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10/10/2015 "Pode falar, a capitão é um homenzinho!" http://vozerio.org.br/Podefalaracapitaoeum 1/10 Mais vozes, mais Rio REPORTAGENS POR DENTRO DAS UPPS 10 / 10 / 2015 | ISABELA FRAGA "Pode falar, a capitão é um homenzinho!" OUÇA AS VOZES DO RIO PREENCHA O

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homenzinho!"

Mais escolarizadas,desempenhando maisfunções administrativas elidando diariamente com omachismo da PM, asmulheres policiais das UPPs— as PFems — afirmam sermenos hostilizadas e maisaceitas pelos moradores dascomunidades em processo depacificação, segundopesquisa realizada peloCentro de Estudos deSegurança e Cidadania(CESeC). Ao mesmo tempo, osconflitos e os grupos táticosmais repressivos semultiplicam nas favelaspacificadas. As UPPs, afinal,estão se "masculinizando"?

"Pode falar, a capitão é um homenzinho!", garantiuum policial da UPP do Morro dos Macacos, em VilaIsabel, numa conversa com a capitão Paula Apulchro,comandante da unidade — deixando claro para quenão era necessário ter pudores com a chefe. Amistura de gêneros ilustra bem a situação ambíguavivida pelas mulheres policiais nas 38 UPPs instaladasaté hoje na Região Metropolitana do Rio. Na tensãoentre a virilidade favorecida pelo militarismo e ascaracterísticas vistas como femininas que poderiambeneficiar o policiamento de proximidade, as policiaismulheres exercem mais cargos administrativos e sãomenos hostilizadas do que os policiais masculinos

Projeto GuiadasUrbanaspromovepasseiosturísticos paravalorizar acultura e ahistória dosubúrbiocarioca

Ajuste fiscal ouvital?A empatiaseletiva dasociedadefrente àviolência letalem espaçosnobres eperiferiasdeveria nosenvergonhar,afirma ÁtilaRoque, diretorexecutivo daAnistiaInternacional

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nas comunidades onde trabalham.

As conclusões são da pesquisa "UPPs: o que pensamos policiais", realizada ao longo de 2014 pelo Centrode Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC) comuma amostra de 2.002 policiais. Do efetivo total dasUPPs, apenas 9,7% são mulheres. Embora de 2010para 2012 (anos da primeira e segunda edição dapesquisa) esse valor tenha aumentado de 0,8% para11,4%, nos últimos anos ele se manteve estável (amargem de erro é de 4%), sem revelar umcrescimento no ingresso das policiais femininas nasUPPs.

Ou seja: se você for "PFem" de uma UPP,necessariamente vai conviver com mais homens doque com mulheres. O ambiente masculino se refletetambém na denominação das patentes, que impede avariação de gênero: embora os dicionários registremos termos "capitã", "soldada" etc., as Forças Armadaspreferem não utilizá-los. Daí o estranhamento:Apulchro é "a capitão"; que chama "a soldado Juliana"para a entrevista.

Além disso, 60% delas estão fora das ruas,desempenhando sobretudo funções administrativas(45%). Entre os homens, essa proporção é de menosde 10%. Para a tenente Silvia Souza, chefe deArticulação Comunitária da Coordenação de PolíciaPacificadora (CPP), as mulheres tendem a preferir

Internacional

Proibido paramaioresSemináriorealizado naBibliotecaEstadualParquedebateu aparticipação decrianças naelaboração depolíticaspúblicas

Anjos da MaréCom força depesadelo, aviolentarealidade daMaré invade asnoites deRenataRodrigues,assessora deimprensa doViva Rio

Manifestantescaminharamaté sede daCoordenadoriade PolíciaPacificadora(CPP) em umapasseatapequena, massimbólica. Háatos

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UPP

Emprotestopacífico,moradoresdo Alemãopedem fimdaviolência

As soldados Joelma Miranda, Elza Ramos e Joyce Gigante, dodepartamento de Comunicação Social do CPP.

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cargos mais burocráticos do que operacionais, alémde desempenharem muito melhor esse tipo defunção. "Boa parte das mulheres é muito boa naparte administrativa", explica ela. Por quê? "A mulheré detalhista, dedicada, perfeccionista", argumenta. Aescolha por funções de escritório também muitasvezes se baseia na família — mais um elementoatribuído quase exclusivamente ao cuidado feminino,sem maiores questionamentos. "Eu prefiro [oadministrativo] porque tenho uma filha de doisanos", explica a soldado Joelma Miranda,subordinada de Souza.

Segundo Paula Apulchro, contudo, há também umapropensão por parte dos comandantes a designarfunções menos operativas (ou seja, na rua) paramulheres — sobretudo as mães. "Eu, apesar de sermulher, também quero protegê-las. Mas muitasprecisam, sim, estar nas ruas para desenvolver o seutrabalho." Nenhuma das entrevistadas, contudo,afirma considerar o trabalho administrativo menosimportante ou "policial" do que as atividadesoperativas.

