poemas com bicho
DESCRIPTION
Algumas paginas do livro "Poemas com Bicho" de Ernesto Silva, produzido e editado pela 1000olhos.TRANSCRIPT
5
Índice
7 | Prefácio
9 | Quando a morte gera vida
10 | Antídoto
11 | O ladrão
12 | O predador
13 | Rei dos Mares
14 | O intruso
15 | O engenhoso picanço-real
16 | Mutação
17 | A armadilha
18 | O noctívago noitibó
19 | A formiga “cortadeira1”
20 | Falta a vitamina A
21 | Humano engenho
22 | O destino da Lagarta
23 | A bondade do vampiro
24 | Quando a morte
é liberdade
25 | Prova de amor
26 | A soltura
27 | “Nada se perde...”
28 | O Saicó
29 | À guisa de La Fontaine
30 | O Tarico
31 | Respiração boca a boca
32 | O alcaravão
33 | Nado há 140 milhões
de anos
34 | Que sopa?
35 | Rasteiro com batatas
36 | A força do picante
37 | O bailado
38 | Burro só de nome
39 | O estafeta
40 | Adágio contrariado
41 | A felina
42 | Salvo das águas
43 | O trio
44 | “Fome a quanto obrigas”
45 | Eterna amizade
46 | A visita
47 | O Pardal
48 | A cegonha predadora
49 | A grande viagem
50 | A chocadeira humana
51 | Filho adoptivo
52 | O Pang Yao
53 | Mauremis leprosa
54 | Lado oposto
55 | Troviscada
56 | O peneireiro
57 | Gato por coelho I
58 | Vitela de primeira
59 | O milagre da cor
60 | Gato por coelho II
61 | De palha!...
62 | Caça aos gambozinos
63 | Só metade
64 | Polvo armado
65 | Puro canibalismo
66 | O órfão
67 | A qualidade da folha
68 | Confusão
69 | Quando a pressa dá vagar
70 | O peixe-aranha
71 | Os ratos geraram moscas
72 | Picanço-barrete
73 | O saramago anti-séptico
74 | O homem
que mordeu o cão
75 | O decúbito da galinha
76 | Pontaria
77 | Sempre fiel
78 | Situação “porcinal”
79 | A exumação
80 | Aprendeu a lição
81 | Inversão de sentido
82 | A terrível catatua
83 | A morte do cantor
84 | O renovar da águia
85 | Ditado confirmado
86 | Porco mas não tanto!...
87 | Creches
88 | Intrepidez
89 | Três em um
90 | Tratamento de beleza
91 | O imitador
92 | Fome?!...
A quanto obrigas...
93 | Orientação
94 | Incúria
95 | Substantivos colectivos
97 | Python Sebae
98 | “Penas” de cágado (???...)
99 | Anedota
100 | Abrigos
102 | A Blind
103 | Como caça o pica-pau
104 | Ave canora
105 | Useiro e vezeiro
106 | Partir pinhão
107 | “A rã que não sabia
que estava sendo cozida1”
108 | O poder do assobio
109 | Aquário de passarinhos!...
110 | À guisa de posfácio
112 | Ficha Técnica
7
Prefácio
Aqui está o novo livro de poemas de Ernesto Silva. Poemas com bicho, como o nome
indica, é um conjunto de histórias rimadas em que os animais são os protagonistas.
Histórias, muitas delas, fruto da magnífica oralidade dos meus contemporâneos,
como Ernesto Silva nos confessou há tempos; muitas outras, porém, baseadas nas
observações feitas pelo poeta ao longo da sua vida.
Vale a pena lermos estas histórias. Todas distraem. Todas têm graça e um certo
humor, imbuído de ironia fina nalguns casos. Todas são de cunho didáctico, não
só no que diz respeito às muitas espécies de animais e seus hábitos que ficamos a
conhecer melhor, também, e em especial, pelas inúmeras questões de carácter moral
com que somos confrontados.
