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POSSIBILIDADES DE INOVAÇÃO NA PRÁTICA DE ENSINO EM SALA DE AULA Infelizmente, ainda se mantém nas salas de aula a não escuta ao saber e aos conhecimentos prévios dos estudantes, prevalecendo o discurso e o saber do docente como centro do processo de ensino-aprendizagem sem oportunizar ao estudante a participação ativa na construção do seu saber. O painel “Possibilidades de inovação na prática de ensino em sala de aula” tem a pretensão de expor e discutir três pesquisas de campo que propuseram intervenções na prática de ensino em salas multisseriadas do Ensino Fundamental e salas do Ensino Médio numa perspectiva de implementar a inovação. Compreendendo a inovação como uma ruptura paradigmática com o modelo de prática de ensino vivenciado naqueles espaços, a primeira pesquisa versa sobre uma pesquisa-ação etnográfico-crítica, realizada em uma classe multisseriada. A segunda, também numa classe multisseriada, se refere a uma pesquisa etnográfica da colaboração entre estudantes. E, por fim, a terceira, diz respeito a uma pesquisa participante realizada em salas de aula de 1º e 2º ano do Ensino Médio. No painel pretende-se expor as pesquisas desenvolvidas nas classes multisseriadas e, posteriormente, a desenvolvida no Ensino Médio, esperando-se que a partir das exposições os participantes possam analisar e contribuir criticamente com os resultados das pesquisas no sentido de ampliar os estudos sobre as possibilidades de mudança na prática de ensino em sala de aula. Inovar a prática de ensino converte-se em interesse de educadores que refletem criticamente as práticas nesse espaço de ensino tradicionalmente embasadas em concepções arcaicas que não têm contribuído para uma aprendizagem significativa de forma participativa e coletiva. Palavras-chave: Círculo de Cultura. Colaboração Entre Estudantes. Pedagogia de Projetos XVIII ENDIPE Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira 3487 ISSN 2177-336X

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POSSIBILIDADES DE INOVAÇÃO NA PRÁTICA DE ENSINO EM SALA DE

AULA

Infelizmente, ainda se mantém nas salas de aula a não escuta ao saber e aos

conhecimentos prévios dos estudantes, prevalecendo o discurso e o saber do docente

como centro do processo de ensino-aprendizagem sem oportunizar ao estudante a

participação ativa na construção do seu saber. O painel “Possibilidades de inovação na

prática de ensino em sala de aula” tem a pretensão de expor e discutir três pesquisas de

campo que propuseram intervenções na prática de ensino em salas multisseriadas do

Ensino Fundamental e salas do Ensino Médio numa perspectiva de implementar a

inovação. Compreendendo a inovação como uma ruptura paradigmática com o modelo

de prática de ensino vivenciado naqueles espaços, a primeira pesquisa versa sobre uma

pesquisa-ação etnográfico-crítica, realizada em uma classe multisseriada. A segunda,

também numa classe multisseriada, se refere a uma pesquisa etnográfica da colaboração

entre estudantes. E, por fim, a terceira, diz respeito a uma pesquisa participante

realizada em salas de aula de 1º e 2º ano do Ensino Médio. No painel pretende-se expor

as pesquisas desenvolvidas nas classes multisseriadas e, posteriormente, a desenvolvida

no Ensino Médio, esperando-se que a partir das exposições os participantes possam

analisar e contribuir criticamente com os resultados das pesquisas no sentido de ampliar

os estudos sobre as possibilidades de mudança na prática de ensino em sala de aula.

Inovar a prática de ensino converte-se em interesse de educadores que refletem

criticamente as práticas nesse espaço de ensino tradicionalmente embasadas em

concepções arcaicas que não têm contribuído para uma aprendizagem significativa de

forma participativa e coletiva.

Palavras-chave: Círculo de Cultura. Colaboração Entre Estudantes. Pedagogia de

Projetos

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PEDAGOGIA DE PROJETO COMO PRÁTICA DE ENSINO PARA

MINIMIZAÇÃO DA INDISCIPLINA NO ENSINO MÉDIO

Zelia Maria Freitas dos Santos

Secretaria de Educação do Estado de Pernambuco

Rilva José Pereira Uchôa Cavalcanti

Secretaria de Educação do Estado de Pernambuco

RESUMO

A pedagogia de projeto ao ser desenvolvida em sala de aula é uma metodologia que

muito tem contribuído para o desenvolvimento intelectual do estudante, pois, a partir

desta prática, este abandona a condição de sujeito passivo na construção do saber, e,

passa a ser protagonista no processo ensino-aprendizagem. Este trabalho teve como

problema, em que medida a pedagogia de projeto como prática docente minimiza a

indisciplina dos estudantes do ensino médio? E seu objetivo geral foi determinar em

que medida a pedagogia de projeto como prática docente minimiza a indisciplina dos

estudantes do ensino médio. Quanto aos objetivos específicos trabalhou-se com os

seguintes: explicitar como se desenvolve a prática docente subsidiada pela pedagogia de

projeto em uma escola do ensino médio da rede estadual de Pernambuco; identificar o

comportamento relacionado à indisciplina dos estudantes dessa etapa da educação

básica na escola; detectar como a prática docente subsidiada pela pedagogia de projeto,

minimiza a indisciplina dos estudantes. No que se refere à investigação foi uma

pesquisa participante, qualitativa, do tipo estudo de caso, tendo como sujeitos: oito

professores e treze estudantes. Os instrumentos para a coleta de dados deram-se por

meio de: entrevista semiestruturada observações participantes em duas salas de aula do

ensino médio. No tocante à análise, foi utilizada a Análise de Discurso ancorada nas

contribuições de Orlandi (2010). Os dados coletados indicaram que, a pedagogia de

projeto como prática docente é uma metodologia que muito tem contribuído para o

desenvolvimento intelectual do estudante, tornando-o protagonista na construção do

conhecimento, minimizando a indisciplina em sala de aula e proporcionado a formação

humana integral do educando.

Palavras-chaves: Ensino Médio. Indisciplina. Pedagogia de Projeto.

1 INTRODUÇÃO

Este artigo é um recorte do resultado da tese de doutorado que foi investigado

sobre a pedagogia de projeto como prática docente para minimização da indisciplina dos

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estudantes do ensino médio em uma escola de Camaragibe-Pernambuco. Sendo assim,

tem como objetivo determinar em que medida a pedagogia de projeto proporciona a

minimização da indisciplina dos estudantes do ensino médio. Nesse estudo, será

apresentado um breve histórico da pedagogia de projeto, seu conceito na visão de alguns

autores, como também de indisciplina, destacando-a no ensino médio. Ao final

discorrerá sobre os resultados obtidos por meio das análises dos instrumentos de

pesquisa.

Os motivos pelos quais contribuíram para o desenvolvimento desta pesquisa foi

a partir dos resultados obtidos na pesquisa de mestrado. Uma vez que, foi identificado

como uma das causas geradoras de indisciplina em sala de aula, a metodologia

trabalhada pelos professores. Então, tendo ciência que a pedagogia de projeto

proporciona a participação do aluno no processo ensino-aprendizagem, investigar sobre

esta metodologia passou a ser algo que muito inquietou a pesquisadora.

Quanto à metodologia tratou-se de uma pesquisa participante com abordagem

qualitativa do tipo estudo de caso. Os instrumentos utilizados para coleta dos dados

foram: entrevistas semiestruturada e observação participante em duas turmas do ensino

médio em uma escola da rede estadual de Pernambuco. Para a análise dos dados usou-se

a técnica da Análise de Discurso (AD), segundo as contribuições de Orlandi (2010).

2 ABORDAGEM HISTÓRICA SOBRE PEDAGOGIA DE PROJETO

A pedagogia de projeto é uma metodologia que vem sendo discutida no seio das

instituições educacionais a mais de um século e que embora se tenha John Dewey como

seu idealizador, segundo Huber (1999, apud VENTURA, 2002, p.3),

A pedagogia de projetos dos alunos começa a se delinear na obra de Jean-

Jacques Rousseau, quando ele deseja que seu personagem Emile aprenda não

através dos livros, mas através das coisas, tudo aquilo que é preciso saber,

sugerindo que uma hora de trabalho valha mais que um dia de explicações.

A esse respeito, Oliveira (2006) afirma que esta metodologia teve a sua

repercussão no final do século XIX com o surgimento da Escola Nova na Europa.

Entretanto, levanta a discussão que filósofos do século XVIII, como Pestalozzi (1746-

1827) e Fröebel (1782-1825), já discutiam uma visão de educação voltada para a

participação do estudante de forma ativa, citando-os como percussores da Escola Nova.

Outro filósofo citado por Oliveira (2006) e por Huber (1999, Apud VENTURA,

2002) como percussor da Escola Nova, e, como idealizador da pedagogia de projeto é

John Dewey.

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Dewey compreende que no processo ensino-aprendizagem, há necessidade de

associar a teoria à prática, ou seja, aprender fazendo, construindo. As suas ideias

metodológicas tiveram uma repercussão significativa no final do século XIX, início do

século XX. E no Brasil muito influenciaram as discussões de educadores brasileiros que

aderiram ao movimento iniciado na Europa denominado Escola Nova. Entre estes

pensadores brasileiros pode-se destacar: Anísio Teixeira, Fernando Azevedo, Lourenço

Filho, Afonso Peixoto, entre outros.

No Brasil, as ideias de Dewey foram muito marcantes nestas primeiras três

décadas do século XX e segundo afirma Carvalho (2011), Anísio Teixeira muito

contribuiu com a educação brasileira ao escrever vários livros, e nestes, prima pela

filosofia deweyana. O autor cita também, que Anísio Teixeira teve oportunidade de

exercer alguns cargos políticos ligados à educação e aproveitando a oportunidade

buscou introduzir reformas educacionais voltadas para a filosofia educacional proposta

por Dewey, sendo este o maior divulgador das ideias de John Dewey no Brasil.