Embora o estudo não ofereça uma relação diretaentre os dados, ele também mostra que as PFems seconsideram menos hostilizadas pelos moradores dascomunidades do que os homens (veja o infográficoabaixo). Cerca de 63% dos homens afirmaram já tersido xingados por moradores, contra 30% dasmulheres. Não à toa, 43,4% delas se dizem satisfeitasna maior parte do tempo — entre os homens, asatisfação é expressa apenas por 23,7%. Elas tambémsão mais escolarizadas: 64,5% têm curso superiorcompleto ou incompleto — para os homens, essenúmero é de 40,3%.

Para as policiais entrevistadas nesta reportagem, ascaracterísticas tradicionalmente consideradasfemininas são fundamentais justamente para a boaprática da polícia de proximidade. "A mulher passapara a comunidade a sensação de honestidade, osentimento maternal. É muito difícil fazerpatrulhamento e não ter alguém que pare e ria para

programadospara o mêsinteiro

Vozes sem pazno AlemãoVivendo sobtiroteiosconstantes e jácom 21 mortoseste ano,Complexo doAlemãoorganizaprotesto nestesábado paradizer#TáTudoErrado

Governo vaifirmar ’PactoNacional pelaRedução deHomicídios’ emevento no Riona próximasemana9º Encontro doFórumBrasileiro deSegurançaPública vaidiscutir a altataxa dehomicídios nopaís. No últimodia do evento,governoprometeuassinar pactopara reduzirem 20% a taxade homicídiosno país

Debate sobresegurançareúnerepresentantesdo governo,especialistas esociedade civilem NiteróiTerceiroseminário dasérie RioMetropolitano:Desafios

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você do nada", conta Apulchro. "Parece que a mulherquebra a barreira tensa da PM com a comunidade.Ela passa uma confiança maior do que o masculinona comunidade em processo de pacificação."

Souza afirma, contudo, que embora a presença demulheres entre os policiais seja benéfica porprovocar um "equilíbrio", as policiais femininas "nãotêm tanta aplicabilidade no confronto quanto osmasculinos. O braço da mulher vai cansar de ficarcom o fuzil engajado; o homem é mais prático, maisrápido." Quando questionada se esse tipo deatividade mais bélica não é mais valorizado dentro dacorporação, ela é rebate. "Está mudando bastante.Hoje em dia, a polícia como um todo reconhece aimportância das UPPs", afirma.

Prendendo o xixiO forte corporativismo da PM pode não dar espaço

Compartilhadosvai discutirUPPs ecrescimento dehomicídios naBaixada

Ciclo depalestras noStudio-X debatemodelosalternativos demoradia noBrasil e nomundo, como aautoconstruçãoe a habitaçãomultifamiliar

O cicloperverso daviolênciaDebate naBibliotecaParqueEstadualabordou comoo medo e até acompaixãopodemincentivarmétodospunitivosviolentos,inclusive a ideiade se fazer"justiça" com aspróprias mãos

Justiça com as

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VIOLÊNCIA

Eventodiscutealternativasà crise dehabitação

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para muitas críticas internas (principalmente àimprensa), mas as PFems não negam que ainstituição é sexista. "A gente entende que é umacorporação ainda hoje masculina e machista", declaraSouza. "Temos a consciência de que estamos numacorporação que não foi montada para nós, ela está seadaptando à nossa presença". Adaptação esta quepassa não só pela criação de ambientes confortáveispara as mulheres, mas sobretudo pelocomportamento dos outros policiais. "Já tivesubordinado que não aceitava ser comandado poruma mulher e pediu para sair", conta Apulchro.

Afinal, a PM do estado do Rio só começou a recebermulheres em 1982 e, mesmo em 2015, ainda há UPPssem instalações adaptadas para as policiaisfemininas. "Na UPP da Formiga [Tijuca], só tinha umbanheiro, que era usado pelos homens da tropa. Ecomo a gente ia sentar para fazer xixi naquelebanheiro? A gente prendia o xixi o dia inteiro", narraSouza, acrescentando que, após reclamações dasmulheres, foi construído uma alojamento femininona UPP. A tenente, aliás, ingressou na PM junto com acapitão Apulchro. Na turma delas, havia 7 mulherespara 133 homens. A própria comandante da UPPMacacos conta que abriu seu banheiro dentro docontêiner no Morro dos Macacos para as outras 25Fems utilizarem. "Não dá para usar o mesmobanheiro que os homens, né", comentou, rindo.

A adaptação, contudo, parece ser mais intensa nosentido contrário — estimulando o distanciamentodas mulheres de características supostamentefemininas. "É, a gente fica um pouco mais bruta",admite Apulchro. Souza conta que, quandotrabalhava com a formação de policiais, dizia: "nãoquero que vocês fiquem se fazendo de vítimas, dechororô, de mulherzinha. Elas não são homens, masprecisam ter o mínimo de ’rusticidade’ para quepossam se impor enquanto policiais."