Na verdade, o que nos levará a afogar três gatinhos acabados de nascer, se temos
a mãe mesmo à nossa frente a desfazer-se em mimos e cuidados pela sua prole? Por
que será que um grilo cantor nos incomoda, se, ao mesmo tempo, não nos faz a
mínima diferença ter um sem número de pintarroxos engaiolados, sofridos, nas grades à
cabeçada? E um canário, capaz de produzir trinados que nem um encanto, não tem valor
por ser coxo de uma pata? Não deveríamos seguir o exemplo do preso que vivia na sua
cela com um gato e um rato numa amizade perfeita, repartindo o pouco que tinha com
os bichitos e ensinando o gato a não fazer mal ao rato?
Pela sua humanidade, por nos lembrarem que devemos tratar os animais com
dignidade e respeito, levando-nos, inclusivamente, a admirá-los e a sentirmos uma
nova ternura por eles, estas histórias com bicho merecem ser levadas até às escolas.
Mas não só por este motivo. Como já referimos, através delas alargamos os nossos
conhecimentos do mundo animal. E, depois, será igualmente de interesse analisar a
linguagem viva, dinâmica e colorida de que Ernesto Silva faz uso, linguagem com a
qual nos permite “ver” o que está contando.
Desejamos a todos, grandes e pequenos, horas bem passadas com a leitura dos
Poemas com bicho. Horas bem passadas e construtivas. A deixar na alma um sorriso
e, talvez, um remorso e um desejo de emenda.
Margarida Nörenberg
9
Quando a morte gera vida
No tronco carcomido do carvalho
Havia um buraco de água cheio
E uma pequena rã, mesmo no meio,
Depositou os ovos sem trabalho.
A fêmea de um mosquito, nesse dia,
Também fez a postura dos seus ovos.
Agora, ambos, esperam filhos novos,
Numa estada de calma e de porfia.
Nasceram os mosquitos e os girinos
E ficou o buraco cheio de vida.
Mas a lei da natureza, de seguida,
Marcou desde logo os seus destinos.
Os girinos, não se mostram aflitos,
Nadando vão da superfície ao fundo.
E saibam, é sentença deste mundo,
Que comam as larvas vivas dos mosquitos.
É pois, assim, a lei da natureza:
O forte, cruel, os outros mata
E os que fenecem, mesmo nessa data,
Garantem que a vida é uma certeza.
10
Antídoto
Na rica Amazónia do Brasil,
Há vida desde a mais primária forma
E tanta, tanta vida, quantas mil,
Que fogem ao sentido e mais à norma.
Há uma psitácidas que conheço,
De penas vivas, todas multicor,
Que come barro e tem por ele apreço
Como um manjar só digno do Senhor.
Pois esse papagaio tão colorido,
Devora certos frutos com veneno
E neutraliza, o veneno ingerido,
Com barro que procura no terreno.
Quem foi o douto, o sábio, que ensinou
Um tal remédio a tão pequena ave?
Com apurado instinto ela encontrou,
Antídoto que ao veneno faz entrave.
11
O ladrão
O pequeno rouxinol1
Um trabalhador de escol,
No rebordo do silvado,
Com cuidado e com carinho,
Foi construindo o seu ninho,
Até ficar acabado.
E, assim, como previu,
Chegada a altura do cio,
A sua cara metade,
Com amor, muita ternura,
Começou sua postura,
Num saber e à vontade.
Mas num galho empoleirada,
A cuca que é estouvada,
Todo o trabalho mirou.
Como é ave de mais porte
E, portanto, bem mais forte,
O belo ninho assaltou.
Pôs um ovo mesmo ao lado,
Dos outros, bem disfarçado,
Mas vigiando por perto.
Os donos da moradia,
Julgaram que era magia
E nunca do cuco2 esperto.
Ao dar-se a eclosão,
Um enorme passarão,
Sobressai num desalinho.
Prepotente e bem mais forte,
Empurra os outros prá morte
E fá-los cair do ninho.