Outro defensor dessa visão de ensino-aprendizagem foi Kilpatrick (2011),

discípulo de Dewey, segundo ele é responsabilidade da escola, estimular o interesse do

aluno, proporcionando a estes condições de reflexão a ponto deste perceber que podem

pensar por si mesmos. E suscita três tipos de escola que favorece o desenvolvimento

intelectual dos estudantes: primeiro cita que a escola deve ser um local em que os

estudantes sejam capazes de percebê-la viva, que desenvolvam experiências palpáveis, a

fim de lhes oferecer aprendizagens expressivas. Segundo, um lugar em que o estudante

seja atuante durante todo o processo de ensino-aprendizagem. Terceiro, que os

professores se sintam bem ao lado dos seus alunos, gostem deles, planejem suas

atividades a ponto de lhes proporcionar o crescimento intelectual, compreendendo que

este desenvolvimento só terá êxito se ele, enquanto professor, acompanhar o

desenvolvimento instigando estes alunos a irem além, proporcionando-lhes atividades

que lhes direcione a novas experiências de aprendizagem.

Pode-se perceber que durante toda a primeira metade do século XX a pedagogia

de projeto estava centrada no interesse do estudante. Segundo Hernández (1998b), não

descartando a importância do interesse do estudante, a pedagogia de projeto a partir de

meados da década de 60 passa a ser cogitada levando em consideração trabalho por

temas e estes advindo de conceitos-chave dos componentes curriculares, segundo o

autor, esta concepção parte de Bruner (1960, 1965), que trata do currículo em espiral.

Ou seja, a cada encontro que o educador vai tendo com o estudante vai aprofundando o

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conhecimento. Inicia de uma forma mais elementar e à medida que os estudantes vão

mudando de nível, o educador aprofunda os conceitos trabalhados.

Com esta visão, pode-se afirmar que os conteúdos vivenciados de um

componente curricular não se limitam a uma série, mas este pode ser discutido em

diversas séries, o que vai diferenciar é o grau de profundidade que será abordado os

conceitos, que se dará de acordo com o nível de aprendizagem do estudante. Como

também, nesta concepção de ensino, se compreende a aprendizagem como algo

acumulativo. E o papel do professor é proporcionar ao estudante a compreensão dos

conceitos e estratégias que favoreçam ao estudante a busca de novas experiências de

aprendizagem.

Entretanto a partir da década de 80 a ideia de projeto está vinculada a projeto de

trabalho que são escolhidos mediante sua significância, diferentemente da ideia de

projeto vivenciada nos anos 20 que estava voltada para os cytyentros de interesse.

“Baseiam-se nas descobertas espontâneas dos alunos.” (HERNÁDEZ, 1998a p. 63).

Favorece, assim, a escolha de qualquer tema, e esta seleção é definida mediante

argumento, para isso o estudante precisa obter conhecimentos prévios sobre o que se

quer pesquisar. Daí a importância do papel do professor “mostrar ao grupo ou fazê-lo

descobrir as possibilidades do projeto proposto (o que se pode conhecer), para superar o

sentido de querer conhecer o que já sabem.” (HERNÁDEZ, 1998a p. 67). Ou seja, a

escolha não é apenas pelo que deseja o grupo, mas está vinculada a ampliar seus

conhecimentos mediantes outros trabalhos anteriormente pesquisados.

2.1 O QUE É PEDAGOGIA DE PROJETO? QUAIS AS SUAS CONTRIBUIÇÕES?

Como já abordado anteriormente, a pedagogia de projeto veio romper com a

metodologia tradicional de ensino em que o conhecimento estava centrado na figura do

professor.

Saviani (1995) levanta a discussão, que, no final do século XIX, dar-se início a

crítica quanto à forma como era pensada a educação, dando aí lugar a uma nova

concepção de ensinagem. É a visão pedagógica da Escola Nova, anteriormente apontada

neste trabalho.

Para Dewey (2011), a pedagogia de projeto é uma forma de aprendizagem em

que o estudante é sujeito ativo no processo ensino-aprendizagem, sendo coparticipante

do seu desenvolvimento intelectual, visando à aprendizagem significativa e para o

presente.

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A partir da concepção de Dewey, pode-se dizer também que, a pedagogia de

projeto está intrinsicamente relacionada à pedagogia libertadora proposta por Paulo

Freire, que rompe com a educação bancária, dando lugar a uma educação democrática,

dialética, ou seja, a educação em que aluno e professor são responsáveis pela construção

do saber e que nesta construção há a troca de sabres.

Segundo Hernández (1998b), uma das características da pedagogia de projeto é a

mudança de postura do professor, que se desloca da posição de detentor do saber e passa

para aprendiz.

Kilpatrick (2011) conceitua a pedagogia de projeto como uma aprendizagem que

ocorre mediante a experiência vivida. “Devemos dar liberdade a nossas crianças para

que pensem por si própria” (p.62). Na concepção do autor a metodologia que deve ser

vivenciada pelo professor é aquela que favoreça o estudante a pensar por si só. E

apresenta como uma função da escola proporcionar ao estudante uma educação próxima

à realidade, algo que lhe seja palpável que lhe dê condições de uma aprendizagem

significativa.

Fonseca (1995, p. 250) corrobora com as ideias de Kilpatrick, ao afirmar que

“[...] devemos pensar na escola para a criança e não o contrário. Isto exige o abandono

do ensino despersonalizado e normatizado, com base em programas-tipo e sugestões-

tipo para criança-tipo.” A escola precisa pensar a educação integral do estudante.

Nogueira (2007, p. 35) afirma que esta educação integral “vai além dos aspectos

cognitivo.” Ele afirma que educação integral do estudante, deve extrapolar os aspectos

cognitivos a ponto de o estudante ser capaz de ampliar para outras áreas de sua vida,

como social, afetiva e motora.

Após esta breve explicação sobre educação integral, faz-se necessário o retorno

ao conceito de pedagogia de projeto. E aqui se traz o que diz o dicionário de língua

portuguesa a este respeito. Michaelis (2002, p. 587) expõe que pedagogia é “estudo das

questões relativas à educação. Arte de instruir, ensinar ou educar uma criança.” E

quanto ao conceito de projeto diz que é “plano para a realização de um ato; intenção;

esboço inicial.” (p.633). Juntando estes dois conceitos e, a partir do que já foi dito por

outros autores, pode-se dizer que pedagogia de projeto é um método de ensino em que

se projeta uma aprendizagem, e que, para sua eficácia, há uma ação conjunta entre

docente e discente visando à construção de novos saberes.

Quanto às contribuições da pedagogia de projeto foram e ainda são muito

significativas para a prática pedagógica, uma vez que, durante todo o processo ensino-

aprendizagem, o estudante é parte integrante da construção do conhecimento. A partir

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desta metodologia, passa a se ter uma nova visão de ensino, a qual está pautada na ideia

de que o estudante é coautor do processo ensino-aprendizagem. Pois enquanto que, em

uma educação tradicional o estudante é um ser passivo no processo ensino-

aprendizagem, na prática pedagógica por projeto ele é responsável pela construção de

seus conhecimentos.

Então, hoje, ao pensar em educação deve-se pensar em educação humana

integral do estudante, que se trata de uma formação completa, em que o estudante esteja

preparado para a vida. Como afirma Ciavatta (2005, p. 85):

Como formação humana, o que se busca é garantir ao adolescente, ao jovem e

ao adulto trabalhador o direito de uma formação completa para a leitura de

mundo e para atuação como cidadão pertencente a um país, integrado

dignamente a sua sociedade política.

Diante do exposto pode-se afirmar que a metodologia da pedagogia de projeto,

muito tem a contribuir com o desenvolvimento intelectual do estudante, favorecendo a

este a ampliação das múltiplas inteligências e consequentemente a formação

omnilateral, ou seja, uma formação completa que está relacionada à formação humana

integral. E o professor que a almeja para seus estudantes, precisa alinhar sua prática

docente de tal forma, que esta venha contribuir para este desenvolvimento,

possibilitando a estes tornarem-se protagonistas do processo ensino-aprendizagem.

3 A INDISCIPLINA E O ENSINO MÉDIO

A indisciplina, tão combatida na escola, principalmente no ensino médio, é tema

abordado em produções textuais científicas de forma generalizada. Mesmo que, em

algumas destas produções, o investigador tenha aplicado questionários ou entrevistas

com estudantes do ensino médio, no decorrer do texto, reportam-se à indisciplina em

sala de aula como um problema que vem atingindo todas as etapas da educação básica,

independente dos níveis de ensino.

Todavia, Santos (2013), em suas pesquisas, constatou que a indisciplina no

ensino médio é decorrente de várias causas: a metodologia aplicada em sala de aula, a

falta de regras disciplinares que fossem conhecidas pelos estudantes; falta de uma

política da escola que favorecesse a participação dos pais na comunidade escolar e por

fim a ausência do professor no ambiente de trabalho.

Entre as causa citada por Santos (2013), destaca-se neste artigo à ausência do

professor no ambiente de trabalho. Segundo a autora, quando isso ocorria, o professor

que se encontrava na escola e que também ministrava aula naquela turma, antecipava

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sua aula, atendendo simultaneamente duas turmas. Geralmente na turma que estava

faltando o professor do horário, os alunos eram submetidos a fazer um exercício do livro

ou atividade que era colocada no quadro. Entretanto, este tipo de aula contribuía para

aumentar a indisciplina em sala de aula, pois muitos alunos não faziam a atividade

proposta, aproveitando o tempo para passear pelos corredores da escola, ouvir música,

jogar dominó, sendo um número muito pequeno daqueles que realmente faziam a

atividade proposta.

Sendo assim, Santos conclui que a substituição do professor faltoso nas turmas

de ensino médio em que a escola tenta resolver o problema, antecipando a aula com

outro professor que está ministrando aula em outra turma, não resolve nem o problema

da indisciplina nem tão pouco favorece a aprendizagem.

Silveira (2005), comentando as ideias de Estrela (1992) afirma que esta autora

atribui como causa da indisciplina à concepção que a escola tem de ainda perpassar, nos

dias atuais, apesar das inúmeras reformas na educação, a ideia do professor detentor do

conhecimento.