Se a "rusticidade" é importante para a afirmação dopolicial, ser "mulherzinha" cai no polo oposto, donão-policial. A oscilação entre esses dois extremos é

Justiça com aspróprias mãos:os tribunaisdas ruas’Conversas naBiblioteca’discutelinchamentos,causas dodesejo devingança emétodos defortalecer odiálogo

Operaçãopolicial deixamoradoresilhados naMaréTiroteiosintensos nosdias 8 e 9 desetembrodeixam pelomenos umadolescentemorto e trêspessoas feridas

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observada pela socióloga Barbara Mourão, uma dasautoras do estudo do CESeC. "No discurso masculinoda PM, tudo que não é polícia é feminino. Quantomais polícia, menos mulher; quanto mais mulher,menos polícia", avalia.

Da mulher rústica à maternalO distanciamento das UPPs do conceito original depolícia de proximidade foi uma das possíveisconclusões das autoras do estudo, que constatou umaumento de 15% no número de policiais membros deGrupos Táticos de Polícia Pacificadora (GTPP), asunidades mais bélicas e repressivas das UPPs. Em2010, 7,2% dos policiais entrevistados disseramparticipar de GTPPs na maior parte do tempo; em2014, esse número aumentou para 22,2%. Para asocióloga Silvia Ramos, coautora do estudo ao ladode Mourão e de Leonarda Musumeci, os GTPPs estãodiretamente relacionados ao aumento do número deconfrontos. "Por esses dados, vemos que as UPPsestão ficando cada vez mais distantes da polícia deproximidade e comunitária, que é seu projeto inicial."

A passagem progressiva para uma UPP mais pautadapelo confronto que pela proximidade é, para Mourão,

Clique na imagem para conhecer mais detalhes dapesquisa (fonte: CESeC)

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mais um reflexo da visão das PFems comosecundárias — e não fundamentais — à polícia. "Écomo se não fosse da natureza do policiamento fazerações de proximidade. Essas ações aconteceriamapenas porque as mulheres seriam ’naturalmente’dotadas, e não porque de fato existe uma política deaproximação", explica a socióloga.

Vale lembrar que a primeira comandante de UPP foiuma mulher: a capitão Pricilla Oliveira Azevedo, daUPP Santa Marta — a primeira a ser criada, em 2008.Hoje, das 38 UPPs existentes, cinco são comandadaspor mulheres: a UPP São Carlos, no Rio Comprido,comandada pela major Camille Jubram Dib; a UPPAdeus-Baiana, no Complexo do Alemão, comandadapela capitão Paula Andresa das Chagas; a UPP doCaju, comandada pela major Joyce Albuquerque daRocha Leite; e a tenente Tatiana Lima, na UPP SantaMarta, em Botafogo — além, é claro, da UPPMacacos, comandada por Apulchro.

A despeito da quantidade de postos de comandoocupados por mulheres, Mourão acredita que o lugarda PFems nas UPPs foi perdendo fôlego. A partir deuma análise da cobertura de três jornais cariocas —O Dia, Extra e O Globo — , a socióloga observou queas matérias reforçaram o imaginário comum quecoloca a mulher como elemento auxiliar ao trabalhopolicial. Das 15 mil reportagens sobre UPPspublicadas desde o fim de 2008 até 2013, 115 faziammenção a alguma presença feminina. "E, nessas, ficaclaro que o estereótipo da mulher como pessoacapaz de dialogar é uma característica à margem daUPP. É a mulher à margem da política, incumbida deprojetos particulares e voltados a certa parte dapopulação — principalmente crianças e idosos",explica Mourão.

Assim, se a função repressora e operacional cabemais ao homem do que à mulher - - como mostramos dados do CESeC —, esta seria responsável pelopoliciamento não tradicional, comunitário, cujalegitimidade dentro da própria PM ainda é alvo dedisputa. "Esse lugar no qual a mídia coloca a mulher é

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um lugar também que vê a favela não só comoterritório do inimigo, mas do carente. A mulher estáali no seu lugar de mãe, como se a favela fossecarência, e não potência", avalia Mourão.

Enquanto a disciplina militar exige embrutecimento, aUPP — ao menos em tese — demanda diálogo e amídia pede um comportamento maternal, as Femsprecisam exercitar a plasticidade de seucomportamento para se encaixar nos múltiplospadrões que lhe são apresentados. E, para superar oolhar machista que, como afirmaram todas asentrevistadas, as fragiliza, a maneira de subir nacarreira é lidar o tempo todo com a vigilânciamasculina: "A gente precisa o tempo todo provar queé boa, que é melhor — que está no mínimoequiparada ao homem", sintetiza Apulchro.

GALERIA

A capitão Paula Apulchro, quando comandava a UPP ChapéuMangueira/Babilônia, no Leme: sempre sorrindo (foto: divulgação/UPP)