O cuco é rei e senhor
E os rouxinóis, num labor,
Carregam o santo dia,
Desde o mosquito à lagarta,
A comida que não farta,
Àquela malvada cria.
Vendo a história mais fundo,
Neste tão perverso mundo,
Tão eivado de malucos,
Em cada canto da rua,
Quanta gente não actua
Como na história dos cucos.
1 Luscinia megarhynchos. Ave da família dos
Muscicapideos.
2 Cuculus canorus - Família Cuculidae.
12
O predador
No beiral da minha casa
Há sempre um bater de asa,
O trinfar é permanente.
Os ninhos, mais de setenta
E todo o quadro apresenta,
Um labutar permanente.
Num vai vem, as andorinhas,
Que são protegidas minhas,
Procriam todos os anos,
Num ambiente capaz,
Cheio de amor e de paz,
Onde não há desenganos.
Mas uma noite. Que horror!...
Sou acordado em torpor,
Consigo, mesmo almejar,
Uma coruja danada,
Levar na garra afiada,
Andorinha pró jantar.
Esta nocturna rapace,
Não usa qualquer disfarce.
Com as garras bem em riste,
Deslizando de mansinho,
Retira as crias do ninho
E dá-lhes um fim bem triste.
Na sua dura crueza,
Tem sempre a mãe natureza,
Quando a fome a uns aperta,
Aos mais fracos ir buscar,
Algo que possa evitar,
Uma morte quase certa.
13
Rei dos Mares
Senhor do mar profundo,
Grande em voracidade,
Parece de outro mundo,
Tal a ferocidade.
Percorre os oceanos
O grande tubarão.
Até preda os humanos,
Se for ocasião.
Tudo o que mexe ataca,
Com seu dente afiado,
Esquarteja como faca,
Carrasco e desalmado.
Atrás deste portento,
De força nunca vista,
Está sempre em movimento,
Um mais pequeno artista.
A rémora1 vai comendo,
Tudo o que é desperdício
Do tubarão horrendo,
Como um dever de ofício.
E está sempre obrigada,
Por esta criatura,
Manter limpa, asseada,
A fera dentadura.
A rémora lembrar faz,
Uns certos figurões,
Que vivem sempre atrás,
Dos grandes “tubarões”...
1 Ou rêmora. Peixe da família Echeneidae.
14
O intruso
Pelo buraco estreito da colmeia
Um guloso rato1 se introduz
E, quando de mel tem a barriga cheia,
Volta atrás ao buraco que reluz.
É tão farta e grande a barrigada
Que não cabe nele o pobre rato.
Salta, respinga, dá tanta cabeçada
E antevê o fruto do seu acto.
O exército alado das abelhas
Ataca, ferozmente, o roedor
E mesmo usando as suas artes velhas
Às picadas sucumbe o predador.
O pobre rato, jaz, juntinho à porta,
Depois de dar o último estertor.
E quando exala um cheiro que desconforta,
Às abelhas perturba o seu labor.
Morta que está esta terrível fera,
Manda a rainha, num jeito sem desvelo,
Que todo o rato fique envolto em cera,
Mumificado e feito num novelo.
A história não nos mostra novidade,
Sequer o pobre rato causa dó...
Mas, digamos em abono da verdade,
Teve pomba real de faraó...
1 Rato-do-Campo: Mamífero roedor
da Família Muridae.
Géneros: Holochilus, Orizomys e Mastomys.
15
O engenhoso Picanço Real
Nos pilriteiros1 à beira dos caminhos,
É bem de ver, com certa frequência,
Pêlos de rato espetados nos espinhos,
Quando se dá das folhas a ausência.
Pêlos de rato?!... Pergunta o curioso (?!...)
E a resposta vem logo de seguida:
Há um pássaro pequeno e engenhoso,
Que dos espinhos tira a melhor partida.
O picanço2, maior que um pardal,
Que no inverno, onde há crise de vida,
Dá caça aos ratos num jeito especial
E deles faz a principal comida.