Aquino (2003) por sua vez, suscita três causas que explicam a questão de

indisciplina do educando as quais são: psicologizantes, sociologizantes e do campo

pedagógico. A primeira está relacionada à indisciplina no tocante à questão psicológica

do aluno, sendo este um problema que deve ser resolvido com ajuda de especialista. A

segunda é citada por muitos educadores como reflexo da realidade social desfavorável

em que o educando está inserido como famílias desestruturadas propiciando a educação

“sem limites” nas crianças e jovens. A terceira, que se refere ao campo pedagógico, a

causa da indisciplina está relacionada ao papel da escola que não está atendendo às

exigências da clientela. E esta se mantém resistente às mudanças.

O referido autor enfatiza a importância da democratização da escola, acreditando

ser este um dos caminhos que contribuirá para dirimir a indisciplina existente em sala de

aula, sendo que, a atitude do aluno é uma forma de mostrar sua insatisfação ao tipo de

escola a ele imposto.

Sendo assim, ciente de que, vive-se hoje um momento em que os estudantes têm

acesso a vários meios de comunicação e entre estes a internet, que propiciam aos

estudantes vários saberes, estes precisam ser valorizados e aproveitados para

transformar estes conhecimentos, muitas vezes, empíricos, em conhecimentos

científicos. E ocorrendo esta dialética, em sala de aula, propiciará um clima de maior

interesse por parte do estudante, pois, este se sentirá coparticipante da aula e a

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indisciplina que, segundo professores, ainda é muito gritante no ensino médio, será

minimizada.

Diante do exposto torna-se pertinente relacionar a indisciplina ao processo

ensino-aprendizagem. Entretanto, primeiramente será discutido o conceito de

aprendizagem.

Segundo Michaelis (2002), dicionário da língua portuguesa, aprendizagem é:

“ação de aprender qualquer ofício, arte ou ciência.” (p. 60).

Carmo (1994) expressa que a aprendizagem ocorre durante toda a existência

de uma pessoa, e que a escola não é o único espaço de construção do saber, entretanto, é

um dos espaços de aprendizagem. Ele reforça a ideia de que a forma como um indivíduo

aprende é diferente da do outro, devendo ser levada em consideração as experiências

individuais de cada um. Dessa forma, o ser humano está sempre aprendendo, contudo, o

que difere a aprendizagem formal (promovida na escola) da informal é que na primeira é

necessário um planejamento prévio para que ocorra o ensino e, consequentemente, a

aprendizagem.

Zanotto; Moraz; Gióia (2008), enfatizando a discussão sobre aprendizagem,

relatam também que ela ocorre ao longo da vida de um indivíduo por meio das

experiências por ele vividas. Entretanto, ressaltam que esta forma de aprender pode ser

dolorosa, se o ser não conseguir o êxito esperado ou até mesmo não se der a construção

do saber. Sobre isso elas conceituam que:

O que estamos defendendo, aqui, é que no âmbito da aprendizagem formal do

processo que envolve a relação professor-aluno na situação escolar, não

podemos considerar o processo de aprendizagem separado do processo de

ensino. Entendemos que toda pessoa que propõe a ensinar deve acreditar que

é possível que o outro aprenda alguma coisa de modo eficiente e que é

preciso que o ensino ocorra para que a aprendizagem ocorra. Por isso, somos

contrários à ideia de que o processo formal de ensino escolar deva se basear

em uma concepção de aprendizagem como processo natural e espontâneo. Na

perspectiva que adotamos o processo de ensino é indissociável do processo de

aprendizagem e, portanto, o planejamento é fundamental. (ZANOTTO;

MORAZ; GIÓIA, 2008, p. 8; 9).

Através de seu conceito, as autoras deixam clara a importância do ensino e da

aprendizagem. Em suas concepções, uma está atrelada a outra, não existe ensino se não

houver aprendizagem e o êxito desta aprendizagem deve-se ao planejamento.

Silveira (2007), também, dá ênfase ao preparo do professor ao citar como uma

das causas determinantes da indisciplina que vem ocorrendo na sala de aula e

consequentemente afeta o processo ensino-aprendizagem. Segundo ele, é porque muitos

professores não estão devidamente preparados, não têm domínio dos conteúdos que

estão sendo vivenciados. E, considerando que um dos papéis da escola é desenvolver a

capacidade crítica do aluno, ela também precisa estar preparada para perceber que,

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muitas vezes, as atitudes de indisciplina dos alunos, como já foram colocadas

anteriormente, é a forma que eles têm de demonstrarem a insatisfação da maneira como

estão sendo ministradas as aulas.

Aquino (1996a) levanta três pontos determinantes para evitar a indisciplina em

sala de aula: o professor precisa dominar o seu conteúdo; o papel do professor, bem

como do aluno precisam estar bem definidos e o professor precisa saber administrar

conflitos que, porventura, venham a ocorrer no espaço escolar. Acrescenta, ainda, que a

escola é responsável pelo processo ensino-aprendizagem do estudante.

Segundo Freire (1996), para que o professor tenha, de fato, autonomia em sua

sala de aula é necessário que ocorra uma sintonia entre professor e estudante, entre

professor e seus colegas e as demais pessoas que compõem o corpo de funcionários da

escola e, não poderemos deixar de citar, o seu entorno. Essa autonomia precisa estar

pautada na responsabilidade e compromisso de todos os envolvidos a fim de que, juntos,

sejam construídos caminhos que possam ser seguidos em prol do processo ensino-

aprendizagem.

Então, em diálogo com professores do ensino médio, buscando opiniões a

respeito da interferência da indisciplina no processo ensino-aprendizagem, eles se

mostraram categóricos em afirmar que, uma das causas do baixo índice de

aprendizagem deve-se a indisciplina que ocorre dentro e fora da sala de aula.

Segundo Santos (2013), a indisciplina muito interfere no processo ensino-

aprendizagem. A autora registra em sua pesquisa que segundo depoimento de

professores, os alunos ditos indisciplinados só conseguem avançar de série devido aos

trabalhos que são realizados em equipe. A autora cita que em um dos momentos de

observação em sala de aula, por ocasião em que o professor estava aplicando prova,

alunos que durante as aulas demonstravam atitudes indisciplinares em sala de aula,

entregaram suas provas em branco.

Silveira (2005), comentando as ideias de Estrela (1992), também, destaca que a

indisciplina afeta, sensivelmente, a aprendizagem, pois, o tempo que o professor gasta

para propiciar um ambiente favorável à aprendizagem em uma turma indisciplinada,

prejudica o seu estado emocional e, consequentemente, vai interferir no processo

ensino-aprendizagem.

Martins; Pimentel (2009), ao escrever sobre a interação em sala de aula levantam

a reflexão sobre o papel do professor em sala de aula, que este precisa ser o articulador

do conhecimento, não cabe a ele o papel de detentor do conhecimento, deve, porém,

favorecer o ambiente para que todos sejam partícipes da construção do saber.

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4 CONCLUSÃO

Ao analisar as entrevistas dos estudantes e professores, pôde-se perceber que a

pedagogia de projeto muito favorecerá a disciplina em sala de aula, uma vez que, esta

metodologia lhes proporciona o protagonismo na construção do conhecimento.

Entretanto, foi percebido que, embora esta metodologia tenha como mote a

participação do estudante na construção do conhecimento, esta não deve ser algo que já

venha totalmente direcionado. Mas que durante todo o processo o aprendente se torne

parte integrante. Isso ficou muito claro, no momento de pesquisa em que um dos

professores participantes da pesquisa impôs o tipo de projeto a ser desenvolvido. Como

os estudantes não tiveram oportunidade de dar a sua opinião, esses não se sentiram parte

dele e o projeto não foi concluído. Já com outro professor em que desde o início da

construção do projeto os estudantes foram ouvidos e contribuíram com a sua construção,

os resultados foram positivos.

Pôde-se constar, também, que esta metodologia além de favorecer a

aprendizagem de forma significativa para os estudantes, ela contribui para a postura do

educador. Como é possível perceber no relata dos professores: “Eu, também, me achei.”

Ao fazer esta afirmação, o professor, explicita o valor da prática docente utilizando a

pedagogia de projeto, não simplesmente para a aprendizagem do estudante, mas

também, para a sua prática profissional.

Então, pode-se concluir que a pedagogia de projeto minimiza a indisciplina em

sala de aula. Mas, para isso, é de grande significância a sensibilidade do educador

quanto à escuta ao estudante, como também, lhe proporcionar atividades que lhe sejam

prazerosas na construção de novos saberes, sem perder o foco, que é tornar o educando

coparticipante do processo ensino-aprendizagem.

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A COLABORAÇAO ENTRE ESTUDANTES EM CLASSE MULTISSERIADA:

UM CAMINHO PARA PENSAR A INOVAÇÃO PEDAGÓGICA?

Glória Maria Alves Machado

Secretaria de Educação do Estado de Pernambuco

Zélia Maria Soares Jófili

Universidade Federal Rural de Pernambuco

Jesus Maria Angélica Fernandes Sousa

Universidade da Madeira –Funchal- Portugal

RESUMO

Este trabalho traz fragmentos de uma tese de doutoramento cujo objetivo foi investigar

em que medida a colaboração entre estudantes se constitui possibilidade de inovação

pedagógica. Tendo como objetivos específicos: Identificar se nas ações dos estudantes

existem colaboração entre eles ou apenas entre professor – estudantes; Verificar as

ações dos estudantes quando se defrontam com atividades de aula que não conseguem

responder sozinhos; Verificar como o professor orienta as atividades de aula, tendo em

vista os diferentes níveis de aprendizagem. No que concerne à discussão teórica trata de

aspectos referentes à organização escolar multisseriada na realidade brasileira, discute

conceitualmente inovação pedagógica e aborda questões atinentes à colaboração

planejada entre estudantes. A metodologia empregada para realizar a pesquisa foi

sustentada numa abordagem qualitativa de cunho etnográfico, na perspectiva de nos

aproximarmos o máximo possível da cultura instituída na sala de aula em relação à

colaboração entre os estudantes. Participaram da pesquisa 16 estudantes - com idade

variando entre 7 e 18 anos - de uma classe multisseriada situada na zona rural do

município de Igarassu (Pernambuco/Brasil). Para a coleta dos dados utilizamos a

observação participante e a entrevista semiestruturada, as quais foram enriquecidas

pelas gravações em áudio e vídeo. Os resultados, considerando o que é comum, o que é

prática na classe multisseriada onde a pesquisa foi realizada, indicam que a colaboração

entre estudantes pode se constituir em prática pedagógica inovadora, desde que o

docente se permita rever a concepção pedagógica que orienta a sua prática, como

também se permita reconhecer o benefício potencial da heterogeneidade em relação aos

diferentes níveis de aprendizagem dos estudantes e lance mão da colaboração planejada

entre os pares.

