

desenrolarem práticas educativas multiculturais (p. 165).

Percebemos que o currículo orienta e traduz uma concepção ideológica de

sujeitos e de sociedade e, ao construir este projeto, essas intencionalidades estiveram

presentes e se tornaram concretas através das práticas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A construção de um currículo pensado para os jovens e adultos que frequentam

um curso de educação profissional é um desafio para as instituições que decidem fazê-

lo, prioritariamente por esperar destes cursos uma concepção utilitarista de educação.

Romper com esta expectativa reside em pensar em intencionalidades e práticas que

Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade

EdUECE - Livro 303650

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possibilite a compreensão dos alunos como sujeitos, com identidades próprias e que

ampliem suas experiências com a escola, compreendendo suas trajetórias, muitas vezes

fragmentada e entrecortadas com o ambiente escolar.

A experiência interdisciplinar do projeto “Quem eu sou” resultou em maior

comprometimento e identificação dos sujeitos com o ambiente escolar, evocando um

sentimento de pertença, tão caro aos discentes de EJA ao (re)ingressarem na escola.

Esse sentimento esteve intimamente ligado a uma percepção deste aluno com

experiência, que tem muito a contribuir em seu processo de aprender, de saber.

Diante disso, abre-se ainda um grande leque de possibilidade de trabalhar em

bases multiculturais, identitárias e que ampliem nosso olhar sobre os currículos em EJA,

prioritariamente para que contemplem a interdisciplinaridade como fundamento, que

possibilite uma reflexão mais profunda sobre os sujeitos da EJA e suas especificidades.

REFERÊNCIAS

FREIRE. Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários a prática educativa.

São Paulo: Paz e Terra, 1996.

MACEDO, Roberto Sidnei. Currículo: campo, conceito e pesquisa. Petrópolis, RJ:

Vozes, 2012.

MOREIRA. Antônio Flávio Barbosa. CANDAU. Vera Maria. Educação escolar e

cultura(s):construindo caminhos. IN: Revista Brasileira de Educação. nº 23,

mai/jun/jul/ago, 2003.

OLIVEIRA. Martha Kohl. Jovens e Adultos como sujeitos de conhecimento e

aprendizagem. Revista Brasileira de Educação, nº 12, set/out/nov/dez, 1999.

SEVERINO. Antônio Joaquim. O conhecimento pedagógico e a interdisciplinaridade: o

saber como intencionalização da prática. IN: FAZENDA. Ivani Catarina Arantes.(org)

Didática e Interdisciplinaridade. 13ª ed., Campinas-SP: Papirus, 1998.

Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade

EdUECE - Livro 303651