Caçado o rato, coloca-o no espinho,
Puxa com o bico, disseca o roedor.
E quando tudo é estéril e maninho,
O rato vem dar vida e mais calor.
1 Planta da família das rosáceas, também conhecida
por carapeteiro - Crataegus laevigata ou Craetagus monogyna.
2 Lanius excubitor.
16
Mutação
Lepidossirenídeo1!... Que palavrão?!...
Da Amazónia é peixe não vulgar
Que tem, podem crer, este condão
De usar a mutação no respirar.
Se o rio é caudaloso e tem corrente,
As brânquias usa na respiração,
Mas quando chega a seca, frequente,
Respira, vejam lá, por pulmão.
Não sei se haverá mudança assim,
Neste mundo tão fértil de surpresa.
Mas são tantos... Quase não têm fim...
Os mistérios que guarda a natureza!...
1 Peixe da ordem dos dipnóicos.
17
A armadilha
Artrópode pequeno, acastanhado,
Como um bago de milho e quase oval,
Que vive e poderá ser encontrado,
Nas dunas, junto ao mar, de Portugal.
Faz um buraco em forma de funil,
Coloca-se no vértice, bem no fundo,
Onde engendra todo o seu ardil
Como a coisa mais fácil deste mundo.
Um qualquer verme ou descuidado insecto,
Que demande a borda do buraco,
Por mais inteligente ou circunspecto
Cai logo, nesta trama, como um fraco.
Se sente, o estranho, no lugar certeiro,
Move a areia no fundo da “arola1”,
O incauto, num esforço derradeiro,
Ao encontro do predador rebola.
Com um par de quelíceras bem em riste,
Rodopiando no fundo, em alvoroço,
O predado sucumbe, não resiste
E o engenhoso artrópode ganha almoço.
1 Ratoeira, ardil.
20
Falta a vitamina A
No continente africano,
A inquieta gazela,
Tem que andar sempre à cautela
Em qualquer dia do ano.
Porque o grupo do leão,
No seu sábio farejar,
Sabe bem como a caçar
Na mais simples distracção.
No mundo dito selvagem,
Houve sempre, em todo o lado,
O caçador e o caçado,
O medo e a coragem.
Morta a gazela no pasto,
O leão, dá a dentada.
E logo que é desventrada,
Inicia-se o repasto.
Fica a turbamulta à espera.
O fígado vai pró leão.
Saciado, deixa, então,
O resto para outra fera.
A víscera do ruminante,
De vitamina é bem rica.
Se o leão não a fabrica
Torna-se ávido num instante.
Este felino carece,
Muita vitamina A
E a vera razão cá está
Porque este caso acontece.
Edição1000olhos
Design gráficoFernando Mendes
Formato 17 x 23,5 cm
Miolo: 128 páginas a 1/1 cor (preto), em papel IOR de 100 grs.
Guardas: Em papel IOR de 100 grs.
Capa: Dura, armada em cartão 2 mm. e forrada a papel couché mate,impresso a 1/0 cores e plastificado a mate no exterior.
Acabamento: Armar e meter em capa, miolo cosido à linha, lombo plano e transfil.
“Encarcerar a asa
é encarcerar o pensamento humano.”
Guerra Junqueiro
A soltura
Pintarroxos?...
Cinquenta!...
Engaiolados, sofridos,
Nas grades à cabeçada,
Vítimas da grande caçada,
De há dois dias volvidos.
Nem sei qual era a sentença
Que lhes estava destinada?!...
Em abono da verdade,
Nunca seria encarada,
A soltura, a liberdade.
Na manhã do terceiro dia,
Mal abordei o quintal,
Noto a gaiola vazia,
Dos pássaros não vi sinal.
Qual perito em evasão
E numa visão bem certa,
Tacteando o gaiolão,
Encontro uma porta aberta.
E a mim mesmo perguntei:
- Quem lhes abriu o portal?!...
Nisto, chega sorrateiro,
O meu pai, ar triunfal,
A citar Guerra Junqueiro...