Palavras-chave: Classe Multisseriada. Inovação Pedagógica. Colaboração.

1 INTRODUÇÃO

A organização escolar multisseriada e às classes multisseriadas na realidade

educacional brasileira, vem sendo mantida em regiões onde moram parcelas da

população em situação de exclusão, considerando as condições básicas necessárias para

se viver com dignidade, com educação, saúde, lazer, transporte e trabalho. Essa leitura,

aliada às situações de exclusão dos bens culturais a que foram e são submetidos,

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3500ISSN 2177-336X

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historicamente, estudantes que não fazem parte de classes sociais hegemônicas,

instigou-nos a compreender essa realidade escolar e identificar, no seu contexto,

caminhos para a definição de práticas pedagógicas estimuladoras de aprendizagem.

Nesse sentido, a pesquisa buscou responder a questão que a norteou, ou seja, em que

medida a colaboração entre estudantes se constitui em possibilidade de inovação

pedagógica em classe multisseriada? Partiu-se do pressuposto que a colaboração é uma

ação inerente ao humano e, nesse sentido, quanto mais heterogêneo for o meio em que

as ações humanas se desenvolvam mais ampliadas são as possibilidades de

aprendizagem. Nesse entendimento, a pesquisa teve como objetivo investigar em que

medida a colaboração entre estudantes se constitui em possibilidade de inovação

pedagógica em classe multisseriada.

Para compreender e descrever a cultura alojada na sala de aula e,

consequentemente, responder à questão colocada optou-se por um olhar etnográfico,

portanto qualitativo, para adentrar o campo de pesquisa e analisar os dados coletados.

No que tange a discussão teórica se apresenta sinopses: da organização escolar

multisseriada no contexto da educação brasileira; da inovação pedagógica; e da

colaboração entre estudantes. No que concerne a pesquisa, propriamente dita, discorre-

se sobre aspectos relacionados ao planejamento e o desenvolvimento da mesma. Por

fim, á guisa de conclusão, apresentam-se impressões sobre a cultura alojada na sala de

aula, retomando a questão que norteou e o pressuposto que se tinha inicialmente.

2 A ORGANIZAÇÃO ESCOLAR MULTISSERIADA

A atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9394/96) outorga

aos sistemas de ensino autonomia para organizar a educação em suas instâncias,

Em séries anuais, períodos semestrais, ciclos, alternância regular de períodos

de estudos, grupos não-seriados, com base na idade, na competência e em

outros critérios, ou por forma diversa de organização, sempre que o interesse

do processo de aprendizagem assim o recomendar (ARTIGO 23).

Com base no que outorga a Lei supracitada identifica-se diferentes formas de

organização escolar nos sistemas de ensino brasileiro. Aqui, considerando o objetivo do

trabalho, tomou-se a organização escolar multisseriada.

No final dos anos 20 do século XX, a organização escolar em série passou a

orientar o ensino no Brasil. Entretanto, o seu contraponto, melhor dizendo, a

organização escolar multisseriada, com raízes desde a educação jesuítica, ainda

permanece presente no cenário nacional, predominando, atualmente, na zona rural do

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país. Apesar de muito utilizada em algumas regiões brasileiras, esse tipo de organização

do ensino é indesejado por muitos. Os que assim pensam, justificam que não é possível

oferecer um ensino de qualidade nesse modelo de organização. Essa postura sugere o

entendimento de que o ensino de qualidade é exclusividade da organização escolar

seriada, que predomina na área urbana do país. Esta compreensão, entre outros fatores,

vem “impedindo” que a organização escolar multisseriada seja revisitada pelos que

estão fora e dentro da escola, na perspectiva de definir práticas pedagógicas inovadoras

que atendam às necessidades dos estudantes. É preciso revisitar essa organização, que

vem desafiando os tempos, apesar da falta de investimento financeiro e pedagógico. A

ausência de investimento vem contribuindo para que a população, que só tem acesso a

este tipo de escola, não tenha um ensino de qualidade, compreendido como um ensino

voltado para a aquisição de competências e habilidades que favoreçam a inserção do

estudante na escola e no mundo, uma vez que, este estudante é um sujeito do mundo e

para o mundo.

A organização escolar multisseriada no Brasil sempre esteve voltada para

atender a uma parcela da população marginalizada economicamente. O abandono por

parte do poder público - que se expressa, entre outros fatores, nas precárias condições de

trabalho e na ausência de uma política de formação para os professores que trabalham

na zona rural - tem contribuído para que as escolas com classes multisseriadas, não

sejam reconhecidas como espaço no qual se desenvolve um ensino de qualidade. Tanto

questões de ordem material - espaço físico, mobília adequada, transporte, merenda,

profissionais capacitados para exercer atividades administrativas e de serviços gerais -

quanto questões de formação - profissionais preparados para conviver com a diversidade

inerente à classe multisseriada - dificultam a reescrita dessa realidade.

A precariedade da estrutura física das escolas, as dificuldades dos professores

e estudantes em relação ao transporte e às longas distâncias percorridas e a

oferta irregular na merenda são alguns dos fatores que provocam a

infrequência e a evasão e prejudicam a obtenção de bons resultados no

processo ensino-aprendizagem, sendo, portanto, fatores que contribuem para

o fracasso escolar que se evidencia nas escolas do campo e particularmente

na multissérie (HAJE, 2006, p.306-307).

Quando as condições são desfavoráveis ao ensino-aprendizagem, tanto o

professor como os estudantes se sentem desestimulados para realizar atividades que

favorecem o estudo. Um aspecto que se constitui em limite para a instalação de um

ensino de qualidade na classe multisseriada - e talvez o mais difícil de ser superado - é a

imagem construída em relação à mesma - de um espaço sem valor pedagógico em

virtude da heterogeneidade de séries, idades e aprendizagens. O elemento definidor da

imagem construída é, no entendimento da pesquisadora, o grande achado, pois implica

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num reajustamento das ações pedagógicas que depende exclusivamente do professor.

Quando este ‘toma’ as peculiaridades do estudante, o conhecimento do mesmo em

relação ao objeto a ser conhecido e compreende a importância da colaboração no

processo de construção do conhecimento, o que era elemento definidor da imagem

negativa construída, pode se transformar em elemento impulsionador de práticas

inovadoras.

3 SINTETIZANDO IMPRESSÕES SOBRE INOVAÇÃO PEDAGÓGICA

Inovação pedagógica se diferencia, conceitualmente, de inovação e reforma

educacional, porque se refere à prática pedagógica, melhor dizendo, à prática docente na

perspectiva de provocar mudanças na aprendizagem do estudante. As ações pensadas

em contexto macro (sistema de ensino), para serem concretizadas na escola e na sala de

aula, não são aqui entendidas como inovação. Neste sentido, a diferenciação conceitual

tem por base a finalidade e o locus onde a ação é planificada. De acordo com Gonzáles e

Escudero citados por Hernández “a reforma é uma mudança em grande escala, ao passo

que a inovação o seria em nível mais concreto e limitado” (2000, p. 27), nem por isso

menos importante.

A sala de aula é o espaço no qual vão sendo evidenciados os entraves inerentes

ao processo ensino-aprendizagem. São os entraves, para a pesquisadora, que instigam a

definição de práticas voltadas para atender as necessidades dos estudantes. Para tanto, se

faz necessário que o professor tenha sensibilidade para percebê-las e disponibilidade

interna para ir à busca de estratégias pedagógicas que favoreçam o processo ensino-

aprendizagem. Dessa forma, a sala de aula é um contexto impulsionador de

possibilidades de inovação pedagógica, pois é permeado por conflitos e contradições,

inerentes a qualquer contexto social, que demanda a busca por possibilidades de

superação. E nessa direção o homem é o único ser que tem a possibilidade de criar e

recriar a realidade social, e o faz quando está “incomodado” com o que está posto, com

o que está vivenciando. A diversidade inerente à sala de aula faz desta um espaço ímpar,

apesar das semelhanças que existem entre salas de aula no que se refere à organização e

ao funcionamento que advieram do modelo de escola fabril. A heterogeneidade

cognitiva, cultural, social e econômica dos estudantes, bem como a postura do professor,

que não consegue ser o mesmo em duas salas de aula, reforça a singularidade desse

espaço.

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É pensando a sala de aula como espaço singular que só é desvelado pelos que a

vivenciam no cotidiano, que se ratifica o entendimento de que a inovação pedagógica

não pode ser pensada de fora para dentro, por sujeitos alheios a sua realidade. Para a

definição e execução de ações na sala de aula se faz necessário o comprometimento.

Esse comprometimento se constitui na práxis dos sujeitos que estão impregnados da

realidade. Isso não significa ‘cegos’ e ‘tomados’, ao contrário, conscientes da

necessidade de transformar o que está posto e imposto, sabendo que a transformação

implica em rompimentos dolorosos, primeiro consigo e depois com o que está em volta.

Jófili (2006) enfatiza que a inovação, tal como se discute neste trabalho, para ser efetiva

deve surgir do professor, isto é, da identificação de necessidades recolhidas de sua

prática.

A inovação pedagógica traz algo de ‘novo’, ou seja, algo ainda não estreado;

é uma mudança, mais intencional e bem evidente; exige um esforço

deliberado e conscientemente assumido; requer uma acção persistente;

tenciona melhorar a prática educativa; o seu processo deve poder ser

avaliado; e para se poder constituir e desenvolver requer componentes

integrados de pensamento e acção (CARDOSO, 2007, p. 2).

Dessa maneira, a inovação pedagógica constitui-se provocando rupturas

epistemológicas no que se refere à forma de conceber o mundo, a educação, o

conhecimento, o ensino, o ensinante, o aprendente. Provoca mudança de paradigmas em

relação a práticas pedagógicas sustentadas no modelo de escola burguesa. Implica numa

organização diferente do trabalho, para o qual devem ser utilizados métodos mais

eficazes, pensados a partir da realidade e na realidade.

A inovação pedagógica, nessa perspectiva, pode ser pensada e assumida por

qualquer escola ou professor, pois não está atrelada a recursos tecnológicos de última

geração, nem a outros recursos materiais. Esta pode ser pensada e vivida no campo ou

na cidade, numa escola seriada ou multisseriada, na educação básica ou no ensino

superior, em qualquer espaço pedagógico, desde que os sujeitos da ação a assumam de

forma deliberada e consciente. Esta leitura não está pautada numa visão simplista e

ingênua da realidade que desconsidera a responsabilidade do poder público e

responsabiliza o professor pela aprendizagem ou não aprendizagem do estudante, mas

no reconhecimento do professor: como sujeito histórico; como agente do processo de

ensino-aprendizagem que se materializa na sala de aula; como pesquisador e co-

responsável pela sua formação; como agente da transformação social; como sujeito

comprometido politicamente com os interesses da maioria; como mediador da

aprendizagem dos estudantes.

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4 A COLABORAÇÃO PLANEJADA: UMA TENTATIVA DE CONCEITUAÇÃO

Tomando um dos significados do termo colaboração no dicionário Houaiss da

Língua Portuguesa (2001), identificam-se as expressões cooperação, ajuda e auxílio.

Essas atitudes são comuns aos indivíduos que para garantir a sobrevivência precisam

superar desafios que a vida impõe. Assim, o ser humano tende a buscar no outro apoio

para solucionar problemas de ordem individual e coletiva. No ambiente escolar, as ações

dos estudantes também são demarcadas por essas atitudes. Quando se encontram frente

a situações de aula que não conseguem resolver sozinhos buscam no outro, professor ou

pares, a ajuda necessária. A colaboração entre os estudantes, na maioria das vezes, não

é pensada a priori, ou melhor, não é planejada pelo professor ou pelos estudantes. Estes

procuram, naturalmente, auxílio para resolver as situações-problema com as quais se

defrontam na atividade de aula.

Neste sentido, se pode dizer que na sala de aula pode coexistir tanto a

colaboração natural quanto a colaboração planejada. A primeira é aqui entendida

como uma ação comum a todo ser humano e é definida pela necessidade de

sobrevivência, portanto, natural e inerente à ação do homem, à medida que o impulsiona

que o empurra a agir na busca de soluções, mesmo que de forma ‘desordenada’. Esta é

instintiva e geradora de reações que ‘levam’ o ser humano a superar desafios e,

consequentemente, à transformação da realidade, uma vez que “existe uma relação

natural de dependência entre os vários elementos que compõem a natureza outorgada e a

realidade social construída pelos homens, nas relações que estabelecem” (MACHADO e

CAVALCANTI, 2008, p. 41).

A colaboração planejada, por sua vez, não é instintiva, decorre de uma ação

planejada visando o alcance de objetivos pré-definidos através da cooperação entre

sujeitos que, no compartilhamento, satisfazem suas necessidades e as dos outros. Esta

tem sua gênese na colaboração natural, mas não se limita a ela, ultrapassa-a, é pensada,

apresenta clareza quanto às ações e implicações. Sua concretização depende da

aceitação dos sujeitos que vão compartilhar, cooperar, trocar, enfim, é assumida por

todos os envolvidos. A validez da colaboração planejada em sala de aula vai depender,

a priori, da concepção que o professor tem em relação ao mundo, a escola, ao

conhecimento e ao estudante, pois qualquer prática pedagógica é referendada por uma

ideologia que está sempre a serviço de alguém ou de alguma coisa. Contudo, não é

qualquer conjunto de ideias que valida à colaboração planejada na perspectiva aqui

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discutida. A colaboração planejada precisa estar assentada em pressupostos que

concebem o homem como um ser histórico e situado numa realidade concreta, portanto

complexa, pois,

[...] não comungamos com pressupostos teóricos que justificam uma prática

pedagógica neutra, nem com o entendimento de homem a - histórico, mas

com o entendimento de homem centrado numa realidade concreta e complexa

[na qual] constitui sua identidade. (MACHADO e CAVALCANTI, 2008, p.

40).

São nas relações que os homens estabelecem, uns com os outros, que vão

aprendendo e constituindo sua identidade, sua cultura. Portanto, quanto mais

diversificado for o meio em que o homem está imerso, mais ricas serão as

aprendizagens. Quando se sabe o que quer, mais possibilidades se abrem para planejar

ações para atingir o pretendido. Entende-se a colaboração planejada como uma ação

que nasce da necessidade dos indivíduos de resolverem situações que não estão aptos a

resolver sozinhos, portanto, precisam recorrer a outros com níveis cognitivos

diferenciados. Esses, necessariamente, não são os melhores individualmente, mas no

compartilhamento de saberes, ajudam uns aos outros. A colaboração planejada no

contexto da sala de aula é uma ação que pode ser pensada pelo professor para que os

estudantes possam compartilhar seus saberes assumindo o lugar de aprendente e

ensinante no processo ensino-aprendizagem. Pode também ser pensada pelo estudante

ou com os estudantes, pois o entendimento aqui é de sujeitos ativos com saberes

diferentes que, dependendo da situação, têm mais o que ensinar do que aprender. Dessa

forma, ambientes como o da classe multisseriada podem favorecer a prática pedagógica

do professor quando o mesmo compreende a riqueza dos diferentes níveis de

aprendizagem entre os estudantes, o que os capacita para assumir o papel de tutores nos

momentos planejados pelo mesmo. A colaboração planejada - na sua dimensão

pedagógica - é um elemento chave que o professor dispõe para lançar mão de práticas

que nada têm a ver com as que tiveram sua gênese na escola pensada para o povo, na era

industrial. Esta desmistifica o mito da heterogeneidade em relação aos diferentes níveis

de aprendizagem e diferentes séries, como elemento que imobiliza o professor para

‘abrir’ mão da lousa, do livro e do caderno. Embora, abrindo inúmeras possibilidades

para a prática cotidiana da sala de aula, a colaboração exige do professor

disponibilidade para o estudo e a pesquisa, pois a sala de aula transforma-se num espaço

de construção de conhecimento.

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5 JUSTIFICANDO O TERMO COLABORAÇÃO NO ESTUDO

A colaboração é um ato que exige reciprocidade, aceitação, permissão, isto é, os

envolvidos se permitem vivê-la, não há imposição apesar de nem sempre a permissão

ser expressa de forma verbal. Muitas vezes esta é dada através de um olhar, de um

gesto, através do silêncio. É sabido que através do corpo, o homem expressa

sentimentos e desejos. Nesse sentido, o processo de colaboração é um processo que

humaniza os indivíduos, pois pressupõe a sintonização entre os envolvidos, entre os

parceiros e isto implica em parceria. Quem precisa recorre e quando, por impedimentos

de diferentes ordens, não consegue fazê-lo, o outro percebe - através do que o corpo está

expressando - e se adianta e oferece ajuda. O homem quando sente dificuldades, mas

está em sintonia com o outro, recorre de forma natural, uma vez que as relações entre

eles são favoráveis para tal. Dizendo de outra forma, quando as amarras construídas

durante o processo educacional impedem o homem de pedir ajuda, o outro, chega e age

naturalmente, colabora.

Assim sendo, a opção de não utilizar o termo interação, comum na literatura

sobre educação escolar, pauta-se no entendimento de que a interação nem sempre

pressupõe a colaboração, mas a colaboração sempre pressupõe interação. A interação

nem sempre implica em sintonização entre os sujeitos que participam da ação.

Diferentemente da interação, a colaboração tem apenas uma direção, isto é, volta-se

apenas para favorecer o bem-estar social, para favorecer a humanização dos indivíduos,

para favorecer a aproximação e o compartilhamento. Já a interação traz no seu cerne

duas direções que se contrapõem, já que se presta tanto para aproximar os homens

quanto para afastá-los. Da interação tanto decorrem atitudes provocadoras de bem estar

quanto decorrem atitudes provocadoras de mal estar. O ato de estar junto, de interagir

nem sempre pressupõe o compartilhamento dos bens culturais, perspectivando o

favorecimento do bem-estar individual e coletivo. Num ato de agressão, existe interação

entre os sujeitos.

6 JUSTIFICANDO A OPÇÃO TEÓRICA METODOLÓGICA

Toda pesquisa científica pressupõe uma abordagem teórico-metodológica para

subsidiar o levantamento e a interpretação dos dados, a qual expressa a opção do

pesquisador para ‘olhar’ o objeto de estudo, uma vez que, existem diferentes enfoques

epistemológicos que explicam, de formas distintas, a relação sujeito-objeto na apreensão

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da realidade que está sob investigação. A opção aqui foi à direção do que vem sendo

revelado pela ciência atual, melhor dizendo, do caráter dinâmico do conhecimento por

estar sempre se metamorfoseando. A pesquisa, como diz Minayo (2000) “[...] é uma

construção que se faz a partir de outros conhecimentos sobre os quais se exercita a

apreensão, a crítica, e a dúvida” (p.89). Foi no entendimento da pesquisa como uma

aproximação do objeto, que não se permitiu apreender na sua totalidade em decorrência

do seu caráter dinâmico, temporário e modificável, que priorizou elementos de base

histórico-estrutural e etnográfica para compreender o objeto de estudo.

A abordagem de base histórico-estrutural, a partir dos contributos de Demo

(2009), considera, dentre outros elementos, as dimensões objetiva e subjetiva da

realidade, pois reconhece a existência do que está posto (as estruturas) como um dos

elementos que constitui a realidade, mas reconhece, também, que a história é fruto das

relações entre os próprios homens. Assim sendo, o pesquisador não assume uma posição

neutra, tendo em vista que esta é um engodo. Ao ‘olhar’ para o objeto o faz permeado

por saberes e, um desses, de cunho subjetivo. Dessa forma, precisa se esforçar para não

deixar que as ideias pré-concebidas e a subjetividade o ‘impeçam’ de aprofundar a

investigação em relação ao objeto. A apropriação do objeto - como elemento possuído

de significados, concreto, situado, que dita normas, que resiste para não ser apreendido -

exige que o pesquisador imbua-se da teoria e da crítica pessoal para não ser tomado pela

vontade do objeto ou pela sua subjetividade. Nessa direção, a abordagem teórico-

metodológica de cunho qualitativo se justifica, pois pressupõe objeto situado e histórico

que não se desvela na essência, que não é passível de medição e quantificação, mas é

passível de ser aprendido - de forma aproximada - no processo de pesquisa, uma vez que

“o processo de abstração e reprodução da realidade numa linguagem compreensível

certamente apresentará deformidades, posto que o mundo real jamais apresentará a sua

essência quando representado simbolicamente” (SEABRA, 2001, p. 13).

A pesquisa de base etnográfica traz no seu âmbito aspectos semelhantes à

pesquisa qualitativa, tendo em vista que a primeira é uma forma de expressão da

segunda. Assim é verídico dizer que toda pesquisa etnográfica é qualitativa, mas nem

toda pesquisa qualitativa é etnográfica. A pesquisa de base etnográfica ainda constitui-

se numa possibilidade do pesquisador não se deixar direcionar por normas ditadas pelo

objeto. Esta, como diz André (1995), “se caracteriza fundamentalmente por um contato

direto do pesquisador com a situação pesquisada e permite reconstruir os processos e as

relações que configuram a experiência [...]” (p.110). Johnson citado por Cox e Assis-

Peterson (2001) afirma que “a principal tarefa da investigação etnográfica é descobrir a

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3508ISSN 2177-336X

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visão do participante, a visão de quem está dentro, ou seja, a visão êmica” (p. 61).

Afirma também que “o objeto da etnografia, enquanto pesquisa interpretativa, não é o

comportamento (ato físico), mas a ação (ato físico sedimentado e enformado pelos

significados partilhados pelos atores sociais engajados na interação” (COX e ASSIS-

PETERSON, 2001, p.61). A etnografia preocupa-se com a descrição detalhada das

cenas observadas no contexto natural da pesquisa, a partir da identificação e

entendimento do pesquisador e dos atores sociais. Portanto, não é qualquer descrição

que pode ser denominada etnográfica, mas a que se constitui num processo dialético

imbricado pela ação-reflexão-ação. A etnografia, como um método de investigação

científica dos fenômenos sociais, não é incompatível com as metodologias quantitativas,

podendo ser usada pelo investigador sem risco de contradição epistemológica.

7 Á GUISA DA CONCLUSÃO

A partir de um olhar, que teve seu nascedouro do lado de dentro, isto é, da sala

de aula, a pesquisa trouxe a tona, a cultura alojada no espaço- aula. A cultura alojada

evidenciou limites e possibilidades para a colaboração entre estudantes se constituir em

possibilidade de inovação pedagógica na classe multisseriada? Á guisa da conclusão,

apresentam-se, aqui fragmentos do que foi apreendido junto à professora e aos

estudantes, no período de permanecia na sala de aula.

Olhando, de forma acurada, os dados recolhidos na pesquisa reconheceram-se

limites e possibilidades para definição de práticas pedagógicas inovadoras, pela

professora. Como limites destacam-se: pressupostos político-filosóficos que explicam as

concepções de educação, os quais sustentam a prática pedagógica, que na realidade

observada é tradicional; o lugar/valor atribuído a disciplina/comportamento em sala de

aula; a crença de que a colaboração entre os estudantes, nos momentos de realização das

atividades escolares, prejudica a aprendizagem, pois estes tendem a se acomodar

deixando de se esforçar para descobrir por si sós as respostas; a concepção em relação a

domínio de classe; o receio de instituir novas práticas pedagógicas, haja vista que

romper com modelos educacionais, já instituídos, ocasiona desconforto e sofrimento; o

entendimento de que uma prática pedagógica sustentada no reconhecimento da

colaboração entre os estudantes exige mais do professor; a formação na escolarização

básica; a dificuldade de superar crenças arraigadas e apreendidas no cotidiano, na

academia e na formação continuada, referente à prática pedagógica. E como

possibilidades a heterogeneidade exacerbada do grupo classe, do ponto de vista da

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aprendizagem, das histórias de vida e da idade cronológica; a predominância do

exercício da colaboração espontânea, isto é, não planejada, entre os estudantes; a

“transgressão”, pelos estudantes, das regras pré-estabelecidas e impostas pela

professora; o reconhecimento do planejamento como instrumento que favorece o

ensino-aprendizagem em sala de aula, logo, um indicativo de que a colaboração também

pode ser tomada por ela numa perspectiva planejada; a condição de estudante de

pedagogia da professora e o desejo de prosseguir os estudos para se especializar; os

raros momentos de transgressão da rotina instituída, os quais, com certeza são sementes

que irão germinar e aflorar práticas pedagógicas inovadoras.

A leitura dos dados também permitiu reconhecer que a permissão para o

compartilhamento entre os estudantes, isto é, para a prática da colaboração frente às

situações de aula só é possível quando o professor também transgride com o

estabelecido que lhe foi imposto ao longo do seu processo de formação que compreende

diferentes dimensões, entre essas a acadêmica. O primeiro rompimento ocorre dentro do

próprio sujeito. Uma prática pedagógica que privilegia a colaboração planejada traz

benefícios tanto para o professor quanto para os estudantes, pois nesse processo todos

ensinam e todos aprendem, pois todos são capazes.

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O CÍRCULO DE CULTURA NA CLASSE MULTISSERIADA: UMA

INOVAÇÃO PEDAGÓGICA?

Rilva José Pereira Uchôa Cavalcanti

Secretaria de Educação do Estado de Pernambuco

Zélia Maria Soares Jófili

Universidade Federal Rural de Pernambuco

Jesus Maria Angélica Fernandes Sousa

Universidade da Madeira –Funchal- Portugal RESUMO Este estudo fundamenta-se no pensamento freireano, unindo duas contribuições de sua

vasta obra: a pedagogia dialógica e o círculo de cultura, para apoiar a introdução de

mudanças paradigmáticas que viessem a se constituir em inovação pedagógica. Para

tanto, descreve a organização e a dinâmica de uma classe multisseriada que pressupõe,

na organização de seu processo de ensino-aprendizagem, a inclusão de estudantes de

diferentes séries, com diferentes níveis de desempenho cognitivo e de faixa etária e que,

devido a essa heterogeneidade, constitui-se em imenso desafio para os professores de

zona rural. Nesta perspectiva, investiga o formato de um círculo de cultura, prática

intrinsecamente dialógica utilizada na organização de grupos sociais, como estratégia de

organização possível nesta classe. A pesquisa, de natureza qualitativa, caracteriza-se

como uma pesquisa-ação-etnográfico-crítica, que envolveu pesquisador e pesquisados

na vivência de uma prática pedagógica visando analisar a viabilidade desta se constituir

em experiência inovadora naquele espaço. O lócus deste estudo foi uma classe

multisseriada de uma escola municipal da cidade de Itapissuma, no Estado de

Pernambuco. Para a construção dos dados foram utilizados os seguintes instrumentos:

observação participante, diário etnográfico, entrevistas, gravações de áudio e

videografias. Participaram, inicialmente, onze (11) educandos e quinze (15) educandas

na faixa etária de 7 a 14 anos - estudantes dessa classe multisseriada -, a professora, a

educadora de apoio e o gestor da escola. Posteriormente, foram incluídas, também, a

primeira gestora da escola e quatro (4) estagiárias, pelas suas inestimáveis contribuições

antes e durante a realização da pesquisa. Os dados obtidos apontam para a possibilidade

de se considerar a introdução do círculo de cultura em uma classe multisseriada como

inovação pedagógica, na medida em que foram rompidos alguns procedimentos

impregnados na prática pedagógica tradicional dessas classes. Essa inovação,

denominamos de Inovação Pedagógica Dialógica. Palavras-chave: Classe Multisseriada. Círculo de Cultura. Inovação Pedagógica. 1 INTRODUÇÃO

Esta pesquisa pretendeu investigar em que medida o círculo de cultura em uma

classe multisseriada pode ser considerado como inovação pedagógica, uma vez que a

organização e dinâmica de uma classe multisseriada mudou sensivelmente seu formato

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considerando-se que o pensamento freireano, especificamente sua contribuição sobre os

círculos de cultura, apresenta uma organização de processos de aprendizagem na qual os

indivíduos, com seus diferentes conhecimentos e desempenhos, podem participar.

O interesse em desenvolver este trabalho esteve atrelado a uma experiência docente

vivenciada numa escola de zona rural, durante oito anos, no período de 1990 a 1998,

escola aquela considerada modelo numa região que recebia alunos para a quinta série do

Ensino Fundamental oriundos de classes multisseriadas que, em sua grande maioria,

apresentavam dificuldades de aprendizagens. Tais dificuldades eram atribuídas ao

modelo de classe que eles haviam anteriormente frequentado. Além disso, foi também

motivo instigante para a elaboração da pesquisa, a experiência como diretora de ensino

na Secretaria de Educação Municipal de Itapissuma, pois naquela oportunidade se

conheceu a educadora de apoio da escola de zona rural pertencente aquele município,

onde foi feito este estudo pesquisa, que sempre externava em reuniões a insatisfação de

pais e alunos com a organização de multisseriação na escola.

A possibilidade de estudar o círculo de cultura numa classe multisseriada foi

viabilizada pelo planejamento de uma pesquisa-ação a qual foi caracterizada de

etnográfico-crítica, por não se prender apenas à descrição, mas também em

comprometer-se com a realização de um estudo com possibilidade de provocar

mudanças na realidade investigada.

De acordo com essas exigências, percebe-se ser a pesquisa-ação uma ação

investigativa que vai da superação das concepções positivistas de se fazer pesquisa,

onde não existe a participação ativa dos pesquisadores junto aos sujeitos da realidade

observada/estudada à participação ativa desses nessa realidade. Nesse sentido, Thiollent

(2008) considera que a pesquisa-ação é uma estratégia metodológica da pesquisa onde

há uma ampla e explícita interação entre pesquisadores e participantes da realidade

investigada.

Em consideração a esses aspectos elencados acima foi pertinente concluir-se que

a pesquisa-ação é adequada a pesquisadores que queiram ultrapassar as perspectivas de

pesquisas que se prendem a formas tradicionais de levantamentos de dados ou de

relatórios a serem guardados.

2 CLASSE MULTISSERIADA: ESPAÇO ESCOLAR DA ÁREA RURAL

BRASILEIRA

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Sobre essas classes de acordo com o Censo Escolar de 2000, 64% das escolas

oferecem classes multisseriadas de ensino fundamental de 1ª a 4ª série. Estas enfrentam

muitos desafios para garantir as populações do campo seu direito à escolarização

obrigatória. Como desafios, na escassa literatura sobre o assunto, são apontados a

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formação de professores para atuarem nessa realidade, a construção de propostas

didático-pedagógicas específicas e infraestrutura física.

As classes multisseriadas, presentes na realidade brasileira desde a colonização

portuguesa, é hoje uma realidade predominante na zona rural de muitos municípios do

país. Ao longo da trajetória enfrentam dificuldades na tentativa de possibilitar o sucesso

escolar da população que a freqüenta. Contudo, historicamente vem sendo concebidas

como espaços sem ‘valor’ pedagógico, onde se ministra um ensino sem qualidade,

tendo em vista a heterogeneidade cognitiva dos educandos e a heterogeneidade de séries

se configurar como empecilho para o ofício do educador, como também a inexistência

de políticas educacionais voltadas para esta realidade.

Uma análise do texto do Artigo 28 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional nº 9.394/96 que trata da oferta da educação básica à população rural e da

realidade da educação levada a efeito na área rural do Brasil evidencia-se o quanto esta

precisa avançar. Santos (2002), ao tratar da educação rural, no texto legal da Lei da

Educação Nacional, acima mencionado, afirma que é desnecessário tecer comentários a

respeito do vazio de que trata o Artigo 28 e seus incisos, pois se desconhece alguma

política educacional, em municípios, que leve em consideração as peculiaridades da

educação rural, especialmente da Classe Multisseriada.

Nesse sentido percebe-se a grande dificuldade dos professores dessas classes em

desenvolverem um trabalho pedagógico que atenda, de fato, a realidade de diferenças

ali existentes, não apenas em virtude de possuir, em um mesmo espaço, diferentes

séries, mas por ali também existirem sujeitos diferentes com níveis de desempenhos

diferenciados, com suas próprias identidades. Sujeitos com histórias e experiências de

vida diferentes. Aspectos, certamente, influenciadores dos desempenhos dos alunos

nessas classes.

Em sua pesquisa sobre Movimentos sociais do campo e a afirmação do direito à

educação: pautando o debate sobre as escolas multisseriadas na Amazônia paraense, o

professor Salomão Mufarrej Haje ao referir-se às escolas do campo como multisseriadas

afirma que essas escolas “[...] são espaços marcados predominantemente pela

heterogeneidade, ao reunir grupos com diferenças de série, de sexo, de idade, de interesses e

de domínio de conhecimentos, de níveis de aproveitamento, etc.” (2006, 311).

Assim sendo, mesmo tendo-se a clareza dessas diferenças na classe multisseriada,

esta “tem constituído sua identidade referenciada na precarização do modelo urbano seriado

de ensino” (HAJE, 2006, p. 310) . Segundo o supracitado autor este modelo de

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ensino pauta-se por uma lógica ‘transmissiva’, que organiza todos os tempos e espaços

dos professores e dos alunos em tornos dos ‘conteúdos’ a serem transmitidos e

aprendidos, transformando os conteúdos no eixo vertebrador da organização dos graus,

séries, disciplinas, grades, avaliações, recuperações, aprovações ou reprovações (Idem).

Nesse sentido, poderíamos também afirmar que a organização da classe

multisseriada, mesmo com toda consciência de ser um espaço diferenciado por sua

própria natureza, condiz com a organização de classe e também de escola enfáticos no

modelo de escola fabril, criada para atender às necessidades emergentes de uma

realidade industrial. A escola pautada no paradigma fabril foi capaz de dar respostas às

necessidades do modelo industrial de pacificação social de um novo tipo de homem

adaptado às exigências do novo modelo de produção (FINO, 2001).

Para Tofller, essa escola de modelo fabril “tornou-se um espelho antecipatório,

uma introdução perfeita à sociedade industrial” (1973, p. 334). Assumindo ela as

seguintes características: a regimentação, a falta de individualização, os rígidos sistemas

de locação, agrupamento, graduação e escalas de valorização de notas, o papel

autoritário do professor, campainha, sincronização, a concentração em edifício fechado,

as classes e as separações por idades, as classes sociais (professores e alunos), a divisão

analítica do currículo que desemboca num sistema de um professor por disciplina, a

autoridade do professor, representante do futuro empregador ou do Estado. Tais

características fazem parte das críticas que se colocam à escola e à educação por aqueles

que discutem a interdisciplinaridade.

Esta forma de conceber a escola é um reforço à pedagogia tradicional de

educação e ao modelo capitalista de organização escolar. O paradigma tradicional que

teve sua razão de ser a alguns séculos atrás, “[...] se adapta mais a um mundo

permanente estático do que há um mundo em mudança.” (CARDOSO, 2005: 2).

De acordo com a caracterização dessa pedagogia entendemos que a mesma não

se coaduna com a proposta pedagógica freireana, inclusive com os princípios teóricos e

metodológicos presentes no círculo de cultura. Neste a prática pedagógica não é

fragmentada, pressupõe romper com ideologias construídas a partir do de educação

tradicional. Neste sentido, acreditamos que os pressupostos freireanos favorecem o

rompimento e subsidiam a inovação pedagógica em classes multisseriadas.

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3 INOVAÇÃO PEDAGÓGICA NUMA CLASSE MULTISSERIADA

Apesar da situação de precariedade que foi descrita no item anterior acerca da

educação rural, estendendo-se essa precariedade, consequentemente, as suas escolas e

classes, acredita-se ser possível outro fazer docente, uma prática pedagógica

diferenciada para a melhoria da aprendizagem naqueles espaços, considerando-se,

inclusive, todas as diferenças ali existentes como um referencial positivo para se inovar

na organização e na prática pedagógica desenvolvidas ali.

Para tanto é preciso clarificar as compreensões de inovação e inovação

pedagógica que estão subjacentes ao entendimento de se enxergar essa possibilidade

para uma classe multisseriada situada no campo e para o campo.

Das poucas referências a que se pôde ter acesso sobre inovação, uma

compreensão foi possível: inovação é uma mudança, e, diga-se de passagem, mudança

para algo melhor do que o que se vinha desenvolvendo, realizando, vivenciando.

Em relação a esta proposta alguns autores convergem para uma compreensão de

inovação como uma ruptura de algo, de alguma coisa já estabelecida, que vem

perdurando por muito tempo.

No entanto, evidenciam-se alguns conceitos acerca da inovação voltados para

um mesmo sentido. Correia (1991), apesar de fazer uma abordagem conceitual da

mudança mais voltada para o contexto do macrossistema afirma ser a:

[...] inovação uma mudança deliberada e conscientemente assumida [...] visando objetivos bem precisos à melhoria do sistema, o aumento de sua eficácia no cumprimento de seus objetivos. “[...] A inovação é um processo planificado, prosseguindo objetivos compatíveis com os

do sistema (CORREIA, 1991, p. 31).

Nesse sentido, há que se considerar que há referências à inovação no setor

educacional como a mudança que advém da escola, da sala de aula, intencionada pelos

sujeitos sociais ali existentes, sem obedecer a um planejamento advindo de órgãos

centrais, porém construído lá naquele espaço, a partir das concepções, crenças e valores

dos sujeitos envolvidos. Fernandes (2000) comunga desse ponto de vista sobre a

inovação quando se refere à mudança que tem origem na escola e é construída pelos

professores sem obedecer a um planejamento central.

Na compreensão de Thurler “a sorte de uma inovação depende do que os

professores pensam a respeito dela, em função de seu interesse” (THURLER, 2001, p.

20). Para a autora, se isso fosse levado em consideração, na história da escola existiriam

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menos reformas abortadas, pois muitas chegam de “paraquedas” naquele espaço e não

contam com a adesão nem com a aceitação dos profissionais existentes na escola. Nesse

sentido pode-se talvez se compreender a resistência que pode existir em relação às

mudanças, advindas de professores

As análises de Sousa e Fino (2005) sobre o conceito de inovação são situadas em

relação à necessidade emergente da escola para atender às novas exigências que lhes são

colocadas frente do desenvolvimento social, político e econômico que as tecnologias da

comunicação e informação lhe impõem. Por esta razão, os autores reforçam que a

“escola não pode ser apenas joguete de mudanças externas, mas deve assumir ela

própria a mudança desejada” (Idem).

Apesar da inovação, na perspectiva de ruptura paradigmática e de uma intenção

planejada pelo professor, ser discutida por autores como, Farias (2006), Carbonel

(2002), Fernandes (2000), Thurler (2001), apenas em Férretti (1995), Cardoso (2005) e

em Sousa e Fino (2005, 2006, 2007 e 2010), foi possível identificar sobre a inovação

classificada como pedagógica. Esta inovação implica mudanças qualitativas nas práticas

pedagógicas envolvendo sempre um posicionamento crítico, explícito ou implícito face

às práticas tradicionais (FINO, 2006, p. 1).

Inovar pedagogicamente no interior de uma classe, é romper com os paradigmas

que nortearam sua organização e implementação durantes séculos bem como com os

paradigmas autoritários e tradicionais que subsidiam ou subsidiaram as práticas dos

professores em sala de aula.

A organização inovadora da classe multisseriada não separa os estudantes, ao

contrário, os junta oferecendo oportunidade para trocas e confrontos de saberes. Em

lugar de se utilizar o quadro de forma dividida para separação de atividades por série,

aquele passa ser um espaço onde podem ser representadas as diferentes formas de se

executar as atividades propostas pela professora. Em lugar da rigidez para a organização

de conteúdos tem lugar o surgimento deles a partir da curiosidade e necessidade, tanto

das descobertas, provindas dos estudantes como do educador. Exclui-se a necessidade

de sequência rígida para se explorar e vivenciar o estudo de qualquer conteúdo.

As diferenças individuais, provenientes das idades, das séries, da vivência social,

do tempo que o estudante tenha de experiência na instituição escolar, no lugar de

empecilho, passam a ser uma oportunidade e referenciais para o enriquecimento do

processo educativo, uma vez que, os diferentes saberes e diferentes experiências passam

a ser confrontadas para a construção de novos saberes.

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4 O CÍRCULO DE CULTURA NA CLASSE MULTISSERIADA COMO

POSSIBILIDADE DE INOVAÇÃO PEDAGÓGICA

Para Freire, a educação é o meio pelo qual se pode fazer o povo refletir. Dessa

forma numa classe, seja ela regular ou multisseriada, deve-se fazer da educação este

meio a partir de uma prática pedagógica que se organiza considerando a realidade dos

educandos, fazendo-os refletir sobre o seu próprio contexto, propiciando-lhes

oportunidades de construir uma realidade diferente. Esta forma de organizar o trabalho

pedagógico, principalmente nas classes multisseriadas, levaria professor e aluno, mesmo

de desempenhos diferentes, a adequarem a organização da prática pedagógica e da sala

de aula de acordo com a vivência dos mesmos. O ensino passaria assim a ser

contextualizado, diferente da forma fragmentada e sequencial que adveio da escola

organizada na sociedade fechada.

Tentar inovar numa classe multisseriada é propor para ela não só uma

organização diferente, mas uma prática pedagógica em que não seja apenas o professor

que “ensine ao aluno”, mas que todos participem da construção de um saber coletivo.

Isto, se considerarmos que o pensamento de Freire, pode ser considerado um

rompimento com a ordem autoritária da organização e da prática pedagógica vigente há

séculos nessas classes. O professor ou o coordenador dessa classe transformada,

diferente da classe tradicional, poderia ser considerado um subversivo por subverter a

“ordem” posta pelas concepções arcaicas de organização das classes multisseriadas.

A subversão do professor dessa classe inovada, passa pelo entendimento dele de

uma concepção crítica da educação para a organização de sua prática pedagógica como

também para a formação de um sujeito crítico.

Talvez a ideia de transformar a classe multisseriada num círculo de cultura, pela

própria natureza que esse círculo traz de uma relação democrática e dialógica, pode

impor ao professor certo medo, certa insegurança devido a nossa construção histórica

anti-democratica e anti-dialógica. Segundo Freire:

[...] os analistas de nossa formação histórico-cultural têm insistido

direta ou indiretamente na nossa ‘inexperiência democrática. [...] Realmente o Brasil nasceu e cresceu dentro de condições negativas às

experiências democráticas (p. 66). Entre nós, [...] o que predominou foi o mutismo do homem. Foi a sua não-participação na solução dos

problemas comuns. Faltou-nos [...] com o tipo de colonização que tivemos, vivência comunitária. (FREIRE, 1980, p.70).

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Esta realidade social está presente em muitas situações vivenciadas nas salas de

aulas, nas escolas, reproduzidas, reforçadas, mesmo sem o professor ter consciência

disso. O círculo de cultura, como uma proposta educacional baseada no diálogo é

profundamente democrático. Segundo Freire, a democracia:

[...] é forma de vida, se caracteriza, sobretudo por forte dose de

transitividade de consciência no comportamento do homem. Transitividade que não nasce e nem se desenvolve a não ser dentro de certas condições em que o homem seja lançado ao debate, ao exame de seus problemas e dos problemas comuns. Em que o homem participe. (FREIRE, 1983, p.80).

Nessa perspectiva, a democracia pode encontrar sentido na prática da sala de

aula a partir de uma postura pedagógica do educador em que o educando não seja

informado do processo, mais participe dele como sujeito ativo.

A participação do sujeito da aprendizagem no processo de construção

do conhecimento não é apenas algo mais democrático, mas demonstrou ser também mais eficaz. Ao contrário da concepção

tradicional da escola, que se apoiava em métodos centrados na autoridade do professor. Paulo Freire comprovou que os métodos

novos, em que os alunos e os professores aprendem juntos, são mais eficientes. (GADOTTI, 1996, p. 83).

Para Freire, a educação deve oferecer, ao educando, instrumentos que lhe dê

condições de dialogar com o outro e de inquietar-se, pois ele não compreendia: “uma

educação que levasse o homem a posições quietistas ao invés daquela que o levasse à

procura da verdade em comum, ouvindo, perguntando, investigando.” (FREIRE, 1983, p.

90).

Esta visão de Freire denota sua preocupação pela mudança como sendo algo

inerente à democracia. Como é possível numa sociedade que vem, há muito, discutindo

formas de organização democrática, a escola, a classe, inclusive a multisseriada, está

ainda organizada de forma tradicional com características do modelo fabril?

O círculo de cultura como forma de organização que busca romper, na classe, com

essas características, viabiliza um processo democrático de confronto de saberes e

compreensões que faz dos sujeitos envolvidos na sala sujeitos ativos no processo educativo.

Isto, numa classe multisseriada, faz com que se supere a vivência dicotomizada e

fragmentada de conteúdos ou atividades e a preocupação com o que o educando viu e de

que forma, em sua série de origem. Perpassa pelo círculo o saber que se tem construído.

O funcionamento do círculo de cultura numa classe multisseriada, ou em qualquer

espaço onde haja possibilidade de troca de saberes, rompe com o modelo tradicional de

ensinar e aprender. Ao exigir, tanto do educador quanto dos educandos, uma postura

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crítica, propicia uma forma diferente de se encaminhar o processo educacional. Na

realidade, a presença do diálogo efetivo e intenso, onde o saber, as opiniões, as informações

dos participantes vêm à tona e se transformam em contexto de análise e reflexão de todos os

participantes, é condição indispensável para a formação do cidadão.

5 INOVAÇÃO PEDAGÓGICA DIALÓGICA: COMO PONTO DE CONCLUSÃO.

Através de uma pesquisa-ação etnográfico-crítica foi possível analisar-se em que

medida o círculo de cultura numa classe multisseriada pode ser considerado inovação

pedagógica.

Organizar aquela classe em círculo de cultura pode ser considerado como

iniciativa de instalação de uma inovação pedagógica, não só pela mudança ocorrida na

organização espacial, mas considerando, também, toda a orientação teórico-prática

proveniente daquela organização, de objetivar perspectivas diferenciadas, tanto para o

desempenho do professor, como para o papel do aluno, na busca de facilitar a

aprendizagem para o educando.

A compreensão de ter inovado pedagogicamente naquela classe multisseriada, a

partir da organização do ensino, em seu interior, em círculo de cultura, fundamenta-se,

inclusive, no entendimento construído de que a inovação pedagógica é uma ruptura com

algo estabelecido. E em se tratando de sala de aula essa ruptura acontece, provocada

pelo professor.

Ao se vivenciar o círculo de cultura naquela classe foram detectadas rupturas em

vários aspectos: na própria forma de organização espacial em filas seriadas,

diferentemente do que se vivenciava no cotidiano daquela sala. Enfim, o círculo de

cultura, enquanto intervenção da pesquisa-ação etnográfico-crítica rompeu com algumas

concepções teórico-práticas instituídas em relação à organização da classe e ao

funcionamento do ensino centrando-se mais no ensino; ao ato de planejar; ao ensino de

conteúdos; ao registro no diário de classe; à avaliação; ao que deve saber o professor; às

tarefas de classe e de casa; e ao modo de agir do professor e do aluno.

Diante dessas rupturas provocadas e a serem adotadas pela professora de uma classe

multisseriada organizada em círculo de cultura, por uma mudança de concepções teóricas é

que se entende que há a possibilidade de considerar a forma de organização da classe

multisseriada organizada em círculo de cultura como inovação pedagógica. E, por essa

organização ter o diálogo como uma ação constante, incessante, desde a ação de

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planejar o círculo que pode contar com a contribuição dos participantes, até sua

vivência em sala de aula pode-se então definir essa inovação pedagógica como

dialógica. Definindo-a como uma mudança intencionada pelos agentes da mudança,

cujas práticas de mudança incentivam e promovem a prática do diálogo.

A inovação pedagógica dialógica é perpassada pela prática do diálogo em todos

os sentidos e de todas as formas. Há diálogo do professor com ele mesmo nos

momentos de análise e reflexão de sua prática. Há diálogo entre aquele e os estudantes

no momento do processo educativo em círculo de cultura. Há diálogos entre os próprios

estudantes para a integração e interação no exercício de aprenderem e trocarem suas

dúvidas e certezas. Há diálogo entre esses sujeitos, professor e alunos e outros que

poderão ser envolvidos nessa proposta de organização.

Pode-se dizer que, neste caso, a inovação pedagógica dialógica é constituída

pelas mudanças, transformações que podem ocorrer numa classe, seja ela multisseriada

ou não, a partir das mudanças e transformações ocorridas nas concepções daquele que é

o responsável pela condução, coordenação do processo ensino-aprendizagem naquele

espaço. Mudanças e transformações ideológicas e políticas que venham a provocar

alterações na forma de conceber e enxergar de quem é e qual é o papel dos sujeitos

envolvidos direta e indiretamente no ato de aprender.

Assim sendo, propor uma intervenção na prática pedagógica numa classe

multisseriada, por meio de uma pesquisa-ação e, etnograficamente descrevê-la “de

dentro”, possibilitou identificar melhor a existência da inovação. Como essa inovação

foi numa sala de aula, identificou-se a existência de uma inovação pedagógica

encaminhada por uma prática adotada, a prática do diálogo e que por isso mesmo, se

apresenta como uma inovação pedagógica dialógica